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Papo de Cabine | Bill Lavender

Felizmente, Combustível de Aviação Leva Corante

Existe um ditado na aviação que diz que a única ocasião em que se tem combustível demais é quando o avião pega fogo. Bom, isso pode não ser bem verdade, já que é comum se operar um avião agrícola com os tanques apenas parcialmente abastecidos. Mas e quanto a combustível contaminado nos tanques? Isso pode resultar em uma situação tão ruim como a de não ter combustível suficiente.

É responsabilidade do piloto checar o seu nível de combustível antes de decolar, bem como drenar e verificar a existência de água ou outros contaminantes que possam sair dos drenos dos tanques. É prudente dar uma olhada no intradorso da asa, na área onde ficam os tanques de combustível. Felizmente, o combustível de aviação recebe o acréscimo de um corante de identificação. Isso ajuda o piloto não apenas a determinar se o combustível nos tanques é o correto, mas também a localizar vazamentos.

Me lembro de uma época no início dos anos 1990, quando eu voava um Thrush com motor radial R-1340 de 600 HP. As asas do Thrush tem janelas de inspeção dos tanques de combustível no extradorso. Este avião em particular tinha um vazamento de combustível na janela de inspeção, com manchas evidentes de combustível escorrido até o bordo de fuga. Isto não é raro, mas pode ser perigoso e tem que ser consertado.

Se você já voou com um motor R-1340, sabe que ao anoitecer ou no nascer-do-sol, ou à noite, pode-se ver uma longa e brilhante chama azul saindo do escapamento e fluindo por sobre a asa direita, bem por cima da janela de inspeção do tanque.

Eu estava preocupado com este vazamento. Liguei para Mr. Chuck Stone, da Southeastern Aviation, que era um revendedor Air Tractor mas tinha operado aviões da Thrush por muitos anos. A conversa foi mais ou menos assim:

“Mr. Chuck, tenho uma pergunta.

“O que é, Bill?”

“Bom, eu tenho um vazamento de combustível na janela de inspeção da asa direita. E estou preocupado, será que é perigoso? Aquela chama azul passando por cima não vai fazer ele pegar fogo?”

Mr. Chuck pensou um pouco no caso, e aí me perguntou há quanto tempo eu estava voando com aquele vazamento. Eu disse para ele que fazia coisa de uma semana. Aí, o experiente Mr. Chuck respondeu, “Bom, se não pegou fogo até agora, provavelmente não vai pegar mais. Mas você precisa consertar isso!”

Impressionante como essa sabedoria parece ser tão óbvia depois do fato. Se aquele vazamento fosse pegar fogo, teria pego muito antes da minha ligação para Mr. Chuck. Porém, segui seu conselho e mandei consertar o vazamento no mesmo dia. Ninguém quer ter um incêndio em voo.

Há outras preocupações quanto a vazamentos de combustível, e a pergunta principal é “porque o avião está vazando combustível?” É uma boa pergunta, que deve ser respondida antes do próximo voo. Talvez o infeliz piloto de um Baron que estava tentando pousar no Campo de Marte neste julho passado estaria vivo hoje, se tivesse prestado mais atenção a um vazamento de combustível.

Não estou fazendo um julgamento desse piloto. O Baron que ele voava caiu na aproximação para o Campo de Marte por pane de motor. Não sei os detalhes, mas parece que a ANAC suspeita que o combustível estivesse contaminado. O grande problema é que este Baron não é o único avião suspeito de estar com combustível contaminado; outras aeronaves reportaram o mesmo problema. Vi fotos de aviões sob suspeita de estarem com esse problema, e os vazamentos de combustível eram bem evidentes, indicados pelas manchas deixadas pelo corante do combustível.

Este é um problema tão sério que a ANAC emitiu um Boletim Especial de Aeronavegabilidade, o BEA no 2020- 08. Minhas fontes me dizem que a AOPA Brasil pediu à ANAC que groundeasse toda a frota de aeronaves a avgas. Felizmente, a ANAC teve a sabedoria de emitir o Boletim Especial, ao invés. Isto pelo menos faz com que os pilotos prestem mais atenção ao seu combustível. É claro, a Petrobras está levando a culpa pelo problema. Lá pela metade de 2018, a Petrobras parou de refinar avgas em sua refinaria de Cubatão, para fazer manutenção. Era a única refinaria de avgas no Brasil. Isto causou uma falta de avgas no Brasil no final de 2018, quando a importação de avgas pela Petrobras, para suprir a parada de Cubatão, teve problemas com a Alfândega brasileira.

O retorno da produção de avgas na refinaria da Petrobras estava previsto para outubro de 2020. Mas o coronavírus tornou isto incerto. Há vários relatos de aviões com vazamentos no Mato Grosso, Rio Grande do Sul, São Paulo e Goiás. A julgar pelas informações, parece que o combustível contaminado está atacando juntas e componentes de borracha nos sistemas de combustível.

No momento em que escrevo isso, a Petrobras alega não ser a única importadora de avgas, tentando se eximir de culpa. Até agora, a empresa não conseguiu isolar e solucionar o problema. A maioria das empresas aeroagrícolas do Brasil, felizmente, está em sua entressafra. Além disso, a maior parte da frota de aviões agrícolas a pistão usa etanol (os Ipanemas) e não parece haver problemas com este combustível. Estes dois fatores, a entressafra e o etanol, ajudaram a evitar um enorme problema com avgas contaminado. Mas para aqueles operadores usando avgas, fazer uma cuidadosa inspeção diária do sistema de combustível de suas aeronaves seria uma boa política. Na verdade, como pilotos aprendemos a verificar o sistema de combustível quanto ao nível dos tanques, pureza do combustível e vazamentos na inspeção pré-voo. Isto deveria ser obrigatório.

Vamos ser inteligentes e ter a consciência de que não é só porque um fornecedor de combustível legítimo abasteceu nosso avião que podemos nos eximir de nossas responsabilidades como pilotos. Seja diligente, inspecione seu sistema de combustível e talvez você não tenha o mesmo azar do piloto daquele Baron. Pilotos agrícolas já tem preocupações que chega, sem precisar acrescentar a elas problemas que poderiam ser evitados pelo simples cumprimento de práticas profissionais.

Até o mês que vem, Keep Turning…

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