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A Poesia, a Música e a Economia (que ELES não entendem)
by Abramus
Por Sérgio Jr
Peço que se atentem a cada palavra contida nos versos abaixo, retirados da música “Tudo o que eu tenho” do grande Jorge Vercillo.
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“Eu me entreguei de corpo e alma para a dor e alegria, de ter a música como crença, como um Deus. O meu amor, o meu sustento, a minha sabedoria, tudo o que eu tenho, foi a música quem deu.”
Quem ousa tentar viver de música, sabe a profundidade desses versos. A começar pela paixão! O músico, a musicista, o(a) autor(a), o(a) artista, de uma maneira geral, é um apaixonado! A dedicação dada à musica em estudos, noites viradas, tocar e cantar “ nos bailes da vida ou num bar em troca de pão”, incertezas quanto a que tipo de segurança a música vai trazer no futuro, se nossos acordes, melodias e letras vão ou não tocar as pessoas. Tudo, tudo, tudo fica em segundo plano, quando a gente toca e quando a gente canta. A música tem esse poder! Como cantou Milton Nascimento em Nos Bailes Da Vida. Mas eles não conseguem entender...
Experimente conversar com um músico, uma musicista, um cantor(a), um compositor(a) que esteja no início da carreira, ou que ainda não seja conhecido(a). Aposto que você conhece algum! Ele ou ela vai até te falar das dificuldades que enfrenta, mas logo em seguida, seus olhos vão brilhar te contando do melhor show que já fizeram, da música nova que compuseram, de alguém importante que o mencionou... Deixe ele(a) falar, preste atenção, nos olhos dele(a) enquanto te conta! É inspirador! Acredite! Você vai entender...
A coisa mais incrível nas artes é que não há fórmula, não há segredo de parte a parte... É genuíno, vem de dentro e vem puro, na batida do coração e aconchego da alma.
Eu estava assistindo (sempre assisto) ao programa “ Zumbido”, do incrível Paulinho Moska exibido no Canal Brasil com Tavito e aprendi muito. E parafraseando Tavito, que em sua sabedoria tentando explicar o que era “compor”, disse que era como se Deus tivesse dado a chave de um jardim muito bonito no céu aos compositores. E o compositor abrisse essa porta, pegasse a flor mais linda que lá tivesse, trouxesse pra cá e ofertasse às pessoas...
Tavito, na verdade, tentando explicar, formulou a mais bela teoria que já ouvi... E falando em Tavito, “sem querer fui me lembrar de uma rua e seus ramalhetes, do amor anotado em bilhetes, naquelas tardes...” Rua Ramalhete (Tavito/ Ney Azambuja). Impossível não ler cantando...
Visitando um passado muito distante, quis o senso de justiça histórica que fossem conhecidos e reconhecidos esses artistas apaixonados, que tornam a nossa vida mais doce, emblemática e poética. E assim, poeticamente, nascia o Direito Autoral.
A admiração das pessoas e o sentimento de pertencimento que os expectadores das obras desses artistas tiveram ao longo dos séculos fizeram com que fossem economicamente importantes, pelo que atraem e por adquirir valor de mercado. Assim, as obras ganharam proteção jurídica e moral.
Hoje, vivendo a pior pandemia dos últimos cem anos, um grupo de parlamentares de coração gelado, não pelo inverno, não enxergam isso. Eles não sabem e nem nunca saberão sobre a paixão! Eles não entendem disso...
Mas eles sabem e, fingem que não, que a música e as artes oxigenam a economia! E esse oxigênio é que mantem esses apaixonados artistas respirando.
O consumo de toda e qualquer coisa é impulsionado por dois fatores: necessidade e desejo. A música e as artes provocam as duas coisas. Os Titãs, já gritam isso há décadas, nos versos de Marcelo Frommer, Arnaldo Antunes e Sérgio Britto, em Comida. Mas eles não entenderam até agora...
Esses Senhores e Senhoras que bradam contra o direito das pessoas, o direito autoral das pessoas, jamais entenderão o brilho no olhar de toda essa gente. Não entenderão mesmo.
Nenhum interesse econômico/financeiro pode se sobrepor à milhares de músicos, autores, artistas, interpretes, que doam sua ALMA pra música que fazem, sem saber se vai dar certo ou não. Eles jamais vão entender Djavan e Caetano: “ Se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria! Isso pra mim é viver.”
O que eles conseguem entender, é que a música que a gente faz, apaixona as pessoas, vira desejo, necessidade, vontade e é a partir disso que propicia ganhos milionários aos setores que as usam e não querem pagar por esses direitos. Ah! Isso eles entenderam.
A inteligência e o bom senso mandaria que eles valorizassem a obra prima da música! Incentivassem, preservassem os direitos e potencializassem os ganhos dessa classe.
Nossa música mitifica o nosso país! Tom, Vinicius, Elis, Caymmi, Cartola, Gil, Arlindo, Zizi, Caetano, Ivan, Noel, Carmen, Tim, Ivone, Roberto, Zeca, Erasmo, dentre outros gênios que temos, tivemos e que continuam a brotar desse solo fértil de talentos chamado Brasil, que engrandecem nossa história, cultura, economia e turismo.
É! Eles jamais entenderão, e vão passando por sobre as nossas cabeças, massacrando os nossos direitos. No futuro, vão se orgulhar de que? Não sei.
Abel Silva sintetizou o que estamos vivendo: “Se você ainda não entendeu: as minhas músicas são suas, mas os direitos são meus.” Mas pra variar, eles não entenderam, eles não têm sensibilidade pra entender a nossa poesia, nem as nossas obras, mas sabem que elas são economicamente lucrativas e isso que lhes importa.
Voltando ao início, Jorge Vercillo nos deu voz, dizendo que a música é “ Tudo que eu tenho”. Infelizmente Vercillo jamais iria prever (nem nós) que em seu verso: “O meu amor, o meu sustento e a minha sabedoria”, o “sustento” lhe seria arrancado, de uma hora pra outra, em caráter de urgência, num Projeto de Lei de 1997 com mais de 100 (cem) apensos, durante a pandemia, pelos Senhores e Senhoras que estão legislando.
Eles não entenderam nada mesmo...
No entanto, eles não sabem o que é paixão, não sabem o que é compor, não sabem como cantar o amor e se tornar parte da vida das pessoas. Não sabem o calor dos aplausos, não sabem como sentir que a música faz parte do seu corpo, e fica pra sempre... Não sabem... A gente sabe! A gente tem alma pra dar, e daríamos a que não temos; a gente sonha um mundo melhor e a gente acredita no melhor nas pessoas. Eles não sabem o que é sentir isso! Nem saberão, porque isso eles não vão conseguir tirar de nós.
(Foto: Washington Passato)