Memorias Vivas do Povo Leopldinense. Georgia Lamenha

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Georgia Lamenha

Memórias vivas do povo leopoldinense

1a edição

Colônia Leopoldina/AL Edição do Autor 2014 3


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A memória é o único paraíso do qual não podemos ser expulsos. Johann Paul Ritcher

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Dedicatória

Dedico esta obra aos meus pais, personagens dela, porque, pela vontade Deus, foram unidos e me deram a vida. De uma forma especial, como não poderia deixar de ser, a todos s cidadãos leopoldinenses, pessoas especiais que ajudaram a construir um pouco da nossa querida Colônia Leopoldina.

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Apresentação

Recordar a vida é uma terapia que serve para emocionar a alma. O tempo passa rápido, mas ficam as lembranças gravadas na memória e no coração, prontas para serem reveladas quando se tem oportunidade.

Prepare-se para conhecer acontecimentos que marcaram a vida dos entrevistados e da cidade onde vivem nesta obra intitulada Memórias vivas do povo leopoldinense.

Reviver o passado para entender o presente! Espero, caro leitor, que aprecie este trabalho, baseado nas experiências de cada cidadão que o compõe, com um toque literário para a história ficar mais emocionante!

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, a Deus Altíssimo que me deu a capacidade e o dom de escrever; em segundo, a todos os entrevistados que colaboraram com as informações por meio de uma boa prosa. Depois, a todos que direta ou indiretamente contribuíram e torceram para que este sonho viesse a se tornar realidade.

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Agradecimentos especiais

À minha família – meu esposo, Émerson Costa, e filhos: Everaldo Neto, Clara Fernanda e Ana Cecília , presentes de Deus na minha vida.

À minha professora, alfabetizadora e tia, Edite Lamenha, que me orientou na concretização do meu primeiro sonho: a descoberta da leitura.

À minha irmã, Gilvania Lamenha, um exemplo de vida. Mulher de garra, fé, perseverança, bondade e humildade. Ao meu amigo – companheiro de jornada, atual secretário de Educação, Romildo Moura, profissional que admiro.

À ex-secretária de Educação, Eleonora Amorim, que acreditou no meu sonho e me incentivou na realização desta obra. Aos meus alunos da 8a série do ano de 2008, que demonstraram interesse pelos textos de memórias das Olimpíadas de Língua Portuguesa.

À ex-diretora da Escola Antônio Lins da Rocha, Genilda Cavalcante, pelo apoio e reconhecimento às minhas ações pedagógicas.

A Jadiaelson Alves, o profissional que organizou meus textos e imagens, dando forma a esta singela obra, através de sua criatividade, dedicação e zelo.

A todos os entrevistados que contaram fatos marcantes de suas vidas e do lugar onde vivem e autorizaram a publicação de seus relatos.

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E por falar em memórias...

Lembro-me de uma garotinha: olhos vivos e curiosos, atenta à chegada da família que vinha de Colônia Leopoldina para o Engenho Canto Escuro. Lá, apresentava-se com quase nenhuma roupa, pois ali se sentia em casa e à vontade. Naquela ocasião, agarrava-se no vestido da avó paterna – Isabel Lamenha, pois era onde se sentia segura, coladinha na matriarca daquela família. Admirada, observava os parentes que desciam de um caminhão para apreciar e desfrutar a cachoeira daquele lugar. Algum tempo depois, aquela menininha esperta veio morar na cidade, onde realizou um de seus maiores desejos: aprender a ler e a escrever. Um tanto quanto assustada com a nova etapa de vida, a garotinha começava a escalar sua carreira estudantil. Na Escola Estadual Aristheu de Andrade, foi aluna da tia Edite Lamenha e com ela obteve as primeiras lições. Graças àquela oportunidade, tive a honra de (ainda muito nova) também lhe dar “aulas de reforço” (a pedido da minha mãe). Aquela criança de dedinho na boca, de olhar atento, tornou-se uma das melhores educadoras deste município. Sempre estudiosa, esforçada e dedicada, conseguiu trilhar uma trajetória profissional de forma brilhante: preocupa-se com o bom desempenho de seus alunos, ensinando-lhes estratégias de leitura e produções textuais. Hoje, como escritora, descreve e narra, neste livro, as Memórias vivas do povo leopoldinense, daqueles que a ouvi chamar de “meu povo”. Evidentemente, não utiliza este termo como posse, apenas no sentido de acolhimento e reconhecimento. O livro dela registra fatos históricos da vida do nosso povo, pessoas ilustres e importantes para o desenvolvimento de nossa cidade e, certamente, se perpetuará nas memórias dos novos leopoldinenses. É com imenso prazer que faço declarações sobre a vida de GEORGIA LAMENHA: mulher temente e agradecida a Deus por tudo que tem e por tudo que é. Ela é minha prima, minha irmã em Cristo e minha colega de trabalho. Parabéns por mais esta conquista!

Claudiana Rocha Professora 10


Sumário

A boneca que deu vida ao meu sonho A arte do trabalho A natureza é mãe, é vida! Amante da vida pública As mãos de Mãezinha De alfaiate a comerciante De Antônia para Eulina De aluna para professora De coração aberto Gera Ação! Mandacaru: símbolo de resistência O pequeno grande homem O senhor da floresta Parteira vocacionada Se o tempo voltasse, seria diferente Uma árvore frutífera Orgulho de ser leopoldinense Breve história de Colônia Leopoldina Obra-prima de Colônia Leopoldina

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Prefácio

Colônia Leopoldina pode contar hoje com uma grande mulher de letras, que se tornou escritora e estreia sua obra Memórias vivas do povo leopoldinense, fazendo um resgate das lembranças e trazendo ao nosso conhecimento relatos importantes dos nossos conterrâneos. Georgia Lamenha é uma extraordinária educadora que, dentre os grandes trabalhos desenvolvidos nas nossas escolas, transformou suas oficinas de textos de memórias numa coletânea que vem sendo construída há alguns anos, com todo o zelo, carinho e amor pelo nosso povo. Afinal de contas, que família leopoldinense não ficará lisonjeada em ver sua história reportada às páginas de um livro? Recordo-me, por diversas vezes, em ouvi-la relatar histórias que fazem parte desta obra,

demonstrando

profunda

emoção.

Todo

esse

encantamento

deve-se

ao

comprometimento com o resgate das memórias de nossa gente, transcritas em papel e transformadas num livro fabuloso que será mais um marco para os literatos de Colônia Leopoldina. Educadora comprometida com a leitura e a escrita, que honra a graduação do Curso de Letras, consegue repassar às páginas de sua obra as lembranças dos leopoldinenses, as quais o leitor sentirá prazer em reconhecê-las, ao se debruçar sobre cada página deste livro. Sua capacidade intrínseca de escrever transportará o leitor para dentro de cada história, fazendo-o vivê-la como se fosse a sua, pois as sutilezas e os detalhes explícitos o fará perceber bem claramente que também é a sua vida que está sendo abordada em cada texto. Espero que assim como eu fui agraciado em marcar a abertura desta obra, você também seja presenteado com o que encontrará nas páginas seguintes.

José Romildo de Moura Professor, Secretário de Educação 12


A autora da obra, Georgia Lamenha, em recordação escolar na Escola Aristheu de Andrade.

“A boneca que deu vida ao meu sonho”

Nasci na década de 70, no Engenho Canto Escuro, próximo ao município de Colônia Leopoldina. Dos dez filhos e filhas a quem minha mãe deu à luz, fui a terceira da sequência, e a segunda das mulheres. Tive uma infância carente, apenas o básico para sobreviver, nunca soube o que era uma festa de aniversário. Minhas roupas eram simples, vestidinhos de chita. A única roupa de festa era um vestido azul claro, bordado com pequenas flores na parte superior, que logo ficou curto para mim, presente da minha madrinha que também me presenteou com o nome de Georgia. Menina de poucos brinquedos, apenas aqueles que a própria imaginação criava através das caixas de fósforos, embalagens plásticas, folhas e flores que a natureza dava gratuitamente para minhas invenções. A vida não era só brincadeira, ajudava também a mamãe nos afazeres domésticos. Nas noites de lua cheia, brincávamos no terreiro da casa, eu, os irmãos e alguns poucos vizinhos da redondeza. Gostávamos de ouvir histórias fantasiosas contadas pelos mais velhos. Algumas até que davam medo. As cantigas de roda e as adivinhações fizeram parte da minha infância. As dificuldades da época não me impediram de criar fantasias e alimentar sonhos; de outra forma, a vida não teria sentido. Nisso, vocês devem concordar comigo. Há lembranças que marcaram profundamente o meu ser e elas estão relacionadas a um dos meus sonhos – aprender a ler e escrever! 13


Naquele lugar, onde vivi parte de minha infância, não havia escola, a mais próxima ficava, aproximadamente, a 3 Km, na Fazenda Macuca. Lá estudei seis meses e tive contato com as primeiras letras do alfabeto. Íamos a pé eu, meus irmãos e algumas crianças. Bem diferente dos dias de hoje. As crianças da zona rural do município têm escolas de séries iniciais e dispõem de transporte para fazê-las às escolas da cidade para continuarem sua formação. Hoje tudo está mais fácil, não estuda quem não quer, as condições são mais favoráveis. Em julho de 1979, meus pais resolveram mudar-se para a cidade a fim de colocar os filhos na escola. Eu e meu irmão fomos matriculados na Escola Estadual Aristheu de Andrade e tivemos a professora Edite Lamenha, nossa tia, nos ensinando a 1a série. Nessa época, eu ainda não conhecia todo o alfabeto, sabia escrever algumas palavrinhas decoradas. Recordo que os meus colegas zombaram de mim, porque em um ditado eu não soube escrever a palavra “ovo”, escrevi “vov”; a decoreba falhou, confundi-me na escrita. Naquele momento, me senti humilhada, envergonhada e inferior a todos os alunos que já estavam alfabetizados. A emoção tomou conta de mim, as lágrimas rolaram dos meus olhos. Minha tia repreendeu os alunos e me confortou. Não desisti, corri atrás... Agarrei-me com a cartilha, aprendi o alfabeto e ganhei uma assistência especial da professora. Não sei se pelo fato de ser minha tia, talvez os laços de afetividade familiar tenham contribuído. Lembro-me, como hoje, da aula que marcou a grande descoberta da minha vida – a leitura. A professora colocou a palavra “boneca” no quadro e pediu para eu juntar as sílabas. Com muito medo, tomada pela insegurança, a voz trêmula, balbuciei letra por letra e juntei as sílabas: “bo-ne-ca”. Boneca! Boneca, tia”! Essa lembrança viva na minha memória foi uma experiência que tomou meu coração de alegria, uma explosão de felicidade, compreendi a leitura como decodificação. A partir daquele momento, comecei a devorar as palavras, lia tudo o que via na minha frente, elas ganharam sentido. Realizei o primeiro sonho da minha vida. Na década de 90, tornei-me professora. Em 2001, graduada para o ensino de Língua Portuguesa, apaixonada pelas Letras e desejosa de que meus alunos descobrissem, por meio da minha experiência, o poder que as palavras têm, construindo textos de memórias literárias a fim de resgatar valores de pessoas que contribuíram direta ou indiretamente com a construção do lugar em que vivem.

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Dona Carmelita em fotografia 3x4.

A arte do trabalho

Já morei em Buenos Aires, mas não na Argentina, com você deve estar pensando. Esse era o nome do sítio do meu pai, pertencia a Maraial – PE. Eu sou Carmelita Silva das Neves, nascida no dia 27 de agosto de 1940, filha do casal Antônio Avelino da Silva e Filomena Marques da Silva. Gosto de recordar a minha infância, momentos inesquecíveis, cheios de aventuras, fantasias, verdades e mitos. As lembranças trazem à minha memória um gosto doce daquela bala chamada de nego bom. Chega até a dar sede. Então, vamos ao pote! O Sítio Buenos Aires era o lugar dos meus sonhos, lá eu vivi até meus 12 anos. Fui criada na fartura, gostava pouco de estudar e muito de trabalhar. Meu pai era um homem rico e bondoso. No sítio dele havia peixe no açude, gado no cercado, burro e cavalos na estribaria. Ele também era comerciante: tinha um super barracão, estabelecimento bem sortido que vendia de tudo que precisasse na região. Recordo de algumas tradições vivenciadas por nós naquele lugar. Na época de Semana Santa, os açudes eram abertos, o que se juntava de peixe era para ser dividido com os moradores. Da mesma forma, acontecia no Natal, meu pai pegava um boi gordo e o abatia, para depois reparti-lo com todos do nosso convívio. Era bonito de ver a satisfação estampada nos olhos daquela gente. Quando me denomino de mulher trabalhadora, é porque realmente fazia as tarefas por opção e não por obrigação. Eu gostava muito do campo. Lá existia uma casa de 15


farinha, eu fazia questão de colocar a mão na massa: arrancada mandioca, descascava, raspava, espremia e ajudava a fazer a massa até assar e transformar-se em farinha. Nunca gostei de estudar, meu fraco era trabalhar no pesado, gostava também de serviços domésticos: lavava trouxas de roupas num brejo, lavava pratos, carregava água da cacimba em latas na cabeça, torrava até café no pilão, tudo isso para ajudar mamãe. Tenho a impressão de que sinto o cheiro forte e bom do café chegando às minhas narinas, dá até água na boca, pois o café de hoje não é tão saboroso quanto o de antigamente. Eu era bem diferente da minha irmã, ela gostava de fazer anotações e ficar por trás do balcão despachando as mercadorias; enquanto eu, não para quieta, era o tempo todo procurando o que fazer. Meu negócio era trabalhar em diversos afazeres que aparecesse, parecia uma garota elétrica. Posso afirmar que, para estudarmos, cada dia vivíamos uma aventura. No nosso sítio não tinha escola, então era preciso caminhar mias ou menos meia légua a pé pra poder chegar à escola mais próxima, que ficava em Sertãozinho de Cima. No percurso, tinha uma matinha que as pessoas diziam que era mal-assombrada, e haja medo. Éramos cinco, ninguém queria ir na frente ou atrás, para não sermos atacados pelos monstros do folclore brasileiro: comadre fulozinha, papa-figo, lobisomem... Graças a Deus, quando atravessávamos a mata, nosso coração voltava a bater normalmente. Hoje eu entendo que todo esse medo não passava de uma fantasia que as pessoas criavam para nos aterrorizar, não passavam de lendas. Lembro-me, como hoje, do dia em que precisei deixar para trás um pedacinho de mim. O Sítio Buenos Aires foi vendido pelo meu pai, mudamos para Sertãozinho de Baixo. Eu já tinha meus 12 anos, estudei somente até a quarta série. Casei bem novinha, com apenas 16 anos. Fui morar com o meu esposo, Adalberto, em Recife. Ele era, nessa época, motorista particular. Eu já me encontrava grávida de minha primeira filha. As coisas não estavam dando certo, então entramos em um acordo: retornar a Sertãozinho. Assim aconteceu, escrevi uma carta para minha mãe e contei a situação, ela prontamente me deu a maior força ara que eu retornasse de onde nunca deveria ter saído. No dia de nossa volta, foi uma grande festa, chego até a comparar com a parábola do Filho Pródigo quando retorna à casa paterna. A alegria contagiou a todos... Depois vieram bons e maus dias; a vida é assim mesmo. Fui uma mulher muito fértil, todo ano um filho e haja enxoval.

