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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PRODUÇÃO ACADÊMICA Volume 2 (2) (Livros e Textos em Educação Popular)
PROF. DR. JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO PROFESSOR TITULAR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA
JOÃO PESSOA, 2014
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Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da UFPB
M528p
Melo Neto, José Francisco de.
Produção acadêmica: (Livros e Textos em Educação Popular) / José Francisco de Melo Neto.-- João Pessoa, 2014. v.2 (2) 1. Educação popular - produção acadêmica. I. Universidade Federal da Paraíba. II. Centro de Educação. CDU: 37.014.5
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APRESENTAÇÃO
Este trabalho é um rápido inventário acadêmico da vida do Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto (zé de melo neto, zé neto), com ênfase em sua dimensão acadêmica, nascido em Colônia Leopoldina, Zona da Mata Norte, do Estado de Alagoas, no ano de 1951. É uma coletânea de sua produção intelectual, produto das atividades de professor na Universidade Estadual da Paraíba(UEPB) e na Universidade Federal da Paraíba(UFPB), nos cursos de Graduação e Pós-graduação, em ambas universidades, em especial durante os 15 anos que atuou no Programa de Pós-Graduação em Educação, da UFPB, traduzidos em artigos, ensaios, textos didáticos, livros coletivos e livros individuais, em vários campos do conhecimento educação, educação popular, economia solidária, política, filosofia e poesia. Foi, ainda, professor de Química no Colégio Estadual da Prata, em Campina Grande e professor de Ciências da Rede Municipal de João Pessoa. Também em Campina Grande, foi professor de Química da Universidade Estadual da Paraíba. Atingiu o ápice da carreira acadêmica, com todos os títulos acadêmicos - graduação em química(Univ. Est da Paraíba-UEPB) e em filosofia (Univ. Fed. da Paraíba-UFPB), especialização em química(UEPB/UFPE), mestrado em educação(Univ. de Brasília-UnB), doutorado em educação(Univ. Fed. do Rio de Janeiro-UFRJ) e estágio pós-doutoral em educação(Univ. de São Paulo-USP). Chegou a Professor Titular, em ambas instituições de ensino superior, sempre por concursos. Coordenou o Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal da Paraíba, e o Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR), bem como, da Incubadora de Empreendimentos Solidários (INCUBES), também na UFPB, tendo sido, ainda, Presidente do Conselho Estadual de Educação do Estado da Paraíba. Teve dois casamentos com Maria do Socorro de Melo e Ana Lúcia Ferreira Queiroga e 5(cinco) filhos - Anaína Clara de Melo, Guerreiro Arco de Melo, Suana Guarani de Melo, Lívia Silas de Melo e Lucas Queiroga Melo. Esta coletânea está dividida em 6 volumes: o volume 1 apresenta Livros e Textos, em Educação; o volume 2(1 e 2), Livros e Textos em Educação Popular ; o volume 3, Livros e Textos em Extensão Universitária; o volume 4, Livros e Textos em Economia Solidária; o volume 5, Livros e Textos em Política; o volume 6, Livros e Textos em Filosofia, Textos Didáticos, Textos Avulsos e Poesias, acompanhando o Curriculum Lattes. O desejo maior é que este material permaneça como material de estudos e pesquisas para os estudantes, pesquisadores e pesquisadoras que, eventualmente, possam se interessar por essas temáticas. Assim é que, pouco a pouco, esta prática documental seja início de uma rotina dos profissionais que atuam ou que atuarão, doravante, neste Programa de Pós-Graduação em Educação e na Universidade Federal da Paraíba, isto é, deixarem assegurados no ambiente do mesmo a sua produção intelectual. Que todo o material produzido por seus docentes,
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pesquisadoras e pesquisadores possam estar à disposição das futuras gerações, de forma fácil, in loco e eletronicamente, assegurando o estudo daquilo que já vem sendo pesquisado, avançando para além dos patamares teóricos em que os temas foram encerrados. E, que seja possível o estudo daquilo que se estar pesquisando e produzindo neste ambiente universitário.
João Pessoa, janeiro de 2014. Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto PROFESSOR TITULAR DA UFPB
José Francisco de Melo Neto, nascido em Colônia Leopoldina, Estado de Alagoas, em 16 de janeiro de 1951. Seus pais foram Francisco José de Melo e Doralice Bezerra de Melo.
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SUMÁRIO GERAL (todos os volumes)
VOLUME 1. LIVROS E TEXTOS EM EDUCAÇÃO. VOLUME 2. LIVROS E TEXTOS EM EDUCAÇÃO POPULAR (1 e 2). VOLUME 3. LIVROS E TEXTOS EM EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. VOLUME 4. LIVROS E TEXTOS EM ECONOMIA SOLIDÁRIA. VOLUME 5. LIVROS E TEXTOS EM POLÍTICA. VOLUME 6. LIVROS E TEXTOS EM FILOSOFIA, TEXTOS DIDÁTICOS, TEXTOS AVULSOS, POESIAS E CURRICULUM LATTES.
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SUMÁRIO DO VOLUME 2(1) LIVROS E TEXTOS EM EDUCAÇÃO POPULAR.
2.1 - TEXTOS TEXTO 1. O QUE É POPULAR? TEXTO 2. EDUCAÇÃO POPULAR. TEXTO 3. EDUCAÇÃO POPULAR E TRABALHO (valores éticos fundantes da educação popular nas práticas pedagógicas, em cursos profissionalizantes da Usina Catende – PE). TEXTO 4. LUTAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO POPULAR PARA UM DESENVOLVIMENTO REGIONAL. TEXTO 5. PAULO FREIRE DIALOGANTE. TEXTO 6. EDUCAÇÃO POPULAR - sistema de teorias intercomunicantes. TEXTO 7. EDUCAÇÃO POPULAR NOS PROGRAMAS DE QUALIFICAÇÃO. TEXTO 8. EDUCAÇÃO POPULAR EM DIREITOS HUMANOS . TEXTO 9. EDUCAÇÃO POPULAR E „EXPERIÊNCIA‟ . TEXTO 10. EDUCAÇÃO POPULAR E UNIVERSAIS - dimensões ontosemânticas
2.2 - LIVROS COLETÂNEA LIVRO 1. EDUCAÇÃO POPULAR - outros caminhos. José Francisco de Melo Neto e Afonso Celso Caldeira Scocuglia LIVRO 2. EDUCAÇÃO POPULAR - enunciados teóricos Vol 2. José Francisco de Melo Neto e Agostinho Rosas LIVRO 3. UNIVERSIDADE POPULAR E PESQUISA (Constitui o volume 2(2)) .
INDIVIDUAL LIVRO 1. EDUCAÇÃO POPULAR - enunciados teóricos. LIVRO 2. UNIVERSIDADE POPULAR. LIVRO 3. EDUCAÇÃO POPULAR - enunciados teóricos Vol. 3
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SUMÁRIO DO VOLUME 2(2) LIVROS E TEXTOS EM EDUCAÇÃO POPULAR.
LIVROS Coletânea - livro 3 (continuação do volume 2(1).
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LIVRO UNIVERSIDADE POPULAR E PESQUISA
sumário APRESENTAÇÃO (falta)
CAPÍTULO 1 - UNIVERSIDADE POPULAR - dimensões sócio-históricas. 9 José Francisco de Melo Neto CAPÍTULO 2 - PESQUISAS REALIZADAS NA PERSPECTIVA DA UNIVERSIDADE POPULAR 2.1. NO CAMPO DA FILOSOFIA E DA MATEMÁTICA: 2.1.1 O conceito de trabalho em Marx.
28 José Francisco de Melo Neto
2.1.2 MATEMÁTICA - (falta) ............................................................... 2.2. NO CAMPO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CRÍTICAS. 2.2.1 Extensão universitária - uma análise crítica.
2.2.2 Ação cultural no meio rural
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José Francisco de Melo Neto 171 José Francisco de Melo Neto
2.3. NO CAMPO DAS CIÊNCIAS HISTÓRICO-HERMENÊUTICAS:
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2.3.1 Um contador de histórias na sala de aula. Maria Claurênia Abreu de Andrade Silveira 2.4. NO CAMPO DAS CIENCIAS EMPÍRICO-ANALÍTICAS: 241 2.4.1 Educação Ambiental na Escola Pública: Bioma Caatinga e Rio Taperoá como eixos norteadores. Thiago Leite de Melo Ruffo 2.4.2 Colonização de invertebrados em substratos artificiais em um Lago da Ba cia Hidrográfica do Rio Jaguaribe, município de João Pessoa - PB. 328 Hugo da Silva Florentino CONSIDERAÇÕES ( PRESENTE APENAS NO LIVRO QUE FICOU COM O NOME FINAL DE -- ------- UNIVERSIDADE POPULAR - extensão, ensino e pesquisa).
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APRESENTAÇÃO DO LIVRO (ausente)
CAPÍTULO 1 – UNIVERSIDADE POPULAR – dimensões sócio-históricas A UNIVERSIDADE POPULAR1 José Francisco de Melo Neto Resumo Esta pesquisa objetivou contribuir com o debate sobre a Universidade Popular, seguindo os passos do método histórico-comparativo, por meio de uma análise dialética em três movimentos teóricos: a) uma síntese com a caracterização das visões dominantes de universidade; b) uma análise histórica com pensadores modernos e contemporâneos que trataram da questão, com reflexos nas perspectivas de universidades no Brasil, surgindo a extensão universitária como produto das contradições existentes; c) uma nova síntese na qual se expõe a possibilidade de criação da Universidade Popular, a partir de práticas extensionistas, definindo uma visão do que seja popular e, em consequência, extensão popular e caminhos que conduzem à Universidade Popular. Nesse sentido, adota-se o popular como visão filosófica de mundo que prioriza as demandas da maioria da população, com metodologia própria para as relações humanas, pela ética do diálogo. O texto dá ênfase especial à atividade universitária, capaz de reafirmar a totalidade perdida - ensino, pesquisa e extensão -, recuperando o conhecimento como um bem social emancipador e, necessariamente, coletivo.
Introdução O momento em que se vive, sob o domínio do capitalismo monopolista, tem como uma de suas características a ênfase na separação entre o trabalho manual e o trabalho mental ou intelectivo. Essa separação afasta os trabalhadores diretamente da produção de ideias, em especial, quando são alijados de sua capacidade de pensamento, repassando-se a outrem essa função primordial da vida humana. Destaca-se um tipo de racionalidade, denominada de instrumental, segundo o pensamento habermasiano, a qual leva o homem a ser visualizado, única e exclusivamente, como força produtiva e não como alguém que também pensa. Para Braverman (1987), essa separação entre mão e cérebro é algo decisivo, como uma medida simples na divisão do trabalho no atual modo de produção capitalista, sendo inerente a esse modo de produção. A visão socialista critica esse estilo de vida, demonstrando que tudo transforma-se em dinheiro, que é apropriado pela classe dominante. A esse respeito, Marx (1978: 15) já chamava a atenção também para o controle das “superestruturas intelectuais, artísticas e filosóficas de toda a sociedade, monopolizando a cultura do passado, do presente e mesmo, se os não impedissem disso, do futuro”. Esse modelo continua na organização do trabalho, na sociedade industrial, com reforço do liberalismo, passando por novas formas e novas substâncias em processos de mudanças. Persiste atualmente com o trabalho na sociedade pós-industrial, que se diz trabalho de menos, mesmo que se esteja trabalhando muito mais, com reforço das novas tecnologias. O maior tráfego das tecnologias da informação, possibilitando mais e melhores comunicações, faz o homem trabalhar em qualquer parte em que esteja. 1
Livro editado: Universidade Popular. Melo Neto, José Francisco de. Editora da Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa: 2012.
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Contraditoriamente, as novas organizações do capitalismo têm tornado evidente a necessidade e a importância de se trabalhar coletivamente e de forma solidária. Diante disto, Masi (1999) enfatiza a necessidade de se revolucionar mentes e materiais. Assim, o conhecimento, como um dos produtos desse trabalho, adquire dimensões multifacetadas. Exige, ainda, maior diálogo entre as especialidades, como mostram Cunha e Laudares (2009), diante da informalidade do próprio trabalho e de sua mundialização, além da necessidade de “diálogos multidisciplinares”. Esse problema atinge todos os setores da sociedade, inclusive a instituição universitária, em sua atividade de extensão, de ensino e da produção do conhecimento, por meio da pesquisa. Diante desse quadro, cabe a pergunta: Que tipo de universidade assumirá o papel de contribuir para a superação dessa produção do conhecimento e do ensino, passando a realizá-los em bases coletivas (solidárias), indo além da separação entre mão e intelecto? O texto assume a posição de que essa universidade é possível e que já vem sendo exercitada, particularmente na América Latina, com dimensões que a caracterizam como popular e, por isto, Universidade Popular. Universidade idealizada2 Com suas origens na Idade Média, a discussão sobre a universidade vem tomando melhor forma teórica nos tempos atuais, transformando-se em objeto de estudo de pensadores que expuseram as suas compreensões sobre o papel desse instrumento de produzir ensino e conhecimento novo. Ao considerar algumas conexões entre concepção de educação universitária e seus arranjos institucionais atinentes às condições sociais de seus participantes, além de fazer observações sobre as formas de acesso e de suas finalidades, Wolff (1993) identifica quatro modelos de universidades: a) universidade como expressão de um santuário do saber; b) universidade como um campo de treinamento para profissionais liberais; c) universidade como agência de prestação de serviço; d) universidade como um ambiente de preparação de indivíduos para assegurar e conduzir o sistema social estabelecido, entendendo-se como uma crítica aos demais modelos. A universidade como expressão de um santuário do saber, para o autor citado, origina-se na própria história da instituição universitária. Nela enfatiza-se a imagem de uma torre de marfim, fazendo-se congregar na universidade obstinados eruditos, tentando um saber exclusivo do grupo. O erudito é aquele que domina as artes, bem como as letras clássicas e modernas, como expressão do humanismo. Este compõe-se de um corpo sacro ou secular, constituindo-se de atividades que se convencionou denominar de humanidades. A universidade como um campo de treinamento para profissionais liberais expressa a visão de Wolff de universidade para os dias atuais. Trata-se daquela instituição que se presta, tão somente, à preparação para profissões liberais. Traz consigo a tradição das universidades medievais, originadas na Europa, nos séculos XI e XII, exclusivamente, nas áreas de Direito, Medicina e Teologia. Esse modelo de universidade se consolidou no tempo, mantendo suas características marcantes na atualidade. Essa visão de profissão liberal traz consigo um conjunto de categorias ocupacionais aceitas socialmente, vindo a ser denominadas de “profissões”. Seu status sobrevive ainda hoje, pelo incentivo permanente, com o aceno de melhores salários e maiores demandas da própria sociedade. Não se nega a necessidade de cuidar da saúde, com ênfase na Medicina. Há também a compreensão de que existem momentos na vida societal em que se garanta o direito das pessoas, destacando-se a profissão liberal do advogado. A teologia ficou limitada, basicamente, aos religiosos. Como agência de prestação de serviço, a universidade identifica-se como uma tendência diante do que está estabelecido. Configura-se como um agregado complexo de instituições, realizando serviços educacionais de pesquisa, de consultoria, entre outros. Está ilustrada no estilo de Clark Kerr, ex-reitor da Universidade da Califórnia, e muito presente em Harvard, criando o conceito de “multiversidade”. Por fim, a universidade, como um ambiente de preparação de indivíduos para assegurar e conduzir o sistema social estabelecido, representa uma crítica aos demais modelos identificados. Trata-se de um antimodelo de universidade, que se baseia na instituição formadora, unicamente, de quadros políticos e de teóricos em geral, para a sustentação de governo. A universidade de Berkeley, 2
O interesse não é fazer uma longa listagem de pensadores que debatem a temática, mas, tão somente, destacar algumas ideias centrais desse debate, citando alguns deles, do exterior e do país.
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nos Estados Unidos, foi a mais atingida pelas críticas estudantis à sua função precípua como formadora desses profissionais, gerados a partir de convênios diretos com o Estado. Em conseqüência, as salas de aula estavam abarrotadas de estudantes, dificultando os contatos e as relações entre alunos e professores. Os protestos estudantis aproximavam-se, no geral, das reivindicações proletárias. Para Wolff (1993:73), esses estudantes “querem ver-se, a todo custo, como vítimas, sofredores, os explorados, os miseráveis da comunidade universitária”. A universidade é posta como se fosse uma fábrica capitalista, cujos bens de consumo são os diplomas, com os estudantes na condição de consumidores. Para o autor, essas visões de universidade expressam perspectivas platônicas, na medida em que começam pela definição e demonstração de ideais a serem incorporados, para, só depois, pensarse na realidade. São modelos que se prestam mais às lutas políticas de reformistas ou revolucionários, devido ao desencontro desses dois polos. Ou, então, seguem um modelo aristotélico, que se caracteriza pela procura de “universais das coisas”. Partem da caracterização da instituição, procurando encontrar os ideais que nela estejam presentes. Em outro momento de grandes debates - de forma particular, na Europa, alastrando-se por todo o mundo na década de 1960 - a instituição universitária e todo o sistema educacional, em especial, o francês, sofreram críticas que demandaram novos estudos sobre a universidade. Esses debates alimentaram a discussão, projetando modelos que estão caracterizados por Drèze e Debelle (1983), em seu livro Concepções de Universidade. Nessa obra, são expostas cinco concepções de universidade, divididas em dois grandes blocos: a) concepções que formam o ideário das universidades do espírito; b) concepções que levam à denominação de universidades do poder. No primeiro bloco, há duas visões de universidade: na primeira, é concebida como um centro de educação, cuja finalidade é a aspiração do indivíduo ao saber, tendo como principal idealizador o cardeal Newman3. Para ele, a educação deve ser geral e liberal, permeada de um saber universal, adotando uma pedagogia que valoriza o desenvolvimento intelectual sustentado nas seguintes bases: o indivíduo procura a ciência e a educação para toda a vida; a universidade é para o ensino mais que para a pesquisa. Na segunda visão, a universidade é caracterizada uma comunidade de pesquisadores, originária das ideias de Karl Jaspers4, cuja finalidade é atender à aspiração da humanidade para a verdade. Segundo ele, a pedagogia dominante deve ser direcionada para a promoção da liberdade acadêmica. A universidade deve ser um ambiente de pesquisa, orientada por dois princípios: o da unidade do saber e o da unidade do ensino e da pesquisa. Dentro desse primeiro bloco, vislumbra-se o que seria uma terceira visão de universidade, tendo por expoente Whitehead5. Caracteriza-se por ser um núcleo de progresso, considerando que a sociedade tem demonstrado essa aspiração. A pedagogia dessa visão requer que seja atribuído o papel criador ao docente. Aos estudantes cabe a tarefa de serem capazes de aplicar princípios gerais desse conhecimento, assegurando um papel útil à educação. No segundo bloco, a visão de universidade do poder, Drèze e Debelle (1983) identificam um primeiro modelo intelectual inspirado, principalmente, em Napoleão6. Nesse modelo, a finalidade da instituição é assegurar a estabilidade política do Estado. O ensino deve ter rigorosa hierarquia e programas uniformes, instituído por uma rede também uniforme de escola para a elite e para as classes trabalhadoras. Os abalos da conjuntura política francesa, à época, levaram Napoleão a restaurar um Estado forte, desejando o domínio total sobre as pessoas. Trata-se da ideia de uma universidade a 3
Hohn Henry Cardinal Newman. Clérigo religioso católico inglês. É mais conhecido por suas obras teológicas, tendo escrito um célebre trabalho nesse campo de conhecimento: The Idea of a university. 4 Karl Jaspers. Filósofo alemão falecido em 1969. Sua principal obra, nesse campo, é Die idee der universitat. Ele escreveu, entre outros livros, Bomba atômica e o futuro do homem. 5 Alfred North Whitehead, filósofo inglês falecido em 1947. Destacou-se no campo da lógica contemporânea, juntamente com Bertrand Russell. Em educação, escreveu: The aims of educations. 6 Talvez, uma precisão maior de uma universidade francesa possa não existir, mas há em Napoleão um conjunto de ideias-força que marcaram profundamente a universidade na França. Também não produziu um conjunto de concepções comparável às dos filósofos anteriores, já que a filosofia nunca foi a sua especialidade. Além disso, há outras contribuições contemporâneas ao debate, citando alguns nomes como: a) Jacques Drèze, l´université dans la sociétè contemporaine et le devenir de Louvain. In: La Revue Nouvelle, Jun, 1965; b) Gursdorf, G. L´université en question. Paris, Payot, 1964; c) Aulard, A. Napoléon et le monopolie universitaire. Paris, Colin, 1911; d) Ricoeur, Paul. Faire l´université. Esprit: 1162-72, mai-jun, 1964.
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serviço do Estado, integrada por uma corporação de professores. Para ele, só se faz uma nação com organização e ordem. Como segundo modelo desse bloco, os autores expõem o sistema de organização do Conselho de Ministros da antiga União Soviética, pautado pelo ideário do marxismo-leninismo. Via-se a universidade como um fator de produção, cuja finalidade era a edificação da sociedade comunista. Essa determinação exigia forte centralização da atividade acadêmica, aproximando-se do modelo napoleônico, mas com um apelo a todas as forças produtivas dos estados que compunham a União. O ensino era funcional, planificado e inserido no processo produtivo. Desse modo, procurava dar sua contribuição à produção da nação, acompanhando as demais sugestões dos diferentes setores produtivos. A qualificação docente era algo permanente e priorizava a qualidade, bem como a produção de manuais didáticos para os estudantes. Em todos esses esforços de edificação de universidade, observa-se a presença marcante, de um lado, da visão dominante e idealista de universidade, e de outro, da perspectiva funcional voltada à organização da nação pelo fortalecimento do Estado. As demandas da população, a pedagogia para um pensamento crítico e a pesquisa que produza um conhecimento emancipador estão ausentes nesses ideários acadêmicos. Mas, esse debate esteve presente em parte da Europa, essencialmente na Inglaterra, avançando pelo horizonte da necessidade de que o conhecimento precisava chegar ao povo. Este, porém, não estava nas salas das universidades, mas nas fábricas, no campo e nas ruas. Na procura de caminhos para o atendimento dessa compreensão, inicia-se um movimento, em boa parte da Europa, pugnando por uma universidade popular. Surgem ações desenvolvidas por profissionais da universidade e de outros segmentos, com o objetivo de “levar” conhecimento ao povo. Havia, portanto, a ideia de que o povo não tinha conhecimento, sendo necessário encontrá-lo nos ensinamentos dos doutos dessas instituições. Nesse debate, surgiram os primórdios da extensão universitária. A extensão universitária toma corpo com o surgimento das universidades populares europeias, no século XIX. Tinham como objetivo disseminar os conhecimentos técnicos, segundo enfatizam Rocha (1989), Fagundes (1986) e Botomé (1992). Como se vê, a finalidade original de uma universidade popular já nasceu aprisionada às visões dominantes de universidade. Todavia, para os dias atuais, esse tipo de instituição exige a abertura de outros horizontes. Mesmo uma organização que se propunha voltar-se aos interesses dos trabalhadores nunca esteve imune à crítica. Em relação a esses movimentos por universidades populares, afirma Gramsci (1987: 17): (...) estes movimentos eram dignos de interesse e merecem ser estudados; eles tiveram êxito no sentido em que revelaram da parte dos simplórios um sincero entusiasmo e um forte desejo de elevação a uma forma superior da cultura e de uma concepção de mundo. Faltava-lhes, porém, qualquer organicidade, seja de pensamento filosófico, seja de solidez organizativa e de centralização cultural; tinha-se a impressão de que eles se assemelhavam aos primeiros contatos entre mercadores ingleses e negros africanos: trocavam-se berloques por pepitas de ouro. Esta é uma crítica aos intelectuais que, mesmo com fortes desejos de “servir ao povo” e à classe trabalhadora, teriam outro papel: o de compreender as formas de vida e as propostas dessa classe. Na verdade, esses intelectuais expressavam um horizonte dominador de seus saberes, mesmo na pretensão de repassá-los ao povo. Apesar desse questionamento, ocorreu o desdobramento dessas ideias, em particular, o debate político contemporâneo sobre a universidade7 e o conteúdo de projetos, no Brasil, acentuadamente nas últimas décadas.
Universidade no Brasil 7
Não se pretende restaurar todo o debate histórico da questão universitária no Brasil. Destaca-se apenas a disputa de projetos, nas últimas décadas, com algumas de suas passagens mais marcantes.
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A implantação da universidade no Brasil chegou atrasada, em relação a outros países da América Latina, como o Peru, onde foi criada no século XVI. No Brasil, isto só veio a ocorrer no início do século XX, nas décadas de 1920 e 1930, com a criação da Universidade de São Paulo, da Universidade do Distrito Federal e da Universidade de Manaus, dentre outras, embora já houvesse faculdades isoladas, desde o século anterior. Todo o esforço de criação da universidade no Brasil estava permeado pelo receituário dominante daquelas universidades já estabelecidas, especialmente das europeias, estando, portando, muito longe do atendimento das demandas do povo. No campo da educação, até hoje há certa dúvida teórica e prática sobre a existência ou não de um sistema brasileiro de educação. Apesar de se falar em um sistema, existe dificuldade de relacionamento e cooperação entre escolas da União, dos Estados e dos Municípios, mesmo estando estabelecido constitucionalmente o papel de cada um desses entes. Com maior evidência, é a partir da década de 1960, com a implantação da ditadura militar no país, que se radicaliza a disputa das ideias e dos projetos políticos de universidade. Afinal, a quem e a que se destina a universidade? A visão de que é um projeto político, sempre em disputa, firmou-se com mais intensidade, nas últimas décadas. O debate intensificou-se a partir, sobretudo, da formulação de projetos educacionais diferenciados no governo Sarney, tais como: a criação do Grupo de Estudos e Reestruturação do Ensino Superior (GERES), a divulgação do projeto de universidade pelo movimento docente nacional, através de seu sindicato (ANDES)8 e o projeto articulado pelo movimento dos servidores federais, através da Federação das Associações de Servidores das Universidades Brasileiras (FASUBRA). Na década de 1980, com a criação da propalada Comissão de Alto Nível, instituída pelo Ministério da Educação, o projeto de universidade passou a ter como ideário marcante a sua racionalização. Essa visão de universidade já estivera presente em projetos anteriores, como, por exemplo no acordo MEC-USAID (o acordo da discórdia, que motivou fortes reações estudantis) e no Relatório Meira Mattos. Essas opiniões também apareceriam no Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), criado naquela década. As aspirações de universidade no Brasil nortearam-se pelas diferenciadas concepções apresentadas anteriormente. Há universidades com visões idealizadas com horizonte espiritualista e outras com horizonte de fortalecimento do poder. Existem instituições que enfatizam mais o ensino, sobretudo aquelas de caráter privado, e outras que dão destaque, em maior ou menor intensidade, à pesquisa. Existem institutos que desenvolvem pesquisa apenas em determinados ramos do conhecimento, como física e matemática. Instituições há que, além de promoverem o ensino, esforçam-se na realização da produção do conhecimento pela pesquisa, desenvolvendo projetos sociais no campo da extensão universitária. Esta chegou ao Brasil junto à concepção estadunidense de vendas de tecnologias, particularmente de tecnologia rural, como forma de atender ao mercado. Nessa época, uma visão permeava toda a concepção da universidade no Brasil: a pretensão pelo desenvolvimento, pelo progresso, sempre com base na situação econômica, sociocultural e política do país. Cabia ao governo a decisão de se inserir nas poucas brechas de desenvolvimento deixadas pela dependência econômica dos países dominadores. Diante dessa situação, restava à universidade afirmar-se como fator de desenvolvimento. Nesse cenário, surgiu o acordo MEC-USAID, cujo relatório destacou, entre as suas conclusões, o fato de que a universidade era inadequada para atender ao crescimento econômico brasileiro. Tavares (1980: 24) assinala o seguinte trecho do citado relatório: “... se conseguirmos ajudar essas universidades, teríamos mais segurança de que o Brasil seria uma sociedade livre e um amigo leal dos Estados Unidos”. Salientando a edição pela ditadura militar do Decreto no. 477, para conter a insatisfação estudantil, Romanelli (1987: 226) afirma: “As medidas de contenção do protesto se revelavam, assim, a única via capaz de impor a ordem e, ao mesmo tempo, as reformas. Essas medidas definem os aspectos assumidos pela reforma geral do ensino”. Em síntese, o acordo MEC-USAID mostrava a concepção de universidade, naquele contexto, como instituição formadora de quadros para o Estado, implantada autoritariamente. 8
A proposta do ANDES – Sindicato Nacional, presente no Caderno ANDES n. 2, foi publicada em julho de 1986, com o seguinte título: Proposta das Associações de Docentes e da ANDES para a Universidade brasileira, reeditado em julho de 1996.
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Em contrapartida, nos objetivos do projeto de universidade proposto pelo movimento docente nacional, estavam presentes valores das distintas concepções de universidade. Semeavam-se assim as primeiras ideias de uma universidade idealista, instituída como centro de educação, como núcleo de progresso e como comitê de pesquisadores. As concepções de universidade na perspectiva de fortalecimento do poder tornaram-se mais concretas quando algumas delas, no Brasil, passaram a formar quadros para os governos estaduais e para o governo central. Do projeto do GERES, a pesquisadora Miriam Limoeiro (1989) passa a cobrar o procedimento de elaboração desse documento e analisa a sua proposta de avaliação, estando submetida à ótica do binômio autonomia-avaliação, sendo esta a sua questão central. Por sua vez, Tavares (1998: 56) destaca a concepção de universidade contida naquele relatório que contemplava dois tipos de instituição: a) a universidade do ensino em que a pesquisa científica não era uma atividade-fim, sendo substituída pelo uso do método científico incorporado à prática didática do cotidiano; b) a universidade do conhecimento, considerada modernizante, baseada no desempenho acadêmico e científico, protegida das flutuações de interesses imediatos. Ao lado de suas críticas ao modelo de universidade do governo, as entidades divulgavam projetos alternativos, os quais, como um conjunto de propostas, eram discutidos nos vários encontros promovidos por esses movimentos. Nesses projetos, foram expostas para o debate nacional questões como: o ensino público e gratuito; o padrão unitário de qualidade; a autonomia da gestão financeira e a função social da universidade voltada às “maiorias da sociedade”. O movimento dos servidores públicos federais formulou outro projeto, por intermédio de sua entidade, a FASUBRA, intitulado “Universidade dos Trabalhadores”, passando depois a denominar-se “Universidade Cidadã para os Trabalhadores”. O projeto da FASUBRA estava fundamentado em cinco pontos básicos: a) a defesa do ensino público e gratuito, entendendo-se que a universalização do ensino só se seria possível a partir da extensão da rede pública com a garantia da gratuidade; b) a autonomia e democratização como elementos imprescindíveis para a definição de seus planos administrativo, financeiro, didáticopedagógico, técnico-científico e político (autonomia e democratização só serão asseguradas se estiverem vinculadas entre si); c) o controle pela comunidade universitária, que se vincula aos seus movimentos políticos internos, com capacidade de intervir na gestão da universidade; d) a defesa do padrão único de qualidade, sendo assegurada a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; e) o compromisso social, considerando que “a universidade tem por objetivo, através do ensino, pesquisa e extensão, contribuir para romper as desigualdades sociais e superar a alienação individual e coletiva” (SINTESPB, 1995: 16). O projeto de universidade do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES) estava fundamentado nos itens: a) manutenção e ampliação do ensino público e gratuito; b) autonomia e funcionamento democrático da universidade, com base em colegiados e cargos de direção eletivos; c) estabelecimento de um padrão de qualidade para o ensino superior, estimulando a pesquisa e a formação intelectual; d) dotação de recursos públicos orçamentários suficientes para o ensino e a pesquisa nas universidades públicas; e) criação de condições para a adequação da universidade à realidade brasileira; f) garantia de direito à liberdade de pensamento nas contratações e nomeações para a universidade, bem como no exercício das funções e atividades acadêmicas (Cadernos ANDES, 1996). O debate contínuo desses projetos teve como um de seus méritos alertar para o processo de privatização das universidades públicas brasileiras. Os movimentos sociais viam uma progressiva aceleração do empresariamento do ensino superior, algo que veio a se confirmar na década seguinte, sob a tutela do governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo continuidade no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Aspectos importantes emergiram das análises desses projetos realizadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE), destacando-se o Projeto Alfabetação (UNE, 1990) e apontando-se a necessidade de um projeto de universidade nacional que possibilitasse a unificação dessas lutas. Vislumbra-se, nessas formulações, a possibilidade de um caminho próprio para a universidade, sugerido em ambos os projetos. O projeto da FASUBRA destacava que a universidade precisaria contribuir para a superação das desigualdades no país, eliminando a alienação do povo. No projeto do ANDES, enfatizava-se a necessidade de a universidade definir-se como uma instituição de interesse público, adequando-se à realidade brasileira.
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Aparentemente, essas propostas não oferecem concepção muito distintas das existentes na tradição do ideário acadêmico. Ademais, as questões que se manifestavam como inovadoras nesses projetos geralmente não se mostravam com possibilidade de execução. Nesse sentido, fundamenta-se a crítica de Fávero (1992), alertando que não basta formular reivindicações de que, por exemplo, o ensino deva ser público e gratuito, se não existirem encaminhamentos para a obtenção da verba pública para a sua efetivação. Para a autora, a força das reivindicações, e mesmo das concepções, situa-se nos limites de suas possibilidades de efetivação. Outras críticas são feitas por pensadores do país9, manifestando que a universidade, em seu modelo, está cumprindo o seu papel. Porém, não se nega que ela se mantém voltada aos setores da burguesia nacional e não à classe dos trabalhadores. Portanto, não contempla nem o ensino nem a pesquisa, de acordo com a realidade do país e, muito menos, as necessidades das maiorias da população. Isto faz com que a universidade no Brasil caminhe com suas crises, resumidas por Oliveira (1999), como: a) crise de hegemonia, quando perde espaços no ensino, na pesquisa e na prestação de serviços para outras instituições; b) crise de legitimidade, ao não cumprir os seus objetivos, pondo sua credibilidade em questão; c) crise institucional, quando não consegue angariar os recursos necessários do Estado. Esta é uma situação que se manteve no governo Lula e perdura no atual. Em, consequência, as universidades aumentam as matrículas com a oferta de novos cursos, acompanhados da compra de vagas no setor privado. Normalmente, esses novos cursos expõem limitações físicas, comprometendo seu adequado funcionamento. Mendonça (2000), Sousa (2000), Bernheim (2001), Jezine (2006), Vasconcelos (2006), Pinheiro (2011) e Cananéa (2011), para citar apenas alguns, ao discutirem a questão, enfatizam a necessidade de que a universidade esteja comprometida socialmente pelo exercício da extensão. Para os citados autores, deve ser restabelecida a sua função social, aplicando-se elementos novos nesse debate. Essa ideia, alicerçada em experiências e vivências por todo o país, pode ajudar na abertura dos caminhos, de modo que a universidade contribua para a superação da alienação com a emancipação do povo. As ideias que estão surgindo passam pela possibilidade da organização da extensão universitária, de forma que a instituição assuma sua dimensão social, associando-se à realidade e às raízes do país10.
Extensão universitária A extensão universitária apareceu no conjunto dos debates sobre as universidades populares na Europa. Na Inglaterra, teve grande expansão a partir da promoção de cursos “livres” para a população, com o objetivo de disseminar os conhecimentos técnicos. Posteriormente, foi implantada nas universidades dos Estados Unidos, localizadas mais na área rural, com o específico objetivo de vender tecnologia agrícola. Por isso, foi caracterizada como uma atividade que adotava uma visão cooperativa ou rural. Outras possibilidades desenvolvidas como simples transmissora de conhecimento foram consideradas de extensão universitária. Essas visões estiveram marcadas pelo desejo de ilustrar as comunidades. Para Tavares (1996: 27), a extensão universitária continuou voltada a preparar técnicos e, “por outro lado, dispensar o mínimo de atenção às pressões das camadas populares, ainda que cada vez mais expressivas e mais reivindicativas”. A atividade de extensão se consolidou com a oferta de cursos para as pessoas que não podiam frequentar uma instituição universitária e que desejavam obter algum grau de instrução. Na América Latina, essa prática esteve vinculada diretamente aos movimentos sociais. Merece atenção, nesse percurso histórico, o Movimento de Córdoba, de 1918, em que os estudantes argentinos, pela primeira vez, enfatizaram a relação entre universidade e sociedade. Como conseqüência, a atividade de extensão na Universidade de Córdoba procurou fortalecer a função social da universidade, enfatizando 9
Podem ser citados Azis Ab`Saber, Florestan Fernandes, Álvaro Vieira Pinto e outros que, atualmente, constroem o Movimento Docente. 10 Ver a revista Temas em Educação. Nos. 8/9, do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFPB, 1999. Dois ensaios: 1) Em busca de modelos e medidas para a avaliação popular (Luiz Dias Rodrigues). 2) Universidade no Brasil : o embate de projetos (José Francisco de Melo Neto). Ver também, Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil.
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a preocupação com os problemas nacionais, propondo a união da América Latina em torno das lutas contra as ditaduras e o imperialismo estadunidense. Esse movimento se fez presente no Brasil, no meio estudantil, a partir de 1938, com a criação da União Nacional dos Estudantes. Essa vinculação com as questões políticas gerais era alimentada por influências da extensão que já vinha sendo praticada pelas universidades populares criadas no país. A mais importante delas foi a Universidade Popular de São Paulo, marcada em seus cursos pela vinculação com a filosofia positivista, a partir da divulgação da cultura das elites, conforme lembra Rocha (1989). O ideário de extensão universitária foi fortalecido com a difusão cultural originária desde o Congresso Universitário, realizado em 1908, na cidade do México. Os aspectos políticos desse Congresso foram absorvidos pelo movimento dos estudantes da América Latina, particularmente no Brasil. Como resultado, defendeu-se uma extensão pautada pela transmissão de saberes e métodos de ensino e pesquisa, buscando sempre a liberdade de pensamento. Entendia-se que, pela difusão cultural, poderse-ia integrar a universidade à vida social da população. Durante o Congresso realizado na Bahia, em 1961, a UNE priorizou a discussão sobre reforma universitária e manifestou o desejo de que a universidade fosse aberta ao povo, tanto por meio de serviços como pela promoção de cursos a serem oferecidos pelas instituições universitárias. Com base nessa compreensão, definiu-se o papel da extensão como “trincheira de defesa das reivindicações populares através da atuação política da classe universitária na defesa de reivindicações operárias, participando da gestão junto aos poderes públicos e possibilitando cobertura aos movimentos de massa” (UNE, 1961: 56). A concretização desse propósito ocorreu com a criação dos Centros Populares de Cultura (CPCs) da UNE, cujas ações eram pautadas nessas perspectivas: abrir a universidade ao povo e, por outro lado, levar os estudantes à realidade. Na execução dessa proposta, tem-se o seguinte impasse: Como se realizaria este papel, examinando que, sendo a universidade órgão de Estado, também assumiria o encargo de gestora e defesa das reivindicações operárias? Nas décadas de 1970 e 1980, a universidade no Brasil, sob o controle da ditadura militar, recomendou novas tarefas a serem desenvolvidas pela extensão, mesmo acompanhando o discurso dos estudantes daquele Congresso da Bahia. Para a execução dessas novas tarefas, buscou-se a inserção social dos estudantes. Para que tivessem contatos com a realidade, instituíram-se os programas denominados de Projeto Rondon e Operação Mauá. Dentro do ideário do regime militar, o projeto Rondon conduziu estudantes a todas as partes do país. Com menor intensidade, a Operação Mauá esteve mais direcionada aos estudantes da área tecnológica. Além disso, foi criado o Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária – CRUTAC, como uma modalidade de estágio para os estudantes que participassem desses programas de governo. Apesar de adotarem um discurso semelhante àquele proclamado pelos estudantes no Congresso da Bahia, os militares mudaram a metodologia de efetuação, invertendo os polos ideológicos da extensão, suprimindo a sua dimensão organizativa das classes trabalhadoras e a sua capacidade de mudanças. Em consequência, a extensão ficou aprisionada aos ideários de progresso e desenvolvimento, cumprindo as iniciativas governamentais por meio desses vários programas. Para Cordeiro (1986: 51), de uma maneira geral, as iniciativas no campo da extensão universitária têm se curvado à influência cultural dominante do autoritarismo e do elitismo, esclarecendo: “Esses processos podem se constituir em um só, e a extensão, enquanto momento de vivência comunitária, poderá ser um eixo importante para as mudanças que se quer promover”. Mas essa mudança de eixo exige outras metodologias e outros processos educativos, a partir da adoção de novas pedagogias e princípios éticos, de modo a não se traduzir apenas como expressão de um fazer técnico. Esforços para se encontrar tal eixo norteador estão, atualmente, sendo desenvolvidos em diferenciadas experiências por toda a América Latina. É a partir dessas experiências que começam a ser plantados os novos esteios para a organização universitária, no sentido de contribuir-se para a superação do afastamento entre prática e teoria, bem como do distanciamento entre as atividades manuais e intelectuais. Há, nesse sentido, um avanço conceitual definido pelo Conselho de PróReitores de Extensão das Universidades, em seu I Fórum, em 1987, em que a extensão, em princípio, aproxima-se das formulações reivindicadas. Nesse Fórum (BRASIL, MEC, 1987, 1), a extensão foi assim conceituada: Processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a sociedade.
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A extensão é uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será associado àquele conhecimento. Este fluxo que estabelece a troca de saberes sistematizado, acadêmico e popular, terá como consequência: a produção de conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira regional; a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade. Além de instrumentalizada deste processo dialético de teoria/prática, extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integradora social. A partir de uma simples leitura do texto, observa-se que o conceito de extensão adotado no citado Fórum está muito próximo daquilo que a crítica aponta sobre as concepções de universidades. De acordo com o texto transcrito, a extensão precisa articular o ensino e a pesquisa, de forma indissociável. Portanto, tem uma função viabilizadora e transformadora da relação entre universidade e sociedade, adotando uma visão de mão dupla. O propósito é que as ações extensionistas enriqueçam a universidade e a comunidade com a troca de saberes acadêmicos e populares inseridos na realidade brasileira, podendo a extensão ser compreendida como um trabalho interdisciplinar. Parece até que se está diante de uma universidade ou de uma prática alternativa à tradição universitária. Não é discutida, todavia, a metodologia nem a forma como ocorrerão esses movimentos dialéticos. O conceito explicitado não caracteriza o trabalho e a sua finalidade, nem questiona o direcionamento dos produtos das ações de extensão. Além do mais, por um viés político, propõe a manutenção da sociedade nas bases estabelecidas, procurando integrar tudo que favoreça à visão integradora da sociedade. Apesar disso, adota uma compreensão de extensão que vai além das expectativas desenvolvidas desde as suas primeiras formulações, pois coloca a dimensão do trabalho como centro dessa ação. Mesmo assim, o conceito continua permeado da compreensão funcional da sociedade. Não se discutem princípios como liberdade e emancipação, e muito menos os caminhos para se chegar à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, enfatizando, tão somente, a funcionabilidade da sociedade que precisa estar integrada. Este tem sido o papel da ação extensionista. A universidade parece manter essa postura. Extensão popular É preciso ressaltar que o papel da extensão não é apenas o de se revelar como atividade de ratificação ou de integração da sociedade, por intermédio das práticas de dominação. Há exercícios acadêmicos em desenvolvimento que pretendem assegurar outros sentidos a esse fazer acadêmico. Experiências diferenciadas vêm sendo tentadas desde o início da década de 1960, como as de Paulo Freire, no SESI de Recife. Mais recentemente, as atividades de extensão passaram a ter um caráter processual na Universidade de Brasília, à época do reitorado de Cristóvão Buarque, cuja base ainda se mantém. Projetos há que adotam práticas extensionistas semelhantes, como os desenvolvidos na Universidade de Ijuí, no Rio Grande do Sul, e o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação Popular (NEPE), na Universidade Federal do Amazonas. Merecem destaque os projetos de extensão na Universidade Federal da Paraíba, como os desenvolvidos no Setor de Estudos e Assessorias aos Movimentos Populares (SEAMPO), a prática do Estágio de Vivência, em que estudantes dos cursos da área de saúde inserem-se nas comunidades durante semanas, quando da realização de seus cursos de graduação; a Incubadora de Empreendimentos Solidários, na qual os trabalhadores se organizam para a produção solidária, projeto adotado, praticamente, em todas as universidades públicas. Grupos consolidados em atividades de pesquisa em projetos de extensão, bem como em movimentos sociais vêm dando contribuições nesse campo, firmando a pesquisa em projetos de extensão popular11. Existem outros projetos em andamento, não só em universidades onde esses grupos atuam, em geral de forma isolada, expressando outra visão de mundo, outro papel para extensão universitária. Essas 11
Ver Melo Neto, J. F. Extensão popular. João Pessoa: Editora da UFPB, 2006.
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atividades de pesquisa nos projetos de extensão apontam para outra concepção de universidade, em que se possam fomentar, na pesquisa e no ensino, elementos emancipadores, no intento de se desenvolver um pensamento crítico. No ensino, disciplinas em nível de mestrado e doutorado aceitam a participação de pessoas interessadas naquelas temáticas, em geral pessoas que vivem-nas em seu cotidiano, sem qualquer interesse de exercício acadêmico e, apenas, como momentos de atualização, expressando a parte prática de certas teorias. O projeto CERESAT12 (Centro de Referência de Saúde do Trabalhador) é uma dessas experiências em extensão, realizada no campo da saúde. O projeto está vinculado à Universidade Federal da Paraíba, através do Núcleo de Saúde do Trabalhador (NESC). Foi criado por um grupo de profissionais da universidade, com diferenciadas formações acadêmicas, composto de médicos, geógrafos, economistas, nutricionistas, fisioterapeutas, enfermeiros, psicólogos, dentre outros. Esses profissionais estavam preocupados com a necessidade de realização de um trabalho interdisciplinar, relacionando a saúde e os processos de saúde com o processo de produção. Os dados apresentados no quadro a seguir mostram a presença de novos elementos nessa experiência, que se projeta para além do panorama dominante da extensão. Os números exprimem visões de mundo, de sociedade, de Estado, bem como concepções de práticas sociais, concepção de extensão e natureza das ações extensionistas, abrindo espaço para outras práticas e concepções no campo da extensão. O quadro contempla a caracterização daquele projeto em várias dimensões como distribuição dos temas e itens, por segmento. Nessa distribuição de temas, nota-se uma ampliação de certos aspectos que permeiam as ações extensionistas, traduzindo sua concepção e caminhos para novas práticas na universidade. O quadro foi organizado a partir da definição de dez grandes temas de interesse da pesquisa, detectados em textos e em entrevistas envolvendo participantes do projeto, tendo sido eles coordenadores, executores de projetos, membros da comunidade, além de documentos do projeto, apresentando as frequências desses indicadores. CENTRO DE REFERÊNCIA DE SAÚDE DO TRABALHADOR - CERESAT DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO Temas
Itens
5
06 02 8 92 02 04 9 4
B C C% D % 09 09 02 01 9 8 89 91 01 0 03 301 9 9 6 6
22
114
667
2333
550
00
45
4 36
33
10
03 221 4 76 05 9 95
00 110 7 90 03 9 97
07 668
665
558
111 6
A%
1 - Concepção de mundo
2 - Concepção de sociedade
3 - Concepção de Estado
4 - Configuração dos interesses sociais
1.1 - Visão que privilegia o mercado 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a sociedade. 1.3 - Visão transformadora 2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção 3.1 - Estado árbitro: acima das classes/autonomia. absoluta 3.2 - Estado instrumento: instrumento manipulador. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos 4.3 - Interesses voltados à classe dominada 5.1 - Interesses voltados a indivíduos
5 - Concepção de prática social
6 - Relação universidadesociedade
12
07 06 87 04 01
A B%
D Fi 11 6336 9 1668 443 443 9 1713
F % itens 07 02 1 991 02 02 1 96
% Fgi
00
06
119
110 0
116
550
332
0 10
1 41
4
111 1155 9 3 35 425 06 119 9 9 94 423
02 226 4 72 04 4 96
331
441
555
333 556 117 2 0 1
223 1
1840 0
1799 9
%F tema 1 26
2
1 25
2
01
00 557 43 02
5.2 - Processo em consonância com as 98 classes dominadas 6.1 - Instituição do saber com vida 338 independente 6.2 - Instituição voltada ao mundo 30 empresarial
3
3
591 7
5 8
4442 9
6
74 2
0
0
7 2
Os dados apresentados sobre o projeto CERESAT, Projeto Escola Zé Peão e Projeto Praia de Campina são resultados de pesquisa realizada na década de 1990, fazendo parte das discussões no campo da Extensão, promovidas pela UFPB. Ver MELO NETO, José Francisco. Extensão universitária – uma análise crítica. João Pessoa: Editora da UFPB, 2001.
0
19
6.3 - Instituição como aparelho de conflito 62 24 9 13 16 ideológico 7.1 - Via de mão única 661 229 666 662 1167 7 – Concepção de extensão 7.2 - Via de mão dupla 06 08 00 01 117 universitária 7.3 - Trabalho social (construção de nova 3 6 3 3 hegemonia) 33 63 34 37 16 8.1 - Trabalho técnico com discurso 00 02 00 04 223 8 - Natureza do trabalho modernizador social na extensão 8.2 - Trabalho técnico com discurso de 09 06 08 09 889 neutralidade 9 9 9 8 8.3 - Trabalho técnico com discurso 91 92 92 87 1063 transformador 9.1 - Agente de interesses do mercado ( 114 664 336 555 885 9 - Papel do agente capital ) institucional 9.2 - Agente neutro da instituição 228 01 441 114 221 9.3 - Agente comprometido com as classes 5 3 2 3 dominadas 58 35 23 31 51 10 – Pedagogia da extensão 0.1 - Pedagogia tradicional 00 00 00 00 00 universitária 1 1 1 1 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora 100 100 100 100 549 A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários Documentos dos projetos Fi - Frequência de indicadores Fgi - Frequência geral dos indicadores
22 448 05 1 47 02 08 1 92
349 4
1175 9
3 5
0
1 17
1
1 2
0
5 8
0
554 113 5 333 00 5 100
157 3
549 1 D-
Na pesquisa, cada um dos itens continha um conjunto de indicadores para se chegar a esses números, a partir de entrevistas ou análises dos documentos do projeto. Os dados expressam: a respeito à concepção social desses agentes acadêmicos; sua visão da relação universidade e sociedade; o papel do agente institucional (o seu próprio papel); a concepção de extensão que defendem. Mesmo que haja pessoas com distintas visões de sociedade e de extensão universitária, indicadas com três possibilidades (tema 7), a extensão aparece como um trabalho social, e não apenas como uma atividade de mão única ou mão dupla, ideias tão arraigadas em décadas anteriores. O sentido de extensão como trabalho social, com expressivo percentual de 47% de respondentes, pretende que essa atividade universitária seja um processo educativo, cultural e científico, porém voltado à estruturação de uma hegemonia das classes trabalhadoras. O trabalho estrutura-se com a própria classe subalterna, especialmente voltado à organização dos seus diferentes setores. De acordo com esse entendimento, a universidade e a comunidade apropriam-se do projeto e de seu produto final, o conhecimento. Assim concebida, a extensão passa por processos que se realimentam desse fazer, marcados por uma relação imanente entre teoria e prática. Na abordagem do Projeto Escola Zé Peão, o quadro apresentou um percentual para o tema concepção de extensão com esses mesmos indicadores: 43% para a concepção de extensão como via de mão única, 5% para a concepção de extensão como via de mão dupla e 53% para a visão de extensão como trabalho social. Na análise do projeto Praia de Campina, esses percentuais se mostraram com os seguintes valores: extensão como via de mão única, com 60%; extensão como via de mão dupla, com 18% e extensão como trabalho social, com 21%. Esses dados inspiraram outra pesquisa mais ampla, abrangendo duas décadas (1980 e 1990), sobre as concepções de extensão, a partir de projetos ligados à UFPB, mostrando os seguintes resultados13: na década de 1980, concepção da extensão como via de mão única, com 68,92%, e na década de 1990 com 51,93%; na década de 1980, concepção da extensão como via de mão dupla, com 11,33%, e na década de 1990, com 25,95%; na década de 1980, visão da extensão como trabalho social útil, com 19,75%, e na década de 1990, com 21,97%.
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Pesquisa desenvolvida no período de maio de 1998 a setembro de 2000 pelos alunos/as Sílvio Carlos Fernandes da Silva, Karla Lucena de Souza, Izabel Marinho da Costa e Andréa Tavares A. Magalhães, como bolsistas do PIBIC/CNPQ/UFPB, sendo coordenada pelo Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto. A pesquisa analisou, além de outros aspectos das atividades extensionistas, as concepções de extensão presentes nessas atividades, na Universidade Federal da Paraíba, nas décadas de 1980 e 1990. Seguiu o mesmo itinerário metodológico dos projetos já apresentados.
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Constata-se um decréscimo percentual na presença dos indicadores apontando a visão da extensão como via de mão única nas décadas de 1980 e 1990. Em contrapartida, observa-se um crescimento do sentido de extensão como via de mão dupla como resultado da aplicação do conceito, adotado pelo Fórum, presente nos projetos dessas décadas. Realça-se também o aparecimento da perspectiva de reconceituação da extensão como um trabalho social útil, nos vários projetos e atividades. Essa última concepção sugere a seguinte questão: Que dimensões carece ter o trabalho, de modo a torná-lo um fundamento filosófico da extensão? Por sua importância filosófica, o trabalho pertence a instâncias fundamentais na vida da sociedade. Pela educação, em seu sentido mais amplo, garante-se a preservação dos conhecimentos do passado, que são transmitidos às novas gerações. Essa transmissão dá-se por um processo de acumulação de conhecimentos, essencial à qualidade de vida material e espiritual da humanidade. O trabalho institui-se, portanto, como fator de criatividade do humano. Essa dimensão natural do trabalho foi realçada por Marx (1983:149), considerando-o como uma relação do homem com a natureza: Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. A partir das análises desses projetos, a concepção de extensão como trabalho vem se estabelecendo de forma pouco expressiva, embora tenham surgido dados que apontam para esse ponto de vista conceitual. Com a ampliação das atividades extensionistas em que o humano defronta-se com a natureza, também se realiza, a partir dela própria, uma síntese do particular com o universal, possibilitando a ação social. O entendimento de extensão como trabalho social útil opõe-se à visão fragmentada do trabalhador em relação ao processo produtivo, no modo de produção capitalista, determinada pela divisão social do trabalho. Assim conduzida, a extensão pode efetivar e fomentar, entre seus participantes, a necessidade da conquista de cidadania como um processo de formação de cidadão crítico e ativo, consciente e sujeito de transformação, superando o idealismo contemplativo e interpretativo da natureza. Dessa forma, a extensão passa a ser exercida pela universidade e por membros da comunidade sobre a realidade objetiva. Trata-se de um trabalho coparticipado, que traz consigo as tensões de seus componentes em ação e da própria realidade objetiva. Nesse trabalho social, são estabelecidos os objetos de pesquisa para a realização e estruturação do conhecimento novo ou para as reformulações das verdades existentes. Esses objetos pesquisados são os constituintes da outra dimensão da universidade: o ensino. É um trabalho de imaginação do objeto para a pesquisa. Por sua vez, a extensão configura-se e se concretiza como um trabalho social útil, imbuído da intencionalidade de pôr em mútua correlação o ensino e a pesquisa, mirando mudanças. É um trabalho social, por não ser exercido como uma tarefa individual; é útil, levando em conta que esse trabalho pretende expressar algum interesse e atender a determinadas necessidades humanas. É um trabalho que tem na sua origem a intenção de fomentar o relacionamento entre ensino e pesquisa. Focaliza a realidade objetiva, de modo que seus resultados retornam aos produtores. Isso mostra a extensão exercendo e assumindo uma dimensão filosófica fundamental, na busca da superação da dicotomia entre teoria e prática, convidando para os exercícios teóricos e práticos no interior do conceito de trabalho. Sem perder de vista as metodologias adotadas nesses exercícios práticos no interior de projetos em extensão, assiste-se à necessidade de se enfatizar os princípios éticos necessários para a sua efetivação, como o respeito às outras pessoas do grupo e a importância dessas relações para a promoção do outro. De acordo com esses princípios, é preciso afastar o autoritarismo reinante nas práticas sociais, de uma forma muito geral. Mesmo compreendendo a extensão como um trabalho social útil e com a intencionalidade de mudanças, suas metodologias precisam avançar para alcançar a dimensão ética do diálogo e da promoção do outro (alteridade), ampliando as mudanças necessárias às
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relações entre participantes de projetos e membros da comunidade. Consegue-se, dessa maneira, inserir um novo elemento conceitual para a extensão universitária que adquira a feição do popular. Assim, transforma-se em extensão popular, assegurando elementos para uma concepção de Universidade Popular. Dessa forma, a universidade passará a assumir uma postura mais concreta para contribuir, pela extensão, com a formação de um novo projeto social. Universidade popular O conceito de extensão será considerado, a partir de agora, como um trabalho social útil, cuja intencionalidade adquire um duplo viés: incrementar a indissociabilidade ensino e pesquisa e anunciar mudanças que venham combater a alienação. Dessa forma, a extensão constitui-se como um traço universal de todo o movimento, em que a sociedade, ao mesmo tempo que produz o homem, é produzida por ele. Na extensão, as outras atividades da universidade (o ensino e a pesquisa) são redimensionadas nessas bases. Trata-se de um trabalho que produz conhecimento e, também, o humano como indivíduo, bem como, os demais humanos. Partindo da realidade, este trabalho supera a mera idealização de tantos objetos de pesquisa e ensino, muito comum no ambiente acadêmico. Por seu caráter coletivo, procura superar a divisão do trabalho a que as atividades universitárias, também, estão submetidas. Dessa forma, a extensão é trabalho social útil, com enfática intencionalidade de mudança. Imagina atender as necessidades da maioria da população, tornando-se elemento responsável pelo processo criador do humano. A extensão retoma o próprio papel do trabalho no processo de universalidade do indivíduo, ao resgatá-lo como sujeito do conhecimento e de sua história. A atividade da extensão não pode ser consagrada como um produto do indivíduo, pois, em sua essência, busca a universalização de seus produtos, expressando-se, portanto, como trabalho social, coletivo. Ela adquire a característica inerente ao trabalho, que consiste na inseparável ligação da atividade laboral, pura e simples, com a forma social da existência humana. Enfim, revela-se em sua dimensão política central, que é a contribuição às mudanças, pois o seu exercício contém e potencializa esse vetor. Daí a intencionalidade presente no seu conceito. Contudo, mesmo como trabalho e com as características postas, a extensão não realizará o seu intento sem a garantia de valores éticos que necessitam estar contidos na vivência do indivíduo e externados nas suas relações com o outro. O trabalho do extensionista conclama a formação desse outro humano, ao resgatar valores que pareciam estar esquecidos: o respeito ao outro e a promoção do diálogo14. A extensão adquire a dimensão do popular que, para os tempos de hoje, se manifesta com variadas percepções, conforme o quadro seguinte15.
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Ver Melo Neto, J. F. Diálogo em Educação (Platão, Habermas e Freire). João Pessoa: Editora da Universidade Federal da Paraíba, 2011. 15 Pesquisa desenvolvida no período de fevereiro de 1999 a junho do ano 2000. Foram entrevistados dirigentes de movimentos populares (Acorda Mulher, da cidade de Bayeux, Grande João Pessoa; Projeto Beira da Linha, Bayeux; Movimento Nacional de Meninos/as de Rua, João Pessoa); de organizações não-governamentais (SAMOPS, João Pessoa; SEAMPO, João Pessoa; Núcleo de Educadores Populares da Paraíba – Rede EQUIP de Educadores, João Pessoa; AGEMTE, João Pessoa); de movimentos sindicais (Sindicato dos Professores, Sindicato dos Servidores em Saúde, Sindicato de Servidores Federais); de organizações de assessoria aos movimentos sociais (PRAC/UFPB, Mulheres de Teologia do Partido dos Trabalhadores) e de dirigentes do Partido dos Trabalhadores, distribuídos em todas as regiões geográficas do Estado da Paraíba. Ver José Francisco de Melo Neto. O que é popular? In: Edna Gusmão de Góes Brennand (org a.). O labirinto da educação popular. João Pessoa: Editora da Universidade Federal da Paraíba, 2003. p. 33-57.
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CONCEPÇÕES DE POPULAR 16 (Total de 87 indicadores selecionados das concepções de popular) CAMPOS TEÓRICOS DAS CONCEPÇÕES 1. ORIGEM - Algo é popular quando tem origem no povo, nas maiorias. Alguns indicadores: algo que vem da base; vem da experiência do povo; vem da tradição do povo; vem das classes desprivilegiadas; vem das maiorias. 2. METODOLOGIA - Algo é popular quando traz consigo um procedimento que incentive a participação do outro; um procedimento de animação do outro, ou seja, um meio de veiculação e promoção da cidadania. Alguns indicadores: algo direcionado ao povo humilde; algo que amplie canais de participação; que exercite a participação ativa; algo que ajude o outro a contribuir para tomadas de decisão, ouvindo e implementando decisões; promovendo novas formas de intervenção das massas. 3. POSICIONAMENTO POLÍTICO E FILOSÓFICO – algo é popular quando expressa um posicionamento político e filosófico diante do mundo, trazendo consigo a dimensão propositivo-ativa voltada aos interesses das maiorias; um posicionamento para mudanças das situações alienantes em que se vive. Alguns indicadores: algo que ajuda o outro a assumir as lutas do povo e de si mesmo; algo que atende interesses da população; que resgata a visão de um mundo em mudanças; que propõe melhoria de vida do povo; que traz a perspectiva do povo. 4. OUTROS ASPECTOS: Foram apontadas outras concepções expressando que ser popular passa pelo campo institucional. Algo que tem origem no âmbito institucional, como sindicatos, associações ambientalistas, etc. Outros entendem que ser popular é uma questão de consciência. Alguns indicadores: algo que vem de associações (comunidades de Base, movimentos dos Sem-Terra, sindicatos, sendo uma questão de consciência.
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QUANTITATIVO DAS CONCEPÇÕES 20,68% das compreensões externadas em todo o material coletado apontam para a visão de que algo é popular quando tem essas origens.
51,73% das compreensões externadas nas entrevistas apontam para a visão de que algo é popular quando expressa mecanismo para contribuir para o exercício da participação. Popular como sinônimo da própria prática.
21,84% das compreensões externadas nas entrevistas apontam para a visão de que ser popular é posicionar-se diante do mundo, tomando um posição promotora de mudanças.
5,71 % das compreensões externadas apontam para a visão de popular como algo que deve estar na consciência de cada indivíduo.
Esta pesquisa foi realizada com vinte e oito parlamentares e dirigentes do Partido dos Trabalhadores, distribuídos em toda as regiões geográficas da Paraíba e com quinze dirigentes de movimentos sociais populares.
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Como se observa no quadro, a expressão “popular” adquire uma plasticidade conceitual, exigindo, para os dias de hoje, uma definição que, rigorosamente, passa por movimentos dialéticos intrínsecos ao próprio conceito. Esse conjunto de concepções está inserido no marco teórico da tradição e atualizado para as exigências do tempo presente. Com essa configuração, evidencia-se uma base conceitual envolvendo elementos que sempre estiveram presentes nos variados momentos históricos. Portanto, têm condições de ser aplicados à extensão universitária. Esta pesquisa mostra essa dialética presente entre os elementos constitutivos do conceito. As diferentes concepções de popular acolhem todas as suas dimensões instituídas, ao mesmo tempo em que se diferenciam de cada uma delas, mantendo-as, porém, na sua formulação conceitual. Suas dimensões fundantes são: a origem e o direcionamento das questões que se manifestam; o componente político essencial e norteador das ações; as metodologias, apontando como estão sendo encaminhadas essas ações; os aspectos éticos e utópicos que tornam-se uma exigência social. Reforçase a compreensão de que extensão, assumindo as características do popular (extensão popular), caminha como contributo à construção da Universidade Popular. Algo consegue ser popular se tem origem no trabalho do povo, das maiorias (classes), dos que vivem e viverão do trabalho. Mas a origem apenas não basta, visto que pode nascer de agentes externos, evitando-se todo tipo de populismo que porventura possa surgir. Todavia, é preciso ter conhecimento da direção em que se está apontando aquilo que se pretende popular. É preciso saber quem está sendo beneficiado com aquele tipo de ação. Algo é popular se tem origem nas postulações dos setores sociais majoritários da sociedade ou de setores comprometidos com as lutas das maiorias, exigindo-se que as medidas a serem tomadas beneficiem essas maiorias. Após serem fixados a direção e os interesses envolvidos, entra em cena uma segunda dimensão conceitual, que é a política. Ser popular é ter clareza de que há um papel político nessa compreensão. Essa importância política cresce, estando voltada à defesa dos interesses dessas classes majoritárias. Em um segundo momento, essas ações políticas são reativas às políticas que são impostas a essas maiorias. Reativas no sentido de experimentar alternativas ou estratégias que conduzam às iniciativas para um plano político geral de sociedade; ou ainda enquanto geradoras de ação própria e original, retirada da prática do dia-a-dia, ou quando são capazes de compor um novo tecido social com outros valores e objetivos. Ser popular significa relacionar as lutas políticas com a construção da hegemonia da classe trabalhadora (maiorias), mantendo de forma permanente o seu constituinte, que é a contestação. Esse instrumento de luta se externa por meio da resistência às políticas de opressão, adicionadas com políticas de afirmação social. Uma ação é popular e, também a extensão é popular, quando forem capazes de contribuir para a construção da direção política dos setores sociais que estão à margem do fazer político. Esse fazer político tem oportunidade de se instalar de várias maneiras ou através de diferenciadas metodologias. A metodologia que confirma algo como popular desenvolve-se no sentido de promover o diálogo entre os partícipes das ações, precisando, sobretudo, ser contributiva ao processo de se exercer a cidadania crítica. Essa cidadania requer um exercício do pensamento, na análise das questões surgentes com as suas dimensões positivas e negativas contidas em qualquer ente objeto de análise. Mas a cidadania não se resume à teoria; é preciso que o indivíduo se prepare para a ação. Portanto, as metodologias precisam contribuir no sentido de exercitar o cidadão para a crítica e para a ação. Mas qual a direção dessa ação? Ela aponta no sentido de afirmação da própria identidade como indivíduo, como grupo ou como classe social. Pretende promover as mudanças necessárias para a edificação de outra sociedade, mesmo que arriscando a ordem, assegurando direitos à justiça e que ela seja igual para todos. Na extensão popular, essas possíveis metodologias reger-se-ão por princípios éticos oriundos das exigências do trabalho. Nesse contexto, reafirmam-se como fundamentais os princípios éticos do diálogo e da promoção do outro, abrindo as condições para a promoção do pluralismo de ideias. Sem esse pluralismo, não há como se instalarem condições para a promoção de outros valores éticos, como a solidariedade, a tolerância e a promoção do bem coletivo, evitando o risco de cair no relativismo ético. Esse conceito pode ser exercitado na extensão popular, arrastando para si definições envolvendo as utopias tão necessárias para os dias atuais. Ser popular ou participar de atividades pela extensão popular é experimentar alternativas. É realizar o possível, mas que, ao se realizar, abre,
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contraditoriamente, novas possibilidades de utopias, cuja negação trará os elementos já realizados e as tentativas de novas realizações. Isto só ocorre, contudo, quando da sua efetivação, caminhando para aquilo que se faz necessário. Trata-se de ações em extensão para promover a utopia da democracia como valor permanente, a ser vivido sem qualquer entrave. Precisamente, nos espaços tanto da realização dessas ações como no da não-realização, estão as suas contradições e suas dificuldades maiores. A Universidade Popular, assumindo essas características, será vivida e prosperará com esse tipo de postura popular. Trata-se de novas características, pois o elemento dominante no trabalho acadêmico é o estímulo ao individualismo, o afastamento nas relações entre docente e aluno, a incessante pretensão de promoções decorrentes das exigências de carreira, além da disputa insana por financiamentos públicos para projetos de pesquisa e outros. A Universidade Popular apropria-se dos esforços para tornar os conhecimentos acessíveis à população, pois o conhecimento só tem sentido como um bem social e coletivo. As pesquisas e seus produtos podem ser coletivizados, mesmo que haja lideranças nessas pesquisas e nas atividades de ensino. Esse esforço de se adjetivar a universidade de popular está na necessidade de que a pesquisa adquira a dimensão da emancipação, revelando-se como uma pesquisa também popular, em seu conteúdo e nas relações com os seus atores. Por sua vez, o ensino com esse foco assume o desempenho pela crítica, em que as possibilidades de positividade e negatividade estão sempre presentes nas análises e encaminhando as suas determinações coletivas. A extensão popular conquistará o seu papel de recepcionadora das demandas oriundas dessas maiorias da população, tornando-se útil, também, na ajuda ao ensino e à pesquisa. A Universidade Popular, nesse novo contexto, assume a responsabilidade de realização dessa síntese dialética, produto da concretude do ensino e da pesquisa pela extensão. A Universidade Popular irá incrementar a socialização do conhecimento pelo ensino, também. O conhecimento referenciado socialmente será produzido tanto nas pesquisas básicas como nas pesquisas de ponta. Estas serão incentivadas pelas técnicas do método científico, do método fenomenológico e do método dialético, em suas variadas expressões. A produção do conhecimento na Universidade Popular é um campo aberto para as diferenciadas metodologias e técnicas de pesquisa. O ensino se norteará pelas práticas educativas populares, pois a educação popular precisa ser dominante também no campo da institucionalidade. A Universidade Popular não significa a destruição da universidade tradicional, mas o avanço em suas bases teóricas, políticas e filosóficas. A Universidade Popular é a expressão da síntese dialética das formulações, exercícios e ideias presentes na instituição universitária. Ela não será produto de espíritos iluminados como na Idade Média, nem se destacará como um centro de educação, mesmo que almeje o saber. Também não será só uma comunidade de pesquisadores, mesmo que seja um espaço de se produzir conhecimento, com lugar reservado ao pesquisador. Não terá compromisso com o progresso social, se este estiver limitado a atender apenas a grupos isolados dominantes. Não será, por outro lado, a universidade exclusivamente de promoção do poder, como modelo intelectualizado, nem uma máquina produtora de qualquer tipo de sociedade, pois essa opção é social e não institucional, mesmo que estejam sendo formados profissionais para a construção de um outro tipo de sociedade. A Universidade Popular será uma instituição sem “sustos” com o novo século. Funda-se como uma aventura humana, conforme expressão de Cristóvão Buarque (1994), presente na odisseia da humanidade em sua existência. Assume expectativas do movimento docente nacional. Será uma universidade pública, gratuita, de qualidade socialmente referenciada. Será autônoma para poder desenvolver as mais diferenciadas pesquisas, democrática em suas relações internas e nas escolhas de dirigentes; será laica para garantir de que as diferentes religiões possam, inclusive, estar representadas nesse mundo escolar, desde que não queiram impor os seus credos religiosos. Será uma universidade crítica para garantir que o conhecimento não se torne mera repetição daquilo que se estabeleceu. Por tudo isso, será uma universidade popular por ser capaz de contribuir, com princípios éticos, para o desenvolvimento humano em bases tidas como populares. Cabe, então, a pergunta: como poderia acontecer a Universidade Popular? As mais diferenciadas experiências estão em curso. Em escala ampliada, é possível delinear-se uma limitada sugestão. Apontar-se-ia a extensão popular como um caminho primeiro. Assim, os alunos e alunas iniciariam os seus estudos, no primeiro semestre, inseridos nas diferenciadas comunidades para detecção de seus problemas básicos, com o apoio de professores e com base na metodologia da
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pesquisa-ação. Também, adotar-se-iam outros tipos de levantamento em bases de dados nas instituições existentes nos Estados. Esses dados serviriam de referência para as discussões pela comunidade, juntamente com as equipes responsáveis pela sua sistematização. Este seria um trabalho para todos os alunos/as de qualquer curso superior. No primeiro semestre, a instituição inteira estaria envolvida com esse levantamento social. Os resultados desse primeiro semestre seriam indicados como fios condutores para todos os cursos da instituição, até o último período de formação. Nas disciplinas, poderiam estar presentes inclusive pessoas com interesse naquele conteúdo de conhecimento, sem necesariamente estarem vinculados à universidade, contribuindo com suas próprias vivencias aos jovens estudantes. Seriam as fontes inspiradoras para a organização curricular em cursos das áreas tecnológicas, da saúde, educação, artes e demais cursos da área humanística. A base inicial seria sempre o mundo real da sociedade em que a instituição está inserida. Esse trabalho inicial estaria acompanhado pela metodologia da educação popular, como um fenômeno humano de produção e apropriação dos produtos culturais. Educação popular expressa por um sistema aberto de ensino e aprendizagem, constituído de uma teoria de conhecimento referenciada na realidade, com metodologias (pedagogia) incentivadoras à participação e ao empoderamento das pessoas e dos grupos, com conteúdos e técnicas de avaliação processual, permeada de uma política estimuladora de transformações sociais e orientada para a liberdade, a justiça e a igualdade. Considerações Apesar de toda essa configuração, continuam presentes os desafios do ensino das ciências e da produção do conhecimento. A Universidade Popular tem por objetivo a socialização e a aplicação do conhecimento adquirido pela humanidade. Passa a ser herdeira desse conhecimento com o compromisso de repassá-lo a todos os povos, em especial àqueles com maiores dificuldades econômicas, geradas, em sua maioria, pela exploração do sistema do capital em que estão envoltos. A Universidade Popular cuidará da preparação de profissionais para o mundo do trabalho, empenhandose em atender as necessidades de cada nação. Dedicar-se-á à educação do indivíduo, estimulando o aprendizado ético da solidariedade entre os povos. A Universidade Popular será instrumento de mudanças, na medida em que intentará reverter a realidade em que esteja instalada. A superação mais radical pretendida é o aproveitamento das contribuições daqueles que colaboraram para a humanidade, de alguma maneira, nos limites e potencialidades de cada conjuntura. Nessa ação desafiadora buscará a condição de possibilidade de que a todos os setores da sociedade sejam asseguradas suas expressões, mantendo-se, contudo, o olhar voltado àquelas necessidades das maiorias da população. A Universidade Popular assegura que não se fecharão caminhos para as potencialidades individuais e de grupos, sem haver garantias de novas aberturas e possibilidades. Por fim, os fazedores da Universidade Popular estão cientes das dificuldades de se caminhar nessa direção. Portanto, é preciso haver mais discussões quanto a outros valores éticos fundantes sobre o processo educativo popular e o seu estabelecimento. Todas as temáticas desse campo permanecerão em aberto, como o currículo com as características populares, o sistema de avaliação, o financiamento público, as mudanças nas relações humanas, a institucionalidade e a efetivação de um conhecimento crítico e emancipador. Sabe-se que para se alcançar tudo isso é muito difícil, mas não se está iniciando agora. Também, não cabe a sua valorização como agente impeditivo da intransigente e radical busca por novas concretizações de sonhos de felicidade.
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CAPÍTULO 2 - PESQUISAS REALIZADAS NA PERSPECTIVA DA UNIVERSIDADE POPULAR.
2.1. NO CAMPO DA FILOSOFIA E DA MATEMÁTICA:
2.1.1 O CONCEITO DE TRABALHO EM MARX17. José Francisco de Melo Neto
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO 2. O TRABALHO EM MARX 2.1. O trabalho alienado 2.2. A divisão do trabalho 2.3. O processo de trabalho 3. CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Monografia de graduação do curso de Filosofia, da Universidade Federal da Paraíba, 1997.
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1 - APRESENTAÇÃO O presente estudo objetivou a apresentação do conceito da categoria teórica trabalho em Marx. Para a sua realização foram visitadas três obras do autor: Os Manuscritos Econômicos e Filosóficos; A Ideologia Alemã e O Capital, particularmente o. livro I, Volume I, no seu V capítulo. Neste estudo buscou-se identificar a evolução do conceito em Marx, contida inicialmente nos Manuscritos. No livro, A Ideologia Alemã, caracterizou-se a divisão do trabalho e, de forma mais elaborada, em O Capital, o processo de trabalho. Entendeu-se que foi apresentado, de forma lógica e abalizada, o conceito dessa categoria, através da leitura do próprio Marx, tendo nele o ponto de partida do estudo. Este trabalho pretendeu, tão somente, realizar um retorno à formulação de Marx no tocante a uma temática importante teoricamente, tão presente, muito discutida e bastante complexa, vislumbrando, ainda, a possibilidade de contribuir para outras e melhores análises sobre a realidade do mundo do trabalho, para os dias de hoje.
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2. O TRABALHO EM MARX 2.1. O trabalho alienado A discussão sobre a categoria teórica trabalho não é uma novidade para a filosofia nem para a teoria econômica, não tendo sido criação do século XIX, posto que fora apresentada em séculos anteriores. É a partir da concepção de trabalho contida nas obras dos economistas políticos, considerados clássicos, como Ricardo e Smith, bem como nas formulações idealistas dos filósofos alemães, destacando Hegel, que Marx começa a desenvolver sua crítica sobre a formulação teórica desses pensadores de uma forma mais ampla, em particular, sobre o conceito de trabalho. Marx inicia seus manuscritos econômicos e filosóficos aceitando os conceitos utilizados pela economia clássica, tais como: a propriedade privada, os salários, os lucros e arrendamento, a competição, o conceito de valor de trabalho, a separação do trabalho, capital e terra, como também a divisão do trabalho. É sobre essa base empírica, portanto, que constrói a sua crítica. A base empírica conduz o autor (l979: 89) à seguinte constatação: O trabalhador, na perspectiva da economia clássica e sobretudo nas bases do modo de produção estabelecido, o capitalismo, “afunda até um nível de mercadoria, e uma mercadoria das mais deploráveis; que a miséria do trabalhador aumenta com o poder e o volume de sua produção”. Marx destaca ainda que a competição estabelecida no capitalismo gera o acúmulo de capital em poucas mãos restaurando, dessa forma, o monopólio. Enfim, essa dualidade existente entre capitalista e proprietário de terra, em relação ao trabalhador agrícola e operário, “tem de desaparecer”. Nos Manuscritos, o fato econômico considerado é que o trabalhador está ficando mais pobre. Sua pobreza relaciona-se com a sua produção. “O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à medida que cria mais bens. A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento do valor do mundo das coisas” (Ibid.:90). Aqui, aparece um traço das preocupações de Marx em relação às formulações da economia clássica. Enquanto a economia clássica preocupa-se, apenas, com o trabalho na dimensão da produção de mera mercadoria, ou como atividade externa ao homem e gerador de riqueza, toma corpo o mundo humano ou a dimensão humana do trabalho, que surge como um elemento novo, com uma dimensão filosófica fundamental, a ser inserida na sua formulação teórica. Nos clássicos havia uma compreensão do trabalho desprovida dessa dimensão humana, da essência do homem. O trabalho, portanto, “não cria apenas bens; ele também produz a si mesmo e o trabalhador como uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção em que produz bens” (Ibid.: 90). Em Marx, resgata-se o caráter humano do trabalho. É o trabalho como atividade racional humana na produção tanto de bens materiais como de bens espirituais. Assim, Marx inicia a formulação do conceito de trabalho alienado e conseqüentemente de alienação. O objeto produzido pelo trabalho, o seu produto, passa a não mais pertencer ao produtor. Passa a se lhe opor como um “ser alienado”, tornando-se uma força independente do próprio produtor. Ele mostra então que o produto do trabalho “é trabalho incorporado em um objeto e convertido em coisa física; esse produto é uma objetificação do trabalho” (Ibid.: 91). O exercício do trabalho ou a sua execução dá-se, portanto, simultaneamente à sua objetificação. Tem-se então uma das críticas de Marx aos economistas clássicos onde mostra que a execução do trabalho vai aparecer como uma perversão do trabalhador. A objetificação do trabalho, dessa forma, torna-se uma perda e uma servidão em relação ao objeto “e a apropriação como alienação” (Ibid.: 91). É um mecanismo em que o trabalhador não só perde o objeto, resultado de seu trabalho, como também coisas que lhe são essenciais como seu trabalho e até mesmo sua própria vida. Para o autor: “a apropriação do objeto aparece como alienação a tal ponto que quanto mais objetos o trabalhador produz tanto menos pode possuir e tanto mais fica dominado pelo seu produto, o capital” (Ibid.: 91). Tudo isso é decorrente do fato de o trabalhador relacionar-se, agora, com o produto de seu trabalho que lhe é alienado. Continuando sua análise sobre a relação entre produtor e objeto alienado, Marx mostra que o trabalhador não pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensorial. E este é o material onde ocorre a concretização do trabalho, onde o produtor atua e por meio de tal ação se produzem as coisas. O trabalhador se converte em escravo do objeto. Em primeiro lugar, por receber: “ um objeto
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de trabalho, isto é, receber trabalho, e em segundo lugar por receber meios de subsistência. Assim, o objeto o habilita a existir primeiro como trabalhador e depois como sujeito físico” (Ibid.: 92). Essa alienação vai se expressar através da seguinte compreensão: quanto mais ele produzir, menos terá para consumir; quanto mais ele produzir, mais perderá seu valor. Ou, nas palavras de Marx: “Quanto mais inteligência revela o trabalho, tanto mais o trabalhador decai em inteligência e se torna um escravo da natureza” (Ibid.: 92). A análise desenvolve-se sobre o trabalho mas, agora, como fruto da relação entre trabalhador e produção. Essa relação é expressa pelo trabalho. Assim, a alienação passa a ser vista, ao externar-se frente ao resultado da objetificação e, também, frente ao processo de produção, dentro da própria atividade produtiva, ocorrendo no próprio ato da produtividade. Essa alienação do trabalho não é uma simples abstração, uma vez que se caracteriza de várias formas. Em sendo parte da natureza do produtor, com a objetificação, o trabalho se externa ao produtor, ao trabalhador. Passa a apresentar-se não com um sentimento de bem-estar, mas de sofrimento, tornando-se não um ato voluntário mas uma ação imposta e forçada. Ao invés de se constituir em algo gerador de satisfação de uma necessidade, o trabalho se torna apenas meio para satisfazer outras necessidades, sobretudo, porque é um trabalho que pertence a outros e não mais ao trabalhador. Tudo isto dimensionará o trabalho alienado com as seguintes características: a primeira destaca essa relação do trabalhador com o produto de seu trabalho, expressando-se como objeto que lhe é estranho e que o domina; a segunda diz respeito à relação do trabalho como ato de produção dentro do próprio trabalho, caracterizando-se, dessa forma, como uma auto-alienação. A partir daí, Marx introduz uma terceira característica do trabalho alienado, gerada das anteriores, que é a seguinte: O homem é um ente-espécie (consciente não apenas de si mesmo como um indivíduo, mas da espécie ou „essência humana‟) não apenas no sentido de que ele faz da comunidade (sua própria, assim como as de outras coisas) seu objeto, tanto prática quanto teoricamente, mas também (e isso é simplesmente outra expressão da mesma coisa) no sentido de tratar-se a si mesmo como a espécie vivente, atual, como um ser universal conseqüentemente livre (Ibid.: 95). A dimensão de universalidade, requerida por Marx para o homem, está justificada considerando-se a base física. Nessa base, a espécie humana vive da natureza inorgânica, a qual torna o homem mais universal que um animal. Há, portanto, todo um movimento teórico de demonstração dessa universalidade, expresso também na prática por duas outras dimensões, ou seja: “Como meio direto de vida, e, igualmente, como o objeto material e o instrumento de sua atividade vital” (Ibid.: 95). Assim, pode afirmar-se que a vida tanto física como mental do homem e a natureza são interdependentes. Significa dizer que a natureza é interdependente em relação a si mesma, já que o homem é parte dessa natureza. Além disso, como qualquer outra espécie na natureza, o homem é um produto dessa natureza, sendo também por ela limitado. Mas ao homem se torna possível superar os limites impostos e, assim, subordinar ao seu poder a própria natureza. Ao homem se torna possível a transformação desse conjunto denominado de “corpo inorgânico”. É isto, inclusive, que o distinguirá como espécie das demais espécies de animais. Marx encontra uma perfeita sincronia nos processos de alienação que estão ocorrendo nesse nível da natureza e da espécie, afirmando: Tal como o trabalho alienado: 1) aliena a natureza do homem e 2) aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital, assim também o aliena da espécie. Ele transforma a vida da espécie em uma forma de vida individual. Em primeiro lugar, ele aliena a vida da espécie e a vida individual, e posteriormente transforma a segunda, como uma abstração, em finalidade da primeira, também em sua forma abstrata e alienada” (Ibid.: 95). A vida produtiva é, portanto, a vida da espécie. Assim, observa-se também que é no tipo de atividade vital onde reside o caráter de uma espécie, o seu caráter como espécie. Nesse sentido, o caráter da espécie dos seres humanos se evidencia pela atividade livre e consciente. O animal, como
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se sabe, não distingue a si mesmo de sua atividade vital. Ele é sua própria atividade. No homem isso não ocorre, considerando que ele faz de sua atividade vital um objeto tanto de sua vontade como de sua consciência. Sua atividade vital é consciente. É isto que o distinguirá das atividades vitais dos demais animais e se constituirá como um ente-espécie. A esse respeito, afirma Marx: “Ou antes, é apenas um ser autoconsciente, isto é, sua própria vida é um objeto para ele, porque ele é um ente-espécie. Só por isso, a sua atividade é atividade livre. O trabalho alienado inverte a relação, pois o homem, sendo um ser autoconsciente, faz de sua atividade vital, de seu ser, unicamente um meio para sua existência” (Ibid.: 96). O homem é um ente-espécie, exatamente por seu trabalho exercido sobre o mundo objetivo. Essa produção é, em conseqüência, a sua vida ativa como espécie e, graças a ela, a natureza se apresenta como trabalho e realidade do ser humano. Marx, então, define o objetivo do trabalho: “A objetificação da vida-espécie do homem, pois ele não mais se reproduz a si mesmo apenas intelectualmente, como na consciência, mas ativamente e em sentido real, e vê seu próprio reflexo em um mundo por ele construído. Por conseguinte, enquanto o trabalho alienado afasta o objeto da produção do homem, também afasta sua vidaespécie, sua objetividade real como ente-espécie, e muda a superioridade sobre os animais em uma inferioridade, na medida em que seu corpo inorgânico, a natureza, é afastado dele” (Ibid.: 96). Dessa forma, o trabalho alienado transforma tanto a atividade livre e dirigida pelo próprio indivíduo em um meio, quanto a vida do homem, como membro da espécie, também em um meio de existência física. Em consequência, o trabalho alienado aliena o homem de seu próprio corpo, a natureza intrínseca de sua vida mental e de sua vida humana. Além disso, o homem é alienado por outros homens, significando que, enquanto cada um é alienado por outros, cada um dos outros é alienado da vida humana. Segundo Marx, “o que é verdadeiro quanto à relação do homem com seu trabalho, com o produto desse trabalho e consigo mesmo também o é quanto à sua relação com outros homens, com o trabalho deles e com os objetos desse trabalho” (Ibid.: 97). O conceito de trabalho alienado, em Marx, teve início não a partir de formulações meramente ideais, mas basicamente de um fato econômico e, portanto, possível de se expressar e de se revelar na realidade. Esse trabalho passa a pertencer a um ser estranho, que não o trabalhador. Para Marx, a esse ser estranho pertencem tanto o trabalho como o produto deste. A esse ser estranho o trabalho é devotado, a ele se destina o produto do trabalho. Esse ser estranho, em não sendo nem os deuses nem a natureza, só pode ser o próprio homem. Nesse sentido, afirma: “Toda auto-alienação do homem, de si mesmo e da natureza, aparece na relação que ele postula entre os outros homens, ele próprio e a natureza” (Ibid.: 98). O trabalho e o capital se tornam estranhos um para o outro. Relacionam-se contudo de maneira acidental e externa, mas isso se externa na realidade. Com essa separação, se capital não existe mais para o trabalhador, este deixa de existir para si e conseqüentemente a existir não mais como ser humano podendo, portanto, não ter mais trabalho ou salário e, assim, morrer à míngua. Nas palavras do autor: “O trabalhador só é trabalhador quando existe como capital para si próprio, e só existe como capital quando há capital para ele. A existência do capital é a existência dele, sua vida, visto determinar o conteúdo de sua vida independentemente dele” (Ibid.: 103). Dessa forma, a produção da atividade humana, o trabalho, se torna estranha a si mesmo, ao homem e à natureza, e também estranha tanto à consciência do homem como à possibilidade de realização da vida humana. Numa situação como essa, perde-se o significado de trabalho social como expressão genuína da vida comunal. Marx mostra a existência de um disfarce na compreensão de trabalho na economia clássica, no sentido de que, mesmo tendo o trabalho como um princípio, conduz a uma negação do homem.
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O trabalho fundamental é, então, o resgate da dimensão humana do próprio trabalho com a superação daquilo que está gerando essa negação. Isso se torna possível com a superação da propriedade privada, possibilitando-se que o processo de trabalho passe a produzir não só objetos materiais como também o próprio homem, a si mesmo e aos outros homens. É uma existência que tem o homem como sujeito, constituindo-se em ponto de partida e resultado desse movimento. Resgata-se, assim, a dimensão social do trabalho. O trabalho social vai se constituindo como expressão de um caráter social como caráter universal de todo esse movimento, em que a sociedade, ao mesmo tempo que produz o homem, também é produzida por ele. Dentro dessa visão, Marx compreende que: “A atividade e o espírito são sociais em seu conteúdo, assim como em sua origem; eles são atividade social e espírito social. A significação humana da natureza só existe para o homem social, porque só neste caso a natureza é um laço com outros homens, a base de sua existência para outros e da existência destes para ele. Só, então, a natureza é a base da própria experiência humana dele e um elemento vital da realidade humana” (Ibid.: 118). Esse movimento torna a existência natural do homem a sua própria existência humana. A natureza, por sua vez, também se torna humana para ele. A sociedade, como conseqüência, é expressão do produto da união entre a natureza e o homem, realizando um naturalismo no próprio homem e um humanismo na própria natureza. A necessidade da realização do naturalismo no homem e o humanismo na natureza será de outra forma apresentada por Marx e Engels18 19 ao analisarem as bases das questões que eram postas pela filosofia idealista alemã. Suas críticas vão mostrando de como estavam fora da realidade e promovendo a divisão do trabalho. 2.2. A divisão do trabalho Acompanhando a evolução do conceito de trabalho em Marx, pode-se destacar, em sua obra, a preocupação teórica permanente. Em sua época, ao desenvolver a crítica sobre a ideologia, especialmente sobre a ideologia alemã, mostra que os filósofos de então não colocam suas questões a partir do meio material. Uma crítica era sempre colocada em relação ao pensamento idealista alemão da época. Para Marx: “A nenhum destes filósofos ocorreu perguntar qual era a conexão entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a conexão entre a sua crítica e o seu próprio meio material” (l996: 26). Ele exige na sua formulação conceitual, não só em relação ao conceito em estudo mas a toda sua obra, que os pressupostos de análise não sejam dogmas ou arbitrariedades mas que tenham como ponto de partida sempre o meio material, fugindo de um fazer abstrato que vive preso puramente à imaginação. Pensa a partir de indivíduos reais, de sua ação, bem como de suas condições materiais de vida, tanto aquelas já existentes como as produzidas por sua ação. Nesse sentido, declara: “O primeiro ato histórico destes indivíduos, pelo qual se distinguem dos animais, não é o fato de pensar, mas o de produzir seus meios de vida” (Ibid.: 27)20. Em Os Manuscritos, Marx inicia a conceituação da categoria trabalho e destaca o trabalho alienado; já em A Ideologia Alemã aparece com maior destaque a questão da divisão do trabalho. Historicamente vai sendo mostrado como tem ocorrido a separação entre o trabalho industrial e comercial, de um lado, e o trabalho agrícola, de outro. Essa divisão gera a separação entre a cidade e o campo e, como conseqüência, os conflitos decorrentes da diferen ciação dos interesses que estão em campos opostos. O trabalho industrial, ou mesmo o trabalho comercial, também apresenta sua separação interna. Nessa linha de raciocínio, afirma o autor:
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Nas citações da Ideologia Alemã de Marx e Engels, contidas nesta monografia, aparecerá apenas o nome de Marx . 20
Ver maiores detalhes sobre a questão nas notas desenvolvidas por Engels, no Manifesto Comunista.
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“Ao mesmo tempo, através da divisão do trabalho dentro destes diferentes ramos, desenvolvem-se diferentes subdivisões entre os indivíduos que cooperam em determinados trabalhos. A posição de tais subdivisões particulares umas em relação a outras é condicionada pelo modo pelo qual se exerce o trabalho agrícola, industrial e comercial (patriarcalismo, escravidão, estamentos e classes). Estas mesmas condições mostram-se ao se desenvolver o intercâmbio entre as diferentes nações” (Ibid.: 29). Constituindo-se de várias fases do desenvolvimento, a divisão do trabalho gera diferenciadas formas de propriedades e que, segundo o autor: “cada nova fase da divisão do trabalho determina igualmente as relações dos indivíduos entre si, no que se refere ao material, ao instrumento e ao produto do trabalho” (Ibid.: 29). Assim, a primeira forma de propriedade apresentada é a propriedade tribal, uma fase da sociedade em que um povo se alimenta da caça, da pesca, da criação de gado e da agricultura. Nesta fase de desenvolvimento, a divisão do trabalho se apresenta pouco expressiva, resumindo-se “ a uma maior extensão da divisão natural no seio da família. A estrutura social limita-se, a uma extensão da família: os chefes patriarcais da tribo, abaixo deles os membros da tribo e finalmente os escravos” (Ibid.: 30). A segunda forma de propriedade é a comunal e estatal, encontrada na antiguidade, e que provém da reunião de tribos formando a cidade, gerada por contrato ou mesmo pela conquista. Destaque-se que mesmo aí ainda subsiste a escravidão. Marx observa que, ao lado desse estilo de propriedade, surge a propriedade móvel e, mais tarde, a imóvel, embora como forma estranha ao que está estabelecido como modelo, porém mantida subordinada à propriedade comunal. Este tipo de propriedade privada, ainda coletiva, vai perdendo espaço com o surgimento da propriedade privada imóvel. Com isso, a divisão do trabalho é mais desenvolvida. Estabelece-se, por outro lado, com maior radicalidade a divisão entre o campo e a cidade, em particular quanto aos seus interesses. Segundo Marx: “ encontramos no interior das próprias cidades a oposição entre o comércio marítimo e a indústria. As relações de classe entre cidadãos e escravos estão agora completamente desenvolvidas” (Ibid.: 31). O desenvolvimento da propriedade privada irá provocar, por sua vez, relações sociais (a concentração de terra, por exemplo) que estarão presentes na propriedade privada moderna, agora, com maior intensidade. A terceira forma de propriedade gerada da divisão do trabalho é a feudal ou estamental. Se na antiguidade partia-se da cidade, na Idade Média partia-se do campo. Isto resultava da existência de populações dispersas e disseminadas pelo campo e para as quais os conquistadores nada trouxeram de incremento, tendo como conseqüência essa virada de ponto de partida. Marx explica essa mudança da seguinte maneira: “Ao contrário da Grécia e de Roma, o desenvolvimento feudal inicia-se, pois em terreno muito mais extenso, preparado pelas conquistas romanas e pela expansão da agricultura e está, desde o começo, com elas relacionado. Os últimos séculos do Império Romano em declínio e as próprias conquistas dos bárbaros destruíram grande quantidade de forças produtivas; a agricultura declinara, a indústria estava em decadência pela falta de mercados, o comércio adormecera ou fora violentamente interrompido, a população, tanto a rural como a urbana, diminuíra. Essas condições preexistentes e o modo de organização da conquista por elas condicionado fizeram com que se desenvolvesse, sob a influência da organização militar germânica, a propriedade feudal” (Ibid.: 34). A comunidade (classe) agora responsável pela produção não era mais a escrava, como nos sistemas antigos, mas composta dos pequenos camponeses servos da gleba. O desenvolvimento dessa forma de propriedade aprofundará a oposição entre as cidades. Marx mostra que “ a essa estrutura feudal da posse da terra correspondia, nas cidades, a propriedade corporativa, a organização feudal dos ofícios. Aqui, a propriedade consistia, principalmente, no trabalho de cada indivíduo” (Ibid.: 34). A divisão do trabalho se apresenta na época feudal de forma diferenciada na propriedade territorial, “locus” do trabalho dos servos. Outro aspecto dessa divisão é o trabalho próprio com pequeno capital que dominaria o trabalho dos oficiais. Ambas as formas estão
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condicionadas pela limitada produção resultante do difícil cultivo da terra e também pela indústria do tipo artesanal. Se, por um lado, a divisão do trabalho na agricultura tornava-se mais difícil devido ao cultivo parcelado, gerando uma indústria doméstica de camponeses, por outro lado, na indústria, a divisão do trabalho ocorria dentro de cada ofício. A divisão do trabalho possibilitará que tanto a atividade material como a espiritual, isto é, a atividade e o pensamento (atividade sem pensamento e pensamento sem atividade) desloquem-se para indivíduos diferentes. Segundo Marx: “ a possibilidade de não entrarem esses elementos em contradição reside unicamente no fato de que a divisão do trabalho seja novamente superada” ( Ibid.: 46). Com a divisão do trabalho, todas essas contradições estão presentes e concentradas na divisão do trabalho na família e entre as várias famílias que compõem uma sociedade. Ocorre, assim, uma divisão entre as famílias que, além do mais, é desigual, quantitativa e qualitativamente, tanto em relação ao trabalho como ao seu produto. Tem-se, então, com a divisão do trabalho, a contradição entre o interesse do indivíduo ou da família e o interesse coletivo daqueles indivíduos que se relacionam entre si. A esse respeito, Marx conclui: “Desde que há cisão entre o interesse particular e o interesse comum, desde que, por conseguinte, a atividade está dividida não voluntariamente, mas de modo natural, a própria ação do homem converte-se num poder estranho e a ele oposto, que o subjuga ao invés de ser por ele dominado. Com efeito, desde o instante em que o trabalho começa a ser distribuído, cada um dispõe de uma esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe é imposta e da qual não pode sair; o homem é caçador, pescador, pastor ou crítico crítico (crítica à Bruno Bauer), e aí deve permanecer se não quiser perder seus meios de vida” (Ibid.: 47). O aprofundamento da divisão do trabalho terá como conseqüência imediata, resultante da contradição entre as cidades, o nascimento das manufaturas e a superação dos limites da produção corporativa de então. Isso foi possibilitando uma maior diversidade de relações comerciais entre as cidades e entre as nações. Estabeleceram-se, paulatinamente, as regras de todos os tipos de comércio e também os direitos alfandegários, tributos impostos pelos senhores feudais aos comerciantes que atravessavam seus territórios. Pode-se ver, ainda, no caso da família, que o indivíduo está ligado por laços da própria família ou da tribo ou mesmo do solo, mas também há as relações de troca entre as famílias, entre tribos, nações ou mesmo entre indivíduos. Na primeira situação, a troca ocorre entre a natureza e o homem, uma troca expressa pelo trabalho dos primeiros e os produtos da natureza; na segunda situação, o que ocorre é uma troca entre os próprios indivíduos. Na primeira situação não existe a separação entre a atividade corporal e a atividade espiritual, enquanto que na segunda essa divisão está, praticamente, realizada. Marx esclarece: “ No primeiro caso, a dominação do proprietário sobre os não proprietários pode descansar nas relações pessoais, numa espécie de comunidade; no segundo caso, deve ter tomado uma forma reificada em uma terceira coisa, o dinheiro” (Ibid.: 102). A divisão do trabalho arrasta consigo a divisão das condições de trabalho, das ferramentas e dos materiais e também a fragmentação do capital entre diferentes proprietários. Estabelece-se, conseqüentemente, a divisão entre trabalho e capital e as diferentes formas de propriedade. Há um processo sincronizado de divisão de trabalho e o aumento da acumulação. Emerge uma fragmentação cada vez mais aguda. Marx conclui afirmando que: “ o próprio trabalho só pode subsistir sob o pressuposto dessa fragmentação” (Ibid.: 104). 2.3. O processo de trabalho Continuando a análise da realização do trabalho como expressão de um processo, Marx detemse, não apenas, no processo de trabalho como expressão de um processo de produzir valores de uso. Não será possível a compreensão dessa categoria, sem a compreensão da dialeticidade existente nesse processo e de que forma se dá essa produção de valores de uso. Nessa perspectiva, ele sugere a identificação do trabalho com o próprio mecanismo de utilização da força de trabalho. Para ele (1982: 201), “ a utilização da força de trabalho é o próprio trabalho”. Assim é que o comprador da força do
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trabalho passa a consumi-la, enquanto que o seu vendedor apenas trabalha. Ao trabalhar, ocorre a superação daquilo que estava existindo no sujeito apenas de forma potencial. Agora esse sujeito é um trabalhador e detém a força de trabalho em ação. Ora, essa força de trabalho em ação irá transformar as coisas que passam a apresentar uma finalidade, atender a uma necessidade seja de qualquer ordem, tornando-se mercadorias. Mas essa produção de mercadoria não acontece de forma espontânea ou mesmo arbitrária. Na verdade, está sob o controle daquele que determina que seja produzida tal ou qual mercadoria - o capitalista - produzindo o trabalho um valor de uso particular ao seu artigo também específico. Assim, a realização do trabalho, agora em valor de uso, transformação de algo em mercadoria, só torna possível o seu entendimento a partir da visão de trabalho como processo, que é assim definida por Marx: “O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana” (Ibid.: 202). Essa ação sobre a natureza externa é transformadora não só em relação à natureza que lhe é externa, mas também quanto à sua própria natureza. Sugere-se um “acordar” das potencialidades da natureza, porém submetendo-a a seu próprio domínio. Essa conformação do trabalho é uma pressuposição exclusivamente humana. Não se trata do trabalho de outros animais como a abelha, ou a aranha, por exemplo, que não planejam as suas atividades. Realizam-nas, apenas, instintivamente. O humano imprime sobre a natureza o seu desejo de realização do trabalho. É capaz de realizar aquilo que anteriormente passara por sua consciência, sem contudo deixar de entender a anterioridade da realidade sobre a consciência. Ao definir o trabalho como um processo, Marx apresenta os elementos constituintes desse processo que são os seguintes: “ 1) a atividade adequada a um fim, isto é o próprio objeto; 2) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; 3) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho” (Ibid.: 202). Com esse detalhamento dos elementos constituintes do processo de trabalho, Marx vê a terra e os meios de subsistência que são apresentados ao homem como “objeto universal do trabalho do homem”. Mas, há, na natureza, coisas que são separadas do trabalho e de seu meio natural. Essas coisas constituem-se nos objetos do trabalho que são, por sua vez, fornecidos pela própria natureza. O objeto de trabalho, em sendo produzido a partir de trabalho anterior, passa a ser chamado de matéria-prima. Nesse sentido, é que nem toda matéria-prima é objeto de trabalho, assim como nem todo objeto de trabalho é matéria-prima. O objeto de trabalho pode ser considerado como matériaprima após ter sido transformado pelo trabalho. O outro elemento dessa dialeticidade do trabalho é o meio de trabalho, assim definida: “O meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas, que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto” (Ibid.: 203). Todavia, o trabalhador aproveita as propriedades físicas, químicas e mecânicas das coisas para fazê-las atuarem como forças sobre outras coisas. Portanto, aquilo de que o trabalhador se apossa, excluindo os fornecidos pela natureza, torna-se não o objeto de trabalho, mas o meio de trabalho. Ao adicionar essas outras coisas à sua própria força, estará aumentando sua própria força corporal e natural. O desenvolvimento da humanidade dá-se também no sentido de, cada vez mais, exigir meios de trabalho mais elaborados. Para Marx: “ Os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho” (Ibid.: 204). Por sua vez, são esses meios de trabalho, usados ou produzidos pelo homem, que irão caracterizar esse processo como estritamente trabalho humano. Os meios de trabalho apresentam, contudo, uma maior abrangência conceitual, considerando-os como tal todas as condições materiais, que sejam necessárias para a realização do processo de trabalho. Assim, a terra continua sendo um meio de trabalho considerado universal, já que oferece o local ao trabalhador. Mas, num sentido
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amplo, constituem-se ainda em meios de trabalho, aqueles resultantes de trabalho anterior. Nesse caso, as estradas, os edifícios, as fábricas, etc. são meios de trabalho. A atividade humana sobre a natureza, no processo de trabalho, realiza uma transformação. Essa transformação apresenta um determinado fim sobre o objeto, através do instrumental de trabalho. O processo é concluído ao realizar-se no produto. Portanto, o produto é expressão da conclusão do processo de trabalho humano sobre a natureza. Esse produto, conforme esclarece Marx, só terá sentido se atender a uma necessidade humana: “ O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou. Concretizou-se e a matéria está trabalhada. O que se manifestava em movimento, do lado do trabalhador, se revela agora qualidade fixa, na forma de ser, do lado do produto. Ele teceu e o produto é um tecido. Observando-se todo o processo do ponto de vista do resultado, do produto, evidencia-se que meio e objeto de trabalho são meios de produção e o trabalho é trabalho produtivo” (Ibid.: 205). O valor de uso se expressa do processo de trabalho como um produto. Nesse processo de produção, esse valor arrasta consigo vários produtos, assim como outros meios de produção e também outros valores de usos, se constituindo como tal em processos de trabalhos anteriores. Assim é que um valor de uso se torna meio de produção de outro. Tem-se, portanto, que produtos constatados como meio de produção são, normalmente, melhor compreendidos como um produto, sendo também condição de processo de trabalho. Os materiais utilizados no processo de trabalho passam a ser muito diferenciados, sendo alguns deles subsumidos pelo próprio processo. O meio de trabalho pode, inclusive, consumir o material acessório, presente em um processo de trabalho em que a matéria-prima é a substância principal. Essa diferença entre matéria-prima e matéria-assessória desaparece nos processos de fabricação ou em processos de transformações químicas, por exemplo. As reações tidas como irreversíveis não mais recuperam os materiais anteriores ao processo. Elas são transformadas em novo produto eliminando, portanto, as diferenciações existentes no início do processo. Reaparecem, contudo, como um novo produto. Muitas dessas matérias apresentam uma diversidade de propriedades e podem também aparecer em variados processos de trabalho, por exemplo, o carvão. Um produto assim pode aparecer útil num processo de trabalho, servindo como meio de trabalho e também como matéria-prima. Assim, uma máquina que esteja sem operacionalidade não serve para um processo de trabalho e se torna inútil. Nessa perspectiva, Marx busca eliminar esse tipo de trabalho nela colocado para tornar-se máquina e considera a importância fundamental daquilo que foi, denominando-o de trabalho vivo. Trabalho vivo que precisa “apoderar-se” das coisas e retirá-las do estado de inércia, inserindo-as valores de uso reais e efetivos. Simbolicamente, Marx assim se expressa: “ O trabalho, com sua chama, delas se apropria, como se fossem partes do seu organismo, e de acordo com a finalidade que o move lhes empresta vida para cumprirem suas funções; elas são consumidas, mas com um propósito que as torna elementos constitutivos de novos valores de uso, de novos produtos que podem servir ao consumo individual como meios de subsistência ou a novo processo de trabalho como meios de produção” (Ibid.: 208). Os produtos desse trabalho anterior, contudo, só se realizam nesse processo como valores de uso, estando em contato com o trabalho vivo. Um trabalho útil para a realização de novos produtos e novas transformações. O trabalho é um processo de consumo, visto que gasta os elementos materiais, tanto os seus objetos como os seus meios. É, entretanto, um consumo produtivo que muito se diferencia do consumo do indivíduo, o qual gasta os materiais como meio de sua sobrevivência. Já o primeiro consome os meios que possibilitam o funcionamento da força de trabalho “posta em ação pelo indivíduo”. O trabalho consome produtos para gerar outros produtos. Pode também se utilizar de
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produtos para torná-los meios de produção de novos produtos. Esse processo, cheio de elementos abstratos e simples, é assim definido: “ Atividade dirigida com o fim de criar valores de uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais” (Ibid.: 208). O processo de trabalho, nas mãos dos capitalistas, apresenta duas questões. A primeira diz respeito ao zelo do capitalista no sentido de que o trabalho se realize da maneira mais apropriada possível, com melhor aplicação dos meios de produção, ausência total de desperdício da matéria-prima e manutenção do instrumental de trabalho. A segunda é o fato de que o produto desse processo de trabalho pertence ao capitalista e não ao produtor imediato, o trabalhador. O capitalista o detém como uma compra idêntica a qualquer outra mercadoria do mercado. A força de trabalho do trabalhador, como mercadoria, é negociada nas mesmas bases de qualquer outra mercadoria, como o aluguel de outro animal que foi alugado por um determinado tempo. Ao trabalhador está reservada a luta do retorno de seu trabalho para si mesmo, expressão de um processo de resgate de sua própria existência humana.
