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MÚSICA

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CINEMA

CINEMA

golpe artístico nessa mesma autobiografia.

A leitura canónica de que o cinema salva o protagonista, na verdade não encontra alicerces no filme. Sabemos sim que foi isso que aconteceu ao pequeno François Truffaut. O cinema salva-o e ele constrói a vida em volta da arte. Por outro lado, isso não parece ser suficiente para salvar Antoine. Não parece haver forma de escapar ao desespero, nem o mar quando o

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Melancolia Com Aroma A Hortel

Um dos mais prodigiosos talentos da música nacional contemporânea, MARO tem no seu percurso diversos marcos que falam por si. Entre colaborações em estúdio com artistas como Jacob Collier ou Milton Nascimento e outras tantas contidas na série de YouTube “Itsa Me, MARO”, a conquista do Festival da Canção 2022 e o seu subsequente sucesso no palco da Eurovisão, a artista lisboeta acarreta ainda uma prolífica carreira discográfica, estreada em 2018 com o lançamento de cinco álbuns no espaço de apenas um ano.

Este abril, o seu timbre suave e caloroso retornou com “hortelã”. Com um alinhamento total de dez faixas, que foram apresentadas, uma por uma e sucessivamente, ao longo das últimas semanas, este disco é um registo singelo e refinado em que MARO incorre num desafogo profundo. Gravado, segundo a própria, com “a intenção de deixar para trás o que foi e começar um novo capítulo”, “hortelã” é um álbum terapêutico onde a voz e a guitarra são os meios exclusivos para a reflexão da autora, como se a sua vontade, depois do barulho crescente que tem surgido em torno do seu nome, tivesse sido de pequenez e simplicidade.

Melancólico e amoroso, íntimo e introspetivo, este é um trabalho em que a emoção é tratada com adequada sinceridade. Misturando sotaques e idiomas, MARO deixa a sua escrita escoar em traços firmes. Assim garante, por um lado, a individualidade de cada história sua, que só a ela lhe pertence, evidente em faixas como “fui passo calculado” ou “em porta trancada”. Por outro, atribui com destreza uma aura universal e relacionável aos sentimentos que irradia, demonstrados de forma clara em “just wanna forget you”, “hortelã” ou na maravilhosa “juro que vi flores”.

Com a devida imaginação, é possível conceber este disco como um pequeno livro de fotografias, espalhadas à solta por diferentes páginas, avista pela primeira vez. Fica sempre a questão no ar, será que o oceano simboliza a liberdade ou é apenas mais uma parede? ao qual a cantora convida gentilmente a conhecer. O que acontecer depois vem de acordo com o próprio visitante. Quantas vezes essas fotografias, mesmo adornadas, nos passam despercebidas, ou são reparadas apenas por um displicente instante; quantas vezes nos prendem o olhar e o pensamento, nos conduzem pelos corredores da memória e nos lavam a cara com sal. “hortelã” permite ambas as hipóteses, assegurando apenas que o aroma doce que traz embebido se prenderá aos olhos, humedecidos ou não, de quem o visita.

Pode isto ser considerado uma liberdade artística numa autobiografia? Parece-me legitimo fazer esta leitura. Uma janela para a vida de Truffaut onde o cinema não foi suficiente. Uma vida pior.

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