AÇÃO CULTURAL NO MEIO RURAL
José Francisco de Melo Neto1
Ação cultural no meio rural2 é um trabalho fruto da experiência desenvolvida na Zona da Mata do Estado de Alagoas, no município de Colônia Leopoldina3. Uma preocupação conceitual de educação esteve sempre presente: educação como processo que envolve o educando na atuação transformadora de seu ambiente. A comunidade4 é caracterizada em seus aspectos: histórico, geográfico, econômico, educacional e cultural, social, religioso e outros. Delineiam-se estes aspectos no marco da dependência, situação que caracteriza a comunidade. O trabalho de ação cultural desenvolve-se a partir da definição de uma metodologia científica com vista à concretização de ações educativas que façam frente a essa situação de dependência e que conduzam à organização de vários grupos sociais existentes ou emergentes com a ação educativa na comunidade. Optou-se pela metodologia da pesquisa-ação, buscando-se mostrar o conjunto de atividades educativas que foram sendo desenvolvidas, constituindo-se como ação cultural. O conhecimento da realidade local deu-se a partir de grupos já formados ou em formação, iniciando-se a definição da ação por esses mesmos grupos que são os responsáveis diretos pelo exercício daquelas práticas educativas. O trabalho educativo inicia-se pelos seguintes segmentos: Sindicato de Trabalhadores Rurais; professores do colégio da cidade; alunos do curso de magistério; professores do MOBRAL; grupo de jovens; jogadores de futebol; grupo de zabumba; „guerreiros‟ (dança folclórica) e fotógrafos. Entre vários membros desses grupos, ocorreu a coleta de dados sobre a comunidade, sendo devolvido, posteriormente, à 1
Professor Titular da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Atua no curso de Pedagogia e no Programa de PósGraduação em Educação – Educação Popular. Coordena o Grupo de Pesquisa em Extensão Popular(EXTELAR). 2 Este trabalho resultou em Dissertação de Mestrado em Educação, tendo como membros da Banca Examinadora os Professores: Dra. Hélène Barros, Dr. Argemiro Procópio Filho e Dr. Messias Costa, defendida na Universidade de Brasília (UnB), com o título Ação Cultural no Meio Rural: Uma experiência em Colônia Leopoldina – Al, em 1984. 3 Essa experiência, que teve duração de dezesseis meses, foi pautada por uma visão educativa em que o homem se educa, comprometendo-se politicamente e intervindo no seu ambiente para transformá-lo. 4 Comunidade – conjunto de pessoas convivendo em um determinado espaço físico e geográfico, com um complexo de diversidades culturais, econômicas, políticas e sociais que interagem em um processo dinâmico de relações. (Secretaria de Cultura do MEC – 1980).
própria. Destaca-se, nesse trabalho, a ação coletiva desses grupos quanto ao resgate de sua cultura e organização, podendo ser caracterizado, hoje, como expressão da resistência cultural de grupos de uma comunidade rural, naquele determinado momento histórico.
INTRODUÇÃO
Pelo menos dois tipos de abordagem têm predominado, de certa forma, nos estudos da educação nos últimos anos: Uma considera a educação como fator de mudança social e, portanto, como canal de mobilidade social; outra, vê a educação numa perspectiva de investimento, num enforque econômico. Na análise em que a educação é vista como fator de mudança social esta é explicitada como mudança superficial dos problemas. Não questiona a essência do sistema. Nesta concepção, a educação tem papel fundamental. Mudança aqui é entendida como uma transformação profunda, onde o sistema de produção vigente e suas relações sociais são alteradas, tendo a educação um poder importante. Nos estudos que apresentam a educação como canal de mobilidade, a função da educação se direciona no sentido de “situar” o homem socialmente. Dessa forma, além da função de formação e socialização, passa a promovê-lo na escala de prestígio. Escamoteia-se a estrutura de classes da sociedade, entendendo-se que contribui para uma mudança na sociedade. Em conseqüência, desenvolve-se a motivação para que o indivíduo busque essa mobilidade. Trata-se de uma dimensão que admite vários conceitos, conforme apresenta BENJAMIN (1980: 28): “Mobilidade estrutural resultante das modificações nas ofertas de ensino decorrentes das mudanças de ocupação com a industrialização; mobilidade por troca de posição onde ocorre um intercâmbio de indivíduos entre “status” devido à pouca rigidez na estratificação; mobilidade de competição onde o “status” é um prêmio conquistado individualmente com o próprio esforço do aspirante, e também a mobilidade promocional onde a própria elite escolhe e premia os escolhidos de dentro de seu seio instituindo critérios meritocráticos e aqui o esforço não é suficiente para sua obtenção”.
A educação é, então, apresentada como um fator muito expressivo para a ascensão social. Nesse aspecto, busca-se a demonstração de que o critério sócioeconômico deixa de ser fator de obtenção de status e sim um novo critério, que é a escolaridade. No enfoque econômico, a educação é analisada de forma explícita, como investimento. Estão presentes, em cada momento, elementos como: produto, taxa de retorno, consumo, demanda e oferta. Esse investimento apresenta-se em três tipos: estatal, privado (a escola particular) e individual (auto-investimento). Dele decorrem três tipos de taxas de retorno: lucro para a nação, lucro para o setor privado e também maiores rendimentos aos estudantes quando estiverem no mercado de trabalho. A preocupação está sempre em medir os estoques na educação e, em conseqüência, seus rendimentos. Na visão econômica da educação, a medição da ascensão social decorre da qualificação e do rendimento, de modo que os diferentes níveis de status são gerados por diferentes níveis de especialização. A educação, enfim, assegura taxa de retorno alta para a nação bem como para o indivíduo. Ainda, segundo BENJAMIN (ibid.: 41), ambos os enfoques se aproximam quando estão preocupados com “o equilíbrio e a estabilidade das estruturas, inclusive utilizando mecanismos de avaliação e controle que servirão a própria realimentação do sistema, visando seu funcionamento perfeito para que não tenha de ser modificado... Supõe-se que o sistema capitalista é o mais eficiente e procura-se analisar relações da situação vigente”. Partindo-se do pressuposto de que transformações na sociedade deverão ocorrer, a educação tem papel importante nas etapas de preparação dessas transformações como posterior a elas. Não só pode ser analisada como um fator que permite manter o status quo, como também, pode ser orientada para o papel de instrumento na busca de construção da história da maioria. Dessa forma, a educação toma sua dimensão maior, a dimensão cultural. Passa a marcar presença em todos os setores da vida da sociedade. Pode possibilitar um desenvolvimento crítico nas pessoas a partir de suas práticas nas mais simples formas de organização como sindicato, partido político, igreja e outras instituições, ou mesmo, buscar novas formas organizativas. Entretanto, constata-se que a prática pedagógica tem sido reduzida quase que à sala de aula. É desenvolvida numa realidade expressa de forma estática, resistente à mudança nesse processo limitado da prática educativa. O seu planejamento não reflete suficientemente as necessidades das comunidades. Seus conteúdos e métodos não traduzem as necessidades do homem da cidade e muito menos as do homem do campo.
É reforçada a idéia da educação como mecanismo assistencialista, mas pode contribuir para mudanças na vida da comunidade se utilizar a sua capacidade criadora. Para o meio rural, os conteúdos são mais alienantes, já que provêm de uma realidade urbana. Tais conteúdos, juntamente com a metodologia de ensino, contribuem para o fracasso da aprendizagem. Partindo-se do pressuposto de que a educação no meio rural deve ser diferenciada, ela também deve ser capaz de atuar para a plena realização do potencial dos indivíduos que moram e vivem no campo. O conhecimento da realidade concreta pode possibilitar-lhes uma intervenção na mesma, como agentes do seu próprio desenvolvimento. Mas como conhecer essa realidade? E mais: uma vez conhecida, como realizar essa intervenção? Uma ação educativa só se justifica a partir do envolvimento da comunidade e a sua orientação para as possíveis soluções de problemas comunitários, ou seja, uma ação que considere necessária a participação das pessoas no processo de mudanças. Contudo, que formas podem ser utilizadas para efetivá-la no meio rural? Além do mais, essa ação educativa determinada pelo conhecimento da realidade não pode ser sinônimo de transferência de conhecimento e sim ato dinâmico e permanente no processo de sua descoberta. Enfim, que metodologia desenvolver para atender às expectativas de participação daquela comunidade? É possível descobrir a realidade local a partir da ação daqueles que vivem na própria região e com eles poder melhor desenvolver todo o processo de sistematização. Com esse entendimento, promoveram-se encontros informais com professores municipais e do Colégio Pe. Francisco, daquela localidade, discutindo-se questões educativas como: o abandono da escola pelo alunado, sobretudo na época da colheita da cana-de-açúcar; turmas reduzidas a menos da metade; reprovação do aluno ao final do período letivo e também as questões salariais. Registre-se que professores passam até sete meses sem receber seus salários, mesmo sendo muito aquém do salário mínimo regional. Na reunião com a coordenação e professores do MOBRAL, os problemas apresentados foram os seguintes: índice de analfabetos considerado elevado no município; a impossibilidade de sustentação das turmas, que mal iniciam já vão se reduzindo; ou ainda a preocupação de uma professora em como alfabetizar já que muitos não acreditam na educação do MOBRAL, nem mesmo os analfabetos.
Esta preocupação com a educação também é externada pelos dirigentes dos sindicato rural, em relação aos seus associados. Várias pessoas apresentam também a atuação do sindicato como pouco expressiva. Os religiosos locais têm dificuldades em encontrar formas de organizar a comunidade considerando, inclusive, a comunidade com baixa motivação. Quanto ao grupo de jovens da Igreja Católica, surgem dificuldades na promoção de suas reuniões. Vários deixam o grupo por não saber mesmo qual o objetivo do grupo. Entendem, entretanto, que precisam realizar alguma prática de organização comunitária, mas não se sabe como iniciar. Mesmo assim o grupo existe. Diversas pessoas apresentaram questões de ordem político-partidária, já que não mais de quatro políticos se revezam na administração da Prefeitura há trinta anos, sendo de uma mesma corrente política. Para elas, é preciso haver uma renovação nos quadros políticos locais. Também indicaram questões tais como o fim de tradições culturais como os „guerreiros‟. De posse dessas informações, a opção metodológica que se apresentou para este trabalho foi a da pesquisa-ação, por ser uma metodologia que estimula a participação e abre o universo de respostas, passando pelas condições de trabalho e vida da comunidade. Buscam-se as explicações entre os próprios participantes, que se colocam em posição de investigador. Mas, apenas procurar o conhecimento da realidade não é suficiente, pois, outras metodologias também realizam isso. Entretanto, na pesquisa-ação, o participante é conduzido à produção do próprio conhecimento e se torna o sujeito dessa produção. Nesse aspecto, essa metodologia se distancia de todas as demais e se afirma, constituindo-se como instrumento fundamental de resistência e conquista popular, posto que se reveste dessa ação educativa. Segundo OLIVEIRA (1981: 19), essa metodologia promove “o conhecimento da consciência e também a capacidade de iniciativa transformadora dos grupos com quem se trabalha”. Trata-se de uma concepção de pesquisa que, conforme PINTO (1979: 456), considera “fundamen-talmente como ato de trabalho sobre a realidade objetiva”. Ou ainda, como afirma GAMBOA (1982: 36), “busca superar essencialmente, a separação entre conhecimento e ação, e buscando realizar a prática de conhecer para atuar”. Nesse sentido, é que se buscaram as bases teóricas da metodologia escolhida para tornar possível uma maior fundamentação da mesma, podendo ser resumidas nos termos em que foram apresentados por BORDA (1974: 41):
“Não pode haver separação entre o pesquisador e a metodologia. Se faz necessária a militância do pesquisador já que sem a prática não será possível deduções de cunho teórico ou mesmo a validade ou não do conhecimento”.
Assim, como a metodologia não está separada do pesquisador, também não está dos grupos sociais com os quais se trabalha. Ela tem sua adequação ao se trabalhar no campo ou na cidade, ou ainda, quando se trata de grupos diferenciados como negros, índios, brancos ou camponeses. A metodologia evolui e se modifica em função das condições políticas locais e, logicamente, em função das correlações das forças existentes. Se forças sociais adversárias são fortes, não há porque não tratá-las como tal, sem fazer abstrações dessas situações. Essa metodologia depende ainda da estratégia global da mudança social adotada e de suas táticas, a curto e médio prazos. Não se apresenta como enumeração pura e simples de princípios sem referência do processo global de mudança. Dela têm-se ainda alguns traços que são apresentados por HALL (1981: 14) e que podem ser sintetizados assim: “A informação é devolvida ao povo, de onde a mesma surgiu bem como na linguagem e na forma cultural daquele ambiente; o povo e o movimento de base passam a estabelecer o controle do trabalho; as técnicas de pesquisa tornam-se acessíveis ao povo; um esforço consciente é necessário para manter o ritmo da ação-reflexão do trabalho; aprender a escutar e a ciência tornam-se partes do dia-a-dia da população”.
Mas, como a metodologia da pesquisa se desenvolveu, de forma sistemática? Para responder a esta questão convém apresentar todo o processo metodológico, desde a preparação do pesquisador até as técnicas de avaliação da pesquisa.
a) Preparação do investigador - é a etapa inicial onde se dá o processo de aproximação do investigador5 com a comunidade escolhida, a inserção do mesmo na comunidade. Foram, então, contactados os seguintes grupos ou instituições: Colégio Pe. Francisco (administrador e adjunto); professores do colégio local; pessoas vinculadas à Igreja Católica; equipe de coordenação e professores do MOBRAL; grupo de futebol; Sindicato Rural (presidente e secretário); grupo de jovens, bem como um grupo de ação comunitária (MOBRAL) em formação, na rua da Mangueira, trabalhadores rurais, além de pequenos comerciantes.
Nessa etapa, inicia-se o conhecimento da comunidade. O investigador observa como ela apresenta seus problemas, tendo como base os dados coletados de fontes faladas, vivas ou sensoriais e as observações sobre a vida diária, bem como dados oficiais da atividade econômica, social e cultural. Outros dados são coletados nas reuniões de vereadores ou em comícios das várias correntes políticas, na cidade, nos sítios e nos engenhos. As visitas e entrevistas são relatadas em pequenos informes para posterior devolução aos participantes. Essa devolução acontece durante uma reunião com praticantes do esporte local, estudantes do curso de magistério e outras pessoas sem vinculação a grupos. Nessa ocasião, expõe-se todo o material coletado, elaborandose um elenco de necessidades apresentadas. Selecionam-se aqueles problemas mais citados na coleta. A partir daí, inicia-se o estudo procurando identificar como a comunidade percebe e analisa sua realidade. Com essa sistematização inicial, efetiva-se o primeiro retorno dos resultados aos grupos ou pessoas que iniciam a investigação. Pessoas não pertencentes a grupos, nessa fase, chegam a formar grupos, posteriormente. A partir daí, elabora-se um questionário6 que é devolvido aos que estão presentes nessa reunião e também a professores, religiosos e outras pessoas. b) O investigador e a comunidade – Para a aplicação do questionário, leva-se em conta que havia no município, em 1980, um total de 1.456 domicílios7 em sua sede. Nessa fase de pesquisa, de maior organização de busca das necessidades e problemas, são visitados 140 desses domicílios. A entrevista dá-se coletivamente com os residentes, 5
O conhecimento da cultura da região é condição para o exercício metodológico da pesquisa-ação. Utilizou-se, como exemplo, o questionário aplicado no levantamento das necessidades básicas da “Invasão do Chaparrau”, no Distrito Federal em 1982, num trabalho de Educação Popular desenvolvido por um grupo de alunos do Mestrado em Educação, da Universidade de Brasília, coordenado pela Profa. Dra. Hélène Barros. 7 Domicílio – toda e qualquer residência habitada com uma ou diversas entradas ou mesmo embarcações (IBGE, IX Censo Geral do Brasil, 1980). 6
nos seus domicílios. Os questionários são aplicados em todas as ruas da sede municipal sendo, aleatoriamente, escolhidos. Os dados coletados saíram do consenso dos que se faziam presentes no momento da entrevista no domicílio.
Elaborada a amostra, segue-se o treinamento de dez entrevistadores. São pessoas dos grupos de professores do MOBRAL e dos alunos do curso de magistério. Alguns critérios são utilizados para a seleção desses entrevistadores como: pertencer a algum dos grupos existentes ou em formação; poder cumprir o calendário das entrevistas. Procede-se à entrevista de domicílios selecionados, aplicando-se um questionário de dez em dez domicílios.
c) Sistematização das informações - Concluída a fase de aplicação dos questionários, inicia-se a sistematização dos dados com a finalidade de oferecê-los à reflexão dos grupo. Elabora-se, para tanto uma codificação das respostas8, utilizando-se da computação de dados como instrumento de ajuda neste trabalho. Muitas propostas ou questões levantadas são mantidas, mesmo que quantitativamente pudessem ser desprezíveis. Além disso, são utilizadas na devolução das mesmas a todos os envolvidos na investigação. Com base nos resultados encontrados confeccionam-se fichas-problema contendo dados, juízos e apreciações, que são utilizados na devolução do material aos grupos. Um dos grupos existentes encarrega-se da elaboração dessas fichas. d) Análise e interpretação dos dados – Nessa fase, são analisadas, maneira crítica, as necessidades coletadas, extraindo as dimensões positivas e negativas das questões levantadas, encarando a realidade numa perspectiva de mudança, impulsionando os grupos à reflexão e à ação, desenvolvendo seu poder de organização e intervenção na realidade. O estímulo à reflexão e ao diálogo é o princípio fundamental de todo o processo.
Apresentaram-se todos os resultados da investigação aos grupos já existentes ou criados na comunidade, num primeiro momento. Num segundo momento, através de novas reuniões, estabelece-se uma ordem de prioridade dos problemas. Prioritário é aquele problema que está ligado diretamente ao grupo inserido na pesquisa. O grupo de
8
Utilizou-se o pacote estatístico SPSS (Statistical Package Social Sciences).
esporte tratou, especificamente, das questões do esporte local, sem deixar, entretanto, de conhecer as demais questões. Aprofundam-se
as
análises
dos
problemas
mais
expressivos,
quantitativamente, em pelo menos uma reunião. Daí, discutem-se as tarefas urgentes a serem encaminhadas. Com quatro grupos chega-se a elaborar um documento contendo as propostas, ratificado posteriormente em nova reunião do grupo. Após aprovado, é encaminhado às autoridades competentes do município, através de encontro entre essas autoridades e os grupos. Em seguida divulga-se o documento junto à comunidade.
e) Avaliação - avaliação está presente no decorrer de todas as etapas do processo, desde os contatos iniciais até o final das atividades. Este trabalho também passa pela avaliação global de todo o processo, no que se refere à capacidade dos grupos de responder aos problemas concretos da vida diária. Finalmente, o documento resultante deste trabalho retorna aos grupos envolvidos no processo.
A comunidade
A dominação desenvolve sua cultura própria. Sua reprodução, entretanto, se insere nas próprias relações imperialistas. Da mesma forma que essas relações adquirem especificidade, em cada pólo dominador e em cada pólo dominado, bem como em cada momento histórico, assim também vão gerando elementos culturais próprios. Como são relações específicas, vão produzindo e reproduzindo também formas culturais específicas. Valores tais como promoção da eficácia, competitividade, lucro empresarial, salário como o preço justo da força de trabalho, ou ainda, a idéia de que o modelo europeu constitui o padrão da civilização ocidental para as sociedade subdesenvolvidas, são veiculadas às populações. Estes são os constituintes da cultura de dominação. Uma cultura que a dominação impõe às sociedades chamadas subdesenvolvidas ou dependentes. Para KOWARICK (1974: 34), vários são os conceitos ou significados apresentados sobre dependência. Porém, idéias básicas já estão definidas e são consensuais aos estudiosos do assunto. Por exemplo, as idéias que consideram os fatores externos provenientes de ações originadas nas sociedades centrais e aquelas que
equacionam a questão a partir das ligações que aparecem no quadro das relações entre países, salientando o domínio de um sobre o outro. Portanto, a abordagem de dependência apenas como dominação externa não é a única. Há também um tipo de análise que apresenta o pólo interno de forma dinâmica. Mas, mesmo assim, nada impede que autores dêem ênfase à relação de dependência entre os pólos hegemônicos (centrais) e periféricos. Outros centram o estudo nas relações de produção, políticas, sociais e culturais no interior da nação subdesenvolvida. Não são abordadas neste trabalho as divergências entre vários enfoques ou significados da dependência. Utilizam-se, todavia, os componentes dessa dominação nas relações de produção, políticas e sociais com ênfase nos aspectos culturais. Partindo da dimensão municipal, buscam-se aspectos que caracterizam a dependência da região nas relações citadas de produção, políticas, bem como nos aspectos culturais. A teoria da dependência tem buscado explicações de caráter global, não só em relação às etapas por que passaram as formações sociais latino-americanas, mas também quanto ao futuro dessas sociedades. Em outras palavras, de posse da análise dos fatores políticos, sociológicos, econômicos e culturais, examina as relações dos “países periféricos” com os “países centrais”. Nesse aspecto, SANTOS (1976: 126) caracteriza a dependência como situação condicionante: “Um certo grupo de países tem a própria economia condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outra economia. A relação da interdependência entre duas ou mais economias e entre estas e o comércio mundial, toma forma de dependência quando alguns países (os dominantes) podem expandir-se e auto-impulsionar-se, enquanto outros (os dependentes) só podem fazê-lo como reflexo daquela expansão... ”.