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Chegou ao ponto que eu queria: falar de enxoval lembra bordado, agora começa a história da bordadeira de mão cheia, que aprendeu a fazer a arte com Dona Alta, uma bordadeira antiga de Sertãozinho que, com muito jeito e carinho, me ensinou os pontos cheios e os bordados feitos em máquinas. Descobri que tinha jeito pra coisa, deixei o trabalho pesado para me dedicar à delicadeza dos bordados. Tenho nas minhas lembranças cada obra encantadora. Laços, flores, borboletas, pássaros; cores quentes e frias, linhas grossas e finas; várias coisas aplicadas em casaquinhos, panos, colchas de berço, mantas... Cheguei até a fazer curso em Maceió para me aperfeiçoar na arte do bordado. Enfim, Colônia Leopoldina ganhou a mais nova moradora que chegou para ficar na década de 60, ainda na casa que resido atualmente, situada à Rua Padre Francisco, uma das principais da cidade. Recordo-me que minha vizinhança era de muitas árvores frutíferas e matagais. Meu trabalho artístico foi logo conhecido e reconhecido pelo povo, perdi as contas de quantos enxovais bordei para casamentos e recém-nascidos. Apesar de não ter valorizado meus estudos, me considero uma mulher culta, pois sei conversar sobre assuntos diversos, presto sempre atenção às novas palavras que vão surgindo, acompanho as notícias. Sou religiosa, católica praticante, uma mulher bastante ativa que supera muitas adversidades, pois sou uma mulher de fé. Vi a evolução de Colônia durante 50 anos, muita coisa surgiu... Lembro-me dos prédios importantes sendo construídos, o hospital, por exemplo, a escola Antônio Lins da Rocha, entre outros. A cidade que moro já é centenária e eu conheço parte de sua história que se mistura com a minha. Já possuí lojinha de roupas de bebê no comércio da cidade, depois o negócio não foi em frente, voltei para o ramo de vocação: bordei novos enxovais... Se eu pudesse, bordaria minha história em uma peça de tecido. Como não é possível, essa parte da minha vida será registrada num livro de memórias, para que as futuras gerações conheçam um pouco dos costumes antigos. Os nomes dos meus sete filhos serão bordados neste texto em ponto de cruz, com uma curiosidade: os meninos com iniciais “A” e as meninas “E”. São eles: Adalberto, Alberto, Edileide, Edvanilda, Edjailda, Elisângela e Eleonôra. Minhas sete pedras preciosas que Deus me deu e que estão aplicadas nas artérias do meu coração. Este é o bordado perfeito e mais importante, porque foi feito pelas mãos do Criador à sua imagem e semelhança.

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Não tenho palavras para expressar as emoções que ora estou sentindo, é algo indescritível, só sabe quem sente. Só sei dizer que devemos viver a vida com intensidade, para desfrutar momentos bons e nos fortalecer para as dificuldades que surgem no decorrer de nossa existência. É preciso amar a nós mesmas, amarmos as pessoas que estão a nossa volta e amar o lugar onde vivemos. Dessa forma seremos felizes!

Carmelita Silva e sua filha Eleonôra Amorim.

Texto baseado em conversa informal com a Sra. Carmelita Silva Neves.

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Casa onde residiu José Lamenha, Engenho Canto Escuro.

A natureza é mãe, é vida!

A relação homem e natureza é algo instituído por Deus desde a criação. Uma conversa informal com o meu genitor me faz enxergar o exemplo que ele deixa às futuras gerações. A sua maneira de tratar a mãe terra e os frutos extraídos dela serve de lição para todos que buscam a sobrevivência de forma digna e honesta. O senhor José Lamenha da Rocha, mais conhecido popularmente por Zé Cazuza, homem simples – mais do campo que da cidade – conta para mim experiências que marcaram a vida dele e do lugar onde viveu. Nascido e criado em engenhos, não podia ser diferente. Apenas uma ponte para separar os limites de dois estados: Alagoas e Pernambuco. Posso dizer que sou meio pernambucano e meio alagoano, sabe por quê? Nasci em 23 de novembro de 1939, assim consta em meu registro civil, no Engenho Riacho do Mato – terra pernambucana que faz divisa com o município de Colônia Leopoldina, através das margens do Rio Jacuípe. Ainda bebê, fui levado por meus pais para o agreste pernambucano, para o Sítio Tamanduá, entre as cidades de Lagoas dos Gatos e Cupira. Lá morei parte da minha infância, ali não demoramos muito Meu destino, eu creio, estava traçado para os lados de cá. Por volta dos anos de 1948, regressamos às terras de Colônia Leopoldina, fomos morar no Engenho Canto Escuro, lugar que serviu de palco para minha história. Comparo os 19


acontecimentos a retalhos que, com o passar do tempo, conseguimos unir e formar uma imensa colcha. Vida fácil não tive, precisei pegar a enxada, cavar a terra, plantar, limpar mato e carregar nos lombos aquilo que cultivei. Isso não me causou nenhuma revolta, pelo contrário, amo por demais a mãe terra, de onde vem o sustento da vida. Ainda hoje aprecio o cheiro de terra molhada, o aroma das folhas silvestres, o verde exuberante das árvores que ainda restam e o orvalho das manhãs. Mesmo possuindo moradia na cidade, prefiro estar em contato com a natureza, rodeado de cães, galinhas, patos, colhendo frutos, hortaliças e aguando os lerões de coentro, cortando uma ração para animal, entre outras coisas que ocupam o meu tempo. Como dizia, não tive infância, conheci o que é trabalho muito cedo. Aos nove anos era homem feito, os calos surgiram cedo em minhas mãos. Dou graças a Deus, porque tive a oportunidade de estudar. Aos dez anos, frequentei a escola e tive duas professoras. Dava conta das lições decoradas. Lembro-me da professora Dorotéia Luna. Conseguia ver, nos olhos dela, certa proteção por mim. Agradeço também a Deus, porque não precisei experimentar os bolos de palmatória da época, pois vocês já devem ter escutado falar, naqueles tempos era assim: “Escreveu não leu, o pau comeu”. Também me recordo que, quando a professora precisava ir à cidade, eu a acompanhava, montado na garupa do cavalo dela, eu era uma espécie de anjo da guarda, para não dizer guarda-costas. Nunca fui chegado à malandragem, mas quem já não cometeu certo delito? Afinal, ninguém é perfeito. Não lembro o que escrevi nas paredes da sala de aula, mas só o fato de riscar as paredes estava errado, esse mal vem de muito tempo... Pois é, apareceram paredes rabiscadas, e a professora investigou o caso. Como era fácil de reconhecer a caligrafia, fui logo descoberto por ela. Sendo eu protegido dela, caso abafado! Passei de provar dos bolos... Apesar de ter um breve histórico escolar – de apenas três anos, foi o suficiente para aprender a ler, escrever e calcular as quatro operações da Matemática – estava eu pronto para enfrentar o mundo... Aos 18 anos, tirei o título eleitoral, e desde 1958 comecei a exercer o papel de cidadão, escolhendo os governantes da época. Posso dizer que sou um felizardo – aquele que é bem-aventurado, pois, naquela época, analfabeto não tinha direito a voto como nos dias de hoje. Voltando à adolescência, há um fato que marcou muito a minha vida. Lembro-me, como hoje, cedo do dia, quando minha mãe me chamou e disse: “Zé, não tem nada para cear”. Não tive dúvida, peguei um saco nas costas e subi a capoeira, rasgando passagem 20


pelos matos adentro. Avistei uns pés de mandiocas perdidos entre outras plantas. Com a enxada, cavei a terra e consegui arrancar as raízes que encheram saco. Chegando à casa, entreguei as mandioca para minha mãe. Era, com muita paciência, executou o trabalho de transformar aquela matéria-prima em uma massa. Foi todo um processo: descascar, ralar, espremer a massa em pano de saco até retirar todo o seu líquido, depois peneirar, colocar sal a gosto e, por fim, levá-la a uma chapa quente. Após assar dos dois lados, estava pronto o beiju – crocante como uma bolacha seca. Outro episódio me vem à mente que descreve os momentos de escassez alimentar. Dessa vez, foi durante o almoço. Minha mãe precisou dividir um ovo cozido em quatro partes. Cada filho recebeu, naquele momento, um quarto de um ovo que serviu de mistura para complementar a refeição. Lembro-me de que um dos meus irmãos, insatisfeito com a porção, pegou a parte dele e esfarelou por sobre a mesa. Minha mãe não pensou duas vezes, imediatamente deu-lhe o castigo de ficar sem almoçar. Não sei se ela agiu certo ou errado. Muitas vezes, nos finais de semana, o básico nos faltava, o jeito era recorrer para a vizinhança que tinha melhores condições de vida que a nossa. Talvez seja por esse motivo que não suporto ver o desperdício de alimentos, principalmente num país feito o nosso, uns com tanto e outros sem nada. Não sei se sou descendente de índio, mas é bem possível, pios no Brasil não tem ninguém de sangue puro, falo assim porque dizem que os índios têm uma relação muito boa com a natureza, e isso me faz lembrar alguns hábitos que desenvolvi ainda na minha juventude. Da natureza sempre procurei aproveitar todas as fontes de alimento. Gostava muito de ganhar as matas noite afora para caçar animais que servissem para o consumo. Perdi as contas de quantos tatus-peba e verdadeiros, veados, pacas, cassacos e tamanduás caíram nas minhas armadilhas; é claro que contava com a ajuda dos cães farejadores que acuavam os bichos, deixando-os sem saída. Outra fonte bem explorada era a pesca de peixes nos rios e açudes. Gostava de pescar de loca, de anzol e de pulsar – foram muitos os peixes que caíram em minha rede: carito, jundiá, tilápia, tainha, mussum e acari. Hoje em dia, as metas e os rios sofreram tantas agressões que muitos animais e peixes já estão em extinção. Muitas matas forma derrubadas para o plantio da cana-de-açúcar, consequentemente, os animais foram perdendo seu espaço, sem contar que esse desmatamento afeta a diminuição das águas. Outro sério problema é a poluição dos rios, que estão mais parecidos com depósito de lixo

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e descargas sanitárias; já não servem mais para o uso doméstico, os peixes não conseguem sobreviver num ambiente tão poluído. Sempre fui um homem empreendedor, gostava de mandar pessoas criarem animais de “meia”, sabe como é esse negócio? Alguém pegava o animal e se responsabilizava em engordar o bicho; quando o animal estava no ponto para ser vendido, o valor era dividido meio a meio. Achava um negócio lucrativo. Não deixava faltar nas mãos dos criadores: galinha, peru, porco, ovelha, cabra. Casei-me aos 29 anos com uma linda jovem de 17, Maria de Lourdes. Tivemos 10 filhos: cinco homens e cinco mulheres. No início do casamento, ajudava nas despesas da casa de minha mãe. Aos poucos, com muito trabalho e sacrifício, fui conquistando um pequeno pedaço de terra para plantar cana-de-açúcar, tornei-me um pequeno fornecedor dessa lavoura. A princípio, até carreguei feixes de cana no lombo como se fosse um burro (quando esse animal eu ainda nem possuía). Hoje em dia, as máquinas evoluíram tanto que até o trabalho do burro está sendo extinto. Pelo visto não é só o homem que está perdendo sua vez no mercado de trabalho. Parece brincadeira, mas não é. Antigamente, a mão de obra humana no trabalho com a cana-de-açúcar exigia um grande número de trabalhadores: cortar, amarrar, cambitar até a estrada e sacudir a cana na carroceria do caminhão para poder ser transportada para a indústria. Atualmente, a carregadeira apanha a cana – que não precisa ser amarrada – e carrega o caminhão, apenas uma pessoa para operar a máquina e fazer o trabalho de uns seis homens e alguns burros. Perto dos 69 anos, sinto-me cansado, sem mais o mesmo vigor de outrora, o corpo cheio de dores, o que me resta de bom são as memórias que o tempo não conseguiu destruir. Contemplo o presente e vejo o que construí ao longo da minha vida. Meus filhos, com exceção de um, seguiram minha carreira profissional, faz parte da cultura. Minhas filhas, todas professoras. Já perdi até as contas de quantos netos possuo no momento. Se não e, mas está perto dos trinta. Dentro das minhas possibilidades, sempre procurei transmitir-lhes os valores mais importantes da vida, entre eles, a honestidade. Meu refúgio ainda continua sendo o Engenho Canto Escuro, é de lá que gosto, pena que a minha esposa não sente da mesma forma, mas deve ser verdade o que diz o adágio popular: Os opostos se atraem. Às vezes, ficamos separados, ela na cidade e eu no engenho; pois é lá que encontro sossego, brisa suave e ar puro; me relaciono tão bem com

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os animais, com os vegetais e também com as pessoas que falam a minha língua, que comungam dos mesmos prazeres. Não posso encerrar com as palavras do poeta que dizia: Ai que saudades eu tenho da minha infância querida. Na verdade, sinto saudade, não da infância, mas da força e do vigor da juventude. Como a vida é um ciclo, quem sou eu para reclamar? É melhor cantar como Gonzaguinha:

Viver e não ter a vergonha de ser feliz Cantar e cantar e cfantar a beleza de ser um eterno aprendiz [...] Que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita: É bonita, é bonita e é bonita.

Espero em Deus que a minha forma de viver a vida e lutar por ela sirva de exemplo para as futuras gerações, pois é com respeito, verdade, solidariedade, justiça e honestidade que conseguimos viver sem prejudicar o próximo e a natureza.

José Lamenha no Engenho Canto Escuro alimentando os cães.

Texto baseado em várias conversas informais com meu pai, José Lamenha da Rocha.

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José Araújo de Luna no seu setor de trabalho na Câmara Municipal de Vereadores.

Amante da vida pública

Estou em dúvida, não sei por onde começar... Se do passado ou do presente, são tantas histórias, dificuldades, aventuras, mas, acima de tudo, muitas realizações. Por que não contar parte delas? Sou um homem conhecido e reconhecido pelos atos prestados à minha amada e querida cidade. Nasci e cresci nas terras de Colônia Leopoldina, propriamente no Engenho Canto Escuro – lugar de referência para o desenvolvimento econômico do município naquela época. Os tempos eram muito diferentes dos de hoje, mas ainda me atrevo a repetir o que o poeta Casimiro de Abreu escreveu:

Ai que saudade eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais...

Sou José Araújo de Luna, mais conhecido pelos conterrâneos por Zito Luna, cheguei a esse mundo de meu Deus no dia 23 de junho de 1925, filho do casal João Batista de Luna e Apolônia Araújo de Luna. 24


As primeiras letras aprendi-as no lugar onde vivi minha infância, passei pelas palmatórias, naquela época era assim: escreveu não leu, a palmatória bateu. Concluí o primário e me tornei um jovem sonhador, tive o privilégio de estudar fora e de receber uma educação de qualidade. Estudei nas cidades de Palmares, Caruaru e Garanhuns – município de Pernambuco. Voltando à cidade materna, retornei para dedicar-me aos serviços públicos. Ingressei na política muito jovem, com apenas 19 anos. Já participei da gloriosa campanha de princípios democráticos, votei na primeira eleição, lembro-me como se fosse hoje, exatamente em 02 de dezembro de 1945. Acredito que minha aptidão pela vida pública eu a carrego comigo pela hereditariedade política administrativa dos meus antepassados. Meu ingresso para a vida pública foi desde 1947 – vários foram os cargos assumidos: tesoureiro da prefeitura, fiscal de rendas auxiliar, funções de secretário geral da municipalidade com quatro prefeitos consecutivos, supervisor de obras. Eleito vereador no ano de 1982 e presidente da Câmara. Durante o meu mandato, tive a honra de ser o diretor do Colégio Cenecista Pe. Francisco por quatro anos e seis meses. Nem só de vida pública vive o homem, não poderia deixar de mencionar que me apaixonei por uma formosa jovem com a qual casei, a saudosa Estela, comi quem tivemos 14 filhos, formamos uma grande família. Nos dias de hoje são 12 vivos, cada um com sua própria história para contar. Procurei ser um bom pai, dei uma educação boa a cada um, nenhum deles quis seguir minha carreira, com exceção de Clebson, que presta serviços na Câmara de Vereadores. Acredito que metade da minha vida tenha sido dedicada aos serviços públicos, principalmente à Câmara Municipal, a qual me homenageou nomeando a sala do plenário daquela respeitada Casa de Sala Legislativa José Araújo de Luna, o que foi para mim uma grande honra. Eu sou um homem que conhece a história de Colônia como a palma da minha mão. Já providenciei, por escrito, parte dela, como o Memorial Biográfico dos Ex-Presidentes da Câmara Municipal de Colônia Leopoldina a partir de 1948. Não sou homem de me entregar às dificuldades, a saúde está frágil, mas a memória está viva, graças a Deus. Lembro-me nitidamente do dia em que resolvi compor o Hino Municipal. Foi tanto papel rabiscado, muitas voltas no pensamento, para encontrar as palavras que expressassem uma boa composição que enaltecesse Colônia como ela merece. Digo com orgulho no peito: tornou-se um dos hinos mais bonitos que já vi e ouvi. Sou patriota, apaixonado pela terra mãe, berço de heroicas famílias. Na hora de escrever o 25


poema que exalta Colônia, me inspirei nas memórias do passado, trazendo lembranças ao presente, para que a história de Colônia nunca nos saia da mente. Sou leopoldinense privilegiado, recebi uma educação de primeira, valorizei as oportunidades, tornei-me vereador, poeta, escritor, autor da mais importante composição como símbolo de honra ao município, cantado hoje por todos os leopoldinenses nas escolas e momentos cívicos. É por isso que o lema da Secretaria da Educação diz: A Educação é tudo... De fato, é fundamental para formar o cidadão apto a exercer sua cidadania. Homens e mulheres capazes de se tornarem poetas, professores, escritores, doutores, advogados, promotores, juízes... Lembrando que, sem o professor, não há formação de nenhuma dessas outras profissões. Estou hoje, exatamente, com 85 anos, com vontade de viver o dobro, mas sei que isso vai de encontro à natureza... Ninguém nasce para ser eterno, todavia fica a certeza de que, quando eu partir dessa para outra vida, deixarei minhas marcas na história, e elas serão eternas, ficarão para sempre, sendo passada de geração a geração. Até mais... Sintome cansado, porém satisfeito com tudo que relatei ao meu respeito.