3. CONCLUSÃO A discussão em torno do conceito de trabalho na obra de Marx traz vários aspectos constituintes da teoria do materialismo filosófico e não apenas possíveis variações interpretativas. Pode-se dizer que o resgate do trabalho como uma categoria, que se tornou chave na sua obra, estabeleceu-se com a descoberta da relação do trabalho na formação do homem e da história. Tornouse fundamental, nas formulações de Marx, a perspectiva do trabalho na perspectiva histórica. Isto possibilitou uma visão bem além do papel assumido pela atividade produtiva no atual modelo de sociedade. Marx apresenta ainda o problema da relação entre o indivíduo e sociedade, buscando a superação das formulações idealistas representadas, particularmente, por Hegel. Supera essas formulações ao mostrar a relação e não a separação entre o indivíduo e a sociedade, ou ainda, a criação de um ente autônomo como sociedade, defendidas nas análises dos pensadores idealistas. Nas obras aqui expostas, reafirma-se a unidade entre o indivíduo e a sociedade. Evitase uma fixação na sociedade como uma abstração e reafirma-se o indivíduo como um ser social. Suas manifestações de vida em comum e realizadas simultaneamente com os outros indivíduos, tanto expressam como reafirmam a vida social, possibilitada, necessariamente, pelo trabalho. Surge a criação da sociedade como fruto das relações que são colocadas em existência e condicionadas pela produção material do indivíduo. Ao postular o trabalho como o responsável por esse processo criador, Marx também demonstra o papel do trabalho no processo da universalidade do homem, ao resgatá-lo como sujeito do conhecimento e da história. Enfim, a sua essência, no sentido metafísico e absoluto antes defendido pela filosofia idealista, inexiste de fato. O trabalho, por sua vez, será externado como uma atividade que se dirige para a satisfação de uma necessidade. Esta não acontece de imediato, porquanto se realiza através de uma mediação. Ao homem cabe essa mediatização e sua regulação, controlando o intercâmbio orgânico entre si e a natureza. Através do trabalho, o homem também humaniza os próprios sentidos. Sua atividade de consciência, sua consciência formada com base nas relações sociais promovidas pelo trabalho se torna condição da natureza social do homem. Sua existência está condicionada e só tem sentido enquanto consciência social, portanto, condicionada e posta em existência pela sociedade. Marx desmitifica o trabalho como um produto de indivíduo e o qualifica como trabalho social, como uma propriedade do trabalho que consiste na inseparável ligação da atividade laboral, pura e simples, com a forma social da existência do homem.
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Finalmente, é preciso resgatar-se a dimensão do trabalho com a característica de humanização da natureza e do próprio homem. No momento atual, em que estão se tornando tão escassas as possibilidades do trabalho, pondo em risco a vida do trabalhador e promovendo ainda mais a desumanização, este deve ser o brado e a ação do filósofo na busca incessante pela realização de um mundo humanizado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Livro Primeiro, Volume I, 8a. edição. Tradução de Reginaldo Sant‟Anna, Difel, São Paulo, l982. __________. Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844. In Erich Fromm. Conceito Marxista do Homem. 7a. ed. Zahar Editores, Rio de Janeiro, l979. MARX, Karl & ENGELS, F . A Ideologia Alemã. 10o. edição. Editora Hucitec. São Paulo, l996.
2.1.2. MATEMÁTICA (falta - está presente no livro)
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2.2. PESQUISAS REALIZADAS NO CAMPO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CRÍTICAS. 2.2.1. Extensão universitária - uma análise crítica21.
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO TRILHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS 1. Dialética: concepção do objeto e orientação metodológica 2. Hegemonia como direção intelectual e moral EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA 1. Concepções de extensão universitária 2. Extensã na Universidade Federal da Paraíba - UFPB 2.1. Política de extensão na UFPB 2.2. Projeto CERESAT 2.3. Projeto Escola Zé Peão 2.4. Projeto Praia de Campina 2.5. Projeto Qualidade de Vida A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E SUAS FUNÇÕES HEGEMÔNICAS 1. Extensão e hegemonia nos projetos da UFPB 2. Para uma reconceituação da extensão universitária enquanto trabalho social CONCLUSÕES REFERÊNCIAS
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Livro editado: Extensão universitária - uma análise crítica. Editora da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa: 2001. (produto da tese doutoral em Educação, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1995).
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2.3.1 INTRODUÇÃO Este trabalho, quando foi concebido, inicialmente, sob a forma de projeto de tese, era uma tentativa de mostrar a universidade como ente fundamental para a organização dos setores subalternos da sociedade, particularmente através de projetos de extensão universitária. Partia-se da perspectiva de que era possível realizar projetos de extensão universitária que constituíssem ações, efetivamente, transformadoras e mesmo revolucionárias. Imaginava-se a universidade como um canal para o exercício da transformação, ao abrigar projetos de extensão que se orientassem para a realização dessa possibilidade. Um exercício que não se colocava necessariamente pelo ensino ou pela pesquisa, mas admitia-se que, com certeza, podia realizar-se pelo campo da extensão. Acreditava-se que a universidade poderia se constituir em um importante instrumento de transformação da sociedade, à medida que fossem viabilizados tais projetos de extensão. No entanto, as análises que embasaram a organização e o desenvolvimento da própria pesquisa transformaram o que antes eram certezas em meras possibilidades, que se expressam conforme as formulações: há práticas de extensão que contribuem para a construção da hegemonia dos setores sociais não burgueses; há elementos dessas práticas que permitem ultrapassar a concepção de extensão limitada à realização de eventos ou de programas temporários na universidade. Foram estas as formulações que nortearam a pesquisa. Esta pesquisa, portanto, em nenhum momento teve a pretensão de elencar ou descrever o conjunto das propostas ou das práticas de extensão que podem ser encontradas nas universidades brasileiras. Sabe-se que tanto ou mais que o ensino e a pesquisa, o campo da extensão universitária tem visado preferencialmente à reprodução social, seja buscando reforçá-la por meio de mais um uso da instituição escolar, seja pelo aplacamento de alguma espécie de consciência culpada de dominadores ou servidores da dominação. Não se desconsidera, aqui, a existência e mesmo a possível predominância dessa concepção de extensão universitária. Apenas, ela não é incluída como parte do objeto desta investigação, no qual toda a atenção foi dedicada a encontrar propostas e práticas de outro tipo de extensão universitária, procurando discuti-las enquanto possibilidade e enquanto concepção. Para alcançar um objetivo como este, não parece metodologicamente necessário e talvez nem mesmo recomendável tomar como objeto de pesquisa o universo das experiências de extensão universitária no Brasil. Parece ser mais adequado considerar experiências pontuais, desde que, fazendo parte regular e integralmente da instituição “universidade”, sejam significativas e relevantes em termos dos objetivos visados e sejam tratadas com o cuidado teórico, metodológico e técnico que tal objetivo requer. Foi seguindo essas diretrizes que se tomaram como objeto específico de investigação algumas das experiências em extensão universitária desenvolvidas na Universidade Federal da Paraíba. Desse modo, este é um estudo sobre a concepção de extensão universitária, o qual procura seguir as orientações metodológicas que Karl Marx formula sobre a dialética, suas orientações teóricas sobre sociedade e ideologia e de Gramsci sobre Estado ampliado, intelectual e hegemonia. Admite-se a anterioridade das ações de extensão da UFPB. Mas o objeto científico desta pesquisa é assumidamente construído, reconstruindo aquelas ações sob orientação metodológica e teórica precisa e explícita. A tese assume que existe uma teoria que a fundamenta e a sustenta e tem uma metodologia que incorpora essa teoria na construção do objeto: o objeto empírico (os projetos da UFPB) não é tomado dessa forma (empírica). Na verdade, é construído teoricamente a partir do conceito de hegemonia, em termos dialéticos. O objeto da pesquisa é, portanto, construído por um instrumento de análise, o qual tem clara orientação teórica. A universidade é tratada enquanto aparelho de hegemonia. Conseqüentemente, as experiências de extensão que ela propõe e realiza são concebidas como partes constituintes daquele aparelho, inseridas, portanto, no conjunto das relações de forças aí implicadas e submetidas às contradições que o caracterizam.
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Parte-se da compreensão de que, em Gramsci, hegemonia e crise de hegemonia formam sempre um par. Ao se trabalhar com a concepção gramsciana de hegemonia para pensar a universidade, em especial uma de suas funções - a de extensão - coloca-se, no entanto, como norte da pesquisa e como foco central da análise a noção de crise de hegemonia. Afinal, o que aqui preocupa, verdadeiramente, são as possibilidades que estão abertas ou que possam vir a ser abertas para a construção de uma nova hegemonia, capaz de configurar um novo bloco histórico. Assume-se, pois, a ótica das classes e setores sociais que hoje se encontram subalternizados e adota-se a perspectiva da sua autonomização ideológica, procurando discernir caminhos e meios pelos quais se possa - por meio do trabalho no âmbito institucional - contribuir para essa autonomização. O objeto empírico do estudo compreende quatro projetos de extensão que se encontram em andamento na UFPB: os projetos CERESAT, Escola Zé Peão, Praia de Campina e Qualidade de Vida. A seleção obedeceu a alguns critérios principais. Foram escolhidos projetos entre os que estão sendo desenvolvidos atualmente de forma efetiva e que estão implantados há pelo menos cinco anos, com isso, caracterizando sua permanência e consolidação. Houve também a preocupação de incluir projetos que, adotando diferentes tipos de orientação, fossem significativos para a catacterização do conceito de extensão universitária ou de concepções alternativas para esse conceito. O material empírico coletado se constitui de textos produzidos nos projetos em estudo, fruto das análises dos membros dos grupos e, basicamente, de entrevistas, sendo que estas são distribuídas em três níveis: o nível dos planejadores dos projetos, o nível dos seus executores e o nível da comunidade onde se desenvolve o projeto. Esses projetos foram submetidos a um instrumento de análise elaborado a partir da teoria e do método utilizados como suporte ao trabalho analítico, sobretudo no campo da hegemonia, adotando-se a perspectiva gramsciana1. Assim, a tese é um texto que toma por objeto concepções e tem como objetivo a formulação de um conceito. A pesquisa em que a tese se baseia tem como origem e como destino a prática, uma prática que pretende o desenvolvimento crítico do trabalhado universitário voltado para a transformação social. Neste sentido, esta tese constitui uma reflexão teórica calcada num certo tipo de prática e que deverá retornar a ela. No entanto, a tese se apresenta como um texto, cujo objeto são concepções e cujo objetivo é uma determinada (re)formulação de um conceito. Tendo-se estudado, detidamente, documentos e entrevistas com participantes de projetos de extensão, chegou-se à formulação da tese de que há projetos de extensão na universidade que podem contribuir para a ampliação da hegemonia dos setores subalternos da sociedade. ______________ 1.
A utilização dessa orientação teórica de forma efetiva não impediu, porém, que eventualmente tenham sido também incorporados a esse instrumento elementos experienciais gerados nas próprias entrevistas e nas anotações de campo realizadas quando do acompanhamento de alguns desses projetos. Como parte de uma teoria mais ampla - a teoria do modo de produção - a categoria da hegemonia organiza um conjunto de temas, sendo cada tema composto de itens que, por sua vez, se expressam por indicadores. O instrumento assim construído se compõe de dez temas, assim distribuídos: a visão de mundo; a concepção de sociedade; a concepção de Estado; a configuração dos interesses sociais e da prática social; a relação da universidade com a sociedade; a concepção de extensão universitária; a natureza do trabalho social na extensão; o papel do agente institucional - os que estão executando os projetos - e, ainda, a pedagogia que está sendo veiculada nessas práticas de extensão universitária. A partir desses temas geradores, constituem-se vinte e oito itens, que, por sua vez, são expressos nos documentos analisados através de quinhentas e cinqüenta e uma variáveis ou indicadores. A técnica utilizada neste instrumento de análise não se configura como uma análise de discurso. É, sim, uma forma específica de análise de conteúdo desenvolvida por Miriam Limoeiro Cardoso em Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK-JQ. É uma técnica de análise que se adotou porque tem se mostrado fecunda, permitindo aprofundar a análise e entender relações e conexões esclarecedoras.
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A tese aponta, portanto, no sentido da existência concreta e objetiva desta possibilidade, que, porém, não é mais do que possibilidade e, mesmo assim, limitada. Nesses termos, a tese é demarcadora: por um lado, a extensão universitária não tem necessariamente que ser reprodutora e, assim, uma extensão da dominação; por outro lado, é ingênua e ilusória a pretensão de tomá-la como revolucionária das relações sociais, dadas suas condições e suas limitações institucionais, sociais e políticas. O resgate da possibilidade de contribuição para a construção de uma nova hegemonia, na perspectiva das classes subalternas, parece ser capaz de esclarecer relações decisivas e contradições importantes da instituição universidade na área de extensão, encaminhando uma reconceituação deste campo enquanto trabalho social. Para apresentá-la e defendê-la, existem algumas indicações metodológicas e teóricas da fundamentação do estudo, procura-se situar o objeto como parte da universidade, enquanto aparelho de hegemonia, e se procede ao desenvolvimento analítico dos temas propostos. Com a sua análise, procura-se especificar a extensão universitária e as suas funções hegemônicas, indicando elementos para reconceituar extensão universitária nos marcos do trabalho social. Finalmente, discutem-se alguns aspectos, de dimensão mais ampla, a respeito de novos problemas da e para a universidade.
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CAPÍTULO I CONSTITUINTES TEÓRICOS E METODOLÓGICOS Têm-se muito presentes, para a realização deste trabalho, os desafios contemporâneos do fazer ciência, como também uma busca para novos caminhos e, necessariamente, novos encontros com outros tantos desafios. Ao se estudar a extensão universitária, através de um “olhar” crítico, faz-se necessária uma maior exigência metodológica. Por outro lado, considerando-se o problema em discussão, não poderá ser adotada uma metodologia fixa, determinada e sem abertura para as tantas possibilidades novas que surgem, a cada momento, na procura de se produzir conhecimento. CARVALHO (1995: 25), na busca de caminhos/descaminhos para a razão, mostra-se atenta aos caminhos que se descortinam quando perscruta as trilhas do “fragmento, do particular e do sentido”. Em que bases deve fundamentar-se a análise de práticas de extensão que busquem as suas dimensões educativas para processos de construção de hegemonia de setores sociais não burgueses? Que elementos compartilhar, quanto à metodologia, na busca de constituintes que possam contribuir para a superação de concepções no campo da extensão universitária, que parece não atenderem as necessidades políticas de liberdade de setores sociais subalternos? Dentro dessas preocupações é que se colocaram, à frente das questões da pesquisa, os constituintes da análise dialética. Como escapar das críticas à ciência moderna, consideradas por FAUSTO (1987: 15) pertinentes e fecundas, no sentido de que esta se fechou numa perspectiva instrumental, perdendo-se em modelos universais abstratos, definidos a priori? Segundo ele, a ciência moderna “desconsiderou a riqueza e multiplicidade da experiência humana e mais: vulgarizou a dialética”. Nesse sentido, a questão a ser respondida é: que dialética pode ser utilizada como constituinte dessa metodologia? 1 - Dialética: concepção do objeto e orientação metodológica Para se iniciar a tentativa de apresentação dos constituintes da dialética, é razoável buscar-se a resposta à questão: O que é dialética? Essa resposta exige um debruçar-se sobre a história da filosofia, onde se pode encontrar a utilização da noção de dialética de várias maneiras e, dessa forma, nada passível de ser determinada ou explicada de forma definitiva22. Um conceito que tem recebido diferenciados significados no decorrer do tempo os quais, mesmo assim, são relacionados entre si. De forma sintética, baseando-se em considerações etimológicas, podem ser consideradas algumas fases dos quatro conceitos principais da dialética: a dialética vista por Platão como um método de divisão; a dialética como lógica do provável, presente em Aristóteles; a dialética como lógica, segundo Kant; e a dialética como síntese dos opostos, a partir das formulações de Hegel/Marx. São quatro conceitos pautados também em quatro doutrinas que exerceram forte influência na história da dialética, respectivamente: a doutrina platônica, a doutrina aristotélica, a doutrina estóica e a doutrina hegeliana. Nesta introdução à questão a ser conduzida tenta-se, de certa forma, alguma síntese conceitual. Na verdade, será mantida a sua generalidade, tendo em vista a impossibilidade de se englobarem as possíveis formulações em um só conceito. A resposta à questão acerca do conceito de dialética apresenta grande dificuldade, considerando-se que os autores a definem e a interpretam de várias maneiras. Parece que cada procedimento nessa direção se apresenta como insatisfatório. Há intérpretes que apresentam a dialética como sendo “a arte do diálogo, ou que ela é uma lei” (BORNHEIM, 1983: 153). Esta definição, que parece elucidativa, apresenta-se, porém, com nuanças que abrem outros tipos de questões fundamentais, como a discussão sobre o sentido do diálogo, por exemplo. Existe, nessa visão, uma certeza ou uma clareza de base no sentido de que a dialética, em sua essência, é a arte do diálogo, em
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É uma tarefa que transcende o propósito deste estudo, sendo aqui apenas colocada a questão. No máxImo, serão externadas algumas noções preliminares para efeito, simplesmente, de situar a análise que se deseja no que concerne à extensão universitária.
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sua essência, é lei. Segundo essa interpretação, não tem sentido a defesa de uma determinação, uma definição como mecanismo de exclusão das demais. BORNHEIM (Ibid.:154) assim se expressa: “Nada prova que diversas determinações não possam corresponder de algum modo à índole interna da dialética. Vimos que, do ponto de vista histórico, a dialética metafísica não só se justifica como foi necessária. Assim também, a dialética pode ser a arte do diálogo, ou a lei do real, ou de certos setores do real. Talvez a dialética seja ainda outras coisas”. Diante dessas dificuldades pode-se ver, contudo, que a dialética é uma das expressões filosóficas bastante usada e que a sua universalidade tem sido muito estudada. MARITAIN (1964: l45), por exemplo, vai entender que está em Hegel o traço genial de fazer da idéia de Absoluto, Pensamento ou Espírito, o universo real que é apreendido, não por possuir uma existência fora do pensamento, mas no sentido de que o real passa a ser uma manifestação do pensamento no seio de si próprio. Na introdução da Fenomenologia do Espírito, Hegel destaca a impossibilidade do conhecimento formulado por Kant, seja através de um instrumento com o qual dominaria o Absoluto, seja como meio com o qual seria possível a sua contemplação. Explicita sua crítica ao fazer a seguinte afirmação: “Essa precaução deve até transformar-se na convicção de que toda a tarefa de conquistar para a consciência, por meio do conhecimento, o que é em si é, na sua conceituação mesma, um contrasenso, e de que o conhecimento e o Absoluto sejam separados por uma nítida linha de fronteira”(HEGEL,1974: 47). Se, para Kant existia, entre o sujeito e o objeto, o entendimento, uma separação da coisa em si, e se, agora, o real é manifestação do pensamento no seio de si próprio, a coisa em si está superada. O pensamento, sendo o Absoluto em movimento, passa a encerrar sobre si mesmo tudo quanto de si surge, bem como as suas autodiferenciações. Em sua crítica, HEGEL (ibid.: 48) continua: “... as representações do conhecimento entendido como instrumento e meio e, bem assim, uma diferença entre nós mesmos e esse conhecimento; pressupõe, sobretudo, que o Absoluto esteja de uma parte e o conhecimento, mesmo sendo algo de real, esteja de outra parte, para si e separado do Absoluto”. Algo inadmissível para ele, pois no seu sistema não há separação entre o sujeito e objeto. E mais, não se conhece nada senão o que já está conhecido em nós mesmos. Para Hegel, o Absoluto não pode utilizar-se de qualquer „astúcia‟ para se chegar ao conhecimento, já que Ele está e quer estar “em nós tal como é em si mesmo e para si mesmo” (ibid.: 48). Não só não há separação, como também o seu fazer história “ é a história do pensamento que a si próprio se encontra” HEGEL (l974a: 329). Um movimento dialético se instala como a síntese dos opostos. A filosofia hegeliana vê, em todos os lugares, tríades do tipo: tese, antítese e síntese, segundo intérpretes, como Azevedo, Bornheim, Thadeu Weber, Lima Vaz e Llanos, em que a síntese representa a “negação” ou o “oposto” ou o “ser outro” da tese. A síntese constitui a unidade, no seu próprio tempo, a verificação tanto de uma como de outra. Para LLANOS (1988: 94), “uma vez alcançada a síntese, esta se põe a si mesma como uma nova tese, isto é, como uma categoria afirmativa que se há de converter na base de uma nova tríade”. Ao analisar esse movimento triádico da dialética, WEBER (l993: 41) afirma que “em cada síntese, os momentos anteriores estão suprimidos (negados), mas, ao mesmo tempo, integrados numa forma superior”. Coube à Feuerbach, apud LLANOS (1988:109), a crítica às formulações idealistas de seu tempo, mostrando ser o espírito absoluto hegeliano “ o espírito finito - humano - mas abstraído e separado do homem”. Toda crítica formulada (ibid.: 110) se constituía num materialismo, ao contrapor-se à idéia da transcendência sobre o dado no pensamento de Hegel, embora esse materialismo fosse limitado, ostentando um “caráter contemplativo, metafísico e antropológico, combinando-se com uma concepção idealista de sociedade”. Feuerbach, segundo o citado autor, não
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via a passagem do homem abstrato para um homem que atuasse, necessariamente, na história. A passagem do culto a esse homem abstrato, centro da formulação feurbachiana, pela ciência do real e de seu desenvolvimento histórico, poderia ser efetivada por Marx. Marx vai realizar a inversão da dialética, colocando o objeto ou “dado” como primeiro, o natural imediato antes da consciência. Assegura a primazia dos conteúdos materiais ou históricos - as formas finitas da consciência - sobre as formas infinitas da mesma consciência. Mas, após a crítica ao movimento dialético no campo das idéias, em Hegel, pode-se perguntar qual é a dialética ou o método de Marx. Ao estudar o método de análise da economia política, Marx descobre que esse método inicia-se sempre pelo real e pelo concreto, parecendo esta a forma correta. No estudo de um país, parece ser correto iniciar-se pela população que se constitui na base e no sujeito social da produção. Porém, uma observação mais atenta, segundo ele, mostra que a população, mesmo sendo tão concreta, é, na verdade, uma abstração. Por conseguinte, esse método é falso. MARX (l978:116) afirma: “A população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem. Por seu lado, estas classes são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos em que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital, etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços, etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço, etc., não é nada. Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações as mais simples. Chegados a este ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma representação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas”. Este é o método dialético de Marx. Assim, o pensamento pode mover-se por dentro de suas partes do universo, apreender as suas interconexões e o conjunto no qual elas se fundem. Para PRADO JUNIOR (1980:513), Marx, “... aproveitando-se das comportas abertas por Hegel e do terreno desembaraçado que se estendia à sua frente, empurra o pensamento filosófico para fora do seu isolamento idealista e introspectivo”. O mundo das idéias, agora, passa a ter o sentido de mundo material, “transposto e traduzido no espírito humano”. FAUSTO (l993: 49), ao estudar o lugar da forma e o do conteúdo na dialética, observa que, em Marx, “o sistema de formas permanece sempre inscrito na matéria. Assim, a matéria é, em Marx, o lugar da inscrição das formas, não mais mas não menos do que isto”. Contudo, é em LIMOEIRO CARDOSO (1990: 19) que se encontra um acompanhamento mais explícito sobre o desenvolvimento do método de Marx, que está subdividido em seis partes. “A primeira trata do método em geral e indica um movimento que é exclusivamente teórico, passando-se totalmente no abstrato. A segunda afirma a anterioridade do concreto. A terceira propõe e resolve uma relação específica entre o real e o teórico, desdobrando as relações entre as categorias mais simples e as mais concretas. A quarta precisa a condição da produção das abstrações mais gerais a partir do desenvolvimento concreto mais rico. A quinta indica que é no último modo de produção já estabelecido, porque o mais complexo, rico e variado, que se torna possível a inteligibilidade não só dele mesmo, como também de todas as sociedades anteriores. A sexta retorna ao método, estabelecendo que a ordem das categorias deve seguir uma hierarquia teórica, em função da sua importância correlativa dentro da sociedade mais complexa, base das abstrações mais gerais e categorias mais simples, e não em função do seu aparecimento histórico”. Esta divisão vai possibilitar, para a autora, uma segunda apreensão do método, que está assim exposta: 1 - Do abstrato para o concreto pensado . Na crítica ao método da economia clássica, considera-se que esta inicia sua análise a partir do “concreto”. Ela vai entender que tal “concreto” só tem sentido à medida que se vão descobrindo as suas determinações. A realidade social é determinada, e assim é não
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por obra natural. Há relações específicas que a determinam, respondendo a uma certa causalidade. Nesse sentido, a realidade social é determinada e só é possível a sua explicação, quando também se apreender a sua determinação. Na suposição de que não existam determinações essenciais, a realidade é concebida como se esgotando no mundo dos fenômenos. Para Marx, no entanto, a realidade é determinada, é produto de determinações que não se encontram no mundo fenomenal. Desse modo, enquanto o pensamento não alcançar as relações profundas (não-aparentes) entre os fenômenos, apenas conseguirá descrevê-los, jamais explicá-los. Na verdade, as explicações precisarão melhor o próprio fenômeno e a sua completude nas relações (de superfície) que mantêm uns com os outros. O concreto real, de que partem os economistas clássicos, apresenta um sentido que não é previamente dado, mas sim, “adquirido pela ação do pensamento, na abstração” (ibid.:21). Este concreto real é uma abstração. “Assim, um procedimento como este não parte do concreto, como se supõe, e sim da abstração, e não pode sequer procurar condições para re-encontrar o concreto, porque supõe, enganosamente, que já o incorpora à análise desde o início” (ibid.: 21). O real, nesse sentido, se apresenta com um caráter caótico. Havendo uma ordem no real, essa ordem não se apresenta como já-dada, não transparece. Ela só pode ser atingida pelo pensamento que a investiga, aprofundando-se no mesmo. Essa investigação, contudo, não terá respostas imediatas dos dados ou contatos do real, mas será produto da reflexão que, informada pela teoria, vai em busca da realidade externa. Por ser determinada é que esta realidade se torna passível de ser conhecida e explicada racionalmente. Isto só é possível, todavia, quando se atingem os seus determinantes fundamentais. “E isto acontece no mundo dos conceitos, no plano teórico, no abstrato. Abstrato que tem a pretensão de reproduzir o concreto, não na sua realidade imediata e sim na sua totalidade real” (ibid.: 22). Possibilita-se, assim, a compreensão da formulação de Marx em que “o concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações”. A totalidade real se constitui, portanto, do conjunto das determinações, juntamente com o que elas determinam. Nas situações onde dominam as perspectivas empíricas, não se pode atingir essa totalidade real, valendo-se do estilo daquele método. A partir de uma análise que procede do real, não se consegue reproduzi-lo enquanto totalidade significativa. Este traz, em si mesmo, um impeditivo para tal conhecimento. Em Marx, segundo a autora, há uma proposta de procedimento novo - “do abstrato (determinações e relações simples e gerais) ao concreto (que então não é mais „uma representação caótica de um todo‟ e sim „uma rica totalidade de determinações e de relações diversas‟)”. O método de Marx vai do abstrato ao concreto. “E o mais importante, este concreto é um concreto novo, porque pensado. É um concreto produzido no pensamento, para reproduzir o concreto real („as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento‟)” (Ibid.: 23). 2 - Anterioridade do concreto. O movimento produção/reprodução do concreto, no caminho de volta, e o que constitui esse concreto a que se chega precisam ser explicitados, segundo a autora. A resposta, para isto, está, conforme sua interpretação, na formulação do texto de Marx, em que o concreto é concreto porque ele se constitui em síntese de múltiplas determinações. Essa concepção estabelece que o fato de se ter realidade não garante ser concreto. “O caráter de concreto está estreitamente vinculado ao de determinação. O que conta de fato são as determinações. Atinge-se o concreto quando se compreende o real pelas determinações que o fazem ser como é” (ibid.: 24). O concreto é síntese de muitas determinações e, assim, é uma totalidade: “unidade determinante/determinado” ou unidade de múltiplas determinações. Esse processo aparece, então, no pensamento como expressão de uma síntese, porquanto é unidade do diverso, como resultado e não como ponto de partida. Ele não se constitui simplesmente de um dado, mas é o resultado de um elaborado processo de pensamento. “E se esse processo começa cientificamente no abstrato, seu verdadeiro ponto de partida é o real. Está dito, explicitamente, que o verdadeiro ponto de partida do pensamento é o real, que é o ponto de partida da percepção e da representação. O papel do real para o pensamento e para o conhecimento não é, pois, eliminado como se, por ser o abstrato o campo próprio do teórico (em que se move o pensamento para produzir conhecimento) para ele, teórico, o real não existisse senão sob a forma
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pensada. Uma coisa é afirmar que o concreto só faz parte do teórico como concreto pensado (acentua-se aí o fazer parte de ); outra coisa diferente é afirmar que o concreto real não se relaciona com o teórico (abstrato), sob a alegação de que o teórico só pode afirmar do concreto o que sabe dele, isto é, o que tem precisado sobre ele. A perspectiva seguida por Marx é a que ele explicita, de que o concreto aparece no pensamento como resultado, embora seja o verdadeiro ponto de partida. O pensamento parte do concreto (real), ainda que só se torne verdadeiramente científico quando retoma o concreto, pensando-o, a partir do abstrato (suas determinações atingidas pelo pensamento originado no concreto” (ibid.: 25). Nesse momento tem-se, em Marx, segundo Limoeiro Cardoso, um triplo movimento. Um primeiro, onde se parte do real, porém se afastando cada vez mais dessa realidade, através da abstração, atingindo conceitos mais simples desse real. Um segundo movimento, que é o início da atividade científica propriamente dita, onde se tem como caótica a representação do real. Nesse movimento não se parte do real ou de sua representação imediata caótica e abstrata. Parte-se dos conceitos mais simples produzidos pelo movimento anterior. Esse movimento seria a busca pela especificação das determinações gerais e simples, configurando um movimento de reconstrução teórica. Finalmente, o terceiro movimento será de construção teórica de reprodução do concreto. De forma simplificada, os movimentos podem ser representados, através do seguintes vetores básicos: 1o)
real
abstrato (concreto)
2o)
abstrato
abstrato „ „ concreto
3o)
abstrato
concreto (pensado)
Para a autora, “com o segundo movimento, se iniciaria o que Marx aponta como „método cientificamente correto‟ “ (ibid.: 27). Dessa forma, pode ser entendido que o “caminho de volta” não se torna nada simples. Não significa apenas a troca do ponto de saída pelo de chegada ou o “começo pelo resultado”. Também pode não ser apenas uma troca de sentidos ou inversão de uma rota. Além do mais, esse ponto de partida do método de Marx é outro ponto diferente daquele de chegada do primeiro método - o da economia política de seu tempo. “Não só porque é abstrato, e não concreto. Sendo abstrato, é outro abstrato, diferente do abstrato a que o método anterior permitia chegar. É um abstrato reconstruído criticamente a partir deste” (ibid.: 28). Esclarece ainda a autora que, por um lado, o real está presente e alimentando a percepção e a representação e, por outro, também “não esquece que o concreto produzido pelo pensamento é apenas pensamento, não real. É neste ponto que contesta Hegel, ou a relação que este propõe entre abstrato e concreto” (ibid.: 28). Essa compreensão traduz, de forma explícita, uma negação, presente em Marx, de que o real seja resultado do pensamento. Na contestação marxista de que o pensamento seja a gênese do concreto, segundo __________ 1.
Salientam-se, então, algumas questões suscitadas, tais como: 1) o porquê das determinações do real serem formuladas através de conceitos simples; 2) a da simplicidade originária dessas categorias; 3) as categorias simples terem ou não existência independente e anterior às das mais concretas; 4) a evolução histórica do real, que são postas e analisadas por LIMOEIRO CARDOSO( 1990: 32-44).
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Limoeiro Cardoso, “Marx argumenta que mesmo o pensamento mais simples só existe como relação unilateral e abstrata de um todo concreto, vivo, já dado. É nesse sentido que para ele o real é anterior ao pensamento” (ibid.: 29). Contesta dessa forma a possibilidade de um movimento de categorias autônomas e produtoras de real, como também a concepção de que o pensamento se basta a si mesmo e se movimenta por si mesmo. Em Marx, afirma a autora, “a realidade concreta preexiste, subjaz e subsiste ao pensamento. É este que de algum modo depende dela, e não ao contrário” (ibid.: 30). Dessa forma, o conhecimento científico do real tem início com a produção crítica das suas determinações. Essa produção se dá ao nível do teórico, ao nível das categorias. Porém, constituindo-se como crítica da produção anterior, ela só se realiza quando da existência de um desenvolvimento teórico “razoável e disponível”. “É daí que o método para produzir esse conhecimento se eleva do abstrato ao concreto” (ibid.: 32). 3) - Relação categorias/real. Foi abordada até agora, na interpretação de Limoeiro Cardoso, a afirmativa de Marx de que os conceitos mais simples permitem chegar a uma inteligibilidade do real. A autora supõe também a exposição desses conceitos a partir de uma abordagem que parta do próprio real. E mais: esse real, como ponto de partida, também é uma abstração das determinações que se expressam naqueles conceitos simples. Além disso, afirma a existência do real fora do pensamento que é anterior a ele. Estabelecido o conceito, na primeira parte da discussão do método, e o real, na segunda, busca-se a relação existente entre ambos, na terceira. Nesse sentido, salienta a autora que ”para produção teórica, o pressuposto básico é que ela seja comandada pelos conceitos mais simples, para ser possível a reprodução do concreto no pensamento” (ibid.: 32). E mais, dando sustentação a esse pressuposto, tem-se o mais geral - o da exterioridade e independência da realidade - a tese materialista fundamental1. As categorias mais simples, para a autora, não se apresentam em Marx com existência independente sem nenhuma característica histórica ou natural. A exigência fundamental de sua existência está na admissão do concreto vivo, isto é, expressando-se como relação unilateral e abstrata de um todo concreto já dado. “É sobre ele que se erigem as categorias, mesmo categorias as mais simples, que não são capazes de captá-lo no plano do teórico a não ser parcialmente, unilateralmente” (ibid.: 33). Quanto à discussão do simples originário, empreendida por Marx, Limoeiro Cardoso vê um movimento em três dimensões. A discussão passa por uma análise de que as categorias simples têm ou não existência independente e anterior às categorias mais concretas. O primeiro momento desse movimento consiste em que “as relações mais simples sempre pressupõem relações mais concretas relações estas expressas em categorias mais concretas, no sentido de que se referem a um grau mais baixo de abstração” (ibid.: 34). As categorias simples expressam, assim, relações simples, e estas não existem antes de relações mais concretas, expressadas também em categorias mais concretas. Uma análise que convém salientar não se dá apenas no campo de categorias teóricas. O segundo momento se dá de forma mais complexa a partir da exemplificação de Marx, em que a posse se torna a relação jurídica mais simples. Acontece que não há posse sem a família, superada apenas quando inicia com a distinção que é feita entre posse e propriedade. “A posse é uma relação simples, que exige uma relação mais concreta, como a família”. Aí também se insere, para superação dos questionamentos, a questão da evolução histórica real, influenciando tanto na diferenciação como na produção das categorias. É importante, portanto, se entender que “a categoria mais simples exige um certo grau mínimo de desenvolvimento para que possa seguir a relação mais simples que ela exprime” (ibid.: 37). Apresenta-se, até agora, uma contradição. No primeiro momento, o mais concreto é anterior ao mais simples; no segundo, o mais simples se torna anterior ao mais concreto 1. Ao colocar e discutir a questão, a autora mostra que ___________ 1 Esta aparente aporia é resolvida em LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. (op. cit.: 38-41).
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esta é uma contradição, mas que não é produzida por pura negação. O segundo momento não é pura negação do primeiro. Ele é outro momento. No primeiro , o concreto é real, é o dado. “As categorias mais simples são as mais abstratas(abstrações simples). A relação proposta é uma relação real, com sua contrapartida pensada: família - posse; comunidade de famílias - propriedade. No segundo momento, o concreto pertence ao plano do pensamento. A relação dinheiro e capital é uma relação entre categorias pensadas. O real aparece relacionado com cada uma destas categorias através dos diferentes graus do seu desenvolvimento e da sua complexidade” ( ibid.: 39). Assim, pode-se entender que é, numa sociedade mais complexa, onde a categoria mais simples se apresenta mais desenvolvida teoricamente. Em sociedades com grau de desenvolvimento menor, a categoria mais simples também existe, porém é parcial no sentido de não impregnar “todas as relações do setor a que se refere”. Este se constitui no terceiro momento, onde se analisa a categoria simples, como o dinheiro. Os exemplos apresentados, como o dinheiro, mostram a sua existência como categoria simples, mesmo que haja sociedades, bem desenvolvidas e não historicamente maduras, como o Peru pré-colombiano, onde não existia qualquer forma de moeda. O mesmo ocorre com os povos eslavos, em que a existência do dinheiro limitava-se às atividades comerciais nas suas fronteiras. De forma sintética, a autora sistematiza esses três momentos da seguinte forma: “1) concreto
simples - relações mais concretas são anteriores a categorias mais simples; - fundamento: relação concreto/abstrato (abstração simples).
2) simples
concreto ( complexo) - categorias mais simples são anteriores a relações mais complexas (expressas em categorias mais concretas); - fundamento: relação simples/complexo (concreto). 3) complexo
simples (concreto)
- a categoria mais simples só tem seu desenvolvimento completo numa sociedade complexa, enquanto que as categorias mais concretas podem ter seu desenvolvimento completo anteriormente” (ibid.: 42). Desses movimentos resultantes da relação entre categorias e real, surge a constatação de que o simples não é a origem. As categorias mais simples exigem um substrato mais concreto, isto é, uma certa organização social, um todo vivo. Também se observa que o processo histórico real vai do mais simples ao mais complexo. Aqui, e nesse sentido, o mais simples pode preceder o mais complexo. Contudo, é no mais complexo - completo - que o simples pode estar mais desenvolvido. Agora, ele pode ser pensado de forma teórica e mais completa. 4) - Produção das abstrações mais gerais. A autora identifica uma quarta parte no texto e descobre que é na sociedade mais complexa que a categoria mais simples se completa. É aí também onde se alcança o elo específico entre o real e o conceito. E conclui: “O abstrato de que se deve partir para começar a produção do conhecimento, que se fará no concreto pensado, já não depende só da produção teórica anterior, que se utilizará, criticando. Estas
produções teóricas e o movimento que as produz despontam numa íntima conexão com o real e o seu movimento próprio” (ibid.: 44).
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Pode-se entender como a categoria trabalho é uma categoria simples. Ora, a idéia de trabalho é bastante antiga, contudo, como categoria econômica é recente. O trabalho é a relação daquele que produz com o produto. Então, segundo a autora, a categoria, entendida como trabalho em geral, já está presente em A. Smith. O trabalho em geral, gerador de riqueza, segundo o economista, retira deste qualquer determinação possível que possa conter. Tem-se, desde aí, o trabalho em geral, indo além da formulação anterior, econômica, de trabalho manufatureiro, comercial e agrícola. Como trabalho em geral, não se pensa em particularidades da relação entre produtor e produto, mas nas formas de trabalho no seu caráter comum. Para a autora (ibid.: 45), “aparece aqui a primeira especificação precisa da categoria simples: a sua generalidade. O trabalho é uma categoria simples quando ele é pensado como trabalho em geral, como trabalho sem determinações, como trabalho, simplesmente”. É no atual estágio de sociedade que se vive com a diversidade de formas de trabalho, uma sociedade mais complexa, onde a categoria simples completa o seu desenvolvimento. A categoria trabalho, em sendo mais simples, se torna, pela diversidade de formas de realização, mais geral, e isso só é possível na sociedade mais complexa. A sociedade que possibilita a existência da categoria mais simples, no caso, o trabalho em geral, é aquela em que concretamente existe o trabalho em geral. A sociedade mais complexa possibilita o deslocamento do trabalhador, mesmo especializado, para outro ofício. Nesse tipo de sociedade tem-se o trabalho em geral, como a categoria mais simples, mais abstrata, criada na sociedade mais complexa. Esse desenvolvimento teórico “não depende exclusivamente da capacidade e da disponibilidade teórica. Em última instância, a produção teórica deriva de condições reais” (ibid.: 46). As categorias mais simples detêm as abstrações mais gerais. São definidas pela simplicidade, pelo alto grau de abstração, pois são úteis a todas as „épocas‟, exatamente, pela sua generalidade. 5) - A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. A análise feita até agora tem mostrado o método como um caminho, o papel do abstrato (conceito simples, determinação) na reprodução do concreto no pensamento, a relação da abstração com a realidade e a importância da fase do desenvolvimento da realidade social para a produção das abstrações mais gerais. Esta última incorpora, em si mesma, a própria história. A teoria desenvolvida aponta para a economia numa perspectiva histórica, residindo nela também a determinação, em última instância, da totalidade social, que é uma totalidade histórica. A análise dessa totalidade remete, por sua vez e necessariamente, para o conhecimento da economia, considerando a história um estudo do determinante da totalidade social. Convém destacar que a sociedade, em estudo, é a sociedade burguesa. O presente significa não o contemporâneo ou o que está ocorrendo, mas “o último modo de produção completo, o modo de produção capitalista” (ibid.: 53). Portanto, é nesse tipo de sociedade, mais complexa, onde é possível a criação de categorias as mais simples e, conseqüentemente, mais complexas e mais abrangentes, possíveis de serem utilizadas em análises de sociedades menos desenvolvidas. Em Limoeiro Cardoso, “a análise da história deve ser conduzida por categorias simples e gerais produzidas no estado mais avançado da própria história” (ibid.: 48). Entretanto, a autora levanta a questão do risco que se corre, ao se fazer uma análise com categorias geradas na sociedade mais complexa, questionando também se o “olhar” do presente não deformará o passado. Essa é uma preocupação para não se perder as especificidades de cada momento histórico, uma vez que cada um desses momentos se define por suas peculiaridades, diferenciando-se, assim, um do outro. Com esse cuidado de não perder a própria história, a autora vai mostrar que há em Marx uma concepção de história em que laços orgânicos ligam os diferentes momentos históricos. Em Marx, contudo, não há a possibilidade de ocorrer a perda da especificidade dos distintos momentos históricos. A análise entre esses diferentes momentos exige a preservação da diferença essencial entre eles. Nesse sentido, a autora afirma: “A lição dada é no sentido de que se disponha de categorias gerais que na sua generalidade abranjam todo o desenvolvimento desde o ponto em que foram produzidas. A sua generalidade, apoiada numa abstração que é condicionada historicamente, lhes dá validade para todos os momentos anteriores ao da sua produção, inclusive e principalmente para este” (ibid.: 50).
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Ora, a demarcação das diferenças essenciais de cada momento histórico exige uma definição a respeito de onde devem incidir os cortes na história ou na sua periodização. A autora levanta novo questionamento: Como realizar a periodização? Respondendo, ela destaca que a sociedade tem dificuldade de se ver criticamente. Em condições bem determinadas, um momento histórico consegue fazer sua crítica. Sendo assim, para a sociedade mais desenvolvida socialmente, mais complexa, isso também é verdadeiro. Ela vê no texto de Marx a possibilidade de relativizar os outros modos de produção, quando tem condições de relativizar este atual modo de produção. Como solução, aponta a crítica ou particularmente a autocrítica, compreendendo que isto só é possível na seguinte hipótese: “... Quando uma sociedade deixa de se absolutizar e passa a ser, portanto, capaz de assumir sua própria particularidade e especificidade, é capaz de atingir, reconhecendoas e conhecendo-as, outras particularidades e especificidades diferentes da sua, ainda que lhe sejam anteriores” (ibid.: 51). A autocrítica de uma sociedade, contudo, é uma capacidade dessa própria sociedade para perceber, na sua singularidade no tempo, a sua historicidade. Isto ocorre quando esta não mais se identifica com o passado, conseguindo se ver como diferente. Limoeiro Cardoso, contudo, continua seu questionamento, buscando as conseqüências importantes dessa argumentação. Essa análise conduz, necessariamente, para um estudo do desenvolvimento social mais complexo na sua especificidade histórica, em que a autora vê várias conseqüências 1. A primeira nega a possibilidade de explicação genética da história. Dizer, por exemplo, que a produção é histórica, é dizer que ela surge num determinado momento da história e se extingue em outro. Isto supera a possibilidade de uma visão genética que vê o desenvolvimento da história de modo linear. A segunda é que se procure ver, antes de tudo, as diferenças essenciais. É preciso respeitar as especificidades históricas, “tanto as do presente como as do passado”. A terceira é que “tanto „presente‟ como „passado‟ sejam entendidos (argumentos) em termos de „organização histórica da produção‟. Toda essa discussão é travada no nível teórico do modo de produção” (ibid.: 53). 6) - A ordem das categorias - Esta é a última parte do texto do método. É o momento em que se trata do plano de análise e da ordem das categorias nesse mesmo plano. Agora, as questões levantadas pela autora dizem respeito a como montar essa análise e por onde começá-la. Convém destacar que a realidade concreta existe independentemente de estar sendo pensada ou mesmo depois de ser pensada. Sua independência a localiza fora do espírito, caracterizado por atividades apenas teóricas. As categorias criadas têm todas, como base, o pressuposto da anterioridade da realidade, mas destas “não são mais que parciais em relação a ela”. As categorias não conseguem, 1) senão de forma unilateral, dar conta do real em toda sua completude. Isso exige organização dessas categorias para que se possa chegar ao conhecimento mais abrangente e mais profundo da realidade. E aí de novo surge a questão: E qual é o princípio organizador dessas categorias? Limoeiro Cardoso busca resposta para a questão apresentando os diferentes modos de produção, tentando mostrar como a agricultura, num determinado modo de produção, se constituiu numa atividade principal. Conseqüentemente, a renda fundiária e a propriedade vão se constituir em categorias que expressam essas dominâncias. Na sociedade burguesa, por sua vez, o capital é ponto de partida e de chegada de tudo, e se estabelece, no capitalismo, como categoria principal diante da renda fundiária. Finalmente, a autora afirma:
__________ 1 Um desenvolvimento teórico mais elaborado encontra-se em LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. (op. cit.: 52 - 53).
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“A ordem das categorias, portanto, responde à ordem de importância relativa das relações que expressam, importância que é relativa à capacidade das relações em determinar a organização da produção. Tem precedência teórica a categoria que expressa as relações mais determinantes” (ibid.: 54). É com esse método, na visão de Limoeiro Cardoso, que Marx busca analisar a sociedade burguesa. Como método geral, tem início no campo das abstrações (as determinações mais simples), reproduzindo essa sociedade no pensamento. Chega às determinações, teoricamente, ao realizar a análise crítica de conceitos gerados na empiria da economia clássica. Tal crítica apresenta o confronto desses conceitos com a realidade. Uma suposição primeira, presa à exterioridade e anterioridade do real, e uma outra, que é a mutabilidade histórica. Sob o manto da mutabilidade, conseqüentemente das condições históricas, é que são produzidos determinados conceitos. Conceitos simples - os mais abstratos - só são possíveis em sociedades mais complexas - aquelas que se quer estudar. E ainda, a ordem dos conceitos trabalhados não é a do seu aparecimento histórico e, sim, uma ordem significativa para a socieda - de em estudo. O princípio que rege essa ordem é o da hierarquia teórica. 1.2 - Hegemonia como direção intelectual e moral Essa forma de raciocínio, transmitido com o nome de dialética, apresentou-se, inicialmente, como uma arte de perguntar e responder, presente não só em Platão 1, mas também em antecessores, como Sócrates e sofistas. Adquiriu o significado de argumentação naquilo que é só provável, em Aristóteles2; lógica formal, no sistema de “artes” medievais. Em Kant3 , apre apresenta-se como lógica das aparências, porém, como motor do conhecimento primeiro, lógico ou na sua totatalidade. Transforma-se, hoje, em sinônimo de realidade histórica Isto é possível, quando o homem se reconhece com consciência da realidade e nela atua buscando uma contínua transformação. A busca por elementos teóricos que possibilitem análises para o objeto de pesquisa, com a visão de contínua transformação, está presente na filosofia da práxis, em Gramsci, mantendo-se um debate com Hegel e Marx, vindo trazer outros elementos para a análise da realidade histórica. Gramsci reelabora e apresenta novos conceitos para o campo do marxismo, tais como: bloco histórico, hegemonia, aparelhos de hegemonia, intelectuais orgânicos. Desse debate, destaca-se, como pontos constituintes de uma doutrina sobre o marxismo, uma visão da filosofia como historicidade e como ideologia. Chega-se à compreensão de que a “filosofia não faz história consigo mesma, mas com e a partir de outra coisa” (SICHIROLLO, 1980: 196). Daí a natureza da filosofia, nada utilitarista, mas tendo a ver com aquilo que existe, consistindo nisto seu caráter ideológico e abstrato. LIMOEIRO CARDOSO concebe o debate sobre a ideologia4, no campo do marxismo, a partir da perspectiva em que as relações de produção constituem a estrutura econômica da sociedade e sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política. Essa superestrutura vai corresponder a
__________ 1.
Ver Platão. Diálogos. O Banquete - Fédon - Sofista - Político. Seleção de Textos de José Américo Motta Peçanha; traduções e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. 2 a. ed. São Paulo, Abril Cultural, l979. 2. Ver Aristóteles. Tópicos; Dos Argumentos Sofísticos. Seleção de José Américo Peçanha. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. Abril Cultural, São Paulo, l978. 3. Ver Kant, Emannuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo, Abril Cultural, l980. 4.Ver LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK - JQ. Rio de Janeiro , Paz e Terra, 2a.ed. l978, p. 41-42.
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formas de consciência social determinadas. Apresenta, outrossim, uma diferenciação marcante entre a transformação material das condições econômicas de produção e as formas jurídicas, políticas, religiosas ou filosóficas. Essas são as formas ideológicas em que se expressam os conflitos e onde o homem toma consciência dos mesmos, buscando a sua superação. É importante destacar essas formas ideológicas que, juntamente com as condições de produção, constituem a estrutura, cabendo na superestrutura o jurídico, o político e as formas de consciência social. Explicita ainda que “as formas de consciência social existem no jurídico, no político e nos demais aspectos (religiosos, artísticos, filosóficos) que compõem a superestrutura” (LIMOEIRO CARDOSO, 1978: 42). O político, o jurídico, o artístico, o religioso, o filosófico são superestruturais e formam um só conjunto. São determinados pela base econômica, mas que reagem entre si e também com essa base. “Há, pois, uma ação que dinamiza aquele conjunto internamente e em direção à base econômica, mas estas ações são reações, embora como reações adquiram forma, consistência e direção próprias” (ibid.: 42). A autora apresenta ainda a estrutura não como expressão de unidade, mas como o campo de uma oposição. Nesse sentido, vê as relações de produção como o fundamento da estrutur, necessariamente, permeadas de classes sociais que estão bem definidas por essas relações de produção. Com as classes sociais no seu devido lugar na estrutura, esta conterá necessariamente a sua marca, não se expressando como uma unidade. Há, por parte da autora, um resgate necessário nesta formulação com o lugar das classes sociais e seu papel na estrutura. “As classes são condição da produção, pois são elas que dão forma à produção e a permitem; assim como são condição da troca, na sociedade produtora de mercadorias, pois é através delas que as mercadorias chegam e saem do mercado. As classes sociais são tão importantes na determinação do processo da produção quanto as condições materiais” (ibid.: 54). Situa-se a seguir numa posição gramsciana ao desenvolver uma análise teórica da ideologia, caracterizando-a e distinguindo-a a partir de sua vinculação com as classes sociais. “Resulta, pois, o caráter de classe da ideologia. A ideologia comporta a ideologia dominante e a ideologia dominada, com tendências semelhantes às classes sociais” (LIMOEIRO CARDOSO, l977: 91). Para uma melhor caracterização a autora define, frente à ótica da sociedade de classe, uma ideologia “do como”, isto é, aquela ideologia dominante cuja tarefa principal é a apresentação das justificativas das necessidades daquela classe dominante, mascarando-as como necessidades gerais. A outra é a “do por que” , a ideologia das classes subalternas baseada, sobretudo, no questionamento da dominação, que é ao mesmo tempo responsável pela busca de outro tipo de organização da sociedade. Nesse sentido, está a importância da ação ideológica dessas classes subalternas, tornando-se possível a construção de sua própria ideologia, mesmo na sociedade capitalista. É de se questionar qual seria a categoria teórica explicativa dessa produção ideológica nas sociedades de classe. LIMOEIRO CARDOSO (1978: 73) encontra-a no conceito de hegemonia 1, segundo Gramsci. É com esse conceito que se tornam possíveis as explicações das relações que se travam entre as classes sociais e no interior das classes sociais fundamentais, constituindo-as. Torna-se possível trabalhar, agora, com os aspectos da direção política e cultural que envolvem as classes fundamentais presentes na sociedade. Em Gramsci, hegemonia é, portanto, um conceito que não exige o domínio prévio do poder, mas sim a adesão em torno de uma classe, seja por outra classe ou por segmentos dessa classe. Dessa adesão decorrem dois aspectos básicos: primeiro, a coesão por oposição, isto é, o processo de adesão no interior de uma classe, através de um processo gerador de uma
_________ 1. Essa interpretação de hegemonia é desenvolvida por Limoeiro Cardoso em seus dois livros: La Construcción de conocimientos: cuestiones de teoría y método, p, 103 e Ideologia do Desenvolvimento- Brasil: JKJQ, p, 73.
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direção, a partir de frações dessa mesma classe, distanciando-a da outra classe fundamental. Esse processo conduz à coesão de classe. É possível que a direção política também se exerça entre classes sociais, quando um projeto de uma fração de uma classe consegue a adesão não somente de setores afins da mesma classe, como também de frações de outra classe. Através desse processo, um projeto cuja base e origem é particular, se generaliza ou até se universaliza, funcionando então como um projeto da sociedade como um todo. O segundo aspecto se refere à coesão por domínio, num processo de imposição entre classes distintas. Instaura-se aí, com o recurso à força, a coesão entre classes. O primeiro aspecto depende da “subordinação, ou do exercício negativo do domínio e conduz a uma coesão de classe”. O segundo “depende do exercício positivo do domínio e instaura uma coesão, precária por que entre as classes” (ibid.: 73). Há algo diferente na formulação gramsciana de hegemonia. Para ele, esta se exerce e se expressa de duas maneiras: uma, pelo domínio; outra, pela direção intelectual e moral. “O domínio supõe o acesso ao poder e o uso da força, compreendendo a função coercitiva; a direção intelectual e moral se faz através da persuasão, promove a adesão por meios ideológicos, constituindo a função propriamente hegemônica” (ibid.: 73). Dessa forma, abre-se a possibilidade de se conceber hegemonia no campo das classes dominadas, naturalmente vinculada ao grupo hegemônico interno ou “grupo social básico”. Esta interpretação tem forte significado para o conceito de hegemonia, considerando-se que, em Lenin, a hegemonia era exercida pela classe dominante, sendo necessário o acesso ao poder para se estabelecer a hegemonia também no campo cultural, moral e político. É uma visão onde a transformação no campo ideológico se implanta com a necessária transformação econômica, sendo possibilitada pelo acesso político. Na interpretação gramsciana há, portanto, uma negação dessa visão, abrindo espaço para o exercício da direção intelectual, moral e política da hegemonia, antes da chegada ao poder. Estabelece-se, dessa maneira, uma nova forma de relacionamento do político e do econômico. “Sem deixar de considerar o econômico como determinante, procura descobrir a autonomia relativa da política quanto à economia, revalorizando, assim a ideologia. ... Não há dúvida de que a determinação é do econômico, mas não diretamente, nem imediatamente, nem absolutamente” (ibid.: 74). Segundo a autora, há uma revalorização “positiva e determinante” do fator ideológico, expressando-se assim uma forma de como se efetiva tal ação, onde há o exercício da função dirigente sem testar ainda sob seu controle a função de domínio. Fica claro que não há independência entre transformações ideológicas e transformações econômicas e nem tão pouco que elas podem acontecer de forma natural, direta ou espontânea. “A hegemonia é apresentada como uma reforma intelectual e moral junto a uma transformação das relações econômicas da sociedade”1. Esse é um processo de formação da vontade coletiva, unificador do proletariado, dos trabalhadores em torno das lutas fundamentais da classe. Um processo de unicidade de fins econômicos e políticos com a unidade intelectual e moral que é possível com a formação de uma política de alianças. “O proletariado pode se tornar classe dirigente e dominante na medida em que consegue criar um sistema de alianças de classes que lhe permita mobilizar contra o capitalismo e o Estado burguês a maioria da população trabalhadora ...” (GRAMSCI, l977: 22).
__________ 1. Cambareri, S. Il Concetto di egemonia nel pensiero di A. Gramsci. Roma, Runiti, Cardoso , Miriam. Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK - JQ, p. 75.
apud Limoeiro
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Assim é que se estabelece como elemento fundamental a questão das alianças no pensamento de Gramsci. É uma questão decisiva para o operariado na conquista da direção ideológica e política da sociedade. Para CARVALHO (1986: 54), as alianças são importantes para a conquista do poder, considerando que é através desse sistema de alianças que se “configura a base social da ditadura do proletariado e do Estado operário”. A constituição desse sistema ou a construção dessa vontade coletiva se dá em decorrência de um processo complexo de relações políticas que se estabelecem entre as frações das classes dominadas. Dessa maneira, está reservado a uma dessas frações (por exemplo, o operariado) o exercício da direção política, firmando alianças, eliminando-se qualquer relação de opressão política e de domínio e estabelecendo-se compromissos com as reivindicações fundamentais da classe. “O processo de constituição de alianças é um processo democrático na busca de um consenso, pressupondo uma direção exercida pela classe proletária enquanto classe que, assumindo uma função fundamental no sistema produtivo, tem um papel histórico no desenvolvimento da sociedade” (Ibid.: 55).
Dessa mesma base teórica surge o conceito de bloco histórico, que, de acordo com uma das interpretações correntes, designa o fato de que as forças materiais são o conteúdo, enquanto as ideologias constituem a forma desse pensamento. Não se conceberão, portanto, historicamente, forças materiais sem forma nem as ideologias sem forças materiais. “Esse conceito pode ser assumido como o positivo, sendo o negativo as componentes que o acionam, o colocam em crise e o derrubam” (SICHIROLLO,1980: 198). As forças materiais, as ideologias e a sua dialética não são, na verdade, um ponto de vista na análise gramsciana. A filosofia, como historicidade e ideologia, e o conceito de bloco histórico se tornam “um resultado histórico, e o conceito de dialética, que é a sua mediação, identificase com a realidade histórica, quando é encarada como (e na) plenitude das contradições” (ibid.: 199). Em Concepção Dialética da História, Gramsci faz um resgate da “filosofia da práxis” . No contexto da chamada “corrente historicista”, pode-se afirmar que o aludido pensador põe uma essência nessa elaboração, não isolando as dimensões econômica, política e ideológica, mantendo em última instância a determinação econômica. Essa visão vai perpassar os temas candentes do campo do marxismo, tais como a singularidade de seu método de análise, bem como a transição para o socialismo. Ao resgatar a filosofia da práxis, GRAMSCI (1981: 189) também lhe confere uma autonomia, que consiste no fato de não poder se confundir e nem se reduzir a nenhuma outra filosofia. “ Ela não é só original enquanto supera as filosofias precedentes, mas notadamente enquanto abre um caminho inteiramente novo, isto é, renova de ponta a ponta o modo de conceber a própria filosofia...”. Nessa perspectiva está uma nova concepção de mundo. Está também uma nova formação social, sendo indispensável pensar a ideologia nesse contexto, considerando-se que ela está encaixada nas relações entre as classes constituintes dessa formação social. “Eliminando-se qualquer destas relações, elimina-se a possibilidade de entender a ideologia e a sua influência na formação, na manutenção e na transformação da sociedade” (LIMOEIRO CARDOSO, l978:72). O conceito de hegemonia não pertence exclusivamente à fórmula gramsciana da “hegemonia civil” , pois já aparece em outros autores na tradição marxista, particularmente em Lenin. Trata-se de uma fórmula que aponta para uma necessidade tática, para as atividades de organização dos setores subalternos da sociedade, na busca da construção de sua própria hegemonia. TUMOLO (1991) mostra que a escola, a universidade, como “aparelho de hegemonia”, pode tornar-se uma das “agências” da construção da hegemonia proletária, na medida em que exercer a função de transmissão do conhecimento sistematizado, considerando que essa construção pressupõe a apropriação desse conhecimento. A busca por outras visões de mundo com as classes subalternas que eventualmente estejam sendo discutidas através de projetos de extensão ou outras formas pode constituir-se em experiências de construção de hegemonia. A discussão da hegemonia, em GRAMSCI (l987: 9),
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implica reforma intelectual e moral. Ele fala de outra civilização que pretende a “elevação civil dos estratos oprimidos da sociedade” e que “deve estar ligada a um programa de reforma intelectual e moral”. Uma discussão da hegemonia trata especificamente de relações internas à superestrutura, mas também remete à estrutura como determinante delas. Essa análise do autor (ibid.: 45) é marcada por duas formulações feitas por Marx. A primeira diz respeito à impossibilidade da sociedade de propor tarefas para cuja solução não existam já as condições necessárias e suficientes, ou que estas não estejam em vias de aparição e de desenvolvimento. A segunda é que nenhuma sociedade se dissolve ou pode ser substituída sem antes ter desenvolvido todas as formas de vida implícitas nas suas relações. São essas relações, segundo o pensador, que precisam ser distinguidas em movimentos orgânicos e movimentos de conjuntura. Hegemonia com essas características, incluindo a possibilidade de que também seja construída e exercida pelos grupos dominados, constitui um avanço no campo das formulações marxistas, desdobrando teoricamente recursos de estratégia e de tática para um processo de transformação, a ser assumido pelas classes subalternizadas. É um processo marcadamente cultural enquanto conhecimento de sua própria personalidade, compreensão de seu valor histórico, de sua função na sociedade, além de seus direitos e deveres. Tudo isso pode dar-se antes da tomada do poder. Este é um processo em que as classes subalternas já iniciam o exercício de sua hegemonia, enquanto a consolidam através de sua própria prática política, difundindo e vivenciando a sua concepção de mundo. A partir daí, pode-se analisar a sociedade com base numa metodologia que é a de detectar os princípios ou movimentos que buscam a organização de uma “vontade nacional-popular” 1 , tendo como desafio a combinação do orgânico e do ocasional - a conjuntura. A dimensão ocasional valoriza aspectos econômicos num determinado momento. A estratégia é, contudo, a afirmação da necessidade de acúmulo de forças, intensificando a busca por mais e mais aliados. A visão orgânica pode arrastar consigo um certo voluntarismo, salientando a intervenção da vanguarda teórica que interpreta o desejo das massas. Essa vanguarda, muitas vezes, buscou uma ruptura revolucionária, apesar de não haver movimento das mesmas. DIAS (l991: 5) exemplifica essa visão com a postura da tática classe versus classe, desenvolvida pela Internacional Comunista, contra a qual Gramsci se posicionara, mesmo no cárcere. No processo de construção de hegemonia das classes subalternas da sociedade, GRAMSCI (1987: 49) distingue três níveis ou momentos das relações e forças. No primeiro, a classe existe objetivamente, mas não se traduz necessariamente em existência política. No segundo momento - o político - as classes vivem um processo econômico-corporativo voltado para si e para seus interesses específicos. Seu processo de avanço político dá-se no sentido de perceber a necessidade de sair de seu isolamento enquanto classe. É um processo de onde se desenvolvem avaliações do grau de homogeneidade a classe, de sua auto-consciência e de organização. Quanto a esse momento, GRAMSCI (ibid.: 50) afirma: “ Há vários graus de consciência política coletiva: a) o econômico-corporativo onde a identificação se faz a nível de corporação, e não de classe; b) já se apercebe da identidade de classe mas não coloca a questão do Estado. Sua política está na perspectiva e no terreno da política existente; c) é, especificamente política e que assinala a clara passagem da estrutura à esfera das superestruturas complexas; é a fase em que as ideologias germinadas precedentemente se tornam partido (...), criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados”.
No terceiro momento, situa-se a relação das forças militares. Este, por sua vez, está dividido em graus, no sentido estritamente técnico-militar e político militar. Em Gramsci, há possibilidades de cristalização de limites onde se tenha a criação de novo bloco histórico, como nas revoluções francesa e russa. Para ele, “o desenvolvimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o terceiro momentos, com a mediação do segundo” (ibid.: 51). __________ 1. Ver DIAS, Edmundo Fernandes. Hegemonia: nova civilitá ou domínio ideológico. Perspectiva, no. 5 , jul-dez. l991. Editora da Universidade Federal de Uberlândia, MG.
História e
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Assim é que a construção da teoria da hegemonia na visão gramsciana vai sendo construída através da concepção de ampliação do Estado, e com isso, a estrutura de poder, com a retificação do conceito de intelectual-partido, bem como de uma concepção mais abrangente da luta de classe, ou seja, da revolução. Nesse processo de análise, alguns pressupostos são colocados como base na formulação da teoria de hegemonia das classes subalternas. Num primeiro momento da obra gramsciana, investe-se no terreno das relações sociais, dando maior amplitude e definição aos sujeitos dessas relações. Hegemonia, como direção e consenso, não se simplifica nas explicações das relações entre classes. Vai mais além. A hegemonia, ao explicar as relações entre os diversos grupos e camadas sociais que dão a conformação de uma sociedade, ultrapassa o terreno das relações entre classes e passa a nomear outros sujeitos para as relações entre grupos sociais no interior de um mesmo aparelho de hegemonia, num partido político ou nas igrejas, entre leigos e pastores, ou no interior da escola, entre alunos e professores. Amplia-se mais a hegemonia ao discutirem-se as relações de um país, ao estudar-se a História dos Estados, nomeando-os hegemônicos e subalternos. Maior ampliação se apresenta, ao trazê-la para o nível conceitual, destacando as relações do exercício do saber, ao desenvolver a critica à filosofia idealista, posicionando-se pela filosofia da práxis, buscando, como ação, a unidade entre ciência e vida, entre teoria e prática. Convém ainda destacar em GLUCKSMANN (l980: 30), como elemento importante na abordagem de Gramsci sobre esse processo de construção de hegemonia, a questão do conceito de Estado, entendido como instrumento coercitivo. Esse conceito se apresenta como expressão de equilíbrio entre sociedade civil e política (ou hegemonia exercida por um grupo social sobre a sociedade nacional como um todo, por meio de organizações pretensamente privadas, tais como: Igreja, sindicatos, escolas, etc). Essas organizações vão constituir os aparelhos de hegemonia de uma classe, em suas várias articulações e subsistemas. Situam-se, como aparelhos de hegemonia, o aparelho escolar, o aparelho cultural e o editorial, envolvendo bibliotecas e museus. Como aparelho de hegemonia estão também os jornais, as igrejas, os partidos e até os nomes de rua. Esse conceito, segundo a autora, é uma novidade nos Primeiros Cadernos - o conceito de aparelho de hegemonia - sendo completado pelo de “estrutura ideológica de classe”. Define-se aparelho de hegemonia como um “conjunto complexo de instituições, ideologias, práticas e agentes (entre os quais os “intelectuais”), que encontra sua unificação através da análise da expansão de uma classe vindo qualificar e precisar o conceito de hegemonia” (ibid.: 70). Fundamental também é a compreensão do intelectual no processo de direção, bem como, seu papel no processo de organização e transformação. GRAMSCI (1979: 7) compreende o intelectual não no sentido da erudição, deslocando-o daquilo que é intrínseco às atividades intelectuais, para defini-lo “no conjunto de sistema de relações no qual estas atividades (e, portanto, os grupos que as personificam) se encontram, no conjunto geral das relações sociais”. Isto exige, para a realização do conceito, a ação ao nível da organização da classe reivindicada pelo intelectual. É, então, um organizador em todos os campos da vida social. Sua função social e seu vínculo orgânico com um projeto político de classe, para construção de hegemonia, são os parâmetros que definem o intelectual gramsciano. Partindo de suas observações do modo de constituição da unidade italiana, GLUCKSMANN (1980) destaca a importância dada à maçonaria, como representação da ideologia e da organização real da classe burguesa capitalista. Para ela, isto é a prova de uma organização aparentemente privada, porém, desempenhando papel ideológico e político, portanto decisivo, na unificação de classe, por intermédio do Estado e dos “intelectuais”. Um exemplo apresentado pela autora “mostra o papel do aparelho de hegemonia em um modo de constituição de classe, seus vínculos com o Estado” (ibid.: 141). Aparelhos de hegemonia podem ou não estar vinculados ao Estado. A escola e a universidade se constituem em aparelhos dessa natureza, veiculando ações que podem ajudar a construção de hegemonia da “classe subalterna”. GRAMSCI (1979: 130), em sua investigação sobre o princípio educativo, onde discute também o papel dos intelectuais, observa:
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“A escola luta contra o folclore, contra todas as sedimentações tradicionais de concepções de mundo, a fim de difundir uma concepção mais moderna, cujos elementos primitivos e fundamentais são dados pela aprendizagem da existência de leis naturais como algo objetivo e rebelde às quais é preciso adaptar-se para dominálas, bem como de leis civis e estatais que são produtos de uma atividade humana estabelecida pelo homem e podem ser por ele modificadas visando a seu desenvolvimento coletivo (...) a lei civil e estatal organiza os homens de modo historicamente mais adequado à dominação das leis da natureza, isto é, a tornar mais fácil o seu trabalho, que é a forma própria através da qual o homem participa ativamente na vida da natureza, visando transformá-la e socializá-la, cada vez mais profunda extensamente”.
A noção de aparelho de hegemonia, atribuindo qualificação e precisão à hegemonia, acrescenta ainda mais uma proposição na formulação dessa teoria. Nela, a de idéia de hegemonia não depende só dos sujeitos e “locus” da sua realização. Não diz respeito à maneira distinta de sua realização. Depende, isto sim, da articulação dessas proposições. Ela se efetiva através de instrumentos, as “instituições” várias. Para NASCIMENTO (l984: 81), “a hegemonia de um sujeito histórico precisa realizar-se em „locus‟ específicos, com um conteúdo preciso, em formas singulares e através de instrumentos e instituições que lhe são próprias”. Da tentativa de compreensão de uma relação hegemônica, portanto, surgirá a definição do sujeito ou sujeitos a quem ela diz respeito, mesmo que nem sempre estejam evidentes. A definição de espaço social, em que a hegemonia se exerce, precisa seu tempo, forma e conteúdo na historicidade dos sujeitos. Serão necessários também os seus mecanismos particulares de realização, além dos instrumentos e instituições onde a hegemonia se concretiza, ou se concretiza o seu aparelho. Estas são as bases teórico-metodológicas que estarão permeando os estudos dos vários projetos de extensão universitária, em desenvolvimento, na busca de respostas às questões formuladas para pesquisa.
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CAPÍTULO II EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
1 - Concepções de extensão universitária O papel singular possivelmente reservado à extensão universitária conduz a uma busca das diferenciações conceituais nesse campo. Os primórdios da extensão universitária aparecem com as universidades populares da Europa, no século passado, que tinham como objetivo disseminar os conhecimentos técnicos, segundo vários autores, como ROCHA (1986), FAGUNDES (1986) e BOTOMÉ (l992). É importante observar os comentários de GRAMSCI (1981: 17) sobre essas universidades: “ ... estes movimentos eram dignos de interesse e merecem ser estudados; eles tiveram êxito no sentido em que revelaram da parte dos simplórios um sincero entusiasmo e um forte desejo de elevação a uma forma superior da cultura e de uma concepção de mundo. Faltava-lhes, porém, qualquer organicidade, seja de pensamento filosófico, seja de solidez organizativa e de centralização cultural; tinha-se a impressão de que eles se assemelhavam aos primeiros contatos entre mercadores ingleses e negros africanos: trocavam - se berloques por pepitas de ouro”. A crítica se refere aos intelectuais que, mesmo desejosos de “servir ao povo”, à classe dominada, teriam um outro papel, que era o de compreender as formas de vida e as propostas da classe trabalhadora. Esquecidos desse papel, ou mesmo por incompetência, esses intelectuais expressavam, segundo a crítica de Gramsci, uma visão dominadora de seus saberes ao pretender “levá-los” ao povo. Além das experiências européias, foi em universidades norte-americanas, sobretudo naquelas localizadas na zona rural, que surgiram duas novas visões diferenciadas daquelas existentes na Europa: uma visão denominada cooperativa ou rural e outra universitária em geral. Essas visões, contudo, estavam “marcadas” por um certo desejo de “ilustrar” as comunidades. A extensão nas universidades americanas caracterizou-se, desde seus primórdios, pela idéia de prestação de serviços. Os movimentos europeus de universidades populares, ou a extensão veiculada por eles, diferenciam-se substancialmente das versões americanas. Estas, em geral, resultaram da iniciativa oficial, enquanto aquelas surgiram de esforços coletivos de grupos autônomos em relação ao Estado. A esse respeito, TAVARES (l996: 27), afirma: “ Visando, por um lado, preparar técnicos e, por outro lado, dispensar o mínimo de atenção às pressões das camadas populares, ainda que cada vez mais expressivas e mais reivindicativas, a extensão universitária se consolida através de cursos voltados para os ausentes da instituição que, sem formação acadêmica regular, desejam obter maior grau de instrução”. Já, na América Latina, a extensão universitária esteve voltada, inicialmente, para os movimentos sociais. Merece destaque o Movimento de Córdoba, de l918. Nesse movimento, os estudantes argentinos enfatizam, pela primeira vez, a relação entre universidade e sociedade. A materialização dessa relação ocorreria através das propostas de extensão universitária que possibilitassem a divulgação da cultura a ser conhecida pelas “classes populares”. Esta foi uma idéia preliminar, que permeou também a organização estudantil no Brasil, a partir de l938, quando da criação da União Nacional dos Estudantes - UNE. Essa idéia foi determinante para a concepção de extensão veiculada pelo movimento estudantil brasileiro. No Brasil, anteriormente ao movimento estudantil organizado pela UNE, houve experiências de vinculação da extensão com as universidades populares, na tentativa de tornar o conhecimento científico e literário acessível a todos. No início do século, surgem a Universidade Popular da Paraíba e a Universidade Popular de São Paulo, sendo esta a mais importante. Mas,
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sobretudo com a Universidade Popular de São Paulo, a experiência de extensão a partir da organização universitária inicia-se pela promoção de “cursos de extensão” veiculadores de conteúdos “positivistas ou de disseminação da cultura da elite” (ROCHA, 1989:7). Na concepção veiculada pelo Movimento de Córdoba, a extensão universitária surge como “fortalecimiento de la función social de la Universidad. Proyección al pueblo de la cultura universitária y preocupación por los problemas nacionales” (BLONDY, 1978: 8). Nesse caso, a extensão universitária se desenvolve como uma tentativa de participação de segmentos universitários nas lutas sociais, objetivando transformações da sociedade, sendo esta uma preocupação marcante no movimento de reformas de Córdoba, uma combinação, segundo ROCHA (lbid.:11), da “ideologia nacional-populista então vigente, com uma luta política de combate ao imperialismo, que se traduzia na necessidade de uma aliança pan-americana”. Desses ideais, destacam-se dois tópicos constantes na Carta de Córdoba: “a) a extensão universitária entendida como fortalecimento da função social da universidade. Projeção ao povo da cultura universitária e preocupação pelos problemas nacionais; b) a unidade latino-americana e a luta contra as ditaduras e o imperialismo” (ibid.: 13). Essas reivindicações estudantis, entre outras, sugerem que a reforma de Córdoba se movimenta num campo teórico-político muito vasto. Caracterizando-se como um movimento político-estudantil, a reforma mostrou a necessidade de participação das classes subalternas na nação, através da extensão. Tudo isso ocorre num momento político em que a Argentina vivia um clima de anti-imperialismo, projetando-se a necessidade de que, através de segmentos universitários, a própria universidade participasse das transformações sociais. Pode-se compreender que as „tarefas de extensão‟ possibilitariam aos estudantes formas de se familiarizarem com os problemas da realidade, decorrentes dos contatos com o “povo”. O ideário da extensão desenvolve-se voltado para a difusão cultural, sobretudo, para a educação popular - desde o Congresso Universitário, em l908, no México - refletindo-se no movimento de reformas de Córdoba. São esses ideais que inspiram a plataforma dos estudantes brasileiros. A UNE, que é referência da organização do movimento estudantil no país, assume essas idéias, de acordo com ROCHA (Ibid.:13) ao “elaborar o Plano de Sugestões para uma Reforma Educacional Brasileira”. O ideário de Córdoba está expresso nas funções sociais reservadas para a universidade, assim delineadas: “1) (...) a transmissão e desenvolvimento do saber e dos métodos de ensino e pesquisa através de exercício da liberdade do pensamento, da cátedra, da imprensa, de crítica e de tribuna de acordo com as necessidades e fins sociais; 2) a difusão da cultura pela integração da universidade na vida social popular”(apud, POERNER, 1979:328). A extensão aqui é entendida em termos de difusão da cultura e de integração da universidade com o “povo”. As vias de implementação serão, naturalmente, os cursos de extensão e divulgação de conhecimentos científicos e artísticos. Trata-se de uma concepção que compreende a função da universidade como “doadora” de conhecimentos, pretendendo impor uma “sapientia” universitária a ser absorvida pelo povo. Por isso, o caráter assistencialista está presente nesse Plano de Sugestões da UNE. A concepção de extensão do movimento estudantil foi sendo divulgada pelas mais diferentes formas em todo o país, através do Teatro da UNE, dos Centros de Debates, Clubes de Estudo, Fóruns, Campanhas para a Criação de Bibliotecas nos Bairros, Agremiações Desportivas das Populações Pobres e, até, Educação Política, com debates públicos, quando a temática era de interesse dos trabalhadores. Com a criação da UNE, o Movimento Estudantil enfrentaria, em vários momentos, a política hegemônica dos grupos dominantes em relação não só à universidade, mas também às políticas voltadas para a sociedade. Em particular, destaca-se a famosa campanha do “Petróleo é Nosso”. Em seu Congresso da Bahia (UNE, 1961: 26), ao discutir a Reforma Universitária, a entidade apresenta os traços marcantes da extensão universitária. Esse documento trata de dois aspectos básicos: a análise da realidade brasileira e a análise da universidade no Brasil. No texto, merece destaque o capítulo que trata da Reforma Universitária que, definindo suas diretrizes, passa a
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assumir um “compromisso com as classes trabalhadoras e com o povo”. Assim, é que se defende a abertura da universidade ao povo, com prestação de serviços e promoção de cursos a serem desenvolvidos pelos estudantes em faculdades. Esses cursos possibilitariam o conhecimento da realidade por eles e, por isso, a universidade - a extensão - os levaria à realidade. A universidade teria um papel de “trincheira de defesa das reivindicações populares, através da atuação política da classe universitária na defesa de reivindicações operárias, participando de gestão junto aos poderes públicos e possibilitando cobertura aos movimentos de massa” (ibid.: 56). Caberia à universidade, através da extensão, a conscientização das massas populares, despertando-as para seus direitos. Das diretrizes da Declaração da Bahia depreendem-se as características de uma universidade democrática, marcada pela extensão universitária. O Movimento Estudantil, através das mais diferentes formas, encaminhava suas propostas, principalmente pelos Centros Populares de Cultura - os CPCs da UNE - desenvolvendo ações no sentido de “abrir a universidade ao povo” e, por outro lado, de “levar os estudantes à realidade”. Torna-se problemático, nesse documento, o papel da universidade que, enquanto serviço de órgãos governamentais, seria também a “gestora” na defesa das reivindicações operárias. Mesmo assim, na Declaração da Bahia, o caráter da extensão é marcado pela autoridade do saber universitário e pelo seu paternalismo em relação às comunidades tanto da cidade como do campo. Quanto aos processos de democratização da universidade, as lutas continuavam ainda limitadas a processos eleitorais de que apenas estudantes e docentes participavam. Após 64, a ditadura militar assumiu algumas das reivindicações do Movimento Estudantil, dando-lhes a sua peculiar conotação ideológica1. Inclui como disciplina nos currículos da universidade os estudos de problemas brasileiros. A análise política, contudo, era feita segundo o “catecismo” do poder militar dominante e não traduzia, na prática, o significado dado pelos estudantes, na Declaração da Bahia. No tocante à extensão, a ditadura militar criou vários programas de integração estudante-comunidade como o do Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária CRUTAC 2, considerado por MATTOS (1981: 108) “um recurso realmente capaz de viabilizar a política de extensão universitária...” , sendo relevantes o destaque que teve o programa na estrutura da universidade e as condições, inclusive financeiras, de sua realização. Foram criados o Projeto Rondon e a Operação Mauá, esta vinculada mais diretamente à área tecnológica. Criaram-se tais programas como expressão política de contenção das reivindicações estudantis e de combate às mudanças de base, defendidas no governo de João Goulart. Com isso podiam apresentar-se às comunidades rurais como os benfeitores da sociedade organizada que preconizavam. Os estudantes podiam desenvolver atividades profissionais, nesses projetos, ainda que de caráter assistencial, tudo sob rigoroso controle político e ideológico. Observe-se o papel político atribuído à extensão universitária, demonstrando como pode também servir ao controle social e político. A universidade pode, dessa maneira, exercer efetivamente uma função social sem estar sob o ponto de vista das classes subalternas. Convém ainda lembrar que, naquele momento, também efetivavam-se duras medidas de repressão sobre a sociedade brasileira e, de forma mais direta, sobre o Movimento Estudantil, vindo a desfazer, em consequência, o sonho da universidade democrática. Ao analisar conceitualmente a extensão veiculada por Córdoba e pelo Movimento Estudantil, ROCHA (l989:27) vê uma dupla possibilidade nessas formulações. A primeira se apresenta como uma linha institucional, em termos de atuação própria da universidade; a segunda se processa no plano organizacional, quando da ação autônoma do estudante, que sempre foi o agente fundamental desse processo. Na vida universitária, a partir da Reforma de l968, a extensão formalizase institucionalmente, firmando-se a idéia de prestação de serviço, “como algo próprio e permanente na vida universitária”. A extensão passa a desempenhar papel importante para a realização das políticas do governo, através da extensão universitária, a partir da Reforma Universitária, assumindo uma função oficialmente definida e que tem tido também o objetivo de captação de recursos para complementação de verbas insuficientes das dotações universitárias. A relação da universidade com as “classes subalternas” da sociedade tem se efetivado, preferencialmente, pela oferta de cursos - os cursos de extensão - ou ainda através de serviços médico, odontológico ou jurídico. A extensão se delineará como um canal de construção de hegemonia de setores dominantes da sociedade, enquanto veiculadora, sobretudo, de um saber dominante. Esse tipo de função social se exerceu, de forma marcante, na época da ditadura militar, na medida em que se buscou o controle de total da
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universidade. É importante destacar que, nos dias de hoje, de novo, o Governo procura também exercer o controle total da universidade com as suas decisões políticas. Essa situação põe em alerta os que desenvolvem atividades acadêmicas e em particular aqueles que estão trabalhando em projetos de extensão. As experiências vêm mostrando que a universidade continua praticamente mantendo essa mesma postura, ao lado dos setores dominantes. Ao discutir o envolvimento da universidade na vida da sociedade, KERR (1982: 97) apresenta uma visão ainda mais ampla da extensão universitária, considerando uma maior “fusão” dos “campi” das universidades com as indústrias e com o próprio governo. Nesse sentido é que compreende a extensão como uma “aprendizagem permanente”, expressando um entendimento idêntico ao que vem sendo apresentado pelas atuais políticas neoliberais para a universidade. SAVIANI (1981), por outro lado, apresenta uma visão não extensionista da extensão universitária. O autor faz um detalhamento sobre o que é o ensino, a pesquisa e a extensão na universidade. Vê o ensino centrado, basicamente, na transmissão do saber; a pesquisa destinada à produção de novos conhecimentos, à “ampliação da esfera do saber humano”. Por fim, a extensão, a terceira função da universidade, “significaria a articulação da universidade com a sociedade” (ibid.: 62). DARCY RIBEIRO (1982), por outro lado, vai tratar a extensão universitária como extensão cultural, considerando-a uma atividade de caráter mais ou menos demagógico, exercida no interior da universidade ou fora dela. Entende tal ação como um “borrifar caridoso” de um chuvisco cultural sobre as pessoas. Para superar essa prática política, propõe que na universidade haja obrigatoriedade no sentido de que todos os seus setores assumam atividades de extensão universitária como atividades regulares. Um segundo requisito é que a “universidade nova” ofereça o maior número possível de “Cursos de Seqüência”. “Para isso, será preciso tornar obrigatória, para todos os Departamentos, a abertura de seus cursos regulares à inscrição de candidatos não curriculares, até o limite de 25% do total das matrículas” (ibid.: 239). Pode-se perguntar se isso constitui democracia na universidade ou não será essa a qualidade de educação pública superior proposta por Darcy Ribeiro. Que significa esse tipo de presença das pessoas na universidade? A quem serve essa medida acadêmica? A idéia de extensão universitária, segundo FRAGOSO FILHO (1984), é algo que vem de fora da universidade. A finalidade principal era, na verdade, o aprimoramento ou desenvolvimento de novas técnicas para a produção, sobretudo nos Estados Unidos. Para ele, a extensão é um recurso inventado para queimar etapas do desenvolvimento, fazendo parte de um projeto da UNESCO, para os países de Terceiro Mundo. Extensão pode então ser entendida como “ação prolongada da universidade junto à comunidade circundante; segundo, como expansão para outra comunidade carente e distante de sua sede, do resultado de sua atividade universitária” (ibid.:29). Para ele, esta segunda versão também é conhecida por “campi” avançados. MEC (BRASIL/MEC,1985: 31) expressa a importância, bem como a conceituação de extensão universitária, através da Comissão Nacional para a Reformulação da Educação Superior. O relatório final dessa comissão menciona que a extensão universitária vem assumindo formas diversificadas e, conseqüentemente, exige uma melhor definição de sua natureza. A extensão universitária tem adotado as mais variadas formas de atividades como: estágios curriculares, trabalhos de assessorias e consultorias, além de atendimento a setores sociais carentes. Isto posto, a comissão recomendou, na época, estudos sistemáticos para uma maior especificação da “natureza e seu significado para o conhecimento da realidade” (ibid.: 31). Contudo, propõe que as atividades de extensão universitária busquem assegurar a “difusão dos conhecimentos obtidos; a continuidade dos serviços oferecidos à população; a contínua ação recíproca entre a extensão, por um lado e, por outro, 1
- Ideologia. Ver: LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK - JQ. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2a. ed., 1978. Destacar a partir da temática: A ideologia como problema teórico. p.39. 2.
Para melhor análise, ver: PAIVA, Vanilda. Extensão Universitária no Brasil. Rev. Bras.de Estudos Pedagógicos. Jan/abril/86, vol, 67, no. 155.). Essa visão se torna importante, pois aquilo que se está produzindo, como conhecimento novo, precisa ser repassado à sociedade e não apenas a um grupo especial que busca uma profissão acadêmica. O autor tenta superar uma visão profissionalizante de universidade.
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o ensino e a pesquisa” (ibid.: 32). Destaca-se sobre extensão, em relação ao MEC, o relatório do GERES (BRASIL/MEC,1986: 3), reforçando a Lei nO. 5.540/68, em que se estabelece o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, prefigurando esta como elemento associado em igualdade de condições. Mas a formulação sobre a extensão é ausente nesse relatório que, por seu turno, reforça sua compreensão idealizada de universidade, com citação de Karl Jaspers, onde a idéia de universidade vincula-se a de sua independência para “a busca da verdade sem restrições”. Para profissionais da área tecnológica, há uma diferenciação também quanto ao conceito de extensão universitária. Para ALENCAR (1986: 99), a extensão universitária apresenta visibilidade quando se formula através de convênios diretos entre universidade e empresa. Assim, vê a extensão contando com programas dentro de possíveis convênios, apontando para um espectro amplo de atividades que, no campo da tecnologia elétrica, envolve programa de visitas de alunos e professores a empresas; visita de engenheiros e técnicos das empresas às universidades; programa de estágios e até programas de atualização técnica de professores junto às empresas. Trata-se de uma visão em que, utilizando-se um laboratório, por exemplo, se pode fazer extensão através da prestação de serviço tecnológico. Uma solicitação que é formulada a um laboratório por uma empresa e sua resposta a essa demanda vão se constituir numa via de duplo sentido, caracterizando uma atividade extensionista. Para o autor esta é uma idéia em que se busca a superação da instituição universitária, entendida como tradicional, caminhando-se, assim, na direção de um perfil moderno de universidade. Vislumbra, dessa forma, a modernização da universidade através da extensão. A extensão, nessa perspectiva, aparece como “função fim, interligada ao ensino e à pesquisa e voltada para a formação de carreiras tecnológicas, em estreito contato com a sociedade, para servi-la em suas necessidades de progresso e desenvolvimento” (ALMEIDA, l992: 61). Esses autores atribuem à extensão um papel modernizador único e bastante sonhador, como se o atendimento dessas necessidades só dependesse da extensão. Antes de tudo, deve-se questionar essa modernização perguntando pelo menos a quem ela serviria, mesmo que se realizasse através da extensão. Para CORDEIRO (l986: 51), de uma maneira geral, as iniciativas no campo da extensão universitária têm se curvado à influência cultural dominante do autoritarismo e do elitismo. Isto conduz a autora a formular dois grandes desafios à universidade, a saber: a tarefa educativa para construção de uma cultura democrática e a tarefa necessária de se rever a si mesma, frente aos ensinamentos da realidade. Para ela, “esses processos podem se constituir em um só e a extensão, enquanto momento de vivência comunitária, poderá ser um eixo importante para as mudanças que se quer promover”. Tem-se uma perspectiva possível de extensão como eixo possibilitador de alguma transformação, bem como a extensão expressa pela “convivência comunitária”. A proposta de extensão da Universidade de Brasília (UnB: l989), veiculada pelo Decanato de Extensão, caracteriza a sociedade em um nível incipiente de organização, tendo como conseqüência a falta de consciência pelos seus direitos de cidadania. As solicitações imediatas são as primeiras a serem colocadas, vindo fomentar o assistencialismo e não a autonomia dos setores populares. Nessa situação, a extensão universitária pode direcionar-se para “a autonomia política dos segmentos populares, resgatar sua cidadania e lutar contra o tradicional e nocivo assistencialismo (ibid.: 58). Durante o XIII Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas do Nordeste (BRASIL/MEC,1994: 1), a extensão é vista como “um nascedouro e desaguadouro da atividade acadêmica, da qual a pesquisa seria o desenvolvimento das respostas, e o ensino o envolvimento dos estudantes em todas as etapas desse processo ... “. Isto vai implicar a necessária parceria tão propalada nos dias de hoje. Parcerias que se expressarão tanto na dimensão interna como, também, na dimensão externa da comunidade universitária. Tal perspectiva vai abrir a concepção de extensão como “a porta na qual os clientes e usuários têm de bater, quando necessitados” SOUSA (1994: 16). Para o autor, a extensão tem o papel de construir as “passarelas” para o relacionamento da universidade com a sociedade. A universidade exerce, segundo ele, uma liderança na sociedade, pois ela “faz com“ e “faz fazer”. ”Amealhar parcerias. E, num mutirão de solidariedade, consegue navegar” (ibid.:16). Como resultado das deliberações do VIII Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (BRASIL/MEC, 1994a: 3), ter-se-á uma perspectiva
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de extensão voltada para a cidadania. É a partir do conceito de cidadania que a extensão se externa como um conjunto de direitos civis, políticos e sociais gerando, como conseqüência, deveres do indivíduo para com a sociedade e para com o Estado. Nesse encontro, a universidade é vista como sujeito social, devendo, portanto, inserir-se na sociedade “cumprindo seus objetivos de produtora e difusora de ciência, arte, tecnologia e cultura compreendidas como um campo estratégico vital para a construção da cidadania”. A partir de uma auto-reflexão, a universidade deve possibilitar esse intercâmbio entre si mesma e a sociedade, contribuindo para a construção de uma cultura de cidadania. É diretriz daquele encontro que “as atividades de extensão devem voltar-se prioritariamente para os setores da população que vêm sendo sistematicamente excluídos dos direitos e da compreensão de cidadania” (ibid.: 3). Nesse debate, ROCHA (1980) mostra, sinteticamente, as diferentes formulações “equivocadas” sobre extensão, quais sejam: como prestação de serviços, como estágio expressando, as mais das vezes, a agregação da universidade aos programas do governo, opção de captação de recursos, expressão da autonomia do ensino e da pesquisa, como possibilidade de se estudar a realidade e ainda como qualquer atividade que não possa situar-se como ensino ou como pesquisa. Analisando aspectos ideológicos do “fazer extensão”, FREIRE (1976) sugere a substituição do conceito de extensão por comunicação, entendendo que este último traduz muito mais essa dimensão da universidade, superando o conteúdo de uma educação “bancária e domesticadora” , a qual a extensão possa conduzir. Para REIS (l994), a extensão universitária, no Brasil, vem apresentando duas linhas de ação, refletindo o próprio conceito. Em uma delas, o autor apresenta a extensão centrada no desenvolvimento de serviços, difusão de cultura e promotora de eventos, daí a denominação de eventista - inorgânica. Na outra linha, denominada de processual - orgânica, está voltada para ações, com caráter de permanência presente ao processo formativo (ensino) do aluno, bem como à produção do conhecimento - pesquisa - da universidade. Nessa linha de ação, estão sendo realizadas, em geral, as atividades de extensão por boa parte das universidades brasileiras, com base no conceito de extensão universitária do I Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão de Universidades Públicas , em Brasília. Nele a extensão foi considerada: “ Processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e a sociedade. A extensão é uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica que encontrará, a sociedade, a oportunidade de elaboração da praxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será associado aquele conhecimento. Este fluxo que estabelece a troca de saberes sistematizado, acadêmico e popular, terá como conseqüência: a produção de conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira regional; a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade. Além de instrumentalizada deste processo dialético de teoria/prática, extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integradora social” (BRASIL/MEC, l987: 1).
DANTAS (1983: 26), ao analisar a tarefa social que constitui a extensão universitária, em especial ao pensar os serviços da extensão, coloca-a “gravitando” em dois aspectos fundamentais: o primeiro, que é a consideração do saber que existe no povo, destacando a necessidade de não “absolutizar e sacralizar essa sabedoria popular, porém deve-se levar em conta, criticamente, a extensão universitária”. O segundo, que é a extensão voltada à ação que assessora as populações com mecanismos ou instrumentos que as ajudem, tendo em vista a transformação social. Já o Movimento Docente, através da ANDES, ainda voltado à compreensão de extensão como prestação de serviço, vai caracterizá-la à parte, em relação à realização de atividades. Estas devem ser concebidas e estruturadas enquanto instrumentos acadêmicos voltados à formação acadêmica e ao desenvolvimento da pesquisa, bem como a apoios à comunidade. Essas ações não podem estar voltadas à captação de recursos para complementação de verbas das instituições universitárias. O Movimento Docente, admitindo saldos financeiros dessas atividades, entende que “aos departamentos envolvidos cabe gerenciar os recursos eventualmente provenientes dessas atividades dentro de normas gerais, estabelecidas de forma democrática” (ANDES, l985: 20). Isto
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sugere uma abertura para tais possibilidades de geração de recursos, submetendo-os, entretanto, a uma gestão “transparente” de seu gerenciamento. O Ministério da Educação e Desporto - MEC continua utilizando o conceito de extensão definido no I Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão como um processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a sociedade. Reconhece a extensão como uma prática acadêmica que visa a interligar as atividades de ensino e pesquisa com as demandas da sociedade, com isso, procurando assegurar o compromisso social da universidade para com a sociedade. Para o MEC (BRASIL/MEC,1996) a extensão, sendo essa via de interação entre universidade e sociedade, se constitui em elemento capaz de operacionalizar a relação entre a teoria e a prática. Ao assumir o conceito desse Fórum, o MEC coloca também como objetivos da extensão, no ano de l996, a articulação do ensino e da pesquisa, no sentido de atender as demandas da sociedade. Estabelece mecanismos de integração entre o saber acadêmico e o saber popular. Propõe democratizar o conhecimento acadêmico promovendo a participação da sociedade na vida universitária e formando o profissional-cidadão. Pretende, também, contribuir para as reformulações das concepções e práticas curriculares e, ainda, para a reformulação do conceito de “sala de aula”. Para efetivar sua política, o MEC definiu, para l996, o Programa de Fomento à Extensão Universitária, voltado à integração com o ensino fundamental que abrange três linhas básicas: “formação inicial e continuada de professores do ensino fundamental(1a. a 4a. séries); produção de material didático; educação de jovens e adultos” (ibid.: 1). Na vida universitária, como se vê, a extensão vem se colocando, em geral, de forma institucionalizada por parte do poder de Estado, seguindo a tônica da prestação de serviço e, mais que isso, buscando integrar as comunidades a seu projeto de sociedade e de universidade. Isto tem, de certa forma, se constituído em algo próprio e permanente na vida universitária. A extensão assume uma função oficialmente definida, passando a ter um papel de captação de recursos para complementação de verbas insuficientes das dotações orçamentárias. A relação da universidade com a sociedade tem se dado preferencialmente pela oferta de cursos e dos serviços de saúde e jurídico. A extensão se delineia como um canal de construção de hegemonia de setores dominantes da sociedade enquanto veiculadora, sobretudo, de um saber também dominante. A universidade parece manter essa postura. Todavia, o papel da extensão não tem sido apenas o de contribuir para um exercício de ratificação dessas práticas de dominação. Por exemplo, as experiências de extensão, no início da década de 60, da Universidade de Pernambuco; as tentativas de extensão como caráter processual da Universidade de Brasília; projetos de extensão como os da Universidade de Ijuí, no Rio Grande do Sul; projetos de extensão na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), como o SEAMPO ( Setor de Estudos e Assessorias aos Movimentos Populares) e outros projetos em andamento nas várias universidades, onde profissionais atuam, as mais das vezes, de forma isolada, ao que parece, veiculam uma outra visão de mundo, outro papel para a extensão universitária, outra concepção de universidade. Parece importante conhecer como vem se desenvolvendo a extensão na UFPB e, a partir daí, fazer-se uma análise sobre suas possibilidades diante desse quadro da extensão universitária.