Nessa relação entre dominantes e dependentes, os primeiros detêm o domínio tecnológico, comercial e sócio-político e impõem as condições de exploração sobre os “países periféricos” ou dependentes. Porém, sendo a dependência apresentada como situação condicionante e entendida esta situação como determinadora de limites de ação, o autor mostra que a situação não é condicionante de forma definitiva, em dois aspectos. O primeiro diz respeito às situações concretas do desenvolvimento que são formadas pelas condições gerais de dependência, bem como pelas especificidades da
situação condicionada. A condição geral está, então, delimitada por essas condições. O outro aspecto é que a situação de dependência pode mudar, “e muda de fato pela mudança das estruturas hegemônicas como dos dependentes” (ibid.: 126). Observando estes dois aspectos, FRANK (1976: 26) alerta para a ignorância sobre os países subdesenvolvidos que leva autores a acreditar na repetição histórica dos países desenvolvidos. Para ele, “a conseqüência é que a maior parte das teorias não consegue explicar a estrutura e o desenvolvimento capitalista”. Já para COHEN (1976: 48), a teoria mais convincente é a tradicional, enfocada por LENINE (1982: 87), que apresenta o desenvolvimento atual do capitalismo como resultante da fusão do capital dos grandes bancos monopolistas com o capital de grupos de industriais, também monopolistas. Por outro lado, mostra a contínua divisão do mundo como sendo a transição da política colonial que vai se estendendo sem obstáculos àquelas regiões não apropriadas por outras potências capitalistas. Para LENINE (ibid.: 87), esta é a fase do máximo desenvolvimento do capitalismo, a fase monopolista. Nessa fase, a dependência alicerça-se mais ainda não só pelas exportações de mercadorias ou produtos industriais, mas também com a exportação do próprio capital aos países dependentes. Ela surge agora com objetivos de máximo lucro na forma de ajuda econômica, mas cobrando seus juros na extração das riquezas. Para HARNECKER (1980: 25), esses países centrais “conseguem controlar o mercado, vencendo facilmente a concorrência nas pequenas indústrias nacionais, além de aproveitarem dos recursos estatais em que esses países destinam o seu desenvolvimento”. Mas as negociações econômicas, por si sós, não são suficientes para manter a extração dessas riquezas. O capital emprestado, em si, não é a sustentação para o recebimento dos juros. Para isto, os acordos econômicos e empréstimos, as mais das vezes, são antecipados por tratados ou acordos militares. Fica, então, assegurada não só a dominação gerada pelo capital, mas também a dependência política do país periférico. Uma questão, entretanto, acredita-se fundamental. Como caracterizar a dependência? Para FERNANDES (1975: 31), toda essa análise passa pela caracterização das relações de produção sob o capitalismo e elaborada por Marx. Acrescenta que os conceitos utilizados por Marx demonstram, conclusivamente, que a organização capitalista das relações de produção condiciona, morfológica, funcional e geneticamente, os processos de estratificação social geradores da sociedade de classes. Dessa forma, torna a apropriação privada dos meios de produção e a mercantilização do trabalho faces de uma mesma moeda. Ao nível estrutural sua explicação torna-se
também válida para as sociedades capitalistas desenvolvidas, subdesenvolvidas ou em processo de transição. O autor também entende que seja necessário fazer-se uma adequação da contribuição de Marx, no que diz respeito às condições, fatores e efeitos na formação e desenvolvimento da estrutura básica do pólo dominador e às classes sociais nas sociedades dependentes ou subdesenvolvidas. Essa adequação pode se dar em três aspectos: o primeiro referente à teoria da acumulação capitalista; o segundo relacionado à teoria da mercantilização do trabalho e o terceiro voltado às contradições entre as forças produtivas e as formas de organização da produção capitalista. A teoria da acumulação capitalista, mesmo sem apresentar as mesmas condições é perfeitamente aplicável às sociedades subdesenvolvidas. Aqui, ressaltem-se as proporções, os significados e funções de acumulação de capital. As sociedades subdesenvolvidas capitalistas não se apresentam, hoje, com todos os mecanismos, como a pilhagem da fase inicial da acumulação do capital. Não estão submetidas à destruição de suas estruturas econômicas e sociais arcaicas, mas adquirem formas de mudanças internas e até aceleradas. Isto se dá tanto no âmbito da economia rural como da economia urbana. Tal economia passa rapidamente do capitalismo financeiro, comercial ao capitalismo industrial. Essa transição se dá nos países subdesenvolvidos impulsionados pela sua inclusão no mercado mundial. Com isto, ocorreram as transferências de capitais, técnicas e instituições econômicas. Já no sistema agrícola não ocorre nenhuma transformação radical, pois este acompanha o desempenho superior do capitalismo no setor urbano com negócios de exportação9 e com suas estruturas e técnicas econômicas superadas. Todo processo de modernização vem sendo orientado, entretanto, a partir de fora. Neste contexto, se vai definindo toda uma situação de capitalismo dependente, capitalismo instável e controlado externamente. O outro aspecto se refere à mercantilização do trabalho à entrada do capitalismo dependente do mercado mundial, significando participação do mercado de trabalho externo. Esta participação não se dá como no início da modernização, pois o nível de ocupação e serviços exige certa especialização e relevo. Essas sociedades subdesenvolvidas têm de avançar bastante para construírem um autêntico mercado de trabalho interno. A extinção do sistema colonial e a emancipação nacional pouco contribuíram para a implantação do “trabalho livre” cujo vendedor fosse o próprio 9
Áreas do campo tornam-se ricas e prósperas participando dos ciclos econômicos voltados ao comércio exterior.
produtor. As determinações capitalistas que sustentam entre si os donos dos meios de produção e os assalariados não ficam delineadas claramente10. Dessa forma, a mercantilização do trabalho evolui de maneira lenta e precária. Sua universalização não chega a incentivar um mercado especial, integrado regional ou nacionalmente. Isto resulta em algo também específico no nível da evolução da mercantilização do trabalho nas sociedades subdesenvolvidas. O outro ponto que merece considerações é o que diz respeito às contradições entre as forças produtivas e as formas de organização da produção capitalista. Essas contradições fornecem a chave para se entender todo o crescimento contínuo do sistema de produção capitalista. Sua destruição depende de condições estruturais e dinâmicas que, no capitalismo dependente, não chegam a fomentar a expansão das forças de produção. Por outro lado, a parte autônoma do processo de acumulação capitalista (o montante de capital nacional) termina sendo insuficiente tanto para a expansão das forças produtivas existentes como de organização da produção. Até aqui, tentou-se analisar o fenômeno de dependência em sua forma global. Convém analisar a maneira como esse fenômeno se expressa no município pesquisado.
COLÔNIA LEOPOLDINA
Histórico
O primeiro núcleo gerador da cidade de Colônia Leopoldina pode ter surgido com a interiorização dos grupos vencidos nas lutas armadas da Província de Pernambuco, entre o início e meados do século passado. O embrenhamento desses grupos pelo interior fez com que o Governo Imperial criasse uma Colônia Militar, com função de proteger a região contra o ingresso de grupos armados. Essa Colônia Militar tem a incumbência de combater os participantes das revoltas da “Abrilada” e da “Cabanada” e que duraram de 1832 a 1835, sendo palco tanto a Província de Pernambuco como a de Alagoas. Nesta sua posição de defesa “houve por bem, o 10
Para FERNANDES (1975), um penoso e longo hiato separou o primeiro ato de modernização, com o aparecimento do Estado Nacional bem como a montagem de economia de mercado, e o período em que a própria expansão interna do capitalismo comercial e o financeiro fez pressão sobre a diferenciação da produção e organização do mercado.
Imperador D. Pedro II, com o Decreto no 729, de 09 de Novembro de 1850, criar a Colônia Militar” (SILVA, 1983: 36). Efetivamente, só a partir de 1852, com a instalação da Colônia Militar, se dá o povoamento do lugar. Em 05 de janeiro de 1860, D. Pedro II visita a Colônia Militar, sendo este um ponto alto da memória do povo leopoldinense. Em 1901, a povoação é elevada à categoria de vila e em 1922 é instalada definitivamente a Comarca, passando, em 20 de junho de 1923, à categoria de cidade, desmembrando-se do município de Porto Calvo. É, hoje, Colônia Leopoldina. Os três poderes públicos se fazem representar na cidade e como sede da Comarca comporta o Judiciário, Executivo e Legislativo.
Aspectos geográficos
O município de Colônia Leopoldina situa-se no extremo nordeste do Estado de Alagoas, na região da Mata alagoana. Limita-se ao norte com o Estado de Pernambuco, ao sul com o Município de Joaquim Gomes, a leste com o Município de Novo Lino e a oeste pelo Município de Ibateguara. Abrange uma área de 314 km2, constituída de um único distrito, a sede municipal. É limitado com Pernambuco pelo Rio Jacuípe, que orienta o povoamento da região. Às suas margens, localizam-se uma usina de açúcar e uma destilaria de álcool. O clima local é o predominante na Zona da Mata, tropical-chuvoso, quente no verão e frio-úmido no inverno. Como na região, o período de estiagem vai de outubro a abril, oscilando a temperatura entre a máxima de 37oC e mínima de 18oC, com uma umidade relativa em torno de 70%.
A fertilidade do solo apresenta
alternativas agrícolas ao município. Porém, quase toda a vegetação nativa está sendo destruída pelo avanço do cultivo da cana. Sua madeira continua sendo enviada aos pólos mais desenvolvidos, sobretudo para a cidade de Campina Grande, na Paraíba. No município apresentam-se os seguintes tipos de vegetais classificados em culturas permanentes e temporárias: a) culturas permanentes: goiaba, laranja, manga e jaca; b) culturas temporárias: cana-de-açúcar, banana, milho, inhame, mandioca e batata doce. Grande parte dessas culturas, sobretudo as permanentes, pouco contribui para a economia local, constituindo-se em “plantações de quintais”. A densidade populacional
do município é inferior à da Mata alagoana e à do Estado, representando atualmente 4,4% da população da microregião homogênea (116) a que pertence.
TABELA 1 Município de Colônia Leopoldina: população residente – 1980 Pop.
Hom Mulhe Pop. Urb.
Total
ens
res
Sede Mun.
Pop.
Densidade
rural
dem. (Hab/Km2)
(residen te) 14.960
7.602
7.358
6.950
8.010
47,61
Fonte: IBGE (Sinopse preliminar do censo demográfico) Alagoas 1980.
TABELA 2 População do município de Colônia Leopoldina, da micro-região no 116, e do Estado REGIÕES
Colônia
POPULAÇÃO TOTAL
URBANA
RURAL
14.960
6.950
8.010
340.988
115.142
225.846
2.011.875
995.344
1.016.531
Leopoldina Microregião – 116 Alagoas
Fonte: IBGE (Sinopse reliminar do censo demográfico) Alagoas 1980.
Mobilidade da população
O deslocamento da população residente no campo para a cidade também se observa aqui. De quase dois terços da população que residia no campo em 1970, este percentual está reduzido, em 1980, a 50%, praticamente.
TABELA 3 Município de Colônia Leopoldina: distribuição urbana e rural da população recenseada
1970 No habitante
1980 %
No
%
habitante Urbana
4.784
37,66
7.037
46,51
Rural
7.917
62,34
8.093
53,49
TOTAL
12.701
100
15.130
100
Fonte: IBGE (Sinopse preliminar do censo demográfico) Alagoas 1980.
Uma característica fundamental é que esse deslocamento não alterou, no geral, a atividade que tinha cada pessoa, pois mantém a atividade agrícola embora residindo na sede do município. Segue-se uma série de tabelas resultantes do levantamento feito na comunidade pelos grupos de trabalho durante o processo de pesquisa e cujas atividades serão apresentadas em itens posteriores.
TABELA 4
Tempo de moradia na cidade11 (em anos) ANOS
%
Até 10
33,6
Entre 10-20
21,4
Entre 20-30
20,0
Acima de 30
25,0
TOTAL
100,0
Observa-se que o maior percentual dessas pessoas se encontra no setor mais
pobre da cidade (Ruas da Titara e Mangueira) num total de 23,1%. Esse
descolamento pode estar relacionado à situação de vida dos entrevistados e, portanto, à busca de estabilidade que pode se expressar na posse da propriedade, aqui na região do latifúndio. Mas, com base na consulta feita sobre porque o respondente vinha para a cidade, apresentam-se os seguintes motivos:
TABELA 5 Motivo de deslocamento para a cidade MOTIVOS
%
Busca de outro emprego
16,0
Saúde
12,4
Educação
10,0
Casamento
4,6
Não respondeu
43,0
Outros
14,0
TOTAL
100,0
Pode-se observar que três interesses deslocam os habitantes do campo: saúde, educação e novo emprego, registrando-se que quase a metade dos entrevistados não sabe por que veio para a cidade. Entretanto, esta questão pode se inserir no avanço do capitalismo no campo, com seu avanço tecnológico e de insumos para a agricultura. 11
Dados coletados na comunidade, no período de dezembro de 1982 a janeiro de 1983.
A limpeza da cana, por exemplo, não é feita mais de enxada como antigamente, mas com herbicidas. Entretanto, pergunta-se: o emprego, a saúde e a educação encontrados na cidade têm atendido as suas expectativas? A solução ao desemprego apresentada pela comunidade é vaga:
TABELA 6 Solução para o desemprego % Indústria de papel
18,6
Indústria de doce
3,6
Novas indústrias
32,9
Outros
3,6
Não sabe
26,4
Não respondeu
10,0
TOTAL
100,0
Estas respostas são desvinculadas da realidade local e decorrem apenas das propostas de campanhas eleitorais dos políticos do local.
Economia
O município é agrícola, onde a cana-de-açúcar representa a maior atividade econômica; a indústria está ligada à produção canavieira. O avanço agrícola prende-se à qualidade do solo (massapê) facilitando o cultivo da cana. Porém, grande limitação lhe é imposta pela pouca área existente em condições de mecanização. Portanto, o plantio e a colheita estão ligados diretamente à força braçal. Aqui, a exemplo de toda a região, há predomínio de latifúndio, dedicado a essa monocultura.
TABELA 7 Município de Colônia Leopoldina: distribuição de terras segundo grupos de área
IMÓVEIS
ÁREA OCUPADA
Grupos de áreas (ha)
No
%
absoluto
No
%
absoluto
0 - 50
208
76,76
2.961
15,46
50 – 100
24
8,86
1.542
8,27
100 – 500
26
9,59
4.942
21,15
500 – 1000
11
4,05
7.348
39,42
1000 – 2000
2
0,73
2.945
15,80
TOTAL
271
100,00
18.637
100,0 0
Fonte: IBGE – censo agropecuário de Alagoas – 1975
É marcante, ainda hoje, o avanço histórico da cana-de-açúcar nos nomes das propriedades chamadas engenhos, que são o sustentáculo da produção açucareira e que mantêm seus nomes, mesmo estando a cana-de-açúcar totalmente industrializada na área. O aumento da produtividade das unidades de produção é exigência do mercado. Faz-se urgente a adequação a novo padrão tecnológico e conseqüentemente ao uso de instrumentos mecanizados. Dessa forma, o produtor hoje, cada vez mais, está à mercê dos empréstimos que conduzem a integração de produtos ao consumo daqueles instrumentos mecanizados e isto contribui para o fomento dos outros setores industriais que produzem esses instrumentos. Mas o acesso aos instrumentos tecnológicos não está aberto a todos os produtores. Sua utilização implica a condição de posse de fatores de produção para assegurar a hipoteca, conforme mostra NEVES (1981: 38): “Este processo de mecanização das atividades agrícolas intensificou a ruptura dos antigos mecanismos da ampliação dos recursos financeiros como diminuição das lavouras de subsistência, que possibilitavam o controle da reprodução física e social da unidade familiar sob menos dependência do mercado.”
Mesmo que haja uma baixa utilização dos instrumentos mecanizados devido a acidentes de terreno, hoje a agricultura utiliza-se de insumos (adubos, fertilizantes e agrotóxicos) na terra, integrando-se ao circuito da reprodução do capital industrial. A utilização desses produtos não só integra o circuito do capital das empresas
industriais atuantes na transformação da matéria-prima por eles comercializada, como outros setores industriais ligados à produção daqueles instrumentos e insumos. Assim, a economia municipal torna-se vulnerável a agentes externos, isto é, às flutuações do mercado mundial do açúcar e da tecnologia dos insumos de plantio e colheita. O cultivo da cana-de-açúcar ocupa 75,49% da área produtiva do município (Tabela 1 Anexo 1). Portanto, apenas esse produto sobressai-se naquela área deixando os demais produtos em um nível inferior à média estatística para os municípios da Zona da Mata. Dos treze principais produtos agrícolas que são produzidos no Estado e na Zona da Mata, apenas 5 são extraídos em Colônia Leopoldina. Das culturas permanentes salienta-se apenas o cultivo de banana com uma participação do município para produção da Zona da Mata da ordem de 14,41% (Tabela 2 Anexo 1). Como não há diversificação da produção agrícola, a população tem que deslocar, de outros centros, os produtos básicos de alimentação. Este fato também é constatado (Tabelas 3 e 4 no Anexo 1) no que se refere à contribuição da pecuária para a economia municipal. Para atender ao consumo de carne, o rebanho bovino é trazido de outros municípios, afetando negativamente o consumo de todos os seus derivados. Tudo isto só faz contribuir para a dependência global dessa área.
Comércio varejista (Tabela 5 do Anexo 1)
A feira e o mercado estão no centro da cidade, oferecendo acesso a todos. Sobrevivem ainda nos “engenhos”12, os conhecidos “barracões”13, nos quais as famílias que residem nas vizinhanças se abastecem. Cria-se, aqui, um sistema de crédito e dependência simultâneos em que as pessoas dificilmente saldam suas dívidas. Os preços das mercadorias, nos barracões também estão bem mais inflacionados. Um matadouro serve ao município no abate do gado para consumo. Suas instalações carecem de reformas, como necessário também se faz um rigoroso exame prévio nos animais que serão abatidos. O abate se dá aos sábados e a feira acontece no domingo. Mercado, matadouro e feira, são administrados pela Prefeitura.
12
Não há mais engenhos na Zona da Cana, foram substituídos pelas usinas, mas sobrevivem seus antigos nomes nas propriedades. 13 Espécie de armazém que já pertencera aos donos dos engenhos, mas que hoje é arrendado a terceiros. Sua função sempre foi de fornecer gêneros alimentícios aos moradores a preço superior ao do comércio, mas a crédito.
Os gêneros alimentícios consumidos, tais como charque, leite em pó, macarrão, milho e manteiga vêm de outros municípios do Estado, sobretudo de Maceió. Vêm também de Palmares ou Caruaru, em Pernambuco. Com relação ao custo de vida, podese afirmar que cada município dessa região funciona como um “grande barracão”, pois o “custo de vida está superior até mesmo ao da capital”. O comércio varejista também é saída para muitos que conseguem uma pequena quantidade de dinheiro e com algumas garrafas conseguem montar uma bodega, driblar o desemprego e assim, “dar um jeito” de sobreviver. FRANK (1976) insere toda esta situação de dependência contextualizada na integração histórica do processo de desenvolvimento capitalista mundial. Direciona sua explicação ao fator concentrador em um único produto de exportação. Com relação à posse dos meios de produção acrescenta: “Está muito concentrada em poucas mãos (...) negando deste modo a grandes parcelas da população o acesso aos meios de produção e fontes de subsistência que não está na indústria produtiva para exportação, nem diretamente relacionada a ela, e onde são obrigados a trabalhar por salários muito baixos quando não em regime de escravidão total” (1980: 30).
Mesmo, internamente, as regiões como o Nordeste, Minas Gerais, Norte e também Centro-Sul converteram-se em regiões exportadoras de um único produto, incorporando-se à estrutura de desenvolvimento do sistema capitalista. FRANK (1976: 30) sustenta que o próprio desenvolvimento de São Paulo não gerou maior riqueza para as demais regiões do país. Converte em “satélites coloniais internos, descapitalizandose ainda mais, e consolidou ou até aumentou o seu subdesenvolvimento” . Também para o autor o subdesenvolvimento dos países periféricos ou satelitizados está inserido no processo histórico de desenvolvimento do capitalismo. Em especial, a região nordestina parece comprovar uma das hipóteses do autor, segundo a qual as regiões que hoje são as mais subdesenvolvidas e aparentemente feudais são as que estiveram mais ligadas às metrópoles.