Texto baseado na entrevista com José Araújo de Luna, em 23 de junho de 2010.

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As mãos de Mãezinha

Cheguei a Colônia Leopoldina no dia 22 de maio de 1935, data do meu nascimento. Morei na antiga Rua das Pedrinhas, hoje nomeada de Rua Durval Gonçalves. Na minha rua e na minha vida existiram muitas pedras no meio do caminho. Nos arredores da minha casa, poucas moradias, bastante mato, ainda lembro-me do ver de das árvores e do ar puro que respirava. Aquele ar inodoro, saudável. Recordo que, na minha infância, recebi três apelidos: minha irmã mais velha chamava-me de Tuxinha; um dos meus irmãos, até os dias de hoje, só me chama de Andinha; mas o que pegou mesmo foi o “Mãezinha”. Todas as pessoas me conhecem por esse nome. Coincidentemente, nasci no mês de maio, mês de Maria, mês das mães. Consta na minha identidade o nome Maria do Carmo Soares Felipe. No presente momento, sou viúva, fui casada com o Sr. Tota, Antônio Felipe Filho, in memoriam, juntos tivemos nove filhos, todos bem criados e vivos até hoje. Considero-me uma pessoa de sorte, tive oportunidade de estudar da primeira à quarta série na Escola Estadual Aristheu de Andrade. Fui uma aluna boa, nunca dei muita dor de cabeça às professoras. Era uma menina quieta e pouco estudiosa. Não somente eu, mas todos nós sonhamos com um trabalho remunerado. Consegui realizar esse sonho ainda jovem, pela prefeitura, no governo do prefeito Antônio Lins da 27


Rocha, com o emprego de auxiliar de parteira na maternidade que funcionava na Rua 16 de Julho, num casarão, quando ainda não havia o hospital. Eu fui auxiliar da minha irmã Dora, parteira de mão cheia, experiente e competente, nesse trabalho tão delicado; com ela aprendi muito. Neste momento me vem à mente o jogo das palavras relacionadas ao meu nome: maternidade deriva de materno, que lembra o amor de mãe, caracterizado em locução adjetiva; não se pode dizer que mãezinha é diminuto de mãe, mas uma forma carinhosa de chamar pela genitora. Nunca fiz parto nas residências, todos na maternidade e depois no hospital. Para quem não sabe, naqueles tempos, a parteira que pegava uma criança, automaticamente, tornava-se madrinha de parto dela, e crescia a cada dia o número das comadres. Há quem diga que a ação de colocar um filho no mundo, seja parir, descansar, dar à luz, seja lá o nome que se dê, é uma ação divina criada pelas mãos do Todo Poderoso. É fantástico o ato natural de um parto, chega a ser quase sobrenatural. Lembro-me, como se fosse hoje, quando precisei dar o plantão, sozinha, pois, por motivos superiores, minha irmã Dora não pôde se fazer presente. Foi o grande dia da minha história. Por volta das 20:00h, chega às minhas mãos uma parturiente (assim eram chamadas as mulheres do primeiro parto). Agi naturalmente, com calma, examinei a mulher, percebi que ela e o bebê estavam bem. Pelo encaixe da criança, fiz uma estimativa de que lá por uma hora da madrugada aquela viria ao mundo; dito e feito, assim aconteceu. Passei o plantão às claras, foi uma mulher após a outra. Quando o dia raiou, dos oito bercinhos que a maternidade tinha, apenas dois ficaram desocupados. Depois dessa experiência, ganhei o título de parteira oficial. Trabalhei seis anos e onze meses na maternidade, logo após fui transferida para o Hospital Maria Loureiro Cavalcante, no mandato do prefeito José Gomes de Lima, conhecido por Zequinha Macaco. Tenho a lembrança de que o nome dado ao hospital foi em homenagem póstuma à esposa do ex-prefeito Alfredo de Paula Cavalcante. Tive a oportunidade ainda de fazer um curso na área de saúde, oferecido pelo Estado, no qual fui aprovada, ficando habilitada em parteira e enfermeira, trabalhando para o Estado e município. Hoje sou aposentada nas duas categorias. Do que mais me orgulho dessa profissão é que nenhuma mãe e nenhuma criança recém-nascida morreram mediante os meus cuidados. Muitas crianças vieram a esse mundo pelas minhas mãos, não sei dizer quantas, acredito que centenas não, mas milhares, por isso que as mulheres da minha época me chamam comadre mãezinha pra cá, comadre 28


mãezinha pra lá, e haja comadres. Antigamente era assim, existiam as comadres de parto, era como se a parteira tivesse responsabilidade pela criança nascida, que cresciam pedindo a bênção. Era tanto Deus te abençoe, Deus te faça feliz. Hoje em dia, poucas crianças têm o hábito de rogar a bênção aos próprios pais, essa prática está em desuso. Acredito que sou uma mulher bem-aventurada, pois o nosso Criador me deu mãos abençoadas, mãos que apanham as crianças, mãos que acaricia, mãos que sustenta, que apalpam, mãos que acodem a quem precisa. Neste instante, vem à minha mente uma canção que toda criança católica sabe cantar e junta as mãozinhas, dizendo:

Mãezinha do céu, eu não sei rezar. Só sei dizer que quero te amar. Branco é teu manto, azul é teu véu. Mãezinha, eu quero te ver no céu.

Com certeza essa canção levou muitas crianças ao embalo do sono.

Texto baseado na entrevista com Dona Mãezinha, em 11 de dezembro de 2009.

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Sr. Antônio ao lado do filho Severino Rocha.

De alfaiate a comerciante

Para ganhar a vida, é preciso desenvolver algum trabalho. A sobrevivência exige, de cada um, a luta, o esforço e a dedicação... Há uma canção que diz: Cada um de nós constrói a sua própria história... E também, é claro, o lugar onde se vive. Dentro de uma sala de aula, rodeado de mais ou menos sessenta alunos, encontrava-se o nosso convidado que, de forma natural, descontraída, conta-nos como chegou a essa cidade e em que contribuiu para o desenvolvimento dela. Com os ouvidos atentos e os olhos fixos no entrevistado, que antes era conhecido pelos da sua época como Severino Alfaiate, hoje é conhecido pela nova geração por Severino Rocha – dono de supermercado. Muitas perguntas lhe foram feitas e, fundamentado nos depoimentos, você agora é convidado a fazer uma viagem ao túnel do tempo... Cheguei a Colônia Leopoldina quando já tinha meus 20 anos, lá pelos idos de 1951. Era um jovem sonhador, corria atrás de um espaço que me desse a oportunidade de crescer. Graças ao bondoso Pai Celestial, pois o nosso destino devemos a Ele, fui bem acolhido por essa terra. Quando aqui cheguei, trouxe comigo uma profissão – alfaiate – homem que costura roupas masculinas. Talvez muitos de vocês nem saibam da existência dessa arte. 30


Nasci em terras pernambucanas, como muitos que chegaram a esse lugar, imigrantes das cidades vizinhas, em busca de oportunidades. Para me tornar o que sou hoje, devo muito aos meus pais. Naquela época, nada era fácil, se comparado aos dias de hoje. Não posso esquecer o sacrifício que meu pai fez para poder oferecer aos filhos uma boa educação. Isso me faz lembrar o adágio popular: “Educação vem de berço”. Concordo plenamente, pois foi no lar que aprendi os princípios éticos, morais e religiosos. No entanto, para aprender as letras, era necessário frequentar escola, como hoje ainda é. Só com uma diferença: nos meus tempos de infância, esse privilégio era para poucos. Escola pública não existia no lugar onde vivi minha primeira fase da vida... Se quisesse estudar, tinha que ser particular. Isso custava caro. Os poucos professores da época cobravam por aula. Quando aprendíamos a assinar o nome, ler algumas palavras e calcular as quatro operações, já éramos considerados mestre do saber. Se quiséssemos ser professor, já podíamos repassar o conhecimento aos leigos. Caso desejasse seguir carreira estudantil, teria que mudar-se para a capital pernambucana. É possível notar que esse direito era ara uma minoria. O jeito que tinha era procurar uma profissão que não exigisse diploma, só a prática. Mesmo vivendo em um tempo tão atrasado, meu pai tinha consciência de que a maior herança que se pode deixar para um filho é a EDUCAÇÃO. Portanto, não mediu esforços e, com muito sacrifício, pagou aulas particulares para mim. Consegui fazer até a terceira série primária. Segundo meu pai, a herança do conhecimento é individual e intransferível, ladrão nenhum pode roubar o bem mais precioso que adquirimos. Essas recordações mexem com minhas emoções, o coração bate mais rápido e fazem meus olhos transbordarem em lágrimas. Chegando a maior idade com o desejo ardente de conquistar a independência, como um pássaro que está pronto para alçar voo, foi então que, em busca da sobrevivência, procurei aprender a arte da costura. Tive um mestre que me passou as orientações de corte e costura, eu levava muito jeito para a obra, logo recebi carta branca para exercer a profissão. Caí de paraquedas em Colônia. Para chegar a esse lugar não foi fácil, naquela época, as estradas eram precárias – rodeadas de matas, passagens estreitas. Os transportes eram cavalos, burros de carga e os carros de boi – uma carroça de madeira puxada por bois. Transporte motorizado, lembro-me de que só existiam dois jeeps na região – automóvel 31


com tração nas quatro rodas, pois, quando chovia, era um deus nos acuda, a lama dava no joelho. Também existiam uns três caminhões que transportavam a cana-de-açúcar para as duas indústrias vizinhas. Como toda cidadezinha do interior, nos tempos mais antigos, a zona rural era mais habitada que a urbana, ao contrário de hoje. As cidades cresceram, e os engenhos, sítios e fazendas estão quase em total abandono. Essa conversa toda sobre o passado me faz lembrar que o progresso chegou não só aqui, mas em todo o país, na época em que Juscelinio Kubitschek foi presidente da República, no seu governo, recordo-me perfeitamente, foram construídas as rodovias asfaltadas. A partir daí, o acesso à capital alagoano ficou mais fácil. Outro avanço marcante foi o fornecimento de energia elétrica, gerada pelas hidrelétricas. Antes de a energia elétrica chegar pelas bandas de cá, luz só durante o dia ou nas noites de lua cheia. Outra opção era o candeeiro a querosene. Poucas casas da cidade recebiam uma energia que era gerada por um motor a óleo diesel. Funcionava das 18:00 às 12:00h. Por falta de energia elétrica, as primeiras televisões, com imagem em preto e branco, funcionavam à bateria, os rádios à pilha. O telefone chegou aqui depois de muito tempo, usávamos muito o serviço dos Correios. Dá para imaginar que as informações não chegavam tão rápidas. Hoje, com o avanço da tecnologia, é possível uma comunicação instantânea. Tudo o que se quer saber sobre o mundo está ao nosso alcance em questão de segundos. O celular e a internet facilitam a comunicação entre as pessoas, com uma ressalva, as pessoas estão perdendo o contato pessoal, o corre-corre do mundo moderno está tornando as pessoas mais distantes umas das outras. O contato é superficial, virtual. Ninguém mais visita o outro para uma prosa. O diálogo está acabando até entre as famílias. Os bate-papos de hoje são virtuais – pela tela e teclado de um computador – via internet. Voltando ao que interessa, você deve estar querendo saber se costurei para pessoas importantes desse lugar. Sim! Lembro-me das camisas, calças e paletós que minhas mãos cortaram e costuraram para os prefeitos Alfredo de Paula Cavalcante e Antônio Lins da Rocha (meu primo). Também costurei para pessoas simples. Ganhava mais um dinheirinho nas quatro festas do ano: Ano Novo, Natal, Festa do Padroeiro – São Sebastião – comemorado sempre no último domingo do mês de janeiro, e a festa da Padroeira – Nossa Senhora do Carmo – comemorada no dia 16 de julho, mesma data em que se comemora a

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Emancipação Política de Colônia Leopoldina. As festividades faziam com que meu trabalho aumentasse. Para dar conta das encomendas era preciso fazer serão (hora extra). Com o passar dos anos, além de costurar, entrei n o ramo do comércio – uni o útil ao agradável. Abri uma loja de tecidos. Por falar nisso, entre as décadas de 60 e 70, o comércio de Colônia era formado por algumas mercearias, duas farmácias e umas seis lojas de tecido. Naqueles tempos, não só a minha profissão, mas em muitas outras, o trabalho manual era bastante explorado e valorizado. Até então, a indústria de confecção de roupas ainda não havia sido desenvolvida. Porém, o progresso chegou... E a procura pelos serviços do alfaiate foi desaparecendo aos poucos... Continuei no comércio, mas decidi mudar de ramo de tecido para gêneros alimentícios. Quem hoje não conhece o supermercado, registrado de Comercial Rocha? O maior e mais sortido da cidade. Muitas coisas mudaram nesse lugar, desde o dia em que cheguei às suas terras. Assisti ao seu crescimento e desenvolvimento, continuo ativo no meu trabalho. Estou casado há 50 anos, tenho três filhos e três netos. Participei da vida política de Colônia – vereador eleito na década de 80 por um mandato de quatro anos. Posso dizer que sou um homem realizado... E que essa viagem ao passado me fez reviver os tempos que marcaram a minha vida e a do lugar que escolhi como palco de parto da minha história. Se cada um de nós parasse no tempo e fizéssemos uma retrospectiva de fatos do passado, chegaríamos à conclusão de que nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará... E só restarão as lembranças para contar a história que formamos.

Texto baseado na entrevista em sala de aula com o Sr. Severino Rocha, ex-alfaiate, exvereador e atual comerciante de Colônia Leopoldina – Alagoas.

