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Direito de Preferência na transmissão de prédios rústicos

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Direito de Preferência na transmissão de prédios rústicos

Neste artigo vamos fazer uma breve referência ao regime do direito de preferência na transmissão de prédios rústicos.

POR CCR LEGAL – SOCIEDADE DE ADVOGADOS FRANCISCO SOUSA COUTINHO (fsc@ccrlegal.pt) e VASCO BARJONA HENRIQUES (vbh@ccrlegal.pt)

O QUE É?

Por direito de preferência tem-se entendido o direito que determinada pessoa tem de preferir a qualquer outra na compra de certo bem (ou na realização de outro contrato compatível com a preferência), desde que se disponha a celebrar o contrato em igualdade de condições, podendo esse direito ter origem convencional (i.e., ser criado pelas partes ao abrigo da liberdade contratual) ou legal (i.e., decorrer diretamente da lei), sendo este último um direito potestativo, com eficácia real, fundado em razões de interesse e ordem pública. Quanto aos prédios rústicos, dois dos direitos de preferência legais mais relevantes são aqueles constituídos em benefício (i) dos proprietários dos prédios confinantes e (ii) dos arrendatários de contratos de arrendamento rural.

DIREITO DE PREFERÊNCIA DOS PROPRIETÁRIOS DOS PRÉDIOS CONFINANTES

A lei prevê que “os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura [cfr. Tabela I, constante da Portaria 219/2016, 9 de agosto, na sua redação atual], gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.” Assim, são usualmente identificados quatro pressupostos para o exercício do direito de preferência: (i) o prédio a transmitir tenha área inferior à unidade de cultura, (ii) o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio a transmitir, (iii) o prédio do preferente tenha área inferior à unidade de cultura e (iv) o potencial adquirente do prédio não seja proprietário confinante. Quando exista mais do que um preferente, a lei estabelece uma hierarquia entre os vários proprietários com direito de preferência. Assim, terá primazia no exercício do direito de preferência, no caso de alienação de um prédio encravado, o proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem e, nos outros casos, o proprietário que, caso exerça o direito de preferência, obtenha a área que mais se aproxima da unidade de cultura fixada para a zona onde o prédio rústico a transmitir se localiza. Caso vários preferentes se encontrem em igualdade de circunstâncias e queiram exercer o respetivo direito, haverá uma licitação entre eles, revertendo o aumento do preço a favor do alienante. Salientamos que os proprietários de prédios confinantes não gozam de direito de preferência (i) quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura, ou (ii) quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar. Por último, é igualmente impor-

tante relevar que os proprietários de prédios rústicos ou mistos incluídos numa área da Reserva Agrícola Nacional gozam do direito de preferência na alienação ou dação em cumprimento de prédios rústicos ou mistos confinantes. Assim, os proprietários dos prédios rústicos ou mistos inseridos na Reserva Agrícola Nacional (independentemente da sua dimensão) que os pretendam vender, devem comunicar por escrito a sua intenção aos confinantes que podem exercer o seu direito nos termos da lei. Os proprietários não têm de dar preferência caso a alienação ou dação em cumprimento seja efetuada a um dos preferentes.

DIREITO DE PREFERÊNCIA DOS ARRENDATÁRIOS NO ÂMBITO DO NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO RURAL

No caso de venda ou dação em cumprimento de prédios que sejam objeto de arrendamento agrícola ou florestal, aos respetivos arrendatários cujo contrato vigore há mais de três anos, assiste o direito de preferirem na transmissão. No entanto, tal direito de preferência caduca perante o exercício do mesmo direito por co-herdeiro ou comproprietário. Sempre que o arrendatário exerça tal direito, fica obrigado a explorar o prédio rústico, ou no caso de ser pessoa coletiva, por si ou sociedade do mesmo grupo empresarial, como seu proprietário pelo período mínimo de cinco anos, salvo caso de força maior, devidamente comprovado. Caso o arrendatário adquirente não cumpra a obrigação de exploração, fica obrigado a pagar ao anterior proprietário o valor equivalente ao quíntuplo da última renda vencida e a transmitir a propriedade ao preterido com o exercício da preferência, se este o desejar, pelo preço de aquisição do prédio. Ficam isentas do pagamento de imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis todas as transmissões onerosas de prédios rústicos a favor dos respetivos arrendatários, desde que exista contrato escrito há pelo menos três anos, e o mesmo seja do conhecimento dos serviços de finanças da área de residência do senhorio ou da sede da pessoa coletiva.

COMO FUNCIONA O DIREITO DE PREFERÊNCIA

De forma a que os preferentes possam exercer o seu direito, o proprietário vendedor deverá comunicar que se irá realizar a venda, bem como as cláusulas essenciais do respetivo contrato, nomeadamente, a identificação do comprador, o preço e formas de pagamento, a data para a outorga da escritura pública de compra e venda e eventuais condições especiais da transação. Assim, o preferente deverá ter conhecimento de todas as condições suscetíveis de influenciar decisivamente a formação da vontade de contratar, permitindo-lhe a ponderação consciente entre preferir ou abdicar de um direito de opção que lhe assiste. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.

Tendo em conta o acima exposto, fica claro a complexidade de um tema que muitas vezes passa despercebido no âmbito das transações imobiliárias e que tantas vezes são causa de discórdia e litígio, pelo que se aconselha, desde uma fase inicial do processo, um acompanhamento jurídico especializado. ¢

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