Educação
A educação é conduzida por três entidades. O antigo primário ou o ensino de 1o grau, séries iniciais, está sob a responsabilidade tanto do Estado, que tem um grupo escolar, como do município, que tem um outro grupo na rede municipal e várias vagas. As séries finais do 1o grau (5a a 8a séries) e o 2o grau (Magistério) são de responsabilidade da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC. Mesmo assim, o ensino de 2o grau encerrou suas atividades em 1979, com os cursos de Magistério e Contabilidade. Só em 1982, é que foi reaberto o Curso de Magistério, funcionando somente com a 1a e 2a séries. Contudo, a 2a série funcionou no 1o semestre daquele ano, sem grade curricular definida, em função da carência de professores. O alunado, de uma maneira geral, dispõe de bolsa de estudo tendo, entretanto, que pagar uma complementação, pois as bolsas não cobrem o total das mensalidade. Porém, mesmo o pagamento da complementação é empecilho ao prosseguimento do curso do jovem leopoldinense em função de suas condições econômicas adversas. Adiciona-se a esse problema econômico o descrédito à escola que há no município. Inicia-se, então, a prática de deslocamento de jovens para os municípios vizinhos: Palmares e Novo Lino. Hoje, esse processo adquire conotação de política partidária, contribuindo o poder público local para essa situação da estrutura escolar. A própria população não acredita na qualidade do ensino. Quando perguntada sobre as escolas e o colégio, as opiniões são as seguintes:
TABELA 8 Opinião da comunidade sobre as escolas % É boa
20,0
Não é boa
61,4
Não sabe
12,1
Não respondeu
6,4
TOTAL
100,0
A comunidade talvez não perceba que as contradições da escola podem manifestar-se na sua ineficiência de conteúdo, expressas no desencontro entre conteúdo urbano e conteúdo rural. Há, entretanto, um conjunto de contradições para a comunidade
que, de forma muito simples, sintetiza: “os meninos não sabem nada”. Existe solução para esta realidade? A comunidade também responde da seguinte forma:
TABELA 9 Soluções apresentadas para a escola % Construir mais escolas
11,4
Escolas de graça
10,0
Bons professores (conteúdo)
27,9
Aprova escola
11,4
Não sabe
12,9
Não respondeu
17,9
TOTAL
100,0
Vê-se que a comunidade tem suas propostas para a escola. Assumir estas propostas se faz necessário. Observa-se ainda o nível de escolaridade dos moradores da comunidade, encontrando-se 65,5% dos pais e 60,4% das mães que assinam o nome. Todavia, o significado desses números surge com mais evidência e preocupação quando se vê que 74,1% das famílias não têm alguém que pelo menos concluiu o primeiro grau. Em relação ao segundo grau, esse índice sobe para 82,7%. Buscou-se, por fim, colher informações sobre a possibilidade de se aprender mesmo já adulto, tendo respondido afirmativamente. Mas aprender o quê?
TABELA 10 Opções para estudar – escolha dos adultos % Ser motorista
3,6
Continuar estudos
17,9
Enfermagem
0,7
Mecânica
2,1
Ler, escrever e contar
25,0
Desenvolver comércio
1,4
65%
Buscar cultura
5,7
Costurar ou bordar
4,3
Nada mais quer aprender
12,1
Não respondeu
13,6
Outros
13,6
TOTAL
100,0
Essa população pensa continuar seus estudos, quer iniciar aprendendo a ler e escrever, porém suas aspirações parecem bloqueadas pelo próprio esquema educacional que predomina na comunidade. A única opção é o MOBRAL mas muitos expressam seu descrédito para com es modalidade de ensino. Mesmo sem se ter percentuais desses números na análise, em possíveis trabalhos futuros, esses aspectos devem ser levados em consideração para servir, pelo menos, como início de reflexão. Os motivos para aprender não estão muito claros nas mentes dos entrevistados já que 40% não responderam nem discutiram a questão, enquanto 26,4% afirmaram simplesmente que têm necessidade de continuar; 9,3% afirmaram que já atuavam naquele setor de trabalho. Sobre o que poderiam ensinar num tipo de escola em que todos aprendessem conjuntamente, registram-se as seguintes informações:
TABELA 11 Atividades que os consultados na pesquisa podem ensinar % Comércio
2,9
Costurar
9,3
Eletricidade
0,7
Alfabetizar
18,6
Dirigir automóvel
4,3
Práticas do campo
7,1
Não sabe
16,4
Não respondeu
20,7
Outros
20,0
TOTAL
100,0
Nesse item do questionário, discute-se a idéia de que cada pessoa pode ensinar algo a outro. A discussão que este tema gera parece confundir a percepção do grupo que tem uma visão tradicional de professor. Muitos simplesmente não responderam. Uma prática educativa talvez os convenceria. Outro aspecto é o fato de que 18,6% se sentem com condições de alfabetizar. Há, portanto, uma dependência caracterizada, primeiramente pela falta de uma escola adequada à região e também de terem que submeter-se, para alfabetização, a uma única metodologia que alguns não mais aceitam: a do MOBRAL. Enquanto isso, a escola vai mantendo o seu papel de defensora de uma pequena parcela daqueles que vão a outras localidades. Esse papel seletivo vem existindo desde a época colonial. Analisando o sistema educacional da América Latina, e em particular o do Brasil, CARNOY (1978) constata que a educação escolar, já na época colonial, atendia apenas a uma minoria para desempenhar funções profissionais. Com a independência, os liberais da América Latina introduzem algumas reformas, todas copiadas da Inglaterra ou da França. Mesmo com as reformas, pouco mudou no sistema educacional. De um lado, não se efetiva mudança, porque as estruturas econômicas são mantidas; por outro, as próprias elites resistem. O autor mostra que a expansão, que mesmo assim ocorreu, estava dirigida para introduzir os indivíduos dos grupos marginais, sem escola até então, para participar no setor moderno da economia como consumidores do excedente gerado pelo comércio de exportação. Esta é a solução encontrada pelos países industrializados para manter a sua ordem social
transportada para a América Latina. Ainda assim, é
limitadíssimo o acesso à escola secundária e superior, com o alunado muito tendente para o lado das crianças ricas. As camadas dominantes e média são as fornecedoras da elite intelectual brasileira. Acrescente que a expansão da instrução primária é pequena e determinada pela economia dependente, pelo seu setor de exportação e por um sistema todo organizado para satisfazer às necessidades de consumo de pequenos grupos dos centros urbanos e das metrópoles. Não há mobilização para que a massa de negros, brancos, pobres e mestiços possa se incorporar a esse mercado. Assim, esta participação fica limitada pela própria estrutura dependente.
Ainda para o autor a dependência na educação já é marcante. Escolas Alemães (1890 – 1920) encerram suas atividades, mas é tolerada a influência da escola Norte-Americana. As escolas normais são organizadas segundo o modelo de Massachussetts e financiadas pelos Estados Unidos. O Mackenzie College, a escola de agricultura de Viçosa (Minas Gerais) e escolas profissionais para mulheres, no Rio e em São Paulo, são financiadas e seguem normas americanas. Já no Estado Novo (1937) se implanta um maior controle sobre a sociedade civil. Elabora-se um Plano Nacional de Educação. Este, entre outras normas, dispõe que é obrigação das indústrias e dos sindicatos criarem suas escolas de aprendizagem para filhos de empregados. Para TORINO (1982: 41), “a política educacional do Estado Novo não se limita à simples legislação e sua implantação. Visa, acima de tudo, transformar o sistema educacional em um instrumento mais eficaz de manipulação das classes subalternas”. Está formalmente implantada a dualidade do ensino, um ensino dirigido para as classes dominantes e outro para as classes dominadas. Saúde
Os serviços de saúde, também, apresentam deficiências. Até 1979, o atendimento era feito por um único posto de saúde e um enfermeiro. Hoje, o município já dispõe de um hospital com cinco médicos, dois deles residentes. Mesmo assim, os tratamentos que exigem uma aparelhagem mais sofisticada, que não a que o médico normalmente utiliza, são feitos em Palmares ou Maceió. No município não há clínica médica particular e apenas um odontólogo atende duas vezes por semana na Associação de Plantadores de Cana no município, entidade com sede em Maceió. A assistência odontológica é feita também no Sindicato Rural, porém a um reduzido grupo de trabalhadores que sabe desse serviço, dada a pouca divulgação do Sindicato. Nas escolas estes serviços inexistem, como inexiste também laboratório de análises clínicas. Consultada sobre os tipos de doença que as crianças apresentam, a comunidade respondeu o seguinte:
TABELA 12 Doenças que mais afetam as crianças % Verme
45,7
Disenteria
8,7
Feridas
0,7
Paralisia
0,7
Gripe
17,1
Bronquite-tosse
5,0
Não sabe
7,1
Não respondeu
3,6
Outros
11,4
TOTAL
100,0
Não há perspectiva de mudança no quadro da saúde. Não se tem plano de saúde, nada se conhece. Assim, só com a existência de um quadro de médicos, uma boa parcela da população acredita no atendimento do hospital, como demonstra a tabela a seguir:
TABELA 13 Atendimento médico local % Bom
46,6
Ruim
18,6
Regular
25,7
Não sabe
3,6
Não respondeu
5,7
TOTAL
100,0
Mas a comunidade sabe como melhorar o quadro da saúde e apresenta as seguintes sugestões:
TABELA 14 Sugestões para melhoria da saúde Mais médico Especialista Qualificar enfermeira Aumentar atendimento Mais equipamento Falando com os “homens” Conscientizar Pes. (do hospital Acabar politicagem Não sabe Não respondeu Outros TOTAL
% 15,0 5,0 12,1 4,3 13,6 1,4 5,0 2,9 9,3 22,1 9,3 100,00
A efetivação de algumas dessas propostas apresentadas exige um trabalho de organização dos que atuam no setor.
Família, emprego e profissão
A família leopoldinense tem em média cinco dependentes, sendo que 52,8% são dependentes menores de sete anos. A situação de emprego, em plena época do verão, tempo da colheita, é a seguinte:
TABELA 15 Situação empregatícia do(a) chefe da família % Empregado
51,4
Eventual
33,6
Aposentado
8,6
Falecido
6,4
TOTAL
100,0
Normalmente, o pai assume todos os dependentes, já que apenas 30% das famílias têm mais alguém que contribui para as despesas. A mãe, no verão também passa a ajudar no sustento da família, mas normalmente, está em casa.
TABELA 16 Situação empregatícia da mãe de família % Empregada
9,3
Eventual
8,6
Desempregada
0,7
Do lar
72,9
Falecido
3,6
Aposentado
5,0
TOTAL
100,0
Entre as profissões dos responsáveis pela família, apresenta-se a seguinte discriminação:
TABELA 17 Profissão do chefe da família % Agricultores
26,5
Barbeiro
2,9
Comerciante
12,9
Serralheiro
0,7
Pedreiro
10,0
Do lar
2,7
Aposentado
9,3
Outros
35,0
TOTAL
100,0
O número de subempregados, sobretudo na sede municipal, é considerável, mas o quadro se agrava no período de inverno (abril a agosto), quando o desemprego atinge o maior número de trabalhadores que vivem do plantio e colheita de cana. É a época de entre-safra. Esta situação é comum na região e se repete a cada ano. A tabela a seguir indica como é a vida dessa comunidade no inverno.
TABELA 18 Situação da população no inverno (março a setembro) % Muita privação
70,0
Sai para outro lugar
7,1
Igual ao verão
9,3
Não respondeu
12,1
Outros
1,5
TOTAL
100,0
Esta situação de dependência do homem em relação à monocultura tornase ainda mais patente. Mas como se situa esse homem em termos de planejamento oficial? Ora, para planejar a política açucareira, foi criado o Instituto de Açúcar e do Álcool (IAA). Dentre os órgãos mais importantes, encarregados de Planos de Defesa da Safra, destaca-se a Divisão dos Estatutos e Planejamentos (Dep), que tem os seguintes objetivos:
a) estudar as questões de ordem econômica e fornecer os elementos necessários à orientação política agro-industrial canavieira, procedendo para esse fim ao necessário planejamento;
b) estudar as questões relacionadas com os custos de produção agro-industrial canavieira e com os preços de venda dos produtos oriundos e sob a alçada do IAA;
c) estudar os problemas relacionados com a política do contingenciamento da produção açucareira (estabelecimento de critérios para a fixação das quotas de produção);
d) estudar a situação estatística da produção e do comércio de cana, do açúcar, do álcool, da aguardente, bem como a relativa aos carburantes nacionais e ao transporte dos produtos referidos.
Observe-se, entretanto, que nenhuma incumbência apresenta, de forma explícita, qualquer preocupação com o homem da região açucareira. Este, no final, é que sofre diretamente com as oscilações do mercado de açúcar e do álcool. Analisando as dificuldades do setor açucareiro, SZMRECSANYI(1979: 433) aponta, além da baixa produtividade, a pobreza generalizada dos trabalhadores do setor, acrescentando: “O que é pior e mais doloroso, a pobreza mais ou menos generalizada das classes assalariadas ligadas ao setor, sobretudo em algumas áreas do País, com graves repercussões de caráter social, algumas vezes mesmo com reflexos desfavoráveis no conceito que desfrutamos no exterior”.
Hoje, novos objetivos são definidos pelo Programa Nacional de Melhoramento da cana-de-açúcar (Planalsucar). O plantio da cana continua se expandindo alicerçado nos planos governamentais de criação de mais usinas e destilarias (Pró-Álcool). Buscase, através desse programa, obter-se rendimentos agro-industriais expressos em termos de quilos de cana-de-açúcar por hectare cultivado, rendimentos que são considerados pouco expressivos nos últimos 40 anos. O homem continua não sendo a preocupação para a zona canavieira.
Esporte
Sobre a história do esporte local, pouco há registrado a respeito das possíveis agremiações que existiram, seus fins ou formas de atuação. Segundo BORGES (1975: 14), um time de futebol foi criado lá pelos idos de 1949, e nada mais se tem escrito. Existe uma equipe que informalmente está atrelada ao poder público local. Entretanto, não apresenta qualquer organização do ponto de vista formal, nem mesmo com um simples regimento interno. Dependente da ajuda do poder público e esporádicas ajudas do comércio, limita-se apenas a reduzidas partidas de futebol. Além
de existir um único tipo de esporte, o futebol, ele só acontece na época do verão, período da safra de cana na região. Está, portanto, ligado ao ciclo econômico regional. Quando, às vezes, surge alguma outra equipe pretendendo se organizar, ela dependente de A ou B que possui uma bola ou um conjunto de camisas, doação de algum candidato na época da eleição. Este se torna o dono do time, até que acabem a bola. A equipe está desfeita, aliás, nunca existiu. Consultando a comunidade sobre atividades esportivas, 72,1% as acham necessárias. Porém, sobre a existência dessa prática, 41,4% afirmam que não há; 17,1% apontam unicamente o futebol e 24,3% ou não sabem ou não responderam a questão. Mas, quando perguntadas sobre o que fazer para ativar a prática desportiva, as pessoas responderam da forma indicada na tabela abaixo: TABELA 19 O que fazer para ativar o esporte % Iniciar nas escolas
6,4
Construção de quadras
15,0
Construção de outro campo
7,2
Sem possibilidades
1,4
Não tem propostas
70,0
TOTAL
100,0
Tradições culturais A tradição cultural local, hoje, padece também da conhecida “indústria cultural”. A indústria cultural compreende o conjunto de pessoas de produção cultural como também dos meios de comercialização das mercadorias culturais. Constitui-se de duas ordens de produtos culturais: uma ordem montada em livros, jornal, rádio, televisão, etc. Outra que compreende o sistema de comunicação, ensino e propaganda. O município não está fora desse contexto. Porém, pelo reduzido número de exemplares de jornais que chegam à cidade, além da ausência de livrarias e bibliotecas, leva-se a concluir que a ação dessas empresas se efetiva via rádio e televisão. Esses canais de comunicação são
os de Recife e Maceió, sobretudo a Rádio Cultura dos Palmares (Cidade dos Palmares). A esse respeito, assinala SILVA (1983: 195): “Todo o conjunto de manifestações espontâneas vamos encontrar nas artes e nas letras em Colônia que em épocas passadas não foram registradas pelo pouco o nenhum valor dado e também pela falta de incentivo, pois tais coisas não eram e não são merecedoras de estímulo e reconhecimento, o que é lastimável.”
Para GRAMSCI (1979), nas manifestações da vida social e espiritual do homem comum, há uma riqueza de ver, de pensar e de expressar o que a ciência e a política desconhecem. Já IANNI (1079: 139) entende a necessidade desse conhecimento achando, entretanto, que esse povo composto de operários, camponeses e outras categorias, está em processo de extinção. No entanto, afirma: “Vale a pena trabalhar com ele para conhecer como ele é no momento, quais são as suas maneiras de ser, de pensar, de trabalhar, de criar mas reconhecendo, preliminarmente, que é uma espécie que está em rápida extinção, por causa do desenvolvimento das relações do produção do tipo capitalista, por causa do divórcio acelerado entre trabalhadores e propriedades dos meios de produção”.
Nesse sentido, sabe-se que, aproximadamente em 1920, foi criada a Filarmônica 16 de Julho. Não se sabe exatamente quando acabou. Em 1960, surgiu uma nova Banda Filarmônica, inexistente hoje. Na arte pirotécnica destacam-se fogueteiros com seus famosos balões de Maio e São João, mas esta arte não resistiu. Porém, na busca de encontrar as manifestações culturais do povo, as fontes mais importantes são o coco-de-roda; o reizado, os guerreiros; a banda de zabumba São Sebastião e pastoril, bem como as festas de São João e São Sebastião, nos meses de junho e janeiro, respectivamente. Em menor expressão, estão as cavalhadas. Torna-se importante conhecer as formas de expressão popular que ainda resistem tais como: coco-de-roda ou o coco-de-umbigada, que se dança nas festas juninas; o pastoril, folguedo natalino que se dança em jornada solta, sem visar uma seqüência, sendo o folguedo de maior expressão também no Estado. Estão,
praticamente, extintos a cavalhada e o reizado, enquanto que há cinco anos que não se dança os guerreiros. Porém, estas festas, mesmo em processo de extinção, estão na mente do povo, o qual manifesta o desejo de que elas retornem, como se verá adiante. Além das festas juninas, destacam-se também as festas natalinas, que não apresentam organização do povo de forma definida e contínua. Já a festa de São Sebastião é a mais estruturada delas, sendo atração em toda a região. Sua organização está a cargo da Igreja Católica, com a participação da Prefeitura. Mesmo com a invasão da cultura brasileira pela conhecida “indústria cultural”, o povo ainda mantém resistência a todo este processo. Indagada como vê o enfraquecimento ou o fim dos seus folguedos populares, a comunidade emitiu as seguintes opiniões.
TABELA 20 Visão da comunidade sobre o fim dos folguedos % Bom se acabar
10,7
Ruim se acabar
70,7
Indiferente
10,7
Não sabe
2,9
Não respondeu
5,0
TOTAL
100,0
Mas a invasão cultural parece ter avançado ainda mais nos setores mais populares da comunidade. Ora, é nas ruas da Mangueira e Titara onde a preocupação com o fim dos folguedos está menor, atingindo um percentual de 53,3% dos que acharam ruim sua extinção, enquanto na comunidade toda o percentual foi de 70,7%. Mas, se nesse setor registrou tal índice, é lá também que se encontram pessoas mais dispostas a tocar para frente a idéia de reativação dos guerreiros e a formar um grupo para reativá-los, levando em conta as seguintes propostas:
TABELA 21 Propostas para a reativação dos folguedos % Só poder público
10,0
Ensinar novos a dançar
2,1
Reunir interessados
32,9
Não voltar mais
8,6
Não respondeu
25,7
Outros
17,1
Não sabe
3,6
TOTAL
100,0
Portanto, ainda está presente na mente da comunidade a possibilidade da reorganização desses valores culturais. É necessário que a população se reuna, já que a reativação das festividades envolve muitas pessoas. Na dança dos guerreiros, por exemplo, envolvem-se aproximadamente vinte pessoas. Por outro lado, há também uma parte da população que já não acredita mais na volta desses folguedos, não respondendo, ou por não acreditar mais em nada, ou ainda por não ver saída nesse esquema financeiro que se tem hoje. Há ainda a se registrar o paternalismo dos poderes públicos locais desenvolvendo a mentalidade de que só o poder público tem força. Enfraquece-se, assim, o poder que o povo unido tem e fortalece-se o sistema vigente. Mas de que maneira é gerada essa cultura dependente, no contexto das sociedades estratificadas? Ora, estando essa região inserida nas relações capitalistas de dependência, aí também situa-se a dependência cultural. A cultura capitalista, portanto, é elemento importante para a reprodução dessas relações tanto em escala nacional como internacional. Nas relações de dominação, a cultura conduz à reprodução de idéias, valores princípios e doutrinas dessa dominação. Para PONCE (1981: 165), “a classe que domina materialmente é também a que domina com a sua moral, a sua educação e as suas idéias.” O capitalismo, sendo um modo de produção, gera historicamente o desenvolvimento dessa característica. Esse modo de produção diz respeito não só à produção material como à produção intelectual. Dessa forma, ambos se inserem no
conjunto global do processo de reprodução das relações capitalistas, e, concluindo-se que “a produção intelectual é indispensável ao funcionamento e à reposição das relações do sistema, em escala nacional e mundial” (IANNI, 1979: 13). Segundo o autor, essa produção intelectual, em sentido lato, torna-se a base da cultura capitalista, tanto material como espiritual. Assim, no jogo de interesses econômicos, políticos, militares e outros da burguesia dependente, são transferidos os valores, as idéias princípios e doutrinas, elementos componentes da ideologia de dominação. Por sua vez, a ideologia da burguesia dependente tenta sintetizar essas idéias, crenças ou concepções que caracterizam a cultura da dependência, entendendo-se que esta é fortemente determinada por aquela. Portanto, as idéias da classe dominante passam a ser as idéias dominantes num momento, através de todo um processo de ideologização. Nesse sentido, Marx e Engels, apud IANNI (ibid.: 30), afirmam: “Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, também, uma consciência, e, portanto, pensam. Na medida em que dominam como classe, e determinam uma época histórica em toda a sua amplitude, é claro que esse domínio se exerce em todos os setores de sua classe, donde dominarem também, entre outras coisas, como pensadores, como produtores de idéias, e regularem a produção e distribuição de idéias na sua época. As idéias são, portanto, as idéias dominantes de sua época”.