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Eulina Costa

De Antônia para Eulina

O mundo dá muitas voltas... E, nesse movimento, pessoas se encontram e formam histórias impressionantes. Com um dedo de prosa, ouvimos fatos interessantes que envolve a vida de nossa convidada Eulina Costa – uma senhora de pequena estatura, magrinha, rosto afilado, pele clara e os cabelos curtos – mais alvos que a neve, beirando seus 70 anos de idade. Para contar minha história, preciso resgatar minha origem, como tudo começou... Quem nunca perguntou: “Quem eu sou?”, “De onde vim?”, “Para onde vou?”. Tais questionamentos nos ajudam a compreender a nossa existência. Vamos ao que interessa: sou filha do casal Manoel Lino e Maria da Glória. Ambos se conheceram viúvos. Eram ainda jovens. Meu pai tinha três filhos; minha mãe, quatro. O destino uniu esse casal e, dessa nova união, nasceram sete filhos – inclusive eu! Deu para entender os laços das famílias? Tornamo-nos a família três em uma. Ao todo, quatorze herdeiros, criados todos juntos. Porém, o mais interessante desse enredo é que um filho do meu pai com uma filha da minha mãe se apaixonaram, namoraram e se casaram. Meus pais não ficaram nem um pouco satisfeitos com o acontecido, pois tinham sido criados como irmãos, mesmo

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possuindo o sangue de outra raiz familiar. Eles ficaram com medo que o mesmo pudesse acontecer com outros dois irmãos. A vida tem muitos casos engraçados. O destino é um mistério... Tenho uma ligeira impressão de que cada um nasce com a sina traçada. Algumas coisas a gente pode até mudar, outras não. Como foi o caso do meu nome. Não se explicar o porquê, mas nunca aceitei o nome de batismo que me deram. Particularmente, não tenho nada contra as Antônias desse mundo afora. Naqueles tempos, os pais batizavam os filhos e a Igreja Católica emitia o primeiro documento de identidade cristã: o batistério. Já ouviu falar? Pois é, esse bendito documento desceu em uma enchente que atingiu nossa casa. Essa foi a gota d’água para que, posteriormente, o nome de Antônia não fosse registrado em minha certidão de nascimento. Você deve estar morrendo de curiosidade para saber como foi escolhido o nome que tenho hoje. Minha mãe tinha uma amiga que se chamava Eulina, eu achava esse nome bonito, então pedi para ser chamada por ele; como ainda era criança, não foi difícil trocar de identidade. Todos se acostumaram a me chamar pelo novo nome. Engraçado! Acabo de fazer uma descoberta incrível! Após relatar essas memórias, percebo que o sobrenome do meu pai – Lino – está ligado ao meu nome. Se levado para o feminino e suceder ao Eu, vai dar EULINA. Não é o máximo? Simplesmente, porque eu sempre fui apaixonada pelo meu pai, homem de quem tive muito orgulho e tenho dele saudades... Nos idos de 1952, quando cheguei ao lugar que até hoje vivo, lembro que minha cidade era rodeada de matas, existiam apenas duas ruas principais – uma reta que ia de uma ponta a outra. Basicamente, no meio, estava situado o pequeno e precário comércio da região leopoldinense. Nessa mesma rua, estava construído um dos prédios mais importantes do município – a prefeitura , cuja arquitetura colonial é mantida até os dias de hoje. Bem no centro da principal praça – D. Pedro II , estava o primeiro monumento histórico da cidade, de encher os olhos de qualquer um, prédio grandioso, esplêndido, lugar de reverência, apropriado para reunir os moradores de todas as classes sociais para celebrarem a Deus. O nome dado ao templo foi escolhido em homenagem à padroeira – Nossa Senhora do Carmo , cuja festa é comemorada tradicionalmente todo 16 de julho,

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com celebrações de missas, procissão pelas ruas, carregando andores enfeitados e outros festejos sociais para alegrar o povo da comunidade. Antes de morar definitivamente na cidade, morei nos seus arredores; primeiro no Engenho Canto Escuro, por dois anos; lá cheguei a frequentar a escola. Já era adolescente nessa época, apenas cursei até a segunda série primária, fui obrigada a abandonar os estudos cedo, pois precisava ajudar minha mãe nos afazeres domésticos e ajudar a criar meus irmãos caçulas. Em seguida, mudamos para uma indústria de cana-de-açúcar – Usina Taquara. Naquela época, ela estava começando a produzir o açúcar em maior escala. Tornei-me funcionária da cooperativa – uma espécie de loja de variedades que atendia os consumidores locais e da vizinhança rural. Vendia-se de tudo o que se pode imaginar: gêneros alimentícios, tecidos, utensílios de cozinha, aviamentos, lonas, cordas, candeeiros... Despachei muitas mercadorias ali. Nos idos de 1955, eu já tinha os meus 17 anos de idade, eu mesma compareci ao cartório de Registro Civil e me registrei. Além de trocar o meu nome de batismo, resolvi acrescentar um ano na minha idade. Quis aproveitar a oportunidade para tirar os outros documentos, inclusive o título eleitoral. Adulterar a data do nascimento era a coisa mais fácil naquela época, os partos eram feitos pelas parteiras nas residências, não existia um controle de informações como nos dias de hoje. Inclusive, muita gente pobre daqueles tempos nunca teve direito a um documento de identidade, morreu sem deixar registro, jamais foi contado como cidadão brasileiro. Bem diferente dos dias atuais: uma criança, ao deixar o hospital, leva com seus responsáveis todas as informações por escrito, cabendo aos pais procurarem um cartório para efetuar o registro que, segundo a Lei atual, é um documento gratuito, para que todos, sem exceção, tenham acesso. Até a algumas décadas, esse documento era cobrado, e muitos, por não terem condições, se tornaram anônimos. Para falar a verdade, não tenho saudade da minha infância, muito menos da mocidade, tive uma vida dura, marcada pelo trabalho e por pouca diversão. A palavra lazer não fazia parte do meu vocabulário. Festa era uma vez ao ano; na época que frequentei um baile, não existia clube na cidade. O evento acontecia no prédio da prefeitura que servia de palco para o encontro dos mais moços, para ouvirem e dançarem uma boa música. Aquele momento era tão esperado, sonhado... Quando ele se tornava real, esquecíamos o tempo... Num piscar de olhos, meu pai apontava sua cabeça na janela do prédio, anunciando que já estava na hora de voltar à realidade. 36


Fui uma moça bastante curiosa: aprendi a costurar, bordar, engomar e cozinhar... Modéstia à parte, era uma jovem prendada. Minha mãe era muito exigente, gostava das roupas bem lavadas e engomadas, enfim, impecáveis. Naquela época, isso era um serviço que requeria muita força. Você já deve ter escutado falar dos ferros de engomar... Literalmente de ferro, esquentado à brasa de carvão, superpesado. Hoje tudo é mais prático – ferro elétrico, leve; goma para roupas, quase ninguém mais usa; existem uns produtos modernos, cheirosos, que usamos para barrufar o tecido que deixa a roupa um cheirinho bem gostoso. Não precisei fazer nada de corte e costura, aprendi a arte descosturando roupas, e suas partes serviam de moldes que, após cortados, eram costurados. No começo, só reproduzia por uma roupa já existente, depois fui me aprimorando ao ponto de tornar-me uma costureira profissional. Não fui moça namoradeira, casei com o segundo namorado. Nos meus tempos, o namoro era muito diferente da atualidade. Não existia esse agarra-agarra. Beijo na boca só depois de casado. O namoro era de porta – nada de namoro escondido, tudo era levado a sério. Conversávamos na presença dos pais ou dos irmãos. O simples toque nas mãos já simbolizava muita intimidade; beijo na mão ou na face, tudo muito discreto. No meu tempo de moça, não existia a história do “ficar”, como a gente vê hoje em dia. As moças se davam mais valor, os rapazes sabiam respeitar as moças de família, recatadas e, acima de tudo, prendadas. Os tempos modernos, sem dúvida, têm suas vantagens, mas, em contrapartida, suas desvantagens. Os tempos evoluíram, muitas coisas surgiram para facilitar a nossa vida: os meios de comunicação, de transporte, a educação... Mas prejuízos são visíveis no comportamento das pessoas. Os valores se perderam. É muito difícil encontrar pessoas honestas, solidárias, respeitadoras. Com o crescimento da população, cresceu também a violência, os presídios, a pobreza e a fome... Isso tem atingido até as pequenas cidades como a nossa. Antes ninguém ouvia falar em maconha. As drogas têm matado muitos jovens. A prostituição já existia, mas hoje se multiplicou, sem contar com os divórcios... Será que daqui a uns dias a família vai deixar de existir? Essa situação me causa pânico. Lembrando bem, tenho saudade dos tempos que se vivia mais em paz, sem a palavra stress, e com menos violência. A vida era mais simples e mais tranquila. Pensando bem, foi muito bom recordar e perceber que os tempos antigos me proporcionaram viver uma vida mais intensa. 37


Hoje, tento levar uma vida ativa, apesar dos problemas de saúde, a osteoporose, doença que enfraquece os ossos, acompanhada de dores fortes. Com os meus 70 anos, tenho sido renovada no espírito; logo, a disposição de viver me mantém de pé. Essa senhora tem uma história engraçada, a troca de nome, que retrata bem as condições civis de muitos cidadãos do seu tempo: a falta de direito da certidão de nascimento. A lição deixada para nós é que devemos cultivar os verdadeiros valores da vida, que são os mesmos, independentemente da época em que vivemos.

Eulina Costa (primeira à direita) e seus irmãos.

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Elita Bezerra.

De aluna para professora

Não há nada melhor do que conversar com pessoas mais velhas, elas tem uma visão do passado que nos ajuda a entender o presente. Vamos ler a história de mais uma mulher leopoldinense. Sou da década de 30, nasci exatamente no dia 19 de março de 1931, no Sítio Capim de Planta, que fica nos arredores da minha querida Colônia Leopoldina. Recebi o nome de Maria Elita Bezerra da Silva, mas todos me chamam de Dona Lita. Quando meus pais resolveram habitar na cidade, eu já tinha 12 anos; vim morar bem no centro da pequena Leopoldina. Minha casa fica, até hoje, na Praça Dom Pedro II. NO meio da praça está o grandioso e mais belo templo alagoano da Igreja Católica. Por sinal, sou uma católica do pé roxo, pois, desde que me entendo por gente, frequento regularmente missas, terços, novenas e as procissões de São Sebastião o padroeiro da cidade – e de Nossa Senhora do Carmo – a padroeira. Sou privilegiada, pois, na praça onde resido, do meu lado direito, existe a casa do padre e, vizinha a ela, a casa das freiras – filhas do Sagrado Coração de Jesus. Atravessando a rua, bem na esquina, fica o Banco do Brasil, onde, outrora, era um centro paroquial. 39


Existem algumas casas, a padaria Olinda, que fica na outra esquina junto à prefeitura. Esta, cujo prédio é belíssimo, possui arquitetura em estilo colonial. Vizinha à prefeitura, situa-se a Câmara de Vereadores, bem em frente aos famosos e históricos pés de castanhola – árvores centenárias plantadas pelo próprio D. Pedro II. Contam os mais antigos que foi em homenagem à princesa Leopoldina, filha do Imperador, que a cidade, anteriormente denominada Colônia Militar, passou a ser chamada Colônia de Leopoldina. Hoje em dia, não usamos mais a preposição de posse. Minha casa fica por trás da igreja. Na frente do templo, há complemento da praça, um prédio público bem antigo, chamado Castelo Branco. Além dos prédios públicos, existem também farmácias, lanchonetes, quiosques. Se você nunca veio à minha cidade, basta fechar os olhos e, pela descrição que fiz, ver a igreja no centro da praça. Quero falar sobre minha história, iniciando pelos meus estudos. Já tinha meus 12 anos quando comecei a frequentar a escola. Lembro-me de que estudei no antigo prédio da paróquia, onde hoje é o Banco do Brasil. Já existia, nessa época, a Escola Estadual Aristheu de Andrade e não sei se foi por falta de vagas que eu não estudei lá, mas tenho uma ligeira impressão de que foi pelo fato de ser pobre. Estudei em escola inferior, com pouca estrutura física. A escola na qual estudei era simples, um salão dividido em duas salas, administradas pela igreja católica. Recordo-me que um padre era o diretor. Minha única professora foi Regina de Assis Figueiredo, de pequena estatura, pele alva, cabelos loiros. Pessoa muito meiga, ela tinha o dom de ensinar; todos que com ela estudavam, aprendiam. Era professora vocacionada, tive a sorte de estudar até a terceira série do primário. Tudo quanto aprendi, agradeço, em primeiro lugar, a Deus; segundo, a ela. Minha querida mestra precisou mudar de cidade, até aí tudo bem. Quase caí dura no chão quando ela me procurou para me informar que eu seria a sua sucessora. Nessa época, eu já estava com 19 anos, e tornei-me uma professora leiga, porém, por ter sido uma boa aluna, que chegava cedo à escola, varria e arrumava as bancas, sem esquecer que já ensinava aos principiantes aquilo que já havia aprendido. Meus requisitos foram observados e fui escolhida para repassar o conhecimento a outras gerações. Recordo-me, no momento, que a metodologia aplicada, naquela época, não tinha nada a ver com a nova LDB. Com as conquistas dos direitos humanos, chegaram à conclusão de que a punição não combina com a educação. Hoje, ai do professor ou professora que agredir o aluno: com certeza, perderá seu emprego. Dos meus tempos para cá, as coisas mudaram muito. Recebi e dei uma didática metodológica diferente da de hoje, 40


era a forma de ensinar e aprender daqueles tempos. Todos tinham em mãos sua cartilha do ABC e sua tabuada. Lembro-me de que existia uma prática de punição para quem errasse. A tarefa era cobrada por dupla, aquele que não acertasse recebia o bolo pesado da palmatória feita de madeira forte – sucupira ou pau-amarelo. Existia também uma régua de 50 cm para os alunos inquietos. Aquele que quebrasse as regras ou saísse da linha, as reguadas nas pernas era por certo. Isso era normal pra época. Quem pensa que estudar na década de 40 e 50 era fácil está muito enganado, os estudos eram puxados, não era moleza não. A Matemática de hoje era chamada Aritmética (tabuada na ponta da língua, as quatro operações); a Língua Portuguesa se denominava Gramática (tinha que saber escrever palavras respeitando a ortografia, dominar as 10 classes gramaticais, sintaxe de concordância verbal e nominal e, acima de tudo, ler bem). A Geografia envolvia Ciências e a famosa História do Brasil, que era mentirosa que só vendo. Tudo era na base da decoreba, aluno não tinha vez nem voz, a não ser para responder apenas o que o professor perguntasse. Não para me orgulhar, mas fui uma aluna que sofri pouca punição, nem precisei apanhar tanto e muito menos bater em meus colegas. Quanto a isso, não tenho traumas. Comi meus 19 anos, assumi a sala de aula e ensinei até a segunda série. Quando comecei a trabalhar, oficialmente, a prefeitura me pagava uma subvenção – um valor pequeno, ou melhor, simbólico, pelo serviço prestado à comunidade. Mudando de assunto, casei-me com Valdemar Figueiredo, com quem tive uma dúzia de filhos. Sou viúva, tenho netos e bisnetos, me considero bem-aventurada. Já completei meus 78 anos, sou saudável, conservadora, guardo as lembranças escritas no papel e na memória, tenho ainda uma caderneta da época narrada. Considero que o meu maior erro foi não ter dado continuação aos meus estudos. Só pensei em criar filhos e repassar o conhecimento adquirido. Mas a vida me ensinou muitas coisas, não existe escola melhor do que a própria vida. Hoje, sou aposentada pela prefeitura e recebo um salário mínimo que nem eu. Eis a minha descrição: sou uma mulher minúscula, baixinha e magrinha, sobretudo tenho uma grande fé em Deus que me dá força para continuar vivendo...”

Texto baseado em uma conversa informal com a Sra. Elita Bezerra.

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Ex-vereador Dr. Ernane Santana.

De coração aberto

Pelo título, muitos leopoldinenses já sabem de quem se trata, porque esse foi meu lema nas minhas campanhas de candidatura a vereador. Sou Ernane Santana Lemos, nasci em 28 de agosto de 1944, em Colônia Leopoldina, filho de Adalgiso Borges Santos e Maria de Lourdes Santana Santos. Meus avós foram pessoas influentes no município, donos de muitas terras, naquela época. Cresci num ambiente próspero, estudei bastante, sempre apreciei as letras, até hoje gosto de recitar poemas, contar histórias e também escrevê-las. Sem querer ser convencido, tenho uma boa oratória, gosto muito de falar em público e compartilhar o meu conhecimento. Sinto uma satisfação enorme. Tive o privilégio de estudar na capital alagoana, consegui fazer uma faculdade em Medicina, especialista em psiquiatria. Tornei-me um profissional da mente humana, campo complexo de entendimento. Fui professor da UFAL, alguns dos meus alunos, hoje, exercem a profissão, toraram-se colegas de trabalho. Casei-me com Eutália Guerra, com quem tive quatro filhos. Que coisa maravilhosa, um filho doutor (médico)! Citado no hino municipal, para mim, chega a ser uma honra. Mesmo morando fora, nunca me desliguei da terra mãe, a nossa ligação era tão forte que entrei logo cedo para a política. Fui eleito vereador por 42


cinco mandatos consecutivos, tornei-me presidente da Câmara de Vereadores por quatro vezes. Prestei e ainda presto meus serviços no atendimento à saúde da população leopoldinense. Sempre estive ao lado do povo, e não é à toa que o meu lema foi “de coração aberto”. É do coração que vem o sentimento mais precioso – o amor pela vida das pessoas, abeto, porque estive sempre à disposição. Lembro-me de que, muitas vezes, cansado, não deixava de atender aos que iam à minha procura, afinal de contas, foi para isso que fui formado. Falando em coração, órgão essencial à vida, fonte das emoções, de onde brota a intensidade do amor, sentimento sublime, dado por Deus para servir ao próximo, não posso deixar de registrar: aí esse meu coração, ora tão forte, ora tão frágil. Não me lembro das vezes que fui parar nas salas de UTI, entre a vida e a morte. Um infarto aqui, outro ali, mas sou um homem emocionalmente equilibrado, não me deixei abalar pelos problemas cardíacos dos quais fui acometido. Hoje tenho implantado, no meu peito, um desfibrilador cardíaco – uma espécie de marca-passo para quem sofre de arritmia cardíaca. Este já é o terceiro implantado. A saúde é frágil, em compensação, a força de vontade de viver supera as deficiências orgânicas que o meu organismo expõe. Apesar das dificuldades, sou um homem realizado, ativo no meu trabalho, respeitado pelos cidadãos. Ainda cheio de projetos, penso em escrever um livro de causos. Há pouco, publiquei o livro que tem como título As ruas da nossa cidade, obra muito rica para a história da formação de nosso município, que irá favorecer os leitores leopoldinenses. Tenho um profundo orgulho de pertencer a Colônia Leopoldina. Lembro-me, como hoje, das vezes que vinha passar férias por aqui, das brincadeiras, dos amigos e namoradas, tudo era muito diferente dos dias de hoje. Existia um respeito enorme pelos pais e pelos mais velhos. Havia uma inocência muito grande nas brincadeiras e nos namoros. Há um provérbio popular que diz: de médico e de louco, todo mundo tem um pouco. E por que não acrescentar: de poeta também. Recordo-me que sempre gostei de rascunhar textos poéticos, de expressar sentimentos que mexem com a alma; também gostava e gosto de ler muitos poemas da literatura clássica. Tenho o privilégio de uma boa memória e, quando tenho oportunidade de recitá-los, faço com o coração e deixo muita gente emocionada.