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2 - Extensão na Universidade Federal da Paraíba - UFPB 2.1 - Política de extensão na UFPB A Universidade Federal da Paraíba tem presença marcante em todo o Estado, por constituir-se numa instituição que oferece sessenta e cinco cursos de graduação e trinta e seis cursos de pós-graduação, dos quais seis em nível de doutoramento. A área construída e a sua população, de aproximadamente vinte e quatro mil pessoas, são marcas de sua presença no Estado. Presença essa que é notável, sobretudo, na área artístico-cultural do Estado, sendo expressa quando dirigentes do Estado vêm dos quadros da própria universidade - professores ou técnicos - ou quando a arte se faz nas próprias dependências da instituição, em espaços culturais, alternativos ou formais. Num Estado com características econômicas como as da Paraíba, a universidade é bastante solicitada, atuando, às vezes, em áreas de obrigação do Estado e de Municípios. A UFPB é uma das poucas instituições de ensino superior no país distribuída em sete “campi”, cobrindo as várias regiões do Estado. É uma configuração que traz benefícios à população, pois possibilita um “olhar” tanto diferenciado como mais próximo da realidade do Estado e, assim, tenta responder, através da produção de conhecimentos, às suas demandas. “Por outro lado, é essa mesma malha, que, grande e operosa, espalha recursos e pulveriza ações tendo em vista que o MEC não consegue, orçamentariamente, „ler‟ as necessidades mínimas de uma instituição desse porte. Sua matriz orçamentária passa ao largo entre o real e o ideal” (UFPB/PRAC, 1994c: 2). Sendo um centro gerador e formador de recursos humanos em nível de graduação e pós-graduação, é uma das poucas instituições no Estado a desenvolver pesquisa, o que a torna significativa, não somente para o Estado da Paraíba, mas para toda a região nordestina. Quanto à extensão, a UFPB conta com a Coordenação de Extensão Cultural, que vê nessas práticas a saída para o interagir da universidade com a sociedade nas diversas regiões do Estado. A extensão, como conceito, se torna “o elemento catalisador e propulsor dessa empatia, e mais, especificamente, a leitura cultural que essa instituição pode, e deve fazer, da sua identidade e do seu povo” ( ibid.: 2). Uma declaração, na verdade, de uma instituição que busca tornar-se “vanguarda” dos movimentos da sociedade. A Coordenação de Extensão Cultural entende “ser a extensão o caminho mais curto entre a academia e a sociedade que nos sustenta” (Ibid.: 3). Estes são conceitos de extensão apresentados como elemento catalisador e propulsor de empatias ou como um caminho, demonstrando uma diferenciada percepção sobre extensão no próprio setor coordenador da extensão. Essas concepções repassam para a extensão um papel de responsabilidade pela promoção de contatos com a sociedade. Todavia, esse papel não é exclusivo da extensão. Na segunda concepção, elege a extensão como um caminho, pretendendo-o talvez verdadeiro e, conseqüentemente, único. Essa é uma perspectiva que pode expressar o autoritarismo da própria definição. Na Universidade Federal da Paraíba, a extensão universitária destina-se a toda a comunidade acadêmica - alunos, servidores não docentes e servidores docentes - como “um processo educativo, cultural, científico e tecnológico que articula o ensino e pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a sociedade” (UFPB/CONSEPE, 1993: 1). Esse processo pode ser exercido com um duplo caráter: o eventual e o permanente. O caráter eventual da extensão é compreendido como a realização de atividades esporádicas que estão voltadas ao aperfeiçoamento e à atualização de conhecimentos. Visa também à implementação de práticas objetivando a produção técnico-científica, cultural e artística. Essas práticas podem estar voltadas a “serviços educativos, assistenciais e comunitários”. O caráter permanente, por sua vez, é aquele conjunto de atividades já elencado, mas que adquiriram formas sistematizadas e de maior duração em relação ao tempo de execução. Esse conceito de extensão já é conhecido dentro das formulações em estudo, mesmo que, do ponto de vista da equipe da UFPB, exista um alerta aos aplicadores de projetos ou programas
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de extensão - os departamentos - destacando que a “indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão é um preceito constitucional, que deverá ser obedecido...”(ibid.: 1), quando da elaboração e realização de planos de atividades originárias de núcleos ou departamentos. Reconhece que a extensão é uma das atividades básicas da universidade, colocando para os seus diversos setores a necessidade de ser tratada de forma compatível com a sua importância quanto aos aspectos de disponibilidade de recursos financeiros, programação das atividades e distribuição de encargos docentes, bem como para efeito de avaliação funcional do docente. Ao enfatizarem a legalidade quanto à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, os dirigentes reafirmam não a indissociabilidade que é necessária entre ensino, pesquisa e extensão. Reforçam, na verdade, o conceito de extensão exposto anteriormente que também passou a ser uma orientação para os Pró-Reitores de Extensão, ou seja, o conceito de extensão como sendo uma via de mão dupla. Com isso impede-se a tentativa exploratória, papel característico da pesquisa, em buscar outras formas alternativas e conceituais para a extensão. A extensão universitária passou a se realizar através das seguintes formas: “Cursos de treinamento profissional; estágios ou atividades que se destinem ao treinamento pré-profissional de pessoal discente; prestação de consultoria ou assistência a instituições públicas ou privadas; atendimento direto à comunidade pelos órgãos de administração, ou de ensino e pesquisa; participação em iniciativas de natureza cultural; estudo e pesquisa em termo de aspectos da realidade local ou regional: promoção de atividades artísticas e culturais; publicação de trabalhos de interesse cultural; divulgação de conhecimentos e técnicas de trabalho; estímulo à criação literária, artística, científica e tecnológica; articulação com o meio empresarial; interiorização da universidade” (UFPB/CONSEPE; 1993: 2). As formas de extensão acima definidas foram apresentadas aos Centros da Instituição. Nos Conselhos de Centros estão sendo regulamentadas, contemplando-se as especificidades dos diversos campos do conhecimento. Ao se observar a regulamentação em um dos Centros da UFPB - o Centro de Educação - se constata que o conceito de extensão permaneceu, basicamente, igual ao que já havia sido definido pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade (CONSEPE). Pouca ou nenhuma contribuição houve, nesse sentido, na regulamentação pelos diversos Conselhos de Centros. A extensão universitária, considerada “como atividade básica e indissociável de ensino e da pesquisa, deve ser contemplada quanto a recursos financeiros; espaço físico; programação das atividades e distribuição de encargos docentes; avaliação funcional docente” ( UFPB/CE, 1994: 4). Esta é a orientação aprovada, mas, como se sabe, deverá haver muita pressão política, por parte daqueles profissionais que atuam também na extensão, para a efetivação desse dispositivo legal. Vê-se, por outro lado, que a formulação de extensão da UFPB se enquadra perfeitamente nas orientações gerais repassadas aos Pró-Reitores de Extensão para as demais universidades no país. O processo de organização da Pró-Reitoria de Ação Comunitária - PRAC - se inicia com a criação do Comitê de Extensão, com o objetivo de manter discussão permanente sobre as práticas na extensão universitária, sobretudo buscando, através desse grupo, formular políticas para serem desenvolvidas no âmbito dos sete “campi” instalados em todo o Estado: João Pessoa, Campina Grande, Areia, Bananeiras, Patos, Sousa e Cajazeiras. Na instalação desse comitê, discutiu-se a extensão na universidade, ocasião em que o Reitor a considerou como: “... A ligação direta com a comunidade, acreditando no crescimento da UFPB, na construção de uma universidade diferente, com pesquisa de ponta, ensino de qualidade, e a extensão na escuta do que está acontecendo na região, na integração da sociedade e que, independentemente de posições políticas, tem-se que trabalhar para a construção dessa universidade que desejamos” (UFPB/PRAC; 1993a: 2).
Com esse comitê instala-se efetivamente um grupo de discussão sobre questões de extensão, apresentando formas de encaminhamentos com projetos que estão, por sua vez, sendo
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desenvolvidos em todo o Estado. Tal comitê, tratado como um fórum de debates sobre políticas de extensão no âmbito da UFPB, torna-se também um elemento da estrutura da vida acadêmica. Com sua instalação, evidencia-se uma compreensão sobre extensão, considerando-a um “elo importante que a universidade mantém com a comunidade” (ibid.: 2). Assim, enfatiza-se definitivamente a concepção da extensão como um elo dentro do ideário simbólico da via de mão dupla. Será necessário, para se acompanhar o desenvolvimento de projetos no campo da extensão universitária, através da PRAC-UFPB, destacar-se a avaliação que foi realizada pelos diversos setores voltados para a extensão e, particularmente, para sua decisão de criação de coordenações. A primeira é a Coordenação de Cursos e Programas de Extensão (COPREX), voltada para políticas de incentivos e apoio a cursos que são aprovados em nível departamental. A segunda é a Coordenação de Extensão Cultural (COEX), voltada para implementação de projetos e eventos no campo cultural do Estado. A terceira é a Coordenação de Assistência e Promoção Estudantis (COAPE), que cuida das questões referentes aos estudantes. A quarta é a Coordenação de Programas de Ação Comunitária (COPAC), que se ocupa da elaboração de projetos de organização das comunidades e movimentos sociais, bem como da efetivação e acompanhamento desses projetos. A quinta e última é a Coordenação de Programas de Integração Universidade - Municípios, criada para o atendimento das demandas vindas de prefeituras das várias regiões do Estado. Cuidou-se ainda de organizar um grupo de trabalho para acompanhar, junto à própria universidade, os diversos processos de ordem financeira e de pessoal envolvidos na extensão universitária. A dinamização e a agilização desses trabalhos de extensão ficaram por conta do setor de projetos que passou a ter como um dos objetivos principais a identificação de fontes de financiamento e ajuda para os diversos setores da Pró-Reitoria, atuando na elaboração e encaminhamento desses projetos. Uma tarefa que se apresenta imediata, exigindo posicionamento político da equipe de extensão, é a presença de muitas demandas dos setores sociais organizados, basicamente, de prefeituras. Quem deve ser prioritariamente atendido? Um debate estabelecido e não resolvido a nível de equipe, indica que, pelas orientações gerais, devem ser atendidos todos os segmentos sociais. Porém, isto não é possível pelas limitações intrínsecas da equipe. Segundo análise da equipe da Pró-Reitoria, a PRAC teve crescimento, sobretudo, quanto ao número de funcionários assumindo atividades de extensão, algo incompatível com as suas funções. Em si, atividades de extensão não são da competência de uma Pró-Reitoria específica. A extensão estava muito centrada na Pró-Reitoria de Ação Comunitária, com isso, dificultando o trabalho de profissionais da universidade voltados à extensão que estavam em seus departamentos ou centros. Importa ressaltar, no entanto, que houve um reordenamento de pessoal e, com isto, uma descentralização das atividades de extensão para os departamentos, no sentido de que os projetos de extensão pudessem ser gerados a partir dos profissionais nos seus setores de trabalho. Esse aspecto foi aceito pela equipe, que iniciara o processo de “retorno” da extensão aos centros e particularmente aos departamentos. Na verdade, o papel da Pró-Reitoria é apoiar, vitalizar e coordenar as atividades de extensão no âmbito da UFPB. Nesse sentido, o grupo de reordenamento de pessoal passou a ter o seguinte entendimento da extensão: “Uma atividade acadêmica que se propõe ser o elo de ligação entre a universidade e a sociedade, no sentido de que a ela cabe levar para a sociedade os resultados dos conhecimentos adquiridos e produzidos, objetivando a melhoria da qualidade de vida da população, ao mesmo tempo que permite à universidade apreender os problemas, os anseios, as necessidades existentes na comunidade, de modo, tanto a instigar novas pesquisas quanto a repensar o seu saber” (UFPB/PRAC; 1992: 11).
Portanto, a equipe expõe a sua visão voltada para a extensão como uma via de mão dupla. Para ela, nesse sentido é que a universidade se coloca em um processo permanente de interação com a sociedade. Entende ainda que, sem esse processo extensionista, a universidade “entra em processo de envelhecimento, de isolamento, de esclerose, deixando de exercer a sua função social” (ibid.: 11). Com o cuidado de não cair em práticas pontuais ou mesmo voluntaristas, a equipe definiu
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alguns programas básicos que congregassem e fortalecessem os esforços existentes nos diferentes setores da universidade. A visão de mão dupla, como foi apresentada, torna a extensão a única via de se interagir com a sociedade. Nega dessa forma que, através do ensino e da pesquisa, também se interage com a sociedade. A discussão que deve ser encaminhada por qualquer via - ensino, pesquisa ou extensão - é a seguinte: Quem está interessado por essa interação e a quem ela está servindo? Os programas iniciaram-se pela assistência estudantil, caracterizando-se não como mero assistencialismo, pautado apenas pelas distribuições de passagens, doações de xerox, ajudas financeiras individuais como tônicas de Pró-Reitorias de Ação Comunitária, mas para o direcionamento de ações dirigidas aos estudantes, situadas no âmbito da formação da cidadania. “O apoio aos estudantes deve ser feito através de suas entidades representativas em função de uma política do reitorado frente ao movimento estudantil” (Ibid.: 11). Segue-se, com essa política, uma redefinição do programa de bolsas, inserindo-o no programa de extensão e das atividades de pesquisa, estabelecendo critérios de concessão, em que haja pleno conhecimento do segmento estudantil. Estimulou-se a atividade cultural com ações voltadas para a organização de cursos de extensão cultural, mapeamento e dinamização dos espaços disponíveis, existentes na universidade e em todo o Estado. Finalmente, no campo interno, salientou-se a importância no sentido de que as atividades de extensão fossem voltadas ao processo de avaliação da universidade, fomentando os seminários internos de avaliação das atividades de extensão. É interessante ressaltar o desenvolvimento de uma política voltada para os estudantes, a partir da assistência. Será essa a melhor política a ser implementada pela extensão, ensino ou pesquisa para ser desenvolvida com os estudantes? Não será interessante o fortalecimento maior das entidades estudantis primando pela sua autonomia? Com relação aos programas, criou-se o da Integração Universidade/Setor Produtivo, no sentido de estabelecer mecanismos que contribuíssem para a viabilização da integração entre a instituição e o setor produtivo estadual. O programa volta-se para esse setor, de modo a buscar as suas dificuldades ou problemas técnicos que enfrenta, promovendo-se, com os pesquisadores da universidade, o estudo desses problemas. O relacionamento exigiria, por outro lado, a necessária divulgação dos resultados dessas possíveis pesquisas. Até porque já existem na universidade setores com potencial técnico para realizar pesquisa nesse campo. Por conseguinte, não constitui nenhuma novidade a consolidação e expansão de mecanismos como esses. A extensão na UFPB, com esse projeto, continua enfatizando o percurso que vem sendo dado, que é a ênfase ao atendimento ao empresariado. Abre possibilidades de pagamentos por esses serviços prestados, dentro da perspectiva de a universidade colocar-se no mercado para, no futuro, buscar os seus próprios recursos. No campo da saúde, já existiam vários projetos em andamento, alguns deles fixados nos próprios setores e inerentes àquelas atividades, como o atendimento ambulatorial nos HU‟s. Desenvolvem-se ainda atividades voltadas para o campo didático do ensino da saúde como o Estágio Rural Integrado - ERI - do qual participam estudantes de várias universidades do país, como também ao atendimento odontológico e farmácia/escola. Além dessas atividades, buscaram-se incentivos para outros programas de saúde, inserindo-se o CERESAT - Centro de Referência da Saúde do Trabalhador - e outros programas, no sentido de integrá-los em torno de núcleos de extensão permanente. Um cuidado especial se exige das coordenações de projetos dessa natureza, como o ERI, para não repetir simplesmente a fórmula do Projeto Rondon, em que a extensão se tornou um instrumento muito importante na veiculação da ideologia dominante. Definiu-se também um programa de Apoio e Assessoria aos Movimentos Sociais. A perspectiva desse programa é no sentido de contribuir com o processo organizativo da sociedade civil. A PRAC definiu-se pelo apoio e incentivo às iniciativas que visassem a colaborar, no interior da universidade, com os vários tipos de movimentos sociais existentes na Paraíba - sejam movimentos comunitários, como associações de moradores, cooperativas, comunidades de base e outros, bem como o movimento sindical e movimentos populares. O apoio a esses movimentos não estava voltado apenas para o caráter de suas reivindicações, mas, principalmente, “enquanto experiências de exercício criativo na busca de alternativas viáveis para a superação de aspectos da crise econômica, política e social que passa o País” (Ibid.: 13).
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O Programa de Extensão Cultural está dirigido à promoção do processo de interiorização da arte e da cultura, em suas diferentes formas de expressão e manifestação, juntamente com outros órgãos do Estado e de prefeituras. Volta-se ainda para a identificação e o incentivo à preservação das diversas manifestações locais de cultura popular. Toda a perspectiva até então analisada configura uma percepção do papel da universidade, particularmente pela extensão, de atendimento a todos os setores sociais. Uma visão eclética da função social da universidade em que ela deve atender a todos devido ao seu caráter de universalidade. Esconde-se dessa forma a idéia de que todos os setores da sociedade são atendidos de forma equânime, tornando sem sentido o debate sobre a existência de classes sociais. Vários foram os encaminhamentos feitos no sentido de inicialmente regulamentar as atividades de extensão da universidade, num processo de institucionalização. Com isso, também foi possível a interiorização das atividades de extensão. Com a criação do informativo Eventos, de divulgação mensal, possibilitou-se a socialização de todas as atividades desenvolvidas nos departamentos, no âmbito de toda a universidade. Pode-se, agora, acompanhar com maior agilidade a programação que está se realizando nos centros e departamentos. Procurou-se viabilizar um programa de cooperação técnica entre as universidades do Nordeste na área de extensão, com destaque para o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis e Comunitários, contribuindo para a definição de uma política nacional de assistência estudantil, destacando a luta pela dotação orçamentária que garanta a implementação dessa política. Existe, ainda, a implementação de um Programa Nacional de Referência de Extensão - PRONARE - em andamento, que está subordinado ao Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão. Destacam-se, na dimensão social-comunitária do Plano de Trabalho para l993, as ações visando à criação de condições básicas para o desenvolvimento das atividades de extensão - a proposta de regulamentação da extensão como orientação para toda a universidade e a criação de bolsas de extensão, com os recursos da própria instituição, como forma de estímulo à participação discente nos projetos de extensão. É determinante, nesse momento, a definição da política de extensão da UFPB, apresentada através do Programa de Apoio ao Ensino de 1o. e 2o. Graus, objetivando a coordenação e apoio às diversas iniciativas existentes na UFPB, voltadas a treinamento e qualificação da rede pública de ensino de 1o. e 2o. graus. O programa de extensão cultural busca dotar a universidade de uma política extensionista com identidade cultural, “na formação de novos agentes e na difusão dos bens artístico-culturais, a linha mestra de suas ações, na perspectiva de uma nova relação da sociedade com o seu fazer cultural” (UFPB/PRAC, 1993b: 2). Entre as atividades em desenvolvimento até o ano de l994, podem ser destacadas aquelas voltadas à melhoria do ensino de 1o. e 2o. graus, a partir dos diversos núcleos, laboratórios, programas e serviços disseminados pelos vários “campi”, em todo o Estado. Os seis núcleos existentes ocupam-se com atividades que vão desde a educação especial até estudos sobre a mulher sertaneja. Os quatro laboratórios envolvem-se com pesquisa do ensino da Matemática, no Campus II, bem como com a capacitação de professores em Ciências e Matemática, em João Pessoa. Os quatro programas tratam desde a pesquisa em literatura popular até programa de apoio ao ensino de Química nas escolas. Os projetos de extensão, voltados ao ensino fundamental, desenvolvem-se também com as mais variadas temáticas. Há projetos no campo da Comunicação e Expressão, no tocante à linguagem, destinados aos professores de primeira fase do primeiro grau, do município de Olivedos, na Serra da Borborema, - “revendo o conceito de leitura e produção de texto” - ou mesmo um projeto, como “o livro de pano é coisa séria” desenvolvido em Campina Grande e Guarabira. Ao todo podem ser listados quatorze projetos no Estado. Ainda no mesmo campo, em Educação Artística e Educação Física, outros projetos se desenvolvem, bem como na área da Matemática - como a Forma e a Figura na Escola, em Estudos Sociais, como o projeto sobre a Avaliação da Qualidade e Melhoria do Ensino de Geografia, projetos da área de Ciências, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, além de outros projetos, cursos, treinamentos, assessorias, reciclagens, como o projeto de capacitação para professores leigos da zona rural, em Cajazeiras. Além disso, são desenvolvidas atividades em congressos, encontros e até em cursos ao nível de pós-graduação, como o curso de Especialização em Administração da Educação a Distância. Todas essas atividades estão sendo desenvolvidas em trinta e oito municípios do Estado. Em relatório divulgado pela Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários, observa-se a existência de um hiato entre as intenções e gestos no orçamento e nas precárias condições para o
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desenvolvimento de projetos voltados, em particular, para a extensão universitária. Com o crescente esvaziamento das atividades extensionistas, foi criado um Programa de Bolsas de Extensão “como forma de incentivar o engajamento do corpo discente em projetos elaborados pelos docentes, estimulando, por sua vez, a produção acadêmica nessa área” (UFPB/PRAC, 1994a: 2). Vislumbra-se, na participação do aluno, um canal de reflexão sobre os problemas da sociedade. Essa participação, por seu turno, revigora o saber acadêmico acumulado, através desse “estreitamento das relações entre a universidade e sociedade” (ibid.: 2). Com o objetivo de promoção da participação dos alunos em atividades de extensão, essas bolsas são distribuídas para os programas de Extensão Cultural, Apoio ao Ensino de 1o. e 2o. Graus, programa de Saúde, Promoção Estudantil, Assessoria aos Movimentos Sociais e Programa de Integração Universidade/Empresa/Municípios. Um programa foi implantado, a partir do mês de setembro de 93, com dotação de duzentas bolsas, distribuídas entre os projetos selecionados nos Centros da Universidade. A distribuição pautou-se por critérios de eqüidade entre os Centros e proporcionalidade em relação ao números de alunos, definidos pelo Comitê Assessor da Pró-Reitoria que, por sua vez, é composto por assessores de extensão dos Centros e coordenadores da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários. Esses projetos variam quanto aos objetivos, considerando as diferentes temáticas, envolvendo: Curso de Instrumentação Cirúrgica, promoção do I Circuito Integrado de Ciências e Artes, Capacitação de Professores ao Ensino de Ciências, Assessoria ao Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil em Saúde e Segurança do Trabalho, “Design” de um equipamento para fins de Dessalinização de Águas Salobras, Rotinas Trabalhistas, Assessoria às Administrações Municipais na nova Visão Jurídico-Social e Empréstimo de Reprodutores “Sindi” aos Criadores do Semi-Árido paraibano, com objetivos de “melhoramento genético do rebanho bovino da região, difusão da raça Sindi e a observação do desempenho dos mestiços do cruzamento Sindi x Animais comuns da região” (UFPB/PRAC; 1994b: 52). Ao se buscarem os objetivos da Coordenação de Extensão Cultural, encontra-se, nas suas atividades, o relato, de forma sucinta, das principais experiências extencionistas na área cultural. Tem ainda por objetivo: “Oportunizar ao meio universitário, em geral, o conhecimento das atividades desenvolvidas pela administração central no campo artístico-cultural; prestar contas, ao contribuinte, em geral, de tudo o que se fez nesse período administrativo, do menor gesto ao mais problemático projeto; e, registrar e avaliar as realizações, os acertos e os desacertos visando o consolidar um processo de transformação nas maneiras de administrar a coisa pública” ( UFPB/PRAC, 1994c: 3). No relatório de atividades, podem-se destacar os seguintes eventos: reuniões, encontros, seminários, debates, programas e aquelas atividades necessárias para a efetivação dos apoios a eventos, seja em forma isolada ou mesmo em parcerias com outros organismos, inclusive com empresas privadas. Registra-se, no período de janeiro a dezembro de 1994, um total de quatrocentas e onze atividades. Destas podem ser destacadas as seguintes: apoio ao V Curso de Teatro Infantil, à Associação Cultural de Cabedelo (cidade do litoral da Paraíba), ao grupo Lâmpada Mágica, do Curso de Educação Artística, ao Documentário Homem-Peixe, ao vídeo SERTÃOMAR, de Marcus Villar, e ao Núcleo de Documentação - NUDOC. Para a Coordenação de Extensão Cultural, todo esse trabalho está reconhecido no cenário cultural paraibano e nordestino. Isto é decorrente de um programa que leva em consideração “os documentos e discussões emanadas dos fóruns de debates sobre políticas culturais. Esse resgate é um detalhe importante. Queremos mais” (UFPB/PRAC, 1994c: 41). Este “querer mais” vem se confirmar ao serem elencadas as atividades do ano seguinte(1995), constatando-se a realização de seiscentas e noventa e uma atividades, sendo grande parte delas ações do ano anterior, acrescidas de novas atividades (UFPB/PRAC; 1995a). Da Coordenação de Programas de Ação Comunitária (COPAC) destacam-se as atividades conduzidas pela própria equipe da COPAC, incentivando a organização social e melhoria da capacidade produtiva de várias comunidades. Essas comunidades são em número de cinqüenta e cinco, distribuídas em praticamente todo o Estado, sobretudo em comunidades do litoral e brejo paraibanos. Essas atividades organizativas passam por criação de associações em muitas dessas
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comunidades, como Associação dos Pescadores de Costinha, Associação de Moradores da Aldeia Cumaru, em Baía da Traição e Associação de Moradores da Praia de Campina, no Município de Rio Tinto. Além disso, incentiva, no processo de organização, a criação de conselhos como o Conselho Indígena da Aldeia São Francisco, Conselho Indígena Nova Jerusalém, na aldeia Tracoeiras, na Baía de Traição, Conselho Indígena Tupã, Conselho dos Indios Potiguaras, Conselho da Aldeia de Jacaré de São Domingos, em Rio Tinto, e incentivos às atividades sindicais, como também à luta pela posse da terra. As atividades desenvolvidas nessas comunidades são sistematizadas por projetos - os mais variados - tais como: barcos de pesca, projetos agrícolas, projetos de produção de confecção e costura (Bairro do Areial) ou projetos de horticulturas. Desenvolve-se um total de dezenove projetos (UFPB/PRAC, 1993c: 3). Os cursos organizados também constituem atividades dessa coordenação e ajudam, por vezes, as lideranças comunitárias na própria comunidade. Há ações voltadas para a saúde e promoção de mutirões de canais para plantio em várzeas e até abertura do Rio Jaguaribe, em João Pessoa. Foram ainda atividades dessa coordenação, em l995, o apoio ao plantio em dez comunidades e o apoio à distribuição de mudas em parceria com o Estado. Nesse ano, realizaram-se trezentas e trinta e oito reuniões, nas várias comunidades, abordando os diferenciados trabalhos dirigidos a sua organização. Destaque-se ainda o necessário acompanhamento desses movimentos. Registre-se também, como importante, a articulação com outras instituições, em nível estadual ou mesmo federal, como o IBAMA, EMATER, FUNAI, INCRA, e Bancos, como o do Brasil e do Nordeste, além de Secretarias de Governo e ONGs internacionais. Para acompanhar essas ações, existe o programa das bolsas de extensão. As equipes que fazem parte desses programas ou projetos são constituídas de alunos dos mais variados cursos, tais como: Filosofia, Serviço Social, Odontologia, Educação e Medicina. Já se registram conquistas resultantes dessas lutas, como a desapropriação de terras do litoral para os moradores da comunidade praieira da Penha e conquista de várzeas para plantio, sobretudo em períodos de seca, na região do Vale do Mamanguape, composto dos Municípios de Mamanguape, Rio Tinto, Baía da Traição, Itapororoca e Espírito Santo. Conquistou-se também a demarcação de terras indígenas, na aldeia de Jacaré de São Domingos; criação de uma Federação de Associações Comunitárias de Pequenos Produtores, no Vale do Mamanguape; apoio a pequenos produtores no plantio em terras até mesmo da própria universidade, bem como assessoria ao Banco do Brasil quanto ao acompanhamento de projetos do Fundo de Desenvolvimento Comunitário FUNDEC, para as comunidades rurais, nos municípios de Bananeiras, Fagundes, Solânea e Caaporã ( Mata Sul do Estado). Em relação ao Programa de Assessoria aos Movimentos Sociais, destaca-se o movimento sindical, com projetos em parcerias com a Secretaria Nacional de Formação, da CUT; com os Sindicatos de Trabalhadores em Educação do Estado; com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de vários municípios, contribuindo na sua organização burocrática e nos projetos de educação de adultos, assim como educação sindical para lideranças do movimento sindical. Em particular, registra-se o apoio ao Sindicato da Construção Civil, em João Pessoa, com diversas assessorias, destacando-se o projeto de alfabetização nas construções da cidade, denominado Projeto Escola Zé Peão. Com as comunidades rurais surgem demandas no sentido de montar programas com assessorias da UFPB, como as dos sindicatos das cidades do Conde e Pitimbu. No âmbito da Educação Física, são solicitados até padrões de camisa de futebol para organização do esporte nessas comunidades e organização de comitês contra a fome. Nesses movimentos, unem-se tarefas da Pastoral Operária, da Igreja Católica, de Centros Sociais e Movimento dos Sem-Terra, quando existentes, além de organizações não governamentais. Das ações concretas, a Coordenação destaca as seguintes: roçados comunitários em comunidades das várias regiões do Estado; hortas comunitárias ou de quintal, projeto de captura de pescado na Praia da Penha e apoio à educação rural. Vários desses projetos são realizados em parceria com diversas instituições, a exemplo da FAC - Fundação de Ação Comunitária - e até com a Marinha do Brasil, na orientação técnica de navegação marítima em cursos para os pescadores. No ano de l995, as atividades foram acrescidas com novas frentes de trabalho. Implementaram-se maiores níveis de organização com aquelas comunidades onde vem se desenvolvendo algum projeto de extensão. A COPAC destaca a participação de seus técnicos, estudantes e professores nos seguintes setores: programa de Comunidade Solidária, do governo federal, juntamente com a Casa Civil do Governador do Estado da Paraíba; trabalho ligado aos
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pescadores da Praia da Penha; assessoria nas comunidades com ONGs como a AGEMTE (Assessoria de Grupo Especializada Multidisciplinar em Tecnologia e Extensão) e a Visão Mundial; grupos de assessorias dessas organizações, desenvolvendo ações em dezessete municípios, nas regiões do Agreste, Litoral, Brejo, além de quatorze municípios do Cariri. O relacionamento da universidade com outras entidades, mesmo as estatais, insere-se na linha do discurso das parcerias. Aqui também lançam-se as equipes de projetos de forma pouco analítica sobre o significado dessas parcerias com projetos ou campanhas governamentais. Atende-se a essas demandas, justificando-se apenas pelo convite que foi feito à universidade. Ora, a universidade pode dizer não. Esta é uma opção política de suas equipes de trabalho na extensão. É preciso, portanto, uma análise sobre essas solicitações, questionando os destinatários e a que políticas podem estar atendendo. Operacionalizou-se o acompanhamento do Convênio UFPB/ INCRA, nas áreas de assentamento de reforma agrária, na Paraíba, através de vários projetos, como a publicação do Atlas Geográfico e Fundiário do Estado, produzido pela Profa. Emília De Rodat Moreira. Fez-se o levantamento de áreas de tensão e conflitos de terra no Estado e instalação de vários núcleos habitacionais. Destacam-se a formação de banco de germoplasmas e campos de multiplicação de sementes selecionadas de várias espécies e o aproveitamento nas áreas de assentamento do INCRA, sob a responsabilidade de docentes da área de agricultura do Campus de Areia. Ressaltem-se também cursos de capacitação em dez áreas de assentamento sobre gerenciamento de associações de pequenos produtores rurais e associativismo, assim como a parceria realizada com a implantação do Projeto CONTACAP/INCRA, sob a responsabilidade do INCRA, BNB, DEFARA, INTERPA, EMATER organizações do Estado - o MST e a CPT , sob a coordenação de professores da universidade. No total listam-se quarenta e dois projetos ou atividades em desenvolvimento. Na parte esportiva, estão envolvidas duas mil, oitocentas e quinze crianças, além de outros projetos que atendem as mais variadas faixas etárias, como o projeto do Núcleo sobre a Terceira Idade, do qual têm surgido trabalhos monográficos ao nível de especialização em Gerontologia, voltados a temáticas ” da afetividade na meia - idade para as mulheres que estão realizando curso de pós-graduação na UFPB; o alcoolismo como causa da senilidade”(UFPB/PRAC; 1995; 8). A Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários tem expressado uma preocupação contínua com a construção de uma base institucional, assegurada ao nível dos conselhos da universidade, para a implantação e execução de uma política de extensão. Como síntese das atividades desenvolvidas até final de l994, a coordenação apresenta as seguintes iniciativas ( UFPB/PRAC; 1994d: 105): a) regulamentação das atividades de extensão pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE); b) desenvolvimento de ações junto às assessorias de extensão; c) criação e implantação do programa de bolsas de extensão; d) implantação do banco de dados sobre a temática ligada à extensão - o Bandex; e) estímulo e apoio às assessorias de extensão; f) reestruturação do setor de registro de eventos da universidade; g) calendário de eventos; h) elaboração do catálogo de atividades permanentes de extensão; i) apoio material a eventos; j) criação de uma equipe de apoio estrutural a eventos; k) reorganização da Pró-Reitoria; m) participação na elaboração do projeto de avaliação institucional, em andamento na instituição. Com essas atividades, a Pró-Reitoria entende que, juntamente com as assessorias de extensão dos centros da universidade e dos departamentos, os seus vários segmentos “têm contribuído efetivamente para o resgate das atividades de extensão da UFPB. ... tem-se procurado recuperar a importância da extensão, lado a lado com o ensino e a pesquisa, enquanto funções legitimadoras da própria existência da universidade” (Ibid.: 128). Essa recuperação deu passos importantes quando da realização do I Encontro Integrado de Ensino, Pesquisa e Extensão, em 1995. O Encontro não expressou ainda uma „perfeita‟ indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, mas apontou um caminho. Nesse encontro realizaram-se outras atividades, a saber: a) o III Seminário de Monitoria, com apresentação de quarenta e oito temáticas na área do ensino; b) o III Encontro de Iniciação Científica, com apresentação de seiscentos e oitenta e quatro trabalhos, dos quais duzentos e cinquenta e oito em painéis, e quatrocentos e vinte e seis sob a forma de comunicação oral, correspondentes aos bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC - sob avaliação do CNPq (UFPB/PRPG, 1995); c) o II Encontro de Extensão, com apresentação e exposição de cento e oitenta projetos de extensão assim distribuídos: sessenta e oito projetos voltados para a articulação com o
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ensino de 1o. e 2o. graus, quarenta e oito na área de saúde, dezoito de articulação da universidade com o setor produtivo, nove projetos de extensão cultural, trinta e cinco voltados à ação comunitária e três projetos identificados como de outras políticas públicas, a exemplo do projeto de assessoria em contabilidade pública das prefeituras municipais do Estado da Paraíba ( UFPB/PRAC, 1995b). Todas as atividades desenvolvidas constam de forma mais explicitada no relatório de atividades da Pró-Reitoria, referente ao ano de 1995, reforçando os objetivos já expostos para o campo da extensão. O relatório apresenta também as ações desenvolvidas pelas suas várias coordenações COPREX (cursos), COAPE (estudantes), COPAC (ação comunitária) e COEX (cultural), detalhando nesta última os projetos permanentes e as atividades em andamento: as do núcleo de Teatro Universitário, os projetos do Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular, o Núcleo de Arte Contemporânea, o Coral Universitário, o Balé Popular da UFPB e demais atividades do Núcleo de Documentação. São destacados também o II Encontro de Extensão, as publicações e os investimentos nesses setores, bem como as dificuldades financeiras diante das políticas públicas voltadas para a universidade (UFPB/PRAC; 1995 c). Assim, entendem os coordenadores que a extensão, embora não tenha se iniciado nesse período administrativo, venha apresentando, contudo, maior ritmo e corpo institucional. Buscando ainda a manutenção do debate em torno da problemática da extensão universitária, o desenvolvimento de processos de avaliação e a dinamização das atividades extensionistas, a Pró-Reitoria volta-se para a criação de convênios com vários órgãos e instituições estatais, bem como com entidades da sociedade civil. O objetivo é “a obtenção de recursos e melhorar a possibilidade de viabilização de projetos e práticas de extensão, em quase todas as áreas de conhecimentos onde a UFPB tem produção acadêmica significativa” ( UFPB, 1996: 45). Como se vê, é também propósito da administração da universidade encaminhar a obtenção de recursos a partir da extensão universitária. Isto expressa uma confluência administrativa com o discurso do projeto neoliberal que se instala nas instituições de ensino superior. Dos programas institucionais em andamento na universidade, particularmente os voltados à extensão, pode ainda se destacar, no campo da ação comunitária, o Programa de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho, em ações conjuntas com mais trinta outras universidades brasileiras, envolvendo, interna e externamente, grupos de acadêmicos preocupados com as questões da temática do trabalho. Há a publicação de catálogo das produções teóricas e relatos de experiências nesse campo, ao nível do Estado, bem como a publicação de um boletim da UNITRABALHO/PB. Há o programa dirigido à criação de políticas de extensão voltadas para a assessoria de grupos e movimentos sociais e o programa de apoio a projetos produtivos comunitários, que articula várias iniciativas de grupos ou setores da universidade. Isto vem possibilitando a viabilização de alternativas produtivas rurais e urbanas, juntamente com órgãos governamentais e entidades da sociedade civil, possibilitando a realização de projetos e atividades em cinquenta e duas comunidades rurais, oito comunidades de pescadores, onze comunidades urbanas, com a presença da universidade em cento e vinte e um municípios da Paraíba (Ibid.: 47). Essa presença é marcada por atividades de acompanhamento de produção, assessoramento, realização de cursos, treinamento e participação na implantação de área de proteção ambiental. Pode-se perceber o leque de demandas advindas da sociedade para a universidade, exigindo as devidas soluções. Por isso, a instituição universitária deve estar permanentemente atualizada e qualificada no que diz respeito aos instrumentos de ações e de políticas no campo da extensão, para seu atendimento ou não. A compreensão da administração é que o seu atendimento é expressão construtiva para uma universidade verdadeiramente pública. Esse atendimento não necessariamente pode significar a construção de uma universidade radicalmente pública. Ela pode desenvolver ações radicais, no sentido de torná-la pública, caso esse atendimento esteja voltado aos processos de democratização interna da universidade. Deve-se esclarecer também se essas demandas têm origem em setores da maioria da sociedade ou de pequenos grupos participantes das elites que dominam politicamente o Estado. São alguns procedimentos que podem construir uma universidade “mais radicalmente pública”. Mas não se pode conceber a universidade, por mais que sua direção seja “comprometida” com o social, como uma instituição que está agindo com “desprendimento”, em busca de algum “nobre ideal”. A “polivalência” no atendimento às comunidades pode sugerir melhores análises sobre o relacionamento da universidade com aqueles que estão sendo “servidos” por
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seus projetos. O atendimento da universidade em relação à comunidade não pode desconhecer a heterogeneidade que é inerente, tanto à própria universidade como à comunidade. É um equívoco pensar a sociedade como algo homogêneo, sem diferenciação de classes. Assim, são múltiplos os interesses que presidem as relações entre sociedade e universidade. Atualmente, mais críticas são apresentadas às práticas e conceito de extensão universitária. É preciso voltar-se às atividades de extensão que desenvolvem esforços “de construir o conhecimento e educar a população para atuar de acordo com o melhor conhecimento disponível” (BOTOMÉ, l996: 83). A extensão, no contexto em que se está vivendo no país, tem apresentado problemas de concepção sobre o papel da universidade e sobre o que é possível ser feito. Nesse sentido é que experiências em extensão merecem análise mais detida, na busca de suas formulações e possibilidades transformadoras. A partir da análise crítica de algumas dessas experiências desenvolvidas na UFPB, cabe perguntar: Há práticas de extensão que contribuem para a construção da hegemonia dos setores sociais não burgueses? Há elementos dessas experiências que permitem ultrapassar a concepção de extensão limitada à realização de eventos ou programas temporários? São questões que estarão norteando esta pesquisa.
2.2 - Projeto CERESAT O CERESAT - Centro de Referência de Saúde do Trabalhador - está vinculado à Universidade Federal da Paraíba, através do Núcleo de Estudos de Saúde do Trabalhador (NESC). Formou-se a partir de um grupo de profissionais da universidade, preocupados com a necessidade de realização de um trabalho interdisciplinar. Há economistas, médicos, geógrafos, psicólogos e outros profissionais que buscam analisar a relação da saúde e dos processos da saúde com o processo da produção. No que se refere à saúde, o grupo vincula-se a uma perspectiva da medicina social atual, que elabora a sua análise a partir de instrumental marxista, buscando alcançar e entender a origem da doença. Na área da saúde, que se caracteriza por ser um setor crítico da visão biologicista dominante nas análises sobre as doenças - a doença como sendo causada por agentes biológicos que apareceriam, de repente, para atacar o ser humano. Aquela visão crítica vai mostrar, por outro lado, que os agentes biológicos causadores das doenças não surgem dessa maneira, mas que existe uma história da doença. A partir dessa concepção, busca-se a problematização dessas relações. Esta idéia não é novidade no âmbito da organização dos trabalhadores. Entre os trabalhadores italianos, há bastante tempo vêm se colocando as questões de saúde no conjunto de suas reivindicações. Saliente-se que na Itália, bem como no Brasil, esse movimento esteve inicialmente ligado diretamente aos sindicatos. Entre os seus princípios básicos há a compreensão de que os trabalhadores não devem delegar a responsabilidade de sua saúde a nenhum técnico ou mesmo a nenhum Estado. Outro aspecto desse movimento é a idéia da necessidade de uma política de afirmação da experiência operária conduzida pelos próprios operários. No caso em que um trabalhador esteja com problemas de saúde decorrentes do uso de uma máquina, não sendo o problema detectado pelo médico da empresa, recomenda-se que todos devem denunciar as condições existentes. A experiência operária italiana promove a politização dos trabalhadores também em relação à saúde. A saúde entra como elemento dinamizador da política do sindicato. Na Itália, ocorreu uma aliança entre as centrais sindicais, de modo que em muitas fábricas os operários passaram a exercer a própria vigilância sanitária, no sentido de lutar por mudanças no ambiente de trabalho. Essas lutas levaram a reformas importantes no campo da saúde, em todo o mundo, inclusive no campo da psiquiatria. “O trabalhador está com problema neurológico, mas está por quê? Como é que pintou esse problema neurológico? Foi desde criança? Ou foi alguma substância, tipo mercúrio, que está no seu ambiente de trabalho que causou essas lesões neurológicas irreversíveis?” 1 __________ 1. Membro da equipe do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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O resultado de todo esse movimento é que o trabalhador mutilado no trabalho, por exemplo, passa a ser analisado a partir do ponto de onde esse problema surgiu e tem a ver com a sua condição de trabalho. Passa-se a ter uma vigilância sanitária nos locais de trabalho. E o que é a vigilância sanitária? “ É o lado político e que tem um lado técnico, que é você ter a capacidade de ir lá e fazer a sua investigação no ambiente de trabalho”1. Esta é uma estratégia de cunho nada regional ou mesmo nacional,
adquirindo
dimensões hoje internacionais. No caso do Brasil, também é um movimento amplo de dimensão maior, agrupando profissionais na Bahia, São esta pesquisa. Paulo, Rio Grande do Sul, Paraíba e outros Estados. Procura juntar três aspectos na saúde: a assistência, isto é, cuidar do „paciente‟ com o seu problema e conhecer o local de trabalho; desenvolver uma vigilância epidemiológica construindo um banco de dados para desenvolver a vigilância sanitária. Essa vigilância exige maior empenho político e, portanto, é mais difícil de se realizar, já que implica mudança do ambiente de trabalho. Os sindicatos, dessa forma, podem ter um campo importante para sua atuação nesse aspecto. No Brasil, essa experiência do operariado italiano é absorvida muito mais pelo movimento sanitarista e bem menos pelo movimento operário. Na Paraíba, esse projeto é gerado partindo da preocupação de se fazer a articulação da universidade com os movimentos sociais. A partir do SEAMPO (Setor de Pesquisa e Apoio aos Movimentos Populares), ligado ao CCHLA/UFPB, cria-se o grupo que vai tratar a saúde do trabalhador como ente de pesquisa. Esse movimento inicia-se na década de 70. Na Paraíba, no início da década de 90, cria-se a rede de informações sobre a temática, com a finalidade de fazer avançar a organização das informações, bem como de reduzir a sua burocracia. Com a criação do CERESAT, monta-se a estratégia de não se limitar a trabalhos isolados e nem ao nível de poucos sindicatos. Executa-se o trabalho, mas coloca-se também a necessidade da absorção dessa política pelo Estado, isto é, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), considerando, inclusive, a exigência da legislação em vigor de “que a saúde do trabalhador seja assumida pelo Sistema Único de Saúde”1. O CERESAT tem atuado nos níveis sindical e governamental, incentivando a criação do Fórum Estadual de Saúde do Trabalhador, com entidades estaduais e com o SUS. Criou-se ainda o Coletivo de Saúde, Trabalho e Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores - CUT. As atividades do
CERESAT vêm se desenvolvendo também em municípios da Zona da Mata (como o município de Mamanguape), do Litoral (como o município de Caaporã) e em sindicatos da zona urbana da grande João Pessoa. Mais recentemente vem desenvolvendo, junto ao Hospital Universitário o Programa de Saúde do Trabalhador, que apresenta como objetivo: “Contribuir com a melhoria da qualidade de vida do trabalhador realizando assistência integral à sua saúde através de: a) consultas para trabalhadores de um modo geral, com a finalidade de fornecer diagnóstico, tratamento e referências para ambulatórios clínicos e internamentos hospitalares; b) estudos epidemiológicos a partir dos casos registrados de doenças e agravos relacionados com o trabalho; c) formação de profissionais na área de Saúde do Trabalhador” (UFPB/PRAC, JAN/1995). Em todos os municípios ou sindicatos onde vem atuando, o CERESAT tem sido, no princípio da discussão coletiva, o fator propulsor para se “aumentar a compreensão de todos sobre o processo gerador de saúde/doença, além de possibilitar a tomada de posição dos interessados na solução dos problemas identificados” ( STRC/SACTES/UFPB, 1993:151). Observe-se a seguir como os temas da pesquisa aparecem neste projeto, após a quantificação de seus indicadores ou variáveis. _________ 1.
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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GRÁFICO 1 FREQÜÊNCIA DOS TEMAS
2000 1800 1600 1400 1200 1000 IX
800 V II
600 V
400 III
200 I
0 26
25
1
I. II. III. IV. V. VI. VII. VIII. IX. X.
8
6
2
5
17
2
8
%
Concepção de mundo Concepção de sociedade Concepção de Estado Configuração dos interesses sociais Concepção de prática social Relação universidade-sociedade Concepção de extensão universitária Natureza do trabalho social na extensão Papel do agente institucional Pedagogia da extensão universitária
Em termos quantitativos, salta aos olhos que três temas aparecem de forma mais expressiva: os temas I - concepção de mundo, II - concepção de sociedade e VIII - natureza do trabalho social na extensão veiculados pela coordenação do projeto(A), pelos executores do projeto (B) pelos membros da comunidade entrevistados(C) e pelos textos produzidos no projeto(D). É conveniente observar com cuidado os demais temas que, mesmo não se sobressaindo pela quantidade, podem apresentar aspectos importantes para a análise. Note-se que os temas IV - configuração de interesses sociais, V - concepção de prática social, VII - concepção de extensão universitária e X - pedagogia da extensão universitária, aparecem com resultados quantitativos muito próximos.
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Chama também a atenção para a pouca expressão em quantidade de dados dos temas III - concepção de Estado, VI - relação universidade-sociedade e IX - papel do agente institucional. O gráfico aponta, apenas, para uma primeira aproximação com o material empírico, que deverá ser analisado na sua consistência e nas possíveis contradições que abrigue. A simples distribuição percentual dos temas, no total de entrevistas e documentos analisados num determinado projeto, não significa mais do que o volume relativo das informações que os conjuntos dos textos coletados apresentam. É, dessa forma, um dado importante que assim precisa ser considerado, mas que requer a análise qualitativa da sua expressão e compreensão interna para que se possa chegar a alguma conclusão. Neste estudo, cabe lembrar que se manterá sempre como preocupação central a busca de elementos que permitam a continuação do debate sobre extensão universitária, especialmente no seu aspecto conceitual. A Tabela 1 - Distribuição dos temas e itens, por segmento - permite um maior detalhamento da análise.
TABELA 1 DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO 1 Temas
Itens
A % 1.1 - Visão que privilegia o mercado 07 I - Concepção de mundo 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) 06 aperfeiçoando a soc. 87 1.3 - Visão transformadora 2.1 Conjunto de instituições 04 II - Concepção de sociedade independentes 2.2 - Totalidade integrada 01 2.3 - Modo de produção 95 3.1 - Estado árbitro: acima das 22 III - Concepção de Estado classes/auton. absoluta 33 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela 45 classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) IV - Configuração dos 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 00 interesses so4.2 - Interesses voltados a grupos 57 ciais 4.3 - Interesses voltados à classe dominada 43
B % 06 02 92
C % 09 02 89
D%
Fi
09 01 91
136 36 1668
% itens 07 02 91
02
01
03
43
02
04 94 14 50 36
03 96 67 00 33
01 96 00 100 00
43 1713 06 16 10
02 96 19 50 41
03 21 76
00 10 90
07 68 35
11 155 425
02 26 72
V - Concepção de prática 5.1 - Interesses voltados a indivíduos social 5.2 - Processo em consonância com classes dominadas 6.1 - Instituição do saber com vida VI - Relação universidade- independente sociedade 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico VII – Concepção de extensão 7.1 - Via de mão única universi7.2 - Via de mão dupla tária 7.3 - Trabalho social ( construção de nova hegemonia ) VIII - Natureza do trabalho 8.1 - Trabalho técnico com discurso social na modernizador extensão 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 9.1 - Agente de interesses do mercado ( IX - Papel do agente capital ) institucional 9.2 - Agente neutro da instituição 9.3 - Agente comprometido com as classes dominadas X – Pedagogia da extensão 0.1 - Pedagogia tradicional universitá0.2 - Pedagogia crítica e transformadora Ria
02 98
05 95
03 97
06 94
19 423
04 96
38 00 62
65 11 24
58 33 09
31 56 13
41 17 16
61 06 33
29 08 63
66 00 34
62 01 37
00 09 91
02 06 92
00 08 92
14 28 58
64 01 35
00 10 0
00 10 0
A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores
Fgi
% tema
1840
26
1799
25
32
01
591
08
442
06
55 23 22
74
02
167 17 16
48 05 47
349
05
04 09 87
23 89 1063
02 08 92
1175
17
36 41 23
55 14 31
85 21 51
54 13 33
157
02
00 10 0
00 100
00 549
00 100
549
08
C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
Fi - Freqüência de indicadores Fgi - Freqüência geral dos indicadores
____________ 1.
Esta tabela mostra a composição interna dos temas com seus itens, a freqüência dos indicadores por item e seus percentuais considerados separadamente nos documentos e nas entrevistas - estas distribuídas em entrevistas com os coordenadores, os executores e os membros da comunidade alcançada pelo projeto. Mostra ainda a frequência geral dos indicadores de cada tema, bem como o percentual desse tema no conjunto do projeto.
80
Concepção de mundo e de sociedade De acordo com o instrumento de análise construído, o tema I - concepção de mundo, pode manifestar-se através de uma visão que privilegia o mercado, em sintonia com as perspectivas dominantes nesse momento, no que tange às políticas públicas em andamento no país. Nessas políticas destacam-se temáticas que podem ser tomadas como indicadores úteis para se detectar tal tendência num discurso, como o da qualidade fixada pela eficácia e pela eficiência, projetando a competência e a competitividade a serem asseguradas pela qualidade total. O mercado, a empresa, o lucro e o faturamento são preocupações marcantes nessa tendência. Outro item do tema concepção de mundo a expressa através de uma visão integradora entre instituições e pessoas, aperfeiçoando a sociedade. No caso em estudo, o pequeno produtor, parcerias e integração são marcas dessa concepção. Um terceiro item, adotado como possibilidade neste tema, exprime o mundo através de uma visão transformadora, em que se dá ênfase aos movimentos sociais, às classes sociais, às relações capital-trabalho e à luta e organização dos setores subalternos da sociedade. No projeto CERESAT, a análise do tema I mostra grande consonância entre coordenadores, executores, comunitários e documentos, todos adotando em sua grande maioria (de 87% a 92%) uma visão transformadora do mundo, sendo também um dos temas quantitativamente mais destacados em todo o projeto, com um índice de 26% do total dos temas. Isso significa pelo menos uma grande e comum preocupação em definir o projeto em termos de transformação social. No caso deste projeto, não parece que essa preocupação se manifeste unicamente no discurso. No tema II - concepção de sociedade, três perspectivas definem as possibilidades enquanto itens, quais sejam: sociedade como um conjunto de instituições independentes; sociedade como uma totalidade integrada, que pode se revelar sob a forma de sistemas ou subsistemas, pela perspectiva funcional dessas organizações e da vida em sociedade e, sobretudo, a concepção de vida em equilíbrio entre as classes ou a ausência de conflitos. Inclui a defesa do controle social. A comunidade é vista como um todo homogêneo, como também “a população” e “o povo”. A terceira possibilidade entende a sociedade como um modo de produção, definido a partir de uma base material. Enfatiza-se a existência de conflitos sociais, as lutas entre trabalhadores e patrões, a presença de “movimento” como categoria fundamental da concepção, além do destaque aos movimentos populares e sociais. Os índices do tema II mostram consistência entre as posições expressas por coordenadores, executores, comunitários e pelos documentos gerados nos projetos(variando de 94% a 96%) e são quantitativamente expressivos, atingindo o índice de 25% do total do projeto. As concepções de mundo e de sociedade se especificam na concepção da relação entre universidade e sociedade (tema VI). Essa relação apresenta, a partir da perspectiva da particularidade da universidade, a percepção que se tem do mundo, bem como da sociedade. Uma possibilidade de expressão dessa relação considera a universidade como instituição do saber, com vida independente da sociedade. Trata-se de uma visão marcada pela ênfase na produção neutra de conhecimento, sendo a universidade tratada como organização fechada e deslocada da sociedade e, especificamente enquanto tal, como geradora e difusora de conhecimento, capacitadora e formadora. Uma outra perspectiva coloca a universidade voltada para o mundo empresarial, caracterizando-a nos mesmos termos que a universidade privada. Aí a ênfase passa pelo desenvolvimento do próprio Estado e do empresariado, sendo a instituição universitária vista como prestadora de serviço às empresas ou de consultoria através de convênios. Uma terceira posição define a universidade como um aparelho de hegemonia permeado por conflitos político-ideológicos, inclusive com a presença de movimento político interno em disputa para torná-la efetivamente pública, gratuita, de qualidade, autônoma, democrática, laica e necessariamente crítica. Esta é uma visão onde são apresentadas as contradições, as mediações, os embates políticos e ideológicos, a disseminação do conhecimento e as possibilidades alternativas, com ênfase nos processos de democratização da universidade e da sociedade. A análise dos itens do tema VI, considerando a origem dos textos(documentos do projeto e entrevistas com seus coordenadores, executores e membros da comunidade alcançada), revela inconsistências, discrepâncias e contradições. Para os executores do projeto e para os membros
81
da comunidade a universidade aparece como uma instituição do saber, independente da sociedade(65% do tema entre os executores e 58% entre os comunitários). Já para os coordenadores do projeto, 62% dos indicadores deste tema apontam para uma compreensão da universidade como aparelho permeado de conflito. Chama ainda a atenção o fato de que 56% dos mesmos indicadores nos documentos concebem a universidade voltada para o mundo empresarial. É interessante essa discrepância. Nos documentos do projeto, a universidade é pensada prioritariamente enquanto ligada ao mundo empresarial, secundariamente enquanto instituição independente e minoritariamente enquanto aparelho ideológico. Cabe indagar como e em que circunstâncias este projeto foi concebido. Os dados disponíveis na pesquisa indicam que pelo menos os atuais coordenadores adotam uma concepção de relação entre universidade e sociedade que é bem distinta daquela que se expressa nos documentos do projeto. Nas entrevistas com os coordenadores, a posição majoritária nos documentos é completamente ausente. Há, mesmo, uma completa inversão de posições neste tema em relação aos dados provenientes dessas duas origens. Entre os coordenadores, 62% de suas manifestações sobre o tema VI consideram a universidade como aparelho ideológico e 38% como instituição independente. Por outro lado, executores do projeto e membros da comunidade atendida adotam majoritariamente a identificação da universidade como independente da sociedade. A posição que identifica a universidade como aparelho ideológico aparece em 24% das manifestações do tema VI entre os executores do projeto e em apenas 9% entre os comunitários. Os dados desse tema mostram compreensões e expectativas diferentes quando são comparados pela origem dos textos em estudo. As diferenças e mesmo divergências encontradas indicam tensões que podem ser bastante significativas. Esta discussão envolve a questão do mercado de trabalho que é manifestada, neste projeto de saúde coletiva, como não criador de mercado de trabalho. Mesmo assim, existe algum mercado de trabalho, porém “ a grande maioria dos formados está sendo absorvida pelos outros Estados do Nordeste ou mesmo do Sudeste. A universidade forma, mas fora dela não existe uma política de absorção desses recursos humanos”1. Uma visão como esta pode significar também uma perspectiva de vida independente da instituição universitária, por parte da equipe de coordenação do projeto. O que se evidencia, entre os coordenadores, é a perspectiva diferenciada surgida com essa discussão e que se revela, por exemplo, na seguinte afirmativa: “Pensar saúde coletiva é pensar um pouco todas as relações que não estão somente no aparelho do Estado. Estão na própria sociedade que as produz e que vão ser objetos de uma intervenção do profissional de saúde. Então, muitas vezes, o que é predominante aqui nas instituições públicas, que absorveriam esse tipo de recursos humanos, não é ainda essa concepção de saúde que predomina” 2. Projeta-se nos documentos(letra D) a concepção voltada para uma visão da instituição vinculada ao mundo empresarial. Isso mostra que os documentos aí gerados, como por exemplo relatórios, têm tido pouca ou nenhuma participação da equipe coordenadora. Os textos produzidos evidenciam sempre uma grande equipe de elaboradores com presença marcante de seus executores e comunitários, uma ênfase do processo de participação desenvolvido no projeto. É, contudo, uma prática que se mostra como algo limitador para a divulgação daquilo que se está produzindo neste projeto de extensão quanto a uma linha política única do projeto. É significativo destacar que este tema se apresenta em relação aos demais como pouco significativo, já que apenas 2% de seus indicadores foram detectados, o que demonstra contradição quanto à perspectiva transformadora e visão de sociedade apresentada nos itens anteriores. Mas, é nos executores do projeto que se evidenciam as possibilidades, no interior dos próprios instrumentos estatais, para se ter uma maior pressão por mudanças na legislação. Há uma disposição por parte dos executores na busca de que as possíveis conquistas, no campo do movimento
_________ 1. Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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da saúde, também passem a fazer parte das normas estatais. E mais: enquanto não ocorrerem as possíveis conquistas, em termos formais, avança-se no interior do aparelho do Estado, conquistando aqueles que são simpáticos a essa luta. “É preciso, também, dentro de vários organismos do aparelho estatal, conquistar alianças” 1.
Interesses sociais e prática social A configuração dos interesses sociais (tema IV) objetiva visualizar: se eles estão voltados a indivíduos, isto é, se externam de forma enfática a individualidade, a promoção dos indivíduos pela política, cultura ou economicamente, e se manifestam por comportamentos com características estritamente pessoais; ou se os interesses definidos estão voltados a grupos específicos, presentes no movimento organizativo em estudo ou em outro setor da sociedade. Aí observa-se a presença ou não de interesses corporativos (sejam produtivos, privados, industriais ou do comércio) e a promoção de grupos pela política, pela prevalência do econômico ou pela cultura. Vizualiza ainda se esses interesses estão voltados às classes e se eles se projetam através da explicitação direta pela classe. Nesse caso, os tipos de compromissos surgem através de indicadores como greve, aliança, paralisação, luta, e também através das instituições de classe, como o sindicato, a associação, etc. As concepções de prática social (tema V) perpassam duas visões. A primeira procura mostrar a ênfase aos interesses voltados a indivíduos. São seus indicadores palavras que expressem o significado do que está sendo colocado para este conceito através de expressões que apontam para o tipo de indivíduo que se deseja, ou seja, eficiente, eficaz, competidor, reciclado, modelado em relação ao indivíduo do “Primeiro Mundo”. No processo de modelamento buscam homogeneizar as sociedades, a cultura, a educação, a moral e a ética. A segunda visão diz respeito ao processo político em consonância com as classes dominadas, expressando movimentos com diferentes mediações e espaços, mas no campo dos dominados. Estão presentes nesse tipo de discurso palavras que expressam transformação, movimento, alternativa política, combatividade, compromisso e envolvimento com as lutas, entre outras. A observação da Tabela 1 revela consistência entre esses dois temas (IV e V ). Há uma sintonia entre a configuração dos interesses sociais que estão sendo colocados ao nível do discurso e ao nível da prática social. É inexpressiva, nesse caso, a perspectiva individualista ou individualizante, variando de 2% a 6% a soma desses indicadores no discurso dos coordenadores, dos executores, dos comunitários e nos documentos do projeto. Entre os coordenadores há maior expressão de interesses voltados para a classe e para grupos que expressem setores do movimento, mas a variação nesta opção abrange apenas de 94% a 98%. Ao se conjugarem os itens 4.2 e 4.3, por considerá-los como aprofundamento e diferenciação meramente esclarecedora de uma caracterização ideológica bastante semelhante, vê-se que tanto entre os coordenadores quanto entre os comunitários não há qualquer menção de interesses de caráter individual. Entre os executores do projeto, essa identificação alcança apenas 3% e sua maior expressão, que se encontra nos documentos, não ultrapassa 7%. Esses dados são consistentes com o que revela o item 5.1, quando os interesses são definidos não genericamente, mas em termos de prática social, quando a variação atinge de 2% a 6%.
____________ 1. Membro da equipe do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
83
A análise comparada dos temas I, II, IV e V, neste projeto, demonstra forte consistência de uma concepção transformadora, adotando a perspectiva dos setores dominados da sociedade.
Agente institucional e natureza do trabalho O tema IX - papel do agente institucional, é aqui concebido conforme as seguintes alternativas possíveis: a primeira é a de que o agente apresenta-se comprometido com interesses do mercado, isto é, com o capital. Dessa forma estarão presentes no discurso os interesses individuais, a promoção do indivíduo, a ênfase no bem-estar individual e a necessidade da formação para o profissional avançado, no que concerne à sua adequação aos interesses do mercado. Uma segunda possibilidade é a perspectiva do agente neutro frente à realidade, seja ele de qualquer instituição, do Estado ou mesmo da universidade. Nessa compreensão estará presente a visão de que os agentes são meros representantes da instituição, no caso, a universidade. A terceira possibilidade é a figura do agente comprometido, especificamente, com a classe subalterna. Nessa visão o agente assume perspectivas de solidariedade, participação, combinação de seu discurso com a prática, afetividade, companheirismo, ajuda, conscientização e cooperação, entre outras. Em relação ao tema VIII - a natureza do trabalho na extensão - esta é analisada, prevendo a possibilidade de o trabalho se apresentar com um discurso “modernizador”, em consonância com as idéias do mercado e assumindo a perspectiva da qualidade total, da integração das comunidades e dos indivíduos à sociedade dominante, da preocupação com a produtividade tida como meta, da atualização técnica, do gerenciamento e da otimização do trabalho. Uma outra alternativa é a sua expressão através de um trabalho com discurso da neutralidade e aí o trabalho é prestador de serviço numa perspectiva do tipo paternalista. Sua ação é pautada pela cientificidade. Evidenciam-se os aspectos corporativos. Conceitos como os de cidadania, de parceria e de confiabilidade, sem nenhuma explicitação do significado de cada um, estão sempre presentes nessa linha de discurso. A terceira possibilidade aqui vislumbrada é o trabalho como discurso transformador. Este se externa através das preocupações com a organização dos setores subalternos. Está presente a preocupação do diálogo com a população. Aparecem a discussão pela autonomia, as lutas dos trabalhadores, os processos, a articulação política, a formação de lideranças, etc. Esses temas passarão a ser confrontados, pois, de certa forma, a discussão sobre o papel do agente institucional se configura como uma continuidade do tema sobre a natureza do trabalho em desenvolvimento pelos agentes do projeto de extensão. Poderão, por sua vez, consolidar contradições ou revelar consistência interna existentes entre os diferentes grupos em análise, sejam coordenadores, executores, comunitários ou mesmo presentes nos documentos do projeto. A comparação entre os percentuais dos itens do tema VIII evidencia que dois temas projetam a natureza do trabalho na extensão como um trabalho técnico com discurso transformador, tendo índice, no geral, de 90%. Destaca-se a consistência existente entre os membros dos vários grupos de trabalho e nos textos gerados pelo projeto. Os percentuais 91%, 92%, 92% e 87% para os coordenadores, executores, comunitários e textos, respectivamente, são bem ilustrativos. Este tema, por sua vez, representa uma preocupação que parece
importante entre os grupos do projeto, já que apresenta um percentual de 17% em relação aos demais . O papel do agente institucional (tema IX) se mostra bastante esclarecedor. De início se apresenta contraditoriamente em relação ao tema anterior. Os indicadores apontam um percentual de apenas 33% para o papel do agente comprometido, especificamente, com a classe dominada. Um total de 54% dos indicadores afirma o papel do agente voltado aos interesses do mercado, ao capital. Há diferenças importantes quando da comparação entre os temas VIII e IX, bem como quando se comparam as posições dos diferentes grupos participantes do projeto. O percentual do tema (2%) mostra que a discussão interna no projeto sobre o papel do agente institucional foi pouco
TABELA
84
PAPEL DO AGENTE INSTITUCIONAL Distribuição dos itens do tema IX, por segmento ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
C1
C2
C3
CT
%
D1
D2
D3
DT
%
TT
% item
9.1
01
---
---
01
14
20
11
28
59
64
03
10
---
13
36
04
06
02
12
55
85
54
9.2
02
---
---
02
28
00
01
00
01
01
10
05
---
15
41
01
01
01
03
14
21
13
9.3
04
---
---
04
58
03
12
17
32
35
03
05
---
08
23
01
00
06
07
31
51
33
%tema
02
9.1 - Agente comprometido com interesses do mercado ( capital ). 9.2 - Agente neutro da instituição, seja Estado ou universidade. 9.3 - Agente comprometido especificamente com a classe dominada.
A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B CT - Freqüência de indicadores no item C DT - Freqüência de indicadores no item D TT - Freqüência total de indicadores no item
desenvolvida. São discutidas normalmente as propostas e as tarefas imediatas geradas das ações de saúde, contudo, o papel do agente nessas ações aparece muito mais de forma embutida na análise das ações. Pode-se avançar no estudo das contradições, observando-se a Tabela 2 - Papel do agente institucional, frequência de indicadores e percentual. Consolida-se nesta tabela a visão conflitante entre os diferentes grupos pesquisados no projeto, constatando-se no item agente comprometido com interesses do mercado, percentuais de 14% e 64%, para os coordenadores e executores, respectivamente. Juntando-se os indicadores relativos ao agente que se identifica com o mercado e o agente neutro, tem-se 67% de opção por essa compreensão, ao passo que o agente da classe dominada alcança 58%. São dados que negam os procedimentos de ação do agente institucional voltados à classe dominada (tema V). Os próprios comunitários vêem predominantemente esses agentes como neutros, possivelmente por cumprirem tarefas acadêmicas. Contraditoriamente, esses agentes se identificam na sua ação como aqueles que incentivam a necessidade da vigilância sanitária, o que significa ir ao local de trabalho e detectar qual é de fato a questão da saúde do trabalhador que está em cena. Sentem-se como agentes que vão ao local onde está aparecendo a doença, de forma que o deslocamento significa intervir no sentido da mudança. Todavia, para que esse trabalho de mudança seja possível, deve-se atuar no âmbito do legislativo e do judiciário, tentando provocar, inclusive, mudanças das leis. É a luta do trabalhador por mais espaços de atuação. Sabe-se que a configuração jurídica apresenta uma correlação de forças desfavorável para o trabalhador. Sobre essa necessidade de atuação do agente, diz um dos entrevistados:
___________ 1. Membro da equipe do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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“Então, ou ele se mobiliza, há uma mobilização política para que as leis abram mais espaço para essa intervenção de mudança ou fica um campo político bastante desfavorável” 1. Nos debates que se desenvolvem no interior do projeto, surge com clareza a necessidade de contrapor-se ao corporativismo que comumente cerca a ação sindical. No caso da saúde coletiva, sempre se discute a articulação que deve ser feita entre os sindicatos, no sentido de maior pressão para mudanças das leis. É aí onde surge o debate sobre as necessidades de se buscarem mudanças mesmo no aparelho estatal. Muitas vezes, mesmo ao nível das plenárias de saúde coletiva, coordenadas pela CUT e onde há participação dos setores governamentais, os trabalhadores começam a perceber o deslocamento de problemas que estão em pauta para serem analisados em futuras plenárias. Eles começam a perceber o jogo quando os representantes do governo ( DRT, Secretaria de Saúde, INSS, CRP (Centro de Realização Profissional) pretendem deslocar questões de solução iminente para outros momentos, no futuro. Há, portanto, muito jogo por parte das autoridades da saúde quando a decisão aponta para medidas imediatas. É importante ressaltar que é também papel do Coletivo de Saúde, Trabalho e Meio Ambiente, da CUT, a formação de trabalhadores de base, de cipeiros (membros da CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e de dirigentes sindicais. Eles percebem a reação dos representantes do governo, que vão logo se fechando, mesmo quando admitem que o problema deva ser resolvido. Apesar disso, os sindicalistas e membros da equipe do Projeto Zé Peão que vão aos canteiros já conseguem promover discussões salariais e também questões de saúde. Tempos atrás a única discussão era a questão salarial. Também os representantes do governo tomam consciência ali do que deveriam estar fazendo e vários deles assumem esta situação. “A saúde do trabalhador passa a ter um papel fundamental na formação política, a partir da discussão da problemática da saúde do trabalhador com o processo de trabalho”1. As discussões são, posteriormente, remetidas ao âmbito institucional e os agentes do projeto passam a ser cobrados como incentivadores daquelas críticas. Mas os trabalhadores também cobram desses agentes do CERESAT maior empenho na solução dos problemas. Esses embates parecem suscitar possíveis explicações da visão dos comunitários, no caso um percentual de 41%, sobre o papel neutro do agente do CERESAT. Os dados mostram uma profunda contradição nesse aspecto, contradição não só entre a natureza do trabalho no projeto e o papel do agente institucional, como também acerca da visão dos interesses voltados à classe (tema IV), da consonância da prática social com as classes subalternas (tema V) e da noção do trabalho com discurso “transformador” (tema VIII). Já se notam, na análise do tema IX, as diferenças de posição quanto ao papel do agente institucional entre os coordenadores e os executores do projeto. Cabe confrontar esses dados com as opções encontradas nos documentos do CERESAT. Aí prevalece a identificação do agente do mercado (55%), seguida da compreensão do agente da classe dominada (31%) e, finalmente, do agente neutro (31%). Trata-se do mesmo tipo de distribuição encontrada entre os executores do projeto. Já entre os coordenadores, as prioridades se acham invertidas: 58% dos indicadores do tema se concentram na concepção do agente como agente da classe dominada, enquanto que 14% o apontam como agente do mercado. Ou os atuais coordenadores não participaram da elaboração dos documentos do projeto, ou mudaram sua concepção no exercício da coordenação. É ainda curioso o fato de que coordenam executores cujas concepções são divergentes das suas, embora perfeitamente ajustadas aos documentos do projeto. A discussão do tema acerca do papel do agente institucional mostrada pela freqüência desses indicadores(157) e o percentual entre os temas de 2% apontam mais ainda a necessidade da discussão dessa questão entre os membros do projeto CERESAT. ______ 1. Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
86
Extensão universitária O tema VII do instrumento de análise dos projetos de extensão está voltado à compreensão de extensão veiculada pelos participantes das atividades de extensão. Além de buscar encontrar elementos das concepções que são veiculadas, hoje, através de diferenciados projetos de extensão, também buscar-se-ão elementos outros que, talvez, possam contribuir para o debate conceitual. No tema concepção da extensão universitária enfatizaram-se três visões sobre a questão e que estão muito em voga nas práticas educativas. A primeira é a visão de extensão como um caminho ou uma via de mão única. O que caracteriza essa visão é a compreensão de que a universidade é uma instituição independente e que cabe a ela passar para a sociedade os resultados de alguns dos seus trabalhos. Bem caracterizam essa visão a prestação de serviços, a promoção de cursos e eventos, a assistência, a venda de serviços, o treinamento de indivíduos da sociedade, a realização de estágios, enfim, a universidade levando benefícios à sociedade. Uma outra visão é apresentada através da simbologia da “mão dupla”. Nesse caso, a extensão é compreendida como um processo educativo, cultural e científico. Esta concepção privilegia o aspecto de que a universidade leva conhecimento à comunidade, como também traz conhecimento da sociedade para a instituição. A universidade e a sociedade são aí concebidas como agindo de mãos dadas. Estabelece-se, às vezes, a simbologia do canal e do elo como expressões dessa mão dupla. A universidade procura atender as demandas sociais em forma de troca de algo com a sociedade e tendo desta a sua contrapartida. Uma terceira concepção em desenvolvimento neste trabalho está sendo inserida com o objetivo de tentar encontrar nessas experiências elementos que possam ser apresentados ao debate sobre a extensão e que possam projetar conceitualmente a extensão como um trabalho social. Nesse sentido é que essa compreensão estaria sendo marcada por indicadores que mostram certo tipo de trabalho em desenvolvimento entre universidade e sociedade, não como entes separados, mas em relação permanente entre si. Contudo, nem por isso se identificam, pois se diferenciam. Trata-se de um movimento contínuo de relação e de diferenciação. A universidade tem suas especificidades, mesmo que a sociedade, como um todo, a contenha. O sentido que se propõe apreender é de um trabalho social como processo educativo, cultural e científico, porém voltado à construção de uma nova hegemonia. O trabalho aqui aparece configurado com a própria classe subalterna, especialmente voltado à organização dos seus diferentes setores. De acordo com esse entendimento, a universidade e também a comunidade devem ser as proprietárias do produto desse trabalho. A extensão assim concebida deve acarretar processos em desenvolvimento de forma contínua que se realimentam desse fazer e que são marcados por uma relação imanente da teoria e da prática. TABELA 3 CONCEPÇÃO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Distribuição dos itens do tema VII, por segmento ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
C1
C2
C3
CT
%
D1
D2
D3
DT
%
TT
%item
7.1
00
---
---
30
61
11
23
11
45
29
04
15
---
19
66
29
12
32
73
62
167
48
7.2
03
---
---
03
06
00
10
03
13
08
00
00
---
00
00
00
00
01
01
01
17
05
7.3
16
---
---
16
33
16
19
61
96
63
04
05
---
09
34
21
05
18
44
37
165
47
% tema
05
7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade. 7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico. 7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia. A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B CT - Freqüência de indicadores no item C DT - Freqüência de indicadores no item D TT - Freqüência total de indicadores no item
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Para uma maior visualização observe-se a Tabela 3 - Concepção de extensão universitária, constante já na Tabela 1, que revela no geral a existência de duas concepções diferenciadas que são bastante nítidas. Um percentual de 48% dos indicadores desse tema (% item) refere-se à extensão como uma via de mão única, enquanto 47% apontam para uma percepção da extensão como trabalho social. Contudo, na visão da extensão como mão única, a análise interna dos itens por origem dos textos revela diferenças importantes entre os coordenadores e comunitários e nos textos gerados que são de 61%, 66% e 62%, respectivamente. Convém destacar que a expressão “mão única” não aparece sempre explicitada dessa forma precisa nos textos ou nas entrevistas, só estando registrada assim quando o sentido é claramente este. Já com relação aos executores do projeto, 63% das opções do tema se concentram no entendimento de extensão muito mais em termos da possibilidade de torná-la um trabalho social. É importante ressaltar que a percepção de extensão como mão dupla teve pouca expressão percentual. É digno de se notar que este tema se apresenta com 5% do total dos temas do projeto. Parece não ser relevante quantitativamente, contudo, serão vistas com maior atenção as possibilidades de diferenciação conceitual surgida no projeto. Uma observação de forma vertical (Tabela I), em torno dos temas do projeto, afirmase de forma consistente entre os coordenadores do projeto: a visão transformadora de mundo; a concepção de sociedade como um modo de produção; a concepção de Estado ampliado com suas contradições de classe, mesmo com a sua frequência de indicadores baixa em relação aos demais temas, (1%); a concepção de prática social como processo voltado às classes subalternas; a relação entre a universidade e a sociedade como uma relação permeada de conflitos ideológicos; a natureza do trabalho social como um trabalho técnico com discurso transformador, além do papel do agente institucional como aquele agente da classe dominada, com percentuais de 87%, 95%, 45%, 98%, 62%, 91% e 58%, respectivamente. Para os executores surge um relacionamento entre o tema IX - papel do agente institucional entendido como agente do mercado, com 64% e o tema VI - relação da universidade com a sociedade, sendo a instituição vista como portadora de um saber com vida independente, com 65%. Estes aspectos conflitam frontalmente com a visão de mundo (tema I) e concepção de sociedade (tema II) com percentuais de 92% e 94%, respectivamente voltados a uma visão transformadora e a sociedade como um modo de produção. Assim, estes últimos estão em consistência, contudo, com a possibilidade de verem na extensão uma concepção diferenciada daquelas que hegemonizam o debate em torno dessa temática, com percentual 63% para extensão como trabalho social. Esta concepção também está em consonância com a idéia de prática social voltada às classes subalternas, com percentual de 95%. Já entre os executores, as visões predominantes são: o Estado árbitro acima das classes; a universidade se expressando como saber e com independente; a extensão vista como via de mão única, expressando percentual para o papel de agente de mercado ao agente institucional com 67%, 58%, 66%, e 36%, respectivamente. Entre os textos produzidos pelos projetos (D%) também se estabelece a consistência nos temas sobre visão de mundo (91%) e visão sociedade (96%), sendo nessa perspectiva dissonante quanto à visão de extensão como via de mão única (62%) e quanto ao papel do agente institucional como agente de mercado (55%).
88
Considerações O debate diferenciador está presente no projeto CERESAT. Coordenadores que vêem a instituição como um aparelho de conflito ideológico (62% do total do tema VI), contudo, não apresentam uma perspectiva de extensão como trabalho social. “Não vejo a função social da universidade, apenas, como trabalhar na visão dos trabalhadores, embora não se possa escapar disso. Na área tecnológica, não vejo como ela não realizar ou ouvir as necessidades de outro segmento ” 1. Um entendimento como este possibilita uma perspectiva eclética do trabalho de extensão. Pode-se encontrar ainda a visão de extensão como “os canais que existem para se fazer essa passagem entre o que está acontecendo na universidade e o que está acontecendo na sociedade, de forma a criar esse caminho de mão dupla”2. Para alguns executores do projeto que estão numa perspectiva diferenciada de extensão universitária, em relação aos coordenadores, esta pode ser “ exatamente as respostas da universidade para a sociedade, ou seja, seria a tentativa da universidade de penetrar nos movimentos, nas instituições e ali poder dialogar com os atores mais diversos, que estão presentes nessas diversas instituições, nas diversas instâncias da sociedade”3. Esse tipo de visão coloca a necessidade de que a universidade responda às demandas sociais e a extensão se torna essa própria resposta. Para outros membros do CERESAT, no entanto, o seu trabalho de extensão se inicia a partir de um desejo de atender a uma demanda especificamente sindical, embora permaneça também aí a marca da compreensão de extensão como uma resposta, tal como foi considerado anteriormente. Não importa que seja para um sindicato de trabalhadores, sindicato patronal ou uma instituição qualquer. O produto do fazer extensão seria a resposta a ser dada àquela demanda. Há, todavia, nessa visão a decisão de cunho ideológico de atender a uma demanda de um sindicato ou mesmo de iniciar um trabalho na possibilidade de desenvolvimento desse sindicato, tendo como base a realidade da classe trabalhadora. Nessa perspectiva é que um dos entrevistados vislumbra uma nova forma de trabalho na categoria dos trabalhadores da construção civil:
__________ 1.
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. 3. Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2.
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“Hoje, o pessoal consegue ir para os canteiros de obra e fazer uma discussão com os trabalhadores sobre a questão da saúde e, não só, como faziam antigamente: apenas discutindo a questão econômica”1. Esta se apresenta como uma forma diferenciada de concepção de extensão, que coloca não mais as perspectivas, seja de mão única ou de mão dupla, e que estabelece o índice de 63% do item para os executores do projeto CERESAT, diferenciando-se, assim, das compreensões dominantes de extensão. Contudo, as diferenciações se mantêm ainda dentro do próprios coordenadores quando vêem no desenvolvimento do projeto a seguinte dimensão: “Em muitos momentos, se inicia uma atividade que seria, predominantemente, de prestação de serviços. Na prática, contudo, ao se ter uma concepção mais ampla do que é o conhecimento; do que são as interrelações do Estado - Sociedade; de repente, se vê que nesta prestação de serviço, o que se produz como informações, só seriam geradas se tivessem formalizadas como pesquisa”2.
2.3 - Projeto Escola Zé Peão A tinta esconde a massa. A massa esconde o tijolo. O tijolo ocupa o vazio. A massa, a tinta, o tijolo escondem a minha mão. Escondem a mão do meu companheiro pintor. Escondem a mão do meu companheiro pedreiro. O edifício aparece naquela rua. Alto, bonito, aprumado ... 3
A década de 70 marca a tentativa dos trabalhadores de recuperarem as suas organizações e particularmente os seus sindicatos, apesar da vigência da ditadura militar. Esse processo inicia-se, sobretudo, nos centros mais industrializados do país, sendo São Paulo o carrochefe, e espalha-se pelos demais Estados. Na Paraíba, a luta dos sindicatos dos trabalhadores, no caso o da construção civil, faz parte dessa luta maior pela democratização da sociedade. É dessa época a história da organização de um grupo de pessoas, voltado para a organização dos trabalhadores da construção civil, em João Pessoa. Esse grupo veio denominar-se Movimento de Reconstrução Sindical ou Grupo Zé Peão, caracterizando-se em três períodos: “O primeiro período cobre os anos 1976-81, formando a “pré-história” do grupo. O segundo período começa em l982 com a decisão do grupo de assumir a sua identidade de oposição sindical e termina com a sua consagração nas urnas como direção do sindicato (l986-l989), a sua reeleição em l989 e a continuação de sua luta até o atual momento, no qual o Projeto Escola Zé Peão está profundamente arraigado”(IRELAND, 1991: 5).
__________ 1.
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. 3. Ver texto para alfabetização no livro: IRELAND, Vera S. J. da Costa. Aprendendo com o trabalho: livro de alfabetização de jovens e adultos trabalhadores. Col. Maria de Lourdes Barreto de Oliveira. João Pessoa, Editora Universitária/UFPB/1995. 2.
90
Essa referência histórica se torna importante, para que se possa traçar uma análise marcada pela dimensão histórica do projeto e pela preocupação crescente do grupo Zé Peão, na tentativa de contribuir para a organização de uma categoria de trabalhadores, através da construção de sua identidade coletiva. De forma mais geral, pode-se reconhecer a influência de todo um movimento nacional, com o renascer do sindicalismo no ABCD paulista, das lutas pela anistia, sendo o embrião de organização nacional dos trabalhadores a I Conferência Nacional das Classes Trabalhadores - I CONCLAT - e posteriormente com a criação da Central Única dos Trabalhadores - CUT . Esse é o primeiro momento organizativo desse grupo, tendo suas raízes em uma Comunidade Eclesial de Base (CEB), no bairro popular de Mandacaru, em João Pessoa. Esteve nessa origem o movimento de criação da Comissão Pastoral Operária (CPO), além de operários que, sem vínculos com organização religiosa, vieram a constituir o primeiro núcleo de trabalhadores da construção civil nos bairros populares em João Pessoa. Esta foi uma medida tomada internamente pelo grupo, visando ao seu crescimento. O grupo volta-se às atividades das lutas operárias por melhores salários e condições de trabalho. Estabelece, dessa forma, um início de relacionamento com a instância formal da categoria - o sindicato. Todavia, o grupo só vem se formalizar como oposição sindical em l982. Prepara-se, inclusive, para enfrentar as eleições sindicais. As dificuldades de acesso às normas sindicais e às informações burocráticas dos procedimentos de eleições, a pouca inserção nas bases, as dificuldades no trato com as grandes firmas da construção civil, as perseguições políticas aos trabalhadores, a pouca presença do grupo nos canteiros de obras e a conjuntura política local adversa foram os elementos marcantes e responsáveis pela derrota eleitoral dessa oposição sindical que se apresentava para a categoria, através de boletim, com o nome de Zé Peão. Em l986, a conjuntura política, no país, era bem diferente da de l983. As preocupações dos empresários locais estavam muito mais voltadas para as eleições estaduais e federais e menos para as eleições sindicais. O afastamento da base sindical pela diretoria “pelega” era marcante. A oposição sindical se afirmava e mantinha um elo com a categoria, através do boletim Zé Peão. Levava a sua mensagem oposicionista e reiterava sua opção pela organização da categoria e dos demais trabalhadores. Esse trabalho vai consolidar-se, finalmente, com a eleição da diretoria oposicionista, naquele mesmo ano, desenvolvendo as atividades antes postuladas pelo boletim para toda a categoria. Agora, o Zé Peão estava na direção do sindicato. Pode-se configurar como um outro momento desse processo ou o Sindicato Zé Peão. O percurso de ação política do grupo esteve, desde esse momento, em sintonia com um grupo de profissionais da Universidade Federal da Paraíba, constituindo-se numa perspectiva de se desenvolver processos de educação básica para os trabalhadores adultos. Isto revelaria contradições entre os operários, considerando o desejo de mudanças imediatas. (Poderia também) “justificar-se tanto pelos pequenos ganhos de ordem pragmática que ela(educação) pode conferir ao trabalhador quanto pela possibilidade de se constituir num meio através do qual ele avalia sua inserção/alienação da sociedade. Isto fortaleceria as lutas desses setores pela afirmação de sua cidadania”( OLIVEIRA, 1994: 5).
O grupo chegava à direção com idéias diferentes sobre o processo de organização da categoria. Era um conjunto de idéias políticas voltadas a uma prática sindical democrática, participativa, na construção de um sindicalismo combativo. “E como parte da estratégia do grupo para ir criando um sindicato democrático, obviamente, com um eixo muito forte, era a questão da educação. Educação em termos abrangentes”1. ___________ 1.
Membro do Grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
91
Todo o trabalho, praticamente, estava por ser feito, desde aquele mais simples, como a burocracia do sindicato, até as ações políticas necessárias e importantes, como a realização de assembléias preparatórias para os dissídios coletivos. Os diretores iniciam suas visitas aos locais de trabalho. Detectam alto índice de analfabetismo e pouca formação sindical e política entre os trabalhadores. Além dessa questão, outras ainda são específicas da categoria. O operário da construção civil não tem condições de, depois da longa jornada de trabalho, sair do canteiro para um local de estudo. Eles dormem no próprio canteiro. Sua vida toda está no próprio canteiro de obras. São operários que vêm do meio rural. Trabalham, comumente, por temporada. Nas épocas de plantio retornam às suas terras. Há canteiros constituídos de trabalhadores de um mesmo sítio ou município do interior do Estado. Essa situação gerou a idéia de, junto com o pessoal da universidade, organizar-se uma escola no próprio canteiro de obras. Foi preciso um certo tempo de mobilização e politização para se conseguir, até, a autorização do sindicato patronal para poder efetivar-se a experiência da escola Zé Peão. Esta foi uma conquista forjada na luta e na justiça através da organização do dissídio coletivo. Projeta-se a Escola Zé Peão, como uma experiência de alfabetização de adultos, dirigida aos operários da construção civil. Estes são caracterizados como operários, vindos da zona rural, migrantes para a cidade em busca de emprego, com baixa ou nenhuma escolaridade. “Eles não têm, de um modo geral, uma alfabetização preliminar. Alguns entraram na escola e aprenderam a decodificar ou codificar alguma coisa, mas necessitam de um processo mais sistematizado de alfabetização, no sentido tanto da leitura e da escrita, quanto do cálculo e do conhecimento geral. O Projeto Escola Zé Peão tenta trabalhar, justamente, com esse pessoal mais específico. Esta foi a proposta inicial, em l991, quando tínhamos em mente esse objetivo”1. A realidade do operário da construção civil relativa à educação apontava para a existência de um quadro de trabalhadores analfabetos. Para estes elaborou-se um programa denominado de Alfabetização na Primeira Laje ( APL). Contudo, parte desses operários já tinha alguma noção da escrita e de cálculo. Essa outra realidade revelou a necessidade de outro programa que foi denominado de Tijolo Sobre Tijolo (TST), destinado a essa outra clientela. Essa experiência se reveste de uma perspectiva educativa voltada não apenas à sistematização dos códigos da leitura e de cálculo, mas que privilegia uma visão de globalidade e de politização dos operários. Este projeto pedagógico se desenvolve e está contido no livro Aprendendo com o Trabalho, elaborado a partir dessa experiência e em utilização nas escolas do Projeto Zé Peão. “O projeto tem um caráter escolar, onde a gente trabalha a linguagem, a matemática e os conhecimentos gerais, estes através de discussões, cujos temas estão implícitos nos livros didáticos. No caso, o livro Aprendendo com o Trabalho é um relato da história de Benedito. É uma cartilha construída a partir do conhecimento da realidade do operário. Esse livro didático contém uma diversidade de temas do tipo: migração, subjetividade do operário, exploração do trabalho, reconhecimento do operário, etc”2. Com o processo educativo de caráter mais amplo, configurou-se um terceiro programa que veio subsidiar o trabalho nas escolas através de imagens. Um programa que pudesse utilizar as potencialidades da cidade como o Planetário e os diversos espaços da arte. Criou-se o programa Varanda Vídeo (VV). Seu objetivo era enfatizar as visitas culturais, as discussões sobre os mais
_____________ 1. 2.
Membro do Grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro do Grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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variados temas relacionados a geografia, história, democracia e cidadania. Em síntese, é um projeto organizado nessas três dimensões: APL, TST e VV. Não é um projeto do sindicato. É um projeto gerado das discussões, das necessidades dos operários e em parcerias com profissionais da universidade, com setores da universidade comprometidos com os operários e em conjunto com o sindicato. Atuando junto à universidade, a educação do trabalhador é pensada e praticada numa dimensão de parceria do tipo universidade/sindicato e da perspectiva para a luta política que possa interessar aos trabalhadores. Mais adiante o Estado também entrará nessa parceria, assumindo parte das despesas decorrentes. Contudo, o que se demonstrava, ao se desenvolver uma educação nos canteiros de obras, era a urgência de se tratar da articulação de dois temas fundamentais: “trabalho e escola ou trabalho e educação”(ibid.: 5). As questões- chave postas para estudos dos participantes da universidade, nesse processo de educação, eram: “Como encontrar a educabilidade do trabalho a partir da práxis produtiva do trabalhador da construção civil ou como encontrar a educabilidade da escola e da alfabetização pela práxis produtiva? Este era um desafio interno que a experiência colocava”( Ibid.: 5). trabalho estava sendo entendido como uma relação social e não como expressão de relações de força ou poder. Estava definindo o modo humano de existência, não apenas atendendo às exigências físicobiológicas, mas envolvendo dimensões sociais, estéticas, de lazer, etc. Era o trabalho construindo o mundo da liberdade. A questão enfatizada vai ao encontro de preocupações postas por educadores, como ARROYO (1980: 23), que, desde o início da década de 80, já mostrava a necessidade urgente de se “redefinir nossas pesquisas sobre as relações reais entre escola e organização do processo produtivo”. Essa experiência também vai relacionar-se com as posturas e práticas dos sindicalistas. Este modelo de escola projeta um repensar de suas práticas sindicais ou um delinear da “nova prática do Zé Peão”. A chegada da diretoria Zé Peão ao sindicato provocou, de início, o fim das “mordomias” de várias pessoas que percebiam salários da entidade sem desenvolver qualquer trabalho sindical. O ambulatório médico atendia a toda a redondeza do sindicato com dividendos eleitorais para a antiga diretoria, não servindo aos sindicalizados. Dessa forma foi sendo desativado como política de superação do assistencialismo desenvolvido. O funcionamento da diretoria foi modificado e os diretores passaram a trabalhar, pelo menos, duas horas por dia, na sede do sindicato. O tempo restante foi direcionado às visitas aos canteiros de obras. Os duzentos e cinqüenta canteiros passaram a receber visitas, praticamente, diárias. Existiam muitas reclamações dirigidas ao sindicato, às empresas, reclamações trabalhistas que vinham, conseqüentemente, aumentar os pedidos de visitas por parte dos próprios trabalhadores. A prática da nova diretoria foi se diferenciando das anteriores. O princípio do seu trabalho passava, inicialmente, pelos canteiros de obras. ”Temos a vantagem de não nos envolvermos com o trabalho burocrático. Toda parte burocrática são dos funcionários. A nossa parte é apenas a política. Isso facilita o trabalho com a categoria”1 . A participação da universidade enquanto instituição só se manifesta após o convênio firmado em l992, como fruto de uma integração de profissionais que já atuavam individualmente junto aos trabalhadores da construção civil.
__________ 1. Liderança sindicalista da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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“Eu quero dizer que a universidade tá nesse meio também porquê a gente fez com que ela viesse. A gente pediu. A gente fez com que ela se aproximasse. Eu acho que a universidade tá diferente da universidade de 20 anos atrás”1. Destaca-se, a seguir, a apresentação dos variados temas em discussão na pesquisa do Projeto Escola Zé Peão, após a aplicação do instrumento de análise aos documentos e às entrevistas realizadas, expressa pela quantificação de seus indicadores ou variáveis.
__________ 1.
Liderança sindicalista da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa .
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GRÁFICO 2 FREQÜÊNCIA DOS TEMAS
1800
1600
1400
1200
1000
800
X IX V III
600 V II VI 400
V IV III
200 II I
0 26
27
1
11
I. Concepção de mundo II. Concepção de sociedade III. Concepção de Estado IV. Configuração dos interesses sociais V. Concepção de prática social
7
2
4
12
3
7
%
VI. Relação universidade - sociedade VII. Concepção de extensão universitária VIII. Natureza do trabalho social na extensão IX. Papel do agente institucional X. Pedagogia da extensão universitária
A visualização do Gráfico 2 demonstra a freqüência com que os indicadores aparecem nos variados temas da pesquisa. Projetam-se dois temas: a concepção de mundo e a concepção de sociedade. Ambos se expressam no conjunto dos demais temas, com percentuais de 26% e 27%, podendo mostrar que, do ponto de vista teórico, estão bastante discutidos tanto entre os coordenadores do projeto como entre seus executores e sindicalistas, assim como nos documentos produzidos por membros do projeto. O Gráfico 2 destaca um segundo bloco de temas: a configuração dos interesses sociais, a concepção de prática social, a natureza do trabalho social na extensão e a pedagogia da extensão universitária. Esses temas tiveram percentuais de 11%, 7%, 12% e 7%, respectivamente, e
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servirão como guia para uma melhor observação, ao nível desses temas, considerando que o Gráfico 2 não possibilita tal averiguação. Finalmente, oferece um bloco de temas com percentuais pouco expressivos quantitativamente, mas ainda assim muito importantes qualitativamente, quais sejam a concepção de estado, a relação da universidade com a sociedade, a natureza do trabalho social na extensão e o papel do agente institucional. Os percentuais referentes a esses temas estão expressos em 1%, 2%, 2% e 3%, respectivamente. Esses dados conduzem a uma busca de maiores detalhes no interior dos referidos temas. Vai se tornando necessária a observação mais específica sobre a consistência interna entre os temas, em seu conjunto, e dentro do projeto. Para isso, a explicitação maior será possível através da Tabela 4 - Distribuição dos temas e itens, por segmento. Concepção de mundo e de sociedade Observe-se que há uma consonância entre os percentuais referente à concepção de mundo projetada pela visão transformadora entre os vários atores do projeto, sejam eles: coordenadores, executores ou sindicalistas. Tanto os coordenadores como os textos produzidos no projeto apresentam percentuais ligeiramente abaixo dos demais. Porém, o percentual geral de 88% dessa perspectiva é bem ilustrativo da predominância de concepção de mundo, enquanto temática discutida tanto nas entrevistas como nos textos.
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TABELA 4 DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO
Temas
I - Concepção de mundo
II - Concepção de sociedade
III - Concepção de Estado
IV - Configuração dos interesses sociais V - Concepção de prática social
VI - Relação universidadesociedade
VII - Concepção de extensão universitária VIII - Natureza do trabalho social na extensão
IX - Papel do agente institucional
X - Pedagogia da extensão universitária
Itens
A %
B %
C%
D %
Fi
1.1 - Visão que privilegia o mercado 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a soc. 1.3 - Visão transformadora 2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção 3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. absoluta 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos 4.3 - Interesses voltados à classe dominada
13 01 86
09 01 90
07 01 92
24 01 75
183 08 1420
% iten s 11 01 88
06 01 93
06 01 93
04 03 93
01 01 98
61 37 1586
83 17 00
20 80 00
00 100 00
60 40 00
00 37 63
01 17 82
00 20 80
5.1 - Interesses voltados a indivíduos 11 5.2 - Processo em consonância com classes 89 dominadas 6.1 - Instituição do saber com vida 41 independente 12 6.2 - Instituição voltada ao mundo 47 empresarial 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico 7.1 - Via de mão única 35 7.2 - Via de mão dupla 07 7.3 - Trabalho social ( construção de nova 58 hegemonia ) 8.1 - Trabalho técnico com discurso 02 modernizador 27 8.2 - Trabalho técnico com discurso de 71 neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 9.1 - Agente dos interesses do mercado ( 38 capital ) 27 9.2 - Agente neutro da instituição 35 9.3 - Agente comprometido com as classes dominadas 0.1 - Pedagogia tradicional 00 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora 100
01 99
A - Entrevista com coordenadores indicadores B - Entrevista com executores
Fgi
% tem a
1631
26
04 02 94
1684
27
12 25 00
33 67 00
37
01
00 49 51
01 207 508
00 29 71
716
11
02 98
07 93
08 433
02 98
441
07
57 25 18
74 13 13
55 25 20
79 23 31
60 17 23
133
02
35 04 61
84 02 14
24 06 80
92 10 110
43 05 52
212
04
03 09 88
01 07 92
01 03 96
08 58 680
01 08 91
746
12
30 00 70
17 04 79
52 03 45
48 12 110
28 07 65
170
03
00 100
00 100
00 100
00 100
00 100
461
07
C - Entrevista com comunitários
Fi - Freqüência de
D - Documentos dos projetos
Fgi - Freqüência geral dos indicadores
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Essa visão é veiculada pelos próprios sindicalistas. Quando são consultados sobre os seus planos para o futuro, respondem que, ao se tornarem uma pessoa que adquiriu conhecimentos sobre a vida do operário, sobre a mecânica desse sistema e o funcionamento da sociedade, vão continuar voltados a essa causa. “Os planos são estes: de continuar na luta, de continuar lutando, organizando os trabalhador, procurando dar minha contribuição, como operário para operário e para os outros trabalhador. ... Meu plano é continuar esse trabalho, não pensando em mim, ... mas na perspectiva de um dia os trabalhador, a classe operária, comemorar sua emancipação”1. Essa compreensão vem sendo alicerçada pela prática de vários participantes do Projeto Escola Zé Peão, desde os tempos que juntavam as pessoas dos bairros para reuniões. Essa prática abriu a possibilidade de debates e discussões com trabalhadores da construção civil e com outras categorias de trabalhadores e trabalhadoras, isto é, as donas de casa, as lavadeiras de roupa, as empregadas domésticas, os operários do setor têxtil, em que juntos discutiam as questões do bairro onde viviam. Esse debate não se traduzia como sinônimo de consenso entre eles, mas estava cheio de conflitos e de contradições. Para um dos líderes sindicais, ainda há brigas, mas que não têm ocorrido pelo poder ou por cargos simplesmente, pelo menos no Projeto Escola Zé Peão. “Temos uma briga, sim, pela consolidação dos trabalhadores. Temos briga, sim, quando um membro sindical da diretoria começa a achar que o sistema capitalista tá correto. Se achar que os patrão tá correto, aí sim, vamo brigar”2.