A dominação dos países centrais sobre os países periféricos numa análise econômica, apresenta-se de certa forma convincente. Ora, determinando a economia do país dependente, as idéias dos países centrais tornam-se dominantes, sendo defendidas sobretudo, pela burguesia do país dependente. Porém, de que maneira surge essa dominação de uma classe sobre a outra no aspecto da cultura? Para se entender esta questão, faz-se necessário compreender a cultura no seu significado amplo. PINTO (1979: 122) considera a cultura como “uma criação do homem, resultante da complexidade crescente das operações de que esse animal se mostra capaz no trato com a natureza material e da luta a que se vê obrigado para manter-se em vida”. Essa capacidade de luta, de resposta à realidade cresceu de intensidade e qualidade num processo acumulativo. Todo esse conjunto de atos vai sendo transferido às gerações futuras. Está inserida nesse contexto. Os atos criativos do homem e da cultura são apenas faces de um mesmo processo, inicialmente uma face orgânica e outra
de caráter social. É no desenvolvimento e aperfeiçoamento de suas qualidades orgânicas que o homem é levado a transformar sua realidade. Inicialmente se dá de forma inconsciente e depois conscientemente. PINTO (ibid.: 123) apresenta o seguinte conceito de cultura: “O processo pelo qual o homem acumula as experiências que vai sendo capaz de realizar, discerne entre elas, fixa as de efeito favorável e, como resultado da ação exercida, converte em idéias as imagens e lembranças, a princípio coladas às realidades sensíveis, e depois generalizadas, desse contato incentivo com o mundo natural”.
Daí se conclui que o mundo adquire duas ordens da realidade, provindas de uma mesma operação de conquista do meio-ambiente: os instrumentos ainda em estado natural e depois fabricados; as idéias que surgem no pensamento com a utilização desses instrumentos sobre a natureza. Dessa forma a cultura vem se constituir como efeito da relação produtiva do homem sobre a realidade, estando intrinsecamente ligada ao processo de produção. Nesta visão, FREIRE (1980: 38) entende cultura como “todo o resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do homem, do seu trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens” . Todavia, essas relações de diálogo foram afastadas já que as riquezas estão nas mãos da classe dominante e nela se concentra também a cultura espiritual e material. Para LEONTIEV (1980: 60), as criações dessa cultura parecem até existir para todos, ressalvando, no entanto: “Só uma minoria ínfima tem possibilidades materiais e tempo para satisfazer os seus anseios de instrução para completar sistematicamente os seus conhecimentos e dedicar-se às artes, ao mesmo tempo, as massas especialmente a população rural, devem contentar-se com um mínimo de desenvolvimento cultural, o mínimo indispensável para que possam realizar, dentro dos limites traçados para os operários, a atividade profissional e a produção de valores materiais”.
Entendida como resultado também do processo produtivo, a cultura traz em si a dupla natureza de bem de consumo: enquanto resultado, tornada concreta em coisas e artefatos; subjetivada em idéias gerais de ação produtiva, e bem de produção, no sentido de subjugação da realidade pelas idéias gerando simultaneamente nova capacidade humana. Segundo PINTO (ibid.: 124) trata-se da capacidade de “idealizar em prospeção os possíveis efeitos de atos a realizar, conceber novos instrumentos e novas técnicas de exploração do mundo, e criar idéias que significam finalidades para as ações a empreender”. Portanto, o homem passa a ser ele próprio um bem de produção, porém de si para si mesmo. É de fundamental importância este conceito de que “o homem produza cultura por uma necessidade existencial, para se apropriar dela, pois é por meio dela que chega a postular as finalidades da sua ação” (ibid.: 126). Mas o que vem ocorrendo historicamente é que um grupo minoritário assume os bens de produção material e outro corporifica a força de produção (dependente). Com isso, surgem dois fenômenos: de um lado, o acervo cultural se constitui, em seu conjunto, de instrumentos de transformação da realidade de outro lado, as máquinas, as ferramentas, técnicas, operações manuais e criação artística e ideológica que essas operações desenvolvem e as orientam posteriormente. O grupo minoritário se apropria essencialmente dessa segunda ordem de bens materiais entendendo que a primeira já está em suas mãos. Daí todo um enaltecimento dirigido à posse das idéias e dos produtos dessas idéias da cultura. A primeira ordem de bens materiais é deslocada para a massa trabalhadora. Cindida está a sociedade em dois grupos essenciais e que manejam o produto da cultura. O outro resultado é que os detentores do ideal e subjetivo da cultura se apoderam também dos produtos da fabricação dos que manipulam os instrumentos materiais. Mas essa minoria (opressora) vai mais além, chegando a apouderar-se do próprio homem enquanto tal, em sua qualidade de instrumento produtivo. Esse processo teve seu auge na escravidão. Assim, tem-se o auge também de dependência individual em que o homem é transformado em um objeto material e, portanto, desumanizado.
Religiosidade
A religião católica está presente na vida da comunidade desde a instalação da Colônia Militar. Já naquela época, lança-se a primeira pedra religiosa e hoje permanece alicerçada na comunidade. A religião protestante também se faz presente, estando os seus adeptos distribuídos em duas igrejas. A igreja católica também congrega pessoas em torno de um centro comunitário, desenvolvendo atividades pastorais. O trabalho organizativo se apresenta indefinido, ao que parece, pela complexidade da composição social do município. Um grupo de três freiras desenvolve atividades de assistência em certas épocas do ano como no Natal com a promoção do „Natal do Pobre‟ ou atividades culturais com a mocidade católica. O grupo de jovens também se apresenta indefinido quanto ao tipo de atividade e à forma de executá-la junto à comunidade.
Política
Podem-se identificar dois grandes grupos no município: os proprietários de terra, que são os fornecedores de cana à usina e o campesinato, os trabalhadores rurais. Há contradições no próprio grupo de fornecedores, decorrentes da sua diferente situação financeira. Isto também constitui fator gerador de conflitos. Uns utilizam as vantagens dos financiamentos, enquanto outros não. Na busca de solução dos conflitos, acionamse os interesses político-partidários que deságuam todos nos interesses agrícolas. Já o campesinato local precisa também ser caracterizado. Nesse sentido PINTO (1981: 74) apresenta-o não como uma classe homogênea e uniforme. Há nele todo um conjunto social e complexo, constituído de frações, “cuja especificidade se origina de processo de desenvolvimento histórico da sociedade, no qual distintos modos de organização da produção conduzem à diferentes tipos de relações sociais”. Essas frações constituintes do campesinato não geram, entretanto, antagonismo entre si. Caracterizando-se o campesinato no município, é possível localizar as frações seguintes: minifundistas ou pequenos proprietários que tiram o seu próprio sustento da terra, com instrumento pouco desenvolvido tecnologicamente; arrendatários, que são grupos de camponeses sem terra; trabalhadores volantes, que são aqueles que estão em processo de proletarização e que vendem sua força de trabalho por um salário em dinheiro. Na Zona da Mata, são chamados “curumba”, caracterizando-se por um salário de subsistência e estão à mercê da flutuação do mercado de trabalho. No entendimento de SINGER
(1979), a proletarização do trabalhador rural, no Brasil, não tem gerado assalariados permanentes nas fazendas, mas transformou os colonos posseiros e moradores em trabalhadores diaristas ou volantes. Os políticos defendem suas questões pessoais. A preocupação pela solução dos problemas locais não é externada na prática. A política assume o caráter partidário, eleitoreiro, passando a ser a geradora de uma prática assistencialista às pessoas e sem qualquer programa de governo local. Na campanha eleitoral, os políticos investem em doações de terrenos, tijolos, cimento, areia, sendo nas áreas mais pobres onde acontecem as doações e se constroem as casas populares. Dessa forma, mantém-se a estrutura política de sempre, sustentada pela burguesia rural. Permanecem, ainda, os políticos que são invariavelmente quatro pessoas que, desde 1950, revezam-se na Prefeitura. A prática de todos é a mesma, e o clientelismo continua. O período eleitoral, aliás, é a rara oportunidade para a obtenção de favores, para o transporte gratuito em toda fase da eleição, churrascos nos engenhos, enfim, os benefícios que uma campanha eleitoral traz. Esta começa um ou dois anos antes do esperado dia 15 de novembro, o dia da votação. É a fase dos acordos e dos “conchavos”. Passada a fase de registro dos candidatos, está instalada a campanha. Bailes, comícios, festas de casamento e batizados estão na agenda e a eles o candidato não pode faltar. Para atender os pedidos de documentos, instalam-se postos; prometem-se empregos ou viagens. Os candidatos deixam transparecer a imagem do homem “bondoso” que tem dinheiro. O político sabe da necessidade de estar junto ao povo e conhece o dizer popular que “o pobre é cativo do agrado”. Ele tem de agradar no período eleitoral. As visitas de candidato a deputado federal ou estadual são demonstrações de “força” e “prestígio” políticos junto ao povo. No dia da eleição, é preciso muito trabalho, cuidado e dinheiro. Nada pode comprometer tantos esforços. Os transportes estão na rua para deslocar os eleitores até as urnas. Os eleitores que vêm dos sítios ou engenhos, antes de entrarem na cidade, são orientados mais um vez. Mas os cuidados não ficam só aí. Para maior segurança, instalam-se nas “bocas de urna” grupos de três ou quatro elementos para fazerem a última revisão no eleitor, tirar-lhe as possíveis cédulas de outros candidatos e entregarlhe a cédula de seu candidato. Aos mais reticentes entrega-se a cédula eleitoral e outra cédula em dinheiro. O empenho é levado em consideração para os que pretendem atuar na manipulação das organizações públicas. É um grande investimento. Porém, não basta apenas estar no poder público e controlar essas organizações. Tratando-se de um
investimento, é necessário ao político ser “habilidoso” para, com manipulações inteligentes, tirar vantagens e benefícios desse mando sobre a comunidade e também recuperar seu investimento com as devidas correções monetárias. Se o PDS local tem apoio e seus dirigentes são os usineiros e altos comerciantes, a oposição local (PMDB), sem apoio de industriais ou patrões, tem como base alguns comerciantes e alguns médios plantadores de cana. Essa oposição busca apresentar um estilo político diferente. Há, entretanto, prática política semelhante ao do PDS, entretanto, em município vizinho onde a oposição local foi vencedora. Aqui há ainda por parte da população certa desconfiança do que apresenta a oposição já que, em épocas passadas, chegou, inclusive, a fazer comícios no mesmo palanque com a antiga Arena. Mesmo assim, um grupo de oposição permanece, porém, sem perspectiva de vencer, a curto prazo. As marcas da campanha eleitoral atingem todos os setores da comunidade, afetando até mesmo o religioso, que se pretende neutro nessa luta. Após as eleições, o padre falava que “os fiéis haviam se afastado um pouco das missas do domingo”.
Outros aspectos
No que se refere à habitação, existem atualmente 1.456 domicílios ocupados na sede municipal. Grande quantidade da população não dispõe de água encanada e alguns setores da cidade ainda não dispõem de energia elétrica nem iluminação pública. Naqueles arredores, sobretudo, encontram-se as habitações com piores condições de moradia, sem água, sem energia, e sem fossa sanitária, sendo em geral, de taipa14. Serviços como abastecimento d‟água são deficientes e inexiste um sistema de esgoto, o que agrava a saúde coletiva, sobretudo, das crianças. Sobre a origem da água de uso doméstico, apresentam-se os índices da tabela abaixo.
TABELA 22 Origem da água % Encanada
14
57,9
Moradias construídas de estacas de madeira e ripas que formam um engradado sustentador do barro amassado, muito comum na zona rural.
Chafariz
40,0
Cacimbão
9,1
TOTAL
100,0
A água é de qualidade discutível, apesar de ser encanada, já que raramente existe tratamento. Os reservatórios estão sempre cheios de aruá (caramujos) portadores de verminoses diversas. Ainda encontram-se cacimbões em quintais por onde também passam esgotos abertos da cidade. Porém, a maior satisfação é ter água. Do total de entrevistados, 87,1% declararam-se insatisfeitos por conta da falta d‟água. As soluções propostas pela comunidade para a solução desse problema são resumidas na tabela abaixo:
TABELA 23 Soluções da comunidade para a falta d’água % Falar com autoridades
32,9
Fazer tanques
5,7
Reunir todo mundo
12,9
Reunir e não pagar
3,6
Não sabe
10,0
Não respondeu
15,0
Outros
20,0
TOTAL
100,0
Registrou-se um expressivo percentual daqueles que não souberam, ou não quiseram responder. Sentem muito receio em dar respostas que podem ser entendidas como críticas às autoridades. Outros propõem até o não pagamento. A forma de concretizar cada proposta não deixa de ser uma grande dificuldade. Faz-se necessário também conhecer a que tipo de programa a comunidade assiste, tanto no rádio como na televisão. Os habitantes assistem,
praticamente na mesma proporção, aos programas de Silvio Santos e novelas: 20,7% e 19,3%, respectivamente. Quanto aos programs de rádio, escuta-se, na Rádio Cultura dos Palmares, o “combate”, um programa que traz uma mensagem de justiceiro: quem pratica o mal deve estar na cadeia e quando faz alguma crítica não vai além de crítica ao delegado de polícia ou mais comumente ao soldado. Esse programa apresenta 29,3% de audiências e é líder absoluto no seu horário. Sem canais de expressão, a população passa a ouvir um programa que às vezes, pode identificar-se com suas aspirações: o desejo de justiça. Pode estar inculcada no homem trabalhador rural a idéia de que ele não tem força, ou sua total submissão aos poderes locais, em dizer que analfabeto é para estar calado. Desacredita de todo o trabalho conjunto na localidade e quer saber se isto não vai para fora daquelas fronteiras. É como dizer que naquela região nada mais é possível. Em contrapartida, existe uma pequena parcela que ainda arrisca fazer denúncias, meio temerosos, é verdade. Mas é a partir daí que se entende que o trabalhador ainda resiste. Aliás, na concepção de BORDA (1972), o camponês ou o operário não é nada conservador, é mesmo realista e dinâmico.
AÇÃO CULTURAL
Caracterizada a situação de dependência da comunidade, passa-se agora a apresentar todo o processo da ação cultural desenvolvido naquela realidade, bem como de que maneira foram formados os grupos e suas atividades.
Antes, porém, são
definidas as características da ação cultural, apresentando suas diferenças com outros tipos de atividades que não conduzem à organização dos participantes e que não servem à liberdade e sim à dominação. Mas, qual será a importância dessa libertação para um povo? Para FREIRE (1980: 62), esta é a tarefa fundamental dos países subdesenvolvidos: a superação de sua “situação limite” de sociedades dependentes. Sem essa superação, elas
continuarão a experiência da “cultura do silêncio”. Tal cultura não significa, entretanto, não ter a sua palavra autêntica, “mas seguir as prescrições daqueles que falam e impõem sua voz”. Na busca da superação da “situação-limite” das sociedades dependentes, pode-se desenvolver a consciência de classe. Para isto, faz-se necessária uma ação organizada em cada contexto cultural, dirigida para a transformação dessa realidade. Mas que características deve apresentar uma ação cultural que conduza ao rompimento da “cultura do silêncio”? No momento histórico da humanidade, em que o homem é desapropriado da percepção de sua cultura, surge a sociedade de classe. A idéia de dominação se impõe. A vigilância surge no sentido de extinguir todo movimento de protesto dos oprimidos. Fora do trabalho manual, as classes “superiores” tornam-se socialmente improdutivas. A partir daí, o pensamento e a linguagem, constituintes de um todo, expressam sempre a realidade do dominador. Este conjunto torna-se, dessa forma, um pensamento alienante. Todo esse pensamento chega até as sociedades dependentes imposto pela classe opressora numa prática que é culturalmente alienante. “Este modo de pensamento, dissociado da ação que supões um pensamento autêntico, perde-se em palavras falsas e ineficazes” (FREIRE, 1977: 103). Ora, a interiorização desses valores dominantes não é apenas um fenômeno individual. É um fenômeno social e cultural. Aí, a ação pode constituir a denúncia dessa interiorização e anúncio da realidade com conhecimento científico. Como diz FREIRE (1976: 75), na ação cultural, a conscientização 15 constitui-se em ação de superar a consciência semi-intransitiva, a ingenuidade pela consciência crítica da classe dominada. Uma ação que partindo da consciência real conduza à consciência possível16, ou à consciência de classe do proletariado (GOLDMAN, 1972). Uma consciência gerada dentro do processo de diálogo, de discussão ou de crítica. A crítica é necessária e deve ser vivenciada na prática. Com isto “nossa ação involucra uma crítica-reflexão que, organizando cada vez o pensar, nos leva a superar um conhecimento estritamente ingênuo da realidade. Este precisa alcançar um nível superior com que os homens cheguem à razão da realidade” (FREIRE, 1979: 152). Mas, para isto, faz-se necessário um pensar constante que não pode estar
15
Ver, a respeito do processo de conscientização e dos níveis de consciência na concepção de Paulo Freire, Educação como Prática da Liberdade. Paz e Terra, 12a. ed. São Paulo, 1981. E Ainda em Conscientização. Editora Moraes, São Paulo, 1980. 16 Ver consciência real e a consciência possível em Lucien Goldman, A criação da cultura de uma sociedade moderna. Difusão Européia do Livro, São Paulo, l972.
dissociado das massas. Ao se pensar com as massas, o objetivo torna-se a libertação das massas. Sob esse ângulo, o pensar certo é não deixar as massas se expressarem. É não deixar as massas pensarem. Mas é no pensar com elas que se dá a conscientização. Aqui a prática da ação cultural e a ação antidialógica se contrapõem. A classe dominada não pratica a conscientização pois exige-se, na sua execução, denúncia das estruturas de dominação, e isto não é de interesse do dominador. A ação antidialógica que serve ao dominador e a ação cultural que serve ao dominado são antagônicas. A ação cultural para a liberdade traz consigo o diálogo para a construção de conhecimento com as massas. Já a ação antidialógica descarta tal possibilidade impedindo a visão crítica da realidade. A ação antidialógica gera a dominação de classe e esconde a realidade para preservar o poder. Para isto utiliza-se da tecnologia e da ciência. A ação cultural para a liberdade também necessita da ciência e da tecnologia, porém para desmistificar a realidade. Para desmistificar a realidade precisa-se analisá-la através de um conhecimento, que é um ato dinâmico, não se satisfazendo apenas no objeto. A realização como conhecimento verdadeiro se torna completa quando passa a incidir sobre o objeto cognoscível de transformação. Caracterizando-as mais sistematicamente, FREIRE (1979: 143) define a ação cultural e ação antidialógica com base em quatro características gerais discutidas a seguir. A ação antidialógica tem necessidade da conquista, pretende conquistar o dominado. Utiliza todas as formas possíveis para tal, das mais repressoras às paternalistas. Este ato de dominação determina as finalidades e que só o dominador tem os objetivos. Os homens são cortados de sua ação no mundo. Devem-se adaptar a esta realidade. Impõem, pois, essa ordem repressora, os seus mitos com os mais diferentes esquemas de divulgação, como liberdade de trabalho, conformismo com a situação de vida, a “boa sociedade ocidental”, harmonia da sociedade, preguiça dos oprimidos. É o dar “pão e circo” às massas para conquistá-las. Uma dimensão importante da ação antidialógica é a necessidade de dividir, para manter a dominação das maiorias pelas minorias. Estas utilizam-se, inclusive, da violência, para manter a divisão entre as maiorias, pois sua união é ameaçadora. União e organização são conceitos perigosos para a minoria. O desenvolvimento das comunidades se dará, não pelas comunidades, mas com os treinamentos de líderes que vão gerando a promoção do todo. Dividir para dominar se expressa em ações como a intervenção em sindicatos. Quando não, estimulando a
“criação dos sindicatos reformistas, paralelos aos sindicatos anti-imperialistas” (HARNECKER, 1980: 47). Um aspecto da divisão se expressa também na idéia de que os dominadores sugiram para salvar os homens. Buscam na verdade a sua salvação individual. Sob qualquer ponto de vista da salvação, diz FREIRE (ob. cit.), equivocamse, pois ninguém se salva sozinho, e como opressores não podem estar do lado dos oprimidos. Outra característica dessa ação antidialógica é a manipulação das massas oprimidas. Este é o instrumento fundamental da conquista. O assistencialismo é também um instrumento fundamental da manipulação que se utiliza para esconder os verdadeiros problemas da sociedade e, sobretudo, para distrair camadas populares. Da ação antidialógica faz parte, ainda, a invasão cultural. Esta, associada à manipulação e à divisão, juntas vão constituir a conquista. Uma invasão considerada como “penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expressão” (FREIRE, 1979: 178). Nesse sentido, os invasores são os autores e atores do processo. Os invadidos vivem na ilusão de serem atores na atuação da classe dominante. Na realidade a invasão constitui, já em si, a dependência, ou torna-se um instrumento de dependência utilizado pela minoria dominante. Daí que, nesse processo, o lar e a escola, não fugindo às condições estruturais, refletem esta invasão numa sociedade de dominação. Para o invadido, é proibido pensar. Outro aspecto que caracteriza a invasão cultural, introjetado no invadido pelos instrumentos de dominação, é o “medo da liberdade”. Na problematização das situações concretas, há um “desnudar-se de seus mitos e renunciar a eles, no momento, é uma “violência” contra si mesmos, praticada por eles próprios. Afirmá-los é revelarse” (FREIRE, 1979: 183). Mas, problematizar as relações homem-mundo aos oprimidos é componente essencial de uma ação cultural, cujo objetivo seja a superação da situação de dominação, de dependência. Para tanto, têm-se as características fundamentais desta ação, ou seja: colaboração, união para libertação, organização e síntese cultural. Na colaboração, não se tem conquista, portanto não se tem conquistado. Os homens se encontram para a transformação de sua realidade e não há imposição nem domesticação. Isto não significa que a ação cultural não conduza a nada, nem deixa uma consciência
clara da realidade concreta. Seus objetivos são comprometidos com a libertação, conforme o pensamento de FREIRE (1979: 197): “As massas oprimidas que se libertem, não pode pretender conquistá-las, mas conseguir sua adesão para libertação. Adesão conquistada não é adesão, porque é “aderência” do conquistado ao conquistador através da prescrição das opções deste àquele. Adesão verdadeira é a coincidência livre de opções. Não pode verificar-se a não ser na intercomunicação dos homens, mediatizados pela realidade” .