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Além de medico, sou louco, sou poeta, contador de histórias, um homem com inteligência multifuncional; uma loucura sana, que todo mundo deveria experimentar. Desejo encerrar meu texto, pois não pretendo buscar das palavras, mas gostaria de usá-las com o coração carregado de paixão pela escrita e dizer que através dela podemos melhorar a nossa comunicação, partindo do hábito de ler e escrever, mas, acima de tudo, escrever com o coração aberto, só assim as emoções fluem naturalmente. Sou um eterno apaixonado: pela minha vida, pela minha família, pela minha cidade, pela minha profissão, pelos cargos de vereador, pelas pessoas... Termino citando a frase: Tenho orgulho de ser leopoldinense.

Texto baseado em conversa informal com o Dr. Ernane.

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Dona Gerinha com seu esposo, Zé Brasilino e seu filho, Ricardo Brasilino.

“Gera Ação!”

De geração em geração, eu observo as mudanças que ocorreram na minha vida, na minha cidade natal e na vida do seu povo. Quero me apresentar de maneira simples: sou filha natural de Colônia Leopoldina, filha única do casal Odilon Pereira e Joselinda Oliveira, nasci no dia 11 de outubro de 1935, fiz parte do desenvolvimento do lugar que amo e vivo até hoje, já completei meus 74 anos. Encontro-me com a saúde defasada, mas, graças a Deus, a minha memória está novinha em folha. Lembro-me mais do passado do que do tempo mais recente; é só puxar pelas recordações que ela funciona como uma fita cassete rebobinada em busca dos sons e das imagens do passado. Esse ato é tão bom e relaxante que chego a sentir o aroma das flores e as fragrâncias dos sabonetes e perfumes daquela época. De acordo com as minhas lembranças, fui uma criança muito recatada, ingênua e com alguns mimos. Meus pais deram-me o nome de Maria Garaldina e, de forma carinhosa, começaram a me chamar de Gerinha. Estudei em escola particular da primeira à segunda série, somente depois fui para o Grupo Escolar Atistheu de Andrade, assim era chamada a escola estadual. Minhas primeiras experiências com as letras aconteceram com aulas pagas por meus pais, não sei como funcionava a legalização desse ensino, só sei dizer que ocorriam em residências. 45


No momento, penso num jogo de palavras. Como é bom brincar com elas! E, quando se busca sentido para elas, sempre se acha. Meu apelido, por exemplo: Gerinha vem de gera; gera é do verbo gerar, que numa frase pode estar conjugado na terceira pessoa do singular, no tempo presente. Gerinha gera o conhecimento. Na primeira pessoa do presente, eu afirmo: “Eu gero o saber”. Concluímos com isso que o sentido das palavras somos nós quem as damos e explicamos. Portanto, gerar é o mesmo que fazer, produzir, e eu me pergunto: o que tudo isso tem a ver com a minha história? Estamos chegando lá, tudo está interligado à minha profissão, da qual me orgulho. Já estou aposentada, no entanto, se é de uma coisa que eu sinto saudade, é da minha sala de aula. Fui professora alfabetizadora. Ensinei a várias gerações o conhecimento do mundo das letras e o descobrimento da leitura. Com relação ao avanço científico, tecnológico, industrial de décadas, percebo que a geração atual sabe menos que antigamente. Antes não existiam tantos meios de comunica~/ao e livros como hoje em dia; em contrapartida, os poucos recursos que tínhamos para ensinar o básico era suficiente para tornar um cidadão apto para se virar e sobreviver com o conhecimento limitado adquirido. Nos dias atuais, os métodos da avaliação de ensino-aprendizagem são outros, porém o índice de analfabetismo é gritante. Os alunos de hoje, das escolas públicas, terminam o quinto ano do Ensino Fundamental, na maioria deles, sem nem sequer saber ler. Antigamente a escrita e a leitura eram mais valorizadas, a maioria dos contatos se davam por bilhetes, cartas, telegramas, diários; hoje em dia, com o advento dos telefones celulares e internet, o contato das pessoas ficaram mais superficiais, muita coisa se resolve por telefone, as amizades são por intermédio do facebook e dos e-mails. Os tempos mudaram e, com eles, os comportamentos das pessoas também. É preferido pelas pessoas ouvirem uma música a ler um bom livro. Na época em que fui alfabetizada, com a cartilha do ABC, recebi muitos castigos por não dar a lição na ponta da língua. Quem naquela época não provou dos amargos bolos de palmatória? Coitado daqueles que sofreram as dores e nunca aprenderam! Essa dor, com certeza, deve ser sentida em dobro. A dor da decepção. Mesmo eu tendo recebido esse método de ensino, jamais fui revoltada, me profissionalizei só concluindo até a quarta série, era uma professora leiga, todavia muito esforçada e, acima de tudo, vocacionada. Fazia o meu trabalho com muito amor e dedicação, nunca gostei de bater em meus alunos, nem castigá-los; tratava todos por igual, do rico ao pobre. Graças a Deus que, naquela 46


época, as crianças tinham mais respeito e consideração pelos professores, coisa rara nos dias de hoje. Conseguia, com a minha metodologia de ensino, passar os alunos para série seguinte lendo e escrevendo bem. Cerca de 90% da turma era aprovada e bem aprovada, diga-se de passagem. Por esse motivo, era uma professora da rede municipal, da Escola Joaquim Luiz da Silva, muito solicitada pelas mães para que ensinasse aos seus filhos. Esse trabalho de alfabetização que eu fazia na época é, atualmente, chamado de segundo ano, que há pouco tempo era a primeira série de ensino fundamental. Com o passar dos anos, resolvi estudar mais e me tornar uma professora habilitada. Cursei admissão,1 fiz magistério, agora sim: além da prática, tinha o diploma. Já ia esquecendo de dizer que fui casada com o popular Zé Brasilino, vereador por cinco mandatos, contando dá 24 anos de representação pública do povo leopoldinense. Com ele, formei minha família, e juntos tivemos cinco filhos que são verdadeiros presentes preciosos que Deus nos deu; sou a mãe do vereador Ricardo Brasilino, que herdou a paixão pela política. Já se encontra no terceiro mandato. Consegui, por meio das amizades políticas, um emprego de serviços gerais – merendeira, zeladora – na escola estadual, mas logo fui removida de função. O que é que um diploma não faz? Com o desvio de função, passei a trabalhar na parte burocrática da escola numa sala que recebeu o nome de “biblioteca”. Definem-me, em homenagem ao meu trabalho, de alfabetizadora especial, justamente pelo desempenho, ano após ano. Sinto-me honrado pelo reconhecimento, chega a dar uma pontinha de orgulho e vaidade. Quem não gosta de receber um elogio? Aproveito o momento e agradeço a Deus pelo dom da vida, o dom de ser mãe, o dom de ensinar e, acima de tudo, o dom de amar as pessoas, principalmente, aquelas que estão mais próximas a mim. Confesso que não sinto solidão. Mesmo a vida de hoje sendo tão corrida, as pessoas já nem param para conversar umas com as outras, todos os dias sou visitada pelos meus filhos, que cuidam de mim com muito amor. Quanto aos leitores do meu texto, deixo um recado às futuras gerações: “Que busquem o amor ao conhecimento que está na filosofia,

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Para os que não conhecem o sentido do (antigo) “admissão”, explico: o exame de admissão, que funcionou no Brasil de 1937 até 1969, era uma espécie de vestibular entre o curso primário (fundamental 1) e o ginasial (fundamental 2), ou seja, após completar o quarto ano primário, o aluno faria um teste para poder passar para o ginasial; caso não fosse aprovado, teria que fazer o curso de “Admissão ao ginásio” durante um ano.

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que está dentro de cada ser, seja na razão ou na emoção”. O que importa é cantar a vida, como canta Roberto Carlos:

Quem espera que a vida, seja feita de ilusão, pode até ficar maluco, ou morrer na solidão. É preciso ter cuidado pra mais tarde não sofrer. É preciso saber viver.

Esta é a última lição da professora Geraldina.

Texto baseado na entrevista com a sra. Maria Geraldina, 74 anos.

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Construção da Vila Mandacaru.

Mandacaru: símbolo de resistência

É normal que todo lugar cresça com o passar dos anos. Não foi diferente com a minha cidade. Muitas pessoas, pela necessidade básica de moradia, lutaram para conquistar um espaço no qual pudesse construir sua habitação. Com base na história contada pelo entrevistado – participante desse movimento , conheceremos como se deram os fatos. Sou filho natural de Colônia Leopoldina, não estou aqui para contar a minha história, mas a minha participação ativa na conquista de terras para um povo que tinha necessidade de um teto. Entre tantas famílias, eu também estava lá, pronto para tomar posse daquilo que por direito é do povo. O lugar, eu me lembro muito bem, era tomado pelo verde exuberante de um matagal cheirando a capim. Alguns animais, criados pela população vizinha, eram soltos em seus pastos abundantes para se alimentarem. Uma terra desabitada, com tanta gente desabrigada. Isso não poderia continuar assim. Nosso desejo era plantar nessas terras coisas que não se comem, mas que servem de abrigo. Dar para entender o que quero dizer? Num tempo não muito distante, exatamente no dia 20 de agosto de 1991, lembro-me como hoje, pois datas marcantes ficam bem registradas na memória. Eu, juntamente com os parceiros de luta, tomamos posse das terras desocupadas do município, que mais tarde 49


foram nomeadas Vila Mandacaru. Tal acontecimento não se deu de uma hora para outra: tudo foi pensado, planejado e organizado como manda a lei. No total, reunimos mais ou menos 100 famílias que, unidas, lutaram pelo mesmo ideal. Tendo em vista o crescimento populacional da cidade e a chegada de mais famílias da zona rural para a urbana, muitas em busca de melhores condições de vida, a situação se complicou, pois as pessoas não tinham como pagar aluguel de casa, outros moradores tinham as suas moradias em locais impróprios, às margens do rio que banha a cidade, vítimas de enchentes nos rudes invernos. Tais motivos nos fizeram entender que não era justo viver nessa situação, havendo, bem à nossa frente, um espaço ideal para a construção de um conjunto habitacional. Estudamos o local e tivemos a certeza de que aquele lugar seria nosso lar. O ambiente tinha uma fonte de água abençoada por Deus e, junto à fonte, uma planta comum na vegetação sertaneja – o mandacaru – que nos inspirou a nomear o local, pelo fato de esse símbolo representar a força e a resistência de um povo sofrido. Em nosso contexto, era a busca pela realização do sonho da casa própria. Não pense que foi fácil consolidar a nossa conquista. Tivemos muitos entraves políticos, fomos perseguidos, até ameaçados de morte, sofremos pressão psicológica, porém nada disso nos fez recuar. Acreditamos que nosso maior erro foi ter pensado que as terras pertenciam ao município. Tarde demais. Quando ficamos sabendo que aquele terreno havia sido vendido pelo prefeito da época – José Luís Lessa – ao Estado para a construção de uma COHAB (Companhia de Habitação de Alagoas), nosso movimento não arredou os pés do local. Tínhamos um sonho em comum. E sonho que se sonha no coletivo torna-se realidade. As primeiras casas, ou melhor, barracos cobertos por lonas, foram erguidos, em um número aproximado de cem. Convictos dos nossos ideais, fundamos uma associação de moradores para justificarmos nossas necessidades. Contamos com o apoio do Pe. Aldo Giazzon – um padre de origem italiana, pároco da nossa cidade – que defendia com unhas e dentes as causas sociais. Não muito diferente dos tempos mais antigos, todo aquele que se envolve com causas que buscam o bem do povo incomoda os que se acham donos do mundo. Esse padre não agradou muito àqueles que estavam no poder, principalmente, os que não querem o bem do pobre. É bom deixar claro que a nossa associação funcionou com alguns projetos em prol da sua população, recebendo ajuda financeira de um professor e

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músico canadense, Thomás Afonse, por influência da cidadã Maria José Viana, na época, líder do Movimento sem Teto. Após alguns anos de luta, eu que pensei que não sobreviveria a um problema de saúde renal, estou aqui para contar vitória. Há 25 anos, vivo com um rim doado pelo meu pai. Deus me concedeu força, saúde, perseverança, paciência para, junto com outros companheiros de luta, conquistarmos nossos direitos. Em breve estaremos completando 18 anos de fundação. Com muito orgulho, sou um dos poucos que lutaram e ainda tenho moradia fixa neste lugar. Dou graças a Deus, porque ninguém precisou morrer para fazer valer esse direito, apesar das ameaças. Tivemos a coragem de resistir aos problemas de ordem política e burocrática e fomos vitoriosos! Conto essa história bastante emocionado... Com o coração palpitante! No dia em que precisar partir deste lugar, levarei comigo um pedacinho do Mandacaru, as doces lembranças... Também na minha partida dessa vida levarei a certeza da semente plantada aqui, a lição de como se conquista os direitos de cidadão. Sou parte desse povo, dessa história. Depois de muitas lágrimas, veio a alegria de poder olhar para trás e ver a história construída. Hoje, quase trezentas famílias usufruem desse espaço. Depois de alguns anos, o governador do Estado resolveu transferir a propriedade do terreno à prefeitura que, por iniciativa do prefeito, conferiu, oficialmente, a cada morador, o termo de posse, regularizando as construções de suas casas. A história não termina por aqui, muitas lutas e conquistas estão por vir. Algumas já alcançadas, outras esperadas. Nessa pequena comunidade, temos energia elétrica, água encanada... Ainda nos falta saneamento básico. As suas ruas são no barro puro. No verão, a poeira levanta, no inverno vira lamaçal. O que me deixou impressionado nessa história que poucos conhecem e que o entrevistado cursou apenas a sexta série do ensino fundamental e, durante a sua fala, demonstrou um conhecimento de causa bastante elevado e fundamentado nas leis constitucionais. Uma pessoa envolvida na política, que defende bem uma visão de governo planejado em proporcionar o bem-estar da população em geral. Não poderíamos esquecer jamais da mensagem transmitida por ele: “Valorize o ato da leitura – o segredo de saber defender o que penso ser certo e argumentar está na prática da leitura que aprendi a desenvolver durante a minha vida”. Mais uma aprendizagem adquirida no decorrer dessas atividades de produção de textos de memórias literárias. 51


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Sr. Maurício Pereira de Souza.

Texto baseado na entrevista em sala de aula com o Sr. Maurício Pereira de Souza, 48 anos, morador da Vila Mandacaru, Colônia Leopoldina – AL, em junho de 2008.

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O garoto Everaldo Costa Silva na sua primeira comunhão.