________ 1. Líderança sindicalista da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Id., ib.
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Tal interpretação também se expressa através da concepção de sociedade. Aí se consolida uma concepção onde predomina a visão da sociedade como um modo de produção, sendo definido a partir de uma base material. Todos os setores do projeto apresentam proximidade na concepção e quase coincidência no percentual. Uma média dos itens de 94% (2.3) expressa tal aproximação de visão de sociedade e visão de mundo. É uma concepção veiculada após o aprendizado do trabalho educativo de organização num bairro ou num sindicato, com todas as suas possibilidades e limitações. Conhecem, desde o início, as contradições que permeiam os movimentos e as pessoas que os constituem. Muitos se identificam com uma visão mais ampla de sociedade, demonstrando clareza quanto aos modos de exploração. Conhecem os mecanismos culturais de dominação e são capazes de assumir a sua classe social. Esclarecem a seus colegas as diferentes formas de lutas nas relações trabalho-capital. São capazes de distinguir com nitidez as formas diferenciadas dos movimentos sociais. Isto tudo, porém, não elimina as contradições, que são intrínsecas aos indivíduos. Entre membros da diretoria do sindicato e membros da equipe do Projeto Zé Peão surgem formulações onde os procedimentos de organização dos trabalhadores são divergentes quanto à sua concepção. Expressam-se quando do confronto nos embates políticos internos. Num mesmo palco ideológico, como o da equipe do Projeto Escola Zé Peão, as divergências muitas vezes passam pela percepção dos instrumentos organizativos dos trabalhadores. É colocada a visão de que sindicato é sindicato, associação de moradores é associação de moradores; trabalho de comunidade de base é um, trabalho sindical é outro, trabalho religioso é outra coisa. Essa percepção enfatiza a diferenciação existente entre os vários instrumentos e formas de organização, esquecendo, todavia, da relação necessária existente entre todas essas formas. Outras contradições surgem da comparação do tema I - concepção de mundo, e do tema II - concepção de sociedade, com o tema VI - relação da universidade com a sociedade. Seria consistente para aqueles que se identificam com a visão de sociedade e a visão de mundo, apresentada no Gráfico 2 , verem, na universidade, uma instituição permeada de conflitos no seu interior. A universidade se mostra como um aparelho de hegemonia expressando os seus conflitos ideológicos. Um aparelho de hegemonia em que pelo menos uma parcela de sua comunidade está em permanente luta para torná-la pública, gratuita e crítica. Aparelho permeado por suas contradições de classe, porém com mediações que possibilitam sua penetração nos movimentos sociais. Aí destaca-se um núcleo de formulação de propostas alternativas em busca de sua democratização interna, disseminando conhecimento e promovendo a consciência política. A contradição surge ao se observar a relação da universidade com a sociedade, quando a primeira é vista como uma instituição do saber com vida independente. Nesse aspecto, registra-se um percentual de 41% (6.1) entre os coordenadores, percentual que cresce entre os executores do programa para 57% (6.2) e é ainda maior entre os trabalhadores, com 74% (6.3). Chega-se a uma média de 60% (6.1) da visão da universidade tida como fechada para a sociedade. Trata-se de uma visão na qual a universidade permanece encastelada em seu próprio mundo e forma indivíduos comprometidos, basicamente com a ideologia das elites. Ou seja, uma instituição que vem exercendo o papel de treinadora, recicladora de pessoas, em geral das classes dominantes. A relação da universidade com a sociedade, no item referente à visão da instituição como um aparelho de conflito ideológico, apresenta, contudo, um percentual expressivo de 47% (6.3) para os coordenadores. É, ao mesmo tempo, uma contradição e uma diferenciação de percepção entre os próprios coordenadores do Projeto Zé Peão. Os coordenadores vêem a necessidade de criação de vínculos entre universidade e sociedade. Uma forma bastante procurada neste projeto é a via da institucionalidade, observandose, entretanto, que não é tão fácil a realização desse vínculo. Sabe-se que não é um papel assinado ou um documento burocrático que vão gerar esse vínculo. No início do Projeto Escola Zé Peão, já havia uma relação informal da universidade com o sindicato. Essa relação evoluiu, transformando-se de um compromisso individual para um compromisso institucional. Já quanto ao compromisso individual político, destaca-se no projeto a visão de que há grupos no interior da universidade, marcadamente, descomprometidos com o mundo fora dela. Em debates internos admite-se que há grupos comprometidos politicamente com mudanças, mas que apresentam limitações intelectuais quanto ao desempenho do trabalho acadêmico e que tendem a apoiar ações pouco recomendáveis para o campo
99
da extensão. No entanto, há grupos não comprometidos que assumem com competência suas atividades. “Acho que há uma divisão. Infelizmente, o lado progressista, também, tem a sua dose de incompetência - de muito discurso e pouca prática. O que ganha as pessoas é um projeto sério. É honestidade”1. Numa linha diferenciada da apresentada, mas no campo dos coordenadores e formuladores do projeto, há visões que se expressam na perspectiva de existir, na universidade, um espaço de liberdade para dar respostas às demandas imediatas. Isto, todavia, não pode levar a universidade ao comprometimento apenas com o imediato, porque a instituição seria sacrificada pelo imediatismo. “Talvez ela passasse a ser, simplesmente, uma instância de assistencialismo e não uma istância onde a questão do conhecimento, de forma mais profunda, e, portanto, mais duradoura, pudesse acontecer”2. Entendimentos os mais variados vão sendo externados no conjunto do projeto, como a tentativa de se conceber uma unidade entre universidade e sindicato. Define-se pela possibilidade de elaboração de projetos que atendam os diferenciados interesses existentes. O surgimento do Projeto Escola Zé Peão passa por essa interface. Esse relacionamento, contudo, não se dá na direção da universidade para o sindicato. “Ele ocorre de setores da universidade comprometidos com essa clientela e desse sindicato(construção civil) que reconhece a necessidade de construir um projeto”3.
O encaminhamento dessas relações poderá produzir ações pensadas não simplesmente pelos representantes da universidade para serem repassadas aos operários, mas por setores comprometidos com a classe trabalhadora, desenvolvendo atividades com esses trabalhadores, nesse caso, também com o sindicato.
__________ 1. Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa. 3. Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
100
O operário da construção civil deixa evidente a sua visão de universidade fechada para a sociedade, conforme foi apresentada, na Tabela 4, com um percentual de 74%. É uma visão em que a universidade é uma instituição do saber com vida independente, mas que, mesmo assim, se mostra contraditória. Os operários, em suas reuniões, afirmavam que seria muito bom que a universidade apoiasse todos os projetos que a classe trabalhadora pretendesse. Entendiam eles, porém, que o atendimento a essa expectativa tem limitações, por conta da existência de um sistema por trás dessa instituição que não permite que isso aconteça. Do operário surge a visão de que a universidade bem que poderia, de certa forma, conscientizar o seu estudante que no futuro pode ser o patrão. A universidade, para ele, poderia: ”Ter um insinamento, um isclarecimento prá ele(estudante), então, ele seria um patrão mais flexíve do que aquele patrão que não aceita siquer niguciar”1.
Esta é uma visão já bastante conhecida na história da educação, sobretudo no campo religioso, onde muito se investiu nas mentalidades das elites, na esperança de que poderiam ser “melhores” e dirigentes mais “caridosos”. Interesses sociais e prática social A configuração dos interesses sociais(tema IV) está definida de acordo com três possibilidades. A primeira é que os interesses podem estar voltados a indivíduos, estando permeada de formulações que conduzem à sua promoção, seja na política, no aspecto econômico ou mesmo na dimensão cultural. São interesses que se expressam por uma visão que privilegia o comportamento da pessoa individualmente, marcada por enfatizar as expressões financeiras e as promessas. A segunda possibilidade de interesses é aquela voltada a setores do movimento. Essa percepção concebe apenas os interesses corporativos e busca a promoção de grupos da sociedade, nas dimensões política, econômica e cultural. Pode estar definida em torno de interesses do setor produtivo, privado, seja industrial ou comercial. A terceira possibilidade é aquela em que os interesses se apresentam direcionados à classe. Os seus indicadores revelam os interesses políticos voltados à classe que defendem. Também podem apresentar interesses ligados ao campo das alianças ou mesmo de greves. Lutas, organização, reclamações, etc. são expressões também utilizadas por aqueles que defendem os interesses da classe trabalhadora. Quanto à concepção de prática social (tema V), tem-se uma complementação e uma reaplicação do tema anterior - configuração dos interesses sociais. A prática social está formulada através de interesses, podendo estar voltada a indivíduos . Nesse caso ter-se-á um discurso pela modernização preocupado com eficiência, eficácia, competitividade, competência, modelamento e que prende em geral as preocupações administrativas. Um segundo aspecto da prática social é quando ela se constitui como processo político em consonância com as classes dominadas, podendo externar-se ou expressar-se como movimento com diferentes mediações e espaços. Essa postura passa a afirmar e complementar o jogo de interesses sociais, explicitando-se em discursos onde estão presentes possibilidades de mudanças, transformações, lutas, alternativas políticas, consciência política e formação política das classes trabalhadoras. A Tabela 4 revela consistência entre o tema IV - configuração dos interesses sociais e o tema V - concepção de prática social, como revelam os percentuais dos indicadores. No tema IV, os interesses voltados à classe apresentam os índices de 63%, 82%, 80% e 51%, relativos, respectivamente, aos coordenadores do projeto, aos seus executores, aos trabalhadores ou __________ 1. Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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comunitários e aos documentos produzidos pelo projeto. Esses dados serão expressos de forma consistente no tema V - configuração da prática social, por meio dos indicadores que apontam para uma prática como processo em consonância com as classes subalternas (5.2). De forma mais acentuada, os percentuais de 89%, 99%, 98% e 93% são determinantes quanto à percepção da prática no Projeto Escola Zé Peão. As médias desses indicadores são também expressivas - 71% (4.3) e 98% (5.2) -relativas ao compromisso voltado para os interesses das classes trabalhadoras, como também às práticas direcionadas para essas mesmas classes. A análise das entrevistas dos trabalhadores da construção ou comunitários indica uma percepção clara dessa prática, que se apresenta através de resultados concretos. Quanto aos resultados que os sindicalistas esperam, não se faz necessário que suas propostas sejam executadas pelos próprios trabalhadores ou mesmo por seus agentes ou instituições. Para eles, o importante é que haja repercussão da necessidade de se fazer aquele tipo de trabalho. Nesse sentido, o resultado passa pela disposição gerada no sindicato patronal para fazer convênios e também para realizar cursos de alfabetização nos canteiros de obras, até a possibilidade de financiamento pelos empresários, a partir do Ministério da Educação e Desporto. A esse respeito, diz um dos sindicalistas: “Quando vejo o Presidente da República que não soltou dinheiro prá nós, mas já está financiando o empresário que quiser alfabetizar, o meu trabalho teve uma repercussão lá em cima”1. Para ele, pouco importa quem são os agentes da prática social; o que importa é a realização dessa prática e o atendimento das necessidades. Esta é uma contradição ( ou a indicação de uma falha) no discurso do dirigente sindical, pois se sabe que os agentes da prática social são determinantes na realização do trabalho que se pretende como organizador de uma classe. O exercício pedagógico da escola Zé Peão não será o mesmo se for desenvolvido por qualquer agente social, despojado também de compromisso de classe. Para o sindicalista, pouco importa a discussão política, inclusive interna, que possa traduzir-se como visões de tendências ou visões políticas diferenciadas. O ganho de uma posição política se apresenta como uma possibilidade de pouca importância, a que ele se refere como “brigas ou picuinhas políticas”. O que importa para ele é o trabalho. O que ele pretende mesmo é trabalhar. É de se perguntar se o trabalho político não é um trabalho. Essa compreensão de prática social coloca-se em contraposição às formulações dos coordenadores, que vêem na prática pedagógica de um fazer sistematizado o significado dessa prática social, no sentido de que o operário passe também a apropriar-se do saber sistematizado, assim como aqueles que estão desenvolvendo aquela ação. A organização do projeto passa a ter sentido desde que haja um caráter educativo primordial, ou seja, a formação de uma identidade de classe: “um conhecimento da condição de trabalhador”. Revelam-se também metodologias de práticas sociais bastante peculiares a partir dos próprios trabalhadores ou dirigentes sindicais. Para se levar o boletim Zé Peão e algumas discussões até os canteiros de obras, muitas vezes chega-se na hora do almoço dos trabalhadores. “Às vezes chego na hora do almoço. Eu pego um „bico‟ com eles. Um me dá um pouco de feijão, outro farinha, outro um pedaço de carne. Pego o „bico‟ deles. Quando falta 15 ou 20 minutos prá eles pegar no serviço, costumam jogar até a cachorra bater, é a sineta, que é um pedaço de ferro que bate prá eles pegar no serviço. Eu vejo que
__________ 1.
Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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eles já têm jogado bastante, já deu prá se divertir, aí eu digo: companheiro! vamo parar o dominó. Hoje, vamo discutir um assunto que é muito importante. A questão, vamo dizer, do plano. Quem tá entendendo o plano do Governo?” 1.
Para esse líder sindical, a discussão imediata sobre política não será compreendida tão facilmente pelos trabalhadores. Daí porque tal técnica possibilita ao próprio dirigente sindical uma inserção no mundo específico daquele canteiro de obra. Tanto o tema político como o próprio sindicato, como instituição, pode não ser aceito naquele ambiente de trabalho. Esse é um trabalho conhecido por “começar de baixo” , mas que suscita desconfiança por parte de outros dirigentes, que não aprovam essas formas de passar as informações aos seus companheiros. Para a liderança sindical, entretanto, essa é a linguagem e também um pouco a escola do trabalhador. Ao ser questionado sobre essas estratégias de fazer prática sindical, o sindicalista responde que não vai chegar entre os operários da construção e dizer que irá conscientizá-los e que o certo é a instalação do comunismo no Brasil. Não irá dizer aos trabalhadores que devem votar no Lula para Presidente ou que devem votar todos no PT ou outro partido de esquerda. Os trabalhadores não vão entender essa linguagem. “Eles acham que todo partido é igual. Eles acham que todo político calça 40. Nós temo que começar pelo dominó, mostrando prá ele que as pedra do dominó são diferente. Umas têm três pingos brancos outras têm quatro. Temos de mostrar prá ele que todo dirigente sindical é diferente. Todo político não é igual” 2. Há, portanto, diferenças e contradições no que concerne às percepções de prática social entre os coordenadores, bem como entre coordenadores e comunitários que participam do Projeto Escola Zé Peão, e ainda entre os dirigentes sindicais que participam diretamente do projeto. Segundo um membro da coordenação do projeto, ao participar dessa luta na busca de bens simbólicos, se encontram “futuros heróis”: o trabalhador que após dez horas de trabalho ainda vai em busca da escolarização, em nome da cidadania. Há uma introjeção desses bens como sendo bons para eles. Constroem um projeto pessoal. Há muitos aspectos nessa relação das práticas sociais com a configuração dos interesses sociais. “Há, contudo, uma vida noturna e uma sociabilidade entre esses operários e até de „encantos‟ das professoras do projeto. Vai se vendo que, agora, esses trabalhadores „compraram‟ o projeto. Inicialmente, ia-se „vender‟ tal projeto”3.
Agente institucional e natureza do trabalho O papel do agente institucional(tema IX) configura-se das seguintes formas: a primeira analisa o comprometimento do agente institucional com os interesses do mercado, do capital; a segunda vê o papel desse agente expresso de forma neutra e a terceira compreende a possibilidade de o agente institucional estar compromissado, especificamente, com as classes subalternas da sociedade.
__________ 1. Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa. 3.
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Em relação à primeira possibilidade, serão enfatizadas aquelas palavras ou expressões indicadoras de situações como, por exemplo, o discurso voltado aos interesses individuais, à promoção individual ou mesmo à preocupação com o bem-estar individual. Além disso, estão inseridas como indicadores expressões que definam integração, bem como formação para profissionais “avançados”, no sentido de saber utilizar as tecnologias ditas de “ponta”. Na segunda condição - o agente neutro da instituição, seja ligado à universidade ou ao Estado, há indicadores que apontam esses profissionais relacionando-se com a comunidade ou entre si, como representantes apenas da instituição a que pertencem. Já a terceira forma analisa o papel do agente institucional como pessoa comprometida com a classe dominada. Observa se ele se externa assumindo e defendendo as condições de participação da comunidade ou de pessoas nos projetos ou práticas sociais em estudo. Costuma estar presente aí uma preocupação com a relação entre teoria e prática. O agente se apresenta na defesa da solidariedade, da afetividade, do compartilhamento, companheirismo, conscientização e cooperação. A Tabela 4 (temas, itens e percentuais de indicadores) apresenta percentuais onde se pode ver que a equipe de coordenadores é constituída por pessoas com marcante diferenciação de perspectivas políticas. No tema VIII (natureza do trabalho social) os coordenadores divergem quanto à natureza do trabalho, onde 27%(8.2) indicam que esta se constitui de trabalho técnico com discurso de neutralidade frente às ações em desenvolvimento no projeto. Um percentual expressivo de 71%(8.3) assume, contudo, que o caráter desse trabalho deve ser técnico, acompanhado de um discurso transformador. Todavia, ao nível do sindicato e do grupo Zé Peão, discutem-se as formas de fazer chegar tal discurso à categoria, diante de sua complexidade quanto à origem dos trabalhadores da construção civil. Essa composição se apresenta com uma duplicidade de identidade. Trata-se de um trabalhador rural que veio à cidade enquanto espera o tempo de plantio e colheita no campo. Breve estará voltando ao seu lugar de origem. É também um trabalhador urbano, pois seu trabalho localiza-se na cidade, sendo conduzido pelo movimento social da própria cidade. Sua relação com o sindicato da construção, na maioria dos casos, é a primeira e esta é conduzida pelos traços da relação política vivenciada por ele lá na sua terra de origem. É uma relação geralmente de dependência para com o vereador ou o prefeito da pequena cidade: é o compadre que o conduz à feira e que não cobra passagem. São relações de amizade familiar, considerando que a família vive na mesma região. Ou é uma relação ao nível econômico, baseada no empréstimo de dinheiro sem cobrança de juros, fora, portanto, das relações normais do capital. Enfim, alguém com esse tipo de história passa a ver no sindicato uma possibilidade de relacionamento semelhante, onde espera ver resolvido o seu problema. O sindicato trabalha no sentido de quebrar esse tipo de relacionamento. Parece razoável se entender que o trabalho social desenvolvido não rompe “in totum” com essas práticas políticas, mas que contribui para a sua superação, pelo menos enquanto esse trabalhador permanecer na cidade. Essas são algumas expressões das dificuldades enfrentadas e que são geradoras de contradições entre coordenadores. Os índices relativos ao papel do agente institucional (tema IX), ou seja, 38% para a perspectiva de se apresentar como um agente de mercado, 27% como agente neutro e 35% como agente da classe dominada, expressam contradições. E isso, talvez, se constitua na divergência maior na solução de questões como aquela apontada no parágrafo anterior. Isto tem sido colocado e analisado, no âmbito do projeto, como uma característica que lhe é inerente, ou seja, a tentativa de manter as posições diferenciadas nos limites do próprio grupo. Trata-se de uma experiência onde os conflitos nunca foram sufocados, mas sempre colocados em discussão. “Os conflitos, sejam cognitivos, políticos, de valores, sempre foram colocados como objeto de observação e de discussão. Sempre tendo em vista o aprimoramento do projeto, no sentido último, de viabilizar para o operário, o acesso a todo esse saber e contribuir, em parte, para sua subjetividade e, em parte, para formação de uma identidade sindical, de uma consciência coletiva. Entretanto, todas as coisas que eu disse, na entrevista, refletem um olhar” 1. ___________ 1. Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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O Projeto Escola Zé Peão contém uma diversidade de percepções. Essas percepções têm tido diferenciação marcante a partir da posição que ocupam no projeto, do tempo como agente do projeto e da conjuntura do momento. Há também uma diferenciação marcante no que se refere à natureza do trabalho social caracterizado, neste projeto de extensão, como um trabalho técnico com discurso transformador, embora apenas 35% dos respondentes estejam voltados à visão do papel do agente institucional comprometido com a classe dominada. Destaca-se a consistência existente em ambos os temas quanto à visão da natureza do trabalho social na extensão se constituir como um trabalho técnico, com discurso de neutralidade, com 27%, verificando-se o mesmo índice para o papel do agente institucional, expresso como agente neutro. O papel do agente institucional ganha relevo quando da movimentação para o dissídio coletivo ou quando questões específicas de algum canteiro de obra são colocadas. Há casos em que os trabalhadores de determinados canteiros de obra nunca tinham paralisado suas atividades. A presença da escola, após sete meses de atividades, contribuiu para que os trabalhadores desse canteiro resolvessem paralisar suas atividades por conta de não pagamento de salário-família por parte da empresa construtora. O sindicato, inclusive, chegou a formular uma proposta para o grupo daquela empreiteira, a qual não foi aceita por parte dos trabalhadores. Entraram em negociação com a empresa e com o sindicato, e decidiram pela greve, independentemente da proposta do sindicato. O sindicato, naturalmente, aprovou a greve desse grupo. O que marca a presença da escola são declarações dos próprios trabalhadores para o diretor sindical e membros do Projeto Escola Zé Peão: “Ah! você sempre falou que era a gente se unindo que conseguia as nossa reivindicação e agora, eu posso dizer que é verdade”1.
É importante salientar que hoje a organização nos canteiros de obra é bastante variada, como são variados os próprios trabalhadores nesses canteiros. O trabalho na construção civil leva o operário a permanecer por pouco tempo no mesmo local, considerando o pouco tempo de duração da obra e conseqüente rodízio no trabalho. Mas há canteiros com uma organização maior que outros. A diretoria, cada vez mais, tem de manter o processo de visita direta aos canteiros. Alguns deles exigem a presença do sindicato diariamente. Há outros que procuram o sindicato como forma de prestar todos os esclarecimentos que precisam ter em decorrência de mudanças de salários e cálculos de percentuais de férias, décimo terceiro salário ou mesmo o cálculo do FGTS. Essas discussões ajudam a todo o processo de um desenvolvimento organizativo. “Chego em canteiros de obras em que os operários estão dando aulas uns para os outros. É uma teima gostosa entre eles. Você não sabe que é desse jeito? Você não sabe como é que você dividiu isso e deu esse resultado?” 2.
__________ 1. 2.
Declaração de um operário no canteiro de obras, após a conquista da reivindicação do salário-família. Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Essas constatações parecem configurar uma natureza do trabalho social em extensãoneste projeto. O Projeto Escola Zé Peão vem, inclusive, contribuindo para a criação de frentes de lutas como a da questão da saúde e da segurança no trabalho. Ainda mais esclarecedoras são as contribuições do projeto no seio da categoria e diretamente para a diretoria sindical. Ressalte-se que o projeto tem sido bastante divulgado, no Nordeste, através da liderança que o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil tem exercido na região. Em l991 organizou-se aqui em João Pessoa o I Encontro dos Sindicatos da Construção Civil do Nordeste. O sindicato também já participou da formação de uma Federação de Trabalhadores. Há um departamento de trabalhadores da construção civil na Central Única dos Trabalhadores(CUT) onde esse sindicato exerce a liderança no Estado da Paraíba. Há ainda fortes contatos com sindicatos da construção civil em Campinas/SP, Recife e em Fortaleza. O contato com Campinas vem se dando, através do trabalho que vem sendo desenvolvido naquela cidade voltado à educação básica, para a alfabetização dos operários. “Acho que o projeto tem extrapolado o espaço local, isto porque foi divulgado, a nível nacional, via trabalhos escritos, participação em eventos, encontros nacionais e internacionais, através da rede do MEB”1. A natureza do trabalho social neste projeto de extensão, que expressa a opção por um trabalho técnico, acompanhado de um discurso transformador, atinge o percentual expressivo de 88% entre os executores do projeto. Sabe-se que a alfabetização não é tarefa específica da universidade e sim do Estado. Mas, ao realizarem tal papel, a universidade ou o sindicato apontam a sua perspectiva. A universidade pode estar se propondo a um trabalho de ensino ou de pesquisa ao realizar atividades de extensão. O sindicato, por sua vez , assume a formação política de sua base operária. Pretende motivar suas bases de trabalhadores para incentivá-las à participação no sindicato, exercitando-os para uma participação mais ampla no âmbito da sociedade. O sindicato e a universidade confluem, portanto, para um objetivo comum, relacionando-se e diferenciando-se quanto ao propósito de que o acesso ao saber sistematizado faz parte do processo de conquista de cidadania. A universidade tem, dessa forma, uma ligação social com as pessoas, desenvolvendo, com eles, um trabalho particular. Nesse sentido, existem perspectivas: “ Primeiro, a perspectiva de melhor formação de professores para educação de adultos. A segunda é estender os seus conhecimentos à comunidade. Mas não é qualquer conhecimento e sim um conhecimento de qualidade. A universidade tem a responsabilidade de colocar o que há de melhor que tem a serviço da comunidade” 2.
A proposta do Projeto Zé Peão era inicialmente modesta, mas pouco a pouco foi conquistando a construção civil. A demanda, hoje, é mais expressiva e já são os trabalhadores que procuram o sindicato reivindicando a Escola Zé Peão no seu canteiro de obras. Há pressão sobre o sindicato nesse sentido e, atualmente, já existem dificuldades para o atendimento dessas reivindicações.
________________ 1.
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2.Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Em discussões da diretoria do sindicato sobre o Projeto Escola Zé Peão, diretores costumam afirmar que essa parceria não pode se prender apenas à escola, no sentido de alfabetizar, ensinar a ler e escrever o nome. Para eles, esse trabalho conjunto da universidade com o sindicato, através deste projeto, precisa ir além do que se está fazendo. Às vezes, acham vaga a proposta pedagógica da alfabetização. Levantam a necessidade de que esse trabalho possa ir além do que se está propondo como alfabetização, como escola. Para os trabalhadores não basta apenas saber escrever o nome ou fazer algumas contas. É necessário que seja envolvido todo o contexto da sociedade em que vivem. O trabalho social desenvolvido está despertando entre os próprios sindicalistas a necessidade da reciclagem das diretorias. A oposição Zé Peão foi eleita para a direção do sindicato. Houve uma repetição de mandato desse grupo. Agora eles estão preocupados em sair dos cargos que exercem. Como inicialmente estiveram em funções de “linha de frente”, agora acham que, se permanecerem na diretoria, serão deslocados para cargos com atividades de menor importância. Assim, acreditam que estarão empurrando os demais diretores para assumir a proposta de desenvolver tal política. Outra dimensão da natureza do trabalho desenvolvido tem sido o avanço no sentido de maior envolvimento da direção sindical e de alguns trabalhadores da base sindical em vários outros movimentos sociais, indo além da participação exclusiva no sindicato. Os membros do Projeto Escola Zé Peão e da diretoria do sindicato atuam em várias frentes como nos partidos políticos, nos movimentos da Igreja Católica ou na organização de associações de moradores em seus bairros. Suas atividades no movimento sindical passam a ter maior expressão nos diversos movimentos de organização da sociedade, possibilitando que suas questões passem também pelas discussões do movimento sindical. Com relação ao Projeto Escola Zé Peão, podem-se confrontar, na Tabela 4, os dados do tema IV - configuração dos interesses sociais, e do tema V - concepção de prática social com os temas VIII - a natureza do trabalho social, e IX - o papel do agente institucional. Constata-se a consistência expressa pelos dados da tabela, através dos percentuais dos itens: interesses voltados à classe subalterna e os processos em consonância com as classes dominadas; o trabalho técnico com discurso transformador e o papel do agente voltado às classes dominadas, com percentuais de 71%, 98%, 91% e 65%, respectivamente, havendo, mesmo assim, uma diferença de trinta e três pontos percentuais entre os executores e textos do projeto. Não se pode deixar de observar, contudo, a dificuldade existente no grupo de coordenadores, apresentando a divergência maior quanto ao papel do agente institucional.
A extensão universitária O tema VII trata das concepções de extensão universitária apresentadas no projeto. As concepções de interesse no estudo projetam três possibilidades na apresentação dessas concepções. A primeira é a concepção de extensão como uma via de mão única, em que a universidade se “dirige” para a sociedade. É uma perspectiva reveladora de uma visão onde a universidade se situa desvinculada da sociedade. Ela “vai” em busca da sociedade. Essa visão é detectada por indicadores que apresentam a universidade como prestadora de serviço, fornecedora de cursos, condutora de conhecimentos para a sociedade. Firma-se nessa compreensão a idéia da assistência ou da venda de serviços. A universidade se torna um balcão de atendimento de demandas mais imediatas de comunidades ou grupos da comunidade, ou mesmo de interesses individuais. Consolida-se a idéia de patrocínio de eventos onde os serviços de assessoria aparecem como forma de ganho de proventos para os departamentos ou para os profissionais prestadores de serviços. Prevalece a noção de que a universidade deve fazer treinamento e estender os seus conhecimentos à sociedade. Assim, “beneficiará” a sociedade e exercerá a sua função social. Outra possibilidade de extensão universitária é aquela definida como via de mão dupla. Esta visão se reveste de um processo educativo, cultural e científico. Em geral, tem sido apresentada pelas Pró-Reitorias voltadas à extensão universitária. É uma conseqüência do conceito alimentado nos encontros dos Pró-Reitores dessa área de atividades das universidades. Está sempre presente nesse conceito a compreensão de que a universidade leva conhecimentos para a comunidade
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e, ao mesmo tempo, dela extrai conhecimentos. A extensão da universidade é simbolizada pela mão dupla, compreendendo-se como um canal ou elo promovedor do diálogo, da troca, buscando tanto captar como atender as demandas postas aos organismos de extensão da universidade. A terceira possibilidade em construção é a visão de que extensão universitária pode ser entendida como um trabalho social e necessariamente será um processo educativo, cultural e científico. Esse processo está relacionado com o papel do agente de extensão, bem como com a sua concepção e prática social. Revela-se como processo voltado à construção da hegemonia dos setores subalternos da sociedade. Concebe-se como um trabalho realizado junto à comunidade pela universidade ou seus agentes(estudantes e professores) que, mesmo diferenciando-se, relacionam-se, rompendo a dicotomia existente entre os pólos dessa relação. O conhecimento é produzido não só pela universidade e repassado para a comunidade (através de pessoas participantes dos movimentos), mas também pela comunidade e universidade(através de seus pesquisadores, estudantes, etc). A comunidade e a universidade são as proprietárias do conhecimento produzido e de todo o produto gerado dessa ação conjunta. É uma perspectiva onde o trabalho se configura numa dimensão de continuidade e de permanência, em processos de realimentação, valorando a prática e a reflexão sobre essa prática. A projeção dos percentuais da Tabela 4 sugere a presença, no Projeto Zé Peão, das várias correntes de conceituação sobre a extensão universitária. É marcante a visão de que extensão universitária se expressa como uma via de mão única, em percentuais de 35% para os coordenadores do projeto, 35% para os executores e 74% para os comunitários. A comunidade mantém a expectativa de que a universidade, como instituição governamental, deva atender as suas demandas de forma assistencial. Essa é uma visão que reforça uma concepção autoritária do fazer acadêmico da instituição, no momento em que a universidade se torna a detentora da solução ou a única possuidora do saber. São expressivos, contudo, os resultados do item 7.3 entre os coordenadores e executores e nos documentos produzidos pelo projeto, com percentuais de 58%, 61% e 80%, respectivamente. Esses dados abrem possibilidades para um novo pensar sobre as formulações conceituais dominantes acerca da extensão universitária.
TABELA 5 CONCEPÇÃO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Distribuição dos itens do tema VII, por segmento ITE M
A 1
A 2
A 3
A T
%
B1
B 2
B3
B T
%
C1
C 2
C 3
C T
%
D 1
D 2
D 3
D T
%
TT
t%
7.1
11
05
00
16
35
11
06
00
17
35
10
14
19
43
84
09
07
00
16
24
92
43
7.2
01
02
00
03
07
01
01
00
02
04
01
00
00
01
02
03
01
00
04
06
10
05
7.3
14
13
00
27
58
14
16
00
30
61
03
02
02
07
14
31
15
00
46
80
110
52
% item
04
7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade. 7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico. 7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia. A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B CT - Freqüência de indicadores no item C DT - Freqüência de indicadores no item D TT - Freqüência total de indicadores no item
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Observando-se, na Tabela 5 - concepção de extensão universitária, o total de indicadores em relação aos itens, constata-se que foram detectados 35% entre os coordenadores, 35% entre os executores, 24% nos documentos e 84% entre os comunitários, perfazendo um total de 43% de indicadores detectados para a compreensão da extensão como uma via de mão única. Essa expectativa entre os comunitários surge com um total de 84% dos indicadores, sendo um índice esperado, considerando as perspectivas das comunidades habituadas ao paternalismo das políticas públicas. Todavia, o percentual final de indicadores (52%), voltado para a visão da extensão como trabalho social, projeta-se com maior significação para se pensar a extensão como trabalho social. A extensão universitária, neste projeto, vai se explicitando no trabalho de extensão feito em conjunto, estabelecendo uma relação entre a universidade e a realidade da construção civil. Constitui-se em um espaço pedagógico para aprendizagem dos grupos envolvidos, sejam eles da universidade, da comunidade ou de um sindicato, conferindo significado ao fazer ensino a partir da extensão. Há um espaço pedagógico de formação profissional tanto para os trabalhadores como para os membros da universidade que fazem extensão. Há, inclusive, um profundo exercício de responsabilidade para todos os envolvidos num projeto dessa natureza. Quanto ao espaço pedagógico existente no fazer extensão, foi apresentado o seguinte depoimento: “É o espaço que a extensão oferece para a pesquisa. Eu acho que quando a gente fala na possibilidade do ensino-pesquisa-extensão é uma frase vazia para muitas pessoas. Na área de extensão, você dificilmente separa o ensino, a pesquisa e a extensão. Uma coisa está embutido na outra. Não se consegue fazer extensão sem um mínimo de ensino e de pesquisa também. Pode não ser formalizada em termos de projeto, mas a nível de sistematização isto tem que existir” 1. O projeto de extensão universitária Escola Zé Peão vem apresen-tando a dimensão de pesquisa quando, de forma concreta, vários trabalhos acadêmicos são gerados dessa experiência. Dissertações de mestrado e teses de doutoramento já foram aprovadas, cujos objetos de pesquisa analisavam aspectos sócio-culturais do projeto ou estudos de dimensões metodológicas voltados à área pedagógica, especificamente, no campo da alfabetização de adultos. O espaço do Projeto Escola Zé Peão tem se mantido aberto a alunos e professores comprometidos com a sua perspectiva política. A extensão realizada pelo projeto vai se configurando dentro da idéia de um trabalho inserido em questões sócio-políticas e culturais da região. Tem buscado coletivamente alternativas viáveis e práticas para as necessidades do cotidiano, num trabalho que, à medida que vem se realizando, promove também a pesquisa. Esta adquire um “caráter” de ênfase no conhecimento da realidade para subsidiar futuros planejamentos e ações de ensino. A pesquisa vai se fortalecendo, na medida em que são produzidos mais conhecimentos sobre a realidade. Diante de uma necessidade que é destacada para estudos de propostas de solução viáveis, nesse momento, surge um conhecimento mais minucioso, mais concreto, que só é possível através da pesquisa. A pesquisa vai, inclusive, qualificando essa intervenção possibilitada pela extensão. “Eu penso que a articulação do trabalho de extensão e pesquisa, se casa bem na particularidade do Projeto Escola Zé Peão. Em sendo um projeto que atua no âmbito do simbólico, as três dimensões se articulam: extensão, ensino e pesquisa” 2 .
1.
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
2.
Membro da equipe Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Considerações Uma observação de forma vertical nos índices percentuais dos temas e itens mostra que prevalece neste projeto a grande consistência existente nas formulações dos executores do projeto: a letra B da Tabela 4. Em relação aos comunitários, dirigentes sindicais, os dados também se comportam assim, excetuando-se o tema VII, em que prevalece a conceituação da extensão universitária como via de mão única, como expressão de uma clara contradição à consistência dos dados desse segmento da pesquisa nos demais temas. Esta concepção da extensão universitária como via de mão única, com índice de 84% entre os comunitários, se choca tanto com as concepções que prevalecem entre os coordenadores e os executores quanto com os documentos do projeto. A análise dos documentos demonstra sua grande consistência no conjunto dos temas, com exceção do tema IX - papel do agente institucional. Neste tema há uma divisão entre a opção do papel do agente como agente do mercado (9.1), que prevalece com 52%, e aquela onde se destaca o papel do agente comprometido com a classe subalterna(9.3), com 45%. É importante destacar a definição do papel do agente institucional relacionado aos interesses do mercado (tema IX), com percentuais de 38% e 52%, respectivamente, para os coordenadores e textos produzidos. Ao considerar todo o tema, essa configuração percentual se altera para 65% de um posicionamento para que o agente institucional esteja comprometido com as classes subalternas. Neste projeto se consolida uma perspectiva em que o sindicato vem desempenhando um papel fundamental no sentido de dizer a cada um que todos são operários. Todos pertencem a uma mesma classe. Também os dirigentes sindicais, até o momento, não perderam os seus contatos com as bases da categoria. Já desenvolvem sua própria capacidade de elaborar análises sobre o mundo e sobre a realidade. Eles apresentam condições de falar sobre sua própria realidade e, além disso, são capazes de passar para os seus companheiros essas suas análises. Sem a junção dessas duas coisas, possivelmente, não teria sido possível o funcionamento do projeto, que permanece até os dias de hoje. Há a relação da universidade com o sindicato, no sentido formal, o que também privilegiará a continuidade do projeto e conduzirá os seus encaminhamentos para além do compromisso individual entre pessoas. Estão superadas as relações informais de assessoria. Desperta-se, entre os docentes da universidade, bem como entre os estagiários ou professores do projeto, um compromisso político para com o próprio projeto e sua filosofia. Além disso, é oferecido aquilo que de melhor se tem - a própria força de trabalho, o trabalho profissional da equipe, sem ser preciso sair da área profissional de cada um. Assim é que, do ponto de vista metodológico , não se espera esse tipo de situação: “Não! Eu não vou agora porque ainda não aprendi. Não. Tem que ir. Isso acontece, também na extensão e aconteceu com a gente. Tivemos de ir criando e só no final de três anos é que se teve uma proposta metodológica. Tem-se um projeto metodológico para experiência. Marcado esse projeto, não só pelas minhas convicções, mas por outras que foram se cruzando também com as minhas próprias observações” 1. Este é um projeto que se revela com a possibilidade de trazer à tona a questão da aquisição de bens simbólicos pela aprendizagem da língua escrita. Enquanto trata da oralidade como forma de expressão, também acrescenta um novo código do qual o operário está excluído. Esta é a possibilidade que se aponta. Um projeto que tenta fazer regular a irregularidade de não se ter escola para uma classe na sociedade. Um projeto estabelecido com as contradições que lhe são peculiares como, por exemplo, superar a rotatividade da equipe da universidade. Esta questão pode gerar também insegurança na sustentabilidade do próprio projeto. Um projeto que luta na expectativa de que a escolarização do adulto, mesmo chegando tardiamente, se torne um direito da cidadania e um dever do Estado e da sociedade. Uma luta para que a educação básica se torne popular, com o objetivo de produzir a organização da base do setor social do poder das comunidades ou, no caso, no canteiro de obras e na sociedade em geral. Uma experiência que vem conduzindo a instrução com a alfabetização, porém combinada com o trabalho produtivo. Talvez seja esta uma expressão específica da relação entre teoria e prática. Esta experiência tem nessa relação uma dimensão prática, pois, “ enquanto a teoria serve de guia de ação, a atividade prática constitui o fundamento de todo o conhecimento” (MACHADO,1992 :129). __________ 1. Ver. IRELAND, Vera E. J. da Costa. APRENDENDO COM O TRABALHO: livro de alfabetização de jovem e adultos trabalhadores. Col. Ma. de Lourdes Barreto de Oliveira. João Pessoa, Editora Universitária UFPB, 1995.
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2.4 - Projeto Praia de Campina “Se não se discutir o problema político, fica o campo aberto para os burgueses” 1.
O início das visitas da equipe da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários à Praia de Campina, município de Rio Tinto, litoral norte do Estado da Paraíba, foi decorrente de convite feito pelo pessoal da Fundação Peixe-Boi-Marinho. A Fundação tem sede em Barra de Mamanguape onde se desenvolvem atividades voltadas à proteção do peixe-boi. A região é constituída de l4.500 hectares, sendo a Praia de Campina a área mais habitada. A situação dessa população depende do cultivo da cana-de-açúcar, que tem crescido na região, sobretudo de l975 a l985, mas cuja manutenção hoje se constitui em um grande desafio para o governo. Presos ao Projeto do PROÁLCOOL, os moradores da região estão hoje à mercê da crise desse setor. Para MOREIRA(l992:1), “após l986, segue-se uma fase de desaceleração, desencadeando a crise por que passa atualmente a agroindústria sucro-alcooleira estadual”. Trata-se de uma área de proteção ambiental do IBAMA. Juntamente com esse órgão, a partir do Projeto Peixe-Boi, atua a universidade. Em conversas conjuntas formulam a necessidade de organizar a comunidade e desenvolver um programa experimental nessa base, que é cedida pelo IBAMA, ainda que esteja ocupada pela Usina de Açúcar Japungu. No início do projeto houve algumas reuniões com a comunidade, onde foram discutidas suas dificuldades em relação à produção de alimentos, à pesca e à disponibilidade de tempo para desenvolver um trabalho comunitário, um mutirão talvez, para se fazer a plantação de uma área denominada de paul 2. A área estava tomada totalmente de vegetação “braba”, exigindo daqueles moradores trabalho braçal. Vinte e dois homens da comunidade, moradores de Praia de Campina, iniciaram esse trabalho com a participação de dois técnicos da universidade. Todo o processo de organização foi dirigido nesse local para a produção de várias culturas, como a mandioca, a macaxeira, o milho e o feijão. Sendo a área considerada de proteção ambiental, a sua jurisdição deveria passar automaticamente para o IBAMA. Isto, contudo, não estava ocorrendo, pois o domínio era da Usina Japungu que impedia qualquer ação da comunidade nesse sentido, mantendo os seus jagunços na área, sob intensa fiscalização. Estabeleceram-se imediatamente conflitos com a usina e o pessoal da universidade teve de responder processos na comarca local. Contudo, a comunidade se estabeleceu nessa área, fazendo suas plantações que, ainda hoje, são a base de sua sobrevivência. Dessas lutas foi criada a Associação Agrícola dos Moradores de Praia de Campina, que desde então passou a coordenar as lutas e as reivindicações da comunidade. Todo um processo de educação ambiental se desenvolveu nesse trabalho, sob a responsabilidade da equipe do Projeto Peixe-Boi e da universidade. Era necessária a compreensão por parte da comunidade a respeito do manejo de solo e sobre o significado da produção ambiental - a condição de usar a região do mangue, por exemplo, sem degradá-lo. Os conflitos aí gerados não estiveram apenas voltados à usina. À medida que se discutia a questão ambiental, veranistas que são proprietários e que constroem suas mansões praticamente na praia, foram alertados pelo IBAMA sobre suas construções. Mexeu-se com pessoal muito forte política e financeiramente que tentou sustar as atividades da universidade e do IBAMA naquela região. Entretanto, essas pessoas não tiveram sucesso e foram duramente multadas pelo IBAMA, tendo que recuar de seus empreendimentos. _________________ 1. Declaração de um trabalhador rural, participante das Ligas Camponenas, presente no 3º Encontro fe Comunicais Rurais. Promoção do Projeto PRAC/UFPB. 2.
Região com muita água, possibilitando plantio mesmo em época de seca. Sua característica é a fertilidade.
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Assim, têm início as atividades nessa região, que se abre para parceria com organizações não-governamentais, como a AGEMTE e a Visão Mundial, organização nãogovernamental internacional. Desse conjunto de organizações presentes em Praia de Campina se consolida um projeto apresentado ao governo japonês, cuja aprovação deveu-se muito à presença da universidade em outros projetos dessa natureza. Trata-se de um projeto voltado para o desenvolvimento de formas de produção de alimentos, de material escolar, de fardamento escolar, de saúde e de educação das crianças. A medicação deve ser desenvolvida no próprio local, comprandose apenas o que não existe na produção local. A duração do projeto está prevista para sete anos. Há vários conflitos no local. Uma companhia de tecidos passou a reivindicar as casas dos moradores do povoado de Praia de Campina. Ainda que as casas tivessem sido construídas pelos moradores, a Companhia de Tecidos de Rio Tinto, município vizinho de Mamanguape, exigia sua propriedade sobre essas construções. Muitas negociações foram encaminhadas, decorrentes da participação e do trabalho da equipe de extensão. Com a participação da comunidade foram preparados vários processos, expostos em reuniões e encaminhados à justiça, aguardando uma solução. Daí surge, por parte da equipe da universidade, em parceria com o Estado, com a AGEMTE e com a Associação Agrícola local, a formulação da proposta de compra da terra pelo Estado e de criação de um condomínio produtivo, abrangendo inclusive a região do paul. Denominado Produção em Condomínio em 120 ha de Policultura em Praia de Campina, esse projeto tem como objetivo a compra de 120 hectares de terra na área. A terra seria utilizada para produção de alimentos de subsistência, além de produtos economicamente viáveis, em forma de cooperativismo, criando uma alternativa produtiva em condomínio. O projeto tem como objetivos específicos: o combate à fome e a miséria, com a produção de alimentos básicos; a implantação de um programa produtivo consorciado; a implantação de cooperativa de produção com os moradores locais e a capacitação dos mesmos para administração, economia, armazenamento, contabilidade, comercialização e educação ambiental. A proposta nunca se consubstanciou de forma concreta. Continua sob análise do Projeto Peixe-Boi Marinho e do Governo do Estado. A AGEMTE, em contato com a Secretaria do Bem-Estar Social do Estado, também formulou uma proposta de desenvolvimento integral para os municípios paraibanos, tendo como base experimental as atividades no Vale do Mamanguape e em Praia de Campina. Esse projeto centra suas metas na produção de alimentos, na geração de emprego e renda, na educação, na saúde e na cultura. É um projeto inspirado em programas de outros Estados, como o PDCTA(Programa de Difusão e Capacitação em Tecnologia Alternativa), desenvolvido pelas ONGs SERTA/PE(Serviços de Tecnologia Alternativa), GTAE/Al e PAER/PB( Programa de Apoio à Educação Rural). Essas experiências vêm sendo “implantadas” em Pernambuco e em Alagoas e podem ser também implantadas na Paraíba. É um projeto que está no papel, mas que ainda não teve nenhum encaminhamento por parte do Governo do Estado.
Finalmente, há um terceiro projeto na região, que é um programa de preservação e de educação ambiental, onde se aprende a promover o extrativismo sem provocar desequilíbrio ao meio ambiente. São projetos da zona dos pescadores, dos catadores de marisco, de ostras, de caranguejos, entre outros. Basicamente são estes os três projetos existentes. O conjunto de atividades em desenvolvimento em Praia de Campina passa a compor o Programa Interdisciplinar de Extensão Comunitária, sendo o responsável pelas bolsas de extensão da universidade, que possibilitam o deslocamento de estudantes, semanalmente, para tais atividades. Esse programa teve início em l990 na PRAC/UFPB, buscando também uma metodologia para a prática da interdisciplinaridade. Ele cobre, hoje, mil e duzentas famílias em várias comunidades e “busca a promoção do homem e de uma prática acadêmica mais comprometida com a ética e a democratização dos conhecimentos gerados dentro da Universidade”1. Desa forma, o Programa Interdisciplinar de Extensão Universitária se afirma como “um trabalho que tem como prioridade a discussão sobre as demandas da sociedade e sobretudo a relação que a universidade tem para com essas demandas”2. _________ 1. UFPB/PRAC/COPAC. Extensão. Programa Interdisciplinar de Extensão Comunitária. Folder de divulgação. João Pessoa, s/d. 2. Id. , ib.
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Esse trabalho se constitui na possibilidade de desenvolver nas comunidades certas ações que conduzam para um processo de discussão sobre seus problemas particulares e, assim, apresentem soluções para os mesmos. Tais ações devem ser capazes de melhorar as condições de vida e de cidadania dos habitantes da comunidade, buscando um desenvolvimento social, político, econômico e cultural. O programa se organiza a partir de um grupo interdisciplinar subdividido em três outros grupos: saúde, produção e educação. Esses grupos, por sua vez, vêm desenvolvendo as seguintes ações: treinamentos, capacitação, assessorias, diagnósticos, consultorias, organização, caracterização sócio-econômica e acompanhamento técnico e científico. Atuam em várias comunidades como Penha, Praia de Campina, Fagundes, Cruz do Espírito Santo, Mussumago, Costinha, Mamanguape e Santa Rita. Esse trabalho se expande para além da comunidade de Praia de Campina, abrangendo, atualmente, trinta e oito comunidades em vários municípios vizinhos às cidades de Rio Tinto e Mamanguape. Envolve também outras organizações como os sindicatos rurais dos dois municípios, participando de programações e até de passeatas nessas localidades, objetivando a luta por suas reivindicações, além de comemorações como a do dia 1o. de Maio. A organização dessas comunidades foi gerando associações de moradores, que em sua evolução chegaram a constituir-se em uma Federação de Associações do Vale do Mamanguape, responsável agora por alguns dos projetos em funcionamento na região, como, por exemplo, o da Comunidade Solidária. As ações desenvolvidas por esses projetos promovem a participação da universidade, do IBAMA, da comunidade e de organizações não- governamentais, bem como do Estado. Elas confluem, através de suas mediações, correlações e contradições contidas em cada uma dessas entidades, como uma experiência das mais complexas, do ponto de vista político, geradora também de maiores contradições frente ao “alinhamento” difuso que apresenta. Todas as ações que vêm sendo desenvolvidas em Mamanguape, Rio Tinto e Praia de Campina, através dos três projetos, sinteticamente apresentados, serão denominadas para efeitos deste estudo, de Projeto Praia de Campina. Projeta-se, agora, o estudo elaborado sobre o Projeto Praia de Campina a partir de entrevistas com os coordenadores do projeto, os executores e os comunitários, além de textos do próprio projeto. O instrumento de análise é o mesmo que foi utilizado tanto no Projeto CERESAT quanto no Projeto Zé Peão. Pode-se observar o comportamento dos variados temas neste projeto, a partir do Gráfico 3.
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GRÁFICO 3 FREQÜÊNCIA DOS TEMAS
1000
900
800
700
600
500
400
IX
300 V II 200 V 100
III I
0 16
28
1
8
5
3
4
21
2
12
%
I. Concepção de mundo II. Concepção de sociedade III. Concepção de Estado
VI. Relação universidade-sociedade VII . Concepção de extensão universitária VIII. Natureza do trabalho social na extensão IV. Configuração dos interesses sociais IX. Papel do agente institucional V. Concepção de prática social X. Pedagogia da extensão universitária
O Gráfico 3 revela quatro blocos temáticos considerando-se a sua expressão quantitativa. O primeiro é a concepção de sociedade, externada em 28% de indicadores do projeto. É um projeto que, de acordo com as possibilidades colocadas dentro dessa concepção, vai apresentar uma divisão quase pela metade dos respondentes, sejam coordenadores ou executores do projeto, num
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total de 52% e 59%, respectivamente, para uma visão de sociedade se expressando como uma totalidade perfeitamente integrada (ver Tabela 6). Por outro lado, também se externa a visão de modo de produção para os mesmos setores, com percentuais de 46% e 40%, respectivamente para os coordenadores e executores. Surge logo de início uma contradição, considerando-se que essas mesmas visões não partem dos mesmos índices relativos aos comunitários e textos produzidos no projeto. A visão de sociedade como uma totalidade integrada apresenta índices bem inferiores, assim como a perspectiva do modo de produção, tendo conseqüentemente 63% e 83% dos percentuais. Os comunitários, na condição de trabalhadores rurais, talvez não tenham a percepção ou a compreensão de uma sociedade integrada, mas talvez sintam na pele o significado da sociedade como um modo de produção, considerando a sua situação de trabalhadores. No segundo bloco estão o tema VIII - natureza do trabalho social na extensão, e o tema I, concepção de mundo. Seus percentuais de 21% e 16% dentro do tema indicam essa proximidade quantitativa. Ao observar-se a Tabela 6, ter-se-á uma consistência no tema I, voltado à visão transformadora de mundo, com percentuais de 81%, 81%, 72% e 80%, referentes aos coordenadores, executores, comunitários e documentos do projeto, respectivamente. Essa visão está em total discordância com o tema VIII, onde os percentuais mais altos apontam para a perspectiva de um trabalho técnico com discurso de neutralidade, com percentuais de 58% e 63% para coordenadores e executores. Estão em consistência, contudo, com os percentuais de 72%, 80%, 71% e 89% relativos aos comunitários e textos produzidos no projeto para ambos os temas. O terceiro bloco é constituído pelos temas X - pedagogia da extensão universitária, com 12% de percentual, e IV - configuração de interesses sociais, com um percentual de 8%. Analisando-se a Tabela 6, observa-se uma certa consonância entre os discursos pedagógicos da extensão com a configuração de interesses sociais. No quarto bloco, estão os temas V (concepção de prática social), VII (concepção de extensão universitária), VI (relação da universidade com a sociedade), XI (papel do agente institucional) e III (concepção de Estado), com percentuais de 5%, 4%, 3%, 2%, 1%, respectivamente. Observem-se ainda os dados da Tabela 6.
Concepção de mundo e sociedade A comparação entre esses dois temas mostra as discordâncias existentes no projeto. Na concepção de mundo ter-se-á de forma clara a marcante visão transformadora no projeto, com percentuais expressivos entre os coordenadores(A%), executores(B%), comunitários(C%) e textos do projeto(D%). Esses percentuais atingem índices elevados, o que porém não se confirma com o tema II. Neste, a visão de sociedade como modo de produção sobressai-se apenas nos textos, com percentual de 83%. Aproxima-se da visão dos comunitários, com percentual de 63%, mas é bastante destoante da visão dos executores e coordenadores. É expressiva, contudo, no tema II, a visão de sociedade integrada, com percentuais de 52% e 59% entre os coordenadores e executores, respectivamente. Há de se perguntar: Qual é mesmo a visão de mundo externada por este projeto? Ela está no discurso dos coordenadores e executores ou está explicitada pelos comunitários e nos textos? Os comunitários não estão assimilando pedagogicamente as visões veiculadas pelos coordenadores e executores, ou há um conflito estabelecido e uma profunda discordância interna e externa entre essas visões?
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TABELA 6 DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO Temas
I - Concepção de mundo
II - Concepção de sociedade
III - Concepção de Estado
IV - Configuração dos interesses sociais V - Concepção de prática social
VI - Relação universidadesociedade
VII - Concepção de extensão universitária VIII - Natureza do trabalho social na extensão
IX - Papel do agente institucional
X - Pedagogia da extensão universitáRia
Itens
A%
C%
15 04 81
B % 15 04 81
19 09 72
D % 10 10 80
1.1 - Visão que privilegia o mercado 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a soc. 1.3 - Visão transformadora 2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção 3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. absoluta 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos 4.3 - Interesses voltados à classe dominada
02 52 46
5.1 - Interesses voltados a indivíduos 5.2 - Processo em consonância com classes dominadas 6.1 - Instituição do saber com vida independente 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico 7.1 - Via de mão única 7.2 - Via de mão dupla 7.3 - Trabalho social ( construção de nova hegemonia ) 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 9.1 - Agente dos interesses do mercado ( capital ) 9.2 - Agente neutro da instituição 9.3 - Agente comprometido com as classes dominadas 0.1 - Pedagogia tradicional 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora
Fi 92 33 442
% itens 16 06 78
Fgi
% tema
567
16
01 59 40
-37 63
-17 83
08 455 516
01 47 52
979
28
-66 34
-100 --
75 25 --
50 -50
04 05 02
36 46 18
11
01
-39 61
05 32 63
01 07 92
-20 80
03 47 253
01 16 83
303
08
12 88
-100
-100
-100
04 181
02 98
185
05
55 21 24
82 09 09
65 31 04
-50 50
68 18 13
69 18 13
99
03
25 28 47
63 24 13
68 13 19
95 -05
73 24 25
60 19 21
135
04
01 58 41
01 63 36
-29 71
-11 89
03 361 360
01 50 49
724
21
42 29 29
64 04 32
--100
100 ---
23 05 18
50 10 40
46
02
01 99
-100
-100
-100
01 389
01 99
408
12
A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicadores
A concepção de mundo e de sociedade também vincula-se às relações da universidade e da sociedade. Comparando-se o tema VI - relação da universidade com a sociedade, com o tema I concepção de mundo, e com o tema II, concepção de sociedade, observa-se que aparece outra inconsistência, considerando-se que a visão transformadora de mundo poderia replicar na relação entre a universidade e a sociedade com o item ( 7.3), ou seja, a instituição como um aparelho de hegemonia. O que se vê, contudo, é que no tema VI os índices mais marcantes estão entre os coordenadores, executores e comunitários - 55%, 82% e 65%, respectivamente, na visão da universidade como possuidora de um saber com vida independente. Já os textos dividem-se igualmente, expressando uma visão dupla e contraditória. Portanto, há possibilidades e dificuldades as mais variadas para implementação desse tipo de projeto. Uma delas é a visão de que a universidade continua elitizada e enclausurada nos seus muros, nas suas salas de aula.
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“Não tenta renovar essa parte rica que poderia sustentar o ensino e a pesquisa, aproveitando isso que está acontecendo como algo novo. Essas experiências mostram que a universidade deve ser feita em cima do tripé: ensino, pesquisa e extensão. E a gente percebe, hoje, que infelizmente a extensão não consegue ser articulada com a pesquisa e o ensino. A extensão fica um pouco relegada a um plano inferior”1. Contudo, os trabalhos continuam sendo realizados e apresentam alguns resultados interessantes em regiões circunvizinhas à de Praia de Campina. Esta parece isolada no litoral; contudo, comunidades as mais diversas e localizadas até quinze quilômetros de distância chegam a participar de algumas reuniões. Fazem-se presentes comunidades, como a de Tacaré, área de assentamento, como da Estiva e a localidade do Geraldo. O processo de organização de Tavares, outra comunidade, surgiu a partir da influência do Projeto Praia de Campina. Os trabalhadores têm conseguido mostrar a sua força, mesmo com as contradições existentes. Isso tem motivado outras comunidades a buscarem sua auto-organização. A universidade nessa sua relação com a sociedade, percebe que assim pode ajudar os grupos em certas comunidades a se organizarem no sentido de conquistarem sua autonomia. Pode ajudar a superar a dependência de grupos comunitários ao “doutor” e às forças políticas locais a que estão submetidos, quer sejam secretários de Estado, vereadores, deputados ou prefeitos, que só marcam presença nas comunidades naquelas tradicionais épocas eleitorais. Logo, a universidade pode estar passando conhecimento para a comunidade e vice-versa, estabelecendo-se uma dupla troca, inclusive técnica. Pode, dessa forma, marcar sua presença nos problemas da sociedade. “O papel da universidade, é interessante porque apesar de ser instituição governamental, ela não é tão atrelada quanto outros órgãos. É mais independente. Acho que ela é uma ponte com as comunidades e com outros órgãos de uma forma mais independente, mais interessante portanto. Então, a gente quer manter essas relações, quer aproximar mais, quer aprofundar essa relação. Especificamente com o Estado, a Visão Mundial não tem relação direta”2.
Apesar das contradições já apresentadas, os executores expressam suas lutas e suas utopias em relação ao projeto. Dedicam-se, enquanto estudantes, à busca de alimentar as ansiedades do seu próprio saber científico, transmitido apenas em sala de aula, com complementações resultantes da sua permanência nessas comunidades. Acreditam naquilo que estão fazendo.
“A gente fala muito na universidade transformar a sociedade e a gente não pode esquecer que a universidade devia ser transformada internamente. Essa universidade pode ser uma universidade diferente. Essa sociedade pode ser uma sociedade diferente e embora muitos digam que não. Esses trabalhadores podem se organizar. A gente tem condições de ter um país diferente, de romper com isso aí, a partir do que a gente tem visto em Praia de Campina”3.
Interesses sociais e prática social A configuração dos interesses sociais combinada com a prática social (ver Tabela 6) alerta para a caracterização de uma perfeita consonância entre os interesses sociais e a prática social. Os interesses sociais indicados pelo tema IV, voltados à classe dominada, definem percentuais para os coordenadores, executores, comunitários e textos do projeto, em perfeita consonância. Os percentuais de 61%, 63%, 92% e 80% demonstram a inexistência de qualquer contradição, mesmo havendo diferenças significativas percentualmente de 61% e 63% para 92% e 80%. _____________ 1.
Membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro da equipe do projeto e de ONG na Paraíba. Texto da entrevista para esta pesquisa. 3. Membro da equipe do projeto e estudante. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2.
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Mas isso não se sustenta ao serem observados os índices do tema V - concepção de prática social, onde se tem, de forma exagerada, percentuais de 88%, 100%, 100% e 100%, para uma compreensão de prática em consonância com as classes dominadas. A heterogeneidade dos participantes desse projeto não possibilita tal nível de identidade em suas formulações discursivas ou mesmo nos textos escritos. Isso que se apresenta como uma consistência de praticamente 100% não significa, a rigor, consistência de prática social, considerando a heterogeneidade do ideário das equipes de extensão. Por outro lado, também é possível observar-se nesse projeto a participação maior dos trabalhadores, ao se fazer uma comparação temporal de 1990 até os dias de hoje. Houve uma certa intranqüilidade em setores dominantes do município onde está localizado o projeto, na medida em que já se explicitam certos desejos de trabalhadores de também quererem “mandar”, terem a autoridade de mando. Um dos entrevistados usa uma linguagem simbólica para expressar um possível avanço organizativo. “E com relação ao poder do capital, os grupos oligárquicos da região, a gente vê o seguinte: de uma forma ou de outra, os sindicatos conseguem barrar um pouco aquele achatamento que era feito pelas usinas e pelos fazendeiros sobre o trabalhador da região. Claro que ainda é muito tímida essa relação do trabalho com o capital. Os conflitos ainda precisam ser avaliados. A gente viu que antigamente só os usineiros e as fazendas ganhavam com placar de 10 x 0 , hoje, já tá dando de 7 x 3. Quer dizer, o placar já mudou um pouco”1. Mas quanto à politização dos comunitários, os executores do projeto também divergem frontalmente, como se percebe no depoimento de uma estudante participante, desde o início, da organização dos comunitários, “Se eu chegar lá com uma proposta política, eles não estão preparados. Eles ainda estão acostumados com aquela história dos donos de lá, dos que têm dinheiro lá dentro, com aqueles que lhes são mais próximos. A questão política é forte. É muito mais lenta. Se é prá gente conseguir lá entrar, fazer com que eles assimilem algo diferente será um algo mais lento”2. Em Praia de Campina possivelmente não há mais necessidade da presença de técnicos da universidade. Lá, as reuniões são feitas pelo próprio pessoal local. Suas lideranças já geraram novas lideranças e permutaram os dirigentes da Associação Agrícola. Tocam seus interesses com o grupo da própria comunidade. Há o pessoal que organiza a burocracia e as finanças da Associação e mantém financeiramente a entidade. “Para nossa alegria, hoje, Praia de Campina não precisa mais dos técnicos da universidade. Já caminha com seus próprios pés. Agora, não quer perder o vínculo de amizade, de acompanhamento, porque é uma coisa salutar”3. Contudo, é fácil entender as diferenças dos percentuais presentes na Tabela 6, ao se comparar outra declaração do mesmo funcionário, referente ao crescimento pessoal de componentes da equipe. Sobre um membro da comunidade, afirma:
___________ 1. Funcionário da UFPB e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Estudante e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa. 3. Funcionário da UFPB e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa.
118
“Era uma pessoa subserviente e, hoje, já tem o seu carrinho, já tem seu televisor a cores, seu vídeo-cassete. Então, quer dizer, não sei se isso aconteceria com outras pessoas, mas a maioria dos líderes trabalharam, cresceram e melhoraram de vida. Isso é um fato concreto. Se esses líderes melhoraram de vida, isso quer dizer que qualquer outro líder poderia, também”1. Tal afirmação expressa de forma clara, as contradições existentes entre os próprios coordenadores e demais participantes do projeto. Concepção dessa ordem exigirá de todos a ocupação dos postos de lideranças. Todavia, é impossível a sua realização, pois não há postos para todos. A condição de melhoria de vida também fica condicionada à exigência de ser líder, outra condição impossível de se concretizar pela própria exigência que torna cada um, necessariamente, um líder. Além do mais é uma compreensão muito semelhante à expressão popular do “crescer na vida”, caracterizada como a conquista de algum bem material. Ficam esquecidas as dimensões culturais e sociais, além do crescimento das relações como pessoa, seja líder ou não, ou um crescimento voltado à dimensão coletiva dos comunitários. E mais: ele opõe “subserviência” a “subir na vida”, como se “o mau” da subserviência fosse dificultar ou impedir “o subir na vida”. A relação entre prática social e interesses sociais também se destaca em Praia de Campina no tocante às demais entidades presentes na área, além da universidade, ou seja, o pessoal do Projeto Peixe-Boi, da Visão Mundial, do Sindicato Rural. Nessa localidade, logo de chegada, parece não existir nada de organização comunitária. Os moradores estão sempre ocupados com suas tarefas de pesca ou agrícolas. Chegar-se até as organizações e a população diz respeito à prática social e aos interesses em jogo para aqueles comunitários. Depende da postura não só dos órgãos, mas das pessoas. Depende também do tipo de relacionamento que elas mantêm. Esse mesmo cuidado vai estar presente quando da preparação de lideranças para a continuidade do trabalho em desenvolvimento. “Há uma responsabilidade de quem trabalha com esse pessoal de formar lideranças que sejam só legítimas. Elas devem ser da comunidade mas é preciso que tenham uma visão correta das coisas, isso é, não podem ser pelegas ou atreladas a quaisquer interesses que não seja o interesse comunitário”2. Ao ser questionado sobre as formas de que dispunha para preparar os futuros presidentes da associação ou mesmo os futuros sócios, um dos principais líderes locais responde com a sua singular fala de homem do campo. Para ele, o preparo de futuros dirigentes se dá da seguinte forma: “É cunvesano. é cunvesano. Porque num é em dinhêro qui a gente ganha. Num é nada. É cunvesano o povo prá se combiná; prá se ajuntá e aí vai. ... Quando nóis vamo apresentá uma conta, aí se ajunta a diretoria na minha casa. Vamo cunversá prá vê o que nóis vamo falá na reunião. “3. Vem se desenvolvendo entre as associações agrícolas da região uma vida de bastante solidariedade. Em épocas de seca, como em l993, a grande dificuldade era conseguir as ramas dos produtos para serem plantados, como mandioca, macaxeira, inhame e batata. Desenvolveu-se entre eles um processo de troca dentro das comunidades onde havia algum trabalho organizativo.
__________ 1.
Id., ib. Membro do projeto e de ONG na Paraíba. Texto da entrevista para esta pesquisa. 3. Líder comunitário e membro da Associação Agrícola de Praia de Campina. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2.
119
Há uma troca até mesmo de informações “sutis” que circulam entre os presidentes ou coordenadores de associações e sindicatos. O que está ocorrendo com uma associação, com o sindicato ou com algum trabalhador nessas áreas de atuação do projeto logo é transmitido para todos e assim se iniciam as primeiras providências de solução. Então existe uma espécie de canal, indicado por um dos líderes do Sindicato Rural: “Esse canal, essa rama é os presidentes de associação. Quando a gente precisa de alguma coisa, vai buscar deles. Eles lá, dos sítios, traz o pessoal deles e faz a festa na cidade”1. Com isso se mantém um intercâmbio de informações relativo às questões que estão ocorrendo no campo, o que é de fundamental importância para a própria organização sindical da região. O sindicato não tem como percorrer todo o município com regularidade. Mesmo assim se transformou numa referência para os trabalhadores rurais que passaram a vivenciar sua própria organização e resolveram muitos de seus problemas. Transformou-se numa espécie de central de solução de impasses, sobretudo aqueles que não se consegue resolver nas associações. As informações repassadas para o sindicato são fundamentais, inclusive as críticas, mesmo as críticas “raivosas” contra essa entidade ou contra a associação. “ Sempre se tem uma falha. Não se agrada a todo mundo. Quando há uma falha, nós vamos corrigir. Vamos ver onde falhou. Se houver falha a gente tenta corrigir. Vamos conversar. Se precisar me desculpar, eu me desculpo. Se eu precisar então contar a história que não é daquele jeito, eu conto. É por aí”2.
Agente institucional e natureza do trabalho A comparação entre os temas IX - o papel do agente institucional, e VIII - natureza do trabalho na extensão, apresenta dados bastante contraditórios (ver Tabelas 7 e 8). Os coordenadores e executores, no tema IX, apresentam percentuais de 42% e 64%, voltados à visão do agente comprometido com interesses do mercado, do capital. Existe uma contradição expressiva na medida em que eles vêem os agentes institucionais comprometidos com as classes dominadas, mas os textos apontam para compromissos com o mercado e, portanto, com o capital. Os comunitários estão presentes, ao lado dos agentes da universidade, em suas ações na comunidade. Seu discurso, entretanto, não bate com a disposição de trabalho que os comunitários têm apresentado sobre esses agentes. Contudo, há percentuais importantes de comprometimento do agente com as classes dominadas, que são 29% e 32%. O Tema VIII - a natureza do trabalho na extensão, se apresenta dividido em dois blocos. Um entende que esse trabalho deve ser técnico, porém com discurso de neutralidade. Os percentuais apontam uma maioria para essa visão, com 58% e 63%, não havendo correspondência com a visão dos comunitários e dos textos, já que os percentuais da visão de um trabalho técnico com discurso transformador são de 71% e 84%. Esses valores apontam para uma inconsistência, ao serem comparados no interior do tema, bem como entre os temas.
__________ 1. Liderança sindical rural da região. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Liderança sindical rural e comunitária. Texto da entrevista para esta pesquisa.
120
TABELA 7 PAPEL DO AGENTE INSTITUCIONAL Distribuição dos itens do tema IX, por segmento ITE M
A 1
A 2
A 3
A T
%
B 1
B 2
B 3
B T
%
C 1
C 2
C 3
C T
%
D 1
D 2
D 3
D T
%
TT
% item
9.1
03
03
---
06
42
---
15
01
16
64
---
---
---
---
---
01
---
---
01
100
23
50
9.2
---
04
---
04
29
01
---
---
01
04
---
---
---
---
---
---
---
---
---
---
05
10
9.3
02
02
---
04
29
02
05
01
08
32
06
---
---
06
100
---
---
---
---
---
18
40
% do tema
02
9.1 - Agente comprometido com interesses do mercado ( capital ). 9.2 - Agente neutro da instituição, seja Estado ou universidade. 9.3 - Agente comprometido especificamente com a classe dominada. A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B CT - Freqüência de indicadores no item C DT - Freqüência de indicadores no item D TT - Freqüência total de indicadores no item
TABELA 8
NATUREZA DO TRABALHO NA EXTENSÃO Distribuição dos itens do tema VIII, por segmento
ITE M
A 1
A 2
A 3
AT
%
B1
B 2
B 3
BT
%
C 1
C 2
C 3
C T
%
D 1
D 2
D3
DT
%
TT
% item
8.1
01
---
---
01
01
---
---
02
02
01
---
---
---
---
---
---
---
---
---
---
03
01
8.2
64
42
---
106
58
28
96
88
212
63
26
05
06
37
29
09
---
---
09
11
361
50
8.3
45
28
---
73
41
22
83
18
123
36
72
08
11
91
71
73
---
---
73
89
360
49
% do tema
21
8.1 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “modernizador” . 8.2 - Trabalho técnico acompanhado de discurso de “neutralidade” . 8.3 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “transformador” .
A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B CT - Freqüência de indicadores no item C DT - Freqüência de indicadores no item D TT - Freqüência total de indicadores no item
Esperava-se que o percentual do item 8.3 do tema VIII fosse replicado no tema IX, item 9.3, pois são visões que se aproximam. Não é, contudo, o que vem ocorrendo no projeto. Há uma profunda variação e discrepância, tanto no interior do tema como ao serem comparados os diversos temas. No entanto, essas incongruências estão presentes no cotidiano da comunidade. Uma parte dos moradores fica localizada mais entre os coqueirais e se diferencia radicalmente da outra parte, que são moradores-visitantes de finais de semana, residentes em mansões, à beira da praia. Também é foco de problema quando, após dois anos de seca, a água vem para além do necessário e destrói as plantações preparadas coletivamente, baixando o ânimo daqueles trabalhadores para o trabalho coletivo. Em suas falas e discursos, observa-se que a perspectiva de classe que vai se construindo é bastante tênue, considerando, inclusive, que a identificação que se faz por meio da palavra trabalhador vai sendo substituída pela expressão pequeno produtor. Introduzem o que se reflete posteriormente nos processos eleitorais e partidários da região, já que processos desse tipo criam dificuldades para a construção de alternativas políticas efetivas daqueles trabalhadores, quando
121
passam a aceitar o jogo de mando das práticas políticas tradicionais na localidade. Mesmo que as escolhas para representação recaiam sobre membros da comunidade, as opções partidárias adotadas não têm demonstrado nenhum compromisso com as questões que vêm sendo colocadas através daqueles movimentos em construção. As práticas dos agentes são agora determinantes. Nas últimas eleições, Praia de Campina passou a ter uma representação na Câmara Municipal de Rio Tinto. Tem-se reforçado o discurso de que o importante é a pessoa. Resta esperar pelo exercício parlamentar dessa visão e ver se é mesmo insignificante a questão da sigla partidária. A prática comunitária em Praia de Campina vem demonstrando que a comunidade pouco a pouco constrói seus líderes. Observa-se um crescimento não só das lideranças como também da comunidade como um todo, com a contribuição da vivência de agentes de várias instituições no dia-a-dia daquela comunidade. Constatam-se as diferenças através das relações das lideranças com o grupo de jovens, com o clube de mães e com a percepção que se desenvolve em relação ao Projeto Peixe-Boi. Tudo isso parece tender à superação de relações de dependência. As contradições, contudo, permanecem no que concerne ao problema mais grave a ser enfrentado - o problema da terra. Querem a legalização oficial da terra. Sonham com a sua pequena propriedade, mesmo que já se tenha falado de cooperativa, de condomínio produtivo ou de outras formas coletivas de sobrevivência. A propriedade é a grande fascinação. A falta de ambulância na região, a falta de médicos nos postos de saúde ou outras reivindicações da comunidade ficam em segundo plano quando se trata da questão da terra. As práticas com as diferenciadas instituições também são geradoras de conflitos e inconsistências. Relações com ONGs, com o Governo do Estado, com a Prefeitura, com programas do tipo Comunidade Solidária ou com a universidade podem tornar-se pouco institucionais e muitas vezes expressam apenas relações entre pessoas. “Há necessidade de união entre todos. O governo também pode ser comunidade; também pode ser sociedade, depende muito desse ou daquele governante. O Estado também está um pouco mais acima do que os governos provisórios que são hoje e não são amanhã. Sei que é uma relação um tanto tensa. Eu só vejo condição dessa relação dar alguns frutos a partir das pessoas, dos técnicos, do compromisso pessoal desses técnicos”1. Realizam-se, mesmo assim, atividades que têm consistência para o desenvolvimento da comunidade e para aqueles que estão mais diretamente voltados ao processo organizativo. Pode-se destacar, por exemplo, a realização da Semana da Saúde. Para os comunitários, Semana de Saúde significa presença de médicos, de dentistas, de enfermeiras, enfim de “um povo” todo de branco para realizar consultas médicas para toda a população. Significa ainda o recebimento gratuito de remédios. “Então, a gente começa a preparar o pessoal prá desmistificar essa história toda - de dar remédio, extrair dente. Nesta primeira semana de Saúde não foi nenhum médico, nem odontologista. Foram pedagogos, pessoal de nutrição, educação física, biblioteconomia. A gente começou a falar prá eles que saúde não só diz respeito à doença, mas a prevenção de doenças ...”2.
__________ 1. 2.
Membro da equipe do projeto e de ONG. Texto da entrevista para esta pesquisa. Estudante e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para a pesquisa.
122
Atividades dessa natureza vão apresentando as formas de pensar dos moradores daquela região. Surgem as compreensões que eles têm de mundo que, por sua vez, vão sendo confrontadas com as maneiras, o trabalho e as práticas dos agentes dessas atividades. Tudo isso começa a mexer nas percepções, nos relacionamentos e nas formas de sentir e agir dessas comunidades. Perpassando esse tipo de trabalho, percebe-se que ele não é todo composto pela totalidade da comunidade que está presente. Há grupos que estão mais próximos do projeto e que vão influenciando os parentes, os vizinhos, etc. Esse trabalho vai se estendendo à medida que os benefícios vão aparecendo e mais gente vai se sensibilizando. Há, inclusive, discursos produzidos pelas lideranças locais que vão sendo colocados durante as reuniões e que acabam sendo reproduzidos por todos eles. Podem até ser repetitivos, mas a comunidade os entende e começa a reproduzi-los. São discursos produzidos no dia-a-dia, discursos que vão se modificando e começam a repercutir até mesmo na prefeitura e nos sindicatos, de maneira agora bem diferenciada. Mas o agente comunitário, o líder comunitário, também vai absorvendo práticas coletivas e necessárias, a partir de coisas simples. Nas reuniões da associação se faz, por exemplo, a prestação de contas, assim apresentada por um dos comunitários: “Agora, eu vou apresentar aqui as conta. Mando a tisôrêra dizer. Fica dizendo: gastei tanto, tanto, tanto. Pregunto assim o povo: qui você quisé prá quem foi, vocês pregunta. Tá tudo assentado. Ainda tem gente que pregunta: prá qui foi esse dinhêro qui o prisidente gastou? Então, ela diz: dez prá fulano, uma viage prá fulano, reméido prá fulano. ...”1. As contradições também estão presentes entre os comunitários quanto à prática social e ao papel do agente institucional. Existem até quanto à natureza do trabalho, por exemplo, em relação ao Programa Comunidade Solidária que aqui foi desenvolvido em conjunto com a Federação das Associações. Todavia, coube à Federação definir as formas de como deveriam ser distribuídas as cestas básicas. A tradição na região é de doação simplesmente, mantendo as pessoas no costume da mendicância. Com a intervenção da Federação, porém, passou-se a fazer a doação a partir do trabalho da pessoa, trabalho necessário para o preparo das terras e organização de todos para o plantio. Apesar disso, houve uma grande reclamação. “O pessoal não acreditava nesse trabalho. Começou a história de trocar alimento por serviço. Dar alimento não funciona não, doutor. Alimento dado é a mesma coisa de você está fabricando bandido. Aí, veio umas cestas básicas e ia todo mundo na reunião: era velho, velha, homem, menino. Quando chegava lá que se cadastrava que tinha que fazer alguma coisa, aí nego não queria nada”2. Mas assim foi feito e houve resultados importantes quanto à produ-ção de alimentos. Com a regularização das chuvas, tem-se feito distribuição para as regiões mais carentes das ramas e sementes, para que essas localidades assumam a sua própria produção, comercialização e alimentação. Destacam-se, ainda, nessa luta por melhores condições de vida, as mobilizações feitas na cidade de Mamanguape, reivindicando serviços de saúde e energia na área rural. Aconteceram passeatas, antes nunca vistas, para pressionar o prefeito a assumir esse compromisso com a população rural. Os agentes da universidade, das ONGs, dos sindicatos rurais e membros do governo estiveram todos presentes nessas mobilizações. Hoje muitas das comunidades dispõem de energia elétrica, havendo inclusive um programa do governo estadual para “apagar a última lamparina, na Paraíba”.
__________ 1. Líder comunitário e membro da Associação Agrícola de Praia de Campina. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Líder comunitário e sindical. Texto da entrevista para esta pesquisa.
123
Contudo, nesse movimento permeado de inconsistências e contradições, a comunidade continua a tentar a sua organização e com isso se torna importante que “vá crescendo, nesta articulação, na coesão, na elaboração de sua forma de entender a realidade”(SAVIANI, 1984: 63).
Extensão universitária Como foi mostrado, a extensão pode-se apresentar sob três possibilidades. A primeira enfatiza a via de mão única em que a universidade vai à sociedade levar algo de sua especificidade. Admite-se que a universidade resolve ir à sociedade para prestar algum serviço, oferecer curso, promover algum evento, fazer assistencialismo, ensinar, prestar alguma assessoria, levar algum benefício à população, que é vista apenas como receptora desses “serviços”. A segunda possibilidade trata a extensão como via de mão dupla, pensando a universidade como promotora de um processo cultural, educativo e científico em que, por um lado, leva conhecimento para a sociedade e, por outro lado, traz conhecimento da comunidade. Num processo desse tipo, a universidade e a sociedade estão de mãos dadas, daí a idéia de mão dupla. Nessa compreensão, a extensão passa a ser o elo, o canal capaz de promover essa troca através do diálogo em termos das demandas da sociedade e também da universidade. A terceira possibilidade manifesta a extensão como um processo educativo, cultural e científico assumido a partir de uma posição das classes subalternas, buscando contribuir para a construção de uma outra hegemonia. Nesse sentido, a extensão é um trabalho social a serviço das classes subalternas. O processo que se estabelece, por conta dessa concepção, envolve a universidade e a sociedade, propondo uma relação efetiva entre elas a partir da sua clara diferenciação, considerando as suas especificidades. O conhecimento aí gerado é produção coletiva e deve estar voltado ao trabalho de organização coletiva das classes dominadas. Trata-se de um trabalho que pretende se apropriar do saber da universidade e do saber dessas classes, dessas populações ou comunidades, para, num processo de reflexão e reelaboração, possibilitar nova apropriação desse saber. Deve ser um trabalho continuado, permanente e que contemple as possibilidades do conhecimento teórico e prático. Observando-se a Tabela 9 - concepção de extensão universitária, conclui-se que os coordenadores expressam visões bem diferenciadas do trabalho que vêm desenvolvendo. Se o percentual de 47% em (7.3) traduz a extensão como um trabalho social e assim vem se exercendo no projeto, os percentuais de 25% para a visão de mão única e 28% para a visão de mão dupla são valores muito expressivos. O desenvolvimento das atividades do projeto tem mostrado uma ênfase, inclusive, na concepção de extensão como mão dupla, assumindo os coordenadores, em geral, a visão dos Pró-Reitores de Extensão. Entre os executores, os percentuais se invertem, pois a percepção de que é a universidade que vai através do estudante levar algo é mais marcante. A via de mão única apresenta percentual de 63%; a via de mão dupla 24%, enquanto a perspectiva de realização de um trabalho social cai para 13%. Para os comunitários, a visão marcante de dependência continua quando mantêm o entendimento de que a universidade vai levar algo para eles, que apenas esperam ou recebem esse bem ou serviço. A instituição tem algo para dar e eles precisam receber. Isto evidencia a expressão de que as políticas públicas têm sido assistencialistas, particularmente nessa região. Os textos também traduzem uma outra contradição com o conjunto dos segmentos envolvidos, considerando que não expressam sequer a visão dos coordenadores e se enfileiram em torno da visão da extensão como mão única, com um percentual de 95%. Muitas ações e atitudes desenvolvidas no projeto surpreendem e contrapõem-se aos dados. O trabalho se mostra comumente de forma comunitária, mesmo que se tenha a produção com área de plantio individualizada. A produção que vem se adquirindo tem sido marcante, quantitativamente. No final de l995, foram colhidas em torno de mil toneladas de macaxeira e mandioca. Além disso, registrou-se um total de trezentas e cinquenta sacas de farinha como sobra de produção que foi comercializada na região, apesar do prejuízo causado pela chuva.
124
TABELA 9 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Distribuição dos itens do tema VII, por segmento. ITE M
A 1
A 2
A 3
A T
%
B 1
B 2
B 3
B T
%
C 1
C 2
C 3
C T
%
D 1
D 2
D 3
D T
%
TT
% item
7.1
06
01
---
07
25
17
12
04
33
63
14
01
---
15
68
08
---
---
18
95
73
60
7.2
08
---
---
08
28
04
08
01
13
24
03
---
---
03
13
---
---
---
---
---
24
19
7.3
05
08
---
13
47
01
02
04
07
13
02
02
---
04
19
01
---
---
01
05
25
21
% do tema
04
7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade. 7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico. 7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia.
A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários D - Documentos dos projetos
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B CT - Freqüência de indicadores no item C DT - Freqüência de indicadores no item D TT - Freqüência total de indicadores no item
Por outro lado, esse tipo de trabalho marca o aluno da universidade, que passa a ter maior respeito por esses trabalhadores, ao perceber que eles também levam as coisas muito a sério. Estabelece-se uma relação pedagógica de aprendizagem para os próprios alunos, gerando maior respeito pelas comunidades e pelo saber dessas comunidades. O aluno, com essa experiência, começa a desenvolver uma maior preocupação com o seu conhecimento e com a comunidade. Essa aprendizagem ocorre com todos os integrantes do projeto, sejam eles da universidade, do Estado, das ONGs ou da localidade. A universidade passa a ser vista como parceira, diferenciando-se da visão do Estado patrão que promove apenas a mera assistência. Este é um exemplo claro de uma tentativa de encontrar outras formas de se fazer extensão e de se fazer pesquisa e ensino. “Voltando um pouco àquela história da universidade de ensino, da pesquisa e da extensão. Acho que o mundo da pesquisa é estritamente técnico. O mundo do ensino tá muito preso ainda aos livros acadêmicos, aos livros de pesquisa. Nos compêndios da vida existe, contudo, uma outra coisa que a gente chama de extensão que alimentaria, muito bem, novos livros, novas pesquisas”1. As visões diferenciadas de extensão percorrem todo o projeto. Da parte de executores encontram-se também formulações contrárias a qualquer visão que venha confundir extensão com assistência social paternalista, colocando a perspectiva de não se confundir com a cultura política do assistencialismo. São formulações que vislumbram a extensão como um estar presente na universidade, na vida cotidiana da sociedade, em particular, no projeto daquela comunidade. Abrem ainda a perspectiva de um trabalho que possibilita a compreensão das causas que geram as brigas internas da comunidade, das lutas periódicas pela administração, entendendo a existência de grupos políticos e o jogo de seus interesses. Propõem um trabalho em que seja possível também o esclarecimento das questões ligadas às lutas sindicais e partidárias e que permita aos comunitários compreenderem a diversidade entre a universidade e as demais instituições presentes nesses projetos. Um trabalho que ajude os comunitários a tentarem caminhar com suas próprias pernas e que possibilite fazer suas reflexões comparativas com outras formas de realizar extensão. Um trabalho que tem como objetivo, no depoimento de um dos entrevistados, “organizarr o homem do campo e fazer com que ele se valorize com o seu pequeno pedaço de terra”. __________ 1. Membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa.
125
Considerações A participação de várias instituições neste projeto o torna rico, embora abrigue maior possibilidade de orientações díspares e até inconsistentes. Afinal, num trabalho envolvendo equipes da universidade, Estado, ONGs, dirigentes sindicais e até o pessoal de prefeitura, existem as mais variadas posições políticas e ideológicas interagindo e se refletindo nas diferenciadas visões das temáticas apresentadas. Parece não haver aqui um privilégio de qualquer das orientações assumidas para o trabalho organizativo da comunidade. No entanto, o trabalho organizativo está sendo encaminhado, apesar desses percalços, com saldos políticos, inclusive, partidários, bem diferenciados. O estudo vertical dos temas revela que as disparidades que o projeto abriga podem apontar mais uma pluralidade de visões, mas que se identificam naquilo que deve ser feito. A concepção de mundo presa à visão transformadora, inicialmente, não condiz com a concepção de sociedade voltada a uma visão de totalidade integrada. Ainda que os interesses estejam predominantemente voltados às classes subalternas, a unanimidade quanto à compreensão de prática social não deixa de chamar a atenção, especialmente diante de tantas contradições já apresentadas. A relação da universidade com a sociedade se expressa através do saber com vida independente que se assemelha aos percentuais referentes à concepção de universidade como via de mão única. Além disso, a natureza do trabalho na extensão é bem destoante do papel do agente institucional, o qual oscila entre os interesses do mercado, o agente neutro ou o agene comprometido com as classes dominadas. Mesmo o exercício do compromisso com as classes dominadas exige grande esforço do agente institucional ou comunitário, no sentido de que, reconhecendo a importância política do seu trabalho e sua essência política, não caia nas “malhas” da doutrinação política de qualquer coloração ideológica. Esse trabalho deve desenvolver-se na direção do apoio político às lideranças comprometidas com a sua comunidade, incentivando-as a manterem seus compromissos políticos com aquela gente. Foi promovido, no ano de 96, o 5o. Encontro de Comunidades na universidade, do qual, certamente saíram novos ensinamentos que devem ser, posteriormente, trabalhados pela equipe da universidade. Observa-se que, nesses encontros, o narcisismo de alguns membros do projeto começa a sobressair-se de forma exacerbada, inibindo a formação de novas lideranças. Há ainda o processo de valorização exagerada de membros da equipe do projeto por parte dos trabalhadores, inibindo assim os demais membros da própria equipe de trabalho. Deseja-se desmistificar mitos tradicionais, mas não podem ser gerados outros com as mesmas práticas que se está combatendo. Esses encontros parecem cobrar maior politização dos membros das equipes, refletindo exigências dos próprios trabalhadores. avanço organizativo dos trabalhadores também vai gerando conflitos ideológicos internos à comunidade, entre os próprios trabalhadores. Passa-se a exigir um maior preparo político da equipe para enfrentar questões pertinentes como a discussão sobre Estado, ideologia, propostas estratégicas dos partidos políticos, etc. Contraditoriamente, tem se observado a existência de um reduzido campo voltado às políticas de esquerda neste projeto, expressando outros encaminhamentos políticos de interesses muito particulares e sutis. Também se pode observar que as relações com outras instituições, como a Igreja Católica local e sindicatos de outros municípios, se tornam bastante “pesadas” e difíceis de se tornarem efetivas. Há ainda a força das relações familiares que são muito profundas no Projeto Praia de Campina. Não se pode pretender quebrá-las, mesmo porque não há necessidade. Ocorre que em alguns momentos não são compreendidas certas atitudes, que, ao serem analisadas, mostram passar por esse tipo de relação. Pode ser uma facilidade a mais, como também pode tornar-se um agravante para a organização. Outro aspecto a destacar é a acomodação da comunidade em relação aos seus próprios líderes. Ao instalar suas lideranças, parece que a comunidade chegou a um patamar de excelência e aí
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tudo volta ao lugar de antes. Deve-se ter cuidado permanente para que as lideranças não passem a substituir os antigos políticos ou os papéis exercidos pelo Estado quanto à autoridade, ao assistencialismo e até mesmo quanto à possibilidade de se gerar novos “coronéis” respaldados pelos trabalhos da extensão universitária. Parece ainda necessário dar-se maior atenção à participação da mulher nesse tipo de projeto. Até mesmo como filiada da associação, seu espaço é bastante reduzido, como mostra um dos líderes comunitários: “Mulé pode filiar-se . Pode. Mulé tem pouca, mas mulé só aquelas quando não têm home em casa”. Também precisa ser enfatizada a questão da identidade institucional da associação e a sua importância para os comunitários. Essa maior compreensão é que possivelmente dará mais consistência quanto à defesa da associação, sua manutenção e sua continuidade. Contudo, os tantos esforços e equívocos gerados vão exigindo, cada vez mais, a colocação de questões tais como: Como fazer tudo isso em outras localidades? Por onde começar? E o que se deve levar em conta? São desafios que devem estar presentes em cada momento de encaminhamento desse tipo de projeto e de outros que poderão vir, dadas as atuais condições políticas do país.
127
2.5 - Projeto Qualidade de Vida O Projeto Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos Urbanos e Qualidade de Vida - Projeto Qualidade de Vida - vem sendo desenvolvido num bairro periférico da cidade de Campina Grande, numa das áreas mais pobres da cidade e bastante distante do centro - o Mutirão. É um bairro de características mais rurais do que propriamente urbanas. Por ser uma das áreas mais pobres da cidade e sem assistência do governo municipal, inclusive relativa à coleta de lixo, é que uma equipe do Campus II, da UFPB, decidiu iniciar esse projeto de coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos com o objetivo principal de implantar a coleta seletiva dos resíduos sólidos, promover sua reciclagem e buscar comercialização desse produto1. O projeto tem como meta a reativação de uma unidade de produção de material de construção que já existiu na comunidade e, por meio dessa atividade, possibilitar a geração de emprego e renda para um grupo de moradores da localidade. Essa unidade de produção deverá estar em funcionamento, articulada com a usina de triagem e compostagem dos resíduos sólidos, coletados pelo grupo de moradores envolvidos no projeto. Boa parte desses resíduos será usada como insumo alternativo na fabricação de materiais de construção. É um projeto que, de acordo com sua dimensão técnica, não se limita apenas a esses aspectos da usina, compostagem, geração de emprego e renda. Nessas ações vivencia-se todo um processo educativo junto à comunidade, através da promoção de debates com os moradores locais, onde se discute a usina, o próprio lixo como uma perspectiva de educação pela saúde e, de forma mais ampla, a questão ambiental. É um projeto voltado à conscientização daquela comunidade que também objetiva: “Sensibilizar os poderes públicos para a preservação do meio ambiente e para a redução do desperdício. Na realidade, tudo que se joga no lixo tem trabalho incorporado e pode ser reaproveitado. A questão é usar a inteligência e a criatividade para isso. ... Ali nós pretendemos provar que tudo que vai para o lixo que não seja produto químico corrosivo, que não seja lixo atômico ou lixo hospitalar contaminado, tudo mais pode ser convertido em material de construção”2. Originário de um outro projeto de extensão que tinha como objetivo determinar quais eram os resíduos sólidos industriais do município de Campina Grande, o Projeto Qualidade de Vida, todavia, dirigiu seu trabalho só para o bairro do Mutirão. Espera-se que sua próxima versão avance, não especificamente quanto ao objetivo técnico do projeto, mas com relação a um maior envolvimento dos demais departamentos da universidade, considerando a abrangência da temática. Espera-se com isso absorver ainda mais o curso de Engenharia Civil, além do curso de Engenharia Mecânica, o de Engenharia Agrícola e o de Engenharia Química. Num primeiro momento, as ações do projeto estiveram voltadas ao acompanhamento de um Plano de Saúde da Família (PSF) que já vinha sendo desenvolvido pelo Governo Federal há mais de dois anos. Dessa forma, foi possível a discussão da questão do lixo e da saúde decorrente daqueles resíduos espalhados por todo o bairro. Assim se caminhou para um processo de conscientização da população, através da saúde, chamando a atenção dos comunitários para a importância da reciclagem do lixo e despertando os moradores para o valor do próprio lixo. __________ 1. Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Membro da equipe do projeto. Texto de entrevista para esta pesquisa.
128
“O lixo não é „lixo‟. Ele pode até virar dinheiro. Ele pode gerar emprego, sendo uma alternativa de renda para a população. O principal, contudo, é uma melhoria na qualidade de vida da própria comunidade. Esta é uma conseqüência principal”1. Um dos eventos mais importantes gerados a partir do projeto foi a realização do I Seminário de Resíduos Sólidos Urbanos e Rurais da Paraíba. Nesse seminário, que se desenvolveu durante três dias, foram apresentadas mais de vinte palestras, além de trabalhos de pesquisa sobre essa temática. Foi um seminário bastante abrangente, quanto à diversidade de conteúdos apresentados e que envolveu toda a equipe do projeto. A diversidade das palestras mostra o interesse que o assunto vem despertando não só entre alunos do Campus II, como também entre os professores que estão, em suas diversas áreas, dirigindo estudos e pesquisas para a questão da qualidade de vida das populações mais carentes, debatendo especificamente a questão do lixo. Apresentou-se um trabalho da área de Engenharia Mecânica em que estudantes estão desenvolvendo peças apropriadas para as tarefas do projeto. Também foi apresentada a possibilidade de utilização de outros tipos de materiais na construção de casas, adequados às necessidades e condições financeiras dos moradores, fruto de pesquisas em andamento no curso de Engenharia Civil. No caso, discutiu-se a possibilidade de construção de material 30% mais barato do que o convencional e pronto para ser utilizado na construção civil em geral, com a técnica do solo-cimento. Essa técnica consiste na construção de qualquer obra apenas com terra e cimento dentro das proporções adequadas, já sendo testada para aquele ambiente. Inicia-se assim uma divulgação maior do próprio projeto entre setores da comunidade universitária, assim como em setores do governo do Estado e da prefeitura local, acreditando-se que isso possa vir a alterar as condições de apoio à realização e à aceleração do projeto. Esse estudo do projeto como objeto de pesquisa em extensão universitária seguiu o mesmo instrumento que foi aplicado aos demais projetos em exame. Ou seja, é um instrumento voltado a detectar a presença de indicadores para os vinte e oito itens que são gerados em dez temas, assim definidos: tema I - concepção de mundo; tema II - concepção de sociedade; tema III concepção de Estado; tema IV - a configuração dos interesses sociais; tema V - concepção de prática social; tema VI - relação da universidade e sociedade; tema VII - concepção de extensão universitária; tema VIII - natureza do trabalho social na extensão; tema IX - papel do agente institucional e tema X - a pedagogia da extensão universitária. Aplicado o instrumento de análise ao material do projeto, isto é, às entrevistas 1, apresenta-se uma maior visualização do mesmo ao se observar o Gráfico 4, a seguir.
____________ 1.
Estudante do curso de Engenharia e membro do projeto. Texto da entrevista para a pesquisa. Não foram aplicadas entrevistas entre comunitários por não haver grupos definidos em torno do projeto, nem analisados textos por não haver, ainda, uma produção própria de textos. 2.
129
GRÁFICO 4 FREQÜÊNCIA DOS TEMAS
200 180 160 140 120 100 X 80
IX V III
60
V II VI V
40 IV III
20 II I
0 28
25
1
3
3
8
6
17
3
6
%
I. Concepção de mundo II. Concepção de sociedade
VI. Relação universidade-sociedade VII. Concepção de extensão universitária III. Concepção de Estado VIII. Natureza do trabalho social na extensão IV. Configuração dos interesses sociais IX. Papel do agente institucional V. Concepção de prática social X. Pedagogia da extensão niversitária
Pode-se observar no gráfico três blocos de temas bem delineados quantitativamente. O primeiro bloco reúne o tema I - concepção de mundo, com 18% de indicadores do projeto; o tema II concepção de sociedade, com 25% de indicadores e o tema VIII - natureza do trabalho social, com 17% de indicadores no total do projeto.
130
O segundo bloco compõe-se do tema X - pedagogia da extensão universitária, com 6% ; do tema VII - concepção de extensão universitária, com 6% e do tema VI - relação universidade - sociedade, com 8% dos indicadores dos temas. O terceiro e último bloco é formado pelo tema III - concepção de Estado; tema IV configuração dos interesses sociais; tema V - concepção de prática social e tema IX - papel do agente institucional, com 1%, 3%, 3% e 3% de indicadores, respectivamente. A observação do Gráfico 4, contudo, não apresenta um quadro que possibilite maior detalhamento dos temas. Expressa apenas percentuais que são importantes para análises posteriores. Nesse sentido é que são sugeridos outros estudos a partir da Tabela 10: Distribuição de temas e itens, por segmento.
Concepção de mundo e de sociedade Observa-se que, no tema I - concepção de mundo, apresenta-se uma visão que privilegia a perspectiva do mercado, com percentuais de 53% e 58% entre os coordenadores e executores do projeto. Uma compreensão transformadora também está presente com expressivos percentuais entre os coordenadores e executores, com percentuais de 37% e 41%, respectivamente. Comparando-se com o tema II - visão de sociedade, encontra-se uma surpresa, pois, embora a concepção integradora de mundo não apresente percentual exexpressivo, é marcante, contudo, a concepção de sociedade como totalidade integrada, com percentuais de 48%, entre os coordenadores e 75% entre os executores. Surge uma contradição, portanto, ao se comparar a concepção de mundo com a concepção de sociedade. Há também uma diferença de percentuais entre os coordenadores e os executores, tanto na visão da sociedade como uma totalidade integrada (perto de trinta pontos percentuais) quanto na visão de sociedade como um modo de produção (com uma diferença de dezessete pontos percentuais). Na sua relação com a sociedade, a universidade é apresentada predominantemente como uma instituição que tem um saber com vida totalmente independente. Essa visão perpassa os coordenadores e também como o executores do projeto, consolidando percentuais de 84% e 76%, respectivamente. Os percentuais referentes a uma visão da relação entre universidade e sociedade de forma empresarial são de 16% e 12%, o que também aponta para uma inconsistência com a visão de mundo apresentada no tema I. Nesse item a visão de mercado é preponderante, não se reproduzindo na relação da universidade com a sociedade. Pode observar-se ainda uma discrepância ao se comparar o tema VI com o tema II - visão de sociedade, no sentido de que a perspectiva de totalidade integrada que domina o tema II não se reproduz no tema VI. A visão transformadora que aparece no tema I, com percentuais de 37% e 41%, não se traduz na visão da universidade como um aparelho ideológico, e, portanto, submetido aos conflitos ideológicos, frutos de suas contradições. No tema VI, não há indicação da universidade como aparelho ideológico entre os coordenadores, sendo apenas de 12% entre os executores. Quanto ao papel do agente institucional, há coordenadores que sabem que sua ação não é neutra, embora 50% dos indicadores do tema IX o afirmem nesse segmento. “Não existem atividades de ensino, de pesquisa e de extensão „neutras‟. Em sala de aula, quando se está pesquisando, e/ou fazendo extensão, de certo modo, também se está contribuindo para alguma transformação” 1.
___________ 1. Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida . Texto da entrevista para a pesquisa.
131
TABELA 10 DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO Temas
I - Concepção de mundo
II - Concepção de sociedade
III - Concepção de Estado
IV - Configuração dos interesses sociais V - Concepção de prática social
VI - Relação universidadesociedade
VII - Concepção de extensão universitária VIII - Natureza do trabalho social na extensão
IX - Papel do agente institucional
X - Pedagogia da extensão universitária
Itens
-------
D % -------
107 13 75
% itens 55 07 38
05 75 20
-------
-------
19 101 54
75 00 25
00 00 100
-------
-------
00 69 31
00 00 100
-------
5.1 - Interesses voltados a indivíduos 09 5.2 - Processo em consonância com classes 91 dominadas 6.1 - Instituição do saber com vida independente 84 6.2 - Instituição voltada ao mundo 16 empresarial 00 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico 7.1 - Via de mão única 69 7.2 - Via de mão dupla 14 7.3 - Trabalho social ( construção de nova 17 hegemonia ) 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 09 8.2 - Trabalho técnico com discurso de 74 neutralidade 17 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 9.1 - Agente dos interesses de mercado ( capital ) 12 9.2 - Agente neutro da instituição 50 9.3 - Agente comprometido com as classes 38 dominadas 0.1 - Pedagogia tradicional 00 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora 100
10 90
1.1 - Visão que privilegia o mercado 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a soc. 1.3 - Visão transformadora 2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção 3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. absoluta 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos 4.3 - Interesses voltados à classe dominada
A % 53 10 37
B % 58 01 41
C%
15 48 37
Fi
Fgi
% tema
195
28
11 58 31
174
25
03 00 02
60 00 40
05
01
-------
00 11 09
00 55 45
20
03
-----
-----
02 19
10 90
21
76 12 12
-------
-------
44 08 01
83 15 02
53
08
83 17 00
-------
-------
30 06 05
73 15 12
41
06
16 72 12
-------
-------
15 91 18
12 73 15
124
17
27 09 64
-------
-------
04 05 10
21 26 53
19
03
07 93
-----
-----
02 43
05 95
45
06
03
A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicadores
132
Evidencia-se, na relação objetiva da universidade com a sociedade, a dificuldade de se trabalhar institucionalmente com a participação da Secretaria Estadual ou Municipal de Saúde, por exemplo, ou com a Fundação de Ação Comunitária do Estado, Secretaria de Meio Ambiente, além de empresas públicas como a ATECEL (empresa sem fins lucrativos que facilita projetos entre pesquisadores e universidade, situada no Campus II) e às vezes até com empresas privadas. “Apesar da dificuldade para se desenvolver um trabalho em equipe, conseguimos quebrar barreiras e formar uma equipe multi-disciplinar, interdepartamental e interinstitucional”1. As contradições internas dessa equipe são fatores determinantes e geradores de muitas dificuldades de encaminhamento num projeto dessa natureza. Cruzam-se interesses eleitorais de prefeituras ou do Estado com interesses acadêmicos dos profissionais da universidade, além dos interesses diferenciados dos membros da comunidade. Estes precisam de resultados imediatos. Aspectos burocráticos e recursos materiais também são pontos difíceis de superação que demandam, normalmente, tempo para solução. Ao se falar da relação entre a universidade e a sociedade, logo vem à tona a questão da função social da universidade colocada por coordenadores que vêem essa função em todas as atividades da universidade. Para eles, ensinar e pesquisar são funções sociais e conseqüentemente concebidas como ações “extramuros” ou extensão. “Na hora que a universidade exerce a extensão universitária tenta melhorar, educar a comunidade. Tenta conscientizar a comunidade e até sensibilizar os poderes públicos. Ela está ensinando, ensinando a viver, ensinando a promover melhores condições de vida, melhorar a qualidade de vida. Tudo isso é função social da universidade”2. Assim, de acordo com esse depoimento, a função da universidade é tudo que está ocorrendo, seja no seu exterior ou no seu interior. É uma visão muito ampla, onde cabem os mais variados interesses em jogo na instituição. É uma visão que carrega uma dosagem grande de neutralidade para a tomada das decisões, considerando-se que qualquer atividade é passível de ser assimilada por um trabalho de extensão e, conseqüentemente, inserida na função social como salvaguarda para qualquer prática. O entrevistado sente a falta, inclusive, de empresas privadas, como em países estrangeiros, em que a universidade atende demandas que com freqüência vêm dessas empresas. Isso indica que a função social da universidade não se apresenta como salvaguarda sem a perspectiva de interesses determinados, conforme o mesmo entrevistado havia afirmado anteriormente. “Elas vão buscar apoio na universidade. Vão buscar tecnologia. Vão buscar desenvolvimento. Vão buscar processos tecnológicos na universidade. Encomendam pesquisas. Financiam pesquisas. Aqui, infelizmente, não há muito essa mentalidade”3. No sentido da mudança, argumenta o entrevistado que, mesmo os processos técnicos novos e desconhecidos, sofrem dificuldades para serem implantados. As práticas de extensão, como a deste projeto, se processam muito lentamente. Resiste-se muito a mudanças. Mesmo os mais progressistas resistem à mudança. Isso acontece também com as técnicas desenvolvidas como a do solo-cimento, muito mais barata e possível de utilização não só em conjuntos habitacionais como em mansões ou outros tipos de construções. Mudanças
até mesmo para implantação de novas técnicas levam muito tempo. __________ 1. Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Id.,Ibid. 3. Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
133
“O processo é confiável ou não. É natural que mesmo os mais evoluídos, os progressistas, não queiram a mudança. Estes ficam em guarda, um pouco, até terem a certeza de que a coisa é confiável. Um pé atrás, outro na frente. Mas no Brasil, parece que quem mais resiste a essas mudanças não é o povo, é o próprio governo. Nós temos encontrado grande aceitação popular, grande aceitação por parte exatamente de quem só pode aplicar pouco. Quem pode aplicar pouco é o pobre governo municipal, estadual e o pobre governo federal. São os três pobres que mais precisariam dessa tecnologia. Mas tendem a resistir”1. Torna-se necessário um certo empenho por parte da universidade, no sentido de promover essas possíveis mudanças, até mesmo as de dimensões técnicas. São mudanças que precisam ser demonstradas para servir de convencimento às demais instituições que se integram num projeto desse tipo. Também se observa uma dedicação muito grande por parte de executores do projeto que, como “sonhadores”, assumem até materialmente o projeto. Neste, em especial, se tem trabalhado com as próprias mãos em substituição a peças como colher do pedreiro ou misturadeiras para análises em laboratório dos materiais em exame. “Acho que também deveria a universidade liberar o material para a gente fazer o trabalho. Não adianta você estar com a boa vontade e não ter material para trabalhar”2. Interesses sociais e prática social Comparando-se, na Tabela 10 - distribuição dos temas e itens, por segmento - os temas configuração de interesses sociais e concepção de prática social, observam-se alguns elementos destoantes. Na configuração dos interesses há, entre os executores, uma forte tendência (60%) para entenderem os interesses voltados a grupos. Os interesses voltados à classe dominada expressam-se em 31% e 100% entre os executores. Essa perspectiva entre os executores apresenta consistência, enquanto que na concepção de prática social tem-se uma compreensão de que a ação do projeto se dá em consonância com as classes dominadas. A opção pela região e pelas atividades a serem desenvolvidas mostra essa tendência que é muito mais forte percentualmente entre os executores do projeto: os estudantes. As práticas desenvolvidas no Projeto Qualidade de Vida não se restringem simplesmente ao aprendizado de separar seletivamente o lixo.