Enquanto a ação antidialógica mitifica a realidade, a ação cultural se impõe desvelando o mundo. Portanto, não se descobre o mundo ou o outro. Há uma busca conjunta onde todos são sujeitos dessa ação. A adesão, nesse processo, gera a confiança das camadas populares em si mesmas, superando também o “medo” de sua libertação. A união é outra característica da ação cultural e que se contrapõe à divisão na ação antidialógica. A busca da união é o esforço constante de todos os oprimidos, a união entre si, caminhando para a liberdade. Todas as características da ação cultural só acontecem na práxis libertadora. Mas para essa união é imprescindível a ação na qual agentes que aderiram à busca da liberdade conheçam o porquê e o como da sua decisão. Assim não é busca de “slogan” ideológico. Não é um simples mudar de ação antidialógica para a ação cultural. É o seu comprometimento com o fim da “cultura do silêncio”, a qual “se perpetuou no tempo através de uma relação estrutural de dependência entre o terceiro mundo (ou sociedades-objeto) e as metrópoles (ou sociedades diretivas)” (LIMA, 1981: 89). A organização se contrapõe à manipulação. Na ação cultural, busca-se a organização do povo. Esta organização conduz à unidade da ação e nesta ação dá-se também a organização das massas trabalhadoras. Aqui o conhecimento crítico do momento histórico da ação, da visão do mundo das massas, da clareza da contradição principal se impõe pela apresentação do que é tudo isto e de como se apresenta. Na organização, tornam-se imprescindíveis valores como a liderança, a disciplina, a decisão, a ordem, os objetivos, bem como as tarefas a serem cumpridas e que devem ser cobradas, já que a elite dominante se estrutura sempre mais para melhor coisificar as pessoas e dominá-las. Aqui, nega-se o autoritarismo, mas afirma-se a
autoridade, a liberdade. Assim, na ação cultural, “a organização, implicando em autoridade, não pode ser autoritária; implicando em liberdade, não pode ser licenciosa” (FREIRE, 1979: 211). Como última característica da ação cultural, destaca-se a síntese cultural que vem em contraposição à invasão cultural. Se a invasão cultural traz consigo a conquista das massas populares e trabalhadoras, sua divisão e sua manipulação, a síntese cultural vai em direção oposta. Se no objetivo dominador da ação antidialógica vem uma ação de indução, na síntese cultural insere-se a condição de superar essa indução. Enquanto na invasão cultural os atores podem descartar a ida ao mundo invadido, destacando-se muito mais apoio meramente tecnológico, na síntese cultural, os atores se integram com os trabalhadores, “atores, também, da ação que ambos exercem sobre o mundo” (ibid.: 123). Na síntese cultural, não há lugar para espectadores. Não há esquemas prescritos, mas identificados na ação gerando as suas pautas. Torna-se uma ação frente a uma cultura que mantém a invasão cultural. Não nega as diferentes visões que podem ocorrer. Nutre-se, aliás, delas. A ação cultural, com estas características, não significa, contudo, invocação de uma nova cultura particular própria, mas a cultura já existente, porém voltada para liberação de classe. Mas como desenvolver esta ação na comunidade?
Conhecimento da comunidade pelos grupos e suas ações
A seguir, será apresentado de que forma efetivou-se a participação da comunidade através dos grupos e como foi sendo buscado o seu fortalecimento. A busca de se conhecer a comunidade, de detectar suas necessidades é um processo que conduz à formação de grupos na própria comunidade, bem como o fortalecimento de grupos existentes. Aliás, um trabalho educativo, no campo da ação social, pode se iniciar pelo grupo já existente. Esses grupos não podem ser entendidos apenas como formais17, já que a comunidade tem poucos (Lyons Clube e Grupo de Jovens). São, na
17
Grupo formal – aquele que está organizado com coordenador, reuniões regulares e objetivos definidos.
maioria, grupos informais18. Mesmo assim, não se descartou a possibilidade de criação de novos grupos. Segue, portanto, a descrição da ação cultural realizada e a descrição dos grupos envolvidos.
Sindicato
O sindicato rural pode ser a mais importante força dos trabalhadores no campo. Neste município, se congregam os assalariados (contratados por temporada ou jornada) das duas usinas existentes e em menor proporção pelos minifundistas que trabalham por temporadas em suas terras. Caracteriza-se como um sindicato que mantém a linha geral do sindicalismo rural brasileiro. Suas atividades limitam-se ao atendimento odontológico, feito duas vezes por semana, e à rara assistência jurídica. Segundo seu Presidente, poucos são os casos de assistência trabalhista, já que o trabalhador entende “que não adianta”. Ainda assim, o trabalhador volante dessa região não tem carteira assinada, como também “não quer ter”, conforme afirma o secretário do sindicato. Em contatos com esses trabalhadores, constata-se a veracidade da afirmação. Alegam que carteira assinada é como “prisão, que o sujeito tem de estar às oito horas, largar às cinco da tarde; é uma escravidão dos infernos19”. De um modo geral, a semana de trabalho inicia-se na terça-feira, já que a feira se realiza no domingo. Esses trabalhadores prestam seus serviços onde bem pretendem e onde pagarem mais. Na época da colheita da cana, falta mão-de-obra. Na entressafra, a situação é de fome. Todos estes fatores contribuem para aumentar a dificuldade do trabalho sindical. Por outro lado, a própria diretoria há doze anos se mantém na direção, sem qualquer mudança no encaminhamento das lutas dos trabalhadores. Observa-se uma total desinformação por parte da diretoria do que está ocorrendo no meio sindical e até mesmo em nível de federação, onde rara foi a reunião a que compareceu. Sempre as coisas se apresentam “muito difícil”, segundo a direção sindical. Porém, combina-se com a diretoria, a possibilidade de um trabalho junto à categoria no segundo semestre. Volta-se a entrar em contato com a diretoria. Num primeiro encontro, com o presidente e secretário, sugere-se o início de algum trabalho que viesse romper com essa situação, somando-se a isso o analfabetismo da categoria. 18 19
Grupo informal – aquele sem as características do grupo formal, mas que se reúne assistematicamente. Depoimento de trabalhadores volantes.
Imagina-se iniciar o curso de alfabetização aproveitando os alunos do curso de Magistério que teriam nas suas aulas uma unidade de educação de adultos. Planeja-se em seguida avançar para encontros de nível de educação sindical, passando pelo Estatuto da Terra. Mas tudo deveria sair do encontro com os sindicalizados. O encontro não é prática comum nesse sindicato. E, ainda, vive-se o ano de campanha eleitoral e o presidente em nada concordou. Alega que “qualquer reunião aqui neste ano, eles (os políticos) entendem que é política dos partidos. O sindicato não é para fazer política.” Assim, além das dificuldades inerentes à organização dos trabalhadores no campo, o que se ressalta é o forte cunho ideológico da atual corrente hegemônica do sindicalismo rural, contrapondo-se à nova corrente de construção do sindicalismo pela base. E a vez e a voz do trabalhador? No país inteiro, o trabalhador está sem vez e sem voz. Todo o sistema contribui para que isto aconteça. Mesmo entre os sindicatos, são ainda poucos aqueles que assumem a luta de suas categorias e da classe trabalhadora. O sindicato em questão, em nenhum momento das entrevistas, foi sequer citado. Entretanto, quando a discussão sobre associações vem à tona, os entrevistados entendem a sua importância e 85,0% aprovam a necessidade associativa. Mas, mesmo naquele momento da entrevista, também perguntado se participariam, 73,6% respondem afirmativamente. Porém, há distanciamento para efetivar-se tal proposta. A igreja local sofre desse afastamento das pessoas de seus grupos. “Cada um por si e Deus por todos” é um lema que precisa urgentemente ser desfeito na comunidade, resgatando-se a participação. A partir dos encontros, entende-se que seria possível o início de um grupo na comunidade pelo sindicato. Mas a idéia de reunir terminou “aterrorizando” a direção sindical. Nada significou a pesquisa para o sindicato.
Professores do colégio
O primeiro contato na comunidade dá-se com os professores locais do Colégio Padre Francisco. O colégio abrange da 5a série do 1
o
até 2o grau. Em função dos
contatos efetuados em 1981, quando da preparação do projeto deste trabalho, ficou acertado o apoio da escola ao trabalho de pesquisa. O investigador também passa a lecionar naquela escola durante o tempo da pesquisa. Inicia-se o trabalho numa classe da 2a série do 2o grau.
Como professor, iniciam-se contatos com os demais professores de todo o colégio. A administração admite a discussão de muitos problemas existentes e que perduram. Os professores, por outro lado, resignam-se diante da situação. Mas que problemas apresenta o colégio? De início, sente-se a falta de planejamento, comprovada pelos próprios professores que comentam sua inexistência. Nunca houve reunião para planejar o trabalho no colégio. Constata-se que a grade curricular do curso pedagógico é a mesma do curso científico. Surgem questões de ordem disciplinar, administrativa e, sobretudo, financeira. Somente em agosto professores e funcionários recebem o salário do mês de março. Os professores, na verdade, estão no colégio à noite, apenas, em busca de uma complementação salarial. Observando-se a trajetória da implantação dessa escola no município, ela apresenta comportamento singular. Instala-se a 1a fase (primário) e 2a fase (ginásio) e depois o 2o grau, mantendo-se aí. Até 1960 implanta-se a 2a fase. No final da década de 60 implanta-se o 2o grau. Até aqui tudo normal. Em seguida, desaparece o 2o grau com cursos de Contabilidade e Magistério. Permanece o 1o grau, apenas. Em 1982 inicia-se o funcionamento do curso de Magistério. Porém, em 1983, volta a funcionar apenas o 1 o ano do 2o grau. Porém o que diz a comunidade sobre a escola que tem para seus filhos? A resposta vem do questionário aplicado para detectar as necessidades básicas da comunidade. A opinião sobre a escola indica que a comunidade sente o descaso para com a educação e 61,5% opinam que ela não está boa. Conhecendo esaa situação ela é capaz de também apresentar soluções. Perspectivas de mudanças para os professores se mostram longínquas, de tal forma que não aparece claro o que fazer ou mesmo como iniciar. Porém, a partir de contatos com mais professores, sente-se possibilidade de se promoverem encontros de atualização pedagógica. Elabora-se, com mais quatro outros professores, um programa proposto sobre: educação e sociedade (envolvendo didática para matemática, ciências, comunicação e expressão); educação no município. Esse trabalho seria executado com o pessoal da própria escola. O programa é apresentado em reunião dos professores. É a primeira reunião feita até então, com esse objetivo. Realiza-se a reunião com a presença do administrador-adjunto. Com a definição da pauta da reunião, sugestão de todos os presentes, o programa que seria apresentado não foi necessário, já que as principais necessidades daquela escola eram:
questão administrativa (a direção é uma interventoria desde 1976 e, portanto, deveria regularizar tal situação);
conhecimento da Lei n o. 5692/71 e da CNEC;
questão educacional (aqui entraria o programa proposto, mas não discutido).
As propostas discutidas e não encaminhadas, entretanto, conduzem ao impasse de mudança na direção do colégio. Não havia pessoas que se dispusessem a assumir a direção. O trabalho com o grupo, que apenas havia iniciado, não foi adiante.
Alunos do curso de magistério ( 2o. ano)
A escola está desprovida de qualquer forma de planejamento e organização curricular; há agravantes de ordem material como, por exemplo a ausência de uma única folha de papel para qualquer tipo de trabalho, livro, ou mesmo, máquina de datilografia. Inicia-se o contato com a turma, composta por quatorze alunos, no mês de agosto. São consultados a respeito do curso pedagógico. As respostas dos alunos são as mais diversas: estão no curso em busca de uma mera conclusão do 2o grau e o curso tanto faz; por entender que é preciso; por não poder fazer outro; por não querer ficar parado, sem estudar; por não ter outro na cidade ou mesmo por experiência. Para serem professores apenas existem duas afirmativas. As aspirações desses alunos do segundo grau são modestas, já que não apresentam nenhum interesse em prosseguir estudos, mesmo se as possibilidades lhes forem favoráveis. Lembrando SARUP (1980: 119), no capitalismo, “a educação é realizada em circunstâncias tão alienantes que se torna um processo de desumanização”. Assim mesmo, mostra-se um esquema de trabalho procurando orientação na própria legislação de ensino em que as escolas considerem as necessidades educacionais básicas da comunidade. Enquanto avança-se em nível teórico, chega-se também a um levantamento das principais necessidades apresentadas pela comunidade. Estas questões são discutidas, assim como o questionário aplicado na comunidade, sendo analisados seus resultados parciais. As aulas são interrompidas na escola desde o início de outubro, em função da campanha eleitoral. As aulas se tornam impraticáveis, especialmente por serem noturnas, paralisadas em função dos comícios e passeatas. Só no começo de dezembro inicia-se a aplicação do questionário para detectar as necessidades básicas da
comunidade. Juntos saem à noite durante o expediente das aulas, voltando em seguida à escola para discutir-se o trabalho daquela noite. Os alunos, em sua maioria, ficam entusiasmados com a proposta do trabalho; outros ficam desconfiados sem entender mesmo o porquê, pois tudo lhes parece estranho ao seu aprendizado e conhecimento da realidade. Outros optam por outra atividade que substitua aquela de aplicar os questionários e discutir as questões levantadas. A concepção de aprendizagem, como um processo dinâmico e contínuo é entendida pelos alunos no quadro negro; porém, sua execução abala a estrutura estática da aprendizagem veiculada pela escola. Para o ano de 1983, prevê-se um entrosamento com o trabalho do MOBRAL, onde passaria algum tempo de estágio. No entanto, descobrem-se já no início da aplicação dos questionários, dezoito adultos que podem iniciar o processo de alfabetização em fevereiro. Inicia-se também a elaboração do material didático. Conclui-se o período letivo com uma auto-avaliação final. Veja-se o primeiro parágrafo de uma delas: “alta-avaliação – 05/01/83. Primeiramente peço-lhe que não fiques com raiva com o que eu vou mi declarar... você usava um vocabulário muito auto para o nível da turma, então nós ficávamos vuando um pouco”. Da turma, cinco desistem ao longo do semestre e outros foram reprovados sobretudo em português. Como apenas duas alunas moravam na cidade, não foi mais possível o contato com todos. Não voltam quando do reinício das aulas.
Grupo do MOBRAL
Os programas pedagógicos do MOBRAL já trazem tudo pronto. Os postos nas pequenas cidades são apenas executores de tarefas já determinadas pelos programas, em geral, de nível nacional. Mesmo na execução desses programas, é mantida uma inspeção, de modo que pouco espaço resta à atividade de organização do povo. Mesmo assim, iniciam-se contatos com as professoras do MOBRAL e, sobretudo, com as coordenadoras. Por várias vezes discutem-se as questões levantadas por elas mesmas, destacando-se as de ordem educativa. A Prefeitura mantém rigorosa fiscalização em relação às professoras do MOBRAL. Após campanha eleitoral, uma professora de outra facção política é despedida. Não importam seus treinamentos feitos. Mesmo assim, as inspetoras da
região esclarecem que no MOBRAL não há política. Some-se ainda a não continuação de muitos programas educativos. Há programas, como o de ação comunitária, que estão paralisados no meio das atividades. Aqui, uma campanha de filtro não foi à frente, enquanto a comunidade foi mantida nesta expectativa. Como resultado desgastam-se as coordenadoras do programa. São comprometidos ainda outros trabalhos de base que possam surgir. Entretanto, elas estão envolvidas na aplicação dos questionários (Anexos 2 e, 3) e hoje, chegam a apoiar a reativação dos guerreiros ajudando, porém, fora de sua programação oficial. O que se observa é a desmisficação de uma possível educação popular feita pelo Estado. Sua ação não passa de mera inspeção e execução de prescrições legais, vindo a perder o significado que ele pode ter como educador do povo. Parece ser necessário descartar esta possibilidade educativa do Estado: “É pelo contrário o Estado que tem necessidade de uma muito rude educação pelo povo”(MARX e ENGELS, 1978: 89).
Esporte
Com o pessoal do futebol se dão os primeiros contatos para a ação. Conhecendo o pessoal que dirige a equipe, houve um encontro com vinte e cinco jovens do esporte local, no próprio campo. Depois do jogo, para-se por um momento e há a apresentação das idéias que se tinha para o esporte leopoldinense. Uma preocupação é, entretanto, a participação de todos que fazem o esporte. Discute-se a necessidade de aquele grupo automanter-se como equipe, além da sua própria independência financeira, de modo a quebrar o vício local, que é a Prefeitura sustentar as equipes. Fala-se da necessidade do fortalecimento da própria direção da equipe, bem como sua rotatividade. Todos concordam com estes aspectos levantados. Agora, parece que as coisas vão acontecer no futebol leopoldinense. Marca-se um outro encontro, na Câmara de Vereadores. Um jogador está presente. Mas não há desânimo, marca-se com a diretoria novo encontro, ainda na Câmara. Nesse dia chove muito e ninguém comparece. Combina-se novo encontro e nada parece interferir para sua realização, mas também não se fazem presentes. Desânimos, sem dúvida, frente a esse grupo. Na verdade, era uma resposta muito clara e entendida, posteriormente. Esse grupo de jovens, sobretudo a direção da equipe, se constitui de moços que são funcionários municipais ou estaduais e, sobretudo, de bancários. Este grupo, no
meio rural, não apresenta disposição para mudança. São assalariados estabilizados. A discussão no campo de futebol vai de encontro à situação reinante e dominada por eles. Quebrar a ligação da equipe com a Prefeitura e construir-se como equipe independente não soa bem aos seus ouvidos. A manutenção do “status-quo” é a manutenção dos benefícios do grupo. Portanto, não há por que mudar. Se se almejasse qualquer mudança por aí, esta possibilidade já estaria negada. A sua resposta negativa poderia ser prevista.
Grupo do esporte Nova Geração
Passados dois meses de atividades na comunidade e agora conhecendo mais detalhes da mesma, imagina-se como não funcionou a tentativa de organização do esporte no início. O futebol que tem tudo para se estruturar em qualquer lugar neste país, a questão da classe social interfere na organização de equipe. Mas como uma comunidade ter apenas uma equipe com população jovem tão expressiva? Assim pensando, logo se percebe que um número muito maior de trabalhadores e filhos de trabalhadores não participam da única equipe local. Tudo surge mais fácil quando se descobre ainda a existência de uma outra equipe (Nova Geração) que tinha parado suas atividades há um ano. Então, decide-se promover o reencontro dos ex-componentes.