O pequeno grande homem

Conversa vai, conversa bem, a gente vai descobrindo a história de cada um e do lugar onde viveram. Um ponto de partida e um ponto final para encerrar qualquer assunto. Nasci em Monte Sombrio, município de Bonito – PE, precisamente em 02 de setembro de 1947. Fui um menino de tempo – 09 meses , mas de estatura pequena, cabia numa caixa de sapatos, precisaram diminuir meus casaquinhos de recém-nascido. Sou o filho caçula dos Costa: Manoel Lino da Silva e Maria da Glória Costa e Silva. Fui muito paparicado por minha mãe e minhas irmãs mais velhas. Recebi o nome de Everaldo, em homenagem a um padre que minha mãe, na época, católica, apreciava muito. Poderiam ter me chamado de polegar ou o pequeno príncipe, mas não, recebi o apelido de um adereço de noiva: Véu. Meus pais resolveram mudar de lugar e vieram, em 1952, habitar as redondezas de Colônia Leopoldina. Chegamos ao famoso Engenho Canto Escuro, lá moramos por dois anos, depois apeamos na Usina Taquara, a terra do açúcar. Vi, com meus próprios olhos, o desenvolvimento daquela indústria. Naquele tempo, o meu pai tornou-se chefe do campo. O trabalho era braçal, os homens usavam as suas forças para fazer a máquina moer. Lembro-me do suor escorrendo pelos corpos daqueles cidadãos. 54


Meu pai era um homem bastante conhecido, administrava muitas terras, mas não queria essa profissão para os seus filhos, por isso todos tivemos a oportunidade de estudar para exercer outras profissões de prestígio. Fui contemplado, estudei primeiro na escola da Fazenda Macuca, que fica entre Canto Escuro e Taquara, depois fiz admissão e fui aprovado, daí parti para Palmares, a fim de estudar no Ginásio Municipal Agamenon Magalhães. Comparando a educação que recebi naquela época com os dias de hoje, me considero um doutor. Tenho hábito de leitura, de tudo eu entendo um pouco. Fiz até o sétimo ano, que para mim vale mais do que um ensino médio ou até mesmo superior. Fui criança, depois adolescente cheio de questionamentos sobre a existência humana. Já filosofava sem saber que estava filosofando. Fazia perguntas a mim mesmo e queria respostas para os sentimentos que afloravam na minha mente e no meu coração. Tive meus medos, como todo mundo tem, chegaram até a pensar que minhas ansiedades fossem vontade de casar. Foi morando em Palmares que encontrei a mulher da minha vida, posso dizer que ela seja minha alma gêmea, até os dias de hoje. Descrever minha amada mulher não é difícil: era uma jovem de cor clara, pele rosada, magrinha, ingênua, fiel, dócil, mas de forte personalidade, difícil de ser conquistada; todavia, como nos planos de Deus, acredito eu, já estava tudo traçado, consegui amansar a dócil fera e conquistar seu coração. Nossa união perdura até os dias de hoje, minha querida esposa com quem tive quatro filhos é a palmarense Norma Lúcia de Oliveira Costa. No dia do nosso casamento, recebi de um cunhado meu um cartão que dizia assim: “Norma com véu na cabeça”, gerando daí o duplo sentido da palavra “véu”, texto ilustrado em caricatura, uma verdadeira obra de arte. Voltando à mocidade, lembro que meu pai se envolveu na política de Colônia Leopoldina, o povo o elegeu para vereador em dois mandatos. Numa época em que o vereador não recebia remuneração. Penso que o sentido da política daquela época está além da dos dias de hoje. Mas nenhum dos seus filhos quis herdar a vocação da política. Quando atingi a maior idade, abandonei os estudos, quis ser dono do próprio nariz e resolvi trabalhar, tornei-me funcionário da antiga SODIPE, em Palmares, trabalhei de motorista para Marcos Luna, fornecedor bastante conhecido na região de Colônia. Para formar a família que tenho hoje, passei por muitas dificuldades, fui até São Paulo, em busca de melhores condições de vida, como ainda acontece nos dias atuais com muitos nordestinos. Antes de ser o que sou hoje, passei muitas fases difíceis, é claro. 55


Minha vida dá um livro, como a vida de qualquer pessoa. Quero dizer que voltei à minha querida Colônia, minha primeira morada foi na Rua Severino Ferreira de Lima, mas por pouco tempo. Passei a morar na Rua Senador Arnon de Melo, onde resido até hoje. Os fundos da minha casa davam com os fundos da casa da minha mãe. Meu sogro, Oscar, palmarense, tinha o maior desejo de abrir uma congregação Presbiteriana, esse era o sonho dele. Naquela época, eu era um homem desviado do Evangelho, pertencia a alta sociedade leopoldinense. Fui membro do Lions Club, possuía automóvel e telefone. Na década de 80, pessoas que tinham esse nível eram contadas como ricas. Sempre gostei de reunir a família no fundo do meu quintal, foi não foi tinha uma festa, gostava de tomar minha pinguinha em casa, fumar meu cigarrinho, tomar uma cervejinha, comer pitu, camarão e o famoso churrasco. Época em que minha esposa era microempresária, possuindo uma fábrica de bonecas, “A bruxinha”, no fundo do quintal. Mesmo distante do Evangelho, eu consenti que na garagem da minha casa fosse aberto o trabalho de Deus, reconhecia meus pecados, mas não conseguia abandoná-los. Como Deus tem planos para a vida de cada um de nós, somente depois da morte de meu sogro é que o Espírito Santo me transformou, fez de mim como fez com Zaqueu, me deu o arrependimento, me perdoou e eu passei a servi-lo. Naquela época, a congregação funcionava na Rua Pe. Francisco. Lembro-me, como hoje, que foi no início do ano de 1995 que se deu esse fato e houve um avivamento para a igreja presbiteriana, não somente eu, mas outro irmão que estava desviado voltou a servir a Jesus, a minha esposa já era crente, voltou à ativa, e meus três filhos mais velhos e minha nora aceitaram a Jesus no mesmo período. Foi uma grande festa no batismo e na profissão de fé, mas festa maior foi no céu! Por eu ser muito popular, algumas pessoas chamam a Igreja de Everaldo, porém muitos não sabem que o dono da Igreja é o senhor Jesus Cristo. O templo presbiteriano tinha poucos membros, mas fiéis nos dízimos e nas ofertas e, para conseguir construir um templo amplo e pomposo, a união fez a força: do pequeno ao grande, todos que faziam parte da Igreja, no ano de 1999, se empenharam em trabalhar e ganhar dinheiro para construir o sonho que a fé já contemplava, antes mesmo de ele existir. Os planos de Deus não se explicam. Como escrevi anteriormente, nunca me envolvi com política, todavia ocupei, ao mesmo tempo, dois cargos de secretaria do município: finanças e administração, no governo do prefeito Severiano de Freitas. Foi desafiador para um homem crente assumir 56


certas responsabilidades, dou graças a Deus, porque o poder nunca me subiu à cabeça, orava a cada dia que entrava naquele gabinete para Deus abençoar o nosso município. Tenho certeza de que não agradei a muitos aproveitadores, que querem fazer da prefeitura uma Mãe Tonha, só querem tirar vantagens. Quando se aproximou o ano da política, por eu não saber fazer o jogo da politicagem, deixei o cargo da secretaria da administração, fiquei apenas com as finanças. Ao perceber que o período da campanha política estava chegando e já cogitava fazer músicas usando o meu nome, resolvi sair para não manchá-lo e nem comprometer a igreja. Entretanto, continuei apoiando Severiano pelo trabalho de restauração que Colônia havia passado, pois saiu do lixo para a limpeza, estava de fato a Colônia de Princesa. Nas eleições, tínhamos a certeza da reeleição, que virou ilusão. Por mais de 300 votos de vantagem, Manuilson Andrade assumiu o governo de Colônia. De tudo fui um pouco, sempre ganhei a vida com dignidade. Quando digo que sou um grande homem, esse título está relacionado ao meu caráter, à minha personalidade, aos meus valores morais, não bato no peito para me engrandecer, basta que as pessoas olhem para mim e digam quem eu sou. Nunca tive interesse pelo poder. Pelo contrário, gosto da vida que levo, tranquila. Quero ser hoje testemunha viva de Cristo Jesus e que, por meio de minhas orações e modo de vida, eu venha a atrair muita gente para os braços do Salvador, assim como ele fez comigo. Com humildade, eu, o pequeno grande homem, me despeço lembrando o hino que tocou o meu coração, que tem como título “O Deus Fiel”, cujo refrão declara:

Tu és fiel, Senhor! Tu és fiel, Senhor! Dia após dia, com bênçãos sem fim. Tua mercê nos sustenta e nos guarda. Tu és fiel, Senhor, fiel assim.

Na verdade, eu queria ter mais que uma voz, mais que uma canção e uma vida para oferecer ao Senhor, pois ele é muito mais que eu possa ter. Só para resumir, Jesus é a razão do meu viver, antes eu o conhecia de ouvir falar, mas agora de com ele andar. Aguardo o grande dia, no qual todos os filhos se encontrarão no paraíso que o Senhor preparou para nós que cremos, e assim teremos um coral perfeito.

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Texto baseado em várias conversas informais com o Sr. Everaldo Costa Silva, Colônia Leopoldina – AL.

Sr. Ubirajara.

O senhor da floresta

Foi no ventre da minha mãe a primeira moradia, apenas sete meses. Após ser expulso de lá, do lado de cá, conheci um mundo diferente. Lembro-me de alguns episódios da infância, por isso dizem que recordar é viver. Nasci em Maraial – PE, com um ano de idade fui morar no meio da mata, num lugarzinho chamado “Amor da Pátria”, terras pertencentes a Sertãozinho, distrito de Maraial. A poucos quilômetros de onde nasci, bastava atravessar a ponte do rio Jacuípe que faz divisa com os estados de Pernambuco e Alagoas que estávamos pisando em solo leopoldinense. A Colônia do mato, como muitos na época chamavam, hoje é a Colônia da Princesa Leopoldina. Meu nome é Ubirajara, de origem indígena, segundo tenho conhecimento de dois significados: senhor da lança e o outro de guerreiro. Segundo informações coletadas na internet, fico sabendo de outro: o senhor da floresta. Sou descendente de espanhóis e indígenas, tenho características de homem branco; mas o sangue é puro indígena, meus avós maternos eram índios, ganhei meu nome em homenagem ao meu bisavô, meu pai pediu para que, quando eu tivesse meus filhos, mantivesse a mesma tradição para perpetuar a origem. E assim aconteceu. 58


Antes de falar sobre a constituição da minha família, gostaria de recordar a minha infância. Era um menino esperto, que apreciava ouvir o canto dos pássaros, tomar banho no rio, observar os peixinhos nadando em águas cristalinas, ouvir o chuá das águas a desaguarem em outras águas, subir em árvores, saborear as frutas maduras e frescas, tiradinhas na hora que desse vontade. Tenho saudade, sim, dessas terras, doce terra onde nasci. Olho sempre o sol se por e, num passe de mágica, sou tomado por uma grande saudade que às vezes me faz chorar ao lembrar a minha meninice. Eu era feliz com tudo isso. Ninguém esquece a primeira professora, pois é, Dona Margarida foi quem me ensinou as primeiras letras. Por meio da cartilha do ABC, fui alfabetizado e aprendi a ler e escrever um pouco. Nesse instante, me recordo de dois presentes preciosos que ganhei dela, quando ela precisou ir embora. O primeiro foi uma bíblia, e o segundo foi um livreto de literatura de cordel que contava a história A intriga do cachorro com o gato. Naquela época, os professores já desejavam transformar os alunos em leitores e escritores. Cheguei a essa conclusão, porque, de forma espontânea, criei poemas em homenagem aos meus filhos. Nos idos de 1956, começaram a invadir as terras dos pequenos agricultores, meu pai foi forçado a vender nossas terras, perdemos nosso espaço para a Usina Santa Terezinha. Por esse motivo, migramos para a cidade que eu considero minha, que amo de coração e que me recebeu de braços abertos como o Cristo Redentor. Nessa época, eu já tinha meus 10 anos de idade e, para se ter uma ideia, a rua em que morei parecia mais um sítio: apenas quatro casas, rodeadas de árvores frutíferas e matagal, mas tinha um belo nome: Rua Boa Vista. Continuei na escola, mas lembro que só conclui a terceira série no Aristheu de Andrade. Estudei com as professoras Dona Romélia Luna e Dona Ivar. Esta última vinha de Maceió ensinar aqui. Naquela época, Dona Edleuza Araújo era a diretora da Escola Estadual Aristheu de Andrade. Eu me recordo do “Amor da Pátria”, a casa onde morava, a minha escola, a minha rua, os meus primeiros amigos; aí como o pensamento voa ao lembrar de coisas boas e que não voltam mais! Lembro-me de quando minha avó me chamava de mirro, que quer dizer meu filho em espanhol. Já na adolescência, conheci Dona Milu, crente da Igreja Presbiteriana. Ela ensinava a palavra de Deus na congregação que ficava na Usina Taquara. Existia também outra dirigida por distintas pessoas na Usina Porto Rico, atual Destilaria Porto Alegre. A 59


primeira igreja evangélica que chegou à nossa região foi a Igreja Presbiteriana no Brasil, precisamente em 1940. Após cinco anos, chegou a Assembleia de Deus que, por sinal, foi bem recebida, arrebatando muitos crentes presbiterianos para si. Sua sede era na cidade. Sempre fui um homem muito desenrolado, aprendi desde cedo a profissão do meu pai; entre 13 e 14 anos, me tornei pedreiro, admirava bastante a profissão e quis segui-la. Já rapaz feito, fui comparando o meu crescimento com o crescimento de Colônia. O padre Jorge foi uma pessoa muito importante na minha história. Antes de trabalhar com o padre, fui gerente da padaria Olinda. Naquela ocasião, lembro-me de que o dinheiro era chamado de cruzeiro. Conheci a mulher da minha vida com quem pretendia me casar, ela é conhecida até hoje como Dona Zuzu. Por esse motivo, precisei entregar o emprego de gerente, pois o salário que eu ganhava na época não era suficiente para sustentar uma família. Trabalhando com o padre Jorge, tive oportunidades maravilhosas de estudar em Maceió, ele investiu muito na minha educação, estudei no Movimento de Base de Educação Alagoano; fiz o curso de aluno-chefe da escola, estudei psicologia pessoal e relações humanas. Para a época, era mais de que um curso superior ou igual. A nossa vida é feita de vários momentos emocionantes, mas tem aqueles que marcam mais... O primeiro e inesquecível foi o dia do meu casamento, o enlace matrimonial para mim é sagrado, a união entre um homem e uma mulher é algo divino, criado por Deus e vivido por nós. O segundo momento, só de pensar, meus olhos se enchem de lágrimas. Assisti a uma coisa que eu posso chamar de sobrenatural: o nascimento do meu filho primogênito, Ubiraci, que também recebeu nome de origem indígena, significando o senhor da lua ou segundo a internet, “madeira boa”. O engraçado de tudo isso é que floresta e madeira têm uma ligação íntima, nesse caso particular: pai e filho. Eu e a Zuzu tivemos sete filhos: dois homens e cinco mulheres. O interessante disso tudo é que eu resolvi colocar o nome dos meus filhos com a raiz do meu: UBIRA. Esta é a lista das adaptações de sufixos que deram origem a outros nomes: Ubiranilson, Ubiraneide, Ubiracilda, Ubiranildes, Ubiranilda e Ubirajane. Fazia questão de assistir aos partos feitos pelas parteiras na própria residência. Quando parto era difícil, haja reza, a parteira tinha que ser mulher de fé e ajudar a parturiente nesse trabalho. Todo mundo era comadre e compadre, pois fazia parte da tradição chamar as parteira de comadres. O único parto a que não assisti foi o da filha Ubiranildes.

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Do passado tenho saudade da calmaria, do presente tenho aversão à prostituição que assola o mundo e da violência que cresce a cada dia. Quanto ao futuro, só Deus sabe o que será do amanhã, só a sua misericórdia para não mandar outro dilúvio pra castigar a humanidade. Sou um homem muito feliz, satisfeito com minha família, sou cristão, não tenho preconceito com nenhuma placa de igreja, minha religião é secreta, sou da Igreja Gnóstica Cristã, funciona em todo lugar do Brasil, com exceção em Colônia, mas existe nas cidades vizinhas. Não temos templos fixos, mas temos um meio de comunicação que usa sinais para poder identificar os membros. Aprecio as músicas gospel, MPB (música popular brasileira), curto muito as canções de Roberto Carlos, aprecio as composições de Padre Zezinho que, por sinal, canta uma bem relacionada ao milagre da vida e, desse milagre, surge a FAMÍLIA. Esta é a minha oração em música:

Que nenhuma família termine por falta de amor. Que o casal seja um para o outro de corpo e de mente. Que o homem carregue nos ombros a graça de um pai. Que a mulher seja um céu de ternura, aconchego e calor e que os filhos conheçam a força que brotou do amor. Que as crianças aprendam no colo o sentido da vida. Abençoa, senhor, as famílias, amém. Abençoa, Senhor, a minha também e a todas as famílias leopoldineses...