__________ 1. Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
134
“Na verdade, esse trabalho envolve não só um processo de educação ambiental, hábitos higiênicos mas também a mobilização da população para outras sugestões relacionadas com a qualidade de vida”1. Por outro lado, além das práticas com a dimensão educativa, observa-se um despertar de interesses por parte de bairros vizinhos ao Mutirão que anseiam por desenvolverem atividades semelhantes com a equipe da universidade. As equipes que vêm tocando o projeto estão sendo convidadas para participarem de reuniões em outros bairros. Esse fato leva à seguinte conclusão: “Um projeto desse tipo atende de forma direta à comunidade do Mutirão. Indiretamente, teríamos bairros vizinhos que percebem as ações ali desenvolvidas e nos requisitam para falarmos sobre a experiência no Mutirão. Atinge ainda: professores, alunos, funcionários que participam do projeto onde temos muito aprendido e de certo modo, a universidade, particularmente os quatro departamentos do CCT envolvidos...”2.
__________ 1. Membro da Equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Id., Ibid.
135
É importante destacar que existem possibilidades concretas de ser reativada a fabriqueta de material alternativo para a construção, feita à base de resíduos de toda essa coleta seletiva de vidro, granito artificial e uma série de outros resíduos. Tudo isto se constitui em processos educativos com a comunidade ou com grupos de moradores dessa comunidade. “Pode ser que se consiga gerar empregos prá várias pessoas. É uma forma de melhorar a qualidade de vida delas. Elas vão ser educadas no momento em que trabalhem a reciclagem produzindo alguma coisa útil. Elas vão também se educar. Eu acho que isto é possível”1. A visão utilitarista da perspectiva educativa é dominante entre os técnicos e engenheiros da universidade. Um processo terá significado e expressará algo importante, se lhe for apresentado um resultado que seja positivo. Claro que se precisa de resultados, mas a universidade não pode estar presa à realização de atividades que expressem apenas resultados positivos imediatos. O imediatismo sempre está presente nos projetos de áreas técnicas, mas precisa ser relativizado, considerando-se que, mesmo nessa área, processos dialógicos de comunicação e de educação estão sempre ocorrendo e estabelecendo momentos de participação de todos para o exercício da cidadania, muito além de meros resultados imediatos.
Agente institucional e natureza do trabalho na extensão Comparando-se o tema VIII - natureza do trabalho na extensão, com o tema IX papel do agente institucional, observa-se que há consistências e contradições. A consistência fica por conta da percepção da natureza do trabalho social com discurso de neutralidade, com percentuais de 74% e 72%, respectivamente entre coordenadores e executores. Já com relação ao tema IX, a dimensão da neutralidade do agente é expressa entre os coordenadores, com percentual de 50%, sendo destoante entre os executores, com apenas 9% dos indicadores. Outra contradição se expressa nos percentuais referentes ao trabalho técnico com discurso transformador, verificando-se percentuais de 17% e 12% entre os coordenadores e executores, enquanto que os percentuais de comprometimento com as classes subalternas, pelos agentes institucionais, são de 38% e 64%, respectivamente. É mais uma contradição entre os temas e uma falta de consistência quanto ao papel a ser desempenhado pelo agente institucional entre os próprios agentes do projeto. O projeto também tem a tarefa de resgatar práticas do Estado já existentes no Mutirão. O Estado, através da FAC(Fundação de Ação Comunitária), vinha tocando a idéia de produzir material de baixo custo na comunidade. Mas havia abandonado até mesmo o galpão já construído e só agora resgatado pelo projeto. Já tinha havido um treinamento dado pela FAC para um grupo de pessoas, mas tudo havia sido suspenso. A universidade assume o projeto e se propõe, inicialmente, diferenciar a sua atividade de agente nessa área, para trabalhar não só elementos técnicos, mas sobretudo a educação ambiental. Há, portanto, um conjunto de outras práticas que vinham sendo desenvolvidas e que mudaram com a intervenção da universidade. A universidade assume, dessa forma, uma atividade específica do Estado. Para um dos entrevistados, a idéia de que é o governo que está continuando o trabalho é muito importante para a universidade. Para ele, o povo acredita muito no governo, mesmo que o governo esteja desacreditado.
________ 1.
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
136
TABELA 11 PAPEL DO AGENTE INSTITUCIONAL Distribuição dos temas e itens, por segmento ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
TT
% item
9.1
00
01
---
01
12
03
00
---
03
27
04
21
9.2
00
04
---
04
50
01
00
---
01
09
05
26
9.3
00
03
---
03
38
07
00
---
07
64
10
53
% tema
03
9.1 - Agente comprometido com interesses do mercado ( capital ). 9.2 - Agente neutro da instituição, seja Estado ou universidade. 9.3 - Agente comprometido especificamente com a classe dominada. A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B TT - Freqüência total de indicadores no item
TABELA 12 NATUREZA DO TRABALHO
ITEM
A1
A2
A3
Distribuição dos itens do tema VIII, por Segmento AT % B1 B2 B3 BT % TT
8.1
05
02
---
07
09
08
00
---
08
16
15
12
8.2
27
28
---
55
74
32
04
---
36
72
91
73
8.3
04
08
---
12
17
04
02
---
06
12
18
15
%item
% tema
17
8.1 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “modernizador” . 8.2 - Trabalho técnico acompanhado de discurso de “neutralidade” . 8.3 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “transformador” . A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B TT - Freqüência total de indicadores no item
137
A universidade, contudo, já experimentou essas técnicas em suas próprias instalações físicas, construindo bibliotecas no Campus de Cajazeiras, por exemplo. ”É preciso a gente mostrar a todo momento que a universidade é governo e que a universidade está fazendo. Está fazendo para ela própria. Se ela faz para ela própria é porque acredita. Se ela está fazendo para ela própria é porque acredita”1. Trata-se de uma técnica de convencimento muito simples, de acordo com o coordenador do projeto. Nesse sentido, vai-se tentando a superação das contradições existentes também na universidade e enfrentando outras, quando se assumem experiências que não tiveram início unicamente na universidade. “Não só a importância de como se recicla o material ou como se separa o material. Não só quanto de energia se vai economizar ou quanto vai economizar prá gente e gerar renda. A gente passa também uma questão holística: o que é o meio ambiente? Por que é importante a educação ambiental? De onde vem isso? Prá onde vai isso? Quais os vetores que nos prejudicam? Quais os que nos ajudam?”2.
Esses questionamentos, por sua vez, abrem a perspectiva da pesquisa. Um exemplo prático ocorre com a turma de Engenharia Mecânica, como já foi afirmado, trabalhando no sentido de desenvolver novas peças para se encaixarem na realidade local. Essa é uma dimensão também interessante neste projeto, sendo a comunidade beneficiada onde ele vem sendo implantado, sobretudo na possibilidade de se gerar alguns empregos.
__________ 1. Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
138
Extensão universitária Para destacar a análise sobre extensão universitária, faz-se necessário observar a Tabela 13, referente ao tema VII - distribuição dos itens do tema VII, por segmento. A tabela vai mostrar uma visão de extensão como via de mão única, onde a universidade tem um conhecimento que precisa ser repassado para a sociedade. É a visão da universidade como prestadora de serviço, promotora de eventos, que leva um conhecimento necessário para a sociedade. Em geral essa visão está “impregnada” de forte assistencialismo. A Tabela 13 revela que essa visão é preponderante neste projeto, com percentuais entre coordenadores e executores de 69% e 83%, respectivamente. “É justamente aí onde eu vejo essa parte da extensão. Eu vejo como um trabalho da universidade, justamente com a sociedade, com o objetivo de quê? De assessorar essa comunidade, transmitindo conhecimentos que ela não adquiriu. A gente está na universidade, tem esse conhecimento que precisa ser repassado para a sociedade”1.
Com a visão de mão dupla, entre a universidade e a sociedade, é estabelecida uma ligação, pela qual o conhecimento é levado e trazido a uma e a outra. A extensão é um canal, um elo ou algo que possa simbolizar uma passagem da universidade para a sociedade ou vice-versa. Esse caminho tem a finalidade de captar e também de atender as demandas sociais. Existe, nesse sentido, uma troca de conhecimentos. A Tabela 13 apresenta percentuais pouco significativos para essa perspectiva. Diferenciadas compreensões, contudo, se externam mesmo entre os coordenadores, como o entendimento de que a extensão é expressão do cumprimento das obrigações sociais da universidade a todos os segmentos da sociedade. Para um deles, a universidade precisa estar atendendo a todos os segmentos, pois tem obrigação para com todos. O que se vê, entretanto, é a expressão de interesses de diferenciadas formas e intensidades dos setores sociais para com a universidade. Existem muitas demandas de prefeituras, particularmente de certos prefeitos, que vêem a possibilidade de conquistarem a universidade para seus governos e com isso transformarem alguns trabalhos da universidade em expressão de sua própria política. Portanto, o atendimento a todos setores da sociedade, em certos casos, tem um viés que pesa mais para o lado daqueles que detêm o poder local ou regional. Assim, não se pode entender de forma “ingênua” o atendimento a todos os setores sociais. Esses setores se expressam politicamente diferenciados e com forças diferenciadas quando apresentam suas demandas à universidade. Existem ainda outros procedimentos educativos que passam por projetos como este. Pode-se falar de processos informais de educação transmitidos pela universidade em momentos em que há reuniões. A comunidade leva sua educação aos agentes da universidade e estes à comunidade. De acordo com um dos entrevistados, não se trata, na verdade, de uma educação de banco de escola. É uma palestra menos formal, ilustrando assuntos que estão mais voltados aos interesses das pessoas. Quanto à visão da extensão como uma possibilidade de trabalho social, esta é apontada pelos coordenadores, com um percentual de 17%. É um percentual expressivo, considerando o fato de que esse tema se revela com 6% no conjunto dos temas do projeto, enquanto que este mesmo item projeta um percentual de 12% entre os demais itens. __________ 1. Estudante e membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
139
TABELA 13 DISTRIBUIÇÃO DOS ITENS DO TEMA VII, POR SEGMENTO
ITEM
A1
A2
A3
AT
%
B1
B2
B3
BT
%
TT
%item
7.1
05
15
---
20
69
10
00
---
10
83
32
73
7.2
04
00
---
04
14
01
01
---
02
17
06
15
7.3
05
00
---
05
17
00
00
---
00
00
05
12
% tema
06
7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade. 7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico. 7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia.
A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores
AT - Freqüência de indicadores no item A BT - Freqüência de indicadores no item B TT - Freqüência de indicadores no item
Este é um trabalho de extensão que, embora apresente contradições e inconsistências, também configura uma possibilidade de extensão como um trabalho social. Volta-se para a produção de um conhecimento que num certo nível é conjunta, pois a comunidade, além de contribuir com a apresentação do problema, também apresenta soluções através da sua participação. A universidade e a comunidade se apoderam daquele conhecimento. É um trabalho que se afirma como permanente na comunidade e que prioriza, como expressão da verdade daquele conhecimento, a relação que está ocorrendo entre a teoria trazida pela equipe da universidade e a prática da qual a comunidade participa.
Considerações A partir do exercício da prática de extensão em comunidades carentes como a do Mutirão, além dos aspectos técnicos, se vislumbram processos educativos, apesar das dificuldades que às vezes parecem ser intransponíveis. Além das dificuldades já apontadas, outras podem ser definidas para se poder desenvolver maiores reflexões e contribuir para a tomada de decisões com maior solidez de propósitos voltados aos setores subalternos da sociedade. Um dos aspectos a se analisar com maior profundidade é a contribuição de um projeto dessa natureza relativo à pesquisa com questões ambientais e cujas soluções possíveis se prestem para a região. Esse aspecto é interessante, pois supera uma tradição da pesquisa apenas através de projetos encomendados por agências nacionais ou internacionais, algo que foi muito comum no Campus II, em particular para a área tecnológica. Difícil é, todavia, a garantia de financiamento para tais projetos, considerando que não atendem demandas externas expressas como tal. Um projeto com essa perspectiva de um trabalho social contribui para a busca de mais adeptos para seu desenvolvimento, como também para a abertura de outros tipos de projeto, com
140
outros profissionais. O que se exige é a pertinência das questões a serem abordadas pela comunidade universitária. São questões que podem estar nas imediações do próprio campus universitário. Pouco a pouco, como vem demonstrando o curso de Engenharia Mecânica, ao participar deste projeto, a técnica pode adquirir a dimensão social que está embutida no seu desenvolvimento. Não é a comunidade toda fabricando em um torno mecânico determinadas peças que lhe são úteis, mas é o processo de definição daquelas necessidades técnicas que, junto com as possibilidades de conhecimento da universidade, permite que sejam trocadas as experiências e os conhecimentos, também, no campo tecnológico.
141
CAPÍTULO III
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E SUAS FUNÇÕES HEGEMÔNICAS
1 - Extensão e hegemonia nos projetos da UFPB
Após a apresentação de cada projeto de extensão tomado como objeto de análise, torna-se necessário fazer-se alguma comparação entre eles. Sabe-se, contudo, que cada um desses projetos analisados tem sua peculiaridade, o que traz dificuldade para um estudo em bloco, contemplando-os conjuntamente. Por outro lado, pode-se verificar que elementos teóricos estão presentes em todos eles e podem ser apreendidos através das temáticas políticas que estão no conjunto da teoria da hegemonia e que reaparecem no interior das práticas desses tipos de projetos. Há projetos voltados para áreas distintas de conhecimento, como: saúde, educação, desenvolvimento comunitário e tecnologia, esta voltada à qualidade de vida. Pode mesmo se tornar interessante um estudo abordando os quatro projetos, pois essa análise comparada possibilita, na sua diversidade, trabalhar com elementos teóricos que podem suscitar diferenciados debates. Para este estudo é preciso observar-se a Tabela 14 (temas e itens nos projetos, por segmento). Nessa tabela pode-se destacar que os temas I - concepção de mundo, e II - concepção de sociedade, em todos os projetos, tiveram os percentuais mais expressivos, tendo como destaque o tema sobre a concepção de sociedade. Esses temas mostram uma grande coerência entre os projetos, sobretudo, o CERESAT, o Zé Peão e o Praia de Campina, onde se externa, no tema I, uma perspectiva transformadora. Faz exceção o Projeto Qualidade de Vida, em que os percentuais referentes à visão são privilegiadora do mercado são mais expressivos, atingindo 53% e 58% entre os coordenadores e executores do projeto. Quanto ao tema II - concepção de sociedade, os projetos apresentam discordância no seu conjunto. São concordantes apenas os projetos CERESAT e Zé Peão quanto à visão de sociedade como modo de produção. Existe diferenciação no projeto Praia de Campina, em que coordenadores e executores vêem a sociedade como um conjunto de instituições integradas entre si, divergindo em relação aos executores e aos textos. Destaca-se a visão integradora da sociedade no Projeto Qualidade de Vida, com percentuais de 48% e 75%.
142
TABELA 14 TEMAS E ITENS NOS PROJETOS, POR SEGMENTO T
I
II
III
IV V
VI
VII
VII I IX X
Item
BE
CE
DE
1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 2.3 3.1 3.2 3.3
A E 07 06 87 04 01 95 22 33 45
06 02 92 02 04 94 14 50 36
09 02 89 01 03 96 67 00 33
09 02 89 01 03 96 00 100 00
4.1 4.2 4.3 5.1 5.2
00 57 43 02 98
03 21 76 05 95
00 10 90 03 97
07 68 35 06 94
6.1 6.2 6.3 7.1 7.2 7.3 8.1 8.2 8.3 9.1 9.2 9.3 0.1 0.2
38 00 62 61 06 33 00 09 91 14 28 58 00 10 0
65 58 31 11 33 56 24 09 13 29 66 62 08 00 01 63 34 37 02 00 04 06 08 09 92 92 87 64 36 55 01 41 14 35 23 31 00 00 00 100 100 100
I - Concepção de mundo II - Concepção de sociedade III - Concepção de Estado
A - Entrevista com coordenadores B - Entrevista com executores C - Entrevista com comunitários U - Política da UFPB
TE
26
25
01
08 06
02
05
17
02 08
AZ
BZ
CZ
DZ
13 01 86 06 01 93 83 17 00
09 01 90 06 01 93 20 80 00
07 01 92 04 03 93 00 100 00
24 01 75 01 01 98 60 40 00
00 37 63 11 89
01 17 82 01 99
00 20 80 02 98
00 49 51 07 93
41 57 74 12 25 13 47 18 13 35 35 84 07 04 02 58 61 14 02 03 01 27 09 07 71 88 92 38 30 17 27 00 04 35 70 79 00 00 00 100 100 100
55 25 20 24 06 80 01 03 96 52 03 45 00 100
TZ
26
27
01
11 07
02
04
12
03 07
AP
BP
CP
DP
15 04 81 02 52 46 --66 34
15 04 81 01 59 40 --10 0 --05 32 63 --10 0 82 09 09 63 24 13 01 63 36 64 04 32 --10 0
19 09 72 --37 63 75 25 ---
10 10 80 --17 83 50 --50
01 07 92 --100
--20 80 --100
65 31 04 68 13 19 --29 71 ----100 --100
--50 50 95 --05 --11 89 100 ------100
--39 61 12 88 55 21 24 25 28 47 01 58 41 42 29 29 01 99
IV - Configuração dos interesses sociais V- Concepção de prática social VI - Relação universidade-sociedade VII - Concepção de extensão universitária D - Documentos dos projetos E - Projeto CERESAT T - Percentual total do tema
1.1 - Visão que privilegie o mercado 1.2 - Visão integradora ( inst. pessoa ) aperfeiçoando a socieddade. 1.3 - Visão transformadora 2.1 - Conjunto de instituições independentes 2.2 - Totalidade integrada 2.3 - Modo de produção 3.1 - Estado árbitro: acima das classes 3.2 - Estado instrumento: inst. manip. pela classe dominante 3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 4.2 - Interesses voltados a grupos ( setores de movimento ) 4.3 - Interesses voltados à classe 5.1 - Interesses voltados a indivíduos 5.2 - Processo em consonância com classes dominadas
TP
16
28
01
08 05
03
04
21
02 12
AQ
BQ
53 10 37 15 48 37 75 00 25
58 01 41 05 75 20 00 00 100
00 69 31 09 91
00 00 100 10 90
84 16 00 69 14 17 09 74 17 12 50 38 00 100
76 12 12 83 17 00 16 72 12 27 09 64 07 93
TQ
18
25
01
03 03
08
06
17
03 06
VIII - Natureza do trabalho social na extensão IX - Papel do agente institucional X - Pedagogia da extensão universitária
P - Projeto Praia de Campina Q - Projeto Qualidade de Vida L - Grupo de Tecnologia Z - Projeto Zé Pião 6.1 - Instituição do saber com vida independente 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico 7.1 - Via de mão única 7.2 - Via de mão dupla 7.3 - Trabalho social 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 9.1 - Agente do mercado 9.2 - Agente neutro 9.3 - Agente da classe dominada 0.1 - Pedagogia tradicional 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora
Quanto ao tema III - concepção de Estado, o que se observa é, praticamente, uma ausência dessa discussão, o que leva a entender que o debate político em geral estabelecido nos projetos é de pouca efetividade, considerando a ausência da temática referente ao Estado em suas discussões, mesmo que suas ações sejam muito vinculadas com as atividades do Estado. No tema IV -
143
configuração dos interesses sociais, existem discrepâncias e concordâncias. Nos projetos Zé Peão e Praia de Campina, existe uma afluência para a visão de interesses voltados às classes subalternas da sociedade, enquanto que os dois outros projetos se diferenciam, sobretudo internamente, quanto às perspectivas de interesses sociais. No tema V - concepção de prática social, há um destaque nos quatro projetos para a visão de prática como processo e em consonância com as classes dominadas. Estabeleceu-se, praticamente, um consenso no projeto Praia de Campina quanto a essa visão, com percentuais de 88%, 100%, 100% e 100% respectivamente para os coordenadores, executores, comunitários e textos. O tema VI - relação da universidade com a sociedade, também mostra entre os projetos uma diferenciação das visões, ora voltada para uma compreensão de instituição com saber e com vida independente, ora como instituição voltada ao mundo empresarial, ora como aparelho de conflito ideológico. Há uma aproximação maior entre os projetos Praia de Campina e Qualidade de Vida quanto à visão de universidade como instituição do saber com vida independente, com percentuais de 55%, 82%, 65% para coordenadores, executores e comunitários e no Projeto Qualidade de Vida, com percentuais de 84% e 76%, respectivamente para os coordenadores e executores. Os projetos CERESAT e Zé Peão revelam discordâncias, num predominando a perspectiva de instituição voltada ao mundo empresarial e noutro a de instituição como aparelho de conflito ideológico. Quanto ao tema VII - concepção de extensão universitária, são apresentadas três possibilidades de visão: a via de mão única, a via de mão dupla e a perspectiva de extensão como um trabalho social. Os índices se distribuem entre essas três possibilidades, destacando-se um expressivo percentual em alguns projetos quanto à visão do trabalho social. Nos projetos Praia de Campina e Qualidade de Vida aparecem os menores índices para essa perspectiva, com percentuais de 13% e 5%, para os executores e os textos do Projeto Praia de Campina e de 17% e 00%, para os coordenadores e executores do Projeto Qualidade de Vida. É importante destacar que mesmo os índices mais baixos revelam indicadores qualitativamente expressivos para a discussão conceitual da extensão universitária como um trabalho social. A perspectiva da via de mão dupla se expressa com os menores índices nos Projetos CERESAT e Zé Peão, com índices que variam de 00% a 7%, entre os coordenadores, executores, comunitários e textos de ambos os projetos. O tema VIII trata da natureza do trabalho social na extensão. Entre os projetos, há quase um consenso na ausência da perspectiva de um trabalho técnico com discurso modernizador. Destoam os projetos CERESAT e Zé Peão com relação aos demais, no que tange à visão de um trabalho técnico com discurso de neutralidade. Os índices no Projeto Praia de Campina, com alguma divergência interna, vão se tornando ainda maiores no Projeto Qualidade de Vida, atingindo percentuais de 72% e 74% entre os coordenadores e executores, respectivamente. Consolidam-se índices expressivos para a visão de um trabalho técnico com discurso transformador, particularmente nos projetos CERESAT e Zé Peão, com índices que variam entre 71% e 96% . O tema IX - papel do agente institucional, revela-se um dos temas mais dilemáticos, considerando-se a variação entre os seus índices, tanto interna como externamente. A comparação interna desses percentuais conduz a uma inconsistência presente entre os coordenadores, executores, comunitários e textos dos projetos, o que também ocorre na comparação externa com os demais projetos. Quanto à visão do agente institucional como agente do mercado, os índices variam de 14% a 64%, no projeto CERESAT; de 17% a 52%, no projeto Zé Peão; de 00% a 100%, no projeto Praia de Campina e de 12% a 27%, no Projeto Qualidade de Vida. Disparidades semelhantes ocorreram nas demais visões de agente como neutro ou como agente da classe dominada. Em relação ao tema X - pedagogia da extensão universitária, pode-se observar uma consistência interna que alcança percentuais de 100%, praticamente em todos os projetos e em todos os agentes dos projetos. Trata-se de uma consistência que chama a atenção para o tipo de discurso que está sendo veiculado e que de certa forma nega o distanciamento que se tem no exercício prático desse discurso. Passa uma idéia de que o discurso pedagógico transformador está bem consolidado entre os agentes destes projetos, o que colide com a caracterização expressa do agente institucional e com as concepções de sociedade ou de mundo, que nem sempre estão em sintonia com o discurso ou a visão pedagógico-educativa da ação política declarada. Na Tabela 14, destacam-se temas, tanto pela forte, como pela fraca presença quantitativa, valendo a pena tentar uma melhor compreensão dos dados apresentados. O tema III concepção de Estado, apresenta percentuais de apenas 1% em todos os projetos analisados. Isso indica
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um ausência da discussão política fundamental ao se encaminharem ações políticas para a organização de setores subalternos da sociedade. As políticas públicas são formuladas e encaminhadas apenas pelo Estado, nessa região. Essa condição torna imprescindível o debate sobre o Estado, suas concepções e diferenciações políticas, bem como a dimensão da ação de seus agentes para qualquer projeto que apresente tal dimensão social. A ausência desse tipo de debate tende a limitar as possibilidades de um maior conhecimento sobre o papel do Estado e necessariamente sobre as condições de possibilidade de mudanças. A relação da universidade com a sociedade é outro tema que se apresentou pouco expressivo quantitativamente, em relação aos demais, com percentuais de 2%, 2%, 3% e 8% para os projetos CERESAT, Zé Peão, Praia de Campina e Qualidade de Vida, respectivamente. Esses dados demonstram a dificuldade existente entre os agentes dos projetos para uma formulação mais clara sobre o papel da universidade em sua relação com a sociedade. Terá a universidade vida independente, como mostram alguns percentuais, como no Projeto Qualidade de Vida, que chegam a 84% e 76%, entre os coordenadores e executores do projeto? Essa visão apresenta a instituição isolada da sociedade, como se isso fosse possível, gerando, conseqüentemente, uma outra visão que é a da neutralidade de seu trabalho ou do produto desse trabalho: o conhecimento. O tema IX - papel do agente institucional, também apresenta percentuais praticamente desprezíveis do ponto de vista quantitativo. Seus percentuais, seguindo a ordem dos projetos já citada anteriormente, atingem os índices de 2%, 3%, 2% e 3%. Ora, a perspectiva da ação prevista no papel do agente institucional depende da compreensão daquilo que se entende por Estado e do posicionamento do agente diante do mesmo. A ausência dessa discussão em uma sociedade de classes só contribui como fator gerador de dúvidas quanto ao papel do agente. Assim é que, mesmo prevalecendo uma visão transformadora em relação à sociedade, como foi apresentado na Tabela 14, isso não é suficiente para se definir com clareza o papel do agente institucional como agente das classes subalternas. Todos esses temas, embora quantitativamente pareçam pouco ou nada indicar para a análise, não podem deixar de ser tratados no conjunto dos projetos, onde é preciso tentar alcançar a importância de cada temática, independentemente de percentual. Esses temas também contribuem muito para a discussão e o entendimento dos projetos em estudo, e não apenas os temas com valores expressivos, como os temas I e II (a concepção de mundo e concepção de sociedade), que atingiram os maiores índices dos projetos. Parece que, juntos, podem estar indicando os debates que em geral ocorrem na universidade. Os percentuais encontrados nos temas I e II apontam para visões nem sempre transformadoras e indicam que estes projetos estão impregnados de variadas possibilidades de concepção de sociedade e de mundo. Os percentuais, entretanto, não conduzem a exigências maiores quando se analisam temas tais como o jogo dos interesses sociais ou mesmo as concepções de práticas sociais . O que subjaz nesses tipos de projetos, particularmente nos Projetos Praia de Campina e Qualidade de Vida, é a idéia da necessidade de se desenvolver a comunidade, de fazê-la crescer. Nesses projetos, as formulações quanto aos objetivos passam pela idéia de desenvolver as regiões onde o atraso é responsável pela miséria. Nessa perspectiva têm-se apresentado vários projetos para financiamento, mesmo os que envolvem a universidade. Coloca-se normalmente um desejo, às vezes até religioso, de se pretender vencer esse atraso e para isso vai-se tentando resolver as questões da pobreza. Existe uma ideologia de desenvolvimento para as comunidades “carentes” na perspectiva de mudanças ou de transformações. Esses são propósitos que precisam ser submetidos ao crivo dos dados dos projetos. Também é preciso descobrir se estão em curso projetos que pretendam contribuir para a organização dos setores subalternos da sociedade. Parece fundamental para a execução dos projetos que seus coordenadores, executores e comunitários possam estar minimamente afinados com a filosofia desses projetos e sua formulação política. Isso traz mais clareza às suas ações, gerando benefícios à comunidade, de maneira diferenciada. Quando essa aproximação ou identificação não ocorre, a comunidade percebe, ainda que não expresse oralmente sua percepção. Isso cria uma situação mais difícil que quando o poblema é posto em reflexão pelos grupos ou equipes dos projetos, já que ela, docilmente aceita tal situação. Em conseqüência, a comunidade tende a desenvolver formas de participação em que cada
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indivíduo passa a buscar, nessa diferenciação, o máximo de benefícios para si próprio. Tais formas deveriam exigir das equipes uma reflexão mais crítica possível no sentido de buscar atividades ou políticas que possam envolver todos os setores da comunidade. Esse trabalho, no entanto, está se tornando ausente das atividades de reflexão crítica das equipes de trabalho social. Pelo menos nos projetos Praia de Campina e Qualidade de Vida, as discussões têm basicamente decorrido de encaminhamentos imediatos, dando-se ênfase a uma metodologia do tipo “aprender a fazer, fazendo”, esquecendo-se da importante tarefa da reflexão crítica sobre o fazer, para inclusive poder refazer o que está sendo feito quando ocorrerem possíveis equívocos, permitindo correções. Esse movimento se constitui de ação educativo-crítica fundamental. Forma-se, assim, uma ideologia nas equipes de trabalho destes projetos, particularmente por parte dos estudantes, que aceitam as condições que lhes são oferecidas como membros de equipe dos projetos, sendo conduzidos pelo pressuposto não da reflexão crítica, mas da acomodação às atividades em desenvolvimento nos projetos. As concepções de universidade e de extensão dominantes são aquelas mais veiculadas, impedindo dessa maneira a reflexão sobre possibilidades outras que venham a ser geradas nesses trabalhos sociais. Essa ideologia expressa os valores e as concepções dominantes, que, por sua vez, mantêm a ordem vigente sem questionamentos. Por outro lado, em nome de um desenvolvimento de comunidades consideradas “atrasadas” ou “carentes” , procura-se veicular como ideologia uma necessidade de superação da situação do atraso como se fosse algo de consenso entre todos. Isto é, todos apóiam que se desenvolvam as regiões ou as comunidades. Conseqüentemente, qualquer ação com essa denominação é bem vista, bem aceita e deve ser implementada. Estabelece-se dessa forma uma total ausência da reflexão. Torna-se necessário, pelo menos, responder-se à pergunta: A quem interessam essas ações ou que organização social está sendo promovida para os setores subalternos da sociedade? Trata-se de uma ideologia sutilmente veiculada e assimilada por várias equipes de projetos de extensão, que procuram instaurar um processo único para toda e qualquer comunidade, o qual, portanto, vem carregado de autoritarismo. Há certas vantagens, inclusive, que podem acontecer nas relações de entidades com o Estado ou com ONGs onde se beneficiam, às vezes, poucos. Casos assim são veiculados como se fossem conquista ou benefício de todos. Escondem-se a diferenciação e a exclusão de tantos que ficam sem essas benesses dentro dos próprios projetos. Ora, estas são formas de se veicular as ideologias dominantes e se prestam para a organização do proletariado, no sentido de sua não autonomia e sob o controle ideológico ou político dos setores dominantes. As ações desenvolvidas nos projetos em estudo mostram um conjunto de contradições, discrepâncias e mesmo divergências. Nos embates entre os trabalhadores da construção civil e dos trabalhadores de Praia de Campina com a usina, surgem imediatamente contradições profundas. Com relação à política local da prefeitura dos dois municípios vizinhos, Mamanguape e Rio Tinto, apresentam-se formas de resistência e luta, mas também existe uma certa tolerância que assume ares de valor ético por parte daquelas autoridades. Tal atitude traduz a ideologia pela qual é preciso tratar da miséria, pois o seu combate, além de expressar uma atitude “caridosa” e muito ligada à religiosidade, se torna uma questão de segurança para o município e seus setores médios. Os poderes locais comumente estão se prontificando a colaborar com esses projetos, a fim de manterem a sua presença também nessas ações sociais. O processo, particularmente desenvolvido pelo Projeto de Praia de Campina, de se buscar atender a algumas necessidades básicas das comunidades, pode interessar aos poderes locais, pois não estabelece nenhuma mudança estrutural radical que possa ameaçar o poder das oligarquias da região. O incentivo para tornar-se voluntário, desencadeado na universidade e por equipes desses projetos em relação aos encaminhamentos do Programa Comunidade Solidária, por exemplo, mostra bem que a ideologia de acabar com a pobreza tem dimensão nacional, sendo, portanto, uma ideologia nada restrita a particularidades regionais. Equipes da universidade, através de projetos de extensão, podem se prestar a esse tipo de trabalho social, se não entenderem o caráter ideológico de um projeto dessa natureza. Um projeto como o da Comunidade Solidária ajuda a ver que a ideologia vai exercendo o seu domínio em dimensão nacional. A politização e a aprendizagem da análise crítica pelos setores subalternos da sociedade não são desejos dos setores dominantes. Esses setores sempre se apresentam com as decisões já tomadas. A discussão aberta e crítica não é de interesse dessas minorias dominantes, que
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nunca promovem nem estimulam o debate das questões a serem decididas. Seus representantes se apresentam como se já conhecessem todos os problemas e suas soluções. E já têm definidas as decisões. A sua política é uma política de bastidores. O entendimento desses aspectos ideológicos conduz necessariamente as equipes de projetos a atuarem como educadores críticos da realidade, baseados no desenvolvimento da capacidade de pensar autonomamente, no desenvolvimento da capacidade crítica e assim compreenderem as diferenciadas formas de dominação desse estilo de política. Essa é uma atividade considerada imprescindível por aquele agricultor que mostrava a necessidade de se discutir as questões políticas para não se deixar campo aberto para a burguesia. Essa educação sistemática é pouco desenvolvida, carecendo de incentivo maior, aproveitando o conjunto de outras ações encaminhadas pelos projetos. Tanto o tema referente à ideologia como também seu conceito precisam ser analisados nesses projetos. Permeia toda a discussão o conhecimento político sobre o Estado e, a partir daí, as suas relações com os aparelhos de hegemonia, com o intelectual, com os comunitários e o seu papel como agente de mudanças, as políticas do Estado. Tudo isso costuma estar fora de discussão nesses projetos. A ausência dessas discussões dificulta a sua compreensão crítica por parte dos comunitários e deixa vazio um espaço pedagógico importante para o exercício da discussão, da autonomia e da crítica. A análise crítica do papel do Estado, muito pouco desenvolvida nos projetos, se torna fundamental para o exercício educativo e crítico entre os setores subalternos da sociedade. Os Estados capitalistas mais avançados apresentam uma complexidade maior, bem como a sociedade civil. Nessa direção, urge a discussão para o redirecionamento dos aparelhos de hegemonia na superestrutura e na vida estatal. Destaca-se a rediscussão sobre concepção de Estado como instrumento de uma classe, ou mesmo a redução da compreensão da própria hegemonia à dominação de classe. A ausência de objetivos educativos como exercícios da crítica desses projetos retira a compreensão necessária da articulação das diferentes práticas sociais e, sobretudo, elimina o debate sobre as medidas políticas das classes dominantes. A ausência dessas discussões de forma sistemática nesses equipes dificulta a compreensão das temáticas da atualidade, como a autonomia do próprio movimento, a democracia na sociedade e, conseqüentemente, a necessidade de sua defesa. Através do aprendizado crítico, a partir das ações nos projetos, mostra-se a necessidade de combate às práticas autoritárias, sobretudo nas relações entre dirigente e dirigido; reduz a busca por novas formas de organização de instrumentos para transformação e avança no exercício de valorização de seu próprio saber, passando pela compreensão da necessidade do respeito ao saber diferente. São possibilidades que podem ajudar na condução do desenvolvimento metodológico de se aderir ao real concreto de forma diferenciada da adesão positivista, assegurando uma compreensão mais sistematizada e rica, no sentido da superação do conservadorismo estabelecido na sociedade. Estes projetos demonstram a limitada ação da universidade, como uma instituição, nessa direção. Ainda um aspecto a considerar diz respeito à cultura e aos intelectuais na teoria da hegemonia, que Gramsci chama de “questões pedagógicas” e escolares. Essas questões podem ser vistas no desenrolar dos projetos em estudo e dizem respeito à ligação das questões culturais e escolares com o movimento dos trabalhadores. As tentativas de desenvolver atividades que contribuam para uma organização dos trabalhadores passam pela prática concreta do movimento dos trabalhadores. Há, nesse sentido, uma forma diferente no processo de organizar as reivindicações dos setores de trabalhadores, como o desenvolvido nesses projetos, que é voltar-se à organização da cultura. Manifesta-se também como importante a solidificação dos instrumentos de divulgação e sua articulação com as lutas concretas em desenvolvimento, constituindo-se em uma dimensão da luta pela hegemonia dos setores subalternos da sociedade. As manifestações culturais estão inseridas no próprio movimento da realidade. Não se constituem como algo abstrato. Estão, na verdade, presas ao “povo”, sendo sua própria manifestação em cada momento histórico. Uma concepção como esta expressa o fim do saber enciclopédico. O homem culto não pode ser “depósito” de informações, cheio de dados e fatos. A perspectiva gramsciana valoriza o saber como fruto de um processo de conquista “espiritual” (o homem como criação histórica e não natureza):
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“A tomada de consciência, social e histórica, é, ao mesmo tempo, a construção de si próprio e dos outros. A cultura passa a ser pensada, pois, como consciência pensada, pois, como consciência de si próprio, do contexto social no qual se está inserido, da realidade histórica, enfim, de que se é parte”( Pamplona: Cadernos do Cedes no. 3, p.19). O desenvolvimento de atividades nesses projetos, sobretudo nos Projetos Zé Peão e Praia de Campina, tem valorizado o aspecto cultural. Ações educativas são promovidas no sentido de articular as necessidades do movimento em organização, bem como as suas exigências. Pode-se exemplificar com a comemoração da colheita do camarão - a festa do camarão - que tem sido incentivada e se tornou, hoje, uma tradição entre os pescadores da região. Isto pode ser entendido como parte de um processo de expansão da hegemonia que, assim, deve ser buscado, ainda mais porque consolida um aprendizado de fortalecimento de diversas dimensões que constituem o cultural. Destaca-se a importância de reconhecimento dessas manifestações dos trabalhadores, fortalecendo, dessa forma, sua própria cultura, para além das tantas manifestações da cultura burguesa. É possível conceber essas atividades de tal modo que com elas se vá definindo e distinguindo a concepção de intelectual. É importante trabalhar com uma ampliação do conceito de intelectual, que passa a ser definido nos marcos de sua função de organizador da sociedade, abrangendo todas as esferas da vida social cotidiana dos trabalhadores. Assim, nega-se a formulação burguesa do intelectual pedante e recusa-se a postulação positivista do saber. Aprofunda-se também a discussão sobre a natureza humana como algo abstrato, fixo e imutável, como é normalmente entendido. Abre-se a perspectiva de destaque para as relações sociais entre os homens/mulheres, contrariando a formulação transcendental de sua natureza ou essência. Nega-se qualquer determinação apriorística ou transcendente. Essas noções de cultura e de intelectual, bem como as suas relações, ficam determinadas pelas condições de existência em seus contextos reais e históricos. Esses aspectos tendem a conduzir para formulações diferenciadas desses conceitos. Intelectual, agora, pode ser qualquer homem/mulher, apesar de nem todos estarem exercendo uma atividade que lhes é peculiar, voltada à organização de sua classe. É este o papel do intelectual orgânico no processo de ampliação da hegemonia dos setores subalternos da sociedade. Nesse sentido, estão sendo propostas certas atividades nos projetos em estudo. Estas têm conduzido os projetos para contribuírem na criação de instrumentos ou aparelhos de hegemonia capazes de ampliarem esse processo. Não se pode esquecer, todavia, de que a hegemonia passa pelos diferenciados momentos de relações de forças. Não está presa apenas à esfera cultural, mas também diz respeito à economia e não pode prescindir dessa dimensão. Os encontros promovidos por vários aparelhos de hegemonia dos trabalhadores, como sindicatos, central sindical, associações, federação de associações, encontros abertos para toda a comunidade, como o da Semana de Extensão, e mesmo reuniões isoladas em comunidades, de que têm participado equipes dos projetos em estudo, também abrem a discussão da hegemonia como relação pedagógica. Essas atividades vão mostrando a importância da escola, particularmente da Escola Zé Peão, que vem demonstrando ser fundamental nesse processo. Sabe-se que são experiências com equipes reduzidas e que não cobrem a classe trabalhadora, tanto no campo quanto na cidade. Essas experiências, todavia, expressam programas adequados à importância que vêm expressando esses movimentos. Supera-se o estudo compreendido como “desinteressado” ou a “objetificação” no sentido positivista e que vão assumindo importância na formação da cultura dos setores subalternos. E mais: destacam-se como elementos-chave nesse processo dois aspectos, que são a organização dessa cultura e a necessária articulação dessa educação com ações concretas desses movimentos. Abre-se, dessa forma, a discussão sobre o papel do intelectual, intelectual orgânico e a sua participação nas lutas desses movimentos, estabelecendo-se nexos entre a cultura e a sua direção. Ao mesmo tempo, a partir das ações em andamento nesses projetos, superam-se as posturas de uma cultura popular inferior baseada na simples informação e aceitação passiva da cultura dominante. Esta está sempre sendo apresentada como a mais bela, sistemática, melhor elaborada, mas se omite o quanto ela é “carregada” de ideologia dominante. Algumas das experiências desses projetos apontam para a superação pedagógica de visões mágicas do mundo ou da natureza e, além disso, caminham no combate ao individualismo tão presente hoje em dia. A partir do seu ensino se passa a incentivar o folclore, posicionando-se contra as tradicionais concepções de mundo em que elementos da realidade são dados à aprendizagem. Inicia-se
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o ensino a partir das questões locais, mas abrindo-se para diversas temáticas, superando o localismo daquelas questões. A tentativa de rediscussão das concepções dominantes de homem/mulher e de mundo põe em xeque essa escola tradicional. Funciona, ao que parece, como tentativa de superação do tradicionalismo estabelecido pelo ensino das escolas formais, estando essas experiências marcadas por um outro modo de vida intelectual e moral. Essas experiências caminham, de forma positiva, para a afirmação de uma nova personalidade voltada à sua realidade no sentido de sua transformação. Um homem/mulher com a consciência voltada ao processo de mudança. O intelectual comprometido com as lutas permanece ao lado dessa transformação e isso significa situar-se do ponto de vista das classes subalternas e lutar por sua formação cultural e política. Essa compreensão significa também a necessidade de mudança do modo de existência da filosofia. Uma filosofia cuja tradição tem se pautado pelas formulações idealistas. Essa filosofia é superada quando se estabelece um processo de conhecimento originado na prática. A análise dos projetos realizada sob a ótica da teoria da hegemonia em Gramsci pode ainda apresentar diferenciados ângulos. Pode-se, segundo CARDOSO (l995: 78), tomar a questão das alianças de classe(operário e camponeses) como central. Uma segunda perspectiva é ter como fundamental a questão do partido político como intelectual coletivo “ao qual é atribuída a tarefa de estabelecer o nexo entre intelectuais e massa, cultura científica e cultura popular, no sentido da construção da vontade coletiva nacional popular, ou seja da constituição das classes subalternas como sujeitos da ação histórica”. Por fim, uma terceira possibilidade examina o processo de construção de hegemonia como reforma intelectual e moral ou como a construção de uma outra cultura. A análise crítica dos projetos a partir do ângulo das alianças de classes, mostra que estes pouco privilegiaram essa perspectiva. Pouco se analisou a questão da aliança entre os diversos setores de trabalhadores. O Projeto Escola Zé Peão é a experiência em que essa perspectiva foi trabalhada pelas equipes de extensão. Essa experiência tem contribuído para a formação de “quadros” para os vários movimentos de organização de trabalhadores, particularmente para a Central Única dos Trabalhadores e para partidos que vêm assumindo as bandeiras da classe trabalhadora. Além da participação na CUT com seus quadros, o sindicato da construção civil tem tido papel importante nas relações entre os vários movimentos surgidos na cidade de João Pessoa, não só financeiramente como também com sua presença marcante nesses movimentos. Saliente-se ainda a sua contribuição relativa a quadros sindicais que assumiram vários partidos de esquerda no interior do movimento dos trabalhadores. Um sindicato que antes era desconhecido se tornou, hoje, um dos mais atuantes no Estado e até na região Nordeste. Não se pode creditar, naturalmente, todo esse conjunto de atitudes apenas à obra do Projeto Escola Zé Peão. Contudo, este tem dado uma contribuição considerável no âmbito da política sindical. Quanto ao projeto CERESAT, o seu envolvimento na questão da saúde e a sua busca de alianças entre as demais categorias de trabalhadores, em torno dessa questão, começam a aparecer através da Central Única dos Trabalhadores. Com isso vai introduzindo a questão da saúde nos demais sindicatos. Contudo ainda é um trabalho que apenas foi iniciado. O Projeto Praia de Campina vem desenvolvendo um concentrado esforço no sentido de que as lutas da região onde funciona o projeto possam se prestar como motivadoras para outras comunidades. Tem havido vários momentos onde se veiculam essas experiências e outros procedimentos semelhantes como os dos sindicatos dos trabalhadores rurais das cidades de Rio Tinto e de Mamanguape. A partir das associações geradas nas comunidades, que atingem hoje um total de trinta e três, criou-se a Federação dessas Associações, envolvendo cada vez mais trabalhadores de vários municípios. Contudo, os membros da equipe e os comunitários ainda não perceberam a importância política que pode assumir a aglutinação dessas forças políticas no seio da classe ou entre classes, bem como a questão das alianças políticas. O quarto projeto - Qualidade de Vida - não tem apresentado preocupações com essa questão. Cabe considerar a incipiência do seu processo de implantação, bem como as dificuldades que vem tendo que vem enfrentando quanto à implementação de políticas que envolvam conjuntamente outras entidades e o Estado. A questão das alianças exige clareza das equipes dos projetos para o problema. Também salienta-se o papel da direção de classe que se exerce nos marcos de uma política deliberada de alianças e a clareza das equipes de que essa hegemonia se ganha na luta. Assim como está apresentada, pode-se afirmar que a busca pela hegemonia, nesses projetos, não tem se apresentado
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como uma deliberação educativa e crítica voltada à construção da hegemonia dos setores subalternos da sociedade. Quanto ao segundo aspecto, que é a ênfase na construção do partido político como intelectual coletivo, a contribuição desses projetos aparece, talvez, de forma indireta, considerando que a universidade pública com suas atividades rotineiras não interfere nessas questões. Além do mais, em virtude da heterogeneidade de classe no seu interior, pode-se perguntar qual seria o partido que ela poderia ajudar a construir. Pelas relações de forças existentes no seu interior, não seriam partidos comprometidos com as classes trabalhadoras. Contribui, contudo, para uma maior projeção política do Sindicato da Construção Civil, com a sua inserção nos diversos movimentos sociais que se têm manifestado na cidade de João Pessoa. Os demais projetos não têm se voltado para essa questão como uma decisão política deliberada dos membros de equipes envolvidas. O exame do processo da construção de hegemonia como reforma intelectual e moral merece alguns detalhamentos. Esse movimento de construção de hegemonia precisa ser analisado como processo que se realiza na prática política. Nessa perspectiva, a hegemonia se apresenta de forma mais explícita como uma função “eminentemente pedagógica, enquanto processo de constituição ideológica das classes subalternas, que se realiza tanto para afirmar a direção dessas classes quanto para superar a sua condição de subalternidade, construindo uma nova ordem social”(Ibid., 79). Esse caráter pedagógico não significa, em nenhum momento, que se está reduzindo a compreensão do pedagógico à dimensão da escola. O conjunto de relações em que as novas gerações entram em contato com as mais antigas e destas vão absorvendo suas práticas, visões, valores e experiências transpõe a dimensão meramente escolar. São relações históricas de que participam intelectuais, não intelectuais, Estado, elites e seus seguidores, trabalhadores, aparelhos de hegemonia, dirigidos e dirigentes. São, portanto, relações no interior da sociedade. Essa dimensão alcança uma percepção mais rica dentro dos projetos analisados em que se manifestam lutas ideológicas e tentativas de superação, seja entre os trabalhadores da construção civil, trabalhadores da área de saúde ou trabalhadores rurais ou urbanos (Projeto Qualidade de Vida). Tem havido eventos que vão demonstrando o rompimento com a dominação ideológica entre trabalhadores que estão mais em torno desses projetos. Sabe-se que o rompimento só ocorre definitivamente com as transformações econômicas, apesar de que não depende exclusivamente destas. Várias são as manifestações presentes nesses projetos em que foram externadas visões de mundo fora do controle da burguesia, produzidas por trabalhadores que também se tornam filósofos, segundo Gramsci. Isso ocorre quando se manifestam em relação ao mundo, veiculando sua visão de mundo, sendo implícita também a sua ideologia. Esta vem sendo expressa entre os trabalhadores de diferenciadas formas. Por isso há grande cuidado por parte dos membros de equipes desses projetos quanto à observação atenta das suas formas de falar e de gesticular. Sua visão de mundo e sua ideologia aparecem nas suas crenças, no seu bom senso, no senso comum das pessoas, nas superstições, nas opiniões e nos modos de ver e de agir diante do mundo. Os seus códigos lingüísticos são outros e é preciso estar atento a isso quando se trata de trabalhos de extensão, de pesquisa ou mesmo de ensino. Os recursos utilizados por eles nesses códigos se exteriorizam normalmente em expressões concretas e, de forma concisa, através do olhar e de diversos gestos que precisam ser traduzidos em cada contexto cultural onde se desenvolve o projeto. Essas expressões, por sua vez, causam dificuldades ao se buscar um significado mais adequado, considerando que normalmente os pesquisadores e as equipes de extensão não vivem no local e só compartilham algum tempo com essas pessoas. Tais dificuldades vão aparecer em todo e qualquer projeto que busque reconhecer formas culturais nas comunidades e que estejam fora dos padrões dominantes. Um trabalho que é o de reconhecimento de elementos da cultura que não seja os da classe dominante. Nesse sentido, é que BOSI (1982: 27) destaca a importância de se ter a fadiga como elemento presente nessa construção cultural e na sua poesia, possibilitando uma maior compreensão por parte do trabalhador. É sobre esse conjunto interpretativo e de ação sobre o mundo que se pode conhecer a complexidade de suas visões e a elaboração ideológica dessas pessoas, inclusive, a que grupos sociais pertencem. A compreensão desses fatores que envolvem as relações sociais e o exercício de elaboração crítica tem sido presenciada nos projetos, particularmente, Zé Peão e Praia de Campina. A
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percepção de que o homem é um produto de sua história é, também, uma marca inicial dessa elaboração crítica. A hegemonia como expressão de uma reforma intelectual e moral se constitui na criação de homens que sejam capazes de pensar o real presente de modo unitário e dessa forma construir cultura, tornando-a patrimônio de todos. Para GRAMSCI (l981: 4), “este é um fato filosófico bem mais importante e original do que a descoberta, por parte de um „gênio filosófico‟ , de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais”. Nessa direção é que vem sendo desenvolvido um conjunto de atividades nesses projetos, que parecem estar contribuindo para o exercício do pensar criticamente a realidade desses trabalhadores. Essa reflexão é que fundamenta a compreensão gramsciana de filósofo, sendo possível a afirmação de que “todos os homens são filósofos” , considerando-se que em qualquer atividade intelectual há uma visão de mundo. Mas existe uma diferenciação entre os filósofos que estão no nível da elaboração crítica realizada por cada um. Há diferenças entre a filosofia e o senso comum. Ambos expressam visões de mundo ao se manifestarem como fenômenos históricos, porém são diferenciados quanto ao nível da crítica que cada um desenvolve. A filosofia se desenvolve enquanto crítica do senso comum que passa pela elaboração “individual” e também se constitui na luta para transformar a mentalidade popular buscando “verdades” que se firmaram historicamente. Pode-se afirmar que nos projetos aqui analisados não há propósitos programáticos e deliberados que busquem o exercício crítico permanente das situações vivenciadas, mesmo que, de certa forma, essas atividades se constituam em ações organizativas. Pensar a escola dentro do canteiro de obra, pensar a organização da terra coletivamente ou trabalhar em mutirão para o plantio em terras adquiridas na luta são atividades que expressam e possibilitam, mesmo que parcialmente, exercícios críticos sobre a realidade. Os projetos (com menor intensidade, nessa direção, o Projeto Qualidade de Vida) têm possibilitado, mesmo assim, alguns exercícios de reflexão. Contudo, a construção da hegemonia dos setores subalternos da sociedade está associada ao desenvolvimento de novo projeto cultural, mesmo que se coloque no terreno econômico, propiciando a elaboração de outra visão de mundo e em combate a toda a lógica do capital. O processo de construção de hegemonia dos setores subalternos da sociedade passa pelas dimensões da consciência de classe e da organização. Essa consciência vincula-se necessariamente à atividade material e coletiva dos homens/mulheres. Não dá para compreendê-la de forma isolada ou fora do conjunto das relações sociais. Enquanto isso, do ponto de vista intelectual, o que fundamenta a ação organizativa revolucionária é também a realidade histórica. Nesses projetos há relações que se movem na busca da ampliação da hegemonia desses setores subalternizados, destacando os aspectos intelectual e moral . Mesmo assim, pode-se afirmar que não respondem aos dois níveis distintos e que se interpenetram na direção da hegemonia, apontados por Lowy (l962: 139) : “a) Uma análise e previsão de processos histórico-sociais em curso, sobretudo o da emergência da consciência de classe do proletariado (sua estrutura interna, determinantes, etc., ; b) um plano de organização do instrumento de ação revolucionário (o partido) e de coordenação de suas relações com o conjunto da classe operária, tendo em vista a concretização do programa comunista de mudança social”.
Parece que a ausência de um propósito organizativo nas formulações dos projetos de extensão, a reflexão crítica sobre a política partidária nas equipes e nos comunitários e mesmo na equipe total de cada projeto e, sobretudo, o caráter do aparelho(a universidade) da hegemonia dominante em uma sociedade de classe dificultam e distanciam as possibilidades de ampliação de hegemonia dos setores subalternos da sociedade. Nesses projetos existem ações que estão voltadas ao processo organizativo das classes trabalhadoras, mas não existe busca pela hegemonia daqueles setores, onde todos tenham clareza política de que hegemonia se constitui em um processo e que, portanto, as atividades imediatas são apenas possíveis como início de um projeto político mais amplo. Além disso, é preciso clareza no sentido de compreender que esta é uma disputa política no interior da
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universidade, no terreno da sociedade civil, que atinge os aspectos da vida e do pensamento de uma comunidade, conseqüentemente de uma sociedade. Além do mais, não se pode esperar que caiba à universidade a construção da hegemonia dos setores subalternos dessa sociedade de classe. Além disso, a hegemonia como processo se efetiva no interior das classes e entre classes diferenciadas; especifica relações de direção e de domínio de setores de classes sobre grupos afins e entre classes. Hegemonia em processo instaura uma coesão de classe, bem como uma adesão entre classes, manifestando-se pela direção, através da persuasão e da ideologia, bem como pelo domínio, através da dimensão coercitiva. Considerando-se a ampliação da hegemonia entre os setores subalternos como uma possibilidade e um objetivo, constata-se que esses projetos de extensão universitária estão muito distantes, pelo menos ainda, nas suas formulações de um processo hegemônico desse tipo, apesar de que em suas práticas muitas ações imprescindíveis são encaminhadas no sentido da ampliação de um processo de hegemonia entre os setores subalternos da sociedade. Um exemplo dessas atividades é a promoção de vários seminários por parte de entidades não-governamentais e da universidade, em que se discute a extensão universitária e a organização dos trabalhadores. Uma dessas entidades, por exemplo, é a organização nãogovernamental Equipe Quilombo dos Palmares (EQUIPE), responsável pela formação política e pela pesquisa para a Central Única dos Trabalhadores no Nordeste. A universidade e a EQUIPE realizarão juntas, neste ano de l997, o IV Seminário Fazer Acadêmico e Movimentos Sociais no Nordeste, expressando a busca de conhecimento da realidade nordestina, ao desenvolverem pesquisa para subsidiar as lutas dos trabalhadores da região. Ora, comparando-se a situação existente no início desses projetos com o nível de atividades que vêm sendo desenvolvidas, nos dias de hoje, pode-se comprovar que essas experiências de extensão vêm promovendo um movimento de ampliação dos sujeitos históricos com suas práticas que também incentivam outras categorias a se organizarem. Com certeza não estão apresentando a intensidade que se espera. É de se destacar que também buscam novos aliados, particularmente dentro da mesma classe. Há finalmente a ampliação do “tempo social”, isto é, a teoria da hegemonia sustentada num arcabouço teórico perfeitamente útil para a análise dessas situações vivenciadas mesmo para os dias de hoje. As crises que envolvem a contemporaneidade, por certo, abrangem as formulações mais diferenciadas nos campos teóricos. Contudo, essas experiências têm possibilitado sua utilização para análise. As categorias gramscianas têm mantido o seu valor enquanto contribuem para a compreensão do passado. Hoje, a exemplo do que ocorre nessas experiências, projetam indicações para a formulação de estratégias em busca de uma democracia que possa atender aos anseios das maiorias subalternas da sociedade.
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2 - Para uma reconceituação da extensão universitária enquanto trabalho social
Caminhos para um conceito Uma leitura mais atenta nos dados dos projetos apresentados e a participação em várias de suas atividades - a atuação em comissões de seleção de projetos de extensão, em seleção de alunos bolsistas para fazerem parte das equipes de projetos de extensão desenvolvidos pela PróReitoria de Assuntos Comunitários (PRAC) - possibilitam uma reflexão crítica sobre os conceitos de extensão, que vêm sendo assumidos pela universidade. A preocupação maior que lastreia tal reflexão é a possibilidade de elaboração de outro conceito que contemple a perspectiva da construção de hegemonia das classes subalternas. O envolvimento com as atividades de seleção de projetos de extensão e de seleção de alunos para atuarem nesses projetos facilita a apreensão de vários conceitos externados e que estão fazendo parte das compreensões dominantes sobre extensão universitária. Uma dessas concepções afirma ser a extensão algo “enriquecedor” para os objetivos da universidade. Observa-se nessa compreensão que, primeiro, não são colocados os objetivos da universidade e muito menos se esclarece de que forma acontece esse enriquecimento, se é monetário, teórico, prático ou outra alternativa. Esta é uma formulação que permanece vaga, vazia de conteúdo e de sentido, no que tange ao conceito de extensão. Existem concepções do tipo: “a extensão promove o conhecimento”. Nessa mesma linha se questiona que tipo de conhecimento está sendo promovido, bem como quem está sendo beneficiado com ele. A extensão também é vista como expressão do “retorno à sociedade daquilo que esta investe na universidade”. Embute-se uma compreensão de troca entre a universidade e a sociedade, em que aquele precisa devolver a esta tudo que está sendo investido. A possibilidade de execução dá-se através da extensão. Essa visão coloca a universidade numa situação de devedora da sociedade, com isso fragilizando-a nessa relação. Nesse sentido é que não se determina o lugar específico pelo qual se prevê a “devolução” daquilo que seria devido. Um outro aspecto é o fato de que se estabelece esse lugar como se fosse a extensão. Por que não se propõe que seja pelo ensino ou pela pesquisa? Ou talvez, não seria a política do toma-lá-dá-cá, instalando-se na universidade? Define-se extensão “como um meio que liga ensino e pesquisa”. Imagina-se que um ente concreto liga os dois outros constituintes: ensino e pesquisa. Contudo, o ensino e a pesquisa também podem constituir esse ente. Mas será necessário que se saiba o significado de meio que é colocado nessa conceituação. Será o meio um instrumento com o qual se pode chegar a outras conjecturas sobre extensão? Será um instrumento com o qual se domina a própria extensão, o ensino ou a pesquisa? E mais: quais as outras possíveis conjecturas? Será o meio o intermediário para se chegar ao ensino e à pesquisa? Precisa-se desse meio? Extensão é apresentada ainda como “uma forma de corrigir a ausência da universidade na problemática da sociedade”. A extensão, aqui, se externa como forma. Terá essa forma um conteúdo? Se houver, a questão a ser posta será : E qual é o conteúdo dessa forma? Mas a formulação vai mais além. Nessa compreensão considera-se a universidade como ausente dos problemas da sociedade. É verdade que ela está ausente de vários problemas, mas é também verdade que se faz presente em outros tantos problemas. No campo das Ciências Sociais, por exemplo, por que nos cursos de graduação não se estuda “Brasil” ou “América Latina”? Em tantos cursos de Medicina não se estudam as doenças tropicais. Essas mesmas indagações podem ser feitas em relação à pesquisa. A
universidade estará presente, todavia, naquelas temáticas que os setores dominantes definirem para que sejam submetidas ao ensino e à pesquisa. Os órgãos financiadores de pesquisa são os definidores do lugar onde deve estar a pesquisa da universidade. Durante a realização do XIII Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas do Nordeste, a extensão foi considerada “um nascedouro e desaguadouro da atividade acadêmica, da qual a pesquisa seria o desenvolvimento das respostas, e o ensino o envolvimento dos estudantes em todas as etapas desse processo ...”1. ____________ 1. . Conceito apresentado no XIII Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas do
Nordeste. Natal, l995.
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Ao considerar a extensão como nascedouro e desaguadouro de atividades, esta visão simplesmente a elege como a origem e o fim das atividades acadêmicas. Parece muito mais um procedimento idealizado quando destina esse papel para a extensão. Há de se perguntar: A origem da problemática da pesquisa não passa pela realidade circundante do pesquisador? Será obra de mera idéia gerada de sua própria “genialidade” ou de circunstancial “inspiração”? O ensino envolvido pela perspectiva apresentada não poderá ter origem a partir de elementos da realidade? De que forma a extensão se propõe a ser nascedouro e desaguadouro de toda e qualquer atividade acadêmica? Essa formulação inspira Pró-Reitores para veicularem a compreensão de extensão como “a porta na qual os clientes e usuários têm de bater, quando necessitados”. Materializa-se a extensão, extraindo-se o véu metafísico que a envolvia anteriormente para uma base real ao tornar-se um ente concreto. Todavia, a presença de uma porta pressupõe a existência de uma divisão, sendo esta o divisor entre o “dentro” e o “fora”. Pressupõe-se, em decorrência das formulações até então apresentadas, que a universidade deva estar do lado de dentro e o algo de fora deve ser a sociedade. Mais uma vez, se isto é verdade, mantém-se o mesmo viés da visão na qual a universidade se constitui numa instituição descolada da sociedade e esta, por sua vez, desvinculada da universidade. Em grande medida a extensão vai sendo veiculada como prestação de serviços. Ora se torna estágio, quando atrelada a programas de governo; ora, se torna uma forma de captar recursos; ora, por meio dela, se busca estudar problemas da realidade. O mais curioso é que extensão muitas vezes é considerada como uma espécie de sobra na universidade, podendo ser tudo aquilo que não se identifique como atividade de ensino ou de pesquisa. Para ROCHA (l980), todas essas expressões são “equivocadas”, na compreensão do que seja extensão. Segundo ele, é melhor pensar a extensão por meio da comunicação, considerando esta comunicação numa perspectiva freireana, em que a sua sustentação decorre do processo dialógico. Colocada a existência do diálogo, é preciso, porém, perguntar com quem o diálogo se faz. Será que não permanece, nessa formulação, a divisão entre a sociedade e a universidade, mesmo que ambas possam existir se distanciando e se aproximando como resultado desse diálogo? Como se dá esse diálogo comunicativo? Existe uma ação comunicativa habermasiana nessa compreensão, onde a busca principal se constitui no consenso como mecanismo último da organização da sociedade? Esse diálogo proposto como estratégia para a convivência social suportará a coexistência consensual em uma sociedade de classes? Pode-se ainda recuperar nessa revisão a formulação de extensão universitária produzida pelo I Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão de Universidades Públicas. Nele foram apresentados vários aspectos úteis para uma compreensão da extensão universitária e que merecem destaque, como por exemplo: a extensão se constitui como processo educativo, cultural e científico. Parece interessante ter como ponto de partida para uma análise sobre o conceito de extensão a idéia de que o que existe na extensão é um processo. O Fórum caracteriza esse processo como via de mão dupla. Aí pode-se questionar o uso da idéia de via, considerando que essa simbologia cai também na dificuldade de compreensão da existência da instituição universitária como integrada à sociedade. Essa via de mão dupla da extensão teria o papel de manter a interligação entre ambas. Esse movimento de vai e vem, na formulação do Fórum, viabiliza a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade, ou seja, no buscar e levar conhecimento. Ora, será que a democratização do conhecimento, mesmo aquele acadêmico, resolve-se simplesmente pela extensão nessa perspectiva de mão dupla? Parece que não. A questão da democratização do conhecimento envolverá a produção e a posse dos resultados, constituindo-se, dessa forma, numa questão muito mais abrangente e complexa do que aquela colocada na formulação do Fórum. O conceito de extensão não pode fixar-se como uma via de mão única, considerando que nessa compreensão está implícita a concepção autoritária do fazer acadêmico, onde a universidade “sabe” e vai levar algum conhecimento àqueles que “nada sabem”, a classe trabalhadora. A concepção de extensão como via de mão dupla separa o processo educativo da própria educação, o processo cultural da produção da cultura, bem como o processo científico da própria ciência. Pode-se questionar a constituição dessa articulação ou perguntar quais os interesses que se manifestam na sua realização. Será a extensão algo ideal, capaz de viabilizar uma relação transformadora, como propõe aquele conceito? Em uma via de mão dupla, há um momento de tensão nesse passar de algo que vem em uma mão, por algo que vem em “sentido” contrário. Será esse o momento da extensão? Mas de que se
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constitui esse momento? Em geral as ultrapassagens no mundo físico, seguindo a simbologia das vias apresentadas, são muito rápidas. Extensão é apenas um rápido momento ou busca-se a sua permanência, considerando-se a idéia de processo? Talvez, visualize-se uma mão que segura outra. Essa simbologia já foi bastante utilizada, na década de 60, sobretudo nos tempos da Aliança para o Progresso, prestando-se para a ideologia do desenvolvimento. Mesmo a concepção da mão que segura a outra não garante permanência. Essa simbologia parece conduzir, por conseguinte, à monotonia e à estabilidade. Assim, essas situações não combinam com o conceito de processo, que é dinâmico. Extensão será expressão de monotonia? A compreensão de extensão, como via de mão dupla, destaca um retorno dos conhecimentos para a universidade, como se aí estivesse o único espaço para a reflexão teórica. Será que apenas na universidade é que está sendo gerada a reflexão teórica? Os participantes das ações de extensão promovem sua reflexão crítica e desta têm necessidade. Não estará sendo gerada uma dicotomia, inclusive espacial, da condição de reflexão teórica, ao transladá-la para o espaço da universidade? Pode-se até perguntar: Será a universidade o lugar, por excelência, para a reflexão teórica? Não seria esse espaço o próprio “locus” de realização das atividades de extensão? Ainda na compreensão da extensão, como via de mão dupla, afirma-se que a produção de conhecimento é resultante do confronto com a realidade, seja brasileira, regional, .... enfim, confronto com a realidade. Será que, somente dessa forma, ocorre a geração do conhecimento? A quem interessa esse conhecimento produzido numa ação de extensão? Contudo, na perspectiva conceitual do Fórum, convém retomar a idéia de que “... extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integradora social”(BRASIL/MEC, l987: 1). Esta é uma formulação interessante que traz o trabalho como uma preocupação conceitual. Um trabalho que pode, perfeitamente, servir à concepção integradora de sociedade. Portanto, a extensão terá o papel integrador e, além disso, poderá ser um instrumento integrador da sociedade. Esse tipo de trabalho não condiz com o tipo de sociedade que interessa aos setores subalternos da sociedade. Mas, o conceito de trabalho poderá ser útil para se discutir uma perspectiva diferenciada da extensão voltada ao trabalho. O conceito de extensão carece da presença da crítica como ferramenta nas atividades que o constituem. Esse conceito traz, em si, a dimensão de superação do “senso comum”, ao expor, explicar ou mesmo tomar contato com os elementos da realidade. Elementos que são gerados de formulações abstratas, sim, mas tendo na realidade, no mundo concreto, a anterioridade de suas bases analíticas; a compreensão de que nesse movimento de análise da realidade, um segundo movimento tem continuidade no campo das abstrações, em busca de elementos mais abstratos, permeados, entretanto, pelo concreto inicial e, finalmente, através dos recursos expostos por essas abstrações, seja possível criar um novo concreto, permeado das abstrações anteriores, um concreto pensado. Nesse percurso, a crítica tem papel determinante, pois, além da superação do “senso comum”, também é propositiva. Busca a superação das dimensões do estabelecido, considerando, por exemplo, que “as relações de classe não são espontaneamente transparentes ao nível da experiência „imediata‟, da experiência „vivida‟ - aquela experiência que é simplesmente um reflexo sobre a vida cotidiana” (PRZEWORSKI, 1989:122). Para se conhecer essas relações, torna-se necessário o exame da crítica. Este possibilita ir além da experiência vivida pelas equipes e comunitários, superando esse “reflexo” primeiro da experiência. A crítica é necessária, pois perscruta essas relações e, além do mais, assume seu papel transformador. A extensão pode ir além de um trabalho como o proposto pelo conceito do I Fórum de Pró-Reitores. Esse trabalho tem uma dimensão educativa e precisa, conseqüentemente, ser “qualificado”.
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Esse direcionamento conceitual é manifestado ao nível dos projetos analisados. Observe-se que os indicadores em torno dessa perspectiva apresentaram percentuais elevados nos projetos CERESAT e Zé Peão, particularmente entre os executores, com percentuais de 63% e 61%, respectivamente. Entre os coordenadores do Projeto Praia de Campina, atinge-se o índice percentual de 47% e entre os executores, 13%. No Projeto Qualidade de Vida, essa concepção se expressa entre os coordenadores com 13%, um índice também importante, considerando ser este um projeto da área tecnológica. Retomando-os, pode-se destacar a universidade sendo vista em outra perspectiva, por outros entrevistados. É entendida, por outro lado, como responsável por um “trabalho para fazer com que os alunos assimilem um conhecimento pela inserção na realidade em que estão vivendo e que esses conhecimentos digam alguma coisa para o nosso momento atual”1. Essa mesma visão concebe a universidade como responsável por um trabalho que possibilite o exercício da função de “ligar o ensino e a pesquisa com a realidade”. A extensão é vista como responsável pela saída dos muros da universidade. Constrói problemas a partir da discussão da realidade em que está se inserindo e vivenciando. Extensão como uma busca não só de explicações teóricas mas também de respostas àquelas necessidades imediatas de setores da sociedade. Nesse sentido, a extensão se torna: “Um trabalho. Um trabalho que não tem um tempo definido mas está dentro de uma perspectiva de trabalho permanente, trabalho continuado” 2. Tem-se dessa maneira não apenas uma perspectiva diferenciada daquelas até então apresentadas, como também se vai qualificando o tipo de trabalho que está sendo desenvolvido pelas atividades nos projetos em andamento.
________________ 1. 2.
Membro da equipe da PRAC. Texto da entrevista para esta pesquisa. Membro da equipe de projeto CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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Para alguns entrevistados, a preocupação conceitual é desnecessária, porém mesmo estes identificam a extensão com as próprias atividades que desenvolvem nos projetos e as consideram como trabalho. “Penso extensão como o trabalho a partir daquilo que a gente faz. Acho que é a partir daquilo que cada grupo faz que, na verdade, vai se constituindo o que a gente chama de extensão-universidade ...”1.
Veicula-se, em alguns projetos de extensão, uma perspectiva de extensão necessariamente gerada a partir das atividades em desenvolvimento e sem estar prisioneira de qualquer formulação idealista. O ponto de partida dessa perspectiva é a realidade concreta ou o concreto real que, submetido à análise da teoria, da abstração, vai possibilitando que se vislumbrem outras possibilidades ideológicas da extensão. Expressa-se ainda da seguinte forma: “ Extensão como trabalho que envolva pesquisa e um trabalho que tenha uma finalidade social bastante definida” 2.
___________ 1. Membro da equipe do projeto CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa. 2. Membro da Direção da Universidade. Texto de entrevista para esta pesquisa.
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Assim, enfatizando-se outras possibilidades de realização para a extensão universitária, esta pesquisa aponta um conjunto de elementos teóricos que podem constituir uma dimensão de trabalho que seja adequada à questão, do ponto de vista das classes subalternizadas. Esse trabalho, por exemplo, se realiza junto com a comunidade ou com os grupos da comunidade que vivenciam o projeto. Aqui se pretende destacar a não existência da dicotomia entre universidade e sociedade ou comunidade. A universidade existe como instituição da sociedade. A universidade é parte da sociedade. Ambas se diferenciam, mantendo cada uma as suas peculiaridades. Entretanto, não existe a visão dualista de que, de um lado, está a universidade e, de outro, está a sociedade, confrontando-se ou não. Sendo trabalho, a sua efetivação gera um produto que transforma a natureza, na medida em que cria cultura. É um trabalho imbuído da sua dimensão educativa. O produto desse trabalho, todavia, passa a pertencer tanto às equipes de projetos de extensão como também à própria comunidade ou aos grupos comunitários para aplicação na organização dos movimentos. Tanto a comunidade como a universidade ou os movimentos sociais são os proprietários do produto desse trabalho. A extensão, marcada por essa dimensão do trabalho será produtora de cultura, estabelecendo pelo trabalho a possibilidade de conhecimento do mundo onde o indivíduo atua. Essa dimensão da extensão, em que o produto seja pertecente aos movimentos sociais e à universidade, possibilita a superação da alienação gerada pela não posse do produto do trabalho por seus produtores, no modo de produção capitalista. Todos os produtores se apropriam desse produto do trabalho, que é o saber. Esse trabalho deve apresentar ainda a dimensão do desenvolvimento da comunidade. Não é a produção de algo para manter-se guardado e reservado a uns poucos privilegiados. A apropriação do saber gerado deve ser possível a todos os produtores. Esse trabalho se caracteriza como um espaço de atuação de todos os que buscam a organização de seus grupos, de sua comunidade ou de sua classe. Um espaço onde existem processos de realimentação dos conhecimentos que estão sendo produzidos e outros que são gerados a partir desses últimos. Esse trabalho deve expressar, necessariamente, uma relação íntima entre a teoria e a prática social em desenvolvimento. O trabalho que se presta para esse conceito se constitui em um processo educativo das comunidades e das classes subalternas. É também um processo cultural, produtor de conhecimento científico e, ao mesmo tempo, produtor de consciência política para a ampliação da hegemonia dos setores subalternos da sociedade. Uma questão necessariamente se põe: Que qualificativos deve ter o substantivo trabalho para poder atender a essas exigências e tornar-se o fundamento do conceito de extensão? É importante ver que o trabalho, como dimensão educativa pertence a instâncias fundamentais na vida da sociedade. É pelo trabalho que o ser humano assegura as condições materiais de sua subsistência. Já pela educação, em seu sentido mais amplo, se garante a preservação dos conhecimentos do passado, que são transmitidos às novas gerações, num processo de acumulação de conhecimentos, essencial à qualidade de vida material e espiritual da humanidade, que mantém a sobrevivência da espécie. O estudo conceitual do trabalho na sociedade capitalista foi apresentado, inicialmente, por Adam Smith. Mas é em Marx, em seu livro O Capital, particularmente no Volume I, que se apresenta o trabalho, inicialmente, na perspectiva natural, considerando-o como uma relação do homem com a natureza. Contudo, desde esse início, ele apresenta o trabalho como um processo. “Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza” (MARX, 1983: 149).
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Mas o homem, diferentemente dos outros animais que se guiam pelo instinto, atua sobre a natureza de forma diferenciada, modificando-a e modificando também a si mesmo. É esta situação que o distingue dos demais animais, ao superar a condição de animalidade de sua espécie. Também, a partir das análises realizadas nos projetos de extensão da UFPB, parece que o trabalho deve ser considerado como categoria fundamental para a rediscussão e reconceituação da extensão universitária. Ao defrontar-se com a natureza, o homem realiza, a partir dela própria, uma síntese do particular com o universal. É o trabalho que possibilita o significado da ação social, suas limitações, suas possibilidades e conseqüências sem nenhum recurso metafísico. Mesmo sendo um ponto de partida, é sobre essa base natural do trabalho que se elevam as relações sociais da espécie humana. O trabalho se torna uma relação social já a partir da relação estabelecida com a natureza. Em Marx, vai se observar que esse estabelecimento das relações sociais na produção indica o caráter social, indissociável, que acompanha o processo de trabalho. À medida que a extensão universitária pode ser apresentada como um trabalho, exigese desse trabalho a superação da simples relação primeira do homem com a natureza. O trabalho realiza-se como processo constituído através das relações sociais - trabalho social. A atividade orientada nos projetos de extensão analisados passa pela produção do conhecimento como uma necessidade humana, indispensável a esse “metabolismo” entre o homem e a natureza, como dimensão do social. No modo de produção capitalista, os conhecimentos do processo de trabalho, que antes estavam sob controle de indivíduos como os artesãos, se tornaram capital. FLEURY (l990: 129) afirma: “A totalidade do processo, as condições que lhes dão sentido, somente são apreendidas a partir do ponto de vista dos capitalistas, e o conhecimento passa a ser uma propriedade exclusiva deste grupo social, e como tal, uma das suas grandes fontes de poder na sociedade”. A possibilidade de se entender extensão como trabalho social opõe-se à visão fragmentada do trabalhador em relação ao processo produtivo, no modo de produção capitalista, determinada pela divisão social do trabalho. O conhecimento da totalidade do processo é transferido para o capital, representado sobretudo, pela classe social dominante: a burguesia. A posse desse conhecimento reforça as estruturas de dominação que estão inseridas nas relações sociais de produção e também vai garantir, pelo lado do capitalista, a reprodução das relações de produção, considerando que o modo de produção capitalista se funda na separação entre a propriedade do trabalho e a dos meios de produção. Essa separação também impõe ao trabalhador a manutenção de sua posição na estrutura das relações de produção, considerando que a sua sobrevivência estará garantida enquanto ele estiver fornecendo ao mercado a sua força de trabalho, já que esta é seu único bem disponível. A extensão expressa pela realização do trabalho social pode efetivar e desenvolver entre os participantes a necessidade da conquista de cidadania. Uma cidadania cujo significado deve estar bem “cristalino” na perspectiva de que seja um processo de formação de cidadão crítico, enquanto consciente como sujeito de transformação, e também ativo, superando o idealismo contemplativo e interpretativo da natureza. Um trabalho social não se exerce apenas a partir dos membros da comunidade universitária, servidores e alunos. Ele tem uma dimensão externa à universidade que é a participação dos membros da comunidade com os movimentos sociais, dirigentes sindicais, associações, numa relação “biunívoca” para a qual confluem membros da universidade e participantes desses movimentos. Extensão, como trabalho social, passa a ser agora exercida pela universidade e pela comunidade sobre a realidade objetiva. Um trabalho coparticipado que traz consigo as tensões de seus próprios componentes em ação e da própria realidade objetiva. Um trabalho onde se buscam objetos de pesquisa para a realização da construção do conhecimento novo ou novas reformulações das verdades existentes. Esses objetos pesquisados são também os constituintes de outra dimensão da universidade: o ensino. Portanto, a extensão é um trabalho que se realiza na realidade objetiva, sendo
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exercido por membros da comunidade e membros da universidade. É um trabalho de busca de objeto para a pesquisa e também para o ensino. Como trabalho social, a extensão se expressa sobre a realidade objetiva. Essa relação é responsável pela geração de um produto resultante da parceria com a comunidade cujo resultado a ela deverá retornar. Esta é outra dimensão fundamental caracterizada como devolução de suas análises da realidade objetiva à própria comunidade ou a seus movimentos organizados. A devolução dos resultados do trabalho social à comunidade caracteriza a universidade como possuidora de novos saberes ou saberes rediscutidos, os quais serão utilizados pelas lideranças em seus movimentos emancipatórios e reivindicatórios. Isso faz acreditar na extensão exercendo e assumindo uma dimensão filosófica, também fundamental, que é a busca de superação da dicotomia entre teoria e prática. Há, então, possibilidade de direcionarem-se projetos para a ampliação da hegemonia voltada aos setores subalternos da sociedade, contribuindo para o desvelamento das ideologias dominantes e construindo uma nova estratégia da função social, ou mesmo uma condição de serviços de extensão a favor da cultura das classes subalternas. Aparelhos de hegemonia permeados de suas contradições e seus conflitos possibilitam expectativas para esses setores de classes. Este é mais um papel do aparelho de hegemonia - a universidade - que, através da extensão, pode também direcionar a pesquisa e o ensino para um outro projeto social.
CONCLUSÕES
O estudo que vem sendo apresentado sobre a extensão universitária teve início com a apresentação dos principais projetos de universidade em discussão no Brasil, o projeto defendido pelo governo e aquele outro projeto que busca reconstruir esse aparelho de hegemonia, de modo a que este não seja reduto exclusivo da ótica do capital, como propõe o governo, mas que abrigue também a ótica dos setores subalternizados da sociedade. O percurso analítico desenvolvido neste trabalho, através da teoria da hegemonia e da ferramenta metodológica da dialética materialista, necessariamente retoma a discussão sobre a temática geradora do problema, objeto deste estudo: a questão da universidade. Com base nesse crivo teórico-metodológico, questões maiores podem ser vistas sobre a universidade no Brasil e nos demais países do mundo “subdesenvolvido”. Isso possibilita o conhecimento da profundidade e do volume das tarefas que estão depositadas naqueles que assumem a perspectiva de dominados e que procuram contribuir para a organização dos setores subalternos da sociedade, inclusive através do trabalho profissional exercido na universidade. A análise dos projetos de extensão sob a perspectiva crítica e a possibilidade de se pensar extensão como um trabalho social abre entendimentos de como as atuais políticas, hegemônicas na sociedade, se fazem presentes e mesmo dominam esse aparelho de hegemonia, o que se reflete na prática usual da extensão universitária. Há de se perguntar que elementos teóricos da política surgem em trabalhos dessa natureza. E, também, que elementos filosóficos estão substanciando as atuais políticas, replicando no trabalho de extensão. A resposta a essas questões exige o conhecimento das políticas, reconhecidamente neoliberais, que estão sendo implementadas no país, de diferenciadas formas, e que de certa maneira já vinham sendo propostas em décadas anteriores. Hoje estão mais visíveis, com “ímpeto avassalador”, em decorrência das condições objetivas que estão postas e que são profundamente desfavoráveis para os setores críticos dessas políticas. Esses setores assumem posturas de resistência diante do que vem sendo implementado pelo governo. O liberalismo configura-se como uma tradição que vem se definindo desde a segunda metade do século XVII e durante o século XVIII. Como uma visão capitalista do mundo, vem tendo diferenciações no decorrer do percurso histórico. Decerto, como toda formulação teórica que se pretende hegemônica, o liberalismo tem apresentado, também, “plasticidade” conceitual, tendo atualmente assumido uma nova forma, que vem sendo denominada “neoliberalismo”. O liberalismo é uma filosofia, no sentido gramsciano do termo, isto é, um pensamento que engloba um arco de uma época e que, por si mesmo, se torna capaz de organizar toda uma civilização. Mesmo na efetivação de projetos como os que foram apresentados nesta pesquisa, é possível ver a força desse ideário através das decisões tomadas, das posturas políticas dos agentes desses projetos e das
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próprias políticas da universidade, em andamento. O liberalismo expressa, de forma articulada, uma concepção de economia, política, história e ética. É uma síntese do racionalismo enquanto elege a razão e não a fé como meio de conhecimento e guia de conduta; do naturalismo tendo o homem inscrito no “estado de natureza” e não na ordem divina; e do individualismo ao fazer críticas ao ideário do homem da Idade Média e sua organização social. Essa síntese cultural apresenta-se com um “núcleo rígido” constituído da defesa intransigente da propriedade privada, do mercado e da acumulação capitalista. Particularmente o mercado que, se já era anunciado como o centro na formulação liberal, agora se transforma na sua nova deusa. Exacerba esse conceito gerando uma leitura economicista do mundo que se pretende única e verdadeira. Atualmente, cada vez mais se observa, do ponto de vista político, um deslocamento para a direita em nível internacional, reforçado pelos resultados políticos do Leste Europeu e dos Estados de Bem-Estar Social na Europa. As políticas do “neoliberalismo” vêm se fortalecendo e atacando a política keynesiana, o distributivismo do Estado de Bem Estar Social (com a denúncia da crise fiscal), o gigantismo estatal, acusando-o de burocrático, ineficiente e, sobretudo, os “excessos” de democracia que abrem um exagero de demandas (reivindicações ou mesmo apropriação por setores) sobre o Estado. Em um segundo momento se torna propositivo em torno de alguns temas como privatização, desregulamentação, diminuição dos impostos e encargos sociais, internacionalização da economia, bem como autonomização dos governos frente ao controle democrático. E ainda: o neoliberalismo pretende tornar-se a última e mais avançada organização da história da sociedade - o fim da história - e dessa maneira aniquilar todo e qualquer pensamento crítico. O trabalho desenvolvido em projetos de extensão sofre o impacto dessas políticas em andamento no país, em particular, na universidade. Nesses projetos e nos contatos com as comunidades, elas se externam de diferenciadas formas, desde dificuldades de instrumentos para efetivarem os projetos até, e sobretudo, a questão do individualismo que vem impregnando cada vez mais pessoas alcançadas por esse ideário. Cada dia se torna mais difícil a defesa de “bandeiras” éticas, como as da solidariedade, preocupações com a coletividade, tolerância e respeito às pessoas. Os participantes desses processos não podem deixar de conhecer as formulações políticas dominantes atualmente na sociedade e precisam fortalecer-se teórica e politicamente, para tentar diminuir o risco de, com a sua ação ou a sua omissão, deixar ainda mais “o campo aberto para os burgueses”. A realidade dos projetos analisados exibe, na verdade, um mundo injusto, violento e profundamente instável. O que está ocorrendo assemelha-se mais a um exercício de dominação, expressando uma contra-reforma, tanto econômica e política quanto cultural, contra as conquistas democráticas e sociais em lugares em que já se havia chegado a essas conquistas e dificultando ainda mais que estar sejam alcançadas naquelas regiões onde o desenvolvimento social é mais rudimentar. O que se vê é desemprego de longa duração, precariedade quanto aos instrumentos elementares de vida, pobreza antiga e surto de pobreza nova, pauperização de populações, problemas de agressão ecológica, impacto e maior distanciamento dessas populações em relação à implantação das novas tecnologias, exacerbação da exploração do trabalho, aceitação explícita das desigualdades, além da crise moral (crise esta tanto em âmbito internacional, como nacional). Os agentes de extensão precisam estar atentos, inclusive, quanto às ações em desenvolvimento nos projetos, pois é possível a reprodução dessa crise moral, também dentro desses projetos, considerando a sua presença no interior da universidade. As práticas de extensão na perspectiva de trabalho social, voltadas aos setores subalternizados, abrangem todas essas condições e problemas, e submetem-nos à análise nos grupos de agentes de extensão e em reuniões abertas à comunidade. São temáticas que devem ser apresentadas e que exigem metodologias adequadas para sua veiculação e seu encaminhamento. As questões que estão sendo colocadas como pertencentes à comunidade e da sociedade também dizem respeito à universidade. A universidade é igualmente submetida à ordem para a realização das políticas públicas. Contudo, no seu interior é possível constatar-se, à medida que se efetivam projetos envolvendo particularmente a pesquisa, questões de ética na produção do conhecimento1. É quando se destaca a presença daqueles que
__________ 1.
Ver análise sobre a questão em : LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. Reflexões sobre ética e produção do conhecimento. ( anotações para pesquisa - versão preliminar). Caxambu, MG, 1994. Texto apresentado na Conferência de Abertura da 17 a. Reunião anual da ANPED (Associação Nacional de Pós - Graduação em Educação). 41p.
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vêem a universidade basicamente como espaço de poder, bem como dos que buscam, sobretudo, vantagens pessoais e corporativas por meio da própria rotina do trabalho universitário. A universidade abriga dessa maneira muitas contradições as quais, pelo exercício desses projetos voltados à construção da hegemonia dos trabalhadores, vislumbrando também a pesquisa, passam a ser mais visíveis. Mas a universidade pode contribuir para o debate e a construção de projetos voltados para o conjunto da sociedade, projetos pautados em questões éticas que permitam superar uma ética concebida pela valorização máxima do sucesso econômico e que afirmem, sim, uma ética pautada “ ... pela valorização da responsabilidade social do governante e do intelectual ...” (LIMOEIRO CARDOSO, 1994: 16). No confronto entre projetos de universidade, as questões fulcrais desse aparelho de hegemonia precisam ser mais discutidas e socializadas, demonstrando-se a importância de sua existência e as suas potencialidades, mesmo que reduzidas, para os setores subalternos da sociedade. O Projeto da ANDES para a universidade no Brasil defende os seguintes pontos: o padrão unitário de qualidade; as diretrizes para definição de políticas acadêmicas de ciência e tecnologia; o financiamento da universidade; a gestão democrática; a organização da carreira profissional e o incentivo à capacitação docente além da avaliação institucional tanto externa quanto interna. Todas essas questões são permeadas pela inegociável autonomia universitária. O projeto da Universidade Cidadã para os Trabalhadores, apresentado e defendido pelo Movimento dos Servidores das Universidades, através da FASUBRA-Sindical, Federação dos Sindicatos que representam os trabalhadores técnico-administrativos em educação das Instituições de Ensino Superior Públicas do país, defende a necessidade de uma universidade pública e gratuita; a definição do padrão unitário de qualidade; o compromisso social da instituição; a defesa da democratização da instituição, sendo todas essas questões também fundamentadas na necessidade de autonomia universitária. As propostas de ambos os projetos traduzem a resistência ao modelo de universidade que paulatinamente vem sendo implantado no país. Essas propostas procuram ir além dos limites já conquistados quanto ao processo de democratização da universidade, ampliando o seu atendimento ao público estudantil, na perspectiva de uma universidade pública, gratuita, autônoma, de qualidade, laica, democrática e necessariamente crítica. Estes são elementos mais diretamente voltados à universidade que podem compor a elaboração de uma pauta de debates a ser desenvolvida na efetivação de projetos de extensão universitária. Além da temática universitária, há as questões estratégicas gerais que precisam estar nos embates do cotidiano. As informações sobre o que ocorre na sociedade brasileira precisam chegar aos setores sociais que dispõem de pouca informação. Assim, os projetos de extensão revelam-se úteis para essa tarefa, socializando as temáticas que vêm sendo discutidas nos mais diversos espaços como, por exemplo, as que têm sido discutidas em conferências como as realizadas em Brasília, promovidas por universidades, organizações não-governamentais, instituições civis, empresariais e de trabalhadores de diferentes Estados brasileiros1. Tanto esse tipo de debate nacional quanto as práticas sociais trazem temáticas que estão no dia-a-dia das pessoas, independentemente da localidade em que estejam vivendo. Por que não promover discussões dos paradigmas e “modelos” de desenvolvimento, com atenção ao próprio desenvolvimento da sociedade com um sentido ético, capaz de encaminhar o rompimento com a “exclusão” social, cada dia mais expressiva? Nessa agenda não podem faltar as discussões sobre o papel do Estado, especialmente enquanto definidor de políticas econômicas e sociais, tão ausentes nos projetos aqui analisados. O estudo de toda essa lógica de
__________ 1. Ver Projetos Estratégicos Alternativos para o Brasil, primeira e segunda Conferências, realizadas em Brasília, em 1993 e 1995.
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exclusão social é fundamental para que os comunitários e agentes de extensão compreendam melhor os processos sociais dentro dos quais atuam, dando então mais sentido político às atividades de extensão voltadas aos interesses dos trabalhadores. A alternativa de desenvolvimento(sustentável), com suas particularidades, também é temática necessária na educação dos setores sociais subalternos da sociedade e na formação de uma ética para as gerações futuras. A distribuição espacial do desenvolvimento torna-se central, não como uma variável exógena para depois ser incorporada, mas como elemento constitutivo do projeto estratégico diante das discussões e impactos decorrentes da “globalização”. Esse conceito precisa estar voltado à construção do espaço, também enquanto globalização da cidadania, a partir de forças sócio-espaciais locais e regionalizadas. Em todo esse debate se insere o papel da universidade, sobretudo, naquilo que diz respeito às questões da ciência e da tecnologia, perpassadas pelo debate sobre a cultura, com destaque para a veiculação de valores coletivos frente à avalanche do individualismo patrocinada pelas políticas neoliberais. Um debate que é necessário tornar-se mais público, mais regionalizado e mais localizado, para maior interação com propostas e com diversos atores sociais dispostos a somarem na direção das mudanças na sociedade brasileira. Os projetos de extensão como um trabalho social voltados aos subalternizados podem contribuir para “o quadro de uma nova ética para o desenvolvimento nacional, cuja definição deve ser aprofundada, em termos teóricos, a partir de experimentos concretos, em curso no País, que podem ser generalizados”1 . As reflexões sobre as temáticas aqui expostas podem ser apresentadas em seminários ou encontros de extensão, ensino e pesquisa, na universidade e nas comunidades. Através dessas atividades instala-se uma forma de socialização e de integração no fazer acadêmico, seja ele realizado pelo ensino, pela pesquisa ou pela extensão. Encontros ou seminários dessa natureza alertam para a necessidade de se estudar e pesquisar temáticas localizadas (sem que isso signifique defesa de uma “ciência” regional) que parecem não ter “valor acadêmico” exatamente por serem localizadas, segundo cânones que estão se implantando para a avaliação da produção de conhecimento. É necessário fazer-se este estudo para maior conhecimento dessas realidades diferenciadas. Que multinacional patrocinará pesquisa1 sobre a situação de crianças na Amazônia ou na região do Semiárido nordestino; sobre o impacto de tecnologias no ambiente da Zona da Mata no Nordeste; sobre o mundo da economia informal fora dos grandes centros populacionais; sobre as potencialidades da caatinga nordestina ou do cerrado do Centro-Oeste; sobre a avaliação de carcaças, gordura de cobertura e peso de bovinos abatidos no matadouro municipal de uma cidade de interior do país; sobre a regionalização pluvial das águas de um rio num determinado Estado com pouca expressão econômica no cenário nacional; sobre o emprego do maturi (caju verde) na introdução do conceito de acidez, ou sobre a análise dos conflitos de terra e áreas de assentamento? São todos projetos que privilegiam as questões regionais e até localizadas, objetos de trabalho de extensão e de pesquisa, embora seja razoável desconfiar que não sejam de interesse do capital nacional ou internacional. E mais: tais pesquisas só se tornam possíveis caso seja garantida a autonomia da universidade, possibilitando a produção do conhecimento também voltado às problemáticas regionais ou localizadas. À medida que projetos de extensão se efetivam como trabalho social, do ponto de vista teórico, vão mostrando que a miséria, por si só, não gera mudanças. O pensamento crítico, por si só, também não. Mas ele tem um papel a desempenhar no processo de transformação da realidade. Nesse sentido, é importante e necessário o debate de temáticas atualizadas, como as da cidadania e da democracia política e social; a globalização dos direitos humanos proclamados; os direitos civis e a igualdade desses direitos para crianças, jovens e mulheres; o discurso de combate à ditadura do mercado que instaura a lei do mais forte; a solidariedade entre gerações (ecologia) e a internacionalização de direitos sociais; a dívida externa e a reforma agrária. Realidades e pensamento crítico precisam estar num permanente confronto, gerando práticas sociais que contribuam para o delineamento de reivindicações e processos pedagógicos de uma nova formação intelectual e moral em que os trabalhadores se apercebam de sua própria realidade e se convençam da justeza de suas próprias reivindicações. ___________ 1. Estes temas formam uma amostra de projetos apresentados no I Encontro Unificado de Ensino, Pesquisa e Extensão, composto pelo III Seminário de Avaliação da Monitoria, II Encontro de Extensão e III Encontro de Iniciação Científica, num total de novecentos e quatorze projetos em andamento na Paraíba, sob a coordenação da UFPB
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Parece necessário vislumbrar-se um horizonte, pois não é possível movimento social conseqüente sem um projeto no horizonte. Há dilemas que vão se configurando com a realização de projetos de extensão quanto às práticas dos agentes do trabalho social, como o incentivo de se ter as mais diferenciadas práticas possíveis contribuindo para esse projeto de horizonte, que, por outro lado, corre o risco, com esta fragmentação, de perder esse horizonte. Outro problema que convém não esquecer são as tentativas de cooptação de membros de equipes, seja da universidade ou da comunidade, pelos setores dominantes, caracterizando o processo político que Gramsci chama de „transformismo‟ e que gera situações cuja superação ou “controle” é quase impossível. Também começa a crescer, ainda mais, a influência dos setores conservadores de igrejas, particularmente a Igreja Católica, em decorrência das posições políticas que passam a adotar com o remanejamento de dirigentes religiosos que, na região, estavam mais comprometidos com os setores subalternos da sociedade. Muitas organizações governamentais, às vezes, estão se transformando no próprio movimento social e seus dirigentes passam, dessa maneira, a substituir as próprias lideranças dos trabalhadores, tornando-se o próprio movimento. Há uma espécie de translado das direções dos movimentos, que passam a ser ocupadas por essas assessorias. Os movimentos, assim, se tornam apenas temas de estudos para intelectuais, desaparecendo seus conflitos, suas confrontações, quando são anulados os “verdadeiros” atores sociais. Mas a universidade se insere como elemento propulsor para o projeto de modernização conservadora em curso no país e no mundo. A ela está reservado um papel, que é o de divulgar e garantir a efetivação desse projeto como um aparelho de hegemonia do Estado. Cabe às forças internas comprometidas com um movimento democrático resgatar as contradições daquele projeto, à medida que se formula e se implanta. Para isso parece necessário restabelecer possíveis laços da universidade com as lutas sociais, a luta democrática, promover a produção de um conhecimento da realidade que seja relevante socialmente na ciência, na arte, na filosofia, produzindo e fortalecendo uma cultura inovadora, aberta e crítica. Esses laços, essas lutas e esses saberes podem trazer contribuições valiosas para montar e implantar uma nova agenda voltada para uma sociedade livre, igualitária, justa - socialista. Isto, no entanto, está por ser construído. A universidade pode ter aí um papel de destaque.
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2.2.2. AÇÃO CULTURAL NO MEIO RURAL23 José Francisco de Melo Neto Resumo: Esta pesquisa, Ação cultural no meio rural, é um trabalho fruto da experiência desenvolvida na Zona da Mata Norte do Estado de Alagoas, no município de Colônia Leopoldina24. Uma preocupação conceitual de educação esteve sempre presente: educação como processo que envolve o educando na atuação transformadora de seu ambiente. A comunidade25 é caracterizada em seus aspectos: histórico, geográfico, econômico, educacional e cultural, social, religioso e outros. Delineiam-se estes aspectos no marco da dependência, situação que caracteriza a comunidade. O trabalho de ação cultural desenvolveu-se a partir da definição de uma metodologia científica com vista à concretização de ações educativas que façam frente a essa situação de dependência e que conduzam à organização de vários grupos sociais existentes ou emergentes com a ação educativa na comunidade. Optou-se pela metodologia da pesquisa-ação, buscando-se mostrar o conjunto de atividades educativas que foram sendo desenvolvidas, constituindo-se como ação cultural, na perspectiva freirena. O conhecimento da realidade local deu-se a partir de grupos já formados ou em formação, iniciando-se a definição da ação por esses mesmos grupos que são os responsáveis diretos pelo exercício daquelas práticas educativas. O trabalho educativo inicia-se pelos seguintes segmentos: Sindicato de Trabalhadores Rurais; grupo de professores do colégio da cidade; grupo de alunos do curso de magistério; professores do MOBRAL; grupo de jovens; jogadores de futebol; grupo de zabumba; „guerreiros‟ (dança folclórica) e fotógrafos. Entre vários membros desses grupos, ocorreu a coleta de dados sobre a comunidade, sendo devolvido, posteriormente, à própria. Destaca-se, nesse trabalho, a ação coletiva desses grupos quanto ao resgate de sua cultura e organização, podendo ser caracterizado, hoje, como expressão da resistência cultural de grupos de uma comunidade rural, naquele determinado momento histórico.