Nova Geração Esporte Clube
Encontrados seis dos antigos participantes, prepara-se um boletim convidando seus colegas para reagruparem-se. Dois dias depois, ainda em outubro, reúnem-se quatorze dos vinte convidados para uma explanação sobre a necessidade de organização e união. O pessoal esteve sempre calado. A falta de prática de reunião, para discutir suas questões, é um dos maiores problemas da Zona da Mata. Daí já se discutem o treino e a composição da equipe. Marca-se o próximo encontro no próprio campo. Define-se o treino para as madrugadas, das quatro às seis horas, em função do próprio trabalho dos atletas. Dois membros assumem acordar os demais jogadores. Estava sendo introduzida a prática de reunião. Na comunidade não há grupos que mantenham reuniões sistemáticas. Somente o grupo de jovens se reúne, esporadicamente. Passadas duas semanas, prosseguem os treinos e mais uma reunião com doze atletas. Nesse dia acontece um grande comício com políticos de Maceió, bandas e passeatas e mesmo assim ocorre o encontro. Avança-se na discussão colocando-se a necessidade de se apagar a figura do “dono do time”, uma prática normal na comunidade. A idéia é bem aceita. Assim, com o entusiasmo, compra-se coletivamente uma bola e uma outra por crediário. A equipe começa a não ter “dono”. Em reunião seguinte, é apresentada proposta de se pedir bola aos políticos (sobretudo o usineiro). Nesse momento, cinco deles são contrários a tal proposta alegando que aquilo já havia sido discutido e que todos iriam assumir as despesas da equipe. Depois dos treinos, realiza-se uma partida oficial com uma equipe do mesmo nível. Afinal, uma equipe não só treina, também enfrenta adversário. É grande a alegria: o Nova Geração bate o adversário de quatro tentos a um (4X1), em jogo que se encerra meia hora antes, quando a outra equipe não permite a cobrança de uma penalidade máxima, mesmo o juiz sendo da equipe adversária. Os atletas de Nova Geração passam a acreditar que o preparo físico é determinante para a vitória. A outra equipe não agüentava jogar naquele ritmo. No mês de novembro, os atletas reunidos aprovam o nome de Nova Geração Esporte Clube e não apenas futebol. Inicia-se a prática do “espiribol” como novo esporte suscitando novo entusiasmo, não só para a equipe. Definem-se as questões para serem solucionadas:
a questão da existência do time como entidade dependente só de seus membros, bem como a educação esportiva (estudo de regras de jogo) pelos membros da equipe;
a organização da secretaria do time, registrando seus atletas; a busca de informações técnicas. As reuniões vão acontecendo todos os sábados, à tarde, no Centro Paroquial: define-se a contribuição dos atletas; escolhe-se uma comissão para dirigir a equipe; um processo de eleição é instalado. Com a participação de todos os trinta e quatro componentes, é escolhida a direção. Tomam posse o coordenador financeiro, o coordenador de patrimônio, o coordenador de secretaria e o coordenador técnico. A escalação da equipe deixa de ser definida pelo coordenador técnico e passa a ser feita coletivamente. A presença nos treinos físicos é decisiva para a escalação aos jogos, um processo que os rapazes estranham de início, mas depois aceitam com naturalidade. Um espírito novo surge na equipe que é o de sua independência e de seus atletas. Eles decidem também que o atleta do Nova Geração será unicamente da equipe. e que outros constituam equipes independentes. A organização da equipe avança mais ainda, até quando um dos coordenadores segue com outra equipe a Maceió sem autorização da assembléia deles. Reage-se bastante contra isto e na reunião seguinte o coordenador teve de se explicar diante de todos. Sua explicação foi mais no sentido de mostrar as falhas do outro time e de tal forma que a Nova Geração não podia caminhar por ali. Ele é mantido na equipe. Porém, no dia seguinte, faz-se uma nova reunião de emergência onde o pessoal decide expulsar do time seu melhor atleta e único goleiro. Ele estava jogando pela outra equipe local. O grupo continua se reunindo, agora sozinho, durante todo o mês de dezembro, sem a presença do pesquisador/educador. Quando de sua volta, no dia 7 de janeiro, já havia campanha sutil encabeçada pelo jogador que foi expulso, dizendo que a equipe ia se acabar. Fazem treinos só uma vez por semana e só jogam com uma equipe. Reiniciam-se os treinos. Buscam novos jogos pois afirmam que “time que não joga não é time”. Sempre se faz convite às reuniões através de boletins, mas poucos são lidos. A comunicação é mesmo a verbal. Mesmo assim, aproveitando-se a necessidade de novas partidas, monta-se novo boletim com o calendário dos novos encontros das equipes e surge uma nova reativação para todos. No dia vinte e sete, tem-se um grande encontro de duas equipes para se juntarem em uma única: Nova Geração e Real Esporte Clube. Um boletim foi distribuído a todos com frases dizendo: “A força maior se dá na união; as duas equipes têm condição de se
tornarem juntas uma forte equipe; criar uma forte equipe só depende de nós”. Formase, então, o Nova Geração Esporte Clube. O investigador retorna à comunidade em março, com dados coletados sobre as necessidades educativas básicas locais. Sobre o esporte, prepara-se nova reunião para discutir a situação do esporte de Colônia. Dessa reunião com um grupo de vinte e seis atletas, tiram-se as propostas que devem ser encaminhadas ao Prefeito:
a sede coletiva para os alunos esportistas (administração cabendo às equipes locais); um ginásio público para todos os esportes; a construção de quadras; a construção de outro campo de futebol; a contratação, pela prefeitura, de professores formados em educação física, pela prefeitura;
o incentivo de novos esportes. As discussões nessas reuniões passam por pólos opostos, desde aqueles que entendem que só com mais reuniões e mais organização o prefeito atenderia ao pedido da equipe, até aqueles que entendem que o prefeito nem iria recebê-la. Acontece a nova reunião com um documento preparado, distribuído entre eles, sendo aprovado e encaminhado ao prefeito, no dia 11 de março. Dezoito atletas fazem-se presentes nesse encontro com o prefeito. No momento há uma apresentação de fotos do time. Em seguida distribuem-se cento e vinte cópias desse documento na cidade. A direção do time continua agora nas mãos de cinco coordenadores, pois em reunião restauram a figura do presidente criando o coordenador presidente. A base de decisão do time é, entretanto, a assembléia realizada aos sábados.
Clube de jovens
Este era o único grupo formal que havia na comunidade. São realizadas três reuniões com vinte e cinco jovens. Tais reuniões acontecem depois de uma fase de estagnação do clube, que há muito tempo não se reúne. No final do ano, após a campanha eleitoral, volta às suas atividades. recesso, retornando às reuniões em março.
Em seguida, dá-se novo período de
Nas reuniões constata-se uma evasão constante de jovens. Apesar de todo esforço dos religiosos locais no sentido de dar maior dinamismo ao grupo, ele não avança numa direção planejada. A coordenação do grupo resume suas atividades às reuniões; atividades de cunho meramente religioso (orações). Há também a necessidade de uma práxis que busque a unidade da oração com alguma prática social no meio. Inicia-se a apresentação dos “slides” fé e política. Este conjunto trata da organização política do assalariado. Mas com a organização do grupo de esporte Nova Geração, os horários das reuniões de ambos coincidem. Opta-se por reforçar a equipe de futebol.
Círculo de cultura
Passados já vinte dias na região, chega-se a contatos com várias pessoas. Discutindo sobre as questões municipais, observa-se a possibilidade de um encontro entre o pessoal interessado. Num bate-papo informal, reúne-se pela primeira vez no Salão Paroquial pertencente à Igreja Católica. Esse encontro dura pouco mais de uma hora. Aproveita-se, inclusive, para se marcar outros encontros semanais. Os componentes desse grupo exercem as seguintes atividades: barbeiro, agricultor, pedreiro, servente de pedreiro, professor do MOBRAL, pintor e artesão. Neste primeiro encontro, o grupo não faz comentários sobre o que foi apresentado, apenas acena concordando durante a apresentação. Após os dois encontros, outros não acontecem mais, nem os componentes comentam sobre o círculo da cultura. Mas o que acontece com este grupo? Ora, a discussão que se planejou como início de um plano mais abrangente culminaria com uma prática. Aquele estudo pareceu não ser importante para eles e assim resolveram não mais se encontrar. Se, por um lado, passa-se informação aos trabalhadores, esta “desreificação teórica não basta porque não resolve o problema de superar essas limitações” (SARUP, 1980: 96). E aí, talvez, um dos membros já aponta a necessidade daquele grupo que era associar tudo aquilo a uma prática. Já busca uma práxis que era necessária: a união daquela discussão apresentada a um fazer; além da crítica teórica, faz-se mais urgente uma ação social associada.
Grupo de zabumba
Este é um grupo informal que já existia. A Banda de Zabumba São Sebastião se constitui de seis instrumentos: duas tabocas (pifes); um tarol; uma zabumba; um bombo (surdo) e um par de pratos. Uma característica da banda é, atualmente, a versatilidade de seus componentes quando tocam. Eles afirmam que tocam “como em sociedade”, isto é, todos os instrumentos. O indivíduo, ao iniciar sua participação ao modo de tocar dos outros, vai se afirmando em todos os instrumentos. Utilizam desse rodízio, inclusive, como momentos de descanso ao permutarem os instrumentos.
Banda de Zabumba São Sebastião
O seu repertório é bastante amplo, tocando hinos religiosos, como os hinos de São Sebastião, São José. Tocam também em santas missões, romarias, procissões e forró. O tocar dos hinos dá-se em função dos Padroeiros das Comunidades onde a banda toca. A valsa, tango, dobrados, marchas, hino nacional também são tocados. “O Hino Nacional é tocado no dia 7 de setembro, a descoberta do Brasil”, como diz seu Chiquinho. Um hino muito tocado é “prá ti amada”, como diz seu Luciano, querendo dizer “Pátria amada”. Numa das reuniões observa-se que eles tocam com instrumento da Banda Marcial da prefeitura, enquanto seu instrumental original é artesanal, amarrado de corda. Os couros dos instrumentos são de bode e de gato. Levanta-se a questão dessa
troca de material original. Muitos dão palpite e passam duas horas falando sobre a necessidade ou não de se voltar aos instrumentos artesanais. No final, seu Chiquinho comenta que a Banda teve um encontro em Maceió, onde se apresentaram bandas de todo o Estado de Alagoas, umas trinta a quarenta. Tocaram e se apresentaram e, finalmente, saiu vencedora uma que se apresentou com instrumentos artesanais, isto é, zabumba, bombo e tarol amarrados de cordas. Hoje muitas dessas bandas de zabumba aderem aos instrumentos novos de metal, desfigurando a verdadeira banda de zabumba. A Banda de São Sebastião adere também ao “modernismo”. A vitória da Banda em Maceió, segundo seu Chiquinho, foi uma vitória que “foi feia, foi triste”. O Grupo cresce, entretanto, e passa a entender também que “eles tiveram valor, pois foi com o primeiro instrumento”. Assim, continuando chega-se a juntar todos os grupos ligados à arte local. Esses grupos reunidos fazem uma discussão sobre arte popular, alicerçando com o trabalho da própria zabumba. Em seguida há apresentação da Banda, uma sintonia entre o que se falava e o que se fazia na localidade. Em outra reunião, no mês de setembro, discute-se a história da Banda. Alguns se lembram de passagens importantes quando tocavam em coretos com a Banda de Música local, que hoje não existe mais. De suas apresentações em frente à igreja e outras localidades surge a idéia de, conjuntamente, montar-se a história do grupo. Vários encontros são gravados, transcritos e discutidos até chegar-se ao texto final dessa história. É a volta às origens. O texto é lido e discutido para que traduza aquilo que eles entendem como sua história. Hoje ela está escrita. Dessas discussões sobre a história, avança-se para o trabalho deles como artistas. Tiram-se várias cópias que o grupo decide encaminhar às escolas, Prefeitura e Câmara de Vereadores (Anexo 4). De que forma esse grupo demostra organização? Ora, em uma de suas apresentações em homenagem ao Padre Cícero, promoção da Prefeitura no dia 13 de novembro, o prefeito paga a eles o valor de um dia do cortador de cana, o equivalente ao corte de uma tonelada de cana. O grupo entende que este não pode ser o referencial de pagamento para a Banda Marcial que pertence à Prefeitura e então, “vamos tocar, agora, é um contrato”. Tocar com um acerto prévio, o que não acontecia. Manter seu instrumental artesanal passou a ser fator de auto-afirmação do grupo. O grupo demostra organização ainda quando parte para uma listagem de entidades e pessoas que precisam conhecer melhor as atividades da Banda. O grupo, mais uma vez reunido, decide visitar outros municípios, além das Prefeituras e Câmaras
de Vereadores dos municípios vizinhos, como Joaquim Gomes (Al), Ibateguara (Al), Maraial (Pe) e Palmares (Pe) e Novo Lino (Al). Preocupam-se, sobretudo, com os promotores dos festejos religiosos. Saem da dimensão municipal para outros municípios. Além disto, aumentam o número de apresentações, que ocorriam apenas no final do ano, para qualquer época. Durante um dos encontros, seu Lúcio fala:
Minha cabeça tá zinindo. Por que, Lúcio? Porque com essa história toda nós vai ser chamado mermo a tocar e aí? Precisamos juntar mais o pessoá e tocar muito mais.
Agora estão também escutando os discos de outras bandas de zabumba. Ressalte-se ainda que, quebrando a prática de tocarem apenas em festa religiosa, já estão tocando em qualquer momento, por convite, e já acompanham pela cidade uma promoção de grupo de arte, e exposição de quadros e fotos em várias ruas da cidade. Estão tocando para o povo “ver e apreciar”.
Grupo dos guerreiros
Esse grupo se forma de maneira diferente dos demais. Os componentes de outros grupos que participam, na aplicação de questionários de pesquisa, descobrem as pessoas interessadas nos guerreiros quando da aplicação dos questionários. A reativação dos guerreiros era uma dúvida, que foi explicitada quando da aplicação dos questionários. À medida que estes são aplicados, discutindo-se com as pessoas, o problema da reativação dessa festa folclórica se expressa de forma aguda. No final, descobrem-se pessoas não só sentindo falta dos traços culturais que estão se acabando, como também dispostos a enfrentar o problema. Num questionário aplicado numa bodega, com cinco trabalhadores do campo, percebe-se a disposição de um deles em ativar os guerreiros. Logo há empolgamento do pessoal da rua. E então, lança-se a idéia de possível encontro para tal fim. Ocorre o encontro e dez pessoas daquele setor da
cidade participam. Essas pessoas são as pontas de lanças para a montagem e a administração do futuro guerreiro. Na reunião discute-se sobre a situação dos moradores locais da cultura esquecida e como ia acontecendo tudo isto; a importância de um grupo para a Mangueira e também outros problemas locais. A criação de um guerreiro pode abrir condições de se montar tabuleiros e bugigangas, sobretudo cachaça, milho verde, pamonha e confeitos que poderiam servir de ajudas aos iniciadores e coordenadores da festa. Nas reuniões levantam-se questões como a de buscar um sanfoneiro, o mestre, o contra-mestre, dois embaixadores. O mais difícil, entretanto, é palha e madeira par se montar a palhoça, pois isso envolve dinheiro. Os participantes da reunião assumem o trabalho de fazer a palhoça. Mas, como arranjar o dinheiro de comprar madeiras e palha? Ora, antes de se conseguir isto, tem-se de conseguir a autorização da Prefeitura para instalar-se o guerreiro no meio da rua, como é necessário. Para se chegar a tal autorização, pelo menos mais dois meses se passaram. Surge outro importante trabalho do grupo de arte que havia assumido, em suas reuniões, a ajuda ao guerreiro. O grupo assume as tarefas de reuniões com esse outro grupo. Na organização de grupos, surgem tarefas que, às vezes, escapam às suas possibilidades. Como a organização ainda é muito incipiente, não é fácil a execução das tarefas. Aí exige-se muito mais do pesquisador/educador e do grupo. Há tarefas que podem ser resolvidas com certa brevidade, pois esperar para que o grupo resolva sozinho, em vez de contribuir para um maior enriquecimento organizativo, contribui para um descrédito de sua força. O grupo decide encaminhar sua solicitação ao prefeito que seria empossado. Na verdade, este encontro só veio acontecer em maio com o Grupo de Arte e Zabumba, conjuntamente. Juntos preparam suas propostas e em reunião aprovam o documento que foi entregue e discutido com o prefeito. O espaço físico foi conseguido e hoje se dança guerreiro às quartas-feiras, aos sábados e aos domingos.
Fotógrafos
Iniciam-se no mês de Setembro os preparativos para a festa de reinauguração da Igreja Matriz. É feito convite pelo padre para reunião com os jovens e Lyons Clube, recentemente criado, para discutir-se o dia da festa.
O encontro se reveste de importância, por permitir que se conheçam mais jovens na comunidade com os trabalhos feitos para o MOBRAL, Igreja e Esporte. Aí também aparece um fotógrafo. Vê-se a possibilidade de como os demais (seis ao todo) fotografar-se a Igreja Matriz. Entra-se em contato com todos eles e, em particular, todos combinam e sentem necessidade de se fazer um trabalho para mostrar ao povo. Um trabalho que fosse além de retrato e monóculo, que mostrasse que fotografia também é arte. Já se imagina então uma programação de atividades com esse grupo, iniciando-se com pequenas coisas organizativas, tais como carnês de endereço dos solicitantes de monóculo, já que eles perdem muitas fotos sem saber o dono. Daí programar-se-ia o trabalho de fotografia da Igreja Matriz. No próprio trabalho de fotografar, discutem-se questões técnicas e fotos até aparelhagem fotográfica. Seria atingida a própria organização dos fotógrafos, definindo os preços dos seus trabalho, já que variam muito. Marca-se o primeiro encontro e aparece um fotógrafo apenas. Marcase com os demais o segundo encontro e nada, apenas dois aparecem. Com estes, definese o trabalho de organização deles mesmos e chega-se até a fotografar a Igreja e apresentar o trabalho do mês de outubro na praça da Matriz. Organizá-los como um grupo foi impossível. Os fotógrafos não se constituem nem mesmo como grupo informal de encontros esporádicos, nem avançam para uma maior organização, pois três deles são “intrigados”, isto é, nem se conversam.
Grupo de arte
Em contato com a coordenação do MOBRAL, as professoras descrevem as atividades que promovem. Entre os programas descritos, está o de “ação comunitária”. O programa se constitui de cursos de bordado, crochê e artesanato em corda. Descobrese o artesão, promotor do curso, um jovem vivendo isolado que não acredita naquilo que faz. Além dele descobrem-se mais três que faziam pintura e artesanato. Todos, entretanto nem estão pintando nem fazendo artesanato. Vê-se o trabalho de todos. No início de setembro, há um reunião com o pessoal do MOBRAL, do esporte e com todo pessoal interessado em arte. Nesse encontro, discute-se o que se faria no dia três de outubro, quando ocorreria a festa de reinauguração e restauração da Matriz local, um momento de grande interesse para a comunidade. Nessa reunião, discute-se a forma de participação desses jovens nas comemorações. Logo em seguida, realiza-se uma
reunião com o Lyons Clube, com o mesmo objetivo. Ao final do encontro, fica aprovada a participação daquele grupo de jovens para: descobrir o pessoal que tem trabalhado na cultura popular local, para reativá-la; mostrar a arte de Colônia aos seus habitantes. O MOBRAL e o Lyons Clube dão apoio, inclusive financeiro. Para os presentes na reunião, foi mostrado que se inicia um refazer da cultura que estava em extinção, inclusive com o pessoal ligado às atividades artísticas que estava desmotivado e desorganizado. Parte-se daí para se mostrar o material que tinham. Continua-se com a distribuição de tarefas para serem cumpridas. Bem próximo ao dia 3 de outubro, distribui-se um convite para a amostra em todos os domicílios da cidade. Um convite à comunidade alerta para a extinção dos traços culturais locais, tais como: guerreiros, reizados, cavalhadas, pastoris e cocos de roda. Conclamam-se todos à ação, já que não se pode assistir ao fim de tudo sem se fazer nada. Pretende-se percorrer algumas ruas da cidade com a amostra do material artístico, mas a idéia não funciona e acontece uma única apresentação em frente à Igreja, no centro da cidade. Constitui-se de artesanato, pintura e fotografia. Eles não acreditam que possam mostrar a sua arte na cidade, jamais admitem que pessoas convidadas de fora pudessem ver as suas produções de arte. Foi um trabalho marcado pelo espontaneísmo, característica das atividades populares na região. Questionados sobre o que representou esta primeira amostra de arte, os integrantes do grupo respondem: Fernando: Para nós foi muito bom, porque realmente se não fosse essa primeira amostra de arte, a gente não teria condição de formar um grupo de arte. E outra coisa, o grupo não tem condição de ser independente, a gente teria de falar com as autoridades. Elias: O artista sozinho não tem condições, a não ser que seja rico, mas o grupo tem condição de sobreviver sem ajuda de autoridade, será necessário que os artista se ajudem. A primeira amostra ocorrida no 1o semestre foi a oportunidade de divulgar a cidade de Colônia Leopoldina. É devido a ela que o grupo está existindo. As discussões seguem em torno do tema “força do grupo” e ao que se apresenta. Se não é devido a esta amostra que o grupo está existindo, pelo menos, deve-se a ela um momento determinado para sentirem-se com força de fazer algo, como grupo.
Numa reunião seguinte, entretanto, há um relatório do que foi o festival de São Cristóvão, em Sergipe. Dois dos membros do grupo de arte estando em Maceió para venderem sua produção, resolvem ir até aquela cidade onde acontecia o Festival de Arte, um encontro de toda a América Latina. O entusiasmo do grupo cresce. Outras reuniões acontecem, onde se discutem cultura popular e arte, com base em textos simples. Num desses encontros, amplia-se a discussão e chega-se a reunir com o grupo de zabumba e alguns interessados pelos guerreiros. Montam todo um jogo de “fotos” sobre os zabumbeiros e discutem a cultura popular. Segue a análise do grupo sobre esse encontro: Fernando: Acho que falta muita coisa para eles se juntarem a nós, pois nosso grupo é muito “evoluído”. Eles também têm de lutar, se inciarem. Elias: O grupo deles já existe, está reunido. Então eles venham a nós e vamos ajudar. Irá: Mas é por causa disto que temos de dar uma força a eles. Fernando: Eles não vão poder entender, e para eles entender... Irá: Justamente que é preciso ir lá com eles. Elias: Sabe como é. A gente pode ajudar. E não deixar que os grupos morram. Concluem com um consenso geral no grupo, no sentido de que podem e devem ajudar outros grupos. Continuando o trabalho, esse grupo promove a 2a Amostra de Arte. Cada componente do grupo continua produzindo seus trabalhos. No começo de dezembro, inicia-se a aplicação dos questionários sobre as necessidades básicas e os componentes do grupo ajudam também na sua aplicação. Já no final de dezembro, novo fato desponta como outro momento cultural. É a festa de São Sebastião, tradicional no município. O grupo de arte reunido decide realizar a segunda amostra, que agora seria não mais um fazer pelo simples ato do fazer. Porém, definem-se os objetivos e a composição da amostra, mantendo-se ainda a idéia de percorrer a cidade. Tudo isto é discutido e definido coletivamente. Um boletim informativo contando o que é essa amostra de arte da Colônia Leopoldina, seus objetivos, sua composição e em que ruas passaria, foi distribuído à comunidade e divulgado na missa de domingo. Se a primeira amostra estava restrita a uma apresentação apenas, a segunda se propôs realizar quatro apresentações, das quais se concretizaram três, já que choveu em um dos dias previstos. Os objetivos são: mostrar a arte da cidade à própria cidade; levar o leopoldinense a valorizar sua arte; proporcionar discussão entre os visitantes da amostra e apresentar a arte ao povo como um momento educativo entre povo e artista. O
leopoldinense pode não ter chegado a valorizar sua arte, não conseguindo o grupo atingir um dos objetivos por falta de atitudes que o demonstrem. Contudo, a arte foi mostrada ao público interessado. Se a discussão não ocorreu, como talvez o grupo todo esperasse, ela se dá pelas próprias observações do grupo quando mostra que alguns saem pegando, mexendo ou mesmo questionando: para quê é isto? Ou de quem é isto? Ou ainda quando se aproximam fazendo sua análise e respondendo e saindo; ou até mesmo quando observam à distância. Mas se nenhum objetivo foi explicitamente conseguido, pelo menos um estaria assegurado: ter tornado o evento como momento de interação povo-artista. Se por parte do povo há questionamento, dúvidas, receios, medo, desconfiança, ou não lê o boletim querendo pastoril, buscando o dono dos quadros para saber se era de “alguém”, o apoio maior vem das crianças presentes. Algo ocorre em suas mentes. Um processo educativo processa-se nas mentes desses visitantes que pela primeira vez, vêem e observam esses trabalhos na sua comunidade. Mas e da parte do grupo? O processo educativo buscado pelos artistas se expressa quando o grupo responde sobre o que representou para eles a segunda amostra de arte: Irá: Esta 2a amostra foi um duro. A segunda deu mais coragem; foi mais à frente; agiu mais e foi melhor. Melhora apresentada e estamos indo. Estes aspectos são compartilhados por todo o grupo. E ainda sobre que avanço houve (se é que houve) eles respondem:
Elias: Na primeira amostra, houve acanhamento. O pessoal nunca se reuniu e na segunda amostra a gente foi superando e não tínhamos mais acanhamento de andar com quadros e trabalhos debaixo do braço. Houve avanço assim de, sem exibição, quebrar o medo. Sem ter trabalhos diferentes mas houve avanço de querer mostrar sem medo e sem manha. Fernando: Acho que houve evolução. Agora achei os trabalhos (pintura) na primeira e na segunda muito fracos. Três meus e outros de Elias, mas é pouco para a exibição. Da próxima, iremos fazer e trazer muita coisa para mostrar lá fora.