Tenho ainda um sonho nesta vida, porque não é à toa que meu nome tem o significado de senhor da floresta. Moro na cidade, mas queria ter os meus últimos dias de vida vividos numa casa simplesinha, com uma rede pra dormir, rodeado de todo tipo de plantas e árvores... Se não for nessa vida, que seja na outra. A prova concreta de que de fato amo a natureza é que o sangue indígena corre em minhas veias. Obrigado, Colônia Leopoldina, por ter sido bem recebido aqui. Muitos foram os índios e os negros vindos das terras pernambucanas vizinhas habitar por aqui e construí-la. Eu lhe dei minha contribuição, assentando pedras, tijolos sobre tijolos, afinal de contas, quem não conhece o pedreiro aposentado Ubirajara? Homem guerreiro de força e vigor!

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Texto baseado em uma conversa informal com o Sr. Ubirajara.

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Comemoração na maternidade. Participação da parteira Doralice.

Parteira vocacionada

Como descobri minha vocação? As pessoas em geral perguntam às crianças: o que você quer ser quando crescer? Várias são as profissões citadas por elas. Há muita gente que abraça uma profissão sem ter a mínima vocação. Não precisei fazer nenhum teste vocacional para descobrir o que seria na vida. A própria vida foi mostrando com as experiências do cotidiano. Para mim, não há nada mais lindo do que o nascimento de uma criança, um verdadeiro milagre. Não precisei de professor para me ensinar isso, fui parteira de primeira classe e ensinei a outras pessoas a profissão, inclusive, uma irmã minha aprendeu esse trabalho assistindo aos partos que eu realizava. Lembro-me de que, em uma determinada situação, uma criança colocou a mãozinha para fora, e eu pensei o que seria daquele parto. Deus me iluminou a tomar uma sábia providência: simplesmente, apertei sua mãozinha e ela se encolheu virando para a posição de parto normal. Daí por diante, eu não tive dúvida de que Deus me colocou no mundo, usando minhas mãos para receber crianças, dando-lhes as boas-vindas a sesse mundo. Completei meus 88 anos, já não enxergo, mas gosto de receber visitas e recordar os fatos antigos. Fui nascida em Canto escuro, no ano de 1921. Meu nome é Doralioce, filha do casal Manoel Pedro Soares e Josefa Ambrosina Soares e sou chamada por todos os conhecidos por Dona Dora. Casei-me aos 22 anos com o viúvo Francisco Máximo de 63


Souza, pai de cinco filhos, que havia sido casado por duas vezes, ambas esposas morreram pós-parto. Ironia do destino, seu terceiro casamento ser com uma parteira. Meu namoro foi vapt e vupt, apenas três meses. Com ele tive 15 filhos, sendo que nasceram 12 de parto a termo, que quer dizer com vida, e tive três abortos espontâneos. Antes dessa história tem outra, mas prefiro não comentar. Morei em muitos lugares de zona rural, meu esposo era administrador de terras; nessas mudanças, trabalhei muito fazendo partos residenciais. Deixei o Engenho Canto Escuro aos oito anos de idade e vim habitar na cidade. Nessa época, iniciei os meus estudos e fiz até a quarta série primária. Aprendi a ler ouvindo os sons das letras e formando palavras. Naqueles tempos, os estudos eram muito diferentes dos dias de hoje. Atualmente, os alunos vão à escola sem saber o que querem, professor não tem o mesmo valor que antes. É certo que antigamente o sistema era bruto, mas foi com marcas nas orelhas, pernas e mãos que estudei e graças a Deus aprendi, prefiro não reclamar, foi o melhor pra mim, era o sistema que ditava as regras e o professor era o dono da verdade, coisa impossível hoje, já que o conhecimento avançou tanto: aluno e professor aprendem juntos e serão eternos aprendizes. Na primeira metade do século passado, não havia ultrassom, as mulheres faziam práticas supersticiosas para descobrir o sexo do bebê. Quando alguém perguntasse a uma mulher grávida: “O que é isso em suas mãos”? Se ela virasse as mãos para baixo, seria menino; caso virasse pra cima, seria menina. Também tem a história do coração da galinha: a mulher grávida, ao guisar um frango, colocava o coração da galinha cortado ao meio; depois de cozido, se o coração ficasse aberto, seria menina; se fechado, seria menino na certa. Havia também a superstição da tesoura2 e ainda tinha as mulheres que adivinhavam o sexo do bebê pelo modelo da barriga. Muitas vezes davam certas as previsões, outras não. As grávidas de antigamente não tinham os privilégios que as de hoje, ninguém sabia o que era um pré-natal e, por causa disso, muitas mulheres morriam de parto. Existia uma prática religiosa na Igreja Católica: quando as mulheres completavam oito meses de gravidez, todas se reuniam para o padre abençoá-las e rogava a Nossa Senhora do Bom Parto que desse proteção e uma boa hora para todas. Não osso deixar de falar do meu serviço prestado às mães leopldinenses, num casarão que até hoje existe na Rua 16 de Julho. Esse prédio era chamado de maternidade, foi fundado pelas irmãs freiras Filhas do Sagrado Coração de Jesus e, com o passar dos 2

Dizia-se que a grávida não deveria pegar numa tesoura, pois o bebê nasceria com os lábios cortados (lábio leporino).

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anos, a prefeitura fez parceria, dando contribuição para a manutenção da casa. Ainda hoje, tenho guardado a sete chaves um livro no qual constam os registros de muitos partos. Nele, podemos encontrar o nome da paciente, do marido, a religião, idade, filiação, residência, estado civil, profissão, diagnóstico, data da entrada e data da alta, atendente e convênio com a prefeitura ou particular. A freira que esteve à frente desse trabalho foi a irmã Cleonice, a chefe das parteiras. Essa maternidade, segundo o livro de registros, funcionou até o dia 21 de dezembro de 1979, passando os trabalhos para o hospital Maria Loureiro Cavalcante, a partir dessa data. Chega à minha memória um fato muito triste que ocorreu com D. Ester, esposa de um ex-vereador, Manoel Jandaia... O parto se deu na residência dela, a criança nasceu bem, foi um trabalho rápido. Enquanto eu cuidava da criança, a comadre Ester falou as últimas palavras: “Comadre Dora, dê um tapinha nela para eu ouvi-la chorar”. Só deu tempo me virar pra comadre, examiná-la e perceber que ela já estava sem pulso. A pretensão arterial chegou a zero, foi feito tudo que estava ao nosso alcance. Levada às pressas para a emergência de Palmares, a vítima não suportou e, após 09 Km de Colônia, teve morte súbita. Mesmo aposentada, continuei sendo muito solicitada pela população para continuar fazendo partos residenciais, ou na minha própria casa. Tenho a honra de dizer que fiz parto até de bisneto. Não existe coisa melhor do que recordar os fatos que marcam as nossas vidas e também do lugar em que vivemos. Desde que vim morar em Colônia Leopoldina, resido em uma simples moradia que fica na Avenida Clodoaldo da Fonseca. É bom recordar para viver os momentos de felicidade e, ao mesmo tempo, perceber que o meu trabalho foi um dom dado por Deus. Hoje só existe no meu peito uma sensação tranquila, de satisfação, de paz e amor, reconhecendo a dádiva mais linda: a vida. Celebrar cada dia como se fosse o último. Como diz o sábio Salomão:

Há tempo pra tudo [...] há tempo de nascer e tempo de morrer; [...] tempo de chorar e tempo de rir; [...] tempo de estar calado e tempo de falar. Eu acrescento: “Há tempo de esquecer e tempo de recordar”.

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Vamos brincar um pouco com a palavra parto. Existem dois sentidos para ela. Parto do verbo partir: “eu parto para a eternidade”. Bom exemplo, não? O parto substantivo: “não existe parto sem dor”. O parto é uma mistura de dor com prazer, existem inúmeros exemplos, eu já cansei, e já estou com vontade de parar de escrever. Termino caçoando: a dor do parto é grande, mas eu tenho que partir.

Texto baseado em conversa informal com D. Doralice.

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Ex-vereador José Amâncio, conhecido por Zé Pretinho, em reunião.

Se o tempo voltasse, seria diferente

Essa história se parece com outras que já ouvimos. O entrevistado do dia se encontra meio nervoso, tímido, com poucas palavras, sem saber direito por onde começar. Suas respostas são muito objetivas, mas a professora procura deixá-lo à vontade, para que a conversa venha a fluir naturalmente. Enfim, conseguimos arrancar suas lembranças do fundo de um baú trancado a sete chaves. Acredito que talvez ele mesmo tenha se surpreendido com tantas coisas recuperadas pela memória ainda bem aguçada. Nos idos de 1934, saí de minha terra natal, Caruaru – PE, para habitar as terras de uma pequena cidade alagoana, minha querida Colônia Leopoldina, conhecida por seus conterrâneos como a Colônia da Princesa, devido ao nome da filha do imperador D. Pedro II. Se eu tivesse que escolher um nome para esse município, colocaria Colônia Mãe, porque a tenho como uma mãe acolhedora, me sinto seu filho legítimo; quando alguém pergunta minha naturalidade, encho a boca cheio de orgulho: sou alagoano, leopoldinense de corpo e alma. Ainda completo: Graças a Deus! Sou José Amâncio da Silva, nascido em 23 de novembro de 1921, mas poucos me conhecem pelo nome de registro. Eu sou o Zé Pretinho, apelido que tem uma justificativa interessante. Meu pai adotou um primo meu, que também se chamava José. Quando meu pai chamava por José, aparecíamos os dois para atendê-lo. Então meu primo propôs ao 67


meu pai que, quando ele quisesse nos chamar, chamasse-nos de Zé Vermelhinho, por ser ele ruivo, e de Zé Pretinho, por ser eu um moleque de cor escura. Só sei dizer que isso pegou até hoje. Mexer na memória é algo que sacode o meu coração, o ritmo de seus batimentos ficam acelerados, minhas mãos trêmulas não conseguem escrever muito bem e a voz trava. Vez ou outra um nó aparece na garganta e os olhos querem transbordar de lágrimas. O passado revela a construção de nossa vida. O que fizemos ou deixamos de fazer traz resultados às vezes não tão agradáveis. Uma pessoa que ultrapassa seus 80 anos tem uma longa estrada percorrida. No momento em que escrevo, quase completando meus 97 anos de idade, modéstia à parte, ainda possuo muito vigor. Quem não sabe a minha idade, diz que aparento apenas 75, chega até ser motivo de orgulho para um velho que ainda se considera jovem de espírito. Nunca fui um garoto apaixonado pelos livros. Na infância, sonhava mais com uma bola de futebol que com o mundo das letras. Cheguei a ser matriculado em escola, porém pouco frequentava. Lembro que saía de casa com os livros, meus pais certos de que eu estava estudando. Nem chegava à escola, ia uma vez ou outra perdida. Os professores sentiam minha ausência e mandavam bilhetes para avisar das minhas faltas. Os campinhos improvisados eram o meu mundo de fantasia, lá eu me sentia livre, feliz... Corria atrás da bola e fazia gols. Não sentia o tempo passar. Meus pais não conseguiram mudar isso em mim. Não teve castigo que desse jeito. A única coisa que eu segui do meu pai foi a profissão: comecei a ajudá-lo a consertar sapatos. Tornei-me um sapateiro profissional, exerci esse trabalho em média de uns 10 anos. Depois entramos no ramo comercial. Voltando um pouco ao passado da minha pacata cidade, quando aqui cheguei, dava para contar a dedo os seus habitantes. Todos se conheciam. Naquela ocasião, não existia nenhum automóvel, todo transporte era feito em lombo de animais. O que abastecia o pequeno comércio vinha da cidade mais próxima e de menos difícil acesso, Palmares, a 42 Km, aproximadamente. Dá ara imaginar como esse tempo era difícil e precário, bem diferente de hoje. Antes levávamos um dia para ir e voltar; atualmente, é questão de menos de uma hora. Considero-me uma pessoa popular no comércio, possuí uma loja grande, de muitas variedades, vendia de tudo: tecido, aviamentos, guarda-chuvas, candeeiros, rádios, 68


móveis... Mercadorias de pequena a grande. Era uma pessoa de princípios, já havia constituído minha família – casei-me com Hercília, minha única namorada, com quem tive sete filhos. Nesse período da minha vida, já tinha consciência de que a Educação era algo primordial; olhei para o meu passado e vi que havia desperdiçado as oportunidades. A pouca leitura que tenho foi adquirida por trás de um balcão de venda, a vida foi minha escola. Na prática do dia a dia, consegui entender um pouco das coisas básicas. Não me considero um homem leigo. Com os meus esforços, consegui pagar bons colégios para que os meus filhos tivessem uma boa formação. Apenas um deles não quis negócio com os estudos. Tinha que haver um parecido comigo. Não demorou muito e me tornei um homem popular. Quando me dei conta, já estava envolvido com a política do município. Fui vereador ativo por quatro mandatos, lembrome de que, com minha influência política, consegui empregos públicos municipais e estaduais para muitas pessoas. No passado, era na base da boa amizade que se conseguiam os empregos. Hoje, é necessário se submeter a concurso público para ser admitido em cargos públicos com a habilitação exigida. Nada mais do que justo. A competitividade cresce de forma absurda, até para ser gari é necessário passar por testes classificatórios. Está explicado que quem não tem estudo fica para trás. Conforme estava falando, minha influência política era tanta que não conto às vezes que abri as portas da minha casa para receber o governador de Alagoas, Guilherme Palmeira. Muitas vezes, ele telefonava e avisava que estava vindo para almoçarmos juntos e tratarmos de assuntos ligados à política. Como tudo passa um dia, já se foi esse tempo e, por força de circunstâncias, minha loja comercial deixou de existir. Atribuo esse fato à política. Sempre fui um homem de ajudar os carentes. Ainda hoje, por essa região, as pessoas costumam pedir ajuda aos vereadores: receita médica, gás de cozinha, água, energia, aluguel, material de construção, entre tantas outras coisas. Tirar o mau costume do povo é difícil. Se não der, já viu, perdeu o eleitor. Por isso muitos entram na política e saem mais pobres que antes. Ainda hoje o povo não entende qual é de fato o papel do vereador. As mudanças ocorrem naturalmente na vida da gente, mudei de atividade comercial. Passei a ser sorveteiro. Fabricava sorvetes e picolés de vários sabores. Sorveteria Flórida era o nome do estabelecimento. No verão, se vendia muito bem, mas, no inverno, as vendas congelavam. Não considero um negócio lucrativo, é muito pouco o lucro. Para conseguir uma boa renda, era necessário vender bastante. Como a concorrência é a 69


realidade da vida moderna, surgiram outras sorveterias e a minha produção foi diminuindo ao ponto de encerrar o negócio. Quero dizer com isso que, depois de muitos anos de luta, achei mais viável fechar as portas da sorveteria. Posso afirmar que sou um homem realizado, dei conta da minha obrigação como chefe de família, eduquei bem meus filhos e, como representante do povo, ajudei no desenvolvimento do município. Mas nem tudo é do jeito que a gente gostaria que fosse. Falo isso, porque antes não entendia o valor dos estudos, e isso me fez muita falta. Aposentei-me como funcionário estadual e recebo apenas um salário mínimo – valor irrisório para uma sobrevivência com dignidade. Se tivesse escolaridade, com certeza o valor seria outro, portanto o recado que deixo às crianças e jovens que tiverem oportunidade de ler minhas memórias é o seguinte: “Amém os livros! Valorizem os estudos”. Se eu pudesse voltar no tempo, mudaria o rumo da minha história. Está mais uma vez constatado que a vida das pessoas, do lugar onde se vive é mesmo uma metamorfose. Tudo gira em torno de mudanças. Fisicamente, tanto as pessoas como os lugares se transformam. Psicologicamente, só os humanos passam por esse processo. Ter uma opinião diferente sobre determinados assuntos, por exemplo. Isso nos faz lembrar de uma música cantada por Raul Seixas, que diz:

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, [...] do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Dessa forma, as pessoas têm evoluído e mudado de opinião, após passar por algumas experiências marcantes. Hoje pensamos uma coisa, amanhã descobrimos que aquilo que pensávamos não é o correto ou melhor para seguir.

Texto escrito com base nos depoimentos concedidos em sala de aula pelo Sr. José Amâncio da Silva, 87 anos, morador de Colônia Leopoldina.