INTRODUÇÃO Pelo menos dois tipos de abordagem têm predominado, de certa forma, nos estudos da educação nos últimos anos: Uma considera a educação como fator de mudança social e, portanto, como canal de mobilidade social; outra, vê a educação numa perspectiva de investimento, num enforque econômico. Na análise em que a educação é vista como fator de mudança social esta é explicitada como mudança superficial dos problemas. Não questiona a essência do sistema. Nesta concepção, a educação tem papel fundamental. Mudança aqui é entendida como uma transformação profunda, onde o sistema de produção vigente e suas relações sociais são alteradas, tendo a educação um poder importante. Nos estudos que apresentam a educação como canal de mobilidade, a função da educação se direciona no sentido de “situar” o homem socialmente. Dessa forma, além da função de formação e 23
Pesquisa apresentada como trabalho de dissertação do Mestrado em Educação, pela Universidade de Brasília (UnB), realizada no início da década de 1980, tendo como membros da Banca Examinadora os Professores: Dra. Hélène Le Blanch, Dr. Argemiro Procópio Filho e Dr. Messias Costa, constando do livro: Resistência Popular – possibilidades ontem e hoje. José Francisco de Melo Neto e Wojciech Andrzej Kulesza. Editora da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa: 1999.
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Essa experiência, que teve duração de dezesseis meses, foi pautada por uma visão educativa em que o homem se educa, comprometendo-se politicamente e intervindo no seu ambiente para transformá-lo.
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Comunidade – conjunto de pessoas convivendo em um determinado espaço físico e geográfico, com um complexo de diversidades culturais, econômicas, políticas e sociais que interagem em um processo dinâmico de relações. (Secretaria de Cultura do MEC – 1980).
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socialização, passa a promovê-lo na escala de prestígio. Escamoteia-se a estrutura de classes da sociedade, entendendo-se que contribui para uma mudança na sociedade. Em conseqüência, desenvolve-se a motivação para que o indivíduo busque essa mobilidade. Trata-se de uma dimensão que admite vários conceitos, conforme apresenta BENJAMIN (1980: 28): Mobilidade estrutural resultante das modificações nas ofertas de ensino decorrentes das mudanças de ocupação com a industrialização; mobilidade por troca de posição onde ocorre um intercâmbio de indivíduos entre “status” devido à pouca rigidez na estratificação; mobilidade de competição onde o “status” é um prêmio conquistado individualmente com o próprio esforço do aspirante, e também a mobilidade promocional onde a própria elite escolhe e premia os escolhidos de dentro de seu seio instituindo critérios meritocráticos e aqui o esforço não é suficiente para sua obtenção. A educação é, então, apresentada como um fator muito expressivo para a ascensão social. Nesse aspecto, busca-se a demonstração de que o critério sócio-econômico deixa de ser fator de obtenção de status e sim um novo critério, que é a escolaridade. No enfoque econômico, a educação é analisada de forma explícita, como investimento. Estão presentes, em cada momento, elementos como: produto, taxa de retorno, consumo, demanda e oferta. Esse investimento apresenta-se em três tipos: estatal, privado (a escola particular) e individual (autoinvestimento). Dele decorrem três tipos de taxas de retorno: lucro para a nação, lucro para o setor privado e também maiores rendimentos aos estudantes quando estiverem no mercado de trabalho. A preocupação está sempre em medir os estoques na educação e, em conseqüência, seus rendimentos. Na visão econômica da educação, a medição da ascensão social decorre da qualificação e do rendimento, de modo que os diferentes níveis de status são gerados por diferentes níveis de especialização. A educação, enfim, assegura taxa de retorno alta para a nação bem como para o indivíduo. Ainda, segundo BENJAMIN (ibid.: 41), ambos os enfoques se aproximam quando estão preocupados com “o equilíbrio e a estabilidade das estruturas, inclusive utilizando mecanismos de avaliação e controle que servirão a própria realimentação do sistema, visando seu funcionamento perfeito para que não tenha de ser modificado... Supõe-se que o sistema capitalista é o mais eficiente e procura-se analisar relações da situação vigente”. Partindo-se do pressuposto de que transformações na sociedade deverão ocorrer, a educação tem papel importante nas etapas de preparação dessas transformações como posterior a elas. Não só pode ser analisada como um fator que permite manter o status quo, como também, pode ser orientada para o papel de instrumento na busca de construção da história da maioria. Dessa forma, a educação toma sua dimensão maior, a dimensão cultural. Passa a marcar presença em todos os setores da vida da sociedade. Pode possibilitar um desenvolvimento crítico nas pessoas a partir de suas práticas nas mais simples formas de organização como sindicato, partido político, igreja e outras instituições, ou mesmo, buscar novas formas organizativas. Entretanto, constata-se que a prática pedagógica tem sido reduzida quase que à sala de aula. É desenvolvida numa realidade expressa de forma estática, resistente à mudança nesse processo limitado da prática educativa. O seu planejamento não reflete suficientemente as necessidades das comunidades. Seus conteúdos e métodos não traduzem as necessidades do homem da cidade e muito menos as do homem do campo. É reforçada a idéia da educação como mecanismo assistencialista, mas pode contribuir para mudanças na vida da comunidade se utilizar a sua capacidade criadora. Para o meio rural, os conteúdos são mais alienantes, já que provêm de uma realidade urbana. Tais conteúdos, juntamente com a metodologia de ensino, contribuem para o fracasso da aprendizagem. Partindo-se do pressuposto de que a educação no meio rural deve ser diferenciada, ela também deve ser capaz de atuar para a plena realização do potencial dos indivíduos que moram e vivem no campo. O conhecimento da realidade concreta pode possibilitar-lhes uma intervenção na mesma, como agentes do seu próprio desenvolvimento. Mas como conhecer essa realidade? E mais: uma vez conhecida, como realizar essa intervenção? Uma ação educativa só se justifica a partir do envolvimento da comunidade e a sua orientação para as possíveis soluções de problemas comunitários, ou seja, uma ação que considere necessária a participação das pessoas no processo de mudanças. Contudo, que formas podem ser utilizadas para efetivá-la no meio rural? Além do mais, essa ação educativa determinada pelo
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conhecimento da realidade não pode ser sinônimo de transferência de conhecimento e sim ato dinâmico e permanente no processo de sua descoberta. Enfim, que metodologia desenvolver para atender às expectativas de participação daquela comunidade? É possível descobrir a realidade local a partir da ação daqueles que vivem na própria região e com eles poder melhor desenvolver todo o processo de sistematização. Com esse entendimento, promoveram-se encontros informais com professores municipais e do Colégio Pe. Francisco, daquela localidade, discutindo-se questões educativas como: o abandono da escola pelo alunado, sobretudo na época da colheita da cana-de-açúcar; turmas reduzidas a menos da metade; reprovação do aluno ao final do período letivo e também as questões salariais. Registre-se que professores passam até sete meses sem receber seus salários, mesmo sendo muito aquém do salário mínimo regional. Na reunião com a coordenação e professores do MOBRAL, os problemas apresentados foram os seguintes: índice de analfabetos considerado elevado no município; a impossibilidade de sustentação das turmas, que mal iniciam já vão se reduzindo; ou ainda a preocupação de uma professora em como alfabetizar já que muitos não acreditam na educação do MOBRAL, nem mesmo os analfabetos. Esta preocupação com a educação também é externada pelos dirigentes dos sindicato rural, em relação aos seus associados. Várias pessoas apresentam também a atuação do sindicato como pouco expressiva. Os religiosos locais têm dificuldades em encontrar formas de organizar a comunidade considerando, inclusive, a comunidade com baixa motivação. Quanto ao grupo de jovens da Igreja Católica, surgem dificuldades na promoção de suas reuniões. Vários deixam o grupo por não saber mesmo qual o objetivo do grupo. Entendem, entretanto, que precisam realizar alguma prática de organização comunitária, mas não se sabe como iniciar. Mesmo assim o grupo existe. Diversas pessoas apresentaram questões de ordem político-partidária, já que não mais de quatro políticos se revezam na administração da Prefeitura há trinta anos, sendo de uma mesma corrente política. Para elas, é preciso haver uma renovação nos quadros políticos locais. Também indicaram questões tais como o fim de tradições culturais como os „guerreiros‟. De posse dessas informações, a opção metodológica que se apresentou para este trabalho foi a da pesquisa-ação, por ser uma metodologia que estimula a participação e abre o universo de respostas, passando pelas condições de trabalho e vida da comunidade. Buscam-se as explicações entre os próprios participantes, que se colocam em posição de investigador. Mas, apenas procurar o conhecimento da realidade não é suficiente, pois, outras metodologias também realizam isso. Entretanto, na pesquisa-ação, o participante é conduzido à produção do próprio conhecimento e se torna o sujeito dessa produção. Nesse aspecto, essa metodologia se distancia de todas as demais e se afirma, constituindo-se como instrumento fundamental de resistência e conquista popular, posto que se reveste dessa ação educativa. Segundo OLIVEIRA (1981: 19), essa metodologia promove “o conhecimento da consciência e também a capacidade de iniciativa transformadora dos grupos com quem se trabalha”. Trata-se de uma concepção de pesquisa que, conforme PINTO (1979: 456), considera “fundamen-talmente como ato de trabalho sobre a realidade objetiva”. Ou ainda, como afirma GAMBOA (1982: 36), “busca superar essencialmente, a separação entre conhecimento e ação, e buscando realizar a prática de conhecer para atuar”. Nesse sentido, é que se buscaram as bases teóricas da metodologia escolhida para tornar possível uma maior fundamentação da mesma, podendo ser resumidas nos termos em que foram apresentados por BORDA (1974: 41): Não pode haver separação entre o pesquisador e a metodologia. Se faz necessária a militância do pesquisador já que sem a prática não será possível deduções de cunho teórico ou mesmo a validade ou não do conhecimento. Assim, como a metodologia não está separada do pesquisador, também não está dos grupos sociais com os quais se trabalha. Ela tem sua adequação ao se trabalhar no campo ou na cidade, ou ainda, quando se trata de grupos diferenciados como negros, índios, brancos ou camponeses.
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A metodologia evolui e se modifica em função das condições políticas locais e, logicamente, em função das correlações das forças existentes. Se forças sociais adversárias são fortes, não há porque não tratá-las como tal, sem fazer abstrações dessas situações. Essa metodologia depende ainda da estratégia global da mudança social adotada e de suas táticas, a curto e médio prazos. Não se apresenta como enumeração pura e simples de princípios sem referência do processo global de mudança. Dela têm-se ainda alguns traços que são apresentados por HALL (1981: 14) e que podem ser sintetizados assim: A informação é devolvida ao povo, de onde a mesma surgiu bem como na linguagem e na forma cultural daquele ambiente; o povo e o movimento de base passam a estabelecer o controle do trabalho; as técnicas de pesquisa tornam-se acessíveis ao povo; um esforço consciente é necessário para manter o ritmo da ação-reflexão do trabalho; aprender a escutar e a ciência tornam-se partes do dia-a-dia da população. Mas, como a metodologia da pesquisa se desenvolveu, de forma sistemática? Para responder a esta questão convém apresentar todo o processo metodológico, desde a preparação do pesquisador até as técnicas de avaliação da pesquisa. a) Preparação do investigador - é a etapa inicial onde se dá o processo de aproximação do investigador26 com a comunidade escolhida, a inserção do mesmo na comunidade. Foram, então, contactados os seguintes grupos ou instituições: Colégio Pe. Francisco (administrador e adjunto); professores do colégio local; pessoas vinculadas à Igreja Católica; equipe de coordenação e professores do MOBRAL; grupo de futebol; Sindicato Rural (presidente e secretário); grupo de jovens, bem como um grupo de ação comunitária (MOBRAL) em formação, na rua da Mangueira, trabalhadores rurais, além de pequenos comerciantes. Nessa etapa, inicia-se o conhecimento da comunidade. O investigador observa como ela apresenta seus problemas, tendo como base os dados coletados de fontes faladas, vivas ou sensoriais e as observações sobre a vida diária, bem como dados oficiais da atividade econômica, social e cultural. Outros dados são coletados nas reuniões de vereadores ou em comícios das várias correntes políticas, na cidade, nos sítios e nos engenhos. As visitas e entrevistas são relatadas em pequenos informes para posterior devolução aos participantes. Essa devolução acontece durante uma reunião com praticantes do esporte local, estudantes do curso de magistério e outras pessoas sem vinculação a grupos. Nessa ocasião, expõe-se todo o material coletado, elaborando-se um elenco de necessidades apresentadas. Selecionam-se aqueles problemas mais citados na coleta. A partir daí, inicia-se o estudo procurando identificar como a comunidade percebe e analisa sua realidade. Com essa sistematização inicial, efetiva-se o primeiro retorno dos resultados aos grupos ou pessoas que iniciam a investigação. Pessoas não pertencentes a grupos, nessa fase, chegam a formar grupos, posteriormente. A partir daí, elabora-se um questionário27 que é devolvido aos que estão presentes nessa reunião e também a professores, religiosos e outras pessoas. b) O investigador e a comunidade – Para a aplicação do questionário, leva-se em conta que havia no município, em 1980, um total de 1.456 domicílios28 em sua sede. Nessa fase de pesquisa, de maior organização de busca das necessidades e problemas, são visitados 140 desses domicílios. A entrevista dá-se coletivamente com os residentes, nos seus domicílios. Os questionários são aplicados em todas as ruas da sede municipal sendo, aleatoriamente, escolhidos. Os dados coletados saíram do consenso dos que se faziam presentes no momento da entrevista no domicílio.
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O conhecimento da cultura da região é condição para o exercício metodológico da pesquisa-ação. Utilizou-se, como exemplo, o questionário aplicado no levantamento das necessidades básicas da “Invasão do Chaparrau”, no Distrito Federal em 1982, num trabalho de Educação Popular desenvolvido por um grupo de alunos do Mestrado em Educação, da Universidade de Brasília, coordenado pela Profa. Dra. Hélène Barros. 28 Domicílio – toda e qualquer residência habitada com uma ou diversas entradas ou mesmo embarcações (IBGE, IX Censo Geral do Brasil, 1980). 27
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Elaborada a amostra, segue-se o treinamento de dez entrevistadores. São pessoas dos grupos de professores do MOBRAL e dos alunos do curso de magistério. Alguns critérios são utilizados para a seleção desses entrevistadores como: pertencer a algum dos grupos existentes ou em formação; poder cumprir o calendário das entrevistas. Procede-se à entrevista de domicílios selecionados, aplicando-se um questionário de dez em dez domicílios. c) Sistematização das informações - Concluída a fase de aplicação dos questionários, inicia-se a sistematização dos dados com a finalidade de oferecê-los à reflexão dos grupo. Elabora-se, para tanto uma codificação das respostas29, utilizando-se da computação de dados como instrumento de ajuda neste trabalho. Muitas propostas ou questões levantadas são mantidas, mesmo que quantitativamente pudessem ser desprezíveis. Além disso, são utilizadas na devolução das mesmas a todos os envolvidos na investigação. Com base nos resultados encontrados confeccionam-se fichas-problema contendo dados, juízos e apreciações, que são utilizados na devolução do material aos grupos. Um dos grupos existentes encarrega-se da elaboração dessas fichas. d) Análise e interpretação dos dados – Nessa fase, são analisadas, maneira crítica, as necessidades coletadas, extraindo as dimensões positivas e negativas das questões levantadas, encarando a realidade numa perspectiva de mudança, impulsionando os grupos à reflexão e à ação, desenvolvendo seu poder de organização e intervenção na realidade. O estímulo à reflexão e ao diálogo é o princípio fundamental de todo o processo. Apresentaram-se todos os resultados da investigação aos grupos já existentes ou criados na comunidade, num primeiro momento. Num segundo momento, através de novas reuniões, estabelecese uma ordem de prioridade dos problemas. Prioritário é aquele problema que está ligado diretamente ao grupo inserido na pesquisa. O grupo de esporte tratou, especificamente, das questões do esporte local, sem deixar, entretanto, de conhecer as demais questões. Aprofundam-se as análises dos problemas mais expressivos, quantitativamente, em pelo menos uma reunião. Daí, discutem-se as tarefas urgentes a serem encaminhadas. Com quatro grupos chega-se a elaborar um documento contendo as propostas, ratificado posteriormente em nova reunião do grupo. Após aprovado, é encaminhado às autoridades competentes do município, através de encontro entre essas autoridades e os grupos. Em seguida divulga-se o documento junto à comunidade. e) Avaliação - avaliação está presente no decorrer de todas as etapas do processo, desde os contatos iniciais até o final das atividades. Este trabalho também passa pela avaliação global de todo o processo, no que se refere à capacidade dos grupos de responder aos problemas concretos da vida diária. Finalmente, o documento resultante deste trabalho retorna aos grupos envolvidos no processo.
A comunidade A dominação desenvolve sua cultura própria. Sua reprodução, entretanto, se insere nas próprias relações imperialistas. Da mesma forma que essas relações adquirem especificidade, em cada pólo dominador e em cada pólo dominado, bem como em cada momento histórico, assim também vão gerando elementos culturais próprios. Como são relações específicas, vão produzindo e reproduzindo também formas culturais específicas. Valores tais como promoção da eficácia, competitividade, lucro empresarial, salário como o preço justo da força de trabalho, ou ainda, a idéia de que o modelo europeu constitui o padrão da civilização ocidental para as sociedade subdesenvolvidas, são veiculadas às populações. Estes são os constituintes da cultura de dominação. Uma cultura que a dominação impõe às sociedades chamadas subdesenvolvidas ou dependentes. Para KOWARICK (1974: 34), vários são os conceitos ou significados apresentados sobre dependência. Porém, idéias básicas já estão definidas e são consensuais aos estudiosos do assunto. Por exemplo, as idéias que consideram os fatores externos provenientes de ações originadas 29
Utilizou-se o pacote estatístico SPSS (Statistical Package Social Sciences).
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nas sociedades centrais e aquelas que equacionam a questão a partir das ligações que aparecem no quadro das relações entre países, salientando o domínio de um sobre o outro. Portanto, a abordagem de dependência apenas como dominação externa não é a única. Há também um tipo de análise que apresenta o pólo interno de forma dinâmica. Mas, mesmo assim, nada impede que autores dêem ênfase à relação de dependência entre os pólos hegemônicos (centrais) e periféricos. Outros centram o estudo nas relações de produção, políticas, sociais e culturais no interior da nação subdesenvolvida. Não são abordadas neste trabalho as divergências entre vários enfoques ou significados da dependência. Utilizam-se, todavia, os componentes dessa dominação nas relações de produção, políticas e sociais com ênfase nos aspectos culturais. Partindo da dimensão municipal, buscam-se aspectos que caracterizam a dependência da região nas relações citadas de produção, políticas, bem como nos aspectos culturais. A teoria da dependência tem buscado explicações de caráter global, não só em relação às etapas por que passaram as formações sociais latino-americanas, mas também quanto ao futuro dessas sociedades. Em outras palavras, de posse da análise dos fatores políticos, sociológicos, econômicos e culturais, examina as relações dos “países periféricos” com os “países centrais”. Nesse aspecto, SANTOS (1976: 126) caracteriza a dependência como situação condicionante: Um certo grupo de países tem a própria economia condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outra economia. A relação da interdependência entre duas ou mais economias e entre estas e o comércio mundial, toma forma de dependência quando alguns países (os dominantes) podem expandir-se e auto-impulsionar-se, enquanto outros (os dependentes) só podem fazê-lo como reflexo daquela expansão... . Nessa relação entre dominantes e dependentes, os primeiros detêm o domínio tecnológico, comercial e sócio-político e impõem as condições de exploração sobre os “países periféricos” ou dependentes. Porém, sendo a dependência apresentada como situação condicionante e entendida esta situação como determinadora de limites de ação, o autor mostra que a situação não é condicionante de forma definitiva, em dois aspectos. O primeiro diz respeito às situações concretas do desenvolvimento que são formadas pelas condições gerais de dependência, bem como pelas especificidades da situação condicionada. A condição geral está, então, delimitada por essas condições. O outro aspecto é que a situação de dependência pode mudar, “e muda de fato pela mudança das estruturas hegemônicas como dos dependentes” (ibid.: 126). Observando estes dois aspectos, FRANK (1976: 26) alerta para a ignorância sobre os países subdesenvolvidos que leva autores a acreditar na repetição histórica dos países desenvolvidos. Para ele, “a conseqüência é que a maior parte das teorias não consegue explicar a estrutura e o desenvolvimento capitalista”. Já para COHEN (1976: 48), a teoria mais convincente é a tradicional, enfocada por LENINE (1982: 87), que apresenta o desenvolvimento atual do capitalismo como resultante da fusão do capital dos grandes bancos monopolistas com o capital de grupos de industriais, também monopolistas. Por outro lado, mostra a contínua divisão do mundo como sendo a transição da política colonial que vai se estendendo sem obstáculos àquelas regiões não apropriadas por outras potências capitalistas. Para LENINE (ibid.: 87), esta é a fase do máximo desenvolvimento do capitalismo, a fase monopolista. Nessa fase, a dependência alicerça-se mais ainda não só pelas exportações de mercadorias ou produtos industriais, mas também com a exportação do próprio capital aos países dependentes. Ela surge agora com objetivos de máximo lucro na forma de ajuda econômica, mas cobrando seus juros na extração das riquezas. Para HARNECKER (1980: 25), esses países centrais “conseguem controlar o mercado, vencendo facilmente a concorrência nas pequenas indústrias nacionais, além de aproveitarem dos recursos estatais em que esses países destinam o seu desenvolvimento”. Mas as negociações econômicas, por si sós, não são suficientes para manter a extração dessas riquezas. O capital emprestado, em si, não é a sustentação para o recebimento dos juros. Para isto, os acordos econômicos e empréstimos, as mais das vezes, são antecipados por tratados ou acordos militares. Fica, então, assegurada não só a dominação gerada pelo capital, mas também a dependência política do país periférico. Uma questão, entretanto, acredita-se fundamental. Como caracterizar a dependência? Para FERNANDES (1975: 31), toda essa análise passa pela caracterização das relações de produção
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sob o capitalismo e elaborada por Marx. Acrescenta que os conceitos utilizados por Marx demonstram, conclusivamente, que a organização capitalista das relações de produção condiciona, morfológica, funcional e geneticamente, os processos de estratificação social geradores da sociedade de classes. Dessa forma, torna a apropriação privada dos meios de produção e a mercantilização do trabalho faces de uma mesma moeda. Ao nível estrutural sua explicação torna-se também válida para as sociedades capitalistas desenvolvidas, subdesenvolvidas ou em processo de transição. O autor também entende que seja necessário fazer-se uma adequação da contribuição de Marx, no que diz respeito às condições, fatores e efeitos na formação e desenvolvimento da estrutura básica do pólo dominador e às classes sociais nas sociedades dependentes ou subdesenvolvidas. Essa adequação pode se dar em três aspectos: o primeiro referente à teoria da acumulação capitalista; o segundo relacionado à teoria da mercantilização do trabalho e o terceiro voltado às contradições entre as forças produtivas e as formas de organização da produção capitalista. A teoria da acumulação capitalista, mesmo sem apresentar as mesmas condições é perfeitamente aplicável às sociedades subdesenvolvidas. Aqui, ressaltem-se as proporções, os significados e funções de acumulação de capital. As sociedades subdesenvolvidas capitalistas não se apresentam, hoje, com todos os mecanismos, como a pilhagem da fase inicial da acumulação do capital. Não estão submetidas à destruição de suas estruturas econômicas e sociais arcaicas, mas adquirem formas de mudanças internas e até aceleradas. Isto se dá tanto no âmbito da economia rural como da economia urbana. Tal economia passa rapidamente do capitalismo financeiro, comercial ao capitalismo industrial. Essa transição se dá nos países subdesenvolvidos impulsionados pela sua inclusão no mercado mundial. Com isto, ocorreram as transferências de capitais, técnicas e instituições econômicas. Já no sistema agrícola não ocorre nenhuma transformação radical, pois este acompanha o desempenho superior do capitalismo no setor urbano com negócios de exportação30 e com suas estruturas e técnicas econômicas superadas. Todo processo de modernização vem sendo orientado, entretanto, a partir de fora. Neste contexto, se vai definindo toda uma situação de capitalismo dependente, capitalismo instável e controlado externamente. O outro aspecto se refere à mercantilização do trabalho à entrada do capitalismo dependente do mercado mundial, significando participação do mercado de trabalho externo. Esta participação não se dá como no início da modernização, pois o nível de ocupação e serviços exige certa especialização e relevo. Essas sociedades subdesenvolvidas têm de avançar bastante para construírem um autêntico mercado de trabalho interno. A extinção do sistema colonial e a emancipação nacional pouco contribuíram para a implantação do “trabalho livre” cujo vendedor fosse o próprio produtor. As determinações capitalistas que sustentam entre si os donos dos meios de produção e os assalariados não ficam delineadas claramente31. Dessa forma, a mercantilização do trabalho evolui de maneira lenta e precária. Sua universalização não chega a incentivar um mercado especial, integrado regional ou nacionalmente. Isto resulta em algo também específico no nível da evolução da mercantilização do trabalho nas sociedades subdesenvolvidas. O outro ponto que merece considerações é o que diz respeito às contradições entre as forças produtivas e as formas de organização da produção capitalista. Essas contradições fornecem a chave para se entender todo o crescimento contínuo do sistema de produção capitalista. Sua destruição depende de condições estruturais e dinâmicas que, no capitalismo dependente, não chegam a fomentar a expansão das forças de produção. Por outro lado, a parte autônoma do processo de acumulação capitalista (o montante de capital nacional) termina sendo insuficiente tanto para a expansão das forças produtivas existentes como de organização da produção. Até aqui, tentou-se analisar o fenômeno de dependência em sua forma global. Convém analisar a maneira como esse fenômeno se expressa no município pesquisado.
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Áreas do campo tornam-se ricas e prósperas participando dos ciclos econômicos voltados ao comércio exterior. Para FERNANDES (1975), um penoso e longo hiato separou o primeiro ato de modernização, com o aparecimento do Estado Nacional bem como a montagem de economia de mercado, e o período em que a própria expansão interna do capitalismo comercial e o financeiro fez pressão sobre a diferenciação da produção e organização do mercado.
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COLÔNIA LEOPOLDINA
Histórico O primeiro núcleo gerador da cidade de Colônia Leopoldina pode ter surgido com a interiorização dos grupos vencidos nas lutas armadas da Província de Pernambuco, entre o início e meados do século passado. O embrenhamento desses grupos pelo interior fez com que o Governo Imperial criasse uma Colônia Militar, com função de proteger a região contra o ingresso de grupos armados. Essa Colônia Militar tem a incumbência de combater os participantes das revoltas da “Abrilada” e da “Cabanada” e que duraram de 1832 a 1835, sendo palco tanto a Província de Pernambuco como a de Alagoas. Nesta sua posição de defesa “houve por bem, o Imperador D. Pedro II, com o Decreto no 729, de 09 de Novembro de 1850, criar a Colônia Militar” (SILVA, 1983: 36). Efetivamente, só a partir de 1852, com a instalação da Colônia Militar, se dá o povoamento do lugar. Em 05 de janeiro de 1860, D. Pedro II visita a Colônia Militar, sendo este um ponto alto da memória do povo leopoldinense. Em 1901, a povoação é elevada à categoria de vila e em 1922 é instalada definitivamente a Comarca, passando, em 20 de junho de 1923, à categoria de cidade, desmembrando-se do município de Porto Calvo. É, hoje, Colônia Leopoldina. Os três poderes públicos se fazem representar na cidade e como sede da Comarca comporta o Judiciário, Executivo e Legislativo.
Aspectos geográficos O município de Colônia Leopoldina situa-se no extremo nordeste do Estado de Alagoas, na região da Mata alagoana. Limita-se ao norte com o Estado de Pernambuco, ao sul com o Município de Joaquim Gomes, a leste com o Município de Novo Lino e a oeste pelo Município de Ibateguara. Abrange uma área de 314 km2, constituída de um único distrito, a sede municipal. É limitado com Pernambuco pelo Rio Jacuípe, que orienta o povoamento da região. Às suas margens, localizam-se uma usina de açúcar e uma destilaria de álcool. O clima local é o predominante na Zona da Mata, tropical-chuvoso, quente no verão e frio-úmido no inverno. Como na região, o período de estiagem vai de outubro a abril, oscilando a temperatura entre a máxima de 37oC e mínima de 18oC, com uma umidade relativa em torno de 70%. A fertilidade do solo apresenta alternativas agrícolas ao município. Porém, quase toda a vegetação nativa está sendo destruída pelo avanço do cultivo da cana. Sua madeira continua sendo enviada aos pólos mais desenvolvidos, sobretudo para a cidade de Campina Grande, na Paraíba. No município apresentam-se os seguintes tipos de vegetais classificados em culturas permanentes e temporárias: a) culturas permanentes: goiaba, laranja, manga e jaca; b) culturas temporárias: cana-de-açúcar, banana, milho, inhame, mandioca e batata doce. Grande parte dessas culturas, sobretudo as permanentes, pouco contribui para a economia local, constituindo-se em “plantações de quintais”. A densidade populacional do município é inferior à da Mata alagoana e à do Estado, representando atualmente 4,4% da população da microregião homogênea (116) a que pertence. TABELA 1 Município de Colônia Leopoldina: população residente – 1980 Pop. Home Mulher Pop. Urb. Pop. Densidade dem. Total ns es Sede Mun. rural (Hab/Km2) (resident e) 14.960 7.602 7.358 6.950 8.010 47,61 Fonte: IBGE (Sinopse preliminar do censo demográfico) Alagoas 1980.
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TABELA 2 População do município de Colônia Leopoldina, da micro-região no 116, e do Estado REGIÕES TOTAL 14.960
POPULAÇÃO URBANA 6.950
RURAL Colônia 8.010 Leopoldina Micro-região – 340.988 115.142 225.846 116 Alagoas 2.011.875 995.344 1.016.531 Fonte: IBGE (Sinopse reliminar do censo demográfico) Alagoas 1980.
Mobilidade da população O deslocamento da população residente no campo para a cidade também se observa aqui. De quase dois terços da população que residia no campo em 1970, este percentual está reduzido, em 1980, a 50%, praticamente.
TABELA 3 Município de Colônia Leopoldina: distribuição urbana e rural da população recenseada 1970 1980 No habitante % No habitante % Urbana 4.784 37,66 7.037 46,51 Rural 7.917 62,34 8.093 53,49 12.701 100 15.130 100 TOTAL Fonte: IBGE (Sinopse preliminar do censo demográfico) Alagoas 1980. Uma característica fundamental é que esse deslocamento não alterou, no geral, a atividade que tinha cada pessoa, pois mantém a atividade agrícola embora residindo na sede do município. Segue-se uma série de tabelas resultantes do levantamento feito na comunidade pelos grupos de trabalho durante o processo de pesquisa e cujas atividades serão apresentadas em itens posteriores.
TABELA 4 Tempo de moradia na cidade32 (em anos) ANOS % Até 10 33,6 Entre 10-20 21,4 Entre 20-30 20,0 Acima de 30 25,0 TOTAL 100,0 Observa-se que o maior percentual dessas pessoas se encontra no setor mais pobre da cidade (Ruas da Titara e Mangueira) num total de 23,1%. Esse descolamento pode estar relacionado à situação de vida dos entrevistados e, portanto, à busca de estabilidade que pode se expressar na posse da propriedade, aqui na região do latifúndio. Mas, com base na consulta feita sobre porque o respondente vinha para a cidade, apresentam-se os seguintes motivos:
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Dados coletados na comunidade, no período de dezembro de 1982 a janeiro de 1983.
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TABELA 5 Motivo de deslocamento para a cidade MOTIVOS % Busca de outro emprego 16,0 Saúde 12,4 Educação 10,0 Casamento 4,6 Não respondeu 43,0 Outros 14,0 TOTAL 100,0
Pode-se observar que três interesses deslocam os habitantes do campo: saúde, educação e novo emprego, registrando-se que quase a metade dos entrevistados não sabe por que veio para a cidade. Entretanto, esta questão pode se inserir no avanço do capitalismo no campo, com seu avanço tecnológico e de insumos para a agricultura. A limpeza da cana, por exemplo, não é feita mais de enxada como antigamente, mas com herbicidas. Entretanto, pergunta-se: o emprego, a saúde e a educação encontrados na cidade têm atendido as suas expectativas? A solução ao desemprego apresentada pela comunidade é vaga: TABELA 6 Solução para o desemprego Indústria de papel Indústria de doce Novas indústrias Outros Não sabe Não respondeu TOTAL
% 18,6 3,6 32,9 3,6 26,4 10,0 100,0
Estas respostas são desvinculadas da realidade local e decorrem apenas das propostas de campanhas eleitorais dos políticos do local.
Economia O município é agrícola, onde a cana-de-açúcar representa a maior atividade econômica; a indústria está ligada à produção canavieira. O avanço agrícola prende-se à qualidade do solo (massapê) facilitando o cultivo da cana. Porém, grande limitação lhe é imposta pela pouca área existente em condições de mecanização. Portanto, o plantio e a colheita estão ligados diretamente à força braçal. Aqui, a exemplo de toda a região, há predomínio de latifúndio, dedicado a essa monocultura. TABELA 7 Município de Colônia Leopoldina: distribuição de terras segundo grupos de área IMÓVEIS ÁREA OCUPADA Grupos de áreas No absoluto % No absoluto % (ha) 0 - 50 208 76,76 2.961 15,46 50 – 100 24 8,86 1.542 8,27 100 – 500 26 9,59 4.942 21,15 500 – 1000 11 4,05 7.348 39,42 1000 – 2000 2 0,73 2.945 15,80 TOTAL 271 100,00 18.637 100,00 Fonte: IBGE – censo agropecuário de Alagoas – 1975
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É marcante, ainda hoje, o avanço histórico da cana-de-açúcar nos nomes das propriedades chamadas engenhos, que são o sustentáculo da produção açucareira e que mantêm seus nomes, mesmo estando a cana-de-açúcar totalmente industrializada na área. O aumento da produtividade das unidades de produção é exigência do mercado. Faz-se urgente a adequação a novo padrão tecnológico e conseqüentemente ao uso de instrumentos mecanizados. Dessa forma, o produtor hoje, cada vez mais, está à mercê dos empréstimos que conduzem a integração de produtos ao consumo daqueles instrumentos mecanizados e isto contribui para o fomento dos outros setores industriais que produzem esses instrumentos. Mas o acesso aos instrumentos tecnológicos não está aberto a todos os produtores. Sua utilização implica a condição de posse de fatores de produção para assegurar a hipoteca, conforme mostra NEVES (1981: 38): Este processo de mecanização das atividades agrícolas intensificou a ruptura dos antigos mecanismos da ampliação dos recursos financeiros como diminuição das lavouras de subsistência, que possibilitavam o controle da reprodução física e social da unidade familiar sob menos dependência do mercado. Mesmo que haja uma baixa utilização dos instrumentos mecanizados devido a acidentes de terreno, hoje a agricultura utiliza-se de insumos (adubos, fertilizantes e agrotóxicos) na terra, integrando-se ao circuito da reprodução do capital industrial. A utilização desses produtos não só integra o circuito do capital das empresas industriais atuantes na transformação da matéria-prima por eles comercializada, como outros setores industriais ligados à produção daqueles instrumentos e insumos. Assim, a economia municipal torna-se vulnerável a agentes externos, isto é, às flutuações do mercado mundial do açúcar e da tecnologia dos insumos de plantio e colheita. O cultivo da cana-de-açúcar ocupa 75,49% da área produtiva do município (Tabela 1 Anexo 1). Portanto, apenas esse produto sobressai-se naquela área deixando os demais produtos em um nível inferior à média estatística para os municípios da Zona da Mata. Dos treze principais produtos agrícolas que são produzidos no Estado e na Zona da Mata, apenas 5 são extraídos em Colônia Leopoldina. Das culturas permanentes salienta-se apenas o cultivo de banana com uma participação do município para produção da Zona da Mata da ordem de 14,41% (Tabela 2 Anexo 1). Como não há diversificação da produção agrícola, a população tem que deslocar, de outros centros, os produtos básicos de alimentação. Este fato também é constatado (Tabelas 3 e 4 no Anexo 1) no que se refere à contribuição da pecuária para a economia municipal. Para atender ao consumo de carne, o rebanho bovino é trazido de outros municípios, afetando negativamente o consumo de todos os seus derivados. Tudo isto só faz contribuir para a dependência global dessa área.
Comércio varejista (Tabela 5 do Anexo 1) A feira e o mercado estão no centro da cidade, oferecendo acesso a todos. Sobrevivem ainda nos “engenhos”33, os conhecidos “barracões”34, nos quais as famílias que residem nas vizinhanças se abastecem. Cria-se, aqui, um sistema de crédito e dependência simultâneos em que as pessoas dificilmente saldam suas dívidas. Os preços das mercadorias, nos barracões também estão bem mais inflacionados. Um matadouro serve ao município no abate do gado para consumo. Suas instalações carecem de reformas, como necessário também se faz um rigoroso exame prévio nos animais que serão abatidos. O abate se dá aos sábados e a feira acontece no domingo. Mercado, matadouro e feira, são administrados pela Prefeitura. Os gêneros alimentícios consumidos, tais como charque, leite em pó, macarrão, milho e manteiga vêm de outros municípios do Estado, sobretudo de Maceió. Vêm também de Palmares ou 33
Não há mais engenhos na Zona da Cana, foram substituídos pelas usinas, mas sobrevivem seus antigos nomes nas propriedades. 34 Espécie de armazém que já pertencera aos donos dos engenhos, mas que hoje é arrendado a terceiros. Sua função sempre foi de fornecer gêneros alimentícios aos moradores a preço superior ao do comércio, mas a crédito.
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Caruaru, em Pernambuco. Com relação ao custo de vida, pode-se afirmar que cada município dessa região funciona como um “grande barracão”, pois o “custo de vida está superior até mesmo ao da capital”. O comércio varejista também é saída para muitos que conseguem uma pequena quantidade de dinheiro e com algumas garrafas conseguem montar uma bodega, driblar o desemprego e assim, “dar um jeito” de sobreviver. FRANK (1976) insere toda esta situação de dependência contextualizada na integração histórica do processo de desenvolvimento capitalista mundial. Direciona sua explicação ao fator concentrador em um único produto de exportação. Com relação à posse dos meios de produção acrescenta: Está muito concentrada em poucas mãos (...) negando deste modo a grandes parcelas da população o acesso aos meios de produção e fontes de subsistência que não está na indústria produtiva para exportação, nem diretamente relacionada a ela, e onde são obrigados a trabalhar por salários muito baixos quando não em regime de escravidão total (1980: 30). Mesmo, internamente, as regiões como o Nordeste, Minas Gerais, Norte e também Centro-Sul converteram-se em regiões exportadoras de um único produto, incorporando-se à estrutura de desenvolvimento do sistema capitalista. FRANK (1976: 30) sustenta que o próprio desenvolvimento de São Paulo não gerou maior riqueza para as demais regiões do país. Converte em “satélites coloniais internos, descapitalizando-se ainda mais, e consolidou ou até aumentou o seu subdesenvolvimento” . Também para o autor o subdesenvolvimento dos países periféricos ou satelitizados está inserido no processo histórico de desenvolvimento do capitalismo. Em especial, a região nordestina parece comprovar uma das hipóteses do autor, segundo a qual as regiões que hoje são as mais subdesenvolvidas e aparentemente feudais são as que estiveram mais ligadas às metrópoles.
Educação A educação é conduzida por três entidades. O antigo primário ou o ensino de 1o grau, séries iniciais, está sob a responsabilidade tanto do Estado, que tem um grupo escolar, como do município, que tem um outro grupo na rede municipal e várias vagas. As séries finais do 1o grau (5a a 8a séries) e o 2o grau (Magistério) são de responsabilidade da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC. Mesmo assim, o ensino de 2o grau encerrou suas atividades em 1979, com os cursos de Magistério e Contabilidade. Só em 1982, é que foi reaberto o Curso de Magistério, funcionando somente com a 1a e 2a séries. Contudo, a 2a série funcionou no 1o semestre daquele ano, sem grade curricular definida, em função da carência de professores. O alunado, de uma maneira geral, dispõe de bolsa de estudo tendo, entretanto, que pagar uma complementação, pois as bolsas não cobrem o total das mensalidade. Porém, mesmo o pagamento da complementação é empecilho ao prosseguimento do curso do jovem leopoldinense em função de suas condições econômicas adversas. Adiciona-se a esse problema econômico o descrédito à escola que há no município. Inicia-se, então, a prática de deslocamento de jovens para os municípios vizinhos: Palmares e Novo Lino. Hoje, esse processo adquire conotação de política partidária, contribuindo o poder público local para essa situação da estrutura escolar. A própria população não acredita na qualidade do ensino. Quando perguntada sobre as escolas e o colégio, as opiniões são as seguintes: TABELA 8 Opinião da comunidade sobre as escolas % É boa
20,0
Não é boa
61,4
Não sabe Não respondeu TOTAL
12,1 6,4 100,0
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A comunidade talvez não perceba que as contradições da escola podem manifestar-se na sua ineficiência de conteúdo, expressas no desencontro entre conteúdo urbano e conteúdo rural. Há, entretanto, um conjunto de contradições para a comunidade que, de forma muito simples, sintetiza: “os meninos não sabem nada”. Existe solução para esta realidade? A comunidade também responde da seguinte forma: TABELA 9 Soluções apresentadas para a escola % Construir mais escolas 11,4 Escolas de graça 10,0 Bons professores (conteúdo) 27,9 Aprova escola 11,4 Não sabe 12,9 Não respondeu 17,9 100,0 TOTAL Vê-se que a comunidade tem suas propostas para a escola. Assumir estas propostas se faz necessário. Observa-se ainda o nível de escolaridade dos moradores da comunidade, encontrando-se 65,5% dos pais e 60,4% das mães que assinam o nome. Todavia, o significado desses números surge com mais evidência e preocupação quando se vê que 74,1% das famílias não têm alguém que pelo menos concluiu o primeiro grau. Em relação ao segundo grau, esse índice sobe para 82,7%. Buscou-se, por fim, colher informações sobre a possibilidade de se aprender mesmo já adulto, tendo 65% respondido afirmativamente. Mas aprender o quê?
TABELA 10 Opções para estudar – escolha dos adultos % Ser motorista 3,6 Continuar estudos 17,9 Enfermagem 0,7 Mecânica 2,1 Ler, escrever e contar 25,0 Desenvolver comércio 1,4 Buscar cultura 5,7 Costurar ou bordar 4,3 Nada mais quer aprender 12,1 Não respondeu 13,6 Outros 13,6 TOTAL 100,0
Essa população pensa continuar seus estudos, quer iniciar aprendendo a ler e escrever, porém suas aspirações parecem bloqueadas pelo próprio esquema educacional que predomina na comunidade. A única opção é o MOBRAL mas muitos expressam seu descrédito para com es modalidade de ensino. Mesmo sem se ter percentuais desses números na análise, em possíveis trabalhos futuros, esses aspectos devem ser levados em consideração para servir, pelo menos, como início de reflexão. Os motivos para aprender não estão muito claros nas mentes dos entrevistados já que 40% não responderam nem discutiram a questão, enquanto 26,4% afirmaram simplesmente que têm necessidade de continuar; 9,3% afirmaram que já atuavam naquele setor de trabalho. Sobre o que
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poderiam ensinar num tipo de escola em que todos aprendessem conjuntamente, registram-se as seguintes informações: TABELA 11 Atividades que os consultados na pesquisa podem ensinar % Comércio 2,9 Costurar 9,3 Eletricidade 0,7 Alfabetizar 18,6 Dirigir automóvel 4,3 Práticas do campo 7,1 Não sabe 16,4 Não respondeu 20,7 Outros 20,0 100,0 TOTAL
Nesse item do questionário, discute-se a idéia de que cada pessoa pode ensinar algo a outro. A discussão que este tema gera parece confundir a percepção do grupo que tem uma visão tradicional de professor. Muitos simplesmente não responderam. Uma prática educativa talvez os convenceria. Outro aspecto é o fato de que 18,6% se sentem com condições de alfabetizar. Há, portanto, uma dependência caracterizada, primeiramente pela falta de uma escola adequada à região e também de terem que submeter-se, para alfabetização, a uma única metodologia que alguns não mais aceitam: a do MOBRAL. Enquanto isso, a escola vai mantendo o seu papel de defensora de uma pequena parcela daqueles que vão a outras localidades. Esse papel seletivo vem existindo desde a época colonial. Analisando o sistema educacional da América Latina, e em particular o do Brasil, CARNOY (1978) constata que a educação escolar, já na época colonial, atendia apenas a uma minoria para desempenhar funções profissionais. Com a independência, os liberais da América Latina introduzem algumas reformas, todas copiadas da Inglaterra ou da França. Mesmo com as reformas, pouco mudou no sistema educacional. De um lado, não se efetiva mudança, porque as estruturas econômicas são mantidas; por outro, as próprias elites resistem. O autor mostra que a expansão, que mesmo assim ocorreu, estava dirigida para introduzir os indivíduos dos grupos marginais, sem escola até então, para participar no setor moderno da economia como consumidores do excedente gerado pelo comércio de exportação. Esta é a solução encontrada pelos países industrializados para manter a sua ordem social transportada para a América Latina. Ainda assim, é limitadíssimo o acesso à escola secundária e superior, com o alunado muito tendente para o lado das crianças ricas. As camadas dominantes e média são as fornecedoras da elite intelectual brasileira. Acrescente que a expansão da instrução primária é pequena e determinada pela economia dependente, pelo seu setor de exportação e por um sistema todo organizado para satisfazer às necessidades de consumo de pequenos grupos dos centros urbanos e das metrópoles. Não há mobilização para que a massa de negros, brancos, pobres e mestiços possa se incorporar a esse mercado. Assim, esta participação fica limitada pela própria estrutura dependente. Ainda para o autor a dependência na educação já é marcante. Escolas Alemães (1890 – 1920) encerram suas atividades, mas é tolerada a influência da escola Norte-Americana. As escolas normais são organizadas segundo o modelo de Massachussetts e financiadas pelos Estados Unidos. O Mackenzie College, a escola de agricultura de Viçosa (Minas Gerais) e escolas profissionais para mulheres, no Rio e em São Paulo, são financiadas e seguem normas americanas. Já no Estado Novo (1937) se implanta um maior controle sobre a sociedade civil. Elabora-se um Plano Nacional de Educação. Este, entre outras normas, dispõe que é obrigação das indústrias e dos sindicatos criarem suas escolas de aprendizagem para filhos de empregados. Para TORINO (1982: 41), “a política educacional do Estado Novo não se limita à simples legislação e sua implantação. Visa, acima de tudo, transformar o sistema educacional em um instrumento mais
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eficaz de manipulação das classes subalternas”. Está formalmente implantada a dualidade do ensino, um ensino dirigido para as classes dominantes e outro para as classes dominadas. Saúde Os serviços de saúde, também, apresentam deficiências. Até 1979, o atendimento era feito por um único posto de saúde e um enfermeiro. Hoje, o município já dispõe de um hospital com cinco médicos, dois deles residentes. Mesmo assim, os tratamentos que exigem uma aparelhagem mais sofisticada, que não a que o médico normalmente utiliza, são feitos em Palmares ou Maceió. No município não há clínica médica particular e apenas um odontólogo atende duas vezes por semana na Associação de Plantadores de Cana no município, entidade com sede em Maceió. A assistência odontológica é feita também no Sindicato Rural, porém a um reduzido grupo de trabalhadores que sabe desse serviço, dada a pouca divulgação do Sindicato. Nas escolas estes serviços inexistem, como inexiste também laboratório de análises clínicas. Consultada sobre os tipos de doença que as crianças apresentam, a comunidade respondeu o seguinte:
TABELA 12 Doenças que mais afetam as crianças % Verme 45,7 Disenteria 8,7 Feridas 0,7 Paralisia 0,7 Gripe 17,1 Bronquite-tosse 5,0 Não sabe 7,1 Não respondeu 3,6 Outros 11,4 TOTAL 100,0
Não há perspectiva de mudança no quadro da saúde. Não se tem plano de saúde, nada se conhece. Assim, só com a existência de um quadro de médicos, uma boa parcela da população acredita no atendimento do hospital, como demonstra a tabela a seguir: TABELA 13 Atendimento médico local % Bom 46,6 Ruim 18,6 Regular 25,7 Não sabe 3,6 Não respondeu 5,7 TOTAL 100,0
Mas a comunidade sabe como melhorar o quadro da saúde e apresenta as seguintes sugestões:
TABELA 14 Sugestões para melhoria da saúde % Mais médico 15,0 Especialista 5,0 Qualificar enfermeira 12,1 Aumentar atendimento 4,3
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Mais equipamento Falando com os “homens” Conscientizar Pes. (do hospital Acabar politicagem Não sabe Não respondeu Outros TOTAL
13,6 1,4 5,0 2,9 9,3 22,1 9,3 100,00
A efetivação de algumas dessas propostas apresentadas exige um trabalho de organização dos que atuam no setor.
Família, emprego e profissão A família leopoldinense tem em média cinco dependentes, sendo que 52,8% são dependentes menores de sete anos. A situação de emprego, em plena época do verão, tempo da colheita, é a seguinte: TABELA 15 Situação empregatícia do(a) chefe da família % Empregado 51,4 Eventual 33,6 Aposentado 8,6 Falecido 6,4 TOTAL 100,0 Normalmente, o pai assume todos os dependentes, já que apenas 30% das famílias têm mais alguém que contribui para as despesas. A mãe, no verão também passa a ajudar no sustento da família, mas normalmente, está em casa. TABELA 16 Situação empregatícia da mãe de família % Empregada 9,3 Eventual 8,6 Desempregada 0,7 Do lar 72,9 Falecido 3,6 Aposentado 5,0 TOTAL 100,0
Entre as profissões dos responsáveis pela família, apresenta-se a seguinte discriminação: TABELA 17 Profissão do chefe da família % Agricultores 26,5 Barbeiro 2,9
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Comerciante Serralheiro Pedreiro Do lar Aposentado Outros TOTAL
12,9 0,7 10,0 2,7 9,3 35,0 100,0
O número de subempregados, sobretudo na sede municipal, é considerável, mas o quadro se agrava no período de inverno (abril a agosto), quando o desemprego atinge o maior número de trabalhadores que vivem do plantio e colheita de cana. É a época de entre-safra. Esta situação é comum na região e se repete a cada ano. A tabela a seguir indica como é a vida dessa comunidade no inverno. TABELA 18 Situação da população no inverno (março a setembro) % Muita privação 70,0 Sai para outro lugar 7,1 Igual ao verão 9,3 Não respondeu 12,1 Outros 1,5 TOTAL 100,0 Esta situação de dependência do homem em relação à monocultura torna-se ainda mais patente. Mas como se situa esse homem em termos de planejamento oficial? Ora, para planejar a política açucareira, foi criado o Instituto de Açúcar e do Álcool (IAA). Dentre os órgãos mais importantes, encarregados de Planos de Defesa da Safra, destaca-se a Divisão dos Estatutos e Planejamentos (Dep), que tem os seguintes objetivos: a) estudar as questões de ordem econômica e fornecer os elementos necessários à orientação política agro-industrial canavieira, procedendo para esse fim ao necessário planejamento; b) estudar as questões relacionadas com os custos de produção agro-industrial canavieira e com os preços de venda dos produtos oriundos e sob a alçada do IAA; c) estudar os problemas relacionados com a política do contingenciamento da produção açucareira (estabelecimento de critérios para a fixação das quotas de produção); d) estudar a situação estatística da produção e do comércio de cana, do açúcar, do álcool, da aguardente, bem como a relativa aos carburantes nacionais e ao transporte dos produtos referidos.
Observe-se, entretanto, que nenhuma incumbência apresenta, de forma explícita, qualquer preocupação com o homem da região açucareira. Este, no final, é que sofre diretamente com as oscilações do mercado de açúcar e do álcool. Analisando as dificuldades do setor açucareiro, SZMRECSANYI(1979: 433) aponta, além da baixa produtividade, a pobreza generalizada dos trabalhadores do setor, acrescentando: “O que é pior e mais doloroso, a pobreza mais ou menos generalizada das classes assalariadas ligadas ao setor, sobretudo em algumas áreas do País, com graves repercussões
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de caráter social, algumas vezes mesmo com reflexos desfavoráveis no conceito que desfrutamos no exterior”. Hoje, novos objetivos são definidos pelo Programa Nacional de Melhoramento da cana-deaçúcar (Planalsucar). O plantio da cana continua se expandindo alicerçado nos planos governamentais de criação de mais usinas e destilarias (Pró-Álcool). Busca-se, através desse programa, obter-se rendimentos agro-industriais expressos em termos de quilos de cana-de-açúcar por hectare cultivado, rendimentos que são considerados pouco expressivos nos últimos 40 anos. O homem continua não sendo a preocupação para a zona canavieira.
Esporte Sobre a história do esporte local, pouco há registrado a respeito das possíveis agremiações que existiram, seus fins ou formas de atuação. Segundo BORGES (1975: 14), um time de futebol foi criado lá pelos idos de 1949, e nada mais se tem escrito. Existe uma equipe que informalmente está atrelada ao poder público local. Entretanto, não apresenta qualquer organização do ponto de vista formal, nem mesmo com um simples regimento interno. Dependente da ajuda do poder público e esporádicas ajudas do comércio, limita-se apenas a reduzidas partidas de futebol. Além de existir um único tipo de esporte, o futebol, ele só acontece na época do verão, período da safra de cana na região. Está, portanto, ligado ao ciclo econômico regional. Quando, às vezes, surge alguma outra equipe pretendendo se organizar, ela dependente de A ou B que possui uma bola ou um conjunto de camisas, doação de algum candidato na época da eleição. Este se torna o dono do time, até que acabem a bola. A equipe está desfeita, aliás, nunca existiu. Consultando a comunidade sobre atividades esportivas, 72,1% as acham necessárias. Porém, sobre a existência dessa prática, 41,4% afirmam que não há; 17,1% apontam unicamente o futebol e 24,3% ou não sabem ou não responderam a questão. Mas, quando perguntadas sobre o que fazer para ativar a prática desportiva, as pessoas responderam da forma indicada na tabela abaixo: TABELA 19 O que fazer para ativar o esporte % Iniciar nas escolas 6,4 Construção de quadras 15,0 Construção de outro campo 7,2 Sem possibilidades 1,4 Não tem propostas 70,0 TOTAL 100,0
Tradições culturais A tradição cultural local, hoje, padece também da conhecida “indústria cultural”. A indústria cultural compreende o conjunto de pessoas de produção cultural como também dos meios de comercialização das mercadorias culturais. Constitui-se de duas ordens de produtos culturais: uma ordem montada em livros, jornal, rádio, televisão, etc. Outra que compreende o sistema de comunicação, ensino e propaganda. O município não está fora desse contexto. Porém, pelo reduzido número de exemplares de jornais que chegam à cidade, além da ausência de livrarias e bibliotecas, leva-se a concluir que a ação dessas empresas se efetiva via rádio e televisão. Esses canais de comunicação são os de Recife e Maceió, sobretudo a Rádio Cultura dos Palmares (Cidade dos Palmares). A esse respeito, assinala SILVA (1983: 195): “Todo o conjunto de manifestações espontâneas vamos encontrar nas artes e nas letras em Colônia que em épocas passadas não foram registradas pelo pouco o nenhum valor dado e
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também pela falta de incentivo, pois tais coisas não eram e não são merecedoras de estímulo e reconhecimento, o que é lastimável.” Para GRAMSCI (1979), nas manifestações da vida social e espiritual do homem comum, há uma riqueza de ver, de pensar e de expressar o que a ciência e a política desconhecem. Já IANNI (1079: 139) entende a necessidade desse conhecimento achando, entretanto, que esse povo composto de operários, camponeses e outras categorias, está em processo de extinção. No entanto, afirma: “Vale a pena trabalhar com ele para conhecer como ele é no momento, quais são as suas maneiras de ser, de pensar, de trabalhar, de criar mas reconhecendo, preliminarmente, que é uma espécie que está em rápida extinção, por causa do desenvolvimento das relações do produção do tipo capitalista, por causa do divórcio acelerado entre trabalhadores e propriedades dos meios de produção”. Nesse sentido, sabe-se que, aproximadamente em 1920, foi criada a Filarmônica 16 de Julho. Não se sabe exatamente quando acabou. Em 1960, surgiu uma nova Banda Filarmônica, inexistente hoje. Na arte pirotécnica destacam-se fogueteiros com seus famosos balões de Maio e São João, mas esta arte não resistiu. Porém, na busca de encontrar as manifestações culturais do povo, as fontes mais importantes são o coco-de-roda; o reizado, os guerreiros; a banda de zabumba São Sebastião e pastoril, bem como as festas de São João e São Sebastião, nos meses de junho e janeiro, respectivamente. Em menor expressão, estão as cavalhadas. Torna-se importante conhecer as formas de expressão popular que ainda resistem tais como: coco-de-roda ou o coco-de-umbigada, que se dança nas festas juninas; o pastoril, folguedo natalino que se dança em jornada solta, sem visar uma seqüência, sendo o folguedo de maior expressão também no Estado. Estão, praticamente, extintos a cavalhada e o reizado, enquanto que há cinco anos que não se dança os guerreiros. Porém, estas festas, mesmo em processo de extinção, estão na mente do povo, o qual manifesta o desejo de que elas retornem, como se verá adiante. Além das festas juninas, destacam-se também as festas natalinas, que não apresentam organização do povo de forma definida e contínua. Já a festa de São Sebastião é a mais estruturada delas, sendo atração em toda a região. Sua organização está a cargo da Igreja Católica, com a participação da Prefeitura. Mesmo com a invasão da cultura brasileira pela conhecida “indústria cultural”, o povo ainda mantém resistência a todo este processo. Indagada como vê o enfraquecimento ou o fim dos seus folguedos populares, a comunidade emitiu as seguintes opiniões. TABELA 20 Visão da comunidade sobre o fim dos folguedos % Bom se acabar 10,7 Ruim se acabar 70,7 Indiferente 10,7 Não sabe 2,9 Não respondeu 5,0 TOTAL 100,0
Mas a invasão cultural parece ter avançado ainda mais nos setores mais populares da comunidade. Ora, é nas ruas da Mangueira e Titara onde a preocupação com o fim dos folguedos está menor, atingindo um percentual de 53,3% dos que acharam ruim sua extinção, enquanto na comunidade toda o percentual foi de 70,7%. Mas, se nesse setor registrou tal índice, é lá também que se encontram pessoas mais dispostas a tocar para frente a idéia de reativação dos guerreiros e a formar um grupo para reativá-los, levando em conta as seguintes propostas:
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TABELA 21 Propostas para a reativação dos folguedos % Só poder público 10,0 Ensinar novos a dançar 2,1 Reunir interessados 32,9 Não voltar mais 8,6 Não respondeu 25,7 Outros 17,1 Não sabe 3,6 TOTAL 100,0 Portanto, ainda está presente na mente da comunidade a possibilidade da reorganização desses valores culturais. É necessário que a população se reuna, já que a reativação das festividades envolve muitas pessoas. Na dança dos guerreiros, por exemplo, envolvem-se aproximadamente vinte pessoas. Por outro lado, há também uma parte da população que já não acredita mais na volta desses folguedos, não respondendo, ou por não acreditar mais em nada, ou ainda por não ver saída nesse esquema financeiro que se tem hoje. Há ainda a se registrar o paternalismo dos poderes públicos locais desenvolvendo a mentalidade de que só o poder público tem força. Enfraquece-se, assim, o poder que o povo unido tem e fortalece-se o sistema vigente. Mas de que maneira é gerada essa cultura dependente, no contexto das sociedades estratificadas? Ora, estando essa região inserida nas relações capitalistas de dependência, aí também situa-se a dependência cultural. A cultura capitalista, portanto, é elemento importante para a reprodução dessas relações tanto em escala nacional como internacional. Nas relações de dominação, a cultura conduz à reprodução de idéias, valores princípios e doutrinas dessa dominação. Para PONCE (1981: 165), “a classe que domina materialmente é também a que domina com a sua moral, a sua educação e as suas idéias.” O capitalismo, sendo um modo de produção, gera historicamente o desenvolvimento dessa característica. Esse modo de produção diz respeito não só à produção material como à produção intelectual. Dessa forma, ambos se inserem no conjunto global do processo de reprodução das relações capitalistas, e, concluindo-se que “a produção intelectual é indispensável ao funcionamento e à reposição das relações do sistema, em escala nacional e mundial” (IANNI, 1979: 13). Segundo o autor, essa produção intelectual, em sentido lato, torna-se a base da cultura capitalista, tanto material como espiritual. Assim, no jogo de interesses econômicos, políticos, militares e outros da burguesia dependente, são transferidos os valores, as idéias princípios e doutrinas, elementos componentes da ideologia de dominação. Por sua vez, a ideologia da burguesia dependente tenta sintetizar essas idéias, crenças ou concepções que caracterizam a cultura da dependência, entendendo-se que esta é fortemente determinada por aquela. Portanto, as idéias da classe dominante passam a ser as idéias dominantes num momento, através de todo um processo de ideologização. Nesse sentido, Marx e Engels, apud IANNI (ibid.: 30), afirmam: “Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, também, uma consciência, e, portanto, pensam. Na medida em que dominam como classe, e determinam uma época histórica em toda a sua amplitude, é claro que esse domínio se exerce em todos os setores de sua classe, donde dominarem também, entre outras coisas, como pensadores, como produtores de idéias, e regularem a produção e distribuição de idéias na sua época. As idéias são, portanto, as idéias dominantes de sua época”. A dominação dos países centrais sobre os países periféricos numa análise econômica, apresenta-se de certa forma convincente. Ora, determinando a economia do país dependente, as idéias dos países centrais tornam-se dominantes, sendo defendidas sobretudo, pela burguesia do país dependente. Porém, de que maneira surge essa dominação de uma classe sobre a outra no aspecto da
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cultura? Para se entender esta questão, faz-se necessário compreender a cultura no seu significado amplo. PINTO (1979: 122) considera a cultura como “uma criação do homem, resultante da complexidade crescente das operações de que esse animal se mostra capaz no trato com a natureza material e da luta a que se vê obrigado para manter-se em vida”. Essa capacidade de luta, de resposta à realidade cresceu de intensidade e qualidade num processo acumulativo. Todo esse conjunto de atos vai sendo transferido às gerações futuras. Está inserida nesse contexto. Os atos criativos do homem e da cultura são apenas faces de um mesmo processo, inicialmente uma face orgânica e outra de caráter social. É no desenvolvimento e aperfeiçoamento de suas qualidades orgânicas que o homem é levado a transformar sua realidade. Inicialmente se dá de forma inconsciente e depois conscientemente. PINTO (ibid.: 123) apresenta o seguinte conceito de cultura: “O processo pelo qual o homem acumula as experiências que vai sendo capaz de realizar, discerne entre elas, fixa as de efeito favorável e, como resultado da ação exercida, converte em idéias as imagens e lembranças, a princípio coladas às realidades sensíveis, e depois generalizadas, desse contato incentivo com o mundo natural”. Daí se conclui que o mundo adquire duas ordens da realidade, provindas de uma mesma operação de conquista do meio-ambiente: os instrumentos ainda em estado natural e depois fabricados; as idéias que surgem no pensamento com a utilização desses instrumentos sobre a natureza. Dessa forma a cultura vem se constituir como efeito da relação produtiva do homem sobre a realidade, estando intrinsecamente ligada ao processo de produção. Nesta visão, FREIRE (1980: 38) entende cultura como “todo o resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do homem, do seu trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens” . Todavia, essas relações de diálogo foram afastadas já que as riquezas estão nas mãos da classe dominante e nela se concentra também a cultura espiritual e material. Para LEONTIEV (1980: 60), as criações dessa cultura parecem até existir para todos, ressalvando, no entanto: “Só uma minoria ínfima tem possibilidades materiais e tempo para satisfazer os seus anseios de instrução para completar sistematicamente os seus conhecimentos e dedicar-se às artes, ao mesmo tempo, as massas especialmente a população rural, devem contentar-se com um mínimo de desenvolvimento cultural, o mínimo indispensável para que possam realizar, dentro dos limites traçados para os operários, a atividade profissional e a produção de valores materiais”. Entendida como resultado também do processo produtivo, a cultura traz em si a dupla natureza de bem de consumo: enquanto resultado, tornada concreta em coisas e artefatos; subjetivada em idéias gerais de ação produtiva, e bem de produção, no sentido de subjugação da realidade pelas idéias gerando simultaneamente nova capacidade humana. Segundo PINTO (ibid.: 124) trata-se da capacidade de “idealizar em prospeção os possíveis efeitos de atos a realizar, conceber novos instrumentos e novas técnicas de exploração do mundo, e criar idéias que significam finalidades para as ações a empreender”. Portanto, o homem passa a ser ele próprio um bem de produção, porém de si para si mesmo. É de fundamental importância este conceito de que “o homem produza cultura por uma necessidade existencial, para se apropriar dela, pois é por meio dela que chega a postular as finalidades da sua ação” (ibid.: 126). Mas o que vem ocorrendo historicamente é que um grupo minoritário assume os bens de produção material e outro corporifica a força de produção (dependente). Com isso, surgem dois fenômenos: de um lado, o acervo cultural se constitui, em seu conjunto, de instrumentos de transformação da realidade de outro lado, as máquinas, as ferramentas, técnicas, operações manuais e criação artística e ideológica que essas operações desenvolvem e as orientam posteriormente. O grupo minoritário se apropria essencialmente dessa segunda ordem de bens materiais entendendo que a primeira já está em suas mãos. Daí todo um enaltecimento dirigido à posse das idéias e dos produtos dessas idéias da cultura. A primeira ordem de bens materiais é deslocada para a massa trabalhadora. Cindida está a sociedade em dois grupos essenciais e que manejam o produto da cultura.
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O outro resultado é que os detentores do ideal e subjetivo da cultura se apoderam também dos produtos da fabricação dos que manipulam os instrumentos materiais. Mas essa minoria (opressora) vai mais além, chegando a apouderar-se do próprio homem enquanto tal, em sua qualidade de instrumento produtivo. Esse processo teve seu auge na escravidão. Assim, tem-se o auge também de dependência individual em que o homem é transformado em um objeto material e, portanto, desumanizado.
Religiosidade A religião católica está presente na vida da comunidade desde a instalação da Colônia Militar. Já naquela época, lança-se a primeira pedra religiosa e hoje permanece alicerçada na comunidade. A religião protestante também se faz presente, estando os seus adeptos distribuídos em duas igrejas. A igreja católica também congrega pessoas em torno de um centro comunitário, desenvolvendo atividades pastorais. O trabalho organizativo se apresenta indefinido, ao que parece, pela complexidade da composição social do município. Um grupo de três freiras desenvolve atividades de assistência em certas épocas do ano como no Natal com a promoção do „Natal do Pobre‟ ou atividades culturais com a mocidade católica. O grupo de jovens também se apresenta indefinido quanto ao tipo de atividade e à forma de executá-la junto à comunidade.
Política Podem-se identificar dois grandes grupos no município: os proprietários de terra, que são os fornecedores de cana à usina e o campesinato, os trabalhadores rurais. Há contradições no próprio grupo de fornecedores, decorrentes da sua diferente situação financeira. Isto também constitui fator gerador de conflitos. Uns utilizam as vantagens dos financiamentos, enquanto outros não. Na busca de solução dos conflitos, acionam-se os interesses político-partidários que deságuam todos nos interesses agrícolas. Já o campesinato local precisa também ser caracterizado. Nesse sentido PINTO (1981: 74) apresenta-o não como uma classe homogênea e uniforme. Há nele todo um conjunto social e complexo, constituído de frações, “cuja especificidade se origina de processo de desenvolvimento histórico da sociedade, no qual distintos modos de organização da produção conduzem à diferentes tipos de relações sociais”. Essas frações constituintes do campesinato não geram, entretanto, antagonismo entre si. Caracterizando-se o campesinato no município, é possível localizar as frações seguintes: minifundistas ou pequenos proprietários que tiram o seu próprio sustento da terra, com instrumento pouco desenvolvido tecnologicamente; arrendatários, que são grupos de camponeses sem terra; trabalhadores volantes, que são aqueles que estão em processo de proletarização e que vendem sua força de trabalho por um salário em dinheiro. Na Zona da Mata, são chamados “curumba”, caracterizando-se por um salário de subsistência e estão à mercê da flutuação do mercado de trabalho. No entendimento de SINGER (1979), a proletarização do trabalhador rural, no Brasil, não tem gerado assalariados permanentes nas fazendas, mas transformou os colonos posseiros e moradores em trabalhadores diaristas ou volantes. Os políticos defendem suas questões pessoais. A preocupação pela solução dos problemas locais não é externada na prática. A política assume o caráter partidário, eleitoreiro, passando a ser a geradora de uma prática assistencialista às pessoas e sem qualquer programa de governo local. Na campanha eleitoral, os políticos investem em doações de terrenos, tijolos, cimento, areia, sendo nas áreas mais pobres onde acontecem as doações e se constroem as casas populares. Dessa forma, mantém-se a estrutura política de sempre, sustentada pela burguesia rural. Permanecem, ainda, os políticos que são invariavelmente quatro pessoas que, desde 1950, revezam-se na Prefeitura. A prática de todos é a mesma, e o clientelismo continua. O período eleitoral, aliás, é a rara oportunidade para a obtenção de favores, para o transporte gratuito em toda fase da eleição, churrascos nos engenhos, enfim, os benefícios que uma campanha eleitoral traz. Esta começa um ou dois anos antes do esperado dia 15 de novembro, o dia da votação. É a fase dos acordos e dos “conchavos”. Passada a fase de registro dos candidatos, está instalada a campanha. Bailes, comícios, festas de casamento e batizados estão na agenda e a eles o candidato não pode faltar. Para atender os pedidos de documentos,
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instalam-se postos; prometem-se empregos ou viagens. Os candidatos deixam transparecer a imagem do homem “bondoso” que tem dinheiro. O político sabe da necessidade de estar junto ao povo e conhece o dizer popular que “o pobre é cativo do agrado”. Ele tem de agradar no período eleitoral. As visitas de candidato a deputado federal ou estadual são demonstrações de “força” e “prestígio” políticos junto ao povo. No dia da eleição, é preciso muito trabalho, cuidado e dinheiro. Nada pode comprometer tantos esforços. Os transportes estão na rua para deslocar os eleitores até as urnas. Os eleitores que vêm dos sítios ou engenhos, antes de entrarem na cidade, são orientados mais um vez. Mas os cuidados não ficam só aí. Para maior segurança, instalam-se nas “bocas de urna” grupos de três ou quatro elementos para fazerem a última revisão no eleitor, tirar-lhe as possíveis cédulas de outros candidatos e entregar-lhe a cédula de seu candidato. Aos mais reticentes entrega-se a cédula eleitoral e outra cédula em dinheiro. O empenho é levado em consideração para os que pretendem atuar na manipulação das organizações públicas. É um grande investimento. Porém, não basta apenas estar no poder público e controlar essas organizações. Tratando-se de um investimento, é necessário ao político ser “habilidoso” para, com manipulações inteligentes, tirar vantagens e benefícios desse mando sobre a comunidade e também recuperar seu investimento com as devidas correções monetárias. Se o PDS local tem apoio e seus dirigentes são os usineiros e altos comerciantes, a oposição local (PMDB), sem apoio de industriais ou patrões, tem como base alguns comerciantes e alguns médios plantadores de cana. Essa oposição busca apresentar um estilo político diferente. Há, entretanto, prática política semelhante ao do PDS, entretanto, em município vizinho onde a oposição local foi vencedora. Aqui há ainda por parte da população certa desconfiança do que apresenta a oposição já que, em épocas passadas, chegou, inclusive, a fazer comícios no mesmo palanque com a antiga Arena. Mesmo assim, um grupo de oposição permanece, porém, sem perspectiva de vencer, a curto prazo. As marcas da campanha eleitoral atingem todos os setores da comunidade, afetando até mesmo o religioso, que se pretende neutro nessa luta. Após as eleições, o padre falava que “os fiéis haviam se afastado um pouco das missas do domingo”. Outros aspectos No que se refere à habitação, existem atualmente 1.456 domicílios ocupados na sede municipal. Grande quantidade da população não dispõe de água encanada e alguns setores da cidade ainda não dispõem de energia elétrica nem iluminação pública. Naqueles arredores, sobretudo, encontram-se as habitações com piores condições de moradia, sem água, sem energia, e sem fossa sanitária, sendo em geral, de taipa35. Serviços como abastecimento d‟água são deficientes e inexiste um sistema de esgoto, o que agrava a saúde coletiva, sobretudo, das crianças. Sobre a origem da água de uso doméstico, apresentam-se os índices da tabela abaixo. TABELA 22 Origem da água % Encanada 57,9 Chafariz 40,0 Cacimbão 9,1 TOTAL 100,0
A água é de qualidade discutível, apesar de ser encanada, já que raramente existe tratamento. Os reservatórios estão sempre cheios de aruá (caramujos) portadores de verminoses diversas. Ainda encontram-se cacimbões em quintais por onde também passam esgotos abertos da cidade. Porém, a maior satisfação é ter água. Do total de entrevistados, 87,1% declararam-se insatisfeitos por conta da falta d‟água. As soluções propostas pela comunidade para a solução desse problema são resumidas na tabela abaixo:
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Moradias construídas de estacas de madeira e ripas que formam um engradado sustentador do barro amassado, muito comum na zona rural.
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TABELA 23 Soluções da comunidade para a falta d‟água % Falar com autoridades 32,9 Fazer tanques 5,7 Reunir todo mundo 12,9 Reunir e não pagar 3,6 Não sabe 10,0 Não respondeu 15,0 Outros 20,0 TOTAL 100,0 Registrou-se um expressivo percentual daqueles que não souberam, ou não quiseram responder. Sentem muito receio em dar respostas que podem ser entendidas como críticas às autoridades. Outros propõem até o não pagamento. A forma de concretizar cada proposta não deixa de ser uma grande dificuldade. Faz-se necessário também conhecer a que tipo de programa a comunidade assiste, tanto no rádio como na televisão. Os habitantes assistem, praticamente na mesma proporção, aos programas de Silvio Santos e novelas: 20,7% e 19,3%, respectivamente. Quanto aos programs de rádio, escuta-se, na Rádio Cultura dos Palmares, o “combate”, um programa que traz uma mensagem de justiceiro: quem pratica o mal deve estar na cadeia e quando faz alguma crítica não vai além de crítica ao delegado de polícia ou mais comumente ao soldado. Esse programa apresenta 29,3% de audiências e é líder absoluto no seu horário. Sem canais de expressão, a população passa a ouvir um programa que às vezes, pode identificar-se com suas aspirações: o desejo de justiça. Pode estar inculcada no homem trabalhador rural a idéia de que ele não tem força, ou sua total submissão aos poderes locais, em dizer que analfabeto é para estar calado. Desacredita de todo o trabalho conjunto na localidade e quer saber se isto não vai para fora daquelas fronteiras. É como dizer que naquela região nada mais é possível. Em contrapartida, existe uma pequena parcela que ainda arrisca fazer denúncias, meio temerosos, é verdade. Mas é a partir daí que se entende que o trabalhador ainda resiste. Aliás, na concepção de BORDA (1972), o camponês ou o operário não é nada conservador, é mesmo realista e dinâmico.
AÇÃO CULTURAL Caracterizada a situação de dependência da comunidade, passa-se agora a apresentar todo o processo da ação cultural desenvolvido naquela realidade, bem como de que maneira foram formados os grupos e suas atividades. Antes, porém, são definidas as características da ação cultural, apresentando suas diferenças com outros tipos de atividades que não conduzem à organização dos participantes e que não servem à liberdade e sim à dominação. Mas, qual será a importância dessa libertação para um povo? Para FREIRE (1980: 62), esta é a tarefa fundamental dos países subdesenvolvidos: a superação de sua “situação limite” de sociedades dependentes. Sem essa superação, elas continuarão a experiência da “cultura do silêncio”. Tal cultura não significa, entretanto, não ter a sua palavra autêntica, “mas seguir as prescrições daqueles que falam e impõem sua voz”. Na busca da superação da “situação-limite” das sociedades dependentes, pode-se desenvolver a consciência de classe. Para isto, faz-se necessária uma ação organizada em cada contexto cultural, dirigida para a transformação dessa realidade. Mas que características deve apresentar uma ação cultural que conduza ao rompimento da “cultura do silêncio”? No momento histórico da humanidade, em que o homem é desapropriado da percepção de sua cultura, surge a sociedade de classe. A idéia de dominação se impõe. A vigilância surge no sentido de extinguir todo movimento de protesto dos oprimidos. Fora do trabalho manual, as classes “superiores” tornam-se socialmente improdutivas. A partir daí, o pensamento e a linguagem,
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constituintes de um todo, expressam sempre a realidade do dominador. Este conjunto torna-se, dessa forma, um pensamento alienante. Todo esse pensamento chega até as sociedades dependentes imposto pela classe opressora numa prática que é culturalmente alienante. “Este modo de pensamento, dissociado da ação que supões um pensamento autêntico, perde-se em palavras falsas e ineficazes” (FREIRE, 1977: 103). Ora, a interiorização desses valores dominantes não é apenas um fenômeno individual. É um fenômeno social e cultural. Aí, a ação pode constituir a denúncia dessa interiorização e anúncio da realidade com conhecimento científico. Como diz FREIRE (1976: 75), na ação cultural, a conscientização36 constitui-se em ação de superar a consciência semi-intransitiva, a ingenuidade pela consciência crítica da classe dominada. Uma ação que partindo da consciência real conduza à consciência possível37, ou à consciência de classe do proletariado (GOLDMAN, 1972). Uma consciência gerada dentro do processo de diálogo, de discussão ou de crítica. A crítica é necessária e deve ser vivenciada na prática. Com isto “nossa ação involucra uma crítica-reflexão que, organizando cada vez o pensar, nos leva a superar um conhecimento estritamente ingênuo da realidade. Este precisa alcançar um nível superior com que os homens cheguem à razão da realidade” (FREIRE, 1979: 152). Mas, para isto, faz-se necessário um pensar constante que não pode estar dissociado das massas. Ao se pensar com as massas, o objetivo torna-se a libertação das massas. Sob esse ângulo, o pensar certo é não deixar as massas se expressarem. É não deixar as massas pensarem. Mas é no pensar com elas que se dá a conscientização. Aqui a prática da ação cultural e a ação antidialógica se contrapõem. A classe dominada não pratica a conscientização pois exige-se, na sua execução, denúncia das estruturas de dominação, e isto não é de interesse do dominador. A ação antidialógica que serve ao dominador e a ação cultural que serve ao dominado são antagônicas. A ação cultural para a liberdade traz consigo o diálogo para a construção de conhecimento com as massas. Já a ação antidialógica descarta tal possibilidade impedindo a visão crítica da realidade. A ação antidialógica gera a dominação de classe e esconde a realidade para preservar o poder. Para isto utiliza-se da tecnologia e da ciência. A ação cultural para a liberdade também necessita da ciência e da tecnologia, porém para desmistificar a realidade. Para desmistificar a realidade precisa-se analisá-la através de um conhecimento, que é um ato dinâmico, não se satisfazendo apenas no objeto. A realização como conhecimento verdadeiro se torna completa quando passa a incidir sobre o objeto cognoscível de transformação. Caracterizandoas mais sistematicamente, FREIRE (1979: 143) define a ação cultural e ação antidialógica com base em quatro características gerais discutidas a seguir. A ação antidialógica tem necessidade da conquista, pretende conquistar o dominado. Utiliza todas as formas possíveis para tal, das mais repressoras às paternalistas. Este ato de dominação determina as finalidades e que só o dominador tem os objetivos. Os homens são cortados de sua ação no mundo. Devem-se adaptar a esta realidade. Impõem, pois, essa ordem repressora, os seus mitos com os mais diferentes esquemas de divulgação, como liberdade de trabalho, conformismo com a situação de vida, a “boa sociedade ocidental”, harmonia da sociedade, preguiça dos oprimidos. É o dar “pão e circo” às massas para conquistá-las. Uma dimensão importante da ação antidialógica é a necessidade de dividir, para manter a dominação das maiorias pelas minorias. Estas utilizam-se, inclusive, da violência, para manter a divisão entre as maiorias, pois sua união é ameaçadora. União e organização são conceitos perigosos para a minoria. O desenvolvimento das comunidades se dará, não pelas comunidades, mas com os treinamentos de líderes que vão gerando a promoção do todo. Dividir para dominar se expressa em ações como a intervenção em sindicatos. Quando não, estimulando a “criação dos sindicatos reformistas, paralelos aos sindicatos anti-imperialistas” (HARNECKER, 1980: 47). Um aspecto da divisão se expressa também na idéia de que os dominadores sugiram para salvar os homens. Buscam na verdade a sua salvação individual. Sob qualquer ponto de vista da salvação, diz FREIRE (ob. cit.),
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Ver, a respeito do processo de conscientização e dos níveis de consciência na concepção de Paulo Freire, Educação como Prática da Liberdade. Paz e Terra, 12a. ed. São Paulo, 1981. E Ainda em Conscientização. Editora Moraes, São Paulo, 1980. 37 Ver consciência real e a consciência possível em Lucien Goldman, A criação da cultura de uma sociedade moderna. Difusão Européia do Livro, São Paulo, l972.
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equivocam-se, pois ninguém se salva sozinho, e como opressores não podem estar do lado dos oprimidos. Outra característica dessa ação antidialógica é a manipulação das massas oprimidas. Este é o instrumento fundamental da conquista. O assistencialismo é também um instrumento fundamental da manipulação que se utiliza para esconder os verdadeiros problemas da sociedade e, sobretudo, para distrair camadas populares. Da ação antidialógica faz parte, ainda, a invasão cultural. Esta, associada à manipulação e à divisão, juntas vão constituir a conquista. Uma invasão considerada como “penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expressão” (FREIRE, 1979: 178). Nesse sentido, os invasores são os autores e atores do processo. Os invadidos vivem na ilusão de serem atores na atuação da classe dominante. Na realidade a invasão constitui, já em si, a dependência, ou torna-se um instrumento de dependência utilizado pela minoria dominante. Daí que, nesse processo, o lar e a escola, não fugindo às condições estruturais, refletem esta invasão numa sociedade de dominação. Para o invadido, é proibido pensar. Outro aspecto que caracteriza a invasão cultural, introjetado no invadido pelos instrumentos de dominação, é o “medo da liberdade”. Na problematização das situações concretas, há um “desnudar-se de seus mitos e renunciar a eles, no momento, é uma “violência” contra si mesmos, praticada por eles próprios. Afirmá-los é revelar-se” (FREIRE, 1979: 183). Mas, problematizar as relações homem-mundo aos oprimidos é componente essencial de uma ação cultural, cujo objetivo seja a superação da situação de dominação, de dependência. Para tanto, têm-se as características fundamentais desta ação, ou seja: colaboração, união para libertação, organização e síntese cultural. Na colaboração, não se tem conquista, portanto não se tem conquistado. Os homens se encontram para a transformação de sua realidade e não há imposição nem domesticação. Isto não significa que a ação cultural não conduza a nada, nem deixa uma consciência clara da realidade concreta. Seus objetivos são comprometidos com a libertação, conforme o pensamento de FREIRE (1979: 197): “As massas oprimidas que se libertem, não pode pretender conquistá-las, mas conseguir sua adesão para libertação. Adesão conquistada não é adesão, porque é “aderência” do conquistado ao conquistador através da prescrição das opções deste àquele. Adesão verdadeira é a coincidência livre de opções. Não pode verificar-se a não ser na intercomunicação dos homens, mediatizados pela realidade” . Enquanto a ação antidialógica mitifica a realidade, a ação cultural se impõe desvelando o mundo. Portanto, não se descobre o mundo ou o outro. Há uma busca conjunta onde todos são sujeitos dessa ação. A adesão, nesse processo, gera a confiança das camadas populares em si mesmas, superando também o “medo” de sua libertação. A união é outra característica da ação cultural e que se contrapõe à divisão na ação antidialógica. A busca da união é o esforço constante de todos os oprimidos, a união entre si, caminhando para a liberdade. Todas as características da ação cultural só acontecem na práxis libertadora. Mas para essa união é imprescindível a ação na qual agentes que aderiram à busca da liberdade conheçam o porquê e o como da sua decisão. Assim não é busca de “slogan” ideológico. Não é um simples mudar de ação antidialógica para a ação cultural. É o seu comprometimento com o fim da “cultura do silêncio”, a qual “se perpetuou no tempo através de uma relação estrutural de dependência entre o terceiro mundo (ou sociedades-objeto) e as metrópoles (ou sociedades diretivas)” (LIMA, 1981: 89). A organização se contrapõe à manipulação. Na ação cultural, busca-se a organização do povo. Esta organização conduz à unidade da ação e nesta ação dá-se também a organização das massas trabalhadoras. Aqui o conhecimento crítico do momento histórico da ação, da visão do mundo das massas, da clareza da contradição principal se impõe pela apresentação do que é tudo isto e de como se apresenta. Na organização, tornam-se imprescindíveis valores como a liderança, a disciplina, a decisão, a ordem, os objetivos, bem como as tarefas a serem cumpridas e que devem ser cobradas, já que a elite dominante se estrutura sempre mais para melhor coisificar as pessoas e dominá-las. Aqui,
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nega-se o autoritarismo, mas afirma-se a autoridade, a liberdade. Assim, na ação cultural, “a organização, implicando em autoridade, não pode ser autoritária; implicando em liberdade, não pode ser licenciosa” (FREIRE, 1979: 211). Como última característica da ação cultural, destaca-se a síntese cultural que vem em contraposição à invasão cultural. Se a invasão cultural traz consigo a conquista das massas populares e trabalhadoras, sua divisão e sua manipulação, a síntese cultural vai em direção oposta. Se no objetivo dominador da ação antidialógica vem uma ação de indução, na síntese cultural insere-se a condição de superar essa indução. Enquanto na invasão cultural os atores podem descartar a ida ao mundo invadido, destacando-se muito mais apoio meramente tecnológico, na síntese cultural, os atores se integram com os trabalhadores, “atores, também, da ação que ambos exercem sobre o mundo” (ibid.: 123). Na síntese cultural, não há lugar para espectadores. Não há esquemas prescritos, mas identificados na ação gerando as suas pautas. Torna-se uma ação frente a uma cultura que mantém a invasão cultural. Não nega as diferentes visões que podem ocorrer. Nutre-se, aliás, delas. A ação cultural, com estas características, não significa, contudo, invocação de uma nova cultura particular própria, mas a cultura já existente, porém voltada para liberação de classe. Mas como desenvolver esta ação na comunidade?
Conhecimento da comunidade pelos grupos e suas ações A seguir, será apresentado de que forma efetivou-se a participação da comunidade através dos grupos e como foi sendo buscado o seu fortalecimento. A busca de se conhecer a comunidade, de detectar suas necessidades é um processo que conduz à formação de grupos na própria comunidade, bem como o fortalecimento de grupos existentes. Aliás, um trabalho educativo, no campo da ação social, pode se iniciar pelo grupo já existente. Esses grupos não podem ser entendidos apenas como formais38, já que a comunidade tem poucos (Lyons Clube e Grupo de Jovens). São, na maioria, grupos informais39. Mesmo assim, não se descartou a possibilidade de criação de novos grupos. Segue, portanto, a descrição da ação cultural realizada e a descrição dos grupos envolvidos.
Sindicato O sindicato rural pode ser a mais importante força dos trabalhadores no campo. Neste município, se congregam os assalariados (contratados por temporada ou jornada) das duas usinas existentes e em menor proporção pelos minifundistas que trabalham por temporadas em suas terras. Caracteriza-se como um sindicato que mantém a linha geral do sindicalismo rural brasileiro. Suas atividades limitam-se ao atendimento odontológico, feito duas vezes por semana, e à rara assistência jurídica. Segundo seu Presidente, poucos são os casos de assistência trabalhista, já que o trabalhador entende “que não adianta”. Ainda assim, o trabalhador volante dessa região não tem carteira assinada, como também “não quer ter”, conforme afirma o secretário do sindicato. Em contatos com esses trabalhadores, constata-se a veracidade da afirmação. Alegam que carteira assinada é como “prisão, que o sujeito tem de estar às oito horas, largar às cinco da tarde; é uma escravidão dos infernos40”. De um modo geral, a semana de trabalho inicia-se na terça-feira, já que a feira se realiza no domingo. Esses trabalhadores prestam seus serviços onde bem pretendem e onde pagarem mais. Na época da colheita da cana, falta mão-de-obra. Na entressafra, a situação é de fome. Todos estes fatores contribuem para aumentar a dificuldade do trabalho sindical. Por outro lado, a própria diretoria há doze anos se mantém na direção, sem qualquer mudança no encaminhamento das lutas dos trabalhadores. Observa-se uma total desinformação por parte da diretoria do que está ocorrendo no meio sindical e até mesmo em nível de federação, onde rara foi a reunião a que compareceu. Sempre as coisas se apresentam “muito difícil”, segundo a direção sindical.
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Grupo formal – aquele que está organizado com coordenador, reuniões regulares e objetivos definidos. Grupo informal – aquele sem as características do grupo formal, mas que se reúne assistematicamente. 40 Depoimento de trabalhadores volantes. 39
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Porém, combina-se com a diretoria, a possibilidade de um trabalho junto à categoria no segundo semestre. Volta-se a entrar em contato com a diretoria. Num primeiro encontro, com o presidente e secretário, sugere-se o início de algum trabalho que viesse romper com essa situação, somando-se a isso o analfabetismo da categoria. Imagina-se iniciar o curso de alfabetização aproveitando os alunos do curso de Magistério que teriam nas suas aulas uma unidade de educação de adultos. Planeja-se em seguida avançar para encontros de nível de educação sindical, passando pelo Estatuto da Terra. Mas tudo deveria sair do encontro com os sindicalizados. O encontro não é prática comum nesse sindicato. E, ainda, vive-se o ano de campanha eleitoral e o presidente em nada concordou. Alega que “qualquer reunião aqui neste ano, eles (os políticos) entendem que é política dos partidos. O sindicato não é para fazer política.” Assim, além das dificuldades inerentes à organização dos trabalhadores no campo, o que se ressalta é o forte cunho ideológico da atual corrente hegemônica do sindicalismo rural, contrapondo-se à nova corrente de construção do sindicalismo pela base. E a vez e a voz do trabalhador? No país inteiro, o trabalhador está sem vez e sem voz. Todo o sistema contribui para que isto aconteça. Mesmo entre os sindicatos, são ainda poucos aqueles que assumem a luta de suas categorias e da classe trabalhadora. O sindicato em questão, em nenhum momento das entrevistas, foi sequer citado. Entretanto, quando a discussão sobre associações vem à tona, os entrevistados entendem a sua importância e 85,0% aprovam a necessidade associativa. Mas, mesmo naquele momento da entrevista, também perguntado se participariam, 73,6% respondem afirmativamente. Porém, há distanciamento para efetivar-se tal proposta. A igreja local sofre desse afastamento das pessoas de seus grupos. “Cada um por si e Deus por todos” é um lema que precisa urgentemente ser desfeito na comunidade, resgatando-se a participação. A partir dos encontros, entende-se que seria possível o início de um grupo na comunidade pelo sindicato. Mas a idéia de reunir terminou “aterrorizando” a direção sindical. Nada significou a pesquisa para o sindicato.
Professores do colégio O primeiro contato na comunidade dá-se com os professores locais do Colégio Padre Francisco. O colégio abrange da 5a série do 1 o até 2o grau. Em função dos contatos efetuados em 1981, quando da preparação do projeto deste trabalho, ficou acertado o apoio da escola ao trabalho de pesquisa. O investigador também passa a lecionar naquela escola durante o tempo da pesquisa. Iniciase o trabalho numa classe da 2a série do 2o grau. Como professor, iniciam-se contatos com os demais professores de todo o colégio. A administração admite a discussão de muitos problemas existentes e que perduram. Os professores, por outro lado, resignam-se diante da situação. Mas que problemas apresenta o colégio? De início, sentese a falta de planejamento, comprovada pelos próprios professores que comentam sua inexistência. Nunca houve reunião para planejar o trabalho no colégio. Constata-se que a grade curricular do curso pedagógico é a mesma do curso científico. Surgem questões de ordem disciplinar, administrativa e, sobretudo, financeira. Somente em agosto professores e funcionários recebem o salário do mês de março. Os professores, na verdade, estão no colégio à noite, apenas, em busca de uma complementação salarial. Observando-se a trajetória da implantação dessa escola no município, ela apresenta comportamento singular. Instala-se a 1a fase (primário) e 2a fase (ginásio) e depois o 2o grau, mantendo-se aí. Até 1960 implanta-se a 2a fase. No final da década de 60 implanta-se o 2o grau. Até aqui tudo normal. Em seguida, desaparece o 2o grau com cursos de Contabilidade e Magistério. Permanece o 1o grau, apenas. Em 1982 inicia-se o funcionamento do curso de Magistério. Porém, em 1983, volta a funcionar apenas o 1o ano do 2o grau. Porém o que diz a comunidade sobre a escola que tem para seus filhos? A resposta vem do questionário aplicado para detectar as necessidades básicas da comunidade. A opinião sobre a escola indica que a comunidade sente o descaso para com a educação e 61,5% opinam que ela não está boa. Conhecendo esaa situação ela é capaz de também apresentar soluções. Perspectivas de mudanças para os professores se mostram longínquas, de tal forma que não aparece claro o que fazer ou mesmo como iniciar. Porém, a partir de contatos com mais professores, sente-se possibilidade de se promoverem encontros de atualização pedagógica. Elabora-se, com mais quatro outros professores, um programa
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proposto sobre: educação e sociedade (envolvendo didática para matemática, ciências, comunicação e expressão); educação no município. Esse trabalho seria executado com o pessoal da própria escola. O programa é apresentado em reunião dos professores. É a primeira reunião feita até então, com esse objetivo. Realiza-se a reunião com a presença do administrador-adjunto. Com a definição da pauta da reunião, sugestão de todos os presentes, o programa que seria apresentado não foi necessário, já que as principais necessidades daquela escola eram: questão administrativa (a direção é uma interventoria desde 1976 e, portanto, deveria regularizar tal situação); conhecimento da Lei n o. 5692/71 e da CNEC; questão educacional (aqui entraria o programa proposto, mas não discutido). As propostas discutidas e não encaminhadas, entretanto, conduzem ao impasse de mudança na direção do colégio. Não havia pessoas que se dispusessem a assumir a direção. O trabalho com o grupo, que apenas havia iniciado, não foi adiante. Alunos do curso de magistério ( 2o. ano) A escola está desprovida de qualquer forma de planejamento e organização curricular; há agravantes de ordem material como, por exemplo a ausência de uma única folha de papel para qualquer tipo de trabalho, livro, ou mesmo, máquina de datilografia. Inicia-se o contato com a turma, composta por quatorze alunos, no mês de agosto. São consultados a respeito do curso pedagógico. As respostas dos alunos são as mais diversas: estão no curso em busca de uma mera conclusão do 2o grau e o curso tanto faz; por entender que é preciso; por não poder fazer outro; por não querer ficar parado, sem estudar; por não ter outro na cidade ou mesmo por experiência. Para serem professores apenas existem duas afirmativas. As aspirações desses alunos do segundo grau são modestas, já que não apresentam nenhum interesse em prosseguir estudos, mesmo se as possibilidades lhes forem favoráveis. Lembrando SARUP (1980: 119), no capitalismo, “a educação é realizada em circunstâncias tão alienantes que se torna um processo de desumanização”. Assim mesmo, mostra-se um esquema de trabalho procurando orientação na própria legislação de ensino em que as escolas considerem as necessidades educacionais básicas da comunidade. Enquanto avança-se em nível teórico, chega-se também a um levantamento das principais necessidades apresentadas pela comunidade. Estas questões são discutidas, assim como o questionário aplicado na comunidade, sendo analisados seus resultados parciais. As aulas são interrompidas na escola desde o início de outubro, em função da campanha eleitoral. As aulas se tornam impraticáveis, especialmente por serem noturnas, paralisadas em função dos comícios e passeatas. Só no começo de dezembro inicia-se a aplicação do questionário para detectar as necessidades básicas da comunidade. Juntos saem à noite durante o expediente das aulas, voltando em seguida à escola para discutir-se o trabalho daquela noite. Os alunos, em sua maioria, ficam entusiasmados com a proposta do trabalho; outros ficam desconfiados sem entender mesmo o porquê, pois tudo lhes parece estranho ao seu aprendizado e conhecimento da realidade. Outros optam por outra atividade que substitua aquela de aplicar os questionários e discutir as questões levantadas. A concepção de aprendizagem, como um processo dinâmico e contínuo é entendida pelos alunos no quadro negro; porém, sua execução abala a estrutura estática da aprendizagem veiculada pela escola. Para o ano de 1983, prevê-se um entrosamento com o trabalho do MOBRAL, onde passaria algum tempo de estágio. No entanto, descobrem-se já no início da aplicação dos questionários, dezoito adultos que podem iniciar o processo de alfabetização em fevereiro. Inicia-se também a elaboração do material didático. Conclui-se o período letivo com uma auto-avaliação final. Veja-se o primeiro parágrafo de uma delas: “alta-avaliação – 05/01/83. Primeiramente peço-lhe que não fiques com raiva com o que eu vou mi declarar... você usava um vocabulário muito auto para o nível da turma, então nós ficávamos vuando um pouco”.
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Da turma, cinco desistem ao longo do semestre e outros foram reprovados sobretudo em português. Como apenas duas alunas moravam na cidade, não foi mais possível o contato com todos. Não voltam quando do reinício das aulas.
Grupo do MOBRAL Os programas pedagógicos do MOBRAL já trazem tudo pronto. Os postos nas pequenas cidades são apenas executores de tarefas já determinadas pelos programas, em geral, de nível nacional. Mesmo na execução desses programas, é mantida uma inspeção, de modo que pouco espaço resta à atividade de organização do povo. Mesmo assim, iniciam-se contatos com as professoras do MOBRAL e, sobretudo, com as coordenadoras. Por várias vezes discutem-se as questões levantadas por elas mesmas, destacando-se as de ordem educativa. A Prefeitura mantém rigorosa fiscalização em relação às professoras do MOBRAL. Após campanha eleitoral, uma professora de outra facção política é despedida. Não importam seus treinamentos feitos. Mesmo assim, as inspetoras da região esclarecem que no MOBRAL não há política. Some-se ainda a não continuação de muitos programas educativos. Há programas, como o de ação comunitária, que estão paralisados no meio das atividades. Aqui, uma campanha de filtro não foi à frente, enquanto a comunidade foi mantida nesta expectativa. Como resultado desgastam-se as coordenadoras do programa. São comprometidos ainda outros trabalhos de base que possam surgir. Entretanto, elas estão envolvidas na aplicação dos questionários (Anexos 2 e, 3) e hoje, chegam a apoiar a reativação dos guerreiros ajudando, porém, fora de sua programação oficial. O que se observa é a desmisficação de uma possível educação popular feita pelo Estado. Sua ação não passa de mera inspeção e execução de prescrições legais, vindo a perder o significado que ele pode ter como educador do povo. Parece ser necessário descartar esta possibilidade educativa do Estado: “É pelo contrário o Estado que tem necessidade de uma muito rude educação pelo povo”(MARX e ENGELS, 1978: 89). Esporte Com o pessoal do futebol se dão os primeiros contatos para a ação. Conhecendo o pessoal que dirige a equipe, houve um encontro com vinte e cinco jovens do esporte local, no próprio campo. Depois do jogo, para-se por um momento e há a apresentação das idéias que se tinha para o esporte leopoldinense. Uma preocupação é, entretanto, a participação de todos que fazem o esporte. Discute-se a necessidade de aquele grupo automanter-se como equipe, além da sua própria independência financeira, de modo a quebrar o vício local, que é a Prefeitura sustentar as equipes. Fala-se da necessidade do fortalecimento da própria direção da equipe, bem como sua rotatividade. Todos concordam com estes aspectos levantados. Agora, parece que as coisas vão acontecer no futebol leopoldinense. Marca-se um outro encontro, na Câmara de Vereadores. Um jogador está presente. Mas não há desânimo, marca-se com a diretoria novo encontro, ainda na Câmara. Nesse dia chove muito e ninguém comparece. Combina-se novo encontro e nada parece interferir para sua realização, mas também não se fazem presentes. Desânimos, sem dúvida, frente a esse grupo. Na verdade, era uma resposta muito clara e entendida, posteriormente. Esse grupo de jovens, sobretudo a direção da equipe, se constitui de moços que são funcionários municipais ou estaduais e, sobretudo, de bancários. Este grupo, no meio rural, não apresenta disposição para mudança. São assalariados estabilizados. A discussão no campo de futebol vai de encontro à situação reinante e dominada por eles. Quebrar a ligação da equipe com a Prefeitura e construir-se como equipe independente não soa bem aos seus ouvidos. A manutenção do “statusquo” é a manutenção dos benefícios do grupo. Portanto, não há por que mudar. Se se almejasse qualquer mudança por aí, esta possibilidade já estaria negada. A sua resposta negativa poderia ser prevista.
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Grupo do esporte Nova Geração Passados dois meses de atividades na comunidade e agora conhecendo mais detalhes da mesma, imagina-se como não funcionou a tentativa de organização do esporte no início. O futebol que tem tudo para se estruturar em qualquer lugar neste país, a questão da classe social interfere na organização de equipe. Mas como uma comunidade ter apenas uma equipe com população jovem tão expressiva? Assim pensando, logo se percebe que um número muito maior de trabalhadores e filhos de trabalhadores não participam da única equipe local. Tudo surge mais fácil quando se descobre ainda a existência de uma outra equipe (Nova Geração) que tinha parado suas atividades há um ano. Então, decide-se promover o reencontro dos ex-componentes.