O grupo continua a produção, mas ainda necessita de maior divulgação. Maio é mês de vários festejos religiosos. O grupo reúne-se ainda no início de abril e decide apresentar o Cultural de Maio, isto é, vai mostrar o material, a produção artística
aos alunos da escola. O grupo faz visitas às escolas da cidade, Usina Taquara e destilaria Porto Alegre. Definem seus objetivos: divulgar a arte entre as crianças e jovens; incentivar a cultura artística; fortalecer o grupo já que mantinha sua dependência a sua própria força. Do poder local (Prefeitura) não houve ajuda alguma e ainda faz questão de assim continuar. Então, prepara-se novo boletim informativo sobre o que é o Cultural de Maio, com o intuito de continuar despertando a discussão sobre a cultura local. São visitadas quatro escolas nesse mês. Permanece-se todo um expediente em cada uma delas. A garotada observa o material exposto e entrega-se papel a todos para também desenvolverem seu próprio trabalho. Este é um importante encontro com os educandos que cursam a 1a fase do 1o grau, incentivando a liberdade de fazerem algo. Quebra-se o formalismo da escola, naquela ocasião. Ainda nesse momento, o grupo coleta observações também das professoras sobre a apresentação daqueles trabalhos: Edite: precisa voltar mais vezes. Ma Rodrigues: É útil para as crianças se elevarem culturalmente. Auxiliadora: Ótimo, leva a adquirir conhecimento para todos. Cícera: É bom para o desenvolvimento para a criança ir descobrindo alguma coisa daí. Jacy: É bom para despertar a curiosidade das crianças para a arte. Conceição: É bom porque eles gostam de desenhar. Ma José: Educativo para os alunos. Joselita: Válido, pois desperta curiosidade das crianças. Lila: Tem validade pois é incentivo aos alunos. Gesilda: É válido pois a cultura é importante. Ednaura: É valido para despertar nas crianças a arte-conhecimento.
Estas são as impressões deixadas nas professoras pela apresentação nos dois maiores grupos do município. Sobre a importância ou não de se continuar com outras apresentações elas também responderam: Edite: Importante pois desperta valores artísticos. Ma Rodrigues: Continuar, sim, para o progresso. Auxiliadora: É mais cultura que se aprende. Edileuza: Precisa ir renovando as exposições para dar condição a Leopoldina de ter alguns artistas.
Jacy: Já se sentia falta deste trabalho. Conceição: Voltando mais vezes para dar chance de renovar os desenhos. Ma José: Importante pois esta amostra de arte sai da rotina. Joselita: É importante voltar pelo contato humano que há. Lila: É bom para que apareçam outras pessoas que querem fazer parte da arte. Gesilda: Deve continuar pois é educativo. Devem lutar para continuar mostrando os trabalhos. Ednaura: É importante para as pessoas tomarem conhecimento da arte.
No desenvolvimento das atividades nas escolas, o grupo coleta também os trabalhos dos meninos nas apresentações e os mantêm como material para estudo e busca de novos garotos que podem contribuir para a arte. Mas, mesmo procurando sua existência, dependendo apenas de si o grupo tem necessidades que devem ser encaminhadas ao poder público local. Para tanto, tira-se ainda nas reivindicações das reuniões de abril uma lista de solicitações ou propostas para a arte leopoldinense, isto feito em conjunto com o grupo de zabumba e grupo pró-formação dos guerreiros. O documento final aprovado tem dois objetivos básicos: despertar a preocupação pela cultura local e apresentar as reivindicações dos grupos ao executivo local. Estas reivindicações saíram das reuniões e traduzem os anseios de seus participantes. Sobre este documento, afirmam: Elias: São propostas do próprio grupo, reivindicações e hoje a gente pensa em ganhar uma casa para trabalhar. Vamos mostrar as fotos de todo nosso trabalho. Pensamos sensibilizar o prefeito já que ele é o “Leão da Cultura” (divulgação da campanha eleitoral). Fernando: Eu acho que, realmente, o prefeito vai dar apoio a nós e a gente tem de saber chegar, mostrar.
Ressaltem-se aqui as propostas apresentadas pelos três grupos tiradas em reunião conjunta, grupo de arte, zabumba e guerreiros. O grupo de arte solicitou um espaço físico para arte (uma casa para trabalhar) e uma verba mensal para a cultura (essa verba seria distribuída entre os grupos existentes e os que poderão surgir). O grupo de zabumba exigiu a doação de um conjunto de roupa (conjunto azul-claro ou cáqui) e de um conjunto de alparcatas para os componentes. O grupo dos guerreiros apresentou um única solicitação: a autorização de se montar uma palhoça na Rua da Mangueira.
Estando o documento final preparado e aprovado por todos, marca-se a audiência com o prefeito. Distribuem-se cento e vinte cópias na comunidade. Na reunião com o prefeito, todo um expediente é tomado em discussões e apresentação das atividades dos grupos, através de fotos. Nas questões de cunho financeiro, o prefeito discute a crise econômica do Estado e do município. Como saldo imediato, tem-se a aprovação do espaço para os guerreiros, sendo quebrado o medo que têm as pessoas de falar com uma autoridade, no caso o prefeito. Para aqueles trabalhadores falar com o prefeito já não é obstáculo daqui para frente. Quanto às outras questões, voltariam a ser discutidas em outra ocasião.
Devolução dos dados
A partir de agora, também se faz necessário apresentar como se dá a devolução dos dados coletados na comunidade pelos grupos. Como é apresentada a situação da comunidade aos grupos de trabalhos e aos grupos que efetivamente não haviam participado da pesquisa. De posse dos dados da comunidade, parte-se para a devolução dos mesmos. Esse é um momento determinante na pesquisa em que se passa a encarar perspectivas de mudança e assim impulsionando os grupos a refletirem, de forma sistematizada, a sua realidade. Um momento de reflexão e diálogo porém, com dados da própria vida local. A importância dessa etapa está na problematização das situações apresentadas. Esse processo teve dois momentos distintos, um primeiro onde se apresentam todos os dados levantados e se questionam, superficialmente, essas situações e um outro momento de maior discussão dos dados. Por exemplo, o grupo do esporte aprofunda mais os dados relativos ao esporte. Nos encontros em que houve pouca ou nenhuma participação dos presentes no trabalho, expunham-se os dados, levantando-se discussões sem necessariamente haver ação posterior imediata. Nos encontros com grupos engajados no processo busca-se, além das discussões, esta ação social. O primeiro encontro de devolução desses dados se dá com o grupo de arte, zabumba e guerreiros. Os dados são analisados de forma geral e em seguida analisa-se parte específica de aspectos da cultura local. Como resultado desse segundo momento, chega-se a elaborar o documento já citado sobre a cultura local e, em seguida, o seu
encaminhamento para o prefeito local. Paralelamente a tudo isto, promove-se, com o grupo, o Cultural de Maio. Os componentes do grupo de arte preparam cartazes de divulgação desses dados e passam a explicá-los também nos encontros que eram promovidos em algumas ruas. No encontro com o Lyons Club local se apresentam todos os dados. Uma reunião do clube foi tomada para essa discussão. Um de seus membros chega a levantar a questão de que, para a promoção de um trabalho social, não é necessária a existência de Lyons e sim um grupo que se comprometa com a comunidade. Foi um questionamento importante sobre a própria existência daquele grupo, que também não sabe que rumo tomar diante do desafio do trabalho comunitário. O Lyons não teve participação na pesquisa e também não assume nenhuma ação imediata. Aos religiosos locais são apresentados e discutidos, além dos dados, a própria metodologia aplicada. É possível que estes dados venham a ser úteis para orientar o trabalho pastoral que já se prepara. Outro encontro com maior discussão ocorre na “assembléia da comunidade”, com duração de um dia, em que estiveram presentes representantes de municípios vizinhos, promovida pela Igreja com as lideranças religiosas da região. Todos os dados coletados servem como material de discussão em vários grupos, passando a ter significado para a orientação dos trabalhos de ações a serem executadas. Especialmente sobre educação, houve uma reunião com os professores da 1ª à 4ª séries dos grupos escolares do município. Discute-se a educação em geral e também a situação da educação municipal. Esse encontro pode ter sido o início de reuniões futuras sobre as questões educativas locais. São feitos, normalmente, dois outros pedidos de apresentações e discussões desses dados sobre a comunidade, um à direção do Colégio que pela instabilidade reinante não se efetiva. Toda a administração escolar está deixando o colégio. O outro pedido é feito à Câmara de Vereadores, mas negado pelo seu presidente alegando ser desnecessária a divulgação dessas necessidades básicas, porque “nós vereadores quando eleitos, trouxemos o cômputo de todas as dificuldades do nosso município20”. Assim, entende o presidente reagindo a tal tipo de discussão. Para ele, quem deve discutir os problemas do município é apenas o prefeito. O grupo de arte continua sozinho apresentando através de cartazes, aqueles dados nas ruas da Lama, Mangueira e Cemitério. Nesses momentos apresentam os 20
Cf. Of. Câmara Municipal de Colônia Leopoldina – no. 25/1983, de 13 de abril de 1983.
dados nas cartolinas, a forma que eles mesmos escolheram para divulgação. Um total
de quatro reuniões acontece durante o mês de março. Além dos dados, os
componentes do grupo apresentam fotos da cidade e da qualidade da água, como também discutem um cartaz distribuído pela estação ecológica de Tapacurá (Pe), (os “preceitos do padre Cícero” ), que orienta para a não derrubada da mata; fogo no mato; caça e pesca; criação de bodes e bois; plantas para ração e outros aspectos da ecologia, um ponto novo da discussão assumido pelo grupo. Um dos elementos do grupo apresenta também questões de saúde. Na avaliação do grupo, comenta-se que “fizemos com que eles se sentissem seguros e conversassem abertamente de seus pedidos e problemas”. Em outra rua, chegam a concluir que o trabalho é importante, mas muitos não têm fé em nada. Portanto, um trabalho de ação popular necessita de pessoal qualificado para entender e explicar a dinâmica do trabalho. Essa devolução de dados é determinante para uma maior disseminação dos conhecimentos da comunidade. A análise da cultura num ângulo global reduz o espaço de discussão meramente localizada, que é tônica até mesmo nos comícios eleitorais. Além disso, abre para uma análise mais ampla, colocando os temas locais na sua vinculação com problemas globais numa perspectiva cultural em que ela ajude os homens “a compreender a sociedade como um todo, e avaliar sabiamente os fins que a comunidade deve realizar e a ver a presente em sua relação com o passado e o futuro” (RUSSEL, 1978: 69). Um processo educativo que se caracteriza pela busca de transformação da realidade social e contribui para a organização dos trabalhos do campo ou da cidade. A luta para a organização da classe trabalhadora é constante. Buscar essa organização significa estar enfrentando também os ataques da classe antagônica ou de seus agentes. De coisas muito pequenas como o simples treino de futebol, são respostas correspondentes dos opositores. Não entendem, é certo, aqueles trabalhadores que por trás de tudo isso, existe uma dinâmica maior; mas entendem que aquelas respostas eram para eles. Observa-se que, um mês depois de treinamentos físicos do Nova Geração, outros promovem o treinamento também de suas equipes e buscam seus atletas em casa. De início, há comentários de que o Nova Geração não iria existir e este passou a existir. Em seguida, que ia se acabar logo que o preparador físico (pesquisador/ educador) fosse embora em dezembro. Ele não acabou, apesar de sofrer forte abalo.
Hoje, organiza suas atividades com sua direção própria. Mas a equipe sofre a campanha para sua extinção, como declaram os atletas Fernando e Edson: “A gente estamos na dança e estamos dando mais esforço sobre a equipe. Nossa equipe não é como pensavam, que a nossa equipe era de formar e de repente se acabar. A gente teve nossa equipe sempre em ordem e queremos que o Nova Geração vá em frente. As outras equipes pensavam que o Nova Geração criava, continuava e se acabava. Pensaram enganado. Mesmo sem Zé de Melo21 nós continuou e ele não pode ficar diretamente aqui, passa fora e vem e nós na direção manteve a coisa em ordem e a nossa equipe em frente é o que a gente quer.” “Eles fizeram críticas, falaram bastante, mangaram quando se jogava bola. Eles pensaram em negócio mas foi outro. Um time de perna de pau. Esse ali é um grosso. Em todo canto na praça era aquele bate-papo, mas eles pensaram enganado. O Nova Geração foi subindo devagazinho e está subindo...”
O grupo rompe essa fase, e nada se comenta mais de sua não existência. O campo hoje tem espaço para o Nova Geração, jogar dois domingos por mês com equipes de fora e três dias na semana para treinamento. Grande discussão acontece também quando se espalha na cidade a notícia do documento que foi entregue ao prefeito. Muitas pessoas da localidade não podem entender tal coisa. Primeiro, que qualquer reunião com o prefeito deveria ter sido por eles e não pelo Nova Geração. A grande correria dos funcionários que estavam na prefeitura chama atenção, pois jamais viram tanta gente reunida com o prefeito. Tudo é novidade para todo mundo. Mas a reação maior se dá por entenderem que o documento ofende os brios do esporte local. Tudo parece transparecer na verdade uma reação inconsciente ou consciente, no sentido de não aceitarem o fato de o futebol praticado estar na dependência do poder local. Adicionam-se, ainda, as reações individualizadas e comentários públicos ou não, como a do Presidente da Câmara. Mas o poder local, diante de tal tipo de mobilização que passa paralelamente ao seu poder, desperta seus agentes e prepara suas intervenções. Como representam o poder econômico e todo o grupo está bastante sensível às investidas do 21
Refere-se ao coordenador da pesquisa José Francisco de Melo Neto.
dinheiro, eles atacam justamente com isto. O grupo de arte que vinha funcionando às suas custas também foi sabedor de todo um esquema de cooptação para o sistema local. Em uma das reuniões, Elias afirma: “Alguém chegou ao nosso grupo e percebeu nosso desempenho e tá vendo que aqui vai subir de qualquer jeito. Existe alguém esperando que o grupo suba para depois dar apoio. Mas, a questão é política (partidária). O grupo não aceita o tipo de apoio dele.”
Por outro lado, há os esquemas políticos montados e para enfrentá-los, num tipo de trabalho de ação cultural, o grupo de arte ainda avalia que há falta de pessoas para num trabalho dessa ordem. É necessário que haja uma turma mais preparada para o trabalho de organização do povo, mas em contrapartida, os “poderosos” locais não querem de jeito nenhum. Sentenciam ainda que a “é muito perigoso até mesmo de vida, pois eles são mafiosos”. Esta avaliação não foge ao que se observa, hoje, da ação desses “poderosos” em seus ataques à organização dos trabalhadores, chegando ao assassinato de tantos líderes classistas no campo. Mas a investida do poder local se dá com maior expressão no grupo dos guerreiros. Após a conquista do local, o espaço em plena rua para se montar a palhoça de dança, a festa podia começar. Mas como fazer a palhoça? Como conseguir o dinheiro? E por falta de maior agilização desse material dois integrantes da equipe recorrem à prefeitura e são prontamente atendidos com ajuda financeira. Facilita-se não só a palhoça, mas também de forma muito rápida toda a indumentária necessária, o que levaria outra temporada de trabalho para consegui-la com a colaboração de todos. Para um grupo que se forma, tudo pode voltar à estaca zero, caso não se mantenha sua reunião freqüente. Mas entende-se que a primeira instância desse diálogo educativo é nos grupos. Os momentos de interações de suas percepções facilitam a transformação das mesmas, à medida que vão se enriquecendo em conhecimento. Portanto, está aí a base primeira da instrumentalização de seus membros e de suas lideranças, no sentido de buscar as soluções para os problemas. “São o elemento de controle social que leva seus membros à mudança. Nesta função o grupo exerce, sobre seus líderes, um controle permanente, para que não
ultrapassem suas funções, distanciando-se dos interesses do grupo em benefício próprio” (PINTO,1981:92).
Assim, são esses grupos que, atuando em situação de diálogo e voltados à transformação social, irão educando seus próprios componentes. Do lado do pesquisador/educador, um dos pontos que merece atenção é a questão de que os grupos têm em mente, que ele deve ser a figura central do trabalho. Anular esta perspectiva dos grupos é tarefa do educador. Deve entender sempre que a função é de estimulação de reflexão e de ação do grupo. O pesquisador/educador deve manter permanente reflexão sobre este seu papel para não correr o risco de se sentir, como naquela equipe de futebol, “o dono da equipe”. Tudo isso causa reação dentro dos grupos. Portanto, desenvolver uma prática em que o trabalhador vá entendendo a dinâmica social também faz parte da metodologia da pesquisa-ação.
AÇÃO CULTURAL - DISCUSSÃO
Após os contatos com a comunidade, com conhecimentos mesmo superficiais de seus principais problemas, a metodologia da pesquisa-ação se torna um instrumento, uma ferramenta para uma intervenção sistematizada na comunidade. As questões apresentadas pela comunidade, analisadas isoladamente, podem não trazer maior significado se a comunidade não estiver envolvida. A participação dos grupos ou a comunidade reforça a visão da análise dos condicionantes histórico-sociais, resultando numa concepção de ciência como processo. Essa participação, conduzindo à organização da comunidade, gera a ação. Esta ação contextuada na globalidade de cultura está determinada aqui como ação cultural. Uma ação que busca conhecer, compreender a verdade das coisas e do ser, mas que também passe a buscar, a partir do agir, a possibilidade de transformação das condições de existência humana em todas as dimensões. Afirma Marx, em suas teses sobre FEUERBACH, que os filósofos até agora têm se preocupado em compreender o mundo, mas que a tarefa, no momento, é a de transformação deste mundo. Já para JAPIASSU (1981: 89), surgem agora duas posições delineadas: “o homem por um duplo deslocamento, vai tentar definir-se: de um lado, enquanto objeto da ciência; e do outro, enquanto sujeito da ciência”. Na presente pesquisa, durante os primeiros contatos em que busca a formação do círculo de cultura, inicia-se todo um estudo teórico da realidade local. Este estudo, entretanto, não teve continuidade. Mesmo assim, não foi em vão. Cinco das sete pessoas que iniciaram no círculo de cultura assumem a ação em outros grupos, já em momentos posteriores. Neste início há uma busca no sentido de entender a realidade da comunidade, porém de forma contemplativa e, assim, faltou a prática. O conhecimento da realidade não pode apresentar-se como contemplação ficando à margem da prática. Esse conhecimento, aliás, só existe na prática e é o “conhecimento de objetos nela integrados, de uma realidade que já perdeu, ou está em via de perder, sua existência imediata, para ser uma realidade mediada pelo homem” (VÁSQUEZ, 1977: 155). Contudo, no estudo em questão, é a partir das discussões das questões concretas com os grupos que se vai passando da teoria à ação. Esta ação se constitui da participação dos indivíduos desde os primeiros encontros. Vêm novos encontros e outros mais. Assim, o componente do grupo vai superando a mera expectativa e passa à ação, uma ação de elaboração conjunta de sua história da banda de zabumba; de convidar amigos para a organização da equipe de futebol; de ir repensando o seu tocar e
definindo a necessidade de ensaiar suas músicas ainda mais; de buscar a construção da sede de seus guerreiros; ou ainda para as atividades em pinturas ou atividades artesanais, com o intuito de promoção cultural e maior socialização da arte. Enfim, a ação vai acontecendo por meio da organização dos esforços dos indivíduos. A ação esteve presente em todo momento nas suas diferentes formas. As diferentes formas de práxis vão surgindo, à medida que avança a organização dos grupos. Dessa forma, o objeto sobre o qual o sujeito exerce a ação vai mudando quando se afirma mais a organização, e também quando se tem de agir em diferentes grupos. É no desenrolar da pesquisa, nesta busca de conhecer a realidade que o participante dos grupos vai adquirindo “sua auto-consciência e está no rumo não só de sua própria verdade, mas também na do mundo. E o reconhecimento é acompanhado pela ação. Ele procurará por sua verdade em ação, e fazer do mundo o que é essencialmente, ou seja, a realização de auto-consciência do homem.” (MARCUSE, in FROMM, 1979: 36). Assim, na busca de conhecer o mundo, o homem o constrói para si mesmo. E vai construindo sua independência individual e de classe, como afirma FROMM, tornando-se “não apenas livre de, mas também livre para” (1979: 45). Esta independência, partindo de sua auto-consciência, vem sendo formada a partir da ação da formação dos grupos na comunidade. Esta ação dos membros dos grupos vai tornandose mais complexa, mas sempre vinculada às necessidade que vão surgindo. Vai passando da simples participação com outros elementos de grupo até atingir a ação de encaminhamento de reivindicação de ordem política (CHEPTULIM, 1982: 92). Ação que, nesta pesquisa, foi concretizada com as propostas que os grupos apresentaram ao poder executivo local. Assim, vai se orientando o homem através de sua práxis, a transformar sua realidade de forma criativa. Mas, na ação de formação dos grupos, vai se desenvolvendo a consciência desde a fase inferior da mesma, isto é, consciência comum, aquele que pensa os atos sem fazer da ação o seu objeto. A partir do nível inicial de consciência intransitiva, busca o rompimento da mesma para uma consciência transitiva ingênua, pela ação na realidade, para chegar até o nível de consciência transitiva crítica. Nessa perspectiva, esclarece BARROS (1982: 13): “Na medida em que cada indivíduo começa a analisar a realidade em que vive, indagando suas causas mais profundas ou os fatores que realmente a
determinam; na medida em que este indivíduo em diálogo com os outros em um círculo de cultura, questiona esta realidade com os seus companheiros, interpelando-os e sendo por eles interpelados; na medida em que eles tomam consciência de que através da cooperação podem transformar esta realidade, podem tornar-se um pouco mais sujeitos e criadores de sua história, podem fazer cultura, nesta medida este indivíduo ou este grupo desenvolve uma consciência transitivo-crítica.” (BARROS, 1982: 13).
