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Repúblicas de Coimbra: “Se ele diz que pertence ao povo, o povo que venha cá”
- POR ANA CARDOSO -
As repúblicas, conhecidas pela sua essência singular, tornaram-se já parte da história da cidade. Neste momento, os habitantes das 24 Casas que ainda resistem enfrentam todos os dias problemas causados pela falta de apoios. Na sequência das declarações do reitor, dadas em entrevista ao Jornal A Cabra, as repúblicas vêm expor as suas preocupações e esclarecer alguns pontos.
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Todos os anos as repúblicas e casas comunitárias usufruem de um ‘plafond’ que, na compra de alimentos, disponibilizados a preço de custo pelos SASUC (Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra), serve para cobrir metade do valor total. Segundo Olga Pérez, da Real República Bota-Abaixo, costuma sobrar dinheiro, mas no ano passado a situação inverteu-se, já que este fundo “não acompanhou a inflação atual”. Com o ‘plafond’ acabar antes do fim do ano, viram-se obrigados a recorrer aos SASUC de modo a conseguirem ter alimentos para dezembro. Este pedido teve luz verde do reitor da UC, Amílcar Falcão, e, segundo César Sousa, repúblico da Bota-Abaixo, as faturas de dezembro acabaram por ser comparticipadas nos 50 por cento habituais. O aumento do custo de vida, sem o aumento do ‘plafond’, preocupa os estudantes que, após a insuficiência, em 2022, vivem na incerteza, sem saber se vão ter dinheiro suficiente para o ano. Dirigiram-se aos SASUC a explicar o problema, na esperança de conseguirem apoios. No entanto, continuam à espera de uma resposta.
Outros problemas são a distribuição dos alimentos, que passou a realizar-se com menos frequência devido à falta de condutores das carrinhas, assim como as condições em que chegam. Zeca Afonso, repúblico da Corsários das Ilhas, confirma que, apesar de receberem alimentos “em grande quantidade”, estes vêm estragados, ou com pouca validade. Segundo Manuel Estevão, morador da Bota-Abaixo, “os SASUC estavam a par, a tentar resolver”, enquanto esperavam pela abertura de concurso público para contratar alguém para fazer a distribuição, além da aquisição de uma carrinha. Disseram que em março ou abril o problema estaria resolvido, mas até então não foram abertos os ditos concursos, nem dadas mais informações.
Em entrevista, o reitor comentou a falta de diálogo com as repúblicas. Estas concordam que a comunicação deve melhorar. César Sousa esclarece que a última vez que falaram com os
SASUC foi em janeiro, quando os interpelaram com a questão do aumento do ‘plafond’. “A partir do momento em que solicitámos uma informação e ainda não a deram, passados tantos meses, obviamente há aqui uma falta de diálogo, mas não quer dizer que não queiramos dialogar”, acrescenta. O diálogo funciona nos dois sentidos, chega a ser “ridículo” dizer que os estudantes “vão para os jornais fazer figuras tristes”, remata. Para começar, sugere que “respondam aos e-mails”.
Quanto à insistência em saber o número de estudantes a viver nas repúblicas, tanto a BotaAbaixo como os Corsários respondem que não é uma informação relevante. Defendem que o estilo de vida das repúblicas deve ser o fator mais pesado na atribuição de apoios. A sua ligação com a população universitária e local, fortalecida através das iniciativas culturais que promovem, cria um “contexto ímpar que não existe em mais lado nenhum”, ilustra César Sousa. Zeca Afonso salienta o papel destas casas na cultura de Coimbra, por exemplo, na promoção de eventos, na receção de estudantes e na sua integração, além de gostarem de “oferecer a quem mais precisa”.
A par da importância de preservar e manter este estilo de vida, César Sousa explica ainda que é “inexequível dar esses dados [número de moradores estudantes] pelo fluxo dinâmico de residentes a entrar e a sair das casas”. Elucida ainda que o que se pensa de as repúblicas es - tarem “cheias de não-estudantes” é “mito”. Quando acontece, “por norma, são ex-estudantes que ficam a viver, dada a quebra geracional”, até conseguirem voltar a estabilizar a geração da casa. No caso dos Corsários das Ilhas, o edifício não estaria de pé se não fossem os não-estudantes. Zeca Afonso conta que, desde pequeno, visita a república e eram os trabalhadores de obras que lá viviam que arranjavam a casa, depois de regressarem do trabalho. “Se não fossem eles, a casa já não existiria, penso que teria caído aos pedaços”. Acredita que podem ter mais estudantes se a Universidade publicitar estes lugares cheios de história(s).
Por último, os repúblicos lamentam que o reitor considere que “para as repúblicas o reitor é sempre uma pessoa indesejável, seja eu [Amílcar Falcão] ou outro qualquer”. A BotaAbaixo já foi frequentada por outros reitores, além de que todos os centenários os convidam para jantar, por isso não se reveem na declaração de Amílcar Falcão. Os Corsários consideram o atual representante máximo da UC uma pessoa inacessível e “desligada da realidade”. No entanto, “bastava dar-se ao trabalho de aparecer e mostrar interesse nas casas” para quebrar esse estigma, acrescenta Zeca Afonso. Guilherme Portugal, amigo dos Corsários, termina com um convite inspirado numa música de Sérgio Godinho: “Se ele diz que pertence ao povo, o povo que venha cá”.