Nova Geração Esporte Clube
Encontrados seis dos antigos participantes, prepara-se um boletim convidando seus colegas para reagruparem-se. Dois dias depois, ainda em outubro, reúnem-se quatorze dos vinte convidados para uma explanação sobre a necessidade de organização e união. O pessoal esteve sempre calado. A falta de prática de reunião, para discutir suas questões, é um dos maiores problemas da Zona da Mata. Daí já se discutem o treino e a composição da equipe. Marca-se o próximo encontro no próprio campo. Define-se o treino para as madrugadas, das quatro às seis horas, em função do próprio trabalho dos atletas. Dois membros assumem acordar os demais jogadores. Estava sendo introduzida a prática de reunião. Na comunidade não há grupos que mantenham reuniões sistemáticas. Somente o grupo de jovens se reúne, esporadicamente. Passadas duas semanas, prosseguem os treinos e mais uma reunião com doze atletas. Nesse dia acontece um grande comício com políticos de Maceió, bandas e passeatas e mesmo assim ocorre o encontro. Avança-se na discussão colocando-se a necessidade de se apagar a figura do “dono do time”, uma prática normal na comunidade. A idéia é bem aceita. Assim, com o entusiasmo, compra-se coletivamente uma bola e uma outra por crediário. A equipe começa a não ter “dono”. Em reunião
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seguinte, é apresentada proposta de se pedir bola aos políticos (sobretudo o usineiro). Nesse momento, cinco deles são contrários a tal proposta alegando que aquilo já havia sido discutido e que todos iriam assumir as despesas da equipe. Depois dos treinos, realiza-se uma partida oficial com uma equipe do mesmo nível. Afinal, uma equipe não só treina, também enfrenta adversário. É grande a alegria: o Nova Geração bate o adversário de quatro tentos a um (4X1), em jogo que se encerra meia hora antes, quando a outra equipe não permite a cobrança de uma penalidade máxima, mesmo o juiz sendo da equipe adversária. Os atletas de Nova Geração passam a acreditar que o preparo físico é determinante para a vitória. A outra equipe não agüentava jogar naquele ritmo. No mês de novembro, os atletas reunidos aprovam o nome de Nova Geração Esporte Clube e não apenas futebol. Inicia-se a prática do “espiribol” como novo esporte suscitando novo entusiasmo, não só para a equipe. Definem-se as questões para serem solucionadas:
a questão da existência do time como entidade dependente só de seus membros, bem como a educação esportiva (estudo de regras de jogo) pelos membros da equipe; a organização da secretaria do time, registrando seus atletas; a busca de informações técnicas. As reuniões vão acontecendo todos os sábados, à tarde, no Centro Paroquial: define-se a contribuição dos atletas; escolhe-se uma comissão para dirigir a equipe; um processo de eleição é instalado. Com a participação de todos os trinta e quatro componentes, é escolhida a direção. Tomam posse o coordenador financeiro, o coordenador de patrimônio, o coordenador de secretaria e o coordenador técnico. A escalação da equipe deixa de ser definida pelo coordenador técnico e passa a ser feita coletivamente. A presença nos treinos físicos é decisiva para a escalação aos jogos, um processo que os rapazes estranham de início, mas depois aceitam com naturalidade. Um espírito novo surge na equipe que é o de sua independência e de seus atletas. Eles decidem também que o atleta do Nova Geração será unicamente da equipe. e que outros constituam equipes independentes. A organização da equipe avança mais ainda, até quando um dos coordenadores segue com outra equipe a Maceió sem autorização da assembléia deles. Reage-se bastante contra isto e na reunião seguinte o coordenador teve de se explicar diante de todos. Sua explicação foi mais no sentido de mostrar as falhas do outro time e de tal forma que a Nova Geração não podia caminhar por ali. Ele é mantido na equipe. Porém, no dia seguinte, faz-se uma nova reunião de emergência onde o pessoal decide expulsar do time seu melhor atleta e único goleiro. Ele estava jogando pela outra equipe local. O grupo continua se reunindo, agora sozinho, durante todo o mês de dezembro, sem a presença do pesquisador/educador. Quando de sua volta, no dia 7 de janeiro, já havia campanha sutil encabeçada pelo jogador que foi expulso, dizendo que a equipe ia se acabar. Fazem treinos só uma vez por semana e só jogam com uma equipe. Reiniciam-se os treinos. Buscam novos jogos pois afirmam que “time que não joga não é time”. Sempre se faz convite às reuniões através de boletins, mas poucos são lidos. A comunicação é mesmo a verbal. Mesmo assim, aproveitando-se a necessidade de novas partidas, monta-se novo boletim com o calendário dos novos encontros das equipes e surge uma nova reativação para todos. No dia vinte e sete, tem-se um grande encontro de duas equipes para se juntarem em uma única: Nova Geração e Real Esporte Clube. Um boletim foi distribuído a todos com frases dizendo: “A força maior se dá na união; as duas equipes têm condição de se tornarem juntas uma forte equipe; criar uma forte equipe só depende de nós”. Forma-se, então, o Nova Geração Esporte Clube. O investigador retorna à comunidade em março, com dados coletados sobre as necessidades educativas básicas locais. Sobre o esporte, prepara-se nova reunião para discutir a situação do esporte de Colônia. Dessa reunião com um grupo de vinte e seis atletas, tiram-se as propostas que devem ser encaminhadas ao Prefeito: a sede coletiva para os alunos esportistas (administração cabendo às equipes locais);
um ginásio público para todos os esportes; a construção de quadras; a construção de outro campo de futebol;
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a contratação, pela prefeitura, de professores formados em educação física, pela prefeitura; o incentivo de novos esportes.
As discussões nessas reuniões passam por pólos opostos, desde aqueles que entendem que só com mais reuniões e mais organização o prefeito atenderia ao pedido da equipe, até aqueles que entendem que o prefeito nem iria recebê-la. Acontece a nova reunião com um documento preparado, distribuído entre eles, sendo aprovado e encaminhado ao prefeito, no dia 11 de março. Dezoito atletas fazem-se presentes nesse encontro com o prefeito. No momento há uma apresentação de fotos do time. Em seguida distribuem-se cento e vinte cópias desse documento na cidade. A direção do time continua agora nas mãos de cinco coordenadores, pois em reunião restauram a figura do presidente criando o coordenador presidente. A base de decisão do time é, entretanto, a assembléia realizada aos sábados.
Clube de jovens Este era o único grupo formal que havia na comunidade. São realizadas três reuniões com vinte e cinco jovens. Tais reuniões acontecem depois de uma fase de estagnação do clube, que há muito tempo não se reúne. No final do ano, após a campanha eleitoral, volta às suas atividades. Em seguida, dá-se novo período de recesso, retornando às reuniões em março. Nas reuniões constata-se uma evasão constante de jovens. Apesar de todo esforço dos religiosos locais no sentido de dar maior dinamismo ao grupo, ele não avança numa direção planejada. A coordenação do grupo resume suas atividades às reuniões; atividades de cunho meramente religioso (orações). Há também a necessidade de uma práxis que busque a unidade da oração com alguma prática social no meio. Inicia-se a apresentação dos “slides” fé e política. Este conjunto trata da organização política do assalariado. Mas com a organização do grupo de esporte Nova Geração, os horários das reuniões de ambos coincidem. Opta-se por reforçar a equipe de futebol.
Círculo de cultura Passados já vinte dias na região, chega-se a contatos com várias pessoas. Discutindo sobre as questões municipais, observa-se a possibilidade de um encontro entre o pessoal interessado. Num bate-papo informal, reúne-se pela primeira vez no Salão Paroquial pertencente à Igreja Católica. Esse encontro dura pouco mais de uma hora. Aproveita-se, inclusive, para se marcar outros encontros semanais. Os componentes desse grupo exercem as seguintes atividades: barbeiro, agricultor, pedreiro, servente de pedreiro, professor do MOBRAL, pintor e artesão. Neste primeiro encontro, o grupo não faz comentários sobre o que foi apresentado, apenas acena concordando durante a apresentação. Após os dois encontros, outros não acontecem mais, nem os componentes comentam sobre o círculo da cultura. Mas o que acontece com este grupo? Ora, a discussão que se planejou como início de um plano mais abrangente culminaria com uma prática. Aquele estudo pareceu não ser importante para eles e assim resolveram não mais se encontrar. Se, por um lado, passa-se informação aos trabalhadores, esta “desreificação teórica não basta porque não resolve o problema de superar essas limitações” (SARUP, 1980: 96). E aí, talvez, um dos membros já aponta a necessidade daquele grupo que era associar tudo aquilo a uma prática. Já busca uma práxis que era necessária: a união daquela discussão apresentada a um fazer; além da crítica teórica, faz-se mais urgente uma ação social associada. Grupo de zabumba Este é um grupo informal que já existia. A Banda de Zabumba São Sebastião se constitui de seis instrumentos: duas tabocas (pifes); um tarol; uma zabumba; um bombo (surdo) e um par de pratos. Uma característica da banda é, atualmente, a versatilidade de seus componentes quando tocam. Eles afirmam que tocam “como em sociedade”, isto é, todos os instrumentos. O indivíduo, ao iniciar
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sua participação ao modo de tocar dos outros, vai se afirmando em todos os instrumentos. Utilizam desse rodízio, inclusive, como momentos de descanso ao permutarem os instrumentos.
Banda de Zabumba São Sebastião O seu repertório é bastante amplo, tocando hinos religiosos, como os hinos de São Sebastião, São José. Tocam também em santas missões, romarias, procissões e forró. O tocar dos hinos dá-se em função dos Padroeiros das Comunidades onde a banda toca. A valsa, tango, dobrados, marchas, hino nacional também são tocados. “O Hino Nacional é tocado no dia 7 de setembro, a descoberta do Brasil”, como diz seu Chiquinho. Um hino muito tocado é “prá ti amada”, como diz seu Luciano, querendo dizer “Pátria amada”. Numa das reuniões observa-se que eles tocam com instrumento da Banda Marcial da prefeitura, enquanto seu instrumental original é artesanal, amarrado de corda. Os couros dos instrumentos são de bode e de gato. Levanta-se a questão dessa troca de material original. Muitos dão palpite e passam duas horas falando sobre a necessidade ou não de se voltar aos instrumentos artesanais. No final, seu Chiquinho comenta que a Banda teve um encontro em Maceió, onde se apresentaram bandas de todo o Estado de Alagoas, umas trinta a quarenta. Tocaram e se apresentaram e, finalmente, saiu vencedora uma que se apresentou com instrumentos artesanais, isto é, zabumba, bombo e tarol amarrados de cordas. Hoje muitas dessas bandas de zabumba aderem aos instrumentos novos de metal, desfigurando a verdadeira banda de zabumba. A Banda de São Sebastião adere também ao “modernismo”. A vitória da Banda em Maceió, segundo seu Chiquinho, foi uma vitória que “foi feia, foi triste”. O Grupo cresce, entretanto, e passa a entender também que “eles tiveram valor, pois foi com o primeiro instrumento”. Assim, continuando chega-se a juntar todos os grupos ligados à arte local. Esses grupos reunidos fazem uma discussão sobre arte popular, alicerçando com o trabalho da própria zabumba. Em seguida há apresentação da Banda, uma sintonia entre o que se falava e o que se fazia na localidade. Em outra reunião, no mês de setembro, discute-se a história da Banda. Alguns se lembram de passagens importantes quando tocavam em coretos com a Banda de Música local, que hoje não existe mais. De suas apresentações em frente à igreja e outras localidades surge a idéia de, conjuntamente,
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montar-se a história do grupo. Vários encontros são gravados, transcritos e discutidos até chegar-se ao texto final dessa história. É a volta às origens. O texto é lido e discutido para que traduza aquilo que eles entendem como sua história. Hoje ela está escrita. Dessas discussões sobre a história, avança-se para o trabalho deles como artistas. Tiram-se várias cópias que o grupo decide encaminhar às escolas, Prefeitura e Câmara de Vereadores (Anexo 4). De que forma esse grupo demostra organização? Ora, em uma de suas apresentações em homenagem ao Padre Cícero, promoção da Prefeitura no dia 13 de novembro, o prefeito paga a eles o valor de um dia do cortador de cana, o equivalente ao corte de uma tonelada de cana. O grupo entende que este não pode ser o referencial de pagamento para a Banda Marcial que pertence à Prefeitura e então, “vamos tocar, agora, é um contrato”. Tocar com um acerto prévio, o que não acontecia. Manter seu instrumental artesanal passou a ser fator de auto-afirmação do grupo. O grupo demostra organização ainda quando parte para uma listagem de entidades e pessoas que precisam conhecer melhor as atividades da Banda. O grupo, mais uma vez reunido, decide visitar outros municípios, além das Prefeituras e Câmaras de Vereadores dos municípios vizinhos, como Joaquim Gomes (Al), Ibateguara (Al), Maraial (Pe) e Palmares (Pe) e Novo Lino (Al). Preocupam-se, sobretudo, com os promotores dos festejos religiosos. Saem da dimensão municipal para outros municípios. Além disto, aumentam o número de apresentações, que ocorriam apenas no final do ano, para qualquer época. Durante um dos encontros, seu Lúcio fala:
Minha cabeça tá zinindo. Por que, Lúcio? Porque com essa história toda nós vai ser chamado mermo a tocar e aí? Precisamos juntar mais o pessoá e tocar muito mais.
Agora estão também escutando os discos de outras bandas de zabumba. Ressalte-se ainda que, quebrando a prática de tocarem apenas em festa religiosa, já estão tocando em qualquer momento, por convite, e já acompanham pela cidade uma promoção de grupo de arte, e exposição de quadros e fotos em várias ruas da cidade. Estão tocando para o povo “ver e apreciar”.
Grupo dos guerreiros Esse grupo se forma de maneira diferente dos demais. Os componentes de outros grupos que participam, na aplicação de questionários de pesquisa, descobrem as pessoas interessadas nos guerreiros quando da aplicação dos questionários. A reativação dos guerreiros era uma dúvida, que foi explicitada quando da aplicação dos questionários. À medida que estes são aplicados, discutindo-se com as pessoas, o problema da reativação dessa festa folclórica se expressa de forma aguda. No final, descobrem-se pessoas não só sentindo falta dos traços culturais que estão se acabando, como também dispostos a enfrentar o problema. Num questionário aplicado numa bodega, com cinco trabalhadores do campo, percebe-se a disposição de um deles em ativar os guerreiros. Logo há empolgamento do pessoal da rua. E então, lança-se a idéia de possível encontro para tal fim. Ocorre o encontro e dez pessoas daquele setor da cidade participam. Essas pessoas são as pontas de lanças para a montagem e a administração do futuro guerreiro. Na reunião discute-se sobre a situação dos moradores locais da cultura esquecida e como ia acontecendo tudo isto; a importância de um grupo para a Mangueira e também outros problemas locais. A criação de um guerreiro pode abrir condições de se montar tabuleiros e bugigangas, sobretudo cachaça, milho verde, pamonha e confeitos que poderiam servir de ajudas aos iniciadores e coordenadores da festa. Nas reuniões levantam-se questões como a de buscar um sanfoneiro, o mestre, o contra-mestre, dois embaixadores. O mais difícil, entretanto, é palha e madeira par se montar a palhoça, pois isso envolve dinheiro. Os participantes da reunião assumem o trabalho de fazer a palhoça. Mas, como arranjar o dinheiro de comprar madeiras e palha? Ora, antes de se conseguir isto, tem-se de conseguir a autorização da Prefeitura para instalar-se o guerreiro no meio da rua, como é necessário. Para se chegar a tal autorização, pelo menos mais dois meses se passaram.
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Surge outro importante trabalho do grupo de arte que havia assumido, em suas reuniões, a ajuda ao guerreiro. O grupo assume as tarefas de reuniões com esse outro grupo. Na organização de grupos, surgem tarefas que, às vezes, escapam às suas possibilidades. Como a organização ainda é muito incipiente, não é fácil a execução das tarefas. Aí exige-se muito mais do pesquisador/educador e do grupo. Há tarefas que podem ser resolvidas com certa brevidade, pois esperar para que o grupo resolva sozinho, em vez de contribuir para um maior enriquecimento organizativo, contribui para um descrédito de sua força. O grupo decide encaminhar sua solicitação ao prefeito que seria empossado. Na verdade, este encontro só veio acontecer em maio com o Grupo de Arte e Zabumba, conjuntamente. Juntos preparam suas propostas e em reunião aprovam o documento que foi entregue e discutido com o prefeito. O espaço físico foi conseguido e hoje se dança guerreiro às quartas-feiras, aos sábados e aos domingos. Fotógrafos Iniciam-se no mês de Setembro os preparativos para a festa de reinauguração da Igreja Matriz. É feito convite pelo padre para reunião com os jovens e Lyons Clube, recentemente criado, para discutir-se o dia da festa. O encontro se reveste de importância, por permitir que se conheçam mais jovens na comunidade com os trabalhos feitos para o MOBRAL, Igreja e Esporte. Aí também aparece um fotógrafo. Vê-se a possibilidade de como os demais (seis ao todo) fotografar-se a Igreja Matriz. Entrase em contato com todos eles e, em particular, todos combinam e sentem necessidade de se fazer um trabalho para mostrar ao povo. Um trabalho que fosse além de retrato e monóculo, que mostrasse que fotografia também é arte. Já se imagina então uma programação de atividades com esse grupo, iniciando-se com pequenas coisas organizativas, tais como carnês de endereço dos solicitantes de monóculo, já que eles perdem muitas fotos sem saber o dono. Daí programar-se-ia o trabalho de fotografia da Igreja Matriz. No próprio trabalho de fotografar, discutem-se questões técnicas e fotos até aparelhagem fotográfica. Seria atingida a própria organização dos fotógrafos, definindo os preços dos seus trabalho, já que variam muito. Marca-se o primeiro encontro e aparece um fotógrafo apenas. Marca-se com os demais o segundo encontro e nada, apenas dois aparecem. Com estes, define-se o trabalho de organização deles mesmos e chega-se até a fotografar a Igreja e apresentar o trabalho do mês de outubro na praça da Matriz. Organizá-los como um grupo foi impossível. Os fotógrafos não se constituem nem mesmo como grupo informal de encontros esporádicos, nem avançam para uma maior organização, pois três deles são “intrigados”, isto é, nem se conversam. Grupo de arte Em contato com a coordenação do MOBRAL, as professoras descrevem as atividades que promovem. Entre os programas descritos, está o de “ação comunitária”. O programa se constitui de cursos de bordado, crochê e artesanato em corda. Descobre-se o artesão, promotor do curso, um jovem vivendo isolado que não acredita naquilo que faz. Além dele descobrem-se mais três que faziam pintura e artesanato. Todos, entretanto nem estão pintando nem fazendo artesanato. Vê-se o trabalho de todos. No início de setembro, há um reunião com o pessoal do MOBRAL, do esporte e com todo pessoal interessado em arte. Nesse encontro, discute-se o que se faria no dia três de outubro, quando ocorreria a festa de reinauguração e restauração da Matriz local, um momento de grande interesse para a comunidade. Nessa reunião, discute-se a forma de participação desses jovens nas comemorações. Logo em seguida, realiza-se uma reunião com o Lyons Clube, com o mesmo objetivo. Ao final do encontro, fica aprovada a participação daquele grupo de jovens para: descobrir o pessoal que tem trabalhado na cultura popular local, para reativá-la; mostrar a arte de Colônia aos seus habitantes. O MOBRAL e o Lyons Clube dão apoio, inclusive financeiro. Para os presentes na reunião, foi mostrado que se inicia um refazer da cultura que estava em extinção, inclusive com o pessoal ligado às atividades artísticas que estava desmotivado e desorganizado. Parte-se daí para se mostrar o
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material que tinham. Continua-se com a distribuição de tarefas para serem cumpridas. Bem próximo ao dia 3 de outubro, distribui-se um convite para a amostra em todos os domicílios da cidade. Um convite à comunidade alerta para a extinção dos traços culturais locais, tais como: guerreiros, reizados, cavalhadas, pastoris e cocos de roda. Conclamam-se todos à ação, já que não se pode assistir ao fim de tudo sem se fazer nada. Pretende-se percorrer algumas ruas da cidade com a amostra do material artístico, mas a idéia não funciona e acontece uma única apresentação em frente à Igreja, no centro da cidade. Constitui-se de artesanato, pintura e fotografia. Eles não acreditam que possam mostrar a sua arte na cidade, jamais admitem que pessoas convidadas de fora pudessem ver as suas produções de arte. Foi um trabalho marcado pelo espontaneísmo, característica das atividades populares na região. Questionados sobre o que representou esta primeira amostra de arte, os integrantes do grupo respondem: Fernando: Para nós foi muito bom, porque realmente se não fosse essa primeira amostra de arte, a gente não teria condição de formar um grupo de arte. E outra coisa, o grupo não tem condição de ser independente, a gente teria de falar com as autoridades. Elias: O artista sozinho não tem condições, a não ser que seja rico, mas o grupo tem condição de sobreviver sem ajuda de autoridade, será necessário que os artista se ajudem. A primeira amostra ocorrida no 1o semestre foi a oportunidade de divulgar a cidade de Colônia Leopoldina. É devido a ela que o grupo está existindo. As discussões seguem em torno do tema “força do grupo” e ao que se apresenta. Se não é devido a esta amostra que o grupo está existindo, pelo menos, deve-se a ela um momento determinado para sentirem-se com força de fazer algo, como grupo. Numa reunião seguinte, entretanto, há um relatório do que foi o festival de São Cristóvão, em Sergipe. Dois dos membros do grupo de arte estando em Maceió para venderem sua produção, resolvem ir até aquela cidade onde acontecia o Festival de Arte, um encontro de toda a América Latina. O entusiasmo do grupo cresce. Outras reuniões acontecem, onde se discutem cultura popular e arte, com base em textos simples. Num desses encontros, amplia-se a discussão e chega-se a reunir com o grupo de zabumba e alguns interessados pelos guerreiros. Montam todo um jogo de “fotos” sobre os zabumbeiros e discutem a cultura popular. Segue a análise do grupo sobre esse encontro: Fernando: Acho que falta muita coisa para eles se juntarem a nós, pois nosso grupo é muito “evoluído”. Eles também têm de lutar, se inciarem. Elias: O grupo deles já existe, está reunido. Então eles venham a nós e vamos ajudar. Irá: Mas é por causa disto que temos de dar uma força a eles. Fernando: Eles não vão poder entender, e para eles entender... Irá: Justamente que é preciso ir lá com eles. Elias: Sabe como é. A gente pode ajudar. E não deixar que os grupos morram. Concluem com um consenso geral no grupo, no sentido de que podem e devem ajudar outros grupos. Continuando o trabalho, esse grupo promove a 2a Amostra de Arte. Cada componente do grupo continua produzindo seus trabalhos. No começo de dezembro, inicia-se a aplicação dos questionários sobre as necessidades básicas e os componentes do grupo ajudam também na sua aplicação. Já no final de dezembro, novo fato desponta como outro momento cultural. É a festa de São Sebastião, tradicional no município. O grupo de arte reunido decide realizar a segunda amostra, que agora seria não mais um fazer pelo simples ato do fazer. Porém, definem-se os objetivos e a composição da amostra, mantendo-se ainda a idéia de percorrer a cidade. Tudo isto é discutido e definido coletivamente. Um boletim informativo contando o que é essa amostra de arte da Colônia Leopoldina, seus objetivos, sua composição e em que ruas passaria, foi distribuído à comunidade e divulgado na missa de domingo. Se a primeira amostra estava restrita a uma apresentação apenas, a segunda se propôs realizar quatro apresentações, das quais se concretizaram três, já que choveu em um dos dias previstos. Os objetivos são: mostrar a arte da cidade à própria cidade; levar o leopoldinense a valorizar sua arte; proporcionar discussão entre os visitantes da amostra e apresentar a arte ao povo como um momento educativo entre povo e artista. O leopoldinense pode não ter chegado a valorizar sua arte, não conseguindo o grupo atingir um dos objetivos por falta de atitudes que o demonstrem.
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Contudo, a arte foi mostrada ao público interessado. Se a discussão não ocorreu, como talvez o grupo todo esperasse, ela se dá pelas próprias observações do grupo quando mostra que alguns saem pegando, mexendo ou mesmo questionando: para quê é isto? Ou de quem é isto? Ou ainda quando se aproximam fazendo sua análise e respondendo e saindo; ou até mesmo quando observam à distância. Mas se nenhum objetivo foi explicitamente conseguido, pelo menos um estaria assegurado: ter tornado o evento como momento de interação povo-artista. Se por parte do povo há questionamento, dúvidas, receios, medo, desconfiança, ou não lê o boletim querendo pastoril, buscando o dono dos quadros para saber se era de “alguém”, o apoio maior vem das crianças presentes. Algo ocorre em suas mentes. Um processo educativo processa-se nas mentes desses visitantes que pela primeira vez, vêem e observam esses trabalhos na sua comunidade. Mas e da parte do grupo? O processo educativo buscado pelos artistas se expressa quando o grupo responde sobre o que representou para eles a segunda amostra de arte: Irá: Esta 2a amostra foi um duro. A segunda deu mais coragem; foi mais à frente; agiu mais e foi melhor. Melhora apresentada e estamos indo. Estes aspectos são compartilhados por todo o grupo. E ainda sobre que avanço houve (se é que houve) eles respondem: Elias: Na primeira amostra, houve acanhamento. O pessoal nunca se reuniu e na segunda amostra a gente foi superando e não tínhamos mais acanhamento de andar com quadros e trabalhos debaixo do braço. Houve avanço assim de, sem exibição, quebrar o medo. Sem ter trabalhos diferentes mas houve avanço de querer mostrar sem medo e sem manha. Fernando: Acho que houve evolução. Agora achei os trabalhos (pintura) na primeira e na segunda muito fracos. Três meus e outros de Elias, mas é pouco para a exibição. Da próxima, iremos fazer e trazer muita coisa para mostrar lá fora. O grupo continua a produção, mas ainda necessita de maior divulgação. Maio é mês de vários festejos religiosos. O grupo reúne-se ainda no início de abril e decide apresentar o Cultural de Maio, isto é, vai mostrar o material, a produção artística aos alunos da escola. O grupo faz visitas às escolas da cidade, Usina Taquara e destilaria Porto Alegre. Definem seus objetivos: divulgar a arte entre as crianças e jovens; incentivar a cultura artística; fortalecer o grupo já que mantinha sua dependência a sua própria força. Do poder local (Prefeitura) não houve ajuda alguma e ainda faz questão de assim continuar. Então, prepara-se novo boletim informativo sobre o que é o Cultural de Maio, com o intuito de continuar despertando a discussão sobre a cultura local. São visitadas quatro escolas nesse mês. Permanece-se todo um expediente em cada uma delas. A garotada observa o material exposto e entrega-se papel a todos para também desenvolverem seu próprio trabalho. Este é um importante encontro com os educandos que cursam a 1a fase do 1o grau, incentivando a liberdade de fazerem algo. Quebra-se o formalismo da escola, naquela ocasião. Ainda nesse momento, o grupo coleta observações também das professoras sobre a apresentação daqueles trabalhos: Edite: precisa voltar mais vezes. Ma Rodrigues: É útil para as crianças se elevarem culturalmente. Auxiliadora: Ótimo, leva a adquirir conhecimento para todos. Cícera: É bom para o desenvolvimento para a criança ir descobrindo alguma coisa daí. Jacy: É bom para despertar a curiosidade das crianças para a arte. Conceição: É bom porque eles gostam de desenhar. Ma José: Educativo para os alunos. Joselita: Válido, pois desperta curiosidade das crianças. Lila: Tem validade pois é incentivo aos alunos. Gesilda: É válido pois a cultura é importante. Ednaura: É valido para despertar nas crianças a arte-conhecimento. Estas são as impressões deixadas nas professoras pela apresentação nos dois maiores grupos do município. Sobre a importância ou não de se continuar com outras apresentações elas também responderam:
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Edite: Importante pois desperta valores artísticos. Ma Rodrigues: Continuar, sim, para o progresso. Auxiliadora: É mais cultura que se aprende. Edileuza: Precisa ir renovando as exposições para dar condição a Leopoldina de ter alguns artistas. Jacy: Já se sentia falta deste trabalho. Conceição: Voltando mais vezes para dar chance de renovar os desenhos. Ma José: Importante pois esta amostra de arte sai da rotina. Joselita: É importante voltar pelo contato humano que há. Lila: É bom para que apareçam outras pessoas que querem fazer parte da arte. Gesilda: Deve continuar pois é educativo. Devem lutar para continuar mostrando os trabalhos. Ednaura: É importante para as pessoas tomarem conhecimento da arte. No desenvolvimento das atividades nas escolas, o grupo coleta também os trabalhos dos meninos nas apresentações e os mantêm como material para estudo e busca de novos garotos que podem contribuir para a arte. Mas, mesmo procurando sua existência, dependendo apenas de si o grupo tem necessidades que devem ser encaminhadas ao poder público local. Para tanto, tira-se ainda nas reivindicações das reuniões de abril uma lista de solicitações ou propostas para a arte leopoldinense, isto feito em conjunto com o grupo de zabumba e grupo pró-formação dos guerreiros. O documento final aprovado tem dois objetivos básicos: despertar a preocupação pela cultura local e apresentar as reivindicações dos grupos ao executivo local. Estas reivindicações saíram das reuniões e traduzem os anseios de seus participantes. Sobre este documento, afirmam: Elias: São propostas do próprio grupo, reivindicações e hoje a gente pensa em ganhar uma casa para trabalhar. Vamos mostrar as fotos de todo nosso trabalho. Pensamos sensibilizar o prefeito já que ele é o “Leão da Cultura” (divulgação da campanha eleitoral). Fernando: Eu acho que, realmente, o prefeito vai dar apoio a nós e a gente tem de saber chegar, mostrar. Ressaltem-se aqui as propostas apresentadas pelos três grupos tiradas em reunião conjunta, grupo de arte, zabumba e guerreiros. O grupo de arte solicitou um espaço físico para arte (uma casa para trabalhar) e uma verba mensal para a cultura (essa verba seria distribuída entre os grupos existentes e os que poderão surgir). O grupo de zabumba exigiu a doação de um conjunto de roupa (conjunto azul-claro ou cáqui) e de um conjunto de alparcatas para os componentes. O grupo dos guerreiros apresentou um única solicitação: a autorização de se montar uma palhoça na Rua da Mangueira. Estando o documento final preparado e aprovado por todos, marca-se a audiência com o prefeito. Distribuem-se cento e vinte cópias na comunidade. Na reunião com o prefeito, todo um expediente é tomado em discussões e apresentação das atividades dos grupos, através de fotos. Nas questões de cunho financeiro, o prefeito discute a crise econômica do Estado e do município. Como saldo imediato, tem-se a aprovação do espaço para os guerreiros, sendo quebrado o medo que têm as pessoas de falar com uma autoridade, no caso o prefeito. Para aqueles trabalhadores falar com o prefeito já não é obstáculo daqui para frente. Quanto às outras questões, voltariam a ser discutidas em outra ocasião.
Devolução dos dados A partir de agora, também se faz necessário apresentar como se dá a devolução dos dados coletados na comunidade pelos grupos. Como é apresentada a situação da comunidade aos grupos de trabalhos e aos grupos que efetivamente não haviam participado da pesquisa. De posse dos dados da comunidade, parte-se para a devolução dos mesmos. Esse é um momento determinante na pesquisa em que se passa a encarar perspectivas de mudança e assim impulsionando os grupos a refletirem, de forma sistematizada, a sua realidade. Um momento de reflexão e diálogo porém, com dados da própria vida local. A importância dessa etapa está na problematização das situações apresentadas.
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Esse processo teve dois momentos distintos, um primeiro onde se apresentam todos os dados levantados e se questionam, superficialmente, essas situações e um outro momento de maior discussão dos dados. Por exemplo, o grupo do esporte aprofunda mais os dados relativos ao esporte. Nos encontros em que houve pouca ou nenhuma participação dos presentes no trabalho, expunham-se os dados, levantando-se discussões sem necessariamente haver ação posterior imediata. Nos encontros com grupos engajados no processo busca-se, além das discussões, esta ação social. O primeiro encontro de devolução desses dados se dá com o grupo de arte, zabumba e guerreiros. Os dados são analisados de forma geral e em seguida analisa-se parte específica de aspectos da cultura local. Como resultado desse segundo momento, chega-se a elaborar o documento já citado sobre a cultura local e, em seguida, o seu encaminhamento para o prefeito local. Paralelamente a tudo isto, promove-se, com o grupo, o Cultural de Maio. Os componentes do grupo de arte preparam cartazes de divulgação desses dados e passam a explicá-los também nos encontros que eram promovidos em algumas ruas. No encontro com o Lyons Club local se apresentam todos os dados. Uma reunião do clube foi tomada para essa discussão. Um de seus membros chega a levantar a questão de que, para a promoção de um trabalho social, não é necessária a existência de Lyons e sim um grupo que se comprometa com a comunidade. Foi um questionamento importante sobre a própria existência daquele grupo, que também não sabe que rumo tomar diante do desafio do trabalho comunitário. O Lyons não teve participação na pesquisa e também não assume nenhuma ação imediata. Aos religiosos locais são apresentados e discutidos, além dos dados, a própria metodologia aplicada. É possível que estes dados venham a ser úteis para orientar o trabalho pastoral que já se prepara. Outro encontro com maior discussão ocorre na “assembléia da comunidade”, com duração de um dia, em que estiveram presentes representantes de municípios vizinhos, promovida pela Igreja com as lideranças religiosas da região. Todos os dados coletados servem como material de discussão em vários grupos, passando a ter significado para a orientação dos trabalhos de ações a serem executadas. Especialmente sobre educação, houve uma reunião com os professores da 1ª à 4ª séries dos grupos escolares do município. Discute-se a educação em geral e também a situação da educação municipal. Esse encontro pode ter sido o início de reuniões futuras sobre as questões educativas locais. São feitos, normalmente, dois outros pedidos de apresentações e discussões desses dados sobre a comunidade, um à direção do Colégio que pela instabilidade reinante não se efetiva. Toda a administração escolar está deixando o colégio. O outro pedido é feito à Câmara de Vereadores, mas negado pelo seu presidente alegando ser desnecessária a divulgação dessas necessidades básicas, porque “nós vereadores quando eleitos, trouxemos o cômputo de todas as dificuldades do nosso município41”. Assim, entende o presidente reagindo a tal tipo de discussão. Para ele, quem deve discutir os problemas do município é apenas o prefeito. O grupo de arte continua sozinho apresentando através de cartazes, aqueles dados nas ruas da Lama, Mangueira e Cemitério. Nesses momentos apresentam os dados nas cartolinas, a forma que eles mesmos escolheram para divulgação. Um total de quatro reuniões acontece durante o mês de março. Além dos dados, os componentes do grupo apresentam fotos da cidade e da qualidade da água, como também discutem um cartaz distribuído pela estação ecológica de Tapacurá (Pe), (os “preceitos do padre Cícero” ), que orienta para a não derrubada da mata; fogo no mato; caça e pesca; criação de bodes e bois; plantas para ração e outros aspectos da ecologia, um ponto novo da discussão assumido pelo grupo. Um dos elementos do grupo apresenta também questões de saúde. Na avaliação do grupo, comenta-se que “fizemos com que eles se sentissem seguros e conversassem abertamente de seus pedidos e problemas”. Em outra rua, chegam a concluir que o trabalho é importante, mas muitos não têm fé em nada. Portanto, um trabalho de ação popular necessita de pessoal qualificado para entender e explicar a dinâmica do trabalho. Essa devolução de dados é determinante para uma maior disseminação dos conhecimentos da comunidade. A análise da cultura num ângulo global reduz o espaço de discussão meramente localizada, que é tônica até mesmo nos comícios eleitorais. Além disso, abre para uma análise mais ampla, colocando os temas locais na sua vinculação com problemas globais numa perspectiva cultural em que ela ajude os homens “a compreender a sociedade como um todo, e avaliar sabiamente os fins 41
Cf. Of. Câmara Municipal de Colônia Leopoldina – no. 25/1983, de 13 de abril de 1983.
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que a comunidade deve realizar e a ver a presente em sua relação com o passado e o futuro” (RUSSEL, 1978: 69). Um processo educativo que se caracteriza pela busca de transformação da realidade social e contribui para a organização dos trabalhos do campo ou da cidade. A luta para a organização da classe trabalhadora é constante. Buscar essa organização significa estar enfrentando também os ataques da classe antagônica ou de seus agentes. De coisas muito pequenas como o simples treino de futebol, são respostas correspondentes dos opositores. Não entendem, é certo, aqueles trabalhadores que por trás de tudo isso, existe uma dinâmica maior; mas entendem que aquelas respostas eram para eles. Observa-se que, um mês depois de treinamentos físicos do Nova Geração, outros promovem o treinamento também de suas equipes e buscam seus atletas em casa. De início, há comentários de que o Nova Geração não iria existir e este passou a existir. Em seguida, que ia se acabar logo que o preparador físico (pesquisador/ educador) fosse embora em dezembro. Ele não acabou, apesar de sofrer forte abalo. Hoje, organiza suas atividades com sua direção própria. Mas a equipe sofre a campanha para sua extinção, como declaram os atletas Fernando e Edson: “A gente estamos na dança e estamos dando mais esforço sobre a equipe. Nossa equipe não é como pensavam, que a nossa equipe era de formar e de repente se acabar. A gente teve nossa equipe sempre em ordem e queremos que o Nova Geração vá em frente. As outras equipes pensavam que o Nova Geração criava, continuava e se acabava. Pensaram enganado. Mesmo sem Zé de Melo42 nós continuou e ele não pode ficar diretamente aqui, passa fora e vem e nós na direção manteve a coisa em ordem e a nossa equipe em frente é o que a gente quer.” “Eles fizeram críticas, falaram bastante, mangaram quando se jogava bola. Eles pensaram em negócio mas foi outro. Um time de perna de pau. Esse ali é um grosso. Em todo canto na praça era aquele bate-papo, mas eles pensaram enganado. O Nova Geração foi subindo devagazinho e está subindo...” O grupo rompe essa fase, e nada se comenta mais de sua não existência. O campo hoje tem espaço para o Nova Geração, jogar dois domingos por mês com equipes de fora e três dias na semana para treinamento. Grande discussão acontece também quando se espalha na cidade a notícia do documento que foi entregue ao prefeito. Muitas pessoas da localidade não podem entender tal coisa. Primeiro, que qualquer reunião com o prefeito deveria ter sido por eles e não pelo Nova Geração. A grande correria dos funcionários que estavam na prefeitura chama atenção, pois jamais viram tanta gente reunida com o prefeito. Tudo é novidade para todo mundo. Mas a reação maior se dá por entenderem que o documento ofende os brios do esporte local. Tudo parece transparecer na verdade uma reação inconsciente ou consciente, no sentido de não aceitarem o fato de o futebol praticado estar na dependência do poder local. Adicionam-se, ainda, as reações individualizadas e comentários públicos ou não, como a do Presidente da Câmara. Mas o poder local, diante de tal tipo de mobilização que passa paralelamente ao seu poder, desperta seus agentes e prepara suas intervenções. Como representam o poder econômico e todo o grupo está bastante sensível às investidas do dinheiro, eles atacam justamente com isto. O grupo de arte que vinha funcionando às suas custas também foi sabedor de todo um esquema de cooptação para o sistema local. Em uma das reuniões, Elias afirma: “Alguém chegou ao nosso grupo e percebeu nosso desempenho e tá vendo que aqui vai subir de qualquer jeito. Existe alguém esperando que o grupo suba para depois dar apoio. Mas, a questão é política (partidária). O grupo não aceita o tipo de apoio dele.” Por outro lado, há os esquemas políticos montados e para enfrentá-los, num tipo de trabalho de ação cultural, o grupo de arte ainda avalia que há falta de pessoas para num trabalho dessa ordem. É necessário que haja uma turma mais preparada para o trabalho de organização do povo, mas 42
Refere-se ao coordenador da pesquisa José Francisco de Melo Neto.
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em contrapartida, os “poderosos” locais não querem de jeito nenhum. Sentenciam ainda que a “é muito perigoso até mesmo de vida, pois eles são mafiosos”. Esta avaliação não foge ao que se observa, hoje, da ação desses “poderosos” em seus ataques à organização dos trabalhadores, chegando ao assassinato de tantos líderes classistas no campo. Mas a investida do poder local se dá com maior expressão no grupo dos guerreiros. Após a conquista do local, o espaço em plena rua para se montar a palhoça de dança, a festa podia começar. Mas como fazer a palhoça? Como conseguir o dinheiro? E por falta de maior agilização desse material dois integrantes da equipe recorrem à prefeitura e são prontamente atendidos com ajuda financeira. Facilita-se não só a palhoça, mas também de forma muito rápida toda a indumentária necessária, o que levaria outra temporada de trabalho para consegui-la com a colaboração de todos. Para um grupo que se forma, tudo pode voltar à estaca zero, caso não se mantenha sua reunião freqüente. Mas entende-se que a primeira instância desse diálogo educativo é nos grupos. Os momentos de interações de suas percepções facilitam a transformação das mesmas, à medida que vão se enriquecendo em conhecimento. Portanto, está aí a base primeira da instrumentalização de seus membros e de suas lideranças, no sentido de buscar as soluções para os problemas. “São o elemento de controle social que leva seus membros à mudança. Nesta função o grupo exerce, sobre seus líderes, um controle permanente, para que não ultrapassem suas funções, distanciando-se dos interesses do grupo em benefício próprio” (PINTO,1981:92). Assim, são esses grupos que, atuando em situação de diálogo e voltados à transformação social, irão educando seus próprios componentes. Do lado do pesquisador/educador, um dos pontos que merece atenção é a questão de que os grupos têm em mente, que ele deve ser a figura central do trabalho. Anular esta perspectiva dos grupos é tarefa do educador. Deve entender sempre que a função é de estimulação de reflexão e de ação do grupo. O pesquisador/educador deve manter permanente reflexão sobre este seu papel para não correr o risco de se sentir, como naquela equipe de futebol, “o dono da equipe”. Tudo isso causa reação dentro dos grupos. Portanto, desenvolver uma prática em que o trabalhador vá entendendo a dinâmica social também faz parte da metodologia da pesquisa-ação.
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AÇÃO CULTURAL - DISCUSSÃO Após os contatos com a comunidade, com conhecimentos mesmo superficiais de seus principais problemas, a metodologia da pesquisa-ação se torna um instrumento, uma ferramenta para uma intervenção sistematizada na comunidade. As questões apresentadas pela comunidade, analisadas isoladamente, podem não trazer maior significado se a comunidade não estiver envolvida. A participação dos grupos ou a comunidade reforça a visão da análise dos condicionantes históricosociais, resultando numa concepção de ciência como processo. Essa participação, conduzindo à organização da comunidade, gera a ação. Esta ação contextuada na globalidade de cultura está determinada aqui como ação cultural. Uma ação que busca conhecer, compreender a verdade das coisas e do ser, mas que também passe a buscar, a partir do agir, a possibilidade de transformação das condições de existência humana em todas as dimensões. Afirma Marx, em suas teses sobre FEUERBACH, que os filósofos até agora têm se preocupado em compreender o mundo, mas que a tarefa, no momento, é a de transformação deste mundo. Já para JAPIASSU (1981: 89), surgem agora duas posições delineadas: “o homem por um duplo deslocamento, vai tentar definir-se: de um lado, enquanto objeto da ciência; e do outro, enquanto sujeito da ciência”. Na presente pesquisa, durante os primeiros contatos em que busca a formação do círculo de cultura, inicia-se todo um estudo teórico da realidade local. Este estudo, entretanto, não teve continuidade. Mesmo assim, não foi em vão. Cinco das sete pessoas que iniciaram no círculo de cultura assumem a ação em outros grupos, já em momentos posteriores. Neste início há uma busca no sentido de entender a realidade da comunidade, porém de forma contemplativa e, assim, faltou a prática. O conhecimento da realidade não pode apresentar-se como contemplação ficando à margem da prática. Esse conhecimento, aliás, só existe na prática e é o “conhecimento de objetos nela integrados, de uma realidade que já perdeu, ou está em via de perder, sua existência imediata, para ser uma realidade mediada pelo homem” (VÁSQUEZ, 1977: 155). Contudo, no estudo em questão, é a partir das discussões das questões concretas com os grupos que se vai passando da teoria à ação. Esta ação se constitui da participação dos indivíduos desde os primeiros encontros. Vêm novos encontros e outros mais. Assim, o componente do grupo vai superando a mera expectativa e passa à ação, uma ação de elaboração conjunta de sua história da banda de zabumba; de convidar amigos para a organização da equipe de futebol; de ir repensando o seu tocar e definindo a necessidade de ensaiar suas músicas ainda mais; de buscar a construção da sede de seus guerreiros; ou ainda para as atividades em pinturas ou atividades artesanais, com o intuito de promoção cultural e maior socialização da arte. Enfim, a ação vai acontecendo por meio da organização dos esforços dos indivíduos. A ação esteve presente em todo momento nas suas diferentes formas. As diferentes formas de práxis vão surgindo, à medida que avança a organização dos grupos. Dessa forma, o objeto sobre o qual o sujeito exerce a ação vai mudando quando se afirma mais a organização, e também quando se tem de agir em diferentes grupos. É no desenrolar da pesquisa, nesta busca de conhecer a realidade que o participante dos grupos vai adquirindo “sua auto-consciência e está no rumo não só de sua própria verdade, mas também na do mundo. E o reconhecimento é acompanhado pela ação. Ele procurará por sua verdade em ação, e fazer do mundo o que é essencialmente, ou seja, a realização de auto-consciência do homem.” (MARCUSE, in FROMM, 1979: 36). Assim, na busca de conhecer o mundo, o homem o constrói para si mesmo. E vai construindo sua independência individual e de classe, como afirma FROMM, tornando-se “não apenas livre de, mas também livre para” (1979: 45). Esta independência, partindo de sua autoconsciência, vem sendo formada a partir da ação da formação dos grupos na comunidade. Esta ação dos membros dos grupos vai tornando-se mais complexa, mas sempre vinculada às necessidade que vão surgindo. Vai passando da simples participação com outros elementos de grupo até atingir a ação de encaminhamento de reivindicação de ordem política (CHEPTULIM, 1982: 92). Ação que, nesta pesquisa, foi concretizada com as propostas que os grupos apresentaram ao poder executivo local. Assim, vai se orientando o homem através de sua práxis, a transformar sua realidade de forma criativa. Mas, na ação de formação dos grupos, vai se desenvolvendo a consciência desde a fase inferior da mesma, isto é, consciência comum, aquele que pensa os atos sem fazer da ação o seu
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objeto. A partir do nível inicial de consciência intransitiva, busca o rompimento da mesma para uma consciência transitiva ingênua, pela ação na realidade, para chegar até o nível de consciência transitiva crítica. Nessa perspectiva, esclarece BARROS (1982: 13): “Na medida em que cada indivíduo começa a analisar a realidade em que vive, indagando suas causas mais profundas ou os fatores que realmente a determinam; na medida em que este indivíduo em diálogo com os outros em um círculo de cultura, questiona esta realidade com os seus companheiros, interpelando-os e sendo por eles interpelados; na medida em que eles tomam consciência de que através da cooperação podem transformar esta realidade, podem tornar-se um pouco mais sujeitos e criadores de sua história, podem fazer cultura, nesta medida este indivíduo ou este grupo desenvolve uma consciência transitivo-crítica.” (BARROS, 1982: 13). Esta teoria se embasa para melhor compreender a realidade e contribuir para uma ação política. Dentre outros autores, BORDA (1972: 3) mostra como uma explicação teórica adequada à realidade facilita esta ação política e ao mesmo tempo como esse processo chega a ser um aporte da ciência. Para ele “sobreviverão e acumularão aqueles conceitos e técnicas até que passem pela prova de força da experiência de massas erguidas em defesa de seus interesses de classe” . Por isso, não é necessário apenas ter em seu tema de trabalho a classe operária, o proletário do campo e ligar-se ao movimento sindical. Para THIOLLENT (1981: 131), as “condições de obtenção dos dados e o processamento aos quais são submetidos – numa palavra, o dispositivo metodológico – constituem o elemento determinante de que se pode pretender alcançar”. Este dispositivo deverá ser útil à classe trabalhadora, sobretudo no sentido de promoção e fortalecimento de organização da classe para a superação dos problemas enfrentados. Mas a produção desse conhecimento se insere na lógica da produção das mercadorias. Nas condições do capitalismo, SARUP (1980: 70) entende que o processo educativo hoje se apresenta como um ato alienante, tornando-se um processo de desumanização. Outros autores também o entendem dessa forma. Por outro lado, a proposta de que cada indivíduo é responsável pela sua própria desmistificação, não passa de mero idealismo. É pouco provável a sua realização já que não será unicamente da crítica teórica que se superará a alienação. Para tanto, faz-se necessária a ação, a prática social, levando em conta todos os fatores locais e as circunstâncias, uma ação cultural, em que a questão de como proceder para desenvolver este processo é o problema central. Este trabalho, entretanto, pode ser realizado junto às massas. Para tanto, através da ação vcultural, utilizando os procedimentos da pesquisa-ação, parte-se, na Zona da Mata, desta realidade concreta. Daí, busca-se entendê-la, busca-se o encontro com indivíduos, sendo os passos iniciais para organização dos futuros grupos. À medida que se avança com cada grupo, tem-se o cuidado permanente na percepção desses indivíduos de sua realidade convergindo para uma perspectiva de ação sobre a realidade. Um trabalho organizativo que se inicia a partir daquilo que os indivíduos sabem, do que percebem, eleva-se a um nível de um novo conhecimento revelando o objeto a ser transformado. Se se falha na organização do primeiro grupo de esporte; num possível trabalho educativo do sindicato rural; se ocorre um impasse no grupo de professores do colégio; no grupo de fotografias; no grupo de jovens ou no círculo de cultura ou ainda no grupo de MOBRAL, tudo isto passa por nova análise de circunstâncias em que se inserem estes grupos. Se com os demais grupos superam-se esses impasses, pode ter sido por conta de uma maior clareza dessas circunstâncias e melhor trato com o método de trabalho ou ainda uma questão de tempo. Nessa ação de organização inicial, a concepção teórica de ver o povo com sinônimo de massa monolítica deve também desaparecer. Para o campo, sobretudo, as frações constituintes do campesinato devem ser consideradas. Mas, no trabalho com os grupos, a preocupação com a união está sempre presente. Nas reuniões, discutindo as questões concretas de grupos, discute-se também o entendimento da organização da sociedade e como cada grupo se insere nessa conjuntura. A união entre grupos no meio rural não é tarefa fácil. Além dos fatores apresentados anteriormente, soma-se ainda o analfabetismo e a ausência de auxiliares, bem como a desorganização dos operários da cidade, sem possibilidade de prestar alguma ajuda. Assim, os fatores que contribuem para sua desorganização são também fatores discutidos. De suas condições de vida saem os temas para decodificações. Todos na região padecem
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de insegurança da não qualificação, além da ausência de emprego. A partir daí, vislumbra-se com maior clareza a necessidade de união. Os detalhes culturais vão desde o espontâneo dos gestos, códigos, entonação de voz, expressão corporal, até a linguagem semântica de seus termos. Todos os problemas colocados têm uma finalidade educativa de desmistificar o mundo da dominação aos dominados. Com todos vão-se definindo propostas geralmente imediatas, mas que preconizam a afirmação de desenvolvimento político e social, buscando se tornar, a longo prazo, poder e em busca de hegemonia. Esta união vai se concretizando através desse processo educativo. Entretanto, não significa que eles vão receber, mas que devem repetir ou se ajustar ao esquema social, como faz a escola formal. Dessa forma, adquirindo consciência, descobrindo a sua existência, relacionando-se com o mundo, os indivíduos podem iniciar seu próprio processo de construção. Pela ação cultural, cada vez mais se tem a necessidade e clareza de colaboração entre grupos, entre os trabalhadores para sua autodeterminação. O papel do investigador neste processo deve estar claro aos grupos. Esta figura passa a tornar-se a esperança dos indivíduos e sem ele tudo vai abaixo. Numa ação cultural, a função do investigador dá-se mais no sentido de estimular o grupo. Este é o papel de colaboração que tem o investigador: fomentar e desenvolver práticas que os levem a esta colaboração. Neste aspecto, os grupos passam a ter contato entre si: o pessoal do MOBRAL ajuda o grupo dos guerreiros; o grupo de guerreiros une-se ao grupo de zabumba; o grupo de zabumba reúnese com o grupo de arte e o grupo de guerreiros, todos discutindo os problemas da cultural local. Como resultado dessa colaboração e discussão, hoje, o grupo de guerreiros está se apresentando às quartas, sábados e domingos. Ganha a cultura local, fortalece-se a resistência à invasão cultural. Os grupos descobrem sua força também quando buscam mostrar a arte à comunidade e o grupo de zabumba fortalece as amostras com a melodia, com sua arte. É a busca pela construção das formas concretas de resistência cultural do povo. Porém a necessidade de colaboração de consciência não se constrói do dia para a noite, como não vem pronta de fora, mas são processos que se engendram na ação desses grupos. Portanto, toda uma série de atividades vai despertando o indivíduo da sua consciência intransitiva para outro nível de compreensão, o qual deve ir além da dimensão da Zona da Mata e do Estado, atingindo uma dimensão global. Assim se desenvolve a colaboração entre os grupos, partindo daí para outras formas de ação mais políticas. A colaboração e a união vão se definindo desde o momento inicial de investigação e o conhecimento do ambiente da pesquisa. Inicia desde aí, nesta prática da Zona da Mata, com os grupos buscando sua organização, descobrindo outros e promovendo a colaboração e união de seus membros. Chega a culminar com ação eminentemente política, quando os grupos ligados à cultura e grupo de esporte encaminham, como grupos organizados, as propostas para o prefeito local, tanto em relação à cultura como ao esporte. Visões diferentes surgem, dificuldades surgem, mas na ação conjunta tudo isto é dirimido. Ações de cunho reivindicatório, bem como sua problematização, iniciam-se desde o levantamento das entrevistas feitas pelo grupo de estudantes do Magistério e que fornece todo o roteiro para as reuniões dos grupos. Os dados dão maior sustentação às propostas encaminhadas, como o documento à autoridade local o qual foi distribuído. Ação cultural, segundo FREIRE (1976), é utopia, é esperança. Ação cultural, entretanto, sendo utópica não significa ser idealista ou inexeqüível. Como ação, ela se constitui do anúncio e denúncia; denúncia da realidade desumana e anúncio de outra realidade onde os homens se tornarão mais humanos em sua plenitude. Tudo isto parece por demais difícil. Mudar as análises, as discussões, partidos, modelos econômicos, enfim, a estrutura social; “Pode ser difícil: mas tudo isto é necessário, não há alternativa. Como também é necessário que haja coisas que não podem ser feitas do dia para a noite” (HELLER, in CHASIN, 1983: 7).
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CONSIDERAÇÕES
Aqui, pode-se questionar o alcance das mudanças naquela comunidade, em termos de alteração do sistema produtivo ou quebra de dependência de classe social. Foi alterada a dependência do município à monocultura da cana-de-açúcar e obtida a diversificação da agricultura local? A resposta aos questionamentos apresentados é negativa. Não foi alterado o sistema produtivo local, nem desfeita a dependência de classe e muito menos deslocada a agricultura local da monocultura da cana. Não será apenas através de um processo de ação cultural que tudo isso ocorrerá. Existe algum movimento social caracterizado por grandes mobilizações, como atos públicos, greves e outros? E como ficarão os grupos após o envolvimento do pesquisador e os mesmos na comunidade? Para responder a estas perguntas, a primeira dificuldade que se tem é a caracterização, hoje, do momento social com o modelo padrão de certo tipo de movimento como: atos públicos, greves, movimento sindical e atuação partidária ou mesmo em associações de moradores. Tudo isto constitui o movimento social da classe trabalhadora, mas é necessário que também sejam recuperadas as atividades, as ações do dia-a-dia e enfocado como movimento de resistência da classe trabalhadora. O enfrentamento da classe oprimida com a realidade e sua busca pela sobrevivência fornecem as referências que podem ser úteis a uma análise prospectiva para os grupos na comunidade. Esta tentativa está expressa nas afirmações de alguns componentes dos diversos grupos quando questionados sobre a possibilidade ou não da sobrevivência daquele grupo, mesmo com o afastamento do pesquisador. Em relação ao Nova Geração, Gizo afirma: “as outras equipes têm mais condições de praticar esporte, mas não têm aquela boa vontade que têm os atletas da Nova Geração”. Esta boa vontade a que se refere o atleta da equipe diz respeito ao desejo de que ela permaneça. Ou ainda quando Eraldo, o tesoureiro da equipe, envolvido nas questões financeiras, assegura que todas aquelas despesas não ficariam “nas suas costas”. “Vamos marcar uma reunião, no meio da semana, para acertar isto”. Isto significa que a equipe começa a discutir suas questões e com essa prática pode estar se exercitando para sua sustentação futura. Indagados se o recolhimento de contribuições seria feito dentro do campo de futebol ou não, alguns atletas discordam dessa cobrança dentro do campo e um deles sentencia: “vamos reunir todos e discutir isto direitinho. Só isto”. A discussão das questões de forma coletiva está se tornando necessidade. É prática que a equipe que vem jogar no campo adversário recebe uma taxa de deslocamento. Para efetivar esse pagamento, Noronha explica: “o Nova Geração não é rico mas vem organizando e trazendo os times para jogarem em Colônia e este pagamento tem de sair da equipe. Nós não gostamos de sair pela rua pedindo a um e a outro para colaborar (uma prática na região e de outras equipes). Só o Nova Geração não sai pedindo dinheiro e tudo está saindo da equipe”. Mas nem todos têm aquela boa vontade anteriormente citada. Geraldo é o atleta que também observa este aspecto e entende que o Nova Geração não será feito como deveria no entender dele, isto é, todo mundo pagando certo e todos disciplinados. Porém, perguntado se a equipe acabaria após a saída do treinador (pesquisador), ele acredita que não “porque através de nós conseguirmos cinco sócios o que é muito difícil aqui. Cinco sócios que não jogam e contribuem, são dos engenho”. Se esta prática se enraizar, está assegurada definitivamente a equipe. Para ele se discute qualquer assunto menos o fim de sua equipe. Torna-se em equipe, como prática de discussão, uma equipe também de resistência dos seus componentes a toda aquela forma de dependência dos seus componentes, a toda aquela forma de dependência local do esporte à Prefeitura. Está acontecendo um processo de auto- afirmação e o qual passa a contribuir com o esporte local, arregimentando a população local para ir ao campo de futebol assistir aos seus jogos. Os jogos do Nova Geração passam a ser a discussão da cidade. No aspecto político, ressalve-se a clareza da necessidade de manter-se a cobrança ao executivo local, por parte de um dos atletas, após a entrega de um documento reivindicatório do esporte local: “temos de cobrar ao Prefeito, porque se a gente esquecer como é que a gente vai fazer este negócio?” Isto é, conquistar as propostas apresentadas. Mesmo com a pouca força organizativa e poder reivindicatório desta equipe, só a presença de seus atletas no Gabinete do Prefeito foi o suficiente para que a Secretária, em plena reunião, viesse a apresentar a todos o ofício que seria enviado a Maceió (capital do Estado), solicitando verbas para uma quadra de esporte, uma
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reivindicação da equipe. O documento foi apresentado aos presentes não como reivindicação da equipe mas como sendo uma preocupação do prefeito desde outros tempos. Por outro lado, os reflexos na Câmara de Vereadores são sintomáticos. No dia da entrega do documento sobre o esporte ao prefeito e também distribuído à comunidade, três vereadores se posicionam na Câmara no sentido de se ter preocupação com o esporte local. Tudo isto foram reações a determinadas ações do grupo que podem constituir um movimento que não se enquadra nas formas de movimento social estigmatizado como os apresentados anteriormente, mas que vão se constituindo na busca da efetivação de mudanças. Do grupo de arte, salientam-se suas observações. Em uma de suas reuniões, Elias mostra que “já sustenta um papo com o povo por duas horas. Eu só não fazia isto. Mas já me empolgo mais. E vou, sozinho”. Estava se referindo às reuniões que ocorriam em várias ruas. A necessidade de todo esse trabalho continuar está expressa ainda com a primeira visita feita a Maceió para contatos com o pessoal de arte da capital. Foram ainda a São Cristóvão, em Sergipe, ou até Campina Grande, na Paraíba, observar o “atelier” do Museu de Arte local e discutir com artistas campinenses. Se antes estavam limitados ao seu município, agora já buscam outras idéias em outros centros. Fernando afirma: “para mim foi muito bom essa organização. Eu desenvolvi mais a minha arte que já fazia. Então vou incentivar os meus amigos. Espero que em breve o grupo esteja com elementos e mais organizado. E ainda acho que nós iremos descobrir através desse grupo verdadeiros artistas e cada um mostrar o que tem, como grupo então”. Ou ainda Elias que se convence que o “artista sozinho não tem condição, é claro, a não ser que seja rico, mas o grupo tem condição de sobreviver sem ajuda de autoridades. Será necessário que os artistas se ajudem”. São afirmações que transmitem possibilidades de continuação de um grupo de arte naquela comunidade. Num momento de autocrítica, o grupo começa a observar que “vamos cuidar dos trabalhos, pois não temos nem trabalho para mostrar aqui em Colônia”. Mas o interesse maior vem ainda de Irapuan, quando entende que “o grupo de arte deve ser fortalecer e ter mais garra. Um artista deve trocar idéias, ajudar o outro, um dia chegar aonde a gente pensa chegar”. Não se sabe aonde querem chegar, mas explicitam a confiança de continuarem suas atividades como grupo de arte. Dois meses depois, voltando à região, o investigador constata que o grupo define-se para mais outra forma de arte, a escultura. Está também com troncos de madeira da região desenvolvendo nova forma de expressão artística e que até então não tinha produzido. Tudo isto vai delineando a possível sustentação do mesmo, com a saída do investigador. Com relação ao grupo de zabumba, algo vai se apresentando como mudanças quando da expectativa de atualização de suas apresentações, já que passam a escutar discos e outras bandas de zabumba como as de Caruaru (PE). Decidem também assumir o instrumento original. Estão divulgando sua história na cidade e na região onde passam tocando. Tudo isto parece fortalecer bem mais a existência e consolidação do grupo. Em relação ao grupo de guerreiros, constata-se que passados os dois meses após deixar a comunidade em plena época de inverno, que é a de maior crise na região canavieira, o grupo de guerreiros passa a existir na palhoça no meio da rua da Mangueira e dança-se às quartas, sábados e domingos. Sua existência nessa época de chuvas é indício de sua continuação na fase da colheita que se aproxima, já que nessa época a situação econômica da comunidade se torna menos instável. Esta ação cultural deixa ainda um saldo expressivo de informações sobre a comunidade. Ela ficou conhecida bem mais do que se conhecia no que se refere às suas necessidades básicas, isto é, àquelas necessidades mais indicadas pela comunidade. Todas aquelas informações devolvidas aos grupos e mantidas, sobretudo, com o grupo de arte podem ser úteis para continuação deste processo praxeológico. Um leque de atividades em cada assunto específico, como saúde e outros, fica mais claro para uma seqüência dos mesmos. Todo um trabalho está aberto. A continuação sistematizada pode se constituir em processos vários, quando se delineiam, agora, que questões devem ser aprofundadas. Podese desenvolver o tema da cultura, questões educativas formais, organização esportiva, organização sindical, o professorado de 1o grau, enfim, uma ação cultural dimensionada em cada questão específica. Aprofundar estas pequenas mudanças ocorridas e refletidas em atividades que antes não existiam parece ser necessário. Assim, pode-se configurar um quadro mais expressivo de possíveis mudanças, porém a longo prazo, acrescentando-se que mesmo para os grupos sozinhos, não será fácil toda esta sistematização. Os religiosos, com os agentes pastorais, poderão ter mais condições de sustentar tal processo considerando, sobretudo, a disponibilidade e a prática dos mesmos. Para isto
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pode ser necessária a formação de novos grupos para cada aspecto a ser estudado, como, por exemplo, para educação de 1a à 4a séries. Para possível criação de novos grupos, todos os dados coletados permanecem nas mãos desses religiosos e do grupo de arte. Contudo, algo parece ficar patente para todos que estiveram envolvidos neste processo. Até mesmo o prefeito, no dia da entrega das propostas do esporte, local declara: “é bom que estão despertando”. Para o usineiro e prefeito, não se sabe o que significa “ser bom”, mas que aqueles trabalhadores ou seus filhos demostram estar se conscientizando, “despertando” para a sua realidade. Os efeitos dessa ação cultural, do ponto de vista de organização, mesmo envolvendo todos trabalhadores da comunidade, são limitados. O que foi feito, observa também o grupo de arte, ainda foi pouco. “Mas foi. Parece que precisa mais gente para cada grupo”. Pode-se até admitir que nenhum desses grupos vá avante com suas próprias forças. Entretanto, acredita-se também como o grupo de arte que “o trabalho, mesmo que não vá avante, ele não se acabou. Parou, não foi em vão”. Algumas questões de cunho acadêmico se apresentam e que podem contribuir mais para o desempenho do trabalho social como, por exemplo, a necessidade de uma maior fundamentação nas próprias técnicas de pesquisa e, sobretudo, na análise epistemológica das mesmas. Isto se faz necessário para se buscar também, de forma científica, outras formas de produção do conhecimento que, mesmo podendo ser modestas, têm de ser científicas. Formas que venham considerar os aspectos determinantes em cada região, desenvolvendo técnicas de ação, orientando-se para fatos pertinentes e significativos da comunidade e que tenham como finalidade a organização, educação e ação dos envolvidos na pesquisa. Um estudo social que se busque estar combinado com a sistematização posterior para então ser devolvido aos grupos de base para a comprovação com a realidade. As formas de devolução desses conhecimentos à comunidade são desafios que, uma vez superados, se contrapõem às formas de produção especializadas, fechadas e, portanto, divorciadas da cultura onde foram colhidos os dados. Essa devolução se caracteriza pela clareza de exposição, para que a classe trabalhadora possa compreendê-la. Não pode ser feita apenas através dos livros ou revistas especializados, pois assim o próprio conhecimento passa a ser direcionado por critérios que estejam fundamentados num conhecimento de utilidade às comunidades. Nesse sentido, afirma THIOLLENT (1980) que apenas a crítica não é suficiente, como as levadas ao empiricismo, se, as mais das vezes, são críticas apressadas sem apontar alternativas adequadas. Uma equipe de pesquisadores de várias áreas de conhecimento também pode ser necessária para um trabalho de ação cultural mais elaborado. Várias pesquisas podem ser geradas de um mesmo projeto de ação comunitária. Educadores, sociólogos, economistas, antropólogos e outros podem contribuir no conjunto da devolução de dados com uma maior fundamentação teórica de cada pesquisador. Isto será útil a uma maior compreensão da comunidade e, em conseqüência, uma ação social mais efetiva. E, finalmente, a pesquisa nos países periféricos ou subdesenvolvidos pode gerar uma maior autonomia dos mesmos, quando se busca construir seu instrumental próprio de pesquisa. Esse instrumento se faz necessário, pois assim se avança para deter-se o colonialismo científico e cultural como meio de resistência à dependência econômica e política dos povos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2.3. PESQUISA REALIZADA NO CAMPO DAS CIÊNCIAS HISTÓRICO-HERMENÊUTICAS 2.3.1. UM CONTADOR DE HISTÓRIAS NA SALA DE AULA
Maria Claurênia Abreu de andrade Silva43
“A cultura de um país exprime-se, essencialmente, pela oralidade”. [Jean-Claude Bouvier] “Um contador de história é um palhaço, tá entendendo? O palhaço, pra mim, é o que tem de melhor num circo”. [Seu Manoel – contador de histórias] “O O contador de história faz a gente rir”. [Aluna]
1. O PROJETO CONTAR, ENCANTAR, APRENDER/ENSINAR Este texto aproxima-se da proposta de um relato de experiência em uma sala de aula de uma escola da zona rural em Mogeiro, município do agreste da Paraíba, quando um contador de histórias, homem do povo, trocou, durante um semestre letivo, em 1996, textos orais (contos, adivinhas, principalmente) com alunos e professora da então 4ª série do Ensino Fundamental. Cumprindo uma trajetória de professor, nas áreas de Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa em níveis de primeiro, segundo e terceiro graus, inclusive convivendo e discutindo fazeres pedagógicos com professores de redes públicas de ensino, abordando o ensino e aprendizagem de diferentes linguagens, observa-se como as perspectivas do ensino da expressão na Língua Portuguesa ainda precisam ser revistas. Apesar dos esforços e dos avanços registrados, ainda há uma crise na escola, como afirmava Zilberman (1986) e, reforçando suas colocações, segundo a pesquisadora, esta crise revela-se na ausência do gosto pela leitura. Considerando os textos literários disponíveis no mercado e o envio dos livros para as escolas, através de Programas de incentivo à leitura, mantidos pelo governo federal, pode-se constatar que ainda se ouve reclamações de que os alunos não gostam de ler e os professores também não apreciam obras literárias. As dificuldades enfrentadas pelo setor da educação no país, de acordo com Silva (1988, p. 137), a recorrente desculpa de que a biblioteca escolar é um luxo “são alguns dos motivos da deturpação do ensino da Língua Portuguesa” que tem praticamente se limitado a levar os alunos (gostando ou não) a memorizarem regras gramaticais. A plena capacidade de comunicação em Português de que o aluno já dispõe, quando chega à escola, não parece ser levada em conta na sua aprendizagem formal proposta na sala de aula. Para o 43
Texto-síntese de tese de doutoramento, no Programa de Pós-Graduação em Letras (literatura), da Universidade Federal da Paraíba, em 2000.
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aluno, a língua portuguesa que ele fala não parece ser a mesma que a escola ensina. A leitura de textos literários, a apresentação oral desses textos, a conversa sobre esse universo cultural não são atividades percebidas como fonte para a ampliação da capacidade de expressão oral e escrita na língua. O começo desse desencontro acontece logo nas primeiras séries do 1º grau, quando os professores começam a substituir as atividades de comunicação através da fala, do desenho, dos gestos, de textos os mais variados, que povoam a rotina da educação infantil, por atividades de memorização da gramática. No Ensino fundamental, observa-se um ingresso dos alunos em um período de sedimentação de um ensino gramatical desvinculado da compreensão das estruturas que embasam a expressão na Língua (TRAVAGLIA, 1996). O afastamento dos textos para eleger o exercício gramatical favorece uma concepção de língua como gramática e menos como domínio da capacidade de se comunicar com eficiência nas variadas formas de utilização da língua, no cotidiano. Expressar-se em uma língua exige do falante não só a capacidade de compreender e memorizar estruturas gramaticais, mas também articular esses conhecimentos quando se expressa oralmente e por escrito. O domínio da língua também se revela nas várias modalidades de linguagens, nas amplas possibilidades de leituras de uma mesma realidade. Ampliar as possibilidades de expressão favorece a expansão de ver criticamente. Sugerem-se saídas para sanar tais problemas, procurando fazer com que a escola cumpra o seu papel de motivador da busca do conhecimento. A proposta para o ensino da língua, que tem sido mais aceita e debatida, que tem merecido carinhosa atenção dos docentes dessa área nos Cursos de Letras é aquela que, com base na Linguística, elege o texto como ponto de partida para o estudo do Português (FÁVERO E KOCH, 1994), “por serem os textos a forma específica de manifestação da linguagem”. A motivação para o trabalho com textos tem sido buscada das mais variadas formas, com o intuito de exercitar, em sala de aula, modalidades várias de expressão. Todos os anos, editoras nacionais fazem chegar ao mercado de livros didáticos um número considerável de publicações, apresentando trabalhos com textos na escola. O alto custo do livro, em nosso país, aliado ao cada dia mais baixo poder aquisitivo da população, o fato de muitos pais considerarem ser do Estado a responsabilidade de comprar livros para os alunos das escolas públicas. A falta de uma política de manutenção e atualização dos acervos das bibliotecas públicas, entre outros problemas, criam obstáculos ao acesso a um material mais variado que possa oferecer subsídios aos professores para a realização de um trabalho que proporcione maior motivação para as atividades de ensino/aprendizagem nas salas de aula da rede pública, principalmente. O professor convive com a falta de material necessário à realização de atividades de sala de aula. Em algumas escolas, o material inexiste ou é mal distribuído, o que faz com que não se conte nem com o livro-texto para todos os alunos durante o ano letivo. Estas dificuldades no ensino da leitura (e escrita) revelam igualmente as lacunas na formação de professores do ensino fundamental, cuja percepção equivocada das possibilidades de leitura relegam ao esquecimento tantos textos que poderiam ser abordados em sala de aula. A falta de hábito de leitura favorece o desconhecimento das obras literárias por parte do professor, o que provoca a ausência da leitura na sala de aula. Assim, a gramática toma todo o tempo das aulas de Português, os textos dos livros didáticos são considerados como leitura suficiente e o aprendizado da língua se limita a regras gramaticais. Havendo ou não biblioteca disponível na escola, uma gama maior de textos muitas vezes convivem com os alunos. As variedades de “leituras” que eles podem fazer, mesmo sem ter um texto escrito nas mãos, são quase desconsiderados pelos professores. Se os textos escritos, muitas vezes não são levados em conta, o que dizer dos textos orais, aqueles disseminados através da troca através da fala, presentes na memória de algumas pessoas. Os textos unicamente visuais e aqueles orais não são valorizados pela escola em todas as suas possibilidades, no que se refere a uma abordagem em equilíbrio das aptidões de ouvir/falar/ler/escrever. Consideremos aqui os textos presentes na memória, ouvidos na infância de outro contador que, sempre que se abria uma oportunidade de contar, apresentava uma história do seu acervo. Essas histórias eram sempre atualizados no ato de contar. Sem desfazer da importância que a escrita, o texto publicado em livros encerra para as atividades escolares, pode-se chamar a atenção para os textos que podem ser reproduzidos na própria comunidade à qual pertencem os alunos da escola, “as histórias que o povo conta” – o conto popular.
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As histórias funcionam como o “carro chefe” das atividades de um contador mas a sua capacidade de dizer não se resume aos contos. Outros textos orais permeiam essa atividade de contar. Adivinhas, provérbios, cantigas, charadas, anedotas, entre outros gêneros orais podem estar presentes e diversificar o acervo que motiva a interação contador/ ouvintes, no momento da sua performance. Considera-se aqui a performance do contador, segundo Zumthor (1997)44, que concebe a performance como um ato de fala, na qual interagem quem fala e quem ouve. A performance é um acontecimento registrado „aqui e agora‟ no qual voz, corpo, movimento, sentidos do corpo, tanto de quem fala como de quem ouve, estão em atividade Esses contadores de histórias, muitas vezes estão presentes na comunidade que de alguma forma tem conexão com a escola. O projeto pedagógico da escola, ou mesmo o professor pesquisador, que valoriza essas ações do contar e reconhece o valor cultural de um bom contador de histórias aproxima o contador (fonte de textos orais) da escola (espaço que se deseja ser de valorização das manifestações culturais da comunidade à qual presta serviço). Essa troca pode trazer vantagens de parte a parte. A escola amplia o seu acervo de textos a serem trabalhados e a comunidade se sente reconhecida pela valorização dessa manifestação cultural. Pode-se a firmar que uma riqueza em textos que a escola tem desperdiçado são aqueles que a própria comunidade tem a oferecer: histórias da cidade, histórias de vida das pessoas que construíram aquele lugar. Além dessas, histórias de reis e rainhas, de fadas e monstros, de bichos, de lobisomens e de tantas outras personagens que foram contadas durante muito tempo e que hoje podem ainda fazer parte de um repertório que pode ser renovado no contar, compartilhado com crianças no seu ambiente de sala de aula. Essas narrativas veiculadas oralmente podem vir ao encontro do objetivo primeiro de dispor de textos para trabalhar com os alunos em outras atividades na escola. Além do aspecto lúdico que envolve contar/ouvir histórias, o aproveitamento eficiente da interação contador/ouvinte. Ouvir e contar histórias na sala de aula pode ser um caminho eficaz para motivar os alunos a desenvolverem atividades promotoras das aptidões de ouvir, falar, escrever e ler que fomentam a capacidade de expressão oral e escrita. A linguagem formal, a norma culta que a escola prega, mas não consegue fazer cumprir com eficácia, a sensível distância entre o que a gramática ensina e o que os nativos estabelecem como uso da Língua Portuguesa podem encontrar na atividade de contar histórias a identificação dos vários padrões linguísticos que, reconhecidos pelos alunos através da orientação do professor, lhes garantirá ampla possibilidade de participação política (SOARES, 1986, p. 77). A experiência de vários anos letivos com a utilização do texto oral em sala de aula oferece subsídios para se afirmar que os contos populares constituem material de grande riqueza não só para serem “contados e nada mais” (COELHO, 1990, p. 12), mas também para motivar e desenvolver a aprendizagem de uma variada gama de aspectos da linguagem. Pessoas na comunidade detêm este saber de dar corpo e voz às narrativas e podem revelá-lo às crianças que estão sempre prontas a ouvir contar uma boa história. Um contador de histórias detém parte do saber de sua comunidade, veicula aspectos da cultura à qual pertence. Segundo Gramsci (1978, p. 190), não é todo o povo que detém o saber popular. “O povo não é uma coletividade homogênea de cultura, mas apresenta numerosas estratificações”. Assim, não são todas as pessoas que põem em prática um repertório com um número considerável de narrativas e que exercitam o contar com destreza. Contar histórias é uma arte e nem sempre o professor apresenta esta aptidão de contar histórias, nem acredita que possa transformar aqueles contos que sabe em textos a serem explorados em sua sala de aula. A atividade do contar, apresentando tantas histórias aos alunos na escola pode, inclusive, proporcionar a integração escola/comunidade, um dos objetivos da escola hoje. Os contos populares constituem material que oferece alternativas múltiplas de trabalho com vistas à ampliação das possibilidades de enriquecimento da expressividade da língua, à expansão da capacidade de aprofundamento da leitura. A riqueza do material apresentado pelo contador oferece possibilidades de ampliação ou criação de um repertório de narrativas orais expandindo a percepção dos alunos para tantos textos como virão a ter contato dentro ou fora da escola. 44
O conceito de performance, segundo Paul Zumthor (1993), é bem adequado às abordagens da oralidade nesta pesquisa, uma vez que demanda uma interação de quem diz o texto e quem ouve e participa da ação de dizer, interpretar. Para Zumthor, “o texto oral é uma obra viva, (... sendo) o ouvinte-espectador, de algum modo, coautor da obra”.
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O contador de histórias, portador desses textos a serem trocados na escola, poderia ser um familiar ou pessoa conhecida de algum aluno ou do professor. A história contada por alguém da comunidade apresenta marcas que o aluno identifica como próximas do seu cotidiano: a linguagem do contador, o espaço da narrativa. Segundo Leal (1985, p. 12): “O conto popular é parte da fala do povo, um canto harmonioso dirigido ao ministério das coisas”. A história, atualizada na fala, envolveu experiências vivenciadas ou sentidas como familiares, possibilitando uma sintonia do processo pedagógico com a vida do grupo social onde o aluno estaria inserido. Com o trabalho de pesquisa de campo ao lado de contadores de histórias do município de Mogeiro (PB), coletando textos gravados em reuniões onde se contavam histórias, registrando textos que revelavam a memória de pessoas residentes no município, algumas desde antes da sua emancipação política, pode-se observar que muitos textos importantes e, ao mesmo tempo agradáveis de ouvir, perdem-se na memória de alguns, enquanto na escola se reclama pela falta de material para trabalhar. A escola, espaço de aquisição de conhecimentos, desconhece ou não valoriza os saberes da comunidade onde está localizada. O ambiente saber escolar afasta-se do saber comunitário e se empobrece com esse afastamento. 2. O CONTO POPULAR NA SALA DE AULA – UMA PROPOSTA POSSÍVEL Em pesquisa anterior (SILVEIRA, 1991), foi apresentado e analisado o repertório parcial de um contador de histórias que no tempo em que foi contatado era um contador que habitualmente exercitava a sua arte de contar. Enfatizou-se, a sua versatilidade em utilizar-se dos textos que povoavam a sua memória prodigiosa. Desenvolveu-se a análise de cinco das dezoito histórias fabulosas (contos maravilhosos) apontadas como as melhores pelo contador. Buscando sentir a possibilidade de desenvolver, com o contador, um trabalho de abordagem do ensino da língua portuguesa, enfatizando a narração oral na sala de aula, o enfoque concentrou-se em atividades voltadas para o falar, dando primazia ao contar, para compor/ampliar um repertório de textos orais nos participantes das performances de Seu Manoel, na sala de aula. Além de apresentar os textos orais, principalmente os contos, buscava-se desenvolver uma proposta com objetivos pedagógicos, o que ocupou o espaço de um semestre letivo. Observar um contador de histórias na sua dimensão pedagógica constituía um dos objetivos dessa pesquisa. Não se tratou de opinião vazia de conteúdo ou de proposta miraculosa para sanar os males do ensino de língua portuguesa, mas de uma abordagem coerente que mostrou possibilidades de interação de campos de conhecimento no exercício eficaz do processo educativo. Contar histórias não só para encantar, mas inclusive para colaborar na aprendizagem dos processos linguísticos que a escola pretende ensinar. Os contos populares de variados tipos e outros gêneros orais (anedotas, adivinhas, charadas, cantigas, provérbios), apresentados oralmente, longe do livro mas, podendo se transformar em textos escritos/reescritos pelos ouvintes mostraram-se como um material rico em possibilidades de ensino e de aprendizagem. Em pesquisa bibliográfica realizada sobre experiências com o conto popular na escola,45 podese constatar a predominância de abordagens do conto popular a partir de versões de histórias registradas por escrito. As ações de um contador de histórias na sala de aula, abrindo possibilidades para a presença dos textos, para a convivência com a linguagem em liberdade, para a conversa, celeiro das histórias que surgem aparentemente ao acaso, pode parecer estranho ao padrão como ainda são concebidas as aulas nas escolas, obedecendo, por exemplo, à delimitação do tempo, o que poderia não se coadunar com o tempo de narração do conto popular. Observe-se que, neste caso, um contador tradicional memorizou boa parte do seu acervo a partir do ouvir contar e que, a cada vez que conta atualiza aspectos das histórias, de acordo com as formas de interagir com o grupo de ouvintes. Assim, esse processo de contar podia durar horas ou se limitar a bem pouco tempo, dependendo da capacidade do grupo de ouvir com atenção, o que era percebido pelo contador que pautava sua ação de dizer pelo envolvimento dos ouvintes com o que estava sendo dito.
45
MARTIN, Serge. (1997). Les contes à l’école. Paris: Bertrand-Lacoste.
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3. MOGEIRO (PB) – ESPAÇO DE REALIZAÇÃO DO PROJETO Mogeiro é um município pequeno de cerca de 13.000 habitantes (SILVEIRA, 1998), caracterizado pela atividade agropecuária e agricultura de subsistência, hoje bem debilitadas pela crescente escassez de chuvas na região,46 registra um significativo índice de êxodo rural. No que se refere à escola, nas suas condições de funcionamento não se registra diferenças de qualidade entre as escolas rurais e aquelas localizadas na sede do município. Observa-se, no entanto que as escolas do meio rural registram uma defasagem em termos de materiais disponíveis para diversificar as ações de sala de aula. Mesmo sendo uma pequena localidade, o município conta com um número considerável de escolas e de professores. No ano em que o contador realizou performances na escola, a prefeitura, que já se responsabilizava com o ensino fundamental (do 1ª à 4ª série) no município, mantinha 25 escolas. Dessas, somente duas encontravam-se no perímetro urbano. As escolas no município funcionam, em sua maioria, em regime multisseriado.47 Durante a realização do projeto aqui referido, o contador de histórias realizou suas performances em uma sala de aula de 4ª série, em escola da zona rural situada no sítio Chã de Areia, distante 2 km da sede do município. Tendo como sede uma cidade de pequeno porte, as populações circunvizinhas que habitam os sítios e outras localidades praticamente não diferem em costumes e aparência da que habita a sede do município. O fato de ter acesso fácil e rápido a cidades como Campina Grande, João Pessoa (PB), Timbaúba, Goiana, Recife (PE), através de vias rodoviárias asfaltadas, em bom estado de conservação, isso garante não só condições de abastecimento ao município, como também a possibilidade de comércio e de frequência a melhores escolas aos habitantes de Mogeiro. A sempre mencionada “falta de material para trabalhar em sala de aula com os alunos” motivou desenvolver o projeto que visava levar textos para a sala de aula, através da oralidade de um contador de histórias. Buscava-se realizar uma amostragem analisando as possibilidades que o trabalho com um contador de histórias na sala de aula poderia suscitar. Os contadores de histórias que ainda existem nas comunidades poderiam enriquecer o cotidiano das salas de aula, além de garantir que os textos orais da tradição sejam reatualizados e que os alunos participantes das performances do contador construam ou ampliem um repertório de textos orais. Um dos objetivos da realização do projeto era incentivar os professores à pesquisa de possíveis autores orais, contadores de histórias que estavam em silêncio por falta de ouvintes. Os(as) professores(as) poderiam reconhecer, nas suas comunidades, contadores de histórias que detendo um repertório variado de textos, poderiam ser integrados às suas salas de aula. 4. O CONTADOR O contador de histórias escolhido para pôr em andamento o projeto intitulado Contar, encantar, aprender/ensinar: um contador de histórias na sala de aula, no ano de 1998, era natural de Mogeiro (PB), pertencente à comunidade onde está inserida a escola. Tratava-se de um contador de histórias que sabia utilizar com maestria um múltiplo repertório de textos da literatura oral. Manoel Domingos Pereira, Seu Manoel48, cuja arte de contar já possibilitou uma dissertação de mestrado, publicada, inclusive, sob o título O carretel da memória (SILVEIRA, 1998) e uma tese de doutorado sob o título Contar, encantar, aprender/ensinar: um contador de histórias na sala de aula (SILVEIRA, 2001). Um contador de grande versatilidade que por demonstrar um senso apurado quanto ao trato 46
No ano de 1998, em que teve lugar este projeto com um contador na sala de aula, foi o segundo ano em que, por causa da estiagem, não foi possível botar um roçado e lucrar no município. Em 1999, o quadro de estiagem foi o mesmo, aumentando a situação de pobreza, fazendo o governo manter as frentes de emergência até o ano 2000, quando volta a chover com mais regularidade. Hoje, em 2013, a situação só piorou, tendo muitas famílias desistido da agricultura e passado a viver dos recursos demandados dos programas sociais do governo federal. 47 As chamadas escolas multisseriadas são aquelas que abrigam em uma única sala alunos que, em situação adequada de acompanhamento, pertenceriam a várias séries distintas, sendo aqui orientados todos a um só tempo, no mesmo turno escolar, na mesma sala de aula pela mesma professora. As escolas seriadas são as que dispõem de uma professora para cada série distinta. 48
Seu Manoel faleceu em agosto de 2012, aos 66 anos, de complicações cardíacas. O problema de saúde que o vitimou teve início ainda nos anos de 1980, o que fez com que se aposentasse do trabalho e assim diminuísse suas atividades de contar, devido a dificuldades respiratórias provenientes da doença.
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com a palavra, poderia viabilizar a proposta de ampliar o universo de textos a serem utilizados na escola, favorecendo o enriquecimento da abordagem dos conceitos apresentados em sala de aula. A informação dada por Seu Manoel, de que viu seus filhos e os filhos dos vizinhos crescerem ouvindo histórias por ele contadas, na calçada de sua casa, foi um dos registros tomados da fase anterior da pesquisa que proporcionou a evolução da proposta de realizar um trabalho com crianças, em sala de aula, com esses textos orais que na fala, no gesto, na mímica, poderiam ser atualizados no contar e revividos de várias formas na escola que muitas vezes está fisicamente próxima daquele contador e, ao mesmo tempo, distante dele pela falta de sensibilidade para utilizar tantos textos que dela se avizinham. Não parecia uma proposta fora de cogitação proporcionar ao contador um público composto em sua maioria de crianças. As performances do contador em sala de aula mostraram que é uma proposta completamente viável. A pesquisa de campo junto ao contador que motivou O carretel da memória (SILVEIRA, 1998) foi realizada no ano de 1991. Mostrou que Seu Manoel tinha o seu público, o que lhe garantia uma plena capacidade de contar. O fato de poder reunir-se para conversar, no seu ambiente de trabalho, com pessoas interessadas em ouvir contar, lhe proporcionava uma maior intimidade com os textos que reelaborava, com frequência na memória. No começo da década de 90 foi registrada uma primeira parte do repertório de Seu Manoel nas dependências da Maternidade de Mogeiro, onde ele se mantinha no posto de vigia noturno. A atividade de contar histórias tinha lugar nas noites em que o plantão se apresentava sem muitas ocorrências. Ficavam enfermeiras e pacientes, todos reunidos no terraço localizado defronte ao edifício, conversando e, entre uma conversa e outra, ouvindo histórias contadas por Seu Manoel. Tantas histórias que faziam rir, lembrar coisas do passado, atualizar questões do presente, lembrar a infância e, naturalmente, dormir.49 Como relata Seu Manoel: [...] é... fiquei cansado de contar histórias na Maternidade pra‟quelas meninas e dormia todo mundo e eu ficava ali falando só. Hoje cada vez mais se incentiva o ato de contar/ ler histórias para as crianças antes de dormir, como forma de familiarizá-las com acervos de contos, na intenção da leitura. As pessoas, por este Brasil afora também faziam isso, em noites de lua cheia, nas calçadas das casas, ouvindo as histórias na voz de um contador. Um diretor da referida maternidade, ainda na década de 1980, proibiu as reuniões no terraço, que também funcionava como parte central da rampa de acesso ao prédio. Essa proibição se manteve, desestimulando a ação de contar até o contador aposentar-se da função que exercia. Era vetada a possibilidade de reuniões para conversas em qualquer hora do trabalho, mesmo nas madrugadas. Essa orientação não parece ter contribuído para uma excelência no atendimento à comunidade, mas tirou daqueles pacientes e enfermeiras um ótimo passatempo nas noites em que o plantão parecia ser mais longo, pela falta de ocorrências. Acrescente-se à situação o prejuízo de um contador da estirpe de Seu Manoel abandonar quase que completamente o hábito de contar por falta de espaço para exercer a sua arte. O fato de Seu Manoel deter um rico acervo de histórias parecia se coadunar com a condição da escola de não contar com um acervo de textos para leitura ou qualquer outra atividade. As escolas ainda não contavam com qualquer acervo literário em ação nas suas dependências. A literatura não se fazia presente. Unir contador e escola parecia uma ação eficaz. Assim se mostrou em todo o decorrer do processo. Pelo fato de ter passado um bom tempo sem ter oportunidade de contar histórias, Seu Manoel não se sentia capaz de contar história em uma escola, que segundo ele seria lugar “somente para quem tem estudo”. Estava internalizado nele o sentido da escola como local dedicado ao saber e que somente os graduados têm o que dizer naquele espaço. Aceitar um novo espaço do contar exigia um tempo de preparação para retomar o acervo de contos na memória.
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Há publicações que apresentam o contar como atividade para antes de dormir. Como exemplo, a coleção em 4 volumes intitulada Mille ans de contes, publicada na França e no Canadá, que recebe como subtítulo: D’Histoire et de légends à raconter aux enfats avant d’aller dormir e o Politically correct bedtime storie, de James Garner Finn, publicado nos Estados Unidos.
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O contador em questão, a princípio, talvez como forma de ganhar tempo para relembrar o ritmo da narração, ao ser contatado para realizar o trabalho na escola, afirmou não saber mais nada, não lembrar mais de nada. Mesmo com reservas, aos poucos, foi aceitando o desafio de retomar os fios da memória que lhe parecia adormecida pelo desuso do contar. O primeiro aspecto questionado por Seu Manoel como se colocou anteriormente, foi a adequação de um contador à sala de aula. Como questionou: “O que é que vai fazer um contador numa escola, numa sala de aula, em que os meninos estão ali para estudar?” Contar histórias! foi a resposta que lhe foi dada. Ainda cumprindo a fase de persuasão, passou-se a conversar sobre as possibilidades de expansão desse trabalho no tocante ao interesse dos alunos pela atividade de ouvir/contar histórias. Atrelado ao interesse das professoras por “alguma coisa” que motivasse os alunos a aprender, pôde-se, então, falar das possibilidades de utilização do material oferecido, oralmente, por um contador de histórias. As conversas com o contador, anteriores aos encontros na escola, objetivaram levá-lo a compreender que contar histórias pode, além de divertir as crianças, trazer benefícios às atividades em sala de aula. Com base na convicção do valor dos textos e da capacidade ímpar do contador em lidar com eles frente a um público, acreditava-se na hipótese de contar com a sua colaboração. E ele retomava os elos do seu contar, já desejoso de um novo espaço para o conto: Quando a gente tá no dia a dia e você tem o que fazer, assim, você tem aquela obrigação do dia a dia. E você quando chega, já sabe o que é que você vai fazer. Então quando chega ali, você não tem logo inspiração? E‟ igualmente o contador: Tem que ter inspiração, pois se eu tô com você naquela luta... a minha luta é contar história. Então cada dia que passa, eu vou me inspirar naquilo. Mas se a gente se afasta um ano, dois meses, dois anos ou mais de um ano, aí a gente perde o ritmo. Quer dizer, a gente perdeu aquela técnica. A gente vai começar tudo de novo igualmente Ronaldo Cunha Lima.50
Seu Manoel comparou o seu contar com a luta (grifo no texto) com o esforço da ação. Via a sua arte de contar também como trabalho.51 Saber contar histórias daria a ele uma responsabilidade de realizar essa atividade como tarefa que precisa ser bem feita e isto demanda empenho, dedicação, aspectos que caracterizam o trabalho. É o próprio trabalho. Começava a tomar corpo a possibilidade da sua presença como contador de histórias na escola. Com seu jeito bem humorado de expor as questões, Seu Manoel estava, nesta nova fase do trabalho, selando mais uma vez um pacto de boa convivência, trabalho sério, mesmo tratando-se da brincadeira que para ele era conversar e nessa interação ir tecendo seus textos numa construção de engenho e arte perenes.
5. RETOMANDO O ESPAÇO DO CONTAR A partir das conversas com o contador, que foram motivando-o a retomar a sua atividade de contador habitual, ele pôs-se a esboçar o que poderiam vir a ser suas atuações junto aos alunos na sala de aula. Entremeava a conversa com histórias reinventadas, em que as personagens eram crianças que desejavam estudar, mas moravam muito longe e precisavam de ajuda de uma entidade como a “mulher de branco” ou Nossa Senhora. Outra vez contou a história de uns garotos que prenderam um gambá em um saco e soltaram o animal na sala de aula. Tudo isso entremeado com histórias de vida, 50
O contador reportava-se ao político e tribuno paraibano, reconhecido pela sua capacidade oratória e por sua facilidade em improvisar em rimas, em recuperação de grave acidente vascular cerebral que lhe afetou inclusive a capacidade de falar. 51 Juraci Dórea (1987), artista plástico e pintor, montou estruturas em couro e madeira, no sertão baiano, na região de Canudos, em campo aberto. Pinto com a sua arte as paredes dos moradores do lugar e depois convidou a todos para uma exposição no vilarejo. Gravou e publicou juntamente com fotos em preto e branco o depoimento das pessoas presentes. De um senhor de sessenta anos está gravado o seguinte depoimento: Minha arte é trabaiá na roça, que cada pessoa, na hora que nasce, Deus dá o pino. Um trabaia, arrasta cobra pur os pés. Outro vai trabaiá de qualqué coisa q’o juízo dá. Outros o juízo já não dá. E portanto o causo é esse.
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principalmente do tempo em que ele ainda estudava. Esse ir e vir de textos que ele tentava reelaborar poderia parecer um pouco confuso, mas revelava a preocupação de não “fazer feio” diante de uma classe, em uma escola. O contador estava tentando reunir um repertório voltado para o novo público. Procurava lidar, inclusive, com a possibilidade de não ser aceito pelo grupo, na escola, sem, no entanto, demonstrar insegurança frente à situação. Seu Manoel, conversando, chegou a ensaiar a sua primeira investida no futuro ambiente para o conto que lhe estava sendo proposto. Tentava cercar-se da segurança que sabia só encontraria quando entrasse em contato com os meninos. Ciente de tratar-se de uma situação para ele forjada pela pesquisadora, procurava inteirar-se da situação e ao mesmo tempo dar segurança aos envolvidos no processo. Quando afirmou: “Seria muito bom você estar comigo porque você me dá uma força, tá entendendo?” Expondo a sua preocupação com a aceitação do novo público que se delineava, deixava transparecer também a sua experiência com essa troca que é o contar e ouvir histórias. O primeiro dia não é bom. Não. O primeiro dia é cada qual pro seu lado... Seu Mané? Ninguém nunca viu ele contar histórias?... Todo mundo me conhece. Ah, Seu Mané não tá com nada não. Pra mim era outra pessoa lá de fora, mas logo Seu Mané? Ou Mané, do jeito que eles me tratar. Então, daí o primeiro dia, tem um segundo e aí a gente vai sentando, a gente vai plantando neles, aos pouquinhos. Aí quando isso aperfeiçoar, aí é que melhora. Aí é que vai ficando bom. Vai ficando gostoso. O contador por saber-se conhecido na comunidade teme não ser respeitado pela classe, antevendo um limite para a integração desejada: respeito a alguém de fora da escola, desvalorização dele como alguém de dentro do grupo comunitário. E reforçando o aspecto da interação necessária nas reuniões entre o contador e seu público ainda faz suas referências. Quando a gente estiver contando, eles mesmos é que vão inspirando a gente. Eles mesmos, as crianças, é que vai dar inspiração ao contador. – Seu Manoel, conte aquela... Qual, meu filho? Aquela... Conte aquela que o Senhor contou aquele dia. E daí por diante, está entendendo? Ainda discutindo a integração desejada entre o contador e seu público, enquanto conjectura, já deixa claro que, mesmo em se tratando da escola, o espaço do conto é o espaço de liberdade: As crianças mesmo fazem a gente entrar no troço com mais firmeza. A gente palestra, a gente brinca, a gente sorri, a gente conversa, a gente faz tudo quando tem direito. Na ansiedade que ele acreditava não ser dele unicamente, procurava organizar as ideias diante da oportunidade de estabelecer novos contatos através da sua arte de contar. E, algumas vezes, expressou a intenção de ter sob seu controle as melhores condições para que pudesse realizar, a contento, as futuras performances. Conversando, tentou expressar essa expectativa: Eu quero que você entenda isso. Bote bem na sua cacholinha. Olhe, a gente não pode ficar ansioso. Com aquela vontade de querer mais, tá entendendo? Eles que fique ansioso. Em outro momento, ainda reporta-se para o mesmo aspecto que para ele era um ponto a deixar bem esclarecido, até mesmo bem ensaiado: A gente vai chegar lá. – Bom dia, criançada! Como é que tá? Vocês me conhecem? Todo mundo vai dizer que me conhece. Alguns de lá. Que eu não sei. Tem muita gente que me conhece. Vocês já me conhecem? Elas não vão saber nem começar, não é? Mas vocês acham que eu sou uma má pessoa, que eu vim fazer o bem a vocês, pra conversar com vocês, dialogar com
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vocês, soltar palestra pra vocês, pra vocês se animarem... se conhecer melhor, me conhecer melhor, eu conhecer vocês melhor? Que é que vocês acham? Eles vão ficar calados? Não vão ficar calados? E eu digo: Bom, vocês querem, vocês vão me aceitar eu conversar com vocês ou não? Porque se vocês aceitarem, eu vou ficar conversando, palestrando com vocês. Mas também se vocês me disserem que não, daqui mesmo eu volto e não vou conversar com vocês. Mas eu acharia bem melhor que vocês me aceitassem porque vocês vão aprender tanta coisinha boa... Aliada à ansiedade, a expectativa de um espaço novo, que se mostrasse adequado para a ação do contar. O contador procura antever maneiras possíveis de coordenar as ações decorrentes da sua presença na sala de aula. Então a coisa vai mudar. Você vai ver. Você vai ver do jeito que eu tô dizendo aqui. Então vamos ver se eles dizem que fique ou que volte. Mas tem o lado da professora. Tem o lado da professora que nessas alturas ela já deve ter explicado a eles que vai chegar uma pessoa e tal e tal e tal, né? Então, naquela hora que eu me apresentar pra eles, vocês, não eu. Primeira pessoa é a professora, antes de a gente chegar... Ela vai preparar as crianças dela, segundo, quando a gente chegar, você entra, dá o seu papo, você já foi lá e o terceiro é eu. Aí quando eu palestrar, que disser minha palestra, que dialogar, que me apresentar, aí você me acompanha, dando uma força a mim. Fazendo o alicerce. Entendeu? Vamos dizer que você comece o alicerce. Você vai me apresentar. Quando terminar de conversar, me ajuda, né? E já vai e lá vai, aí daí por diante, a gente vai entrosando. A gente dá uma paradinha e aí eu começo a conversar com eles. Contar... coisas pra eles. Começo uma coisa diferente, outra coisa diferente... O contador tenta cercar-se de garantias para um trabalho bem sucedido. Reforça a necessidade de um trabalho conjunto, pelo menos nos primeiros encontros com a classe. Ele está seguro de saber contar histórias, mas o novo espaço de atuação ainda o inquieta. O fato de estar se preparando para realizar essa mesma atividade em um espaço que não lhe parece familiar, o espaço institucionalizado pela escola, com uma plateia constituída unicamente de crianças ou de alunos faz com que o contador se sinta desestabilizado pelo desconhecimento das condições para uma performance satisfatória. E divide as responsabilidades pelo novo projeto: “Vai depender muito de Vossa Mercês e do contador que sou eu. E daí por diante tudo pode correr bem”. Mesmo contando com a possibilidade de agradar aos alunos da escola, Seu Manoel também se reporta àqueles cujo direito lhes é dado de não gostar de ouvir histórias. Observa que a formação do público habitual de um contador obedece a um ritmo e a certas condições que independem do seu controle. Na conversa anterior à sua presença na sala de aula, ele procura rever todos os aspectos para, se não garantir o pleno sucesso do “empreendimento”, pelo menos não sofrer com surpresas desagradáveis. Para ele, no caso da escola, um trabalho conjunto seria imprescindível, pelo fato de tratar-se de um grupo que, de antemão, já conta com a orientação de outra pessoa, a professora. Mas o modo de abordagem a que ele se propõe parece ser o mesmo utilizado com outros grupos de ouvintes. Quando a gente for pra sala de aula, mais intimidade, mais aproximação. Da segunda vez em diante aí a gene vai contando e vai sendo como eles vão se adaptando, se eles vão gostando, se eles estão gostando. Se eles não gostarem, também ninguém vai querer escutar. Entendeu? Tem esse detalhe... O contador tenta fazer uma análise das possibilidades que o seu público tem de existir e de manter-se coeso. Procura assim levar em conta muitas variáveis, quando informa à pesquisadora da possibilidade de que a experiência do contador em sala de aula não tenha solução de continuidade por
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falta de interesse dos ouvintes, mesmo não parecendo acreditar muito que isso venha a ocorrer. E completa o seu discurso: Na primeira vez eles vão estar ali que é por ansiedade. Certo. A ansiedade de escutar aquilo ali. A primeira vez. Você vai ver. Do jeito que eu tô lhe dizendo. E o contador referia-se em seu discurso à situação bastante conhecido do aluno ao qual é imposta uma atividade, para ele “sem graça”, em sala de aula. Seu Manoel estava disposto a colaborar com o projeto Um contador na sala de aula, mas precisava cercar-se de garantias para que as performances acontecessem segundo a sua expectativa. Como já pensava ter perdido o hábito de contar histórias, aproveitava a conversa para refletir sobre o contar especificamente para crianças. Procurava antever o público, a história mais adequada: Não é uma história compridona como “Maria cara de pau”, “O filho do Diabo”, porque a criança se enfada e dorme. Abre o bico, cochila, não dá, você sabe. Para se fazer entender, procura ampliar o seu discurso sobre o gosto pelas coisas: Olhe, não tem jeito. Pra tudo tem um tipo de coisa. Tem gente que gosta de cantador de viola. Tem gente que gosta de cantador de ganzá. Conquista. Mas já tem gente que não gosta [...]. Tem gente que pega uma história, fica ansioso para ter aquela história, seja para alguém, ou seja, pra você só, mas você fica ansioso porque você gosta.Tem gente não gosta disso. E‟. Reforçando o aspecto da brincadeira que os textos orais parecem ser para Seu Manoel, ele cunhou a frase: “Eu conto mentira, mas não gosto de mentira”, que falava sempre que a veracidade dos contos era contestada durante a performance”. Antes mesmo de entrar em sala de aula, antevendo o envolvimento dos alunos frente às narrativas, o contador conjecturava: Aí os meninos vão ficar tudo ansioso, né? Não vão ficar tudinho de orelha em pé, igualmente rato com medo de gato? Vai. – É ruim!... Diga, diga, diga... A curiosidade deles, das crianças. Não é do contador. O contador só tá enfeitando. O contador é um mentiroso. Eu já disse a você que eu conto mentira mas não gosto de mentira. Você é uma contadora de história. Você narra fatos. Você cria. Você inventa. Quer dizer, você é uma grande mentirosa (risos). É. Se adaptasse aquilo, se alguém acreditasse em você, você é uma grande mentirosa. Eu digo assim: eu conto histórias, sou um mentiroso que eu conto mentira, mas não gosto de mentira. Seu Manoel, além de ter consciência clara do seu repertório, revelava igualmente o saber empírico sobre a metodologia para uma pesquisa de campo nessa área da que focaliza a presença dos textos considerados literários, apresentados na sua forma oral. Um ponto referido por ele foram as abordagens iniciais a um “informante”, o que constitui, em algumas situações, quase um problema para os pesquisadores na coleta de textos orais. Conversando sobre a capacidade de um contador memorizar e transformar textos, o contador dirigiu a conversa para o modo mais seguro, no seu entender, de convencer um contador de histórias a comparecer a uma reunião, ler um folheto cantando, quando este, mesmo sabendo, nega-se a fazê-lo, fato muito comum em pesquisas de campo. Seu Manoel montou um longo diálogo de persuasão entre um contador e uma pessoa interessada em ouvir, em casa, juntamente com outras pessoas o contador cantando um folheto. Deu todas as orientações de não decepcionar o artista e fazê-lo chegar ao objetivo do ouvinte. Visava ilustrar a situação que ele mesmo estava vivendo, quando alguém tentava convencê-lo a exercer o seu contar em um espaço que não era o dele. Segundo ele, valeu o esforço: “[...] com a história é a mesma coisa. Não pode deixar a peteca cair”.