Esta teoria se embasa para melhor compreender a realidade e contribuir para uma ação política. Dentre outros autores, BORDA (1972: 3) mostra como uma explicação teórica adequada à realidade facilita esta ação política e ao mesmo tempo como esse processo chega a ser um aporte da ciência. Para ele “sobreviverão e acumularão aqueles conceitos e técnicas até que passem pela prova de força da experiência de massas erguidas em defesa de seus interesses de classe” . Por isso, não é necessário apenas ter em seu tema de trabalho a classe operária, o proletário do campo e ligar-se ao movimento sindical. Para THIOLLENT (1981: 131), as “condições de obtenção dos dados e o processamento aos quais são submetidos – numa palavra, o dispositivo metodológico – constituem o elemento determinante de que se pode pretender alcançar”. Este dispositivo deverá ser útil à classe trabalhadora, sobretudo no sentido de promoção e fortalecimento de organização da classe para a superação dos problemas enfrentados. Mas a produção desse conhecimento se insere na lógica da produção das mercadorias. Nas condições do capitalismo, SARUP (1980: 70) entende que o processo educativo hoje se apresenta como um ato alienante, tornando-se um processo de desumanização. Outros autores também o entendem dessa forma. Por outro lado, a proposta de que cada indivíduo é responsável pela sua própria desmistificação, não passa de mero idealismo. É pouco provável a sua realização já que não será unicamente da crítica teórica que se superará a alienação. Para tanto, faz-se necessária a ação, a prática social, levando em conta todos os fatores locais e as circunstâncias, uma ação cultural, em que a questão de como proceder para desenvolver este processo é o problema central. Este trabalho, entretanto, pode ser realizado junto às massas. Para tanto, através da ação vcultural, utilizando os procedimentos da pesquisa-ação, parte-se, na Zona da Mata, desta realidade concreta. Daí, busca-se entendê-la, busca-se o encontro com indivíduos, sendo os passos iniciais para organização dos futuros grupos. À medida que se avança com cada grupo, tem-se o
cuidado permanente na percepção desses indivíduos de sua realidade convergindo para uma perspectiva de ação sobre a realidade. Um trabalho organizativo que se inicia a partir daquilo que os indivíduos sabem, do que percebem, eleva-se a um nível de um novo conhecimento revelando o objeto a ser transformado. Se se falha na organização do primeiro grupo de esporte; num possível trabalho educativo do sindicato rural; se ocorre um impasse no grupo de professores do colégio; no grupo de fotografias; no grupo de jovens ou no círculo de cultura ou ainda no grupo de MOBRAL, tudo isto passa por nova análise de circunstâncias em que se inserem estes grupos. Se com os demais grupos superam-se esses impasses, pode ter sido por conta de uma maior clareza dessas circunstâncias e melhor trato com o método de trabalho ou ainda uma questão de tempo. Nessa ação de organização inicial, a concepção teórica de ver o povo com sinônimo de massa monolítica deve também
desaparecer. Para o campo,
sobretudo, as frações constituintes do campesinato devem ser consideradas. Mas, no trabalho com os grupos, a preocupação com a união está sempre presente. Nas reuniões, discutindo as questões concretas de grupos, discute-se também o entendimento da organização da sociedade e como cada grupo se insere nessa conjuntura. A união entre grupos no meio rural não é tarefa fácil. Além dos fatores apresentados anteriormente, soma-se ainda o analfabetismo e a ausência de auxiliares, bem como a desorganização dos operários da cidade, sem possibilidade de prestar alguma ajuda. Assim, os fatores que contribuem para sua desorganização são também fatores discutidos. De suas condições de vida saem os temas para decodificações. Todos na região padecem de insegurança da não qualificação, além da ausência de emprego. A partir daí, vislumbra-se com maior clareza a necessidade de união. Os detalhes culturais vão desde o espontâneo dos gestos, códigos, entonação de voz, expressão corporal, até a linguagem semântica de seus termos. Todos os problemas colocados têm uma finalidade educativa de desmistificar o mundo da dominação aos dominados. Com todos vão-se definindo propostas geralmente imediatas, mas que preconizam a afirmação de desenvolvimento político e social, buscando se tornar, a longo prazo, poder e em busca de hegemonia. Esta união vai se concretizando através desse processo educativo. Entretanto, não significa que eles vão receber, mas que devem repetir ou se ajustar ao esquema social, como faz a escola formal. Dessa forma, adquirindo consciência, descobrindo a sua existência,
relacionando-se com o mundo, os indivíduos podem iniciar seu próprio processo de construção. Pela ação cultural, cada vez mais se tem a necessidade e clareza de colaboração entre grupos, entre os trabalhadores para sua autodeterminação. O papel do investigador neste processo deve estar claro aos grupos. Esta figura passa a tornar-se a esperança dos indivíduos e sem ele tudo vai abaixo. Numa ação cultural, a função do investigador dá-se mais no sentido de estimular o grupo. Este é o papel de colaboração que tem o investigador: fomentar e desenvolver práticas que os levem a esta colaboração. Neste aspecto, os grupos passam a ter contato entre si: o pessoal do MOBRAL ajuda o grupo dos guerreiros; o grupo de guerreiros une-se ao grupo de zabumba; o grupo de zabumba reúne-se com o grupo de arte e o grupo de guerreiros, todos discutindo os problemas da cultural local. Como resultado dessa colaboração e discussão, hoje, o grupo de guerreiros está se apresentando às quartas, sábados e domingos. Ganha a cultura local, fortalece-se a resistência à invasão cultural. Os grupos descobrem sua força também quando buscam mostrar a arte à comunidade e o grupo de zabumba fortalece as amostras com a melodia, com sua arte. É a busca pela construção das formas concretas de resistência cultural do povo. Porém a necessidade de colaboração de consciência não se constrói do dia para a noite, como não vem pronta de fora, mas são processos que se engendram na ação desses grupos. Portanto, toda uma série de atividades vai despertando o indivíduo da sua consciência intransitiva para outro nível de compreensão, o qual deve ir além da dimensão da Zona da Mata e do Estado, atingindo uma dimensão global. Assim se desenvolve a colaboração entre os grupos, partindo daí para outras formas de ação mais políticas. A colaboração e a união vão se definindo desde o momento inicial de investigação e o conhecimento do ambiente da pesquisa. Inicia desde aí, nesta prática da Zona da Mata, com os grupos buscando sua organização, descobrindo outros e promovendo a colaboração e união de seus membros. Chega a culminar com ação eminentemente política, quando os grupos ligados à cultura e grupo de esporte encaminham, como grupos organizados, as propostas para o prefeito local, tanto em relação à cultura como ao esporte. Visões diferentes surgem, dificuldades surgem, mas na ação conjunta tudo isto é dirimido. Ações de cunho reivindicatório, bem como sua problematização, iniciam-se desde o levantamento das entrevistas feitas pelo grupo de estudantes do Magistério e que fornece todo o roteiro para as reuniões dos grupos. Os
dados dão maior sustentação às propostas encaminhadas, como o documento à autoridade local o qual foi distribuído. Ação cultural, segundo FREIRE (1976), é utopia, é esperança. Ação cultural, entretanto, sendo utópica não significa ser idealista ou inexeqüível. Como ação, ela se constitui do anúncio e denúncia; denúncia da realidade desumana e anúncio de outra realidade onde os homens se tornarão mais humanos em sua plenitude. Tudo isto parece por demais difícil. Mudar as análises, as discussões, partidos, modelos econômicos, enfim, a estrutura social; “Pode ser difícil: mas tudo isto é necessário, não há alternativa. Como também é necessário que haja coisas que não podem ser feitas do dia para a noite” (HELLER, in CHASIN, 1983: 7).
CONSIDERAÇÕES
Aqui, pode-se questionar o alcance das mudanças naquela comunidade, em termos de alteração do sistema produtivo ou quebra de dependência de classe social. Foi alterada a dependência do município à monocultura da cana-de-açúcar e obtida a diversificação da agricultura local? A resposta aos questionamentos apresentados é negativa. Não foi alterado o sistema produtivo local, nem desfeita a dependência de classe e muito menos deslocada a agricultura local da monocultura da cana. Não será apenas através de um processo de ação cultural que tudo isso ocorrerá. Existe algum movimento social caracterizado por grandes mobilizações, como atos públicos, greves e outros? E como ficarão os grupos após o envolvimento do pesquisador e os mesmos na comunidade? Para responder a estas perguntas, a primeira dificuldade que se tem é a caracterização, hoje, do momento social com o modelo padrão de certo tipo de movimento como: atos públicos, greves, movimento sindical e atuação partidária ou mesmo em associações de moradores. Tudo isto constitui o movimento social da classe trabalhadora, mas é necessário que também sejam recuperadas as atividades, as ações do dia-a-dia e enfocado como movimento de resistência da classe trabalhadora. O enfrentamento da classe oprimida com a realidade e sua busca pela sobrevivência fornecem as referências que podem ser úteis a uma análise prospectiva para os grupos na comunidade. Esta tentativa está expressa nas afirmações de alguns componentes dos diversos grupos quando questionados sobre a possibilidade ou não da sobrevivência daquele grupo, mesmo com o afastamento do pesquisador. Em relação ao Nova Geração, Gizo afirma: “as outras equipes têm mais condições de praticar esporte, mas não têm aquela boa vontade que têm os atletas da Nova Geração”. Esta boa vontade a que se refere o atleta da equipe diz respeito ao desejo de que ela permaneça. Ou ainda quando Eraldo, o tesoureiro da equipe, envolvido nas questões financeiras, assegura que todas aquelas despesas não ficariam “nas suas costas”. “Vamos marcar uma reunião, no meio da semana, para acertar isto”. Isto significa que a equipe começa a discutir suas questões e com essa prática pode estar se exercitando para sua sustentação futura. Indagados se o recolhimento de contribuições seria feito dentro do campo de futebol ou não, alguns atletas discordam dessa cobrança dentro do campo e um deles sentencia:
“vamos reunir todos e discutir isto direitinho. Só isto”. A discussão das questões de forma coletiva está se tornando necessidade. É prática que a equipe que vem jogar no campo adversário recebe uma taxa de deslocamento. Para efetivar esse pagamento, Noronha explica: “o Nova Geração não é rico mas vem organizando e trazendo os times para jogarem em Colônia e este pagamento tem de sair da equipe. Nós não gostamos de sair pela rua pedindo a um e a outro para colaborar (uma prática na região e de outras equipes). Só o Nova Geração não sai pedindo dinheiro e tudo está saindo da equipe”. Mas nem todos têm aquela boa vontade anteriormente citada. Geraldo é o atleta que também observa este aspecto e entende que o Nova Geração não será feito como deveria no entender dele, isto é, todo mundo pagando certo e todos disciplinados. Porém, perguntado se a equipe acabaria após a saída do treinador (pesquisador), ele acredita que não “porque através de nós conseguirmos cinco sócios o que é muito difícil aqui. Cinco sócios que não jogam e contribuem, são dos engenho”. Se esta prática se enraizar, está assegurada definitivamente a equipe. Para ele se discute qualquer assunto menos o fim de sua equipe. Torna-se em equipe, como prática de discussão, uma equipe também de resistência dos seus componentes a toda aquela forma de dependência dos seus componentes, a toda aquela forma de dependência local do esporte à Prefeitura. Está acontecendo um processo de auto- afirmação e o qual passa a contribuir com o esporte local, arregimentando a população local para ir ao campo de futebol assistir aos seus jogos. Os jogos do Nova Geração passam a ser a discussão da cidade. No aspecto político, ressalve-se a clareza da necessidade de manter-se a cobrança ao executivo local, por parte de um dos atletas, após a entrega de um documento reivindicatório do esporte local: “temos de cobrar ao Prefeito, porque se a gente esquecer como é que a gente vai fazer este negócio?” Isto é, conquistar as propostas apresentadas. Mesmo com a pouca força organizativa e poder reivindicatório desta equipe, só a presença de seus atletas no Gabinete do Prefeito foi o suficiente para que a Secretária, em plena reunião, viesse a apresentar a todos o ofício que seria enviado a Maceió (capital do Estado), solicitando verbas para uma quadra de esporte, uma reivindicação da equipe. O documento foi apresentado aos presentes não como reivindicação da equipe mas como sendo uma preocupação do prefeito desde outros tempos.
Por outro lado, os reflexos na Câmara de Vereadores são sintomáticos. No dia da entrega do documento sobre o esporte ao prefeito e também distribuído à comunidade, três vereadores se posicionam na Câmara no sentido de se ter preocupação com o esporte local. Tudo isto foram reações a determinadas ações do grupo que podem constituir um movimento que não se enquadra nas formas de movimento social estigmatizado como os apresentados anteriormente, mas que vão se constituindo na busca da efetivação de mudanças. Do grupo de arte, salientam-se suas observações. Em uma de suas reuniões, Elias mostra que “já sustenta um papo com o povo por duas horas. Eu só não fazia isto. Mas já me empolgo mais. E vou, sozinho”. Estava se referindo às reuniões que ocorriam em várias ruas. A necessidade de todo esse trabalho continuar está expressa ainda com a primeira visita feita a Maceió para contatos com o pessoal de arte da capital. Foram ainda a São Cristóvão, em Sergipe, ou até Campina Grande, na Paraíba, observar o “atelier” do Museu de Arte local e discutir com artistas campinenses. Se antes estavam limitados ao seu município, agora já buscam outras idéias em outros centros. Fernando afirma: “para mim foi muito bom essa organização. Eu desenvolvi mais a minha arte que já fazia. Então vou incentivar os meus amigos. Espero que em breve o grupo esteja com elementos e mais organizado. E ainda acho que nós iremos descobrir através desse grupo verdadeiros artistas e cada um mostrar o que tem, como grupo então”. Ou ainda Elias que se convence que o “artista sozinho não tem condição, é claro, a não ser que seja rico, mas o grupo tem condição de sobreviver sem ajuda de autoridades. Será necessário que os artistas se ajudem”. São afirmações que transmitem possibilidades de continuação de um grupo de arte naquela comunidade. Num momento de autocrítica, o grupo começa a observar que “vamos cuidar dos trabalhos, pois não temos nem trabalho para mostrar aqui em Colônia”. Mas o interesse maior vem ainda de Irapuan, quando entende que “o grupo de arte deve ser fortalecer e ter mais garra. Um artista deve trocar idéias, ajudar o outro, um dia chegar aonde a gente pensa chegar”. Não se sabe aonde querem chegar, mas explicitam a confiança de continuarem suas atividades como grupo de arte.
Dois
meses depois, voltando à região, o investigador constata que o grupo define-se para mais outra forma de arte, a escultura. Está também com troncos de madeira da região desenvolvendo nova forma de expressão artística e que até então não tinha produzido. Tudo isto vai delineando a possível sustentação do mesmo, com a saída do investigador.
Com relação ao grupo de zabumba, algo vai se apresentando como mudanças quando da expectativa de atualização de suas apresentações, já que passam a escutar discos e outras bandas de zabumba como as de Caruaru (PE). Decidem também assumir o instrumento original. Estão divulgando sua história na cidade e na região onde passam tocando. Tudo isto parece fortalecer bem mais a existência e consolidação do grupo. Em relação ao grupo de guerreiros, constata-se que passados os dois meses após deixar a comunidade em plena época de inverno, que é a de maior crise na região canavieira, o grupo de guerreiros passa a existir na palhoça no meio da rua da Mangueira e dança-se às quartas, sábados e domingos. Sua existência nessa época de chuvas é indício de sua continuação na fase da colheita que se aproxima, já que nessa época a situação econômica da comunidade se torna menos instável. Esta ação cultural deixa ainda um saldo expressivo de informações sobre a comunidade. Ela ficou conhecida bem mais do que se conhecia no que se refere às suas necessidades básicas, isto é, àquelas necessidades mais indicadas pela comunidade. Todas aquelas informações devolvidas aos grupos e mantidas, sobretudo, com o grupo de arte podem ser úteis para continuação deste processo praxeológico. Um leque de atividades em cada assunto específico, como saúde e outros, fica mais claro para uma seqüência dos mesmos. Todo um trabalho está aberto. A continuação sistematizada pode se constituir em processos vários, quando se delineiam, agora, que questões devem ser aprofundadas. Pode-se desenvolver o tema da cultura, questões educativas formais, organização esportiva, organização sindical, o professorado de 1o grau, enfim, uma ação cultural dimensionada em cada questão específica. Aprofundar estas pequenas mudanças ocorridas e refletidas em atividades que antes não existiam parece ser necessário. Assim, pode-se configurar um quadro mais expressivo de possíveis mudanças, porém a longo prazo, acrescentando-se que mesmo para os grupos sozinhos, não será fácil toda esta sistematização. Os religiosos, com os agentes pastorais, poderão ter mais condições de sustentar tal processo considerando, sobretudo, a disponibilidade e a prática dos mesmos. Para isto pode ser necessária a formação de novos grupos para cada aspecto a ser estudado, como, por exemplo, para educação de 1a à 4a séries. Para possível criação de novos grupos, todos os dados coletados permanecem nas mãos desses religiosos e do grupo de arte. Contudo, algo parece ficar patente para todos que estiveram envolvidos neste processo. Até mesmo o prefeito, no
dia da entrega das propostas do esporte, local declara: “é bom que estão despertando”. Para o usineiro e prefeito, não se sabe o que significa “ser bom”, mas que aqueles trabalhadores ou seus filhos demostram estar se conscientizando, “despertando” para a sua realidade. Os efeitos dessa ação cultural, do ponto de vista de organização, mesmo envolvendo todos trabalhadores da comunidade, são limitados. O que foi feito, observa também o grupo de arte, ainda foi pouco. “Mas foi. Parece que precisa mais gente para cada grupo”. Pode-se até admitir que nenhum desses grupos vá avante com suas próprias forças. Entretanto, acredita-se também como o grupo de arte que “o trabalho, mesmo que não vá avante, ele não se acabou. Parou, não foi em vão”. Algumas questões de cunho acadêmico se apresentam e que podem contribuir mais para o desempenho do trabalho social como, por exemplo, a necessidade de uma maior fundamentação nas próprias técnicas de pesquisa e, sobretudo, na análise epistemológica das mesmas. Isto se faz necessário para se buscar também, de forma científica, outras formas de produção do conhecimento que, mesmo podendo ser modestas, têm de ser científicas. Formas que venham considerar os aspectos determinantes em cada região, desenvolvendo técnicas de ação, orientando-se para fatos pertinentes e significativos da comunidade e que tenham como finalidade a organização, educação e ação dos envolvidos na pesquisa. Um estudo social que se busque estar combinado com a sistematização posterior para então ser devolvido aos grupos de base para a comprovação com a realidade. As formas de devolução desses conhecimentos à comunidade são desafios que, uma vez superados, se contrapõem às formas de produção especializadas, fechadas e, portanto, divorciadas da cultura onde foram colhidos os dados. Essa devolução se caracteriza pela clareza de exposição, para que a classe trabalhadora possa compreendê-la. Não pode ser feita apenas através dos livros ou revistas especializados, pois assim o próprio conhecimento passa a ser direcionado por critérios que estejam fundamentados num conhecimento de utilidade às comunidades. Nesse sentido, afirma THIOLLENT (1980) que apenas a crítica não é suficiente, como as levadas ao empiricismo, se, as mais das vezes, são críticas apressadas sem apontar alternativas adequadas. Uma equipe de pesquisadores de várias áreas de conhecimento também pode ser necessária para um trabalho de ação cultural mais elaborado. Várias pesquisas podem ser geradas de um mesmo projeto de ação comunitária. Educadores, sociólogos, economistas, antropólogos e outros podem contribuir no conjunto da devolução de
dados com uma maior fundamentação teórica de cada pesquisador. Isto será útil a uma maior compreensão da comunidade e, em conseqüência, uma ação social mais efetiva. E, finalmente, a pesquisa nos países periféricos ou subdesenvolvidos pode gerar uma maior autonomia dos mesmos, quando se busca construir seu instrumental próprio de pesquisa. Esse instrumento se faz necessário, pois assim se avança para deter-se o colonialismo científico e cultural como meio de resistência à dependência econômica e política dos povos.
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