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Uma arvore frutífera

Sei até o dia da semana em que nasci: uma bola manhã de domingo do dia 21 de outubro de 1951, no Engenho Canto Escuro, município de Colônia Leopoldina. Sou uma das filhas do casal Francisco Raimundo da Silva e Maria Dulce Luna da Silva. Eu chamava a parteira que fez o parto de minha mãe de madrinha Marica. Recordo-me de um fato muito triste que aconteceu na minha família, ficamos traumatizados, fomos abandonados pela nossa mãe que resolveu fugir do lugar em que vivíamos com um machadeiro para a cidade de São Paulo – SP. Essa dor doeu muito, mas doeu mais ainda em meu pai, que era um senhor de engenho próspero, bravo, orgulhoso, ignorante. Que prometia matar o casal se chegasse a vê-los. Eu e meus irmãos sofremos por muitos anos essa perda. O povo costuma dizer que madrasta não presta, mas a minha madrasta Angelita foi para mim mais que uma mãe. Até agora não revelei quem sou eu, meu nome é Maria de Lourdes Luna da Silva, conhecida de todos por Lourdes Lamenha. Dizem que recordar é viver, concordo plenamente, pois acabo de dar bastante gargalhadas lembrando de um fato bom que ocorria com frequência nas noites de loa cheia. 71


Era diversão familiar. Meu irmão mais velho pegava uma vida e começava a tocar e eu era a cantora. O terreiro enchia de gente, as pessoas vizinhas vinham se animar e prestigiar minha suave voz. Chega-me à memória uma música que eu gostava muito de cantar: Índia teus cabelos nos ombros caídos, negros como a noite que não tem luar. Teus lábios de rosa para mim sorrindo, e a doce meiguice desse teu olhar. Índia da pele morena, da boa pequena, que eu quero beijar [...]. Lembro-me também da negra Zefa Carrero que cantava pra gente: Café é bom, chá é melhor, na casa de Zé Carrero, não faltava café com pão de ló. Para quem não sabe, Zefa Carrero foi uma doceira de mão cheia, a melhor da região, também torradeira de café no pilão. Mulher preta, trabalhadora, resistente. Para se ter ideia, viveu 103 anos. Voltando a falar sobre mim. Todos diziam que, na minha adolescência, eu era uma flor de formosura, cintura de pilão, pele rosada e lábios vermelhos, cabelos castanhos e longos. Enchia os olhos de qualquer homem. Nunca precisei de maquiagem para ficar bonita, minha beleza era natural, bem diferente das adolescentes de hoje que, para ficar bonitas, maquiam toda a face. Admito que, atualmente, preciso de um batonzinho para levantar meu astral e visual, mas nunca fui uma mulher vaidosa. Vou falar do homem que conquistou meu coração: foi o famoso Zé Cazuza, bem diferente de mim, com 11 anos, 11 meses e dois dias mais velho que eu. Desde os meus nove anos de idade, Zé já pegava no meu pé, dizia de brincadeira que eu seria sua mulher. Eu era moça rica, filha de um homem de prestígio na região, um forte agricultor, fornecedor de cana, agricultor de arroz, feijão, fava, milho, mandioca, melancia, jerimum... Tudo de fartura. Além disso, era dono de um barracão sortido de todo tipo de mercadoria que o povo daquele lugar precisasse. 72


Na minha infância, cheguei a sentir raiva de Zé, pois ele não me dava sossego, me falava namoro por gesto da mão fechada com o polegar pra cima, e minha resposta era sempre negativa, mão fechada com o polegar pra baixo. Esse era o famoso fora, “sai dessa”, “minha praia é outra”. Sem contar com os psius e o famoso piscar de olhos. Após três anos, ele continuava insistindo. Era muito perseverante, não desistiu da adolescente amada. De tanto insistir, eu caí nos laços da paixão dele. Então, bem decidido, ele resolveu procurar meu pai e pediu permissão para namorar de porta. Nos dias de hoje, as moças já não querem apresentar o namorado aos pais, preferem ficar com um hoje, outro amanhã; o namoro está ficando para trás. Poucas famílias conservam essa tradição. Mesmo Zé sendo um simples trabalhador rural, trabalhava autônomo e nas folgas chegou a ser cambiteiro (aquele que transporta cana em burro) para meu pai, porém não houve empecilho por parte de preconceito social. O que meu pai olhou nele foi o caráter e, acima de tudo, ser um homem trabalhador. Sendo assim, permitiu. Comparamos nossa paixão ao fósforo e à pólvora. Quando nos aproximávamos um do outro, explodíamos de tanta emoção. Nosso namoro foi quente... Seja na porta de casa, ou num partido de cana ou na beira do fogão à lenha, o lugar pouco importava. Namoramos por cinco anos. Quando não deu mais para esperar, tivemos a primeira relação, que foi tiro e queda, o suficiente para engravidar. Escondi a barriga até os sete meses de gestação. Zé queria abrir o jogo e contar o acontecido, mas eu não deixei que ele falasse nada, o medo do meu pai era maior que tudo que se possa imaginar. Mas chegou a hora da verdade... Na hora do almoço, todos reunidos à mesa, meu pai me observou de cima a baixo e viu que a roupa que eu estava usando não era minha. Calada estava, calada fiquei. As lágrimas rolaram pelo rosto: “E agora, o que será de mim?” Meu pai ficou com os ânimos alterados. E gritou com minha madrasta: “Por que Lourdes está usando essas roupas que são suas”? Meu pai se transformou em um monstro de tanta ira, sentia-se traído mias uma vez, puxou até o revólver, mas foi logo aquietado pela madrasta Angelita, que gritou: “Que é isso, Francisco?” “Não faça nada”! “Tenha calma”! “Zé vai assumir, ela não foi a primeira e nem será a última”. Depois que os ânimos se acalmaram, o casamento foi acertado, marcado e realizado no dia 15 de dezembro de 1968. Meu vestido foi de cor rosa, brilhoso, tipo uma batinha de gestante com uma jaqueta por cima. No dia 31 de janeiro de 1969, nasceu a minha filha primogênita: Gilvania Lamenha Silva. Meu segundo parto foi em 23 de março de 1970. Dele nasceu o meu primeiro filho do sexo masculino: Francisco Raimundo da Silva Neto, 73


em homenagem póstuma ao meu pai, que foi vítima de um assassinato, uma história que prefiro não comentar. A segunda filha veio no dia 10 de janeiro de 1972 e recebeu um lindo nome, Georgia, indicado pela madrinha de batismo, minha irmã Socorro Luna. O quarto parto aconteceu no dia 28 de março de 1973 e me trouxe Fernando, mas todos o conhecem por Lê Lamenha. O terceiro filho e quinto da sequência nasceu no dia 26 de setembro de 1975, recebendo o nome do pai, o galego que lembra o avô paterno e, em homenagem ao genitor, é registrado como José Lamenha da Rocha Júnior. Era um atrás do outro... No sexto parto, veio minha terceira filha Eliane Lamenha, no dia 1o de janeiro de 1977; em seguida, mais uma filha: Adriana Lamenha, no dia 10 de abril de 1978. Chegou a vez do quarto filho e oitavo na sequência. Flávio Lamenha, nascido no dia 22 de julho de 1979. Já passou das contas, mas eu era muito fértil e o medo de ligar as trompas me apavorava, preferi ser uma mãe parideira. No ano de 1979, deixei o Engenho Canto Escuro e vim morar na cidade, era o meu sonho, gosto da claridade. Na época á existia energia elétrica. Morei por alguns anos na Travessa Clodoaldo da Fonseca e logo fui habitar bem no centro da cidade, na Praça D. Pedro II. Mais uma gravidez, dessa vez uma menina que veio no dia 20 de abril de 1981, chamada Gilvaneide. Só faltava um para completar uma dezena de filhos. Esse veio atravessado. Nesse tempo já existia ultrassom e foi descoberto que o parto não poderia ser normal, eu precisei criar coragem para fazer um parto cesariano. Aproveitando a ocasião, extraí minhas trompas, e a ponta da rama é o Fábio Lamenha, que nasceu no dia 21 de março de 1983. Hoje, todos os meus filhos estão casados, uma nova geração de aproximadamente 30 netos, e já tenho um bisneto. Não me considero uma linda mulher, exteriormente, mas linda interiormente, gosto muito de ajudar aos necessitados, sou muito sensível, amo todos os meus filhos por igual. A minha saúde é frágil, por isso a mulher alegre de outrora está um pouco pra baixo, me sinto cansada e velha, mas com muita fé em Deus vou levando a vida.

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A Sra. Maria de Lourdes Luna na sua adolescência.

Texto baseado em várias conversas informais da filha Georgia Lamenha com sua mãe, Maria de Lourdes.

Orgulho de ser leopoldinense.

Subi a ladeira e vi a geografia e a poesia se encontrarem, bem como a cultura, patrimônio nosso.

É a Colônia da Princesa que Everaldo Araújo não deixou sem registrar, muito menos seu sobrinho, Júnior Acioly, deixaria de fotografar, ao sobrevoar. O professor Romildo Moura não hesitou em compartilhar a imagem e comentar: “Não é todo mundo que tem esse privilégio.” De ser piloto ou de ser leopoldinense?

Mas toda poesia brota de uma inspiração. Cadê o Josenildo Gomes pra compor uma canção? Ou quem sabe Tião Marcolinio pra cantar: 75


“A saudade é companheira...” Ou Doutor Ernane Santana Santos falando sobre “As ruas da Nossa Cidade”.

Salve, Salve, Colônia Leopoldina, de autoria de José Araújo de Luna, cantado por Jodimarco Dionízio. Nessa terra de Sebastião Braga e Vitalino, tem gente com muito talento e artista de grande valor: Quem conhece Ernandes Barbosa? Aqui viveu e estudou, mas as suas telas, onde estão? Numa bela exposição, na biblioteca pública de Piracicaba!

Penso que a mãe de Everton Calado, psicólogo, sim senhor, muito, muito o incentivou. O nome dela é Elda Brito, professora que tanto, tanto se dedicou.

Ah, meu Deus, é tanta gente que não cabe nessa poesia! Mas cada um que aqui nasceu, cresceu e ama a terrinha bate no peito e diz que tem orgulho de ser leopoldinense! “Colônia de guerreiros, terra de conquistas”: temático do projeto do Antônio Lins da Rocha, cuja vida do seu patrono 76


também merece ser conhecida. Jadilton Rocha é o diretor, filho da princesa, jovem cheio de vigor e bom professor. “Memórias vivas do povo leopoldinense”, Obra escrita pela professora Georgia Lamenha que resgata histórias de nossa terra, de nossa gente! Sua leitura nos convida a uma viagem no tempo... Gilvania Lamenha Silva Antão

Georgia Lamenha e sua irmã Gilvania Lamenha.

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Breve história de Colônia Leopoldina

Situada no Vale do Rio Jacuípe, bem próximo à Serra do Teixeira, a primitiva povoação teria surgido no começo do século XIX. Sabe-se, contudo, que o território chegou a pertencer a Porto Calvo até 1901. Só a partir de 1852, com a instalação da colônia militar, efetivou-se como povoado. A colônia foi criada com muita festa e com a presença, inclusive, do presidente da província de Alagoas, José Bento da Cunha Figueiredo. A história não registra os motivos para a instalação da colônia militar. Os antigos moradores contam que o objetivo era combater e exterminar o banditismo que dominava as matas de Porto Calvo. O primeiro comandante e diretor-fundador da colônia foi o tenente João da Gama Lobo Bentes. A colônia também foi dirigida por Olavo Elói Pessoa da Silva e pelo alferes Augusto Pereira Ramalho. Em 05 de janeiro de 1860, a colônia recebeu o imperador Dom Pedro II. A passagem de Dom Pedro consolidou o povoado e se tornou fato histórico. A antiga casa da diretoria onde se hospedou o imperador existe até hoje. Na ocasião, Dom Pedro e sua comitiva plantaram quatro mudas de castanholas, das quais duas sobrevivem até o presente.

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Quando a colônia militar foi extinta, em 1867, Leopoldina continuou sob a jurisdição de Porto Cavo e logo depois entrou em decadência. A Lei 372, de 1861, criou o distrito de Leopoldina e outra lei, em 1901, elevou-o à vila e depois município. Isso contribuiu para que a antiga colônia voltasse a progredir. Em 1923, passou à condição de cidade. A freguesia foi criada sob as bênçãos de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Colônia Leopoldina, cujos festejos são comemorados em 16 de janeiro, mas a comunidade celebra também os santos São Sebastião, São João e São Pedro. Além das festas cristãs, Colônia comemora também sua Emancipação (16 de julho). O atrativo turístico é a Serra do Catita com sua cachoeira e, abaixo dela, a antiga ponte do Catita, construída no período de 1919 a 1922, pelo então governador Dr. José F. da Silva. Economicamente, o município dispõe da cultura de cana-de-açúcar, destacando-se a produção de bananas no Estado e boa produção de culturas de subsistência. Relevante também a pecuária que reflete grande economia para o município. O município é contemplado por dois parques industriais de grande porte: Usina Taquara S.A. e Destilaria Autônoma Porto Alegre Ltda.

Rio Jacuípe nas terras do Mosteiro do Catita.

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População Área Densidade Mesorregião Microrregião Municípios limítrofes Gentílico Distância até a capital Bioma Altitude Clima

20.019 hab. 207.893 Km2 69,65 hab./Km2 Leste alagoano Mata alagoana Ao norte, com o Estado de Pernambuco; ao sul, com Joaquim Gomes; a leste, com Novo Lino e, a oeste, com Ibateguara. Leopodinense 117 Km Mata Atlântica 140 m Tropical chuvoso com verão seco

Aspectos geopolíticos de Colônia Leopoldina de acordo com o Senso 2010. (IBGE. Disponível em <http://cod.ibge.gov.br/M6Q>. Acesso em: 19 nov./2013).

Parte do mapa de Alagoas posicionando o município de Colônia Leopoldina – AL.

Brasão do município de Colônia Leopoldina – AL, criado por João Reis.

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Obra-prima de Colônia Leopoldina

A primeira obra escrita sobre nossa cidade intitulada A Colônia da Princesa, do conterrâneo Everaldo Araújo Silva, publicada em julho de 1983. O autor rendeu justa homenagem à terra onde nasceu, trazendo ao conhecimento das gerações posteriores a historiografia do lugar onde vivemos. Recordando notas do autor:

A interdependência une no tempo e ao espaço os homens que vivem e que viveram nas grandes épocas de crise ou de apogeu e, assim sendo, a vida nos reserva surpreendentes estágios, acontecimentos e lições que servem para nos retemperar e recompor o nosso posicionamento diante de nossa própria fragilidade e limitação e assim poder observá-la no doce enlevo de uma criança, na plena atividade explosiva da juventude, no fascínio e no romantismo da adolescência, no vigor e na capacidade produtiva do adulto e na ternura da lembrança do tempo vivido na velhice (p. 22).

É possível perceber a sabedoria de suas palavras, fazem menção à relação íntima entre as fases da vida em diferentes circunstâncias. Como disse o autor na conclusão do seu trabalho, essa obra iria representar para sua comunidade um ponto de referência. “Não somos mais os anônimos transeuntes da massa humana informe e sem coesão, temos domicílio reconhecidamente histórico. Temos os 81


nossos valores expostos e identificadores de uma comunidade ativa e participativa no contexto. Temos nobreza!” (p. 222). Após 20 anos de publicação, muitos fatos ocorreram... A cidade cresceu junto com seu povo. Cada um construiu a sua própria história e todos contribuíram para a formação do lugar onde vivem. Os munícipes que buscam conhecer sua origem têm uma fonte riquíssima de informações históricas contidas na obra do inesquecível Everaldo Araújo.

Hino de Colônia Leopoldina Letra: José Araújo Luna Música: Jodimarco Dionízio

Salve! Salve! Colônia Leopoldina Que vieste da Colônia Militar Berço de heroicas famílias Por teus filhos a te glorificar;

Salve! Salve! Colônia Leopoldina Reminiscências de teu imperador Com teus filhos a estudar Doutores, poetas, escritores Para sua terra sempre honrar.

Salve! Salve! Colônia Leopoldina Castanholas simbolizam a Princesa Leopoldina Vivenciando suas matas verdejantes Do Rio Jacuípe das florestas exuberantes Memórias do passado traz lembranças no presente Que tua imagem não saia da mente!

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