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Para Seu Manoel, um bom contador de histórias deveria ser capaz de criar seus textos, de renová-los ao sabor da oportunidade. Um contador deve ter a capacidade de transformar a sua vida em uma ou muitas histórias. E alguma história que lhe for sugerida para contar, mesmo que não seja a história esperada pelo ouvinte, sempre pode ser outra; a história daquele contador. Seu Manoel sabe, como Pierre J. Hélias, citado por Velay-Vallantin (1992, p. 26) que “a existência do conto e suas melhores qualidades residem no talento do contador”. 6. A ESCOLHA DA ESCOLA Acreditando não só inédita (pelo menos na Paraíba), mas também pertinente a experiência de realizar, em sala de aula, o encontro da classe com um contador de histórias, procurando enriquecer com novos textos as parcas aulas do ensino fundamental naquela escola municipal de Mogeiro, trazendo para a sala de aula histórias que não estariam mais sendo contadas com frequência, tomou forma o projeto de observação de um contador de histórias atualizando parte do seu repertório em conjunto com os alunos e a professora em sala de aula. Observando a adequação de uma pessoa até então estranha às atividades da escola, procurando trazer com ele um saber e um fazer como os livros não têm condições de registrar. Não por incompetência mas por impossibilidade, uma vez que constituem universos distintos: o da escrita em seu registro estático e o da oralidade em sua mobilidade e infinitas possibilidades de transformação. Integrar esses dois mundos, o da oralidade e o da escrita, eis o trabalho que cabe ao professor depois de cada passagem do contador pela sala de aula. Os textos apresentados pelo contador poderiam ser retomados pelo professor através de propostas de atividades a serem desenvolvidas pelos alunos ou com eles em sala de aula. O material disponível para o trabalho em sala de aula de textos orais. Os alunos teriam a oportunidade de entrar em contato não só com os textos que lhes ensinam a ler (e escrever), mas também com aqueles que os convidam, principalmente a aprenderem a ouvir (e a falar). Na montagem do projeto, o objetivo principal era observar a viabilidade de trabalhar com um contador de histórias em sala de aula, no caso, em duas salas de aulas distintas, no ensino fundamental: uma de 1ª série e outra de 4ª série. Conhecer a realidade das escolas municipais de Mogeiro no seu cotidiano de ausência de recursos para o trabalho na sala de aula, saber da existência e reconhecer as qualidades de contadores de história da mesma região, possibilitou a experiência neste município paraibano. 7. CRITÉRIOS PARA A ESCOLHA DA SALA DE AULA – A PROFESSORA Procurando cumprir o objetivo de direcionar a proposta pedagógica para o ensino fundamental, buscou-se também observar a eficácia desse trabalho em um leque o mais variado possível de faixas etárias dos alunos. A participação de várias séries no projeto permitiria observar a interação do contador com crianças de várias idades. Como a evasão dos alunos que estão matriculados no ensino fundamental naquele município é alta,52 eles nem sempre estão frequentando a série correspondente à sua faixa etária. Devido a essa realidade municipal, que também ocorre na educação em todo o Estado, para ter como participantes do projeto crianças de cinco a quinze anos, seriam necessárias duas salas de aulas que poderiam ser: uma de 1ª série e outra de 4ª série. Na 1ª série havia alunos com cinco até nove anos de idade. Já na turma da 4ª série, os alunos tinham de dez a catorze anos. Uma atividade em sala de aula, principalmente no ensino fundamental, para ter sucesso é preciso contar com a plena aceitação das professoras responsáveis pela classe. Assim, procurou-se o contato com elas para lhes apresentar o projeto no qual estavam sendo convidadas a participar. Tendo já comprovado a eficiência do contador escolhido para fazer parte desse projeto em outras oportunidades e reconhecendo a riqueza dos textos orais que ele poderia trocar com os alunos 52
Segundo a professora da classe observada, as crianças anualmente afastavam-se da escola para auxiliarem os pais na agricultura do tempo do plantio até a colheita da safra e não voltavam mais naquele ano letivo, o que provocava repetências contínuas. Outro fator de aproveitamento insuficiente era a falta de apoio e/ou incentivo na aprendizagem (ou frequência às aulas) dados pelos pais que eram, na maioria dos casos, analfabetos.
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das escolas, teve início a escolha dos espaços de pesquisa. As duas turmas referidas anteriormente foram as escolhidas, a princípio. A escolha das turmas, na verdade, deveu-se principalmente à viabilidade de realização do trabalho com aquelas professoras em suas respectivas salas de aula, uma vez que não seria suficiente os alunos divertirem-se com o contador mas, além disso, procurava-se motivar as crianças para desenvolver suas potencialidades de linguagem escrita e oral a partir dos textos partilhados com o contador na sala de aula. Os critérios de escolha da professora prenderam-se a três aspectos: em primeiro lugar, a competência reconhecida pela comunidade. Diversas pessoas no município, mães de alunos e colegas de trabalho deram as melhores informações sobre os seus trabalhos, reconhecendo que, apesar das limitações que lhes são impostas, desempenham suas funções com desenvoltura e capacidade de discernimento. O outro aspecto estava ligado à escolha da série que, segundo o critério que já foi exposto, prendia-se à questão da faixa etária dos alunos que melhor se coadunasse com a expectativa do contador. A professora convidada a participar desse projeto ainda desenvolve suas atividades em escola municipal. O contato com estas professoras para propor-lhes o trabalho em conjunto foi realizado antecipadamente. Em conversa informal, a proposta foi sendo apresentada e, conversando sobre ensino e aprendizagem, suas dificuldades e possibilidades de lançar mão de maneiras viáveis de sanar os problemas, o projeto foi tomando corpo na vontade dessa professora em participar e dar vida ao que ainda era uma proposta de trabalho a ser analisada. Aceitou participar do projeto por curiosidade e disposição para o enfrentamento de uma situação nova na sua sala de aula. A escassez de material didático que não só aquelas escolas públicas enfrentam, a falta de imaginação de muitos textos apresentados nos livros didáticos aos quais os alunos têm acesso, decorrendo muitas vezes disso a falta de motivação dos alunos para desenvolver suas tarefas escolares, a falta de uma política de leitura a ser posta em prática nas escolas do município, foram os principais motivos elencados que levaram a professora a aceitar a proposta e permitir a presença de “pessoas estranhas” à sala de aula, fazendo parte integrante do processo educativo dos seus alunos. Uma abordagem dos tipos de textos que poderiam ser apresentados pelo contador, as histórias, os provérbios, a conversa com os meninos. Fez-se necessário a pesquisadora conversar com a professora sobre as propostas para o trabalho da escola junto à comunidade à qual presta serviço, dispostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais53 (1997, p. 33) sobre as possibilidades de a escola integrar-se à comunidade e a necessidade de expandir a percepção dos alunos para a utilização de modos vários de expressão, além da leitura e da escrita. Venceu-se a resistência em nome da curiosidade de como trabalhar primordialmente com o lúdico54 sem perturbar e mesmo auxiliando no andamento das atividades na sala de aula. A professora teve logo depois o projeto desenvolvido em sua sala de aula. A princípio, mostrou-se reticente, até desconfiada com a proposta de levar um contador de histórias para a sua sala de aula, uma vez por semana,55 mostrou-se temerosa de, com a presença do contador, “não poder dar conta do currículo determinado pela Secretaria”. Mesmo com expressão quase desconfiada, concordou em receber o contador na sua sala de aula. Foi preciso tranquilizá-la no tocante à sua autoridade como professora dos alunos participantes das performances do contador. Ficou determinado conjuntamente que o projeto teria início e só teria continuidade se a professora comprovasse que poderia ser válido para o enriquecimento do seu trabalho cotidiano com a classe. Tanto o controle da turma quanto das atividades do contador, inclusive a determinação do tempo de que o contador disporia para estar na sala de aula, seria dela que, como mestra, participaria ativamente de todo o processo. Seu Manoel era um contador que preferia contar histórias para adultos, para pessoas que interagissem com ele a partir do que estava sendo veiculado pelo texto oral apresentado. Gestos, mímica, meias palavras precisavam ser compreendidas pelo público para que a performance se 53
Essa publicação provinda do MEC como orientação para os procedimentos nas escolas de ensino fundamental havia sido tema de treinamento ainda recente, do qual as professoras do município haviam participado. 54 As professoras temiam que uma atividade como contar histórias, aparentemente livre e descompromissada, viesse prejudicar a “ordem” que deveria ser mantida em sala de aula. 55 O fato de o contador ser um homem do povo, de baixa escolaridade, fazia dele uma pessoa desqualificada pela
escola para qualquer trabalho ligado à aprendizagem dos alunos. As professoras fizeram observações em que repetiram o discurso da escola tradicional, fechada para o saber do povo supostamente afastado do saber reconhecido pela escola.
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realizasse plenamente e ele, como contador se sentisse gratificado. Quando havia crianças entre os ouvintes elas eram de faixas etárias diversas, prevalecendo, de um modo geral, os mais velhos. Ele era um contador tradicional e contava saboreando o prazer da conversa. Como todo bom contador, experimentava o contar como uma coisa prazerosa tanto para ele quanto para os seus ouvintes. Os textos iam surgindo no decorrer da performance, renasciam da memória, através da conversa informal, como explicita Bouvier (1980, p. 34) quando discute a proposta de uma abordagem etnotextual56 para a pesquisa de campo com textos orais. Seu Manoel contava histórias para crianças, principalmente seus filhos e os amigos deles, na calçada da sua casa, à noite, sentado no chão ou deitado na rede, sem preocupação de resultados. Na escola, no entanto, por tratar-se, para ele, de um trabalho, exigia “resultados positivos”, podendo abandonar o projeto se não os alcançasse. Ele já havia anteriormente demonstrado preocupação com a recepção das histórias, por vezes com o rumo que as histórias contadas na escola poderiam ou deveriam tomar. Um grupo de crianças muito pequenas não se adequaria ao “modelo” de ouvintes que ele esperava ou desejava encontrar na escola, o público mais apropriado a participar plenamente das performances que ele construíra em suas reflexões: Quando eu penso, no caso, numa criança, ou seja, várias crianças, é uma aula, né isso? E‟ um grupo. Então, eu vou fazer com que aquelas crianças se sintam felizes, alegres e com medo. Ali eu vou contar uma [história] de alegria, para elas se animarem, escutarem tudo caladinha. Quando passar a história, cada uma vai dizer as suas aventuras, depois eu vario o tom com uma de medo pra elas ficarem com aquele pavorzinho e depois que passar a história, dizer: ó, fulana, tá vendo? Tá vendo aquela história que Seu Manoel contou? A gente não vai fazer isso não, viu? Que se a gente fizer isso, a gente vai se trambicar, hein? Vai se dar mal, entendeu? E daí por diante. A professora estava investindo em uma atividade que já acreditava ser uma boa oportunidade de motivar seus alunos, tão carentes de oportunidades, para o aprendizado. O contador, por sua vez, priorizava a plena interação com o seu público quando se dispunha a conversar, a contar histórias. Com o grupo de ouvintes constituído unicamente de crianças muito pequenas, ele não via possibilidades de interação da maneira que achava necessário para fazer aflorar a narrativa na sua memória, fazendo a performance fluir na integração dos textos. Procurou então concentrar as ações na escola escolhida na zona rural, Sítio Chá de Areia, onde o contador realizou boas performances com ouvintes jovens (de 10 a 14 anos), que respondiam bem às colocações do contador, sugerindo textos e interagindo eficientemente com ele. 9. UM NOVO ESPAÇO E UM NOVO PÚBLICO: A 4ª SÉRIE Em Mogeiro, no sítio Chã de Areia Seu Manoel encontrou a “sua” sala de aula, um novo espaço para suas performances como contador de histórias. Seu Manoel era um contador tradicional que, como tantos deles, prescindia de um público que fosse capaz de compreender o jogo de palavras, muitas vezes, as entrelinhas da narrativa, “devolvendo” o texto acrescentado pelos comentários das coisas do cotidiano, pelos questionamentos ou pelas vivências de cada um. Estes eram, para aquele contador, os ingredientes necessários ao reinventar das histórias, na escolha do repertório à medida que a performance se construía. Um contador de histórias procurava adequar a sua vontade de contar ao gostar de ouvir de outras pessoas. Para Seu Manoel, não bastava ser ouvido. O contar apoiava-se no saber ouvir. A participação dos ouvintes sugeria o tipo de texto a ser apresentado e o modo como devia ser apresentado. O contador revisitava a narração a partir das interferências do público. As sequências alongavam-se ou eram encurtadas, reelaboradas ou simplificadas, de acordo com o efeito que causavam nos ouvintes.57 Era a troca contador/ouvinte que emprestava sabor a essa interação do contar 56
Idelette Fonseca dos Santos (1992, p. 242) que desenvolveu projeto de pesquisa utilizando a abordagem etnotextual, define o conceito de etnotexto: designa o discurso que um grupo social, uma coletividade, elabora sobre sua própria cultura, na diversidade de seus componentes e, através da qual reforça ou questiona sua identidade. Esse etnotexto inclui o texto literário e o não literário, numa relação de continuidade e integração. 57 Elie Bajard (1994, p. 105), falando sobre a transposição de textos da escrita para a encenação teatral, reafirma: O contador
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e do ouvir contar. Era do contar com sabor, que dá prazer a quem ouve e a quem conta que se faziam as performances de Seu Manoel. Na sala de aula da quarta série, por não se tratarem de crianças pequenas, mas de um grupo de quase adolescentes, o contador, no primeiro encontro, já começou a ter uma conversa mais direta com eles. Conversou mais do que contou histórias, sondando o grupo e suas preferências. Contou histórias curtas, brincou com os alunos da sala, fazendo perguntas sobre ocorrências do lugar onde eles estavam morando, sobre as famílias, sobre pessoas da comunidade que ele conhecia. Ao mesmo tempo em que procurava despertar os alunos para a necessidade de conhecerem a sua região, mostrando detalhes, particularidades, observava, ele próprio, novas trilhas por onde orientaria o seu contar. Era como se ele também buscasse se situar no novo espaço que surgia para contar histórias. Comentar sobre as histórias conhecidas ou não dos meninos servia de orientação para o contador escolher os textos que, a princípio, poderiam ser mais aceitos pelo novo grupo de ouvintes. Essa possibilidade de conversar com os alunos da 4ª série fez o contador sentir-se incentivado a criar, a buscar textos que pareciam esquecidos nos vãos da sua memória. O primeiro contato com aquelas crianças e jovens entusiasmou Seu Manoel cujas oportunidades de contar haviam rareado consideravelmente. O interesse e as interferências sempre crescentes do grupo foram fazendo com que o contador sentisse novamente razão para “fazer a cabeça funcionar”, para buscar na memória novos textos a relembrar, atualizar, recriar seu repertório de textos. A sua preocupação em motivar a fala dos meninos crescia à medida que a camaradagem entre o contador e os alunos se instalava, a cada encontro vivido. Os encontros na sala de aula ficaram marcados para as sextas-feiras, das 08:30h. às 10:00h. Adequando disponibilidades da classe, do contador e da pesquisadora, definiu-se a sexta-feira como dia mais adequado para a presença do contador na escola. Assim, chegava-se à escola depois que os alunos cumpriam a primeira tarefa, e as atividades com orientação do contador estendiam-se até o intervalo do recreio, conforme determinação prévia da professora. A sexta-feira foi escolhida por ser o último dia de aula da semana, quando os alunos já estariam cansados e, no entender da professora, ouvir histórias seria muito bom. Muitas vezes, o contador foi convidado pelos meninos, com aceitação da professora, a demorar mais um pouco na sala e aceitou o convite. No intervalo para a merenda, o contador permanecia na escola para conversar com as crianças e com a professora. A conversa era agradável, divertida e todos se mostravam bem à vontade. Por vezes, o contador e a professora opinaram sobre as vantagens do contar em sala de aula. Nas palavras da professora que conhece seus alunos: É uma ótima maneira de eles se expressarem. Terem uma participação. A participação de todos. Não só de um. Chegam a contar histórias que a gente fica de boca aberta. Eu tiro por Juliana. Ela é muito tímida. Ela muito mal fala na sala. Mas quando é pra contar histórias, ela conta história excelente. Essa escola da zona rural de Mogeiro, no semestre em que o contador esteve frequentando-a, contava somente com duas salas de aula,58 uma de 1ª e outra de 4ª série do ensino fundamental. Para Seu Manoel, conviver com a turma de quarta série que contava com 30 alunos matriculados, mas somente com 17 alunos (9 meninos e 8 meninas) frequentando a escola e sempre presentes às performances do contador, numa faixa etária entre 10 e 15 anos. No ano em que se desenvolveu o projeto na sala de aula, ainda havia uma agricultura de subsistência bem ativa. Assim, no meio rural, em Mogeiro, era muito comum os pais matricularem os filhos e por motivo do ciclo de cultivo da roça, as crianças deixarem a escola para ajudar os pais e não retornarem mais naquele ano letivo. No ano em que o contador realizou o trabalho na escola, o motivo não foi este, pois não tendo chovido o suficiente para o plantio, não se “botou roçado” em toda a região na qual Mogeiro está inserido.59 Essa
de histórias sabe rechear seu enredo com contribuições que nascem de intervenções do espectador. 58 Outros alunos da mesma localidade estavam frequentando a escola na sede do município por falta de espaço físico na escola. Em 1999 foram construídas mais de duas salas de aula, tomando o espaço do pátio interno da escola que os alunos ocupavam durante o intervalo entre as aulas. 59 A longa estiagem levou alguns alunos a acompanharem os pais em deslocamentos temporários para outras regiões, “os brejos”, onde se ganha algum dinheiro trabalhando no corte da cana, durante a moagem das usinas de açúcar.
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situação tem sido recorrente, tendo diminuído muito o número famílias que se dedicam a “botar roçado”. A professora, durante todo o tempo em que visitamos a sua sala de aula, mostrou-se bastante interessada na aprendizagem dos meninos, não somente como alunos, mas também como pessoas humanas que precisam de oportunidades para se desenvolver e demonstrou durante todo o período de convivência com o contador a sensibilidade de vivenciar, através dos seus alunos, as dificuldades que ela um dia também sentiu. Eu tiro por mim. Eu mesma não tive a oportunidade de falar. Quando eu falava, alguém dizia assim: “Não, Cristina, não é assim. Tá errado”. [...] Eles [os alunos] têm totalmente a liberdade. Livremente. Pra contar. Eles contam da forma deles, com o vocabulário deles. A professora em questão estaria exercitando o conceito de educação proposto por Rubem Alves (1993), em suas múltiplas publicações, onde ele sempre reafirma, como conselho, orientação, a proposta de que educar “é ensinar às crianças a alegria de pensar”. Foi esse interesse em buscar melhores oportunidades de aprendizagem para seus alunos. Essa professora buscava incentivar os seus alunos a ampliar formas de expressar-se, multiplicando capacidades de “linguagem, criar linguagens, valorizar a linguagem”. Elas sabem, como Bachelard (1996), “que tudo isso são atividades que aumentam a consciência de falar”. Sendo o falar (dizer inteligivelmente)/ouvir (compreender) instâncias importantes da expressividade humana, desenvolver essas aptidões amplia as possibilidades de garantir um bom desempenho na capacidades de ler (compreendendo o que leu)/ escrever (expressar-se por escrito). No decorrer do projeto na sala de aula, quando já havia uma franca interação contador/ alunos participantes, um aspecto marcante apontado pela classe foi a desenvoltura do contador que mesmo não tendo o conhecimento da língua considerada válida pela escola: a linguagem culta, sabia recriar um mundo imaginado, através da sua arte de contar. Chamou a atenção dos meninos, que comentaram com a professora, a princípio, que o contador “falava errado”. Esta discussão aconteceu na sala de aula, sobre a pessoa e o desempenho do contador, mas o contador não participou dessa conversa, uma vez que se deu no decorrer da semana, entre uma performance e outra do contador. Os participantes chegaram à conclusão de que o contador não tinha medo de errar, de falar. Ele se comunicava, como foi dito por uma aluna: “[...] e mesmo assim conta histórias tão bonitas, sabe de coisas que muita gente que sabe de muita coisa não sabe”. A professora relatou como procedeu para discutir o preconceito que eles mesmos ali naquela comunidade sofriam por não acreditar que pudessem saber alguma coisa melhor do que outras pessoas. A professora procurava reforçar a autoestima dos alunos através do exemplo de vida que o contador representava. Por ele dizer “arubu” não quer dizer que não saiba o que é um urubu. Eles ficam criticando, mas eu também quero que eles sejam críticos. As pessoas criticam muito por eles serem do sítio. Então, eu mostro que o contador conta do jeito dele e os meninos também devem contar do jeito deles. No momento em que eles perdem a timidez diante dos colegas, quando chegar a público eles não vão temer. O contador sabia que o seu falar apresenta atropelos linguísticos e conversando, em outra situação, depois de uma das visitas à escola, respondendo à pergunta: E como é contar história na escola? Ele respondeu: Contar histórias na escola é muito ruim. Péssimo (risos). Porque o tipo da coisa que a gente tá conversando agora. Eu procuro me sentir à vontade. Eu sei quantas burradas eu dei, quantas conversa errada eu falei? Mas se eu tô falando, não me decepcione. Deixe eu ir direto. Senão eu vou ficar todo amarrado, triste. Eu não vou saber mais conversar. Eu sei do meu jeito. Se eu
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digo pra que, pro que e você diz: Não, tá errado. A palavra é essa. Tem que ajeitar. Tudo que eu falar, pra mim vai ser errado. Mesmo que não esteja. Seu Manoel defendia o ponto de vista segundo o qual as limitações não freiam a capacidade de falar, quando se tem o que dizer. Acreditava que a liberdade da fala, mesmo com atropelos gramaticais é que faz com que se aprenda a se expressar. E ele usou de uma metáfora da barca no rio, da necessidade de liberdade para garantir a fluência, para explicar a situação de fala: Olhe, não assuste. Deixe o carro ir à vontade. Se eu solto uma barcaça aqui. Aqui é um rio. Aí você solta essa barcaça. O rio está indo pra‟li. A água está descendo, né? Mas se você der uma tapinha nessa água, na ponta dessa canoa, ela não vai mais pra‟li não. Ela desvia. E‟ igualmente a gente conversar. Se botar um mau gosto ali, qualquer que a gente sinta que foi com a gente, aí a gente já perdeu a graça. É. Deixe a gente ir do jeito que a gente sabe mesmo... ou errado ou certo, deixe ir... embora que depois, depois que passe tudo, aí você vai corrigir, você faça do seu modo. Corrigir na hora não vai. O fato de a escola, na pessoa da professora, desejar que seus alunos se expressem bem e corretamente, faz muitas vezes com que à medida que ela descobre um “erro” na fala do aluno, corrija mesmo enquanto ele está buscando dizer o que pensa. O contador considerava essa forma de agir como um bloqueador da coragem de falar. Contando histórias ele demonstrava que há uma dinâmica no falar, expor as ideias, garantir a fluência da narrativa, construir a fluência na própria língua. Corrigir quem fala, enquanto fala, pode inibir outras investidas no falar que por ventura possam vir a ocorrer. Conversando com a professora sobre o desempenho dos alunos a partir do projeto, de alguns em particular, o contador ressaltou: Contador: O importante é falar. Professora: O importante é falar e se expressar. Contador: Nem todo mundo sabe se expressar. Pesquisadora: Contando histórias vai aprendendo? Professora: Eu acho que sim. Contador: E eu sei?... (risos). O cabra termina aprendendo. Cada um conta do seu modo. Convivendo com o contador na sala de aula, os(as) alunos(as), de modo geral pareciam descobrir que eles também podiam falar, contar, dizer. Alguns alunos(as) mostravam-se mais dispostos em se expor, falando na sala de aula, participando das discussões, atitude antes raramente registrada pela professora.
10. A INTERATIVIDADE CONTADOR/OUVINTES Mesmo antes de ir à sala de aula, pela primeira vez, contar histórias, Seu Manoel já se preocupava com o repertório que deveria ser apresentado na escola. Para ele, contar histórias aos alunos significava ocupar um lugar de destaque em uma sala, sem ser professor nem aluno. Assim, de antemão, procurou rever na memória contos que falassem de escola, da necessidade de aprender, do valor que tem o saber. Buscava adequar o seu contar à ação de também ensinar. Por saber-se num ambiente de escola, em horário de aula, o contador procurava colaborar com o processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Mesmo sem ter sido orientado nesse sentido por alguém da escola, a professora, por exemplo, sempre que via possibilidade, ele atrelava à conversa, os contos, as adivinhações que surgiam durante os encontros a objetivos didáticos. O fato de estar “tomando o lugar da professora, em horário de aula”, fazia com que ele, sempre que julgava pertinente, procurasse dar uma conotação de ensino à sua atividade naquele ambiente.
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A professora quando falou de Seu Manoel aos alunos, preparou-os para receber um contador de histórias. Para ela e os meninos, a princípio, ele viria unicamente para contar histórias. Qual não foi a surpresa quando o contador, durante o primeiro encontro que teve com os meninos, depois de contar duas “historinhas curtas”, tentando aproximar-se deles, no “jogo de sedução”, em que o contador investe na confiança e simpatia do público, disse a primeira adivinhação, endereçando-a a um menininho que se sentava na última carteira. Antes, perguntou-lhe o seu nome e, em seguida dirigiu-se a ele: “Batista, me diga. O que é que você tem no meio das pernas?” E o menino, entre encabulado e decidido, respondeu: “O joelho”. Foi o bastante para que os(as) alunos(as) descobrissem o que lhes interessava mais vivamente: as adivinhas (por eles denominadas adivinhações). Elas constituíram os textos mais solicitados pelos alunos nos encontros do contador com a classe. Na sala de aula, ele não mediu esforços para “trocar” textos com a classe, para motivar a todos a se expressarem. Sempre que contava uma história, dizia uma adivinhação, contava uma anedota, procurava incentivar os alunos a fazerem o mesmo. Os mais variados tipos de textos foram motivo de brincadeiras do contador com a classe. O contador movimentava seu repertório tentando garantir a sua disposição para falar e o que interessaria à classe escutar. Parecia ter um dizer específico reservado para cada situação que se apresentava. Em determinada ocasião, tentando aquietar a classe e restabelecer o silêncio na sala, diante de algumas adivinhações ditas e que os meninos não chegavam a um consenso sobre as respostas certas, o contador, para reabilitar o silêncio na sala, falou: “Silêncio! Eu vou contar uma historinha muito interessante. É a história do mudo”. E todos ficaram calados para ouvir. E o silêncio reinou por alguns segundos até que um aluno “matou a charada”: “Essa é velha... A história do mudo é ficar todo mundo calado”. E o contador retomou o controle da sala, dando início a outra história: “pois pronto. Mudo não fala. Olhe, era um rei, escute só...” O contador demonstrava gostar de ouvir as histórias contadas pelos meninos e procurava aperfeiçoar a técnica daqueles que já se lançavam a escrever uma história como exercício de redação. Observe-se que a professora utilizava aspectos levantados sobre a presença do contador na semana anterior para desenvolver as atividades de escrita na sala de aula. Seu Manoel, quando a professora considerava pertinente, tinha acesso aos textos produzidos pelos alunos. Ele aproveitava o ensejo para incentivá-los a escrever mais e melhor e também aproveitava para fazer algumas colocações acerca dos textos produzidos. Como fez com um aluno que escreveu uma história que envolvia um carro, uma família e seu bicho de estimação. “A história ia tão bem... Por que foi que tu resolvesse matar todo mundo, hein?” Na opinião de Seu Manoel, que foi colocada para a classe, um escritor ou um contador de histórias que deixa que morram todas as personagens na história que ele conta ainda não aprendeu a contar uma boa história.60 Criar textos, contar ou escrever histórias era o exercício pedido em sala de aula. A professora sugeriu que a redação da semana versasse sobre a presença de Seu Manoel, um contador de histórias na sala de aula. Em seu texto, uma aluna da classe grafou esta frase: “O contador de histórias ensina muitas histórias. Eu gostei muito de ter um professor de história”. Para a aluna, o fato de o contador poder ocupar, na sala de aula, por algumas horas, o espaço físico reservado à professora, realizando um trabalho recomendado por esta, fazia com que adquirisse status de professor. Como as histórias que o contador trazia eram quase sempre desconhecidas dos alunos, totalmente ou em parte, isso revelava um saber que o contador detinha e estava trocando com eles. Isso caracterizava o contador como um “professor de história”. Ainda, segundo o depoimento dos alunos, a ação do contador era vista como um trabalho. O fato de estar exercendo uma atividade em sala de aula, como a professora, isso fazia do contador um trabalhador, e na opinião da aluna, um trabalhador eficiente. [...] o contador de história, para mim, é uma pessoa que está cumprindo o seu trabalho que é um trabalho muito legal. Legal parece estar sendo referido aqui no sentido de agradável, e não no que se refere à legalidade da ação, uma vez que a visita do contador era esperada com ansiedade pelos meninos. A presença do contador já começava a estabelecer entre ele e a classe uma relação de camaradagem. Um aluno que falava pouco, mas estava sempre atento, na redação, esboçou uma promessa: “a gente vai 60
Ariano Suassuna, romancista e dramaturgo paraibano, em entrevista veiculada em jornais e revistas, esboçou opinião análoga, referindo-se aos seus primeiros escritos, quando adolescente.
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prestar atenção mais nas suas perguntas para mais poder responder”. A aceitação foi unânime, por algumas razões. O motivo apontado por uma aluna que participava ativamente das performances representou bem a opinião da maioria: Eu queria que ele viesse todos os dias para animar a gente aqui na classe. Outra aluna foi mais explícita nas suas intenções: [...] era pra ele vim todos os dias, assim não fazemos muita lição. Uma aluna que demonstrou já conhecer e ser capaz de movimentar um bom repertório de textos orais deixou na sua redação uma mensagem para o contador: Seu Manoel, eu quero lhe dizer que eu sempre vou me lembrar do senhor que conta histórias e dá um pouco do seu amor para todos nós. A professora também tirava proveito da presença do contador na sala de aula, pois cada “vinda” do contador oferecia “assunto” para o trabalho com a classe durante toda a semana seguinte. Mesmo a visita ocupando um curto período na semana, a professora procurava manter a motivação e tirar proveito dos textos apresentados para realizar outras atividades. A partir do sistema utilizado na adivinhação de perguntas e respostas ela fazia jogos. Dividia a classe em dois grupos e atribuía ponto ao grupo que acertasse a pergunta proposta, sendo vencedor o grupo que acertasse mais perguntas. O procedimento era ampliado como verificação da aprendizagem da matéria dada. O contador veio contribuir para que a professora dispusesse de melhor repertório para realizar com seus alunos atividades de aprendizagem de um modo mais atraente para todos. A sexta-feira, depois da presença do contador neste dia na sala de aula, passou a constituir um dia em que havia 0% de falta dos alunos na sala de aula. Segundo a professora: só falta na sexta-feira, agora, quem não pode vir mesmo. Os alunos procuravam participar do encontro, demonstrando através da atenção constante o prazer que aquela atividade lúdica lhes proporcionava. Por outro lado, o fato de o contador não “aparecer” na escola no dia aprazado, constituía motivo de reclamação geral e irrestrita, constituindo problema para a professora fazer os ânimos arrefecerem. Observe-se que, mesmo sendo agradável para o contador estar com as crianças em sala de aula, para ele não constituía compromisso que o obrigasse61 a estar na escola no dia aprazado, se surgisse “outra coisa pra fazer” que para ele parecesse mais importante. Como se deu em um das sextas-feiras do semestre em que o contador estava frequentando a escola. Seu Manoel “esqueceu” que era uma sexta-feira e foi caçar, perdendo a hora de ir à escola “conversar” com os meninos. Na outra semana, sentiu-se obrigado a retratar-se tal foi o volume de reclamações dos alunos. Durante todo um semestre o contador trocou textos e experiências com a classe. Ao ser questionado pelos meninos: Seu Manoel, o que é um contador de história? Ao que ele respondeu prontamente: “Olhe, um contador de história é um palhaço”. E a menina assustada: “Um palhaço?” E ele explicou: É, minha filha, é. Não. Entenda. Um palhaço faz o quê? Um palhaço traz alegria. Não é isso? O palhaço é o mais importante do circo. Com quê? Com mentiras, com piadas. Ele [o contador] fala histórias que não aconteceu. E‟ igualmente a palhaço. O palhaço faz alegria, pintura assim. Ele faz quem tá triste sorrir. A gente tá tão biongo... Tá. Num circo é o que eu gosto. Eu num gosto de trapezista, eu num gosto de bailarina. Eu num gosto de nada de um circo. Só gosto de um palhaço sendo bom. Porque tem palhaço que a gente entrando no circo de graça ainda é ruim. A gente tem raiva. Mas sendo um palhaço bom, alegra a gente. A gente fica contente, a gente ri. Você vê que 61
O contador demonstrava com o seu comportamento que para ele contar histórias era uma atividade em que ele precisava estar “inteiro”, totalmente envolvido com o que iria realizar. Quando outro interesse mais urgente o chamava ou mesmo quando não estava disposto a contar, assim, reafirmava: “não tem história”.
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um circo ‟tando lotado mesmo é capaz de estourar com um palhaço bom. Palhaço que só sabe dar língua e fazer bochecha, esse não serve não. Na última performance do contador, preparou-se uma “festinha” para marcar a data da sua despedida , uma vez que já era dia 04 de dezembro de 1998 e as provas finais já deveriam começar na semana seguinte. Nesse dia preparou-se um “quebra panela” bastante concorrido e animado e um lanche para complementar a festa. O contador criou vínculos de amizade com os(as) alunos(as) que no ano seguinte foram estudar em uma escola na sede do município e sempre que encontravam com Seu Manoel (foram visitá-lo onde trabalhava, na maternidade) faziam questão de cumprimentá-lo e perguntavam-lhe se ainda iria contar histórias para eles. Sobre o que o contador comentou: Aqueles meninos, Claurene, se tivessem oportunidade, podia ser até que algum deles aprendesse a contar histórias. Eles são inteligentes.
10. A TÍTULO DE CONCLUSÃO Essa experiência com um contador na sala de aula demonstrou, a princípio, duas vertentes de análise da situação de pesquisa como um todo. A primeira que a presença de um artista da palavra na comunidade à qual a escola que ali atua e presta serviço não tem sido considerada pela escola. A segunda é que os saberes que por ventura estejam disseminados nessa mesma comunidade não têm espaço privilegiado na escola e por isso, muitas vezes se perdem, por falta de exercício e valorização. Os contadores de histórias tradicionais que perderam seus espaços de contar desenvolvem um processo no qual a falta de ouvintes promove o silenciar do contador. Além disso, a escola, pobre em acontecimentos culturais, perde a oportunidade de enriquecer-se com essas práticas e ao mesmo tempo favorece o empobrecimento de experiências em que melhor se integraria à comunidade de onde provêm alunos e alunas. Um contador de histórias que sabe pôr em ação um bom repertório de textos orais detém uma arte milenar que garante a permanência desses textos. Oferecer a oportunidade de ouvir esses repertórios apresenta-se como uma ação cultural da maior relevância, considerando a possibilidade de não só manter vivos, em circulação, esses textos, mas também de incentivar a permanência do ato de contar representada pelo incentivo que a presença de um contador de histórias pode realizar na comunidade escolar. A realização desse projeto cujas experiências foram em parte aqui relatadas reforça a afirmação de que à medida que a escola abre espaço para bem integrar os saberes dos que constituem a família escolar melhor garante a participação das famílias no processo de ensino e aprendizagem que a escola precisa desenvolver com competência.
11. REFERÊNCIAS ALVES, R. Educação e prazer. In: DOIS PONTOS – teoria e prática em educação. Belo Horizonte: Sistema Pitágoras de Ensino, nº 16, v.2, p.91-6, 1993. AMARAL, Amadeu. Tradições populares. 3ed. São Paulo: Hucitec, 1982. ARANTES, A. A. O trabalho e a fala (estudo antropológico sobre os folhetos de cordel). São Paulo: Kairós/ FUNCAMP, 1982. BACHELARD, G. A poética do devaneio. (tradução de Antônio de Pádua Danesi). São Paulo: Martins Fontes, 1996. BAJARD, E. Ler e dizer – compreensão e comunicação do texto escrito. São Paulo: Cortez. (Coleção Questões de Nossa Época), 1994, v.28. BEZERRA. A. Adivinhas. In: Cascudo, Luís da C. Antologia do folclore brasileiro. 3ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, v.1, p. 267-286, s/d. BOUVIER, J-C. Tradition orale et identité culturelle: problèmes et mèthodes. Paris: CNRS, 1980.
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2.4. PESQUISAS REALIZADAS NO CAMPO DAS CIÊNCIAS EMPÍRICO-ANALÍTICAS
2.4.1. EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA PÚBLICA: BIOMA CAATINGA E RIO TAPEROÁ COMO EIXOS NORTEADORES Thiago Leite de Melo Ruffo
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA
João Pessoa – PB Fevereiro de 2011
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UFPB UEPB UERN UESC UFAL UFS UFRN UFS UFPI
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
THIAGO LEITE DE MELO RUFFO
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA PÚBLICA: BIOMA CAATINGA E RIO TAPEROÁ COMO EIXOS NORTEADORES
João Pessoa-PB Fevereiro de 2011
242
THIAGO LEITE DE MELO RUFFO
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA PÚBLICA: BIOMA CAATINGA E RIO TAPEROÁ COMO EIXOS NORTEADORES
Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA – Universidade Federal da Paraíba, Universidade Estadual da Paraíba em cumprimento às exigências para a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Orientador: Dr. Francisco José Pegado Abílio
João Pessoa Fevereiro de 2011 THIAGO LEITE DE MELO RUFFO
925e
Ruffo, Thiago Leite de Melo. Educação ambiental na escola pública: bioma Caatinga e rio Taperoá como eixos norteadores / Thiago Leite de Melo Ruffo.- João Pessoa, 2011. 118f. : il. Orientador: Francisco José Pegado Abílio Dissertação (Mestrado) – UFPB/PRODEMA 1. Meio Ambiente. 2. Educação Ambiental – escola pública – Taperoá (PB). 2. Bioma caatinga – ações educativas. 3. Rio Taperoá – Açude Taperoá - importância – conservação.
UFPB/BC
CDU: 504(043)
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA PÚBLICA: BIOMA CAATINGA E RIO TAPEROÁ COMO EIXOS NORTEAD Data de aprovação: 25/02/2010 BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________ Prof. Dr. Francisco José Pegado Abílio - DME/CE/UFPB (Orientador) ______________________________________________________ Profª. Drª. Prof. Dra. Maristela Oliveira de Andrade - DSE/CCEN/UFPB (Membro Examinador) _________________________________________________________ Profª. Drª. Antônia Arisdélia Fonseca Matias Aguiar Feitosa – UACEN/UFCG (Membro Externo) ___________________________________________________ Prof. Dr. José Etham de Lucena Barbosa – DFB/UEPB (Suplente)
AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho foi possível graças ao apoio e colaboração de pessoas a quem sou muito grato. Agradeço primeiramente a minha família, por acreditar tanto em mim e me estimular a seguir na vida acadêmica. Um agradecimento especial ao meu amigo e orientador Dr. Francisco José Pegado Abílio, pelas orientações, conversas, momentos de lazer, enfim, pela convivência durante o decorrer da pesquisa. Um agradecimento a todos que fazem a Escola Melquíades Vilar em Taperoá-PB, pelo acolhimento e recepção dados durante todo o decorrer da pesquisa. Um forte abraço às diretoras (geral e adjuntas), aos professores, funcionários e alunos que participaram da pesquisa de forma direta ou indireta. Gostaria de deixar um agradecimento especial à educadora Lielma Araújo Xavier, professora de biologia da referida escola e que esteve presente comigo em todos os momentos da pesquisa, sempre ajudando, dando sugestões, participando e estimulando os alunos a participarem das atividades. Agradeço também aos amigos e participantes do grupo de pesquisa em educação ambiental (GEPEA-UFPB) Hugo Florentino, Andresa da Silva, Dayane dos Santos, Camila Gomes (obrigado também pela correção do Abstract), Mel Luna, Dhieggo Evaristo, Darlisson Ramos, entre outros, bem como a todos os colegas da turma PRODEMA 2009 (Fabiana Marinho, Márcio Luiz, Beto Pohlux, Luciana Lígia, Michelle Feitosa, Anderson Emmanuel, Claúdio Lessa, Eugênio Pacelli, Tatiane Karen, Henrique Augusto, Sofia Érika, Catiana Oliveira, Maria Lúcia, Gisele Bezerra, André Luiz e Valnir Meneses), pela companhia, pelos momentos divertidos que passamos e pela convivência durante boa parte da análise, interpretação dos resultados e elaboração da dissertação. A todos que compõem a rede PRODEMA, em especial aos membros da banca examinadora: Drª. Antônia Arisdélia Feitosa, Drª. Maristela Oliveira de Andrade e Dr. José Etham de Lucena Barbosa, pela colaboração para o enriquecimento do presente trabalho.
244
Ao CNPq e à CAPES, pelo apoio financeiro concedido em forma de bolsa durante a execução deste projeto. Por fim, ao programa PELD – Caatinga/CNPq, pela viabilidade financeira, estrutural e logística para a realização deste trabalho.
R___
Ruffo, Thiago Leite de Melo.
Educação ambiental em uma escola pública do município de Taperoá-PB, Caatinga paraibana/Thiago Leite de Melo Ruffo – João Pessoa, 2010. __p.: il.
“Não deixe de plantar uma semente porque não terás tempo de usufruir dos seus frutos, mas plantea pensando na utilidade do que fez para aqueles que virão depois e comerão dos frutos que nunca poderá saborear”. (Valdeci Alves Nogueira)
Orientador: Dr. Francisco José Pegado Abílio – DME/CE Dissertação (mestrado) – UFPB/CCEN 1. Educação. 2. Educação Ambiental 3. Caatinga. 4. Escolas públicas. 5 . Taperoá.
UFPB/BC
CDU: ___._ (___)
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RESUMO O presente trabalho de pesquisa teve como objetivo procurar entender as relações de educandos de uma escola pública de Taperoá - município inserido no bioma Caatinga - com o ambiente e contribuir para uma sensibilização destes atores sociais quanto às problemáticas ambientais através de ações educativas relacionadas a este bioma, bem como ao rio Taperoá e ao açude Manoel Marciolino (açude Taperoá II), principais corpos aquáticos do referido município. O trabalho foi desenvolvido em quatro turmas do ensino médio, contabilizando 105 educandos. A primeira etapa consistiu na aplicação de questionários para a direção, corpo docente e corpo discente, visando diagnosticar aspectos estruturais e funcionais da escola objeto de estudo, bem como investigar as concepções de professores e alunos no que se refere às questões e problemáticas ambientais. Os resultados da aplicação destes questionários revelam uma escola bem estruturada, a falta de interesse dos docentes em trabalhar as questões ambientais em sala de aula e o desconhecimento dos educandos sobre as temáticas ambientais globais e locais. A seguir, realizaram-se oito atividades lúdico-pedagógicas mensais (agosto/2009 a junho/2010) com os educandos, tendo como tema principal o bioma Caatinga e os corpos hídricos do município de Taperoá. Estas atividades culminaram em uma exposição científicocultural, onde os educandos elaboraram diversos projetos sobre as temáticas trabalhadas que foram apresentados à comunidade escolar, representantes do poder público e a comunidade em geral. A partir destas atividades, foi possível constatar mudanças de concepções e de comportamento em relação à conservação do bioma Caatinga, do rio Taperoá e do açude Manoel Marciolino, despertando assim a comunidade local sobre a importância e a riqueza de diversidade deste bioma, bem como o sentimento de conservação destes corpos hídricos. Por fim, analisamos os conteúdos referentes às temáticas ambientais, ao bioma Caatinga e a região semiárida brasileira dos livros didáticos adotados pela escola objeto de estudo. Foram analisadas 24 obras distribuídas em 10 disciplinas diferentes. Os resultados da análise revelaram, de um modo geral, que as obras são ineficientes no tocante aos conteúdos de Educação Ambiental e Meio Ambiente e que as mesmas deveriam trazer uma discussão mais profunda sobre as questões relacionadas ao bioma Caatinga e ao semiárido brasileiro, ratificando nossa ideia de que o livro didático não deve ser o único recurso utilizado pelo professor na sala de aula. Palavras-chave: Educação Ambiental, escola pública, bioma Caatinga, rio Taperoá, açude Taperoá.
ABSTRACT The present research aimed to try to understand the relationships between the students of a public school of Taperoá - municipality inserted in the Caatinga biome –with their environment, and contribute to an awareness of these social actors regarding environmental issues through educational activities related to this biome as well as Taperoá river and Manoel Marciolino weir (weir Taperoá II), the main aquatic bodies of this municipality. The study was conducted in four high school classes accounting 105 students.The first step consisted in the application of questionnaires for the direction, teachers and students, in order to diagnose structural and functional aspects of the school, as well as to investigate the conceptions of teachers and students with regard to environmental issues. The results of the application of these questionnaires reveal a well-structured school, the lack of interest of the teachers in working with environmental issues in the classroom and the ignorance of the students about global and local environmental issues. Then, eight ludic-educational activities were carried out monthly (from August/2009 to June/ 2010) with the students, having as its main themes the Caatinga and the aquatics bodies of the municipality of Taperoá. These activities culminated in a scientific and cultural exhibition where the students developed several projects on the themes worked during the study which were presented to the school, representatives of the public authorities and community in
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general. From these activities, it was possible to identify changes in conceptions and behavior in relation to the conservation of the Caatinga, the Taperoรก river and the Manoel Marciolino weir, awakening the local community on the importance of diversity and richness of this biome, as well as the feeling conservation of water bodies. Finally, we analyzed the content regarding environmental themes, the Caatinga and the semi-arid region of Brazil of the textbooks adopted by the school. We analyzed 24 books distributed in 10 different disciplines. The results of the analysis reveaded that, in general, the books are inefficient when it comes to contents of the Environment and Environmental Education and that they should bring a more serious discussions about the issues relating to the Caatinga biome and the semi-arid region, confirming our idea that the textbook should not be the only resource used by the teacher in the classroom. Key-works: Environmental Education, public school, Caatinga biome, Taperoรก river, Taperoรก weir.
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LISTA DE FIGURAS Figura 1. Visão geral da escola campo de estudo (esquerda) e entrada principal da mesma (direita). 20 Figura 2. Estruturas físicas da escola campo de estudo. (A) Corredor e salas de aula aos lados, (B) Laboratório de Ciências, (C) Laboratório de Informática, (D) Biblioteca, (E) Pátio e Cantina, (F) Quadra poliesportiva. ........................................................................................................................... 21 Figura 3. Entrada dos banheiros (esquerda) e bebedouros (direita) da escola campo de estudo e entrada principal da mesma .................................................................................................................. 22 Figura 4. Percentual de respostas dos docentes quando questionados sobre quanto tempo lecioname possuem atividade fora da escola ......................................................................................................... 28 Figura 5. Momento de aplicação do questionário de diagnose discente aos alunos da escola campo de estudo ................................................................................................................................................... 32 Figura 6. Faixa etária dos alunos da escola campo de estudo ............................................................. 32 Figura 7. Ocupação dos alunos da escola campo e estudo além dos estudos...................................... 33 Figura 8. Percepção dos alunos da escola campo de estudo sobre o conceito de Meio ambiente. ..... 34 Figura 9. Percepção dos alunos da escola campo de estudo sobre o conceito de Educação ambiental. .............................................................................................................................................................. 36 Figura 10. Percepção dos alunos da escola campo de estudo sobre o conceito de Caatinga. ............. 37 Figura 11. Respostas dos alunos da escola campo de estudo quando perguntados quais as plantas da Caatinga que eles conhecem. ............................................................................................................... 38 Figura 12. Divisão por família botânica das plantas mais citadas pelos alunos da escola campo e estudo ................................................................................................................................................... 39 Figura 13. Respostas dos alunos da escola campo de estudo quando perguntados quais os animais da Caatinga que eles conhecem ................................................................................................................ 40 Figura 14. Divisão por grandes grupos dos animais mais citados pelos alunos da escola campo e estudo ................................................................................................................................................... 41 Figura 15. Principais impactos ambientais que ocorrem na Caatinga na visão dos alunos da escola campo e estudo. .................................................................................................................................... 42 Figura 16. Importância do açude e rio Taperoá na visão dos alunos da escola campo de estudo. ...... 43 Figura 17. Principais impactos ambientais que ocorrem na no rio e açude Taperoá na visão dos alunos da escola campo e estudo. .................................................................................................................... 44 Figura 18. Respostas dos alunos da escola campo de estudo quando perguntados quais os animais e plantas que vivem no rio e açude Taperoá ........................................................................................... 45 Figura 19. Apresentação do vídeo sobre o bioma Caatinga a alunos da escola campo de estudo. ..... 54 Figura 20. Momento da segunda atividade, onde equipes tentam identificar os animais e vegetais da Caatinga presentes na prancha. ............................................................................................................ 55
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Figura 21. Algumas imagens utilizadas na atividade (esquerda) e momento da atividade em que os alunos debatem sobre determinada imagem. ........................................................................................ 56 Figura 22. Cruzadinha aplicada aos alunos ao final da atividade 03. ................................................. 58 Figura 23. Leitura silenciosa de cordéis (esquerda) e leitura de poema para a turma (direita). .......... 59 Figura 24. Leitura e extração das principais idéias dos textos informativos utilizados para abordar a temática “Água”. .................................................................................................................................. 61 Figura 25. Momentos de elaboração e apresentação dos cartazes sobre a teia alimentar de um ecossistema aquático ............................................................................................................................ 61 Figura 26. Alguns momentos da excursão didática. Acima: fonte de poluição pontual em trecho do rio Taperoá e visão geral do lixão do município de Taperoá. Abaixo: parada às margens do rio Taperoá e explicação aos alunos de temas relacionados aos corpos aquáticos da Caatinga. ................................ 63 Figura 27. Alguns momentos das apresentações dos esquetes produzidos pelos alunos. ................... 64 Figura 28. O jogo, com suas cartas, tabuleiro e dado (acima) e momentos em que duas turmas estão jogando “Conhecendo a Caatinga” (abaixo). ....................................................................................... 66 Figura 29. Momentos de finalização e orientação dos trabalhos para a exposição cientifíco-cultural 67 Figura 30. Diversos momentos da exposição. (A) Cartaz de entrada, (B) Trabalho sobre plantas medicinais da Caatinga, (C) Projeto sobre o rio Taperoá, (D) Trabalho sobre Reaproveitamento, (E) Apresentação de violeiros, (F) Visitação de outras escolas, (G), Modelo tridimensional sobre o rio Taperoá e (H) Apresentação cultural do grupo de dança “Os Cariris Mirins”. .................................... 71 Figura 31. Livros didáticos da escola campo de estudo analisados. ................................................... 78
LISTA DE QUADROS Quadro I. Turmas trabalhadas na escola campo de estudo ................................................................. 19 Quadro II. Relação entre a disciplina que o professor leciona com as temáticas ambientais e com educação ambiental, e como ele abordaria estes temas (meio ambiente e educação ambiental) em sua disciplina. ............................................................................................................................................. 30 Quadro III. Exemplos de respostas dos educandos da E.E.E.F.M. Melquíades Vilar quando questionados sobre o que entendem por meio ambiente. ....................................................................... 34 Quadro IV. Exemplos de respostas dos educandos da E.E.E.F.M. Melquíades Vilar quando questionados sobre o que entendem por educação ambiental. ............................................................... 36 Quadro V. Exemplos de respostas dos educandos da E.E.E.F.M. Melquíades Vilar quando questionados sobre o que entendem por Caatinga.................................................................................. 38 Quadro VI. Programação da exposição científico-cultural realizada na escola campo de estudo. ..... 68
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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO GERAL ................................................................................................................ 13 1.1 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA ...................................................................................... 13 1.2 JUSTIFICATIVA ........................................................................................................................... 14 2 REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................................................... 15 2.1 EDUCAÇÃO AMBIENTAL ......................................................................................................... 15 2.2 BIOMA CAATINGA, CARIRI PARAIBANO E TRABALHOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL .............................................................................................................................................................. 16 3 OBJETIVO GERAL ....................................................................................................................... 18 4 ÁREA DE ESTUDO ....................................................................................................................... 18 4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO .......................................................................... 18 4.2 UNIVERSO PESQUISADO .......................................................................................................... 19 4.3 DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL DA ESCOLA .......................................................................... 19 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 23 CAPÍTULO I – PRÁTICA EDUCATIVA DO CORPO DOCENTE E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DO CORPO DISCENTE SOBRE AS TEMÁTICAS AMBIENTAIS ................. 25 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 25 2 OBJETIVOS .................................................................................................................................... 26 3 MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................................................ 27 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................................... 28 4.1 PRÁTICA EDUCATIVA DO CORPO DOCENTE DA ESCOLA CAMPO DE ESTUDO ........ 28 4.2 DIAGNÓSTICO DISCENTE ........................................................................................................ 31 5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 46 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 47 CAPÍTULO II - OFICINAS ECOPEDAGÓGICAS E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: RELATOS DAS EXPERIÊNCIAS DESENVOLVIDAS NA ESCOLA CAMPO DE ESTUDO ................... 50 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 50 2 OBJETIVOS .................................................................................................................................... 51 3 MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................................................ 51 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................................... 53 4.1 PRIMEIRA ATIVIDADE: O BIOMA CAATINGA ..................................................................... 53 4.2 SEGUNDA ATIVIDADE: FAUNA E FLORA DA CAATINGA ................................................ 54 4.3 TERCEIRA ATIVIDADE: IMPACTOS AMBIENTAIS NA CAATINGA ................................. 56 4.4 QUARTA ATIVIDADE: CONSERVAÇÃO DA CAATINGA .................................................... 58 4.5 QUINTA ATIVIDADE: CORPOS AQUÁTICOS DA CAATINGA ........................................... 60 4.6 SEXTA ATIVIDADE: EXCURSÃO DIDÁTICA AO AÇUDE E AO RIO TAPEROÁ ............ 62 4.7 SÉTIMA ATIVIDADE: TEATRO DE FANTOCHES ................................................................ 63 4.8 OITAVA ATIVIDADE: JOGO DIDÁTICO “CONHECENDO A CAATINGA” ....................... 65 4.9 EXPOSIÇÃO CIENTÍFICO-CULTURAL .................................................................................... 67 5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 72 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 72 CAPÍTULO III - ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS ADOTADOS PELA ESCOLA CAMPO DE ESTUDO ....................................................................................................................... 75 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 75 2 OBJETIVOS .................................................................................................................................... 77 3 MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................................................ 77 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................................... 79 4.1 CAATINGA E SEMI-ÁRIDO ....................................................................................................... 79 4.2 EDUCAÇÃO AMBIENTAL, MEIO AMBIENTE E ECOLOGIA ............................................... 81 4.3 TEMAS AMBIENTAIS DIVERSOS ............................................................................................ 82 5 CONCLUSÕES ............................................................................................................................... 86
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES ............................................................... 86 OBRAS ANALISADAS ..................................................................................................................... 87 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 89 APÊNDICES ....................................................................................................................................... 91 ANEXOS ........................................................................................................................................... 112
1 INTRODUÇÃO GERAL 1.1 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA O Nordeste brasileiro apresenta cerca de 60% de sua área inserida na zona semi-árida. No Estado da Paraíba esta proporção é ainda mais elevada, sendo mais de 75% de sua área total inserida nesta região. Aliado a isso, tem-se o fato de o semiárido nordestino ser um dos mais povoados do mundo, comportando quase que 50% de toda a população do Nordeste (62). Localizada em uma área de clima semiárido, o bioma Caatinga apresenta uma ampla variedade de paisagens e significativa riqueza biológica. Todavia, o efeito combinado entre as condições climáticas desta região paraibana e as práticas inadequadas de uso e aproveitamento do solo e demais recursos naturais, tem acentuado o desgaste da paisagem natural, provocando a perda da biodiversidade, degradação dos corpos aquáticos e o esgotamento dos recursos naturais de um modo geral. Os corpos aquáticos desta região sofrem grandes flutuações no nível da água, causadas principalmente pela alta taxa de evaporação, temperaturas elevadas, irregularidade e má distribuição de chuvas, dificultando o armazenamento de água pela população (ABÍLIO, 2002). Diante do exposto, reconhece-se a extrema importância dos ambientes aquáticos da Caatinga paraibana para a população que ali reside, uma vez que a água destes pode ser utilizada para diversos fins. Contudo, um dos principais problemas do tratamento das questões ambientais na escola é a falta projetos de educação ambiental e de material didático adequado, visto que nas escolas públicas os conteúdos são transmitidos de forma disciplinar e que estas contam basicamente com o livro didático (LD). Além disso, a abordagem dos LD sobre as temáticas ambientais, o bioma Caatinga e o semiárido brasileiro e seus corpos aquáticos é insuficiente e descontextualizada da realidade local. Assim sendo, faz-se necessário ampliar a quantidade de recursos didáticos disponíveis nas escolas, com o intuito de podermos trabalhar de forma mais atraente as temáticas ambientais, bem como para dinamizar as aulas. Vale ressaltar que estes recursos devem ser voltados para a realidade local e que para um melhor aproveitamento destes, faz-se necessário uma capacitação docente para trabalhar com os recursos e metodologia sugeridos. 1.2 JUSTIFICATIVA A educação ambiental (EA) tem como objetivo a sensibilização/conscientização das pessoas em relação ao mundo em que vivem, para que possam ter cada vez mais qualidade de vida, respeitando o ambiente natural que as cerca (MANSANO, 2006). Assim sendo, é necessário instituir projetos de educação ambiental que visem sensibilizar os atores sociais inseridos na Caatinga quanto ao bioma e seus corpos aquáticos. Conhecer o que pensam os alunos e professores de escolas públicas sobre meio ambiente e educação ambiental tem sido apontado pela literatura como estratégia de fundamental importância para se direcionarem ações e propostas em educação ambiental. A abordagem da educação ambiental em escolas pode apontar para um caminho de entendimento da relação homem/natureza entre os educandos.
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Informação disponível em <http://www.sudene.gov.br/site/extra.php?idioma=&cod=130> Acesso em 10. Fev. 2011
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A escola corresponde um espaço de trabalho fundamental para iluminar o sentido da luta ambiental e fortalecer as bases da formação para a cidadania. Nestes espaços, a prática da educação ambiental é importante à medida que procura desvendar a natureza do trabalho educativo e como ele contribui no processo de construção de uma sociedade sensibilizada e capacitada a enfrentar o desafio de romper os laços de dominação e degradação que envolve as relações humanas e as relações entre a sociedade e natureza (SEGURA, 2001). Ainda de acordo com a autora, as discussões referentes às questões ambientais nestes espaços educativos podem contribuir para o processo ensino/aprendizagem sob diferentes aspectos, entre eles, elementos relativos à política, cidadania e ética, permitindo o desenvolvimento de cidadãos conscientes e críticos. Para a Caatinga, bioma altamente degradado pelas ações antrópicas, infelizmente ainda são poucos os estudos e experiências sobre educação ambiental em escolas, merecendo destaque as ações desenvolvidas pelos participantes do Projeto PELD/Caatinga, projeto este que tem como objetivos, entre outros, conhecer os atores sociais do contexto ambiental da bacia hidrográfica do rio Taperoá e desenvolver na comunidade focos de reflexão sobre as questões sócio-ambientais-culturais locais, com competência para a busca de soluções e alternativas viáveis para a convivência sustentável no ambiente semiárido. Dentre os atores sociais citados, podemos destacar os situados no município de Taperoá-PB, município este que conta com dois corpos aquáticos bastante importantes para a região, o rio Taperoá e o açude Manoel Marciolino, mais conhecido como açude Taperoá II (corpo hídrico que representa a principal fonte de abastecimento de água do referido município), ambos quais sofrem bastante com as ações antrópicas. Assim sendo, a proposta de desenvolver atividades de educação ambiental e produção de material didático contextualizado com a realidade local na escola básica, enfatizando os problemas e desafios para a conservação da Caatinga e dos corpos aquáticos da região, é chamar a atenção para a valorização e importância destes ambientes, bem como para a totalidade do bioma Caatinga, contribuindo para uma sensibilização dos atores sociais quanto às problemáticas ambientais destes ecossistemas. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 EDUCAÇÃO AMBIENTAL A educação enquanto instrumento de transformação, tem papel fundamental na sensibilização dos seres humanos para uma melhor convivência com seus semelhantes e com o ambiente. Nesse sentido, a educação ambiental se apresenta como uma estratégia que promove a busca de soluções das questões relacionadas ao meio ambiente, nos levando a repensar o mundo enquanto espaço de convivência dos seres humanos entre si e deles com a natureza (GUERRA; ABÍLIO, 2006). O conceito de educação ambiental está vinculado ao ambiente e a forma como este é percebido (REIGOTA, 1994). Esta não se restringe ao ensino de Ecologia e ao ensino de Ciências, e também não deve ser caracterizada como um “doutrinamento” para modificar comportamentos ambientais predatórios. Para Tamaio (2002), a educação ambiental compromete-se com a transformação social da realidade e com a estruturação de novas formas de relação dos homens entre si e destes com a natureza. A EA contribui para que a sociedade seja estimulada a participar do desenvolvimento sustentável. As pessoas serão chamadas para repensar, reprojetar e reestruturar seus valores, e com o envolvimento de todos será facilitado o projeto de pensar no futuro. Não mais serão dadas soluções prontas, mas sim, instrumentos para que cada um faça a sua parte (PALMA, 2005). Nesse contexto, a educação ambiental objetiva proporcionar aos indivíduos a compreensão da natureza complexa do meio ambiente, ou seja, levá-los a perceber as interações entre os aspectos físicos, socioculturais e político-econômicos que compõem a relação homem/meio. Além disso, busca fornecer maneiras de interpretar a interdependência desses diversos elementos no espaço, levando à utilização mais prudente dos recursos naturais (GUERRA; ABÍLIO, 2006). Assim sendo, a educação ambiental deve ser entendida como educação política, no sentido de que ela reivindica e prepara cidadãos para exigir justiça social, cidadania nacional e planetária, autogestão e ética nas relações sociais e com a natureza. Nesse sentido, a EA deve gerar, com
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urgência, mudanças na qualidade de vida e maior “consciência” de conduta pessoal, assim como harmonia entre os seres humanos e destes com outras formas de vida (CANDIANI, 2004). Assim, a educação ambiental está voltada para a formação de valores, habilidades e atitudes, constituídos a partir do conhecimento (SATO, 2001), atitudes estas que devem estar voltadas para a conservação da natureza; é a aprendizagem de como gerenciar e melhorar a relação homem-ambiente; aprender a lidar com os sistemas de vida de modo sustentável, enfim compreender o ambiente em sua totalidade. 2.2 BIOMA CAATINGA, CARIRI PARAIBANO E TRABALHOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL A Caatinga é o ecossistema mais representativo do semiárido (63) nordestino, cobrindo quase 10% do território nacional, ocupando uma área de 566.533 Km2, o que corresponde a 63% da área do semiárido e a 37% da região Nordeste (ABÍLIO et al., 2010). Por muito tempo foi tratada, erroneamente, como um ambiente de pouca riqueza biológica. Entretanto, quando comparada a outras regiões semi-áridas do mundo, a Caatinga apresenta alto grau de diversidade biológica, onde é possível encontrar altas taxas de endemismo, estimando-se que pelo menos 40% das espécies da flora identificadas sejam endêmicas desse bioma (64). No entanto, a histórica pressão antrópica exercida sobre este bioma na forma de queimadas, desmatamentos, caça e poluição dos corpos hídricos, somada às características naturais do semiárido, concorre para acentuar a degradação do meio físico, com conseqüências danosas para a sua Biodiversidade. O Cariri paraibano, região onde está situado o município de Taperoá, constitui uma das regiões naturais do semiárido mais carentes, apresentando um quadro de atraso econômico e social muito grave, assim como um acelerado processo de degradação, determinado pelo efeito combinado entre as condições climáticas próprias da região, falta de políticas públicas adequadas, práticas inadequadas de uso e aproveitamento dos recursos hídricos e demais recursos naturais (LEAL et al., 2005). Diante deste quadro, é importante que seja estimulada a execução de projetos de educação ambiental nesta região, visto a necessidade de conservação da mesma. Dentre os trabalhos/ações desenvolvidos sobre educação ambiental em escolas, podemos destacar: (1) Segura (2001), que buscou mostrar como se constituem as venturas e as desventuras da educação ambiental nas escolas; (2) Castro (2001) que trabalhou com a comunidade escolar do Engenho Maranguape, município de Paulista-PE; (3) Guerra; Abílio (2006), que desenvolveram um projeto de educação ambiental com alunos e professores em cinco escolas da rede pública do município de Cabedelo-PB; (4) Guerra (2007), que em uma escola no município de Santa Rita-PB realizou estudos de implementação da educação ambiental na forma de um estudo de caso, acompanhado de observação participante e de atividades lúdicas; (5) Bonifácio (2008), que investigou a percepção de atores sociais de escolas do ensino público e a comunidade atuante do entorno do rio Jaguaribe acerca dos problemas ambientais da referida bacia. No Cariri paraibano, merecem destaque os trabalhos desenvolvidos por Gomes (2009), que desenvolveu atividades educativas em 2007 e 2008 a fim de promover estratégias de sensibilização de educandos do ensino fundamental e médio de escolas de São João do Cariri, atividades estas que tinham como foco a necessidade de conservação da biodiversidade do bioma Caatinga; Vila (2009), também em São João do Cariri, trabalhou vivências integradoras na Educação de Jovens e Adultos (EJA) sobre o bioma Caatinga e a Educação Ambiental no Semiárido; Santos (2009), que trabalhou com uma proposta de ensino integrador em uma escola pública do Cariri paraibano, voltada para a conservação da biodiversidade no bioma caatinga.
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A área aproximada da região semiárida é de 900.000 Km2. Informação disponível em <http://www.sudene.gov.br/site/extra.php?idioma=&cod=130> Acesso em 10. Fev. 2011. (64) Informação disponível em <http://www.acaatinga.org.br/fotos/publicacoes/42.pdf> Acesso em 12. dez. 2010.
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3 OBJETIVO GERAL
Entender as relações dos educandos de uma escola pública de Taperoá - município inserido no bioma Caatinga - com o ambiente e contribuir para uma sensibilização destes atores sociais quanto às problemáticas ambientais, através de ações educativas relacionadas a este bioma, bem como ao rio Taperoá e ao açude Manoel Marciolino (açude Taperoá II), principais corpos aquáticos do referido município.
4 ÁREA DE ESTUDO 4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO O Município de Taperoá, estado da Paraíba, está localizado na microrregião do Cariri Ocidental, distante 250Km de João Pessoa (capital do estado). O município possui área de 607Km2, população de 13.299 habitantes e número de alfabetizados de 10 anos ou mais de 7.208 pessoas. O sistema educacional conta com 49 estabelecimentos de ensino fundamental e um de ensino médio (CPRM, 2005), a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Melquíades Vilar. A escolha desta se deu pelo fato de ser a única escola de ensino médio do município, pelo fato de já existir um contato entre a direção da escola com integrantes da Universidade Federal da Paraíba, bem como pelo fato dela estar inserida num município pertencente à bacia hidrográfica do rio Taperoá, área de estudo do Programa PELD/Caatinga (65). 4.2 UNIVERSO PESQUISADO O presente trabalho foi desenvolvido com 105 educandos, uma amostra do corpo docente (oito dos 54 presentes na escola) e com os membros responsáveis pela gestão da escola (gestora e diretoras) da E.E.E.F.M. Melquíades Vilar. Os educandos estavam distribuídos em quatro turmas, sendo estas: dois 1º ano e dois 2º ano, em ambos os casos duas turmas do ensino médio científico e duas do ensino médio normal. Como a pesquisa iniciou-se no segundo semestre de 2009 e estava programada para terminar apenas em 2010, optou por escolher apenas turmas de 1° e 2° ano. Caso fossem escolhidas turmas de 3° ano, seria possível apenas desenvolver a pesquisa apenas até a metade (final de 2009), visto que os educandos desta turma iriam acabar os estudos e não teriam mais vínculo com a escola, não mais participando assim da pesquisa. Por isso, preferiram-se as turmas de 1° e 2° ano apenas, pois seria possível dar continuidade à pesquisa, ou seja, trabalhar com os mesmos educandos nos anos de 2009 e 2010, visto que as turmas se mantêm a mesma (ou praticamente a mesma) com a mudança do ano letivo, conforme informou, em visita prévia, a diretora da escola. Para facilitar o entendimento em relação às turmas trabalhadas no decorrer do texto (figuras e quadros), demos nomes às mesmas (Quadro I): Quadro I. Turmas trabalhadas na escola campo de estudo. Turma/Ano 2009 2010 Turma A 1º Científico 2º Científico Turma B 2º Científico 3º Científico Turma C 1º Normal 2º Normal Turma D 2º Normal 3º Normal
Número de alunos 22 31 35 17
4.3 DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL DA ESCOLA A escola campo de estudo escolhida foi a E.E.E.F.M. Melquíades Vilar (Figura 1), que se situa na Rua Ismênia Machado, Taperoá-PB; conta com 1.297 alunos matriculados distribuídos nos
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Para mais informações <http://www.dse.ufpb.br/peldcaatinga/>
sobre
o
Programa
PELD/Caatinga,
acessar
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turnos da manhã, tarde e noite e em 32 turmas, sendo 16 para o nível fundamental e outras 16 metade para o nível médio. As turmas estão assim distribuídas:
Ensino Fundamental: sete turmas de 6º ano e três turmas de 7º, 8º e 9º ano, cada; Ensino Médio: seis turmas de 1º e 2º ano e quatro turmas de 3º ano.
Figura 1. Visão geral da escola E.E.E.F.M. Melquíades Vilar (esquerda) e entrada principal da mesma (direita). (Fonte: o autor). A escola conta com 54 professores, sendo grande parte destes não concursados (prestadores de serviços). No tocante a formação profissional, a grande maioria possui curso superior (mais informações sobre o corpo docente, ver diagnóstico docente). Em relação ao serviço técnico pedagógico, a escola não conta com supervisor escolar, nem com psicólogo educacional, apenas com a atual gestora. A escola também não possui Projeto Político Pedagógico (PPP), entretanto, a gestora afirmou que o mesmo se encontrava em processo de construção. Em relação à infra-estrutura (Figura 2), a escola conta com 17 salas de aula, além de sala para professores, laboratório de Ciências, laboratório de informática, biblioteca, cantina e quadra de esportes, toda esta infra-estrutura se apresentando em boas condições.
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Figura 2. Estruturas físicas da escola campo de estudo. (A) Corredor e salas de aula aos lados, (B) Laboratório de Ciências, (C) Laboratório de Informática, (D) Biblioteca, (E) Pátio e Cantina, (F) Quadra poliesportiva. (Fonte: o autor). Já em relação aos recursos didáticos presentes, a escola conta com retroprojetor, computadores com acesso à internet, mimeógrafo, televisão, microsystem e aparelho de DVD. No entanto, apesar de bem equipada, poucos professores utilizam estes recursos; conversando com eles, alguns afirmaram não sabe usar os aparelhos mais modernos e outros disseram não ter tempo para preparar aulas mais dinâmicas, pois lecionavam em outras escolas ou tinham outras obrigações. Quanto aos aspectos do ambiente, condições materiais e funcionamento escolar, foi possível constatar que a escola recebe água da CAGEPA e conta com saneamento básico. Em relação à arborização, a gestora acredita que a escola deveria ser um pouco mais arborizada. As cadeiras estão em boas condições e em quantidade suficiente, mas não se pode dizer o mesmo dos birôs e armários individualizados para professores. A escola fornece merenda escolar diariamente e o material de expediente (papel, grampo, giz, apagador, etc.) é disponível e acessível a funcionários e professores. De acordo com a gestora, as salas de aula apresentam boas condições de acústica, não recebendo influência externa de ruídos. O estado geral das janelas, portas, paredes, pisos e telhados, é bom, assim como a iluminação e ventilação natural das salas de aula. Os banheiros e bebedouros (Figura 3) estão em estado de conservação regular, sendo o número destes adequados para a quantidade de alunos que a escola possui.
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Figura 3. Entrada dos banheiros (esquerda) e bebedouros (direita) da escola campo de estudo e entrada principal da mesma. (Fonte: o autor). Em relação às finanças, a escola recebe verbas do governo estadual que giram em torno de R$ 60.000,00 ao ano, verba esta gerenciada pelo conselho escolar, que é formado por professores, funcionários da escola, pais de alunos e representantes de comunidades. A gestora não soube informar qual o percentual desta verba é destinada às áreas de material didático, material de expediente, pagamento de terceiros e merenda, apenas informou que grande parte dos recursos é destinado à merenda escolar. De um modo geral e comparando com outras escolas públicas do estado da Paraíba, podemos dizer que a E.E.E.F.M. Melquíades Vilar conta com uma boa estrutura física e que, a partir deste diagnóstico, será possível planejar melhor as ações educativas a serem executadas com os educandos da referida escola. REFERÊNCIAS ABÍLIO, F.J.P. Gastrópodes e outros invertebrados bentônicos do sedimento litorâneo e associado a macrófitas aquáticas em açudes do semi-árido paraibano, nordeste do Brasil. 2002. 175f. Tese (Doutorado em Ecologia e Recursos Naturais) – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2002. ABÍLIO, F.J.P.; CRISPIM, M.C.; SOUZA, J.E.R.T.; BARBOSA, J.E.L. Bioma Caatinga: caracterização e aspectos gerais. In: ABÍLIO, F.J.P. (Org.) Bioma Caatinga: Corpos aquáticos da caatinga paraibana. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2010. p.90-115. BONIFÁCIO, K.M. Educação ambiental nos olhares de educandos e moradores do rio Jaguaribe, João Pessoa, Paraíba. 2008. 79f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) Centro de Ciências Exatas e da Natureza, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2008. CANDIANI, G. et al. Educação Ambiental: percepção e práticas sobre meio ambiente de estudantes do ensino fundamental e médio. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, Rio Grande, v.12, p. 74-89, 2004. CASTRO, C.F. O meio ambiente visto pela comunidade escolar do Engenho Maranguape – Município do Paulista – PE: concepções, problemas e relações sócio-ambientais. 2001. 116f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Centro de Ciências Exatas e da Natureza, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2001. CPRM – Serviço Geológico do Brasil. Projeto cadastro de fontes de abastecimento por água subterrânea. Diagnóstico do município de Tapeorá, Paraíba. Recife: CPRM/PRODEEM, 2005.
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Disponível em <http://www.cprm.gov.br/rehi/atlas/paraiba/relatorios/TAPE207.pdf> Acesso em 11. jun. 2009. GOMES, C.S. Educação ambiental na escola básica: atividades vivenciais como instrumento de sensibilização para conservação do bioma Caatinga. 2009. 57f. Monografia (Graduação em Ciências Biológicas) – Centro de Ciências Exatas e da Natureza, Universidade Federal da Paraiba, 2009. GUERRA, R.A.T.; ABÍLIO, F.J.P. Educação Ambiental na Escola Pública. João Pessoa: Foxgraf, 2006. GUERRA, R.T. A educação ambiental numa escola pública: erros e acertos de uma caminhada. In: PEDRINI, A.G. (Org.). Metodologias em educação ambiental. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 126-146. MANSANO, C. N. A escola e o bairro: percepção ambiental e interpretação do espaço de alunos do ensino fundamental. Maringá–PR, Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática do Centro de Ciências Exatas–CCE, da Universidade Estadual de Maringá, 2006. PALMA I. R. Análise da Percepção Ambiental como Instrumento ao Planejamento da Educação Ambiental. Porto Alegre–RS, Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais - PPGEM, Escola de Engenharia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. REIGOTA, M. O que é Educação Ambiental. São Paulo: Brasiliense, 1994. SANTOS, J.M. Conservação da biodiversidade no bioma Caatinga e rio Taperoá: uma proposta de ensino integrador em escola pública do Cariri paraibano. Universidade Federal da Paraíba, Relatório referente ao projeto de Licenciatura-PROLICEN, 2009. SATO, M. Apaixonadamente pesquisadora em Educação Ambiental. Educação, Teoria e Prática, Rio Claro, v. 9, n.16/17, p. 24-35, 2001. SEGURA, D. S. B. Educação Ambiental na Escola Pública: da curiosidade ingênua à consciência crítica. São Paulo: Annablume: Fapesq, 2001. VILA, A.J.T. Bioma Caatinga e educação ambiental no semiárido: vivências integradoras na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Universidade Federal da Paraíba, Relatório referente ao projeto de extensão-PROBEX, 2009.
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CAPÍTULO I PRÁTICA EDUCATIVA DO CORPO DOCENTE E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DO CORPO DISCENTE SOBRE AS TEMÁTICAS AMBIENTAIS 1 INTRODUÇÃO Em nosso cotidiano somos bombardeados quase que diariamente com notícias que vinculam a responsabilidade do homem pelo quadro da degradação ambiental. Isto possibilita diversas interpretações a respeito da responsabilidade da sociedade contemporânea, neste caso, com alguns aspectos pontuais que se inserem no contexto da educação ambiental. Nesse sentido, a educação ambiental tem como objetivo a conscientização das pessoas em relação ao mundo em que vivem, para que possam ter cada vez mais qualidade de vida, respeitando o ambiente natural que as cerca (MANSANO, 2006). Desta forma, acreditamos que a conscientização pode se dar a partir da percepção do ser humano sobre o espaço por ele ocupado. A percepção capacita o indivíduo a converter estímulos sensoriais em experiência (AMORIM FILHO, 2007) e está relacionada à apreensão de estímulos, registros de objetos, fatos que possuem significados; considera valores, crenças, costumes e atitudes de cada indivíduo (DORNELLES, 2006). Para Tuan (1980), a imagem construída a partir da percepção é carregada de sentimentos, símbolos, significados e tal percepção pode ser influenciada pela cultura e pelo fator social em que o indivíduo se encontra. Em relação à percepção ambiental, Sato (2002) considera importante conhecer o que os indivíduos percebem em seu entorno, como um subsídio à construção de processos de educação ambiental. Para Tuan (1980), esta é considerada como um processo mental que ocorre pela interação do indivíduo com o meio, através de mecanismos perceptivos propriamente ditos, dirigidos pelos estímulos externos e captados pelos cinco sentidos, através de mecanismos cognitivos, que compreendem a contribuição da inteligência. Para Mansano (2006), o estudo da percepção ambiental contribui para os estudos de educação ambiental como uma estratégia para verificar o comportamento, valores e atitudes dos atores sociais em relação à realidade em que vivem e a partir daí buscar soluções em conjunto para os problemas detectados. A formulação de qualquer projeto de educação ambiental que venha a ser implantado nessas áreas deve possuir um conhecimento prévio sobre as relações existentes entre o homem e a natureza. Dessa forma, os projetos de educação ambiental poderão lidar melhor com os problemas encontrados, podendo assim alcançar melhores resultados. Ao unir a percepção ambiental com a educação ambiental é possível saber como os indivíduos com que trabalharemos percebem o ambiente em que vivem, suas fontes de satisfações e insatisfações (PALMA, 2005). De acordo com Reigota (1994), para que possamos realizar a educação ambiental, é necessário, antes de qualquer coisa, conhecer as concepções de meio ambiente das pessoas envolvidas na atividade. Assim sendo, um processo educativo deve começar por um diagnóstico a respeito das referências e das práticas das pessoas para as quais o processo se volta e envolve o desenvolvimento da cognição ambiental, onde as pessoas compreendem, estruturam e aprendem sobre o tema (BASSANI, 2001). Corroborando com esta informação, Palma (2005) enfatiza que ao se utilizar a percepção ambiental para o planejamento da educação ambiental é possível alcançar resultados mais positivos em relação à participação das pessoas no processo de conservação dos recursos, com os quais, elas podem apresentar uma estreita ligação. 2 OBJETIVOS
Avaliar a prática educativa dos professores desta escola quanto à abordagem das questões ambientais;
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Analisar as percepções dos alunos da escola campo de estudo sobre os conceitos de educação ambiental, meio ambiente e sobre as temáticas ambientais relacionadas ao Bioma Caatinga, ao rio Taperoá e ao açude Manoel Marciolino (Taperoá II);
3 MATERIAL E MÉTODOS O estudo se caracterizou como uma pesquisa de cunho Fenomenológico, conforme afirma Sato (2001), onde o enfoque está nos significados das experiências de vida sobre uma determinada concepção ou fenômeno, explorando a estrutura da consciência humana. Na fenomenologia os pesquisadores buscam a estrutura invariável (ou essência), com elementos externos e internos baseados na memória, imagens, significações e vivências (subjetividade). Há uma ruptura da dicotomia “sujeito-objeto” e dos modelos exageradamente “cientificistas”. Para atingir os objetivos propostos, foram utilizados os seguintes procedimentos metodológicos: Diagnóstico estrutural e funcional da escola, diagnose docente e discente: no primeiro momento da pesquisa, foram realizadas as análises sobre a organização estrutural e pedagógica da escola (Apêndice I), bem como das percepções e concepções dos discentes e docentes sobre as temáticas estudadas (Apêndices II e III). Esta diagnose se deu através da aplicação de questionários estruturados, os quais abordaram temas como as problemáticas ambientais relacionadas ao bioma Caatinga, ao rio Taperoá e ao açude Manoel Marciolino, bem como sobre os conceitos de Meio Ambiente e Educação Ambiental. Para estes dois últimos temas, a tabulação, interpretação e análise dos dados foram realizadas a partir dos critérios estabelecidos em Sato (2001), Sauvé (1997, 2005) e Guerra; Abílio (2006); já para o conceito de Caatinga, os autores deste trabalho elaboraram algumas categorias para facilitar a interpretação dos dados. As perguntas deixadas sem respostas e as que tinham como resposta “não sei”, foram incluídas na classificação “não responderam”. Momento avaliativo das ações educativas: O questionário que foi aplicado no primeiro momento da pesquisa para os educandos (pré-teste) foi reaplicado ao final do trabalho após todas as atividades (ver Capítulo II) em sala de aula (pós-teste), servindo como instrumento de avaliação destas.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 PRÁTICA EDUCATIVA DO CORPO DOCENTE DA ESCOLA CAMPO DE ESTUDO Do total de 54 professores, apenas oito responderam ao questionário. A justificativa que os demais deram “falta de tempo”; outros disseram que iam responder e entregar o mais rápido possível, no entanto, o questionário jamais fora respondido ou entregue. Sobre os docentes que responderam o questionário, temos sete formados (um com o grau de especialista) e um que está com o curso de nível superior em andamento. Quanto ao tempo de magistério, metade destes docentes leciona a mais de 10 anos, dois lecionam entre três a 10 anos e dois lecionam a menos de três anos. Em relação ao tempo que estão na escola campo de estudo, metade dos docentes lecionam lá a mais de 10 anos, um está há sete anos e três lecionam lá a menos de três anos. (Figura 4).
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Figura 4. Percentual de respostas dos docentes quando questionados sobre quanto tempo lecioname possuem atividade fora da escola.
Em relação às disciplinas que lecionam, temos um professor para Física, História, Artes e Geografia e três de Matemática. Sobre a ocupação fora da escola, apenas dois relataram possuir: um é artista plástico e outro é tutor presencial da UFPB Virtual. Quando questionados sobre as condições da escola, um professor disse “Ótimas” e o restante “Boas”; como sugestão para melhorar, mencionaram basicamente que a escola precisa de mais recursos didáticos e equipamentos para o laboratório. Todavia, a partir do diagnóstico estrutural da escola, podemos constatar que a escola é, de um modo geral, bem equipada em relação a recursos didáticos, o que sugere que para o uso destes há empecilhos ou desinteresse docente. Sobre que métodos e técnicas de ensino-aprendizagem eles utilizam em sala de aula, a maioria mencionou “método tradicional”; alguns confundiram com recursos didáticos (responderam quadro, giz, etc.) e formas de avaliação (responderam exercícios, trabalho em equipe, etc.). Quando questionados se eles levam em consideração as concepções prévias (senso comum) que os alunos trazem para a sala de aula, a maioria disse que “Sim”, destacando ainda que estes conhecimentos são úteis na aprendizagem docente e discente, e que, a partir desses saberes, dão seqüência as suas aulas. Recomendamos trabalhar com as concepções prévias de modo interdisciplinar e relacionado à sua região, para tornar mais atraente e prazerosa a prática pedagógica, tanto para educadores quanto para educandos. Portanto, adequar o ensino a essa realidade é incentivar os professores a serem praticantes da investigação em suas aulas, estabelecendo um sentido maior de valor e dignidade à prática docente. Referente ao conceito de interdisciplinaridade, as respostas foram bem coerentes. Segue abaixo dois exemplos de respostas dadas pelos professores: “Trabalho realizado entre as disciplinas, para que não haja uma aprendizagem isolada e sim uma ponte entre as demais disciplinas” “O envolvimento de um conteúdo em mais de uma disciplina com enfoque específico cada uma”
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No entanto, durante a vivência na escola percebeu-se que muitos dos professores não freqüentam assiduamente as reuniões de planejamento, o que torna muito difícil por em prática o trabalho interdisciplinar, dificultando assim, o aprendizado dos conteúdos referentes ao Meio Ambiente e à Educação Ambiental. Esta ausência pode também ser a causa da não conclusão do PPP da escola, questão abordada na diagnose estrutural da escola. Quando perguntados sobre em que disciplina o tema “Educação Ambiental” deveria ser abordado, seis professores disseram que este tema deve ser tratado em todas as disciplinas, um disse que deveria ser uma disciplina isolada e o outro mencionou que deve ser abordadas em determinadas disciplinas que já se inserem direta ou indiretamente com o meio ambiente. De acordo com os PCNs, a educação ambiental é um tema transversal e deve ser trabalhada enfatizando-se os aspectos sociais, econômicos, políticos e ecológicos (BRASIL, 1998). As vantagens de uma abordagem assim é a possibilidade de uma visão mais integradora e melhora na compreensão das questões socioambientais como um todo. Logo, como tema transversal, a Educação Ambiental deve estar presente em todas as disciplinas, perpassando seus conteúdos, como é desejado pelos educadores ambientais. Foi perguntando ainda qual a relação entre a disciplina que ele leciona com as temáticas ambientais e com educação ambiental, e como o mesmo abordaria estes temas (meio ambiente e educação ambiental) em sua disciplina. O quadro (Quadro II) a seguir traz estas informações: Quadro II. Relação entre a disciplina que o professor leciona com as temáticas ambientais e com educação ambiental, e como ele abordaria estes temas (meio ambiente e educação ambiental) em sua disciplina.
Disciplina que leciona
Matemática
História
Geografia
Artes
Física
Relação da disciplina com as temáticas ambientais e com educação ambiental Coleta de dados; Incentivar a colheita de material reciclável por metro quadrado e onde deve ser utilizado e como utilizado esse material; Considero a disciplina que leciono sem muita relação com estas temáticas Necessidade de entender a paisagem de tempos anteriores, para percebermos a mudança feita pelo o homem Relação favorável, porque uma pode complementar a outra
Como abordaria os temas “meio ambiente” e “educação ambiental” na disciplina Análise de dados sobre temas ambientais; Recolhendo material reciclável e quantificando-os quanto a área e o volume; Estudos gráficos e estatísticos
Tratando de aspectos naturais de várias épocas, para melhor compreensão com o hoje
Conscientizando os alunos para zelar pelo meio ambiente, protegendo as águas, os vegetais, enfim, os homens e os seres vivos Reciclagem pode ser trabalhada em Peças teatrais, utilização de junção com artes. Reutilização de recursos recicláveis recursos não degradáveis Que todos os conteúdos, Trabalhar o uso racional da principalmente na parte sobre energia elétrica, a produção da utilização de energia mesma, os efeitos da poluição ambiental
Assim, podemos constatar um conhecimento dos professores sobre como trabalhar a educação ambiental em suas disciplinas, bem como maneiras criativas de incluir a temática meio ambiente em seus conteúdos curriculares. Todavia, seja por falta de tempo, competência ou até mesmo desinteresse
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docente, as ideias acima postadas não são colocadas na prática, o que dificulta bastante a abordagem da educação ambiental em sala de aula. Interações com outras disciplinas na prática da educação ambiental são muito importantes. A educação ambiental deve estar inserida num projeto educacional que tenha como meta transformações das relações entre Ciência-Sociedade-Ambiente-Comunidade em direção a Sustentabilidade e sua prática em sala de aula ajuda nas atitudes ecológicas (SILVA et al., 2010). Entretanto, sabemos que a escola está organizada de forma fragmentada, ou seja, por disciplinas. Assim, podemos concluir que ainda há uma longa caminhada a ser percorrida para que possamos alcançar práticas educativas realmente interdisciplinares. 4.2 DIAGNÓSTICO DISCENTE O questionário estruturado aplicado foi em julho de 2009 (Figura 5). Nesta data foi apresentado o pré-projeto à gestora da escola e discutiu-se sobre as ações futuras que ali seriam realizadas. Este foi o primeiro contato do pesquisador com os atores sociais que compõem a E.E.E.F.M. Melquíades Vilar.
Figura 5. Momentos de aplicação do questionário de diagnose discente aos alunos da escola campo de estudo. (Fonte: o autor). Em relação à idade dos alunos pesquisados (Figura 6), esta varia de 14 a 31 anos, sendo a maior parte destes situados na faixa etária de 15-17, idade adequada para as séries que cursam.
Figura 6. Faixa etária dos alunos da escola campo de estudo.
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Quanto ao sexo, temos a seguinte distribuição: 81% feminino e 19% masculino. Este elevado número de alunas deve-se ao fato das turmas do ensino normal possuir praticamente apenas mulheres. Além de estudar, 57% dos alunos pesquisados possui outra ocupação (Figura 7). Destes, a grande maioria trabalha (boa parte ajuda os pais no comércio ou em atividades caseiras) ou pratica esportes.
Figura 7. Percentual de respostas dos educandos quando questionados se possuem atividade fora da escola. Quando perguntados sobre o que entediam por meio ambiente (Figura 8), percebeu-se no préteste (ensino científico e normal) que as categorias mais citadas foram “Generalista” e “Lugar para viver”, chegando ambas a representar, juntas, quase 50% das respostas. No pós-teste, ainda considerando o ensino científico e normal, observou-se um grande aumento das categorias “Problema” e “Biosfera”, as quais contribuíram com quase 45% das respostas. De acordo com Sauvé (1997), a concepção do ambiente como a “Biosfera” foi provocada pela globalização do mercado e da informação e também pela percepção sobre as interrelações dos fenômenos ambientais locais e globais. Esta categoria tem como característica, entre outras, a interdependência dos seres vivos com os inanimados. Já em relação à categoria “Problema”, a autora cita como características a ênfase na poluição, a deteriorização e as ameaças ao meio ambiente, características estas muitas vezes enfatizadas pelos educandos quando respondiam os questionários. Grande parte dos educandos não apresentou um conceito claro quando questionados sobre o que eles entendem por meio ambiente. A maioria destes enfatizou o meio ambiente como sendo “o meio em que vivemos”. Para Tamaio (2002), o conceito de meio ambiente deve contemplar o meio social, cultural, político e não só o ambiente físico. Acreditamos que esta compreensão de meio ambiente como “o meio em que vivemos” esteja baseada no ambiente do cotidiano, na escola, nas casas, no trabalho e no lazer.
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Figura 8. Percepção dos alunos da escola campo de estudo sobre o conceito de Meio ambiente. O Quadro III traz alguns exemplos de respostas dos alunos: Quadro III. Exemplos de respostas dos educandos da E.E.E.F.M. Melquíades Vilar quando questionados sobre o que entendem por meio ambiente. Categoria Problema Lugar para viver Biosfera Generalista Natureza
Resposta “Devemos cuidar para que nosso planeta não se acabe. Ex. não poluir rios, não desmatar” (aluno da turma C) “Meio ambiente é como se fosse nossa própria vida, se a gente não cuidar dele, um dia você acaba morrendo. Meio ambiente é nossa morada” (aluno da turma C) “Meio onde estão presentes animais e plantas, que se relacionam com os fatores abióticos” (aluno da turma B) “Todo o espaço que está ao nosso redor” (aluno da turma B) “Uma das mais belas artes que nós temos que preservar” (aluno da turma B)
As categorias como “Recurso” e como “Natureza” contribuíram com, no máximo, 14% das respostas, considerando pré e pós-teste e as turmas do ensino científico e normal, enquanto que a categoria “Projeto Comunitário” não atingiu 3% de citação em nenhum momento. A categoria meio ambiente como Natureza, de acordo com Sauvé (1997), tem como características o ambiente como uma catedral, ou como um útero, puro e original. Conforme citado acima, houve educandos que responderam sobre o conceito de meio ambiente de forma bastante romântica, sempre harmônica, tratando este como algo belo e puro. Há ainda grande parte dos educandos que compreendem o ambiente com o ser humano dissociado, mas dependente dele para sua própria sobrevivência.
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Há também educandos que percebem a natureza de forma mais ecológica, enfocando a fauna e a flora. Entretanto, esta abordagem está restrita ao sentido biológico, ao ambiente físico, não havendo indícios das interações sociais, políticas e culturais das sociedades. A representação do meio ambiente como Natureza deve superar a lacuna entre ser humano e meio natural, reconhecendo-se os vínculos entre a diversidade biológica e cultural (SAUVÉ, 2005). Quando perguntados sobre Educação Ambiental (Figura 9), observou-se um elevado percentual de repostas “Generalistas” – quando demonstraram uma ampla e confusa visão sobre conteúdos e/ou atividades de educação ambiental – e “Desconexas”. No pós-teste esses tipos de respostas foram menos freqüentes, aumentando, em contraponto, as respostas enquadradas nas categorias “Sensibilização”, “Conscientização”, “Atividade resolutiva” e “Sócio-ambiental-cultural”. A EA tem viabilizado a compreensão e a sensibilidade da sociedade com a natureza, com o objetivo de minimizar a problemática sócio-ambiental, criando alternativas para melhorar a qualidade de vida e promover a sustentabilidade, procurando sensibilizá-la para os problemas ambientais existentes na sua própria comunidade (GUERRA; ABÍLIO, 2006). Para Sato (2002), a EA pode ajudar a sociedade a descobrir as causas reais e ressaltar a complexidade dos problemas ambientais e, em conseqüência, a necessidade de desenvolver o sentido crítico e as atitudes necessárias para resolvê-los.
Figura 9. Percepção dos alunos da escola campo de estudo sobre o conceito de Educação ambiental. Segue abaixo (Quadro IV) alguns exemplos de respostas dos alunos: Quadro IV. Exemplos de respostas dos educandos da E.E.E.F.M. Melquíades Vilar quando questionados sobre o que entendem por educação ambiental. Categoria Generalista
Resposta “Comportamento que todos devem ter em relação ao meio ambiente” (aluno da turma B)
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Desconexa Sensibilização Conscientização Atividade resolutiva Sócio-ambientalcultural
“Sei dos animais da Caatinga” (aluno da turma A) “Serve para sensibilizar as pessoas sobre o meio ambiente” (aluno da turma A) “Prática voltada para a conscientização das pessoas” (aluno da turma B) “Incentivo para evitar a poluição no meio ambiente, mostrar meios de evitar a poluição e etc”. (aluno da turma C) “É valorizar a natureza, aprender a preservá-la e conservá-la respeitando seus espaços naturais e sociais” (aluno da turma D)
Segundo Sauvé (2005), quando se aborda o campo da educação ambiental, podemos perceber que apesar da preocupação comum com o meio ambiente e do reconhecimento do papel central da educação para a melhoria da relação com este último, os diferentes atores sociais adotam diferentes discursos sobre a Educação Ambiental e propõem diferentes maneiras de se conceber e praticar a ação educativa nesse campo. Quando perguntados sobre Caatinga (Figura 10), os resultados não variaram muito quando comparamos o pré-teste com o pós-teste. A categoria “Vegetação” foi elevada nos dois momentos, seguida pela categoria “Ecossistema”. De mais importante podemos mencionar o decréscimo (pré para pós-teste) de 15% de citação em relação à categoria “Vegetação” e o aumento de 20% na categoria “Ecossistema”. Caiu o percentual de respostas desconexas no pós-teste de 18,63% para 1,41%. As categorias “Área geográfica”, “Clima” e “Seca” tiveram um breve aumento no pós-teste.
Figura 10. Percepção dos alunos da escola campo de estudo sobre o conceito de Caatinga. O quadro a seguir (Quadro V) traz alguns exemplos de respostas dos alunos quando questionados sobre o que entendem por Caatinga: Quadro V. Exemplos de respostas dos educandos da E.E.E.F.M. Melquíades Vilar quando questionados sobre o que entendem por Caatinga. Categoria Área Geográfica Clima Ecossistema
Resposta “Uma área que ocupa grande parte do Nordeste” (aluno da turma D) “É um clima muito seco” (aluno da turma C) “Ambiente que possui animais e plantas adaptados a conviver com clima quente,
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Seca Vegetação Desconexa
temperaturas altas e chuvas raras” (aluno da turma A) “Muito” (aluno da turma A) “Vegetação predominante da nossa”. (aluno da turma D) “Só sei que é bom” (aluno da turma D)
O bioma Caatinga é o principal ecossistema existente na Região Nordeste, ocupando uma área de aproximadamente 800.000 km2. Localizada em uma área de clima semiárido, o bioma Caatinga apresenta uma ampla variedade de paisagens e significativa riqueza biológica, as quais foram apresentadas para os educandos durante as atividades trabalhadas em sala de aula (ver Capítulo II) por meio de fotografias, vídeos e no decorrer da aula de campo. Quando perguntados sobre as plantas da Caatinga (Figura 11), as mais citadas pelos alunos no pré-teste foram Xique-xique e Algaroba – espécie exótica. Esta última foi muito pouco citada no pósteste. Ainda no pós-teste, tivemos o aumento da citação de plantas típicas da Caatinga, como por exemplo, Mandacaru, Combeba, Juazeiro e Macambira.
Figura 11. Respostas dos alunos da escola campo de estudo quando perguntados quais as plantas da Caatinga que eles conhecem. A vegetação da Caatinga é composta basicamente por arbustos e árvores de porte baixo ou médio (3 a 7 metros de altura), com folhas caducas (caducifólias, folhas que caem) e com grande quantidade de plantas espinhosas, como as leguminosas (algaroba, por exemplo) e as cactáceas (xiquexique e mandacaru, por exemplo). As Cactáceas se destacam como um grupo predominante na sua fisionomia, apresentando importância econômica, com várias espécies sendo cultivadas como ornamentais, forrageiras, medicinais e/ou alimentícias, a exemplo da coroa-de-frade, da palma e do mandacaru (BARBOSA et al., 2010). Esta família predominou no pré-teste e no pós-teste, mantendo o percentual constante nos dois (Figura 12). Observamos, no entanto, um decréscimo de citação das Leguminosas (Algaroba) e um aumento de citação de outras famílias (Anacardiaceae, exemplo: Umbuzeiro; Bromeliaceae, exemplo: Macambira; Rhamnaceae, exemplos: Quixabeira e Juazeiro), com espécies nativas da região.
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Figura 12. Divisão por família botânica das plantas mais citadas pelos alunos da escola campo e estudo. Estudos recentes apontam que a cobertura vegetal nativa nas sub-bacias Hidrográficas do Alto Paraíba e Taperoá é de aproximadamente 30%, composta por Caatinga Arbórea e Arbustiva, podendo ser aberta ou fechada e tendo como espécies bem representativas as da família Leguminosae e Euphorbiaceae (ABÍLIO et al. 2010a). Quando perguntados sobre os animais da Caatinga (Figura 13) tivemos uma ampla gama de citações, sendo mais de 1/3 das citações (pré e pós-teste) referentes à categoria “Outros”, que se referem a animais com menos de 3% de citação, o que mostra um bom conhecimento sobre a diversidade faunística. Os mais citados foram os caprinos (bode, cabra, etc.) e o tatu-peba. Os caprinos, assim como os bovinos, são os mais utilizados na pecuária, uma das principais atividades das populações inseridas na Caatinga.
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Figura 13. Respostas dos alunos da escola campo de estudo quando perguntados quais os animais da Caatinga que eles conhecem. Analisando por grandes grupos (Figura 14), os mamíferos foram maioria, seguidos pelas aves e répteis. Caprinos, Bovinos, Jumento, Preá e Tatu foram os mamíferos mais representativos. Entre as aves, as mais citadas foram o Carcará e Urubu; entre os répteis, Teju e Cobra.
Figura 14. Divisão por grandes grupos dos animais mais citados pelos alunos da escola campo e estudo. Quando perguntados sobre os principais impactos ambientais que ocorrem na Caatinga (Figura 15), desmatamento, queimadas e poluição foram os mais citados. No pré-teste os alunos
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citavam um ou dois impactos apenas, passando a citar três ou quatro no pós-teste. Em outras questões isto também pode ser observado, o que mostra que o conteúdo das oficinas foi assimilado pelos educandos. O desmatamento e as queimadas, práticas ainda comuns no preparo da terra para a agropecuária, além de destruir a cobertura vegetal, prejudicam a manutenção das populações da fauna silvestre, a qualidade da água e o equilíbrio do clima e do solo. Estes impactos vêm sendo responsáveis pela mudança da paisagem da região semiárida do nordeste brasileiro.
Figura 15. Principais impactos ambientais que ocorrem na Caatinga na visão dos alunos da escola campo e estudo. A Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 001 de 23/01/86 define Impacto Ambiental como qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e a qualidade dos recursos ambientais (BRASIL, 1986). O crescimento da população e da densidade populacional contribui para a exploração dos recursos naturais para além de sua capacidade de suporte. O aumento da população, assim como das demandas por alimentos, energia e outros recursos naturais vêm provocando importantes impactos na base de recursos naturais das regiões semiáridas (ABÍLIO; FLORENTINO, 2010). Quando perguntados sobre a importância do rio e do açude Taperoá para o homem e para o meio ambiente (Figura 16), no pré-teste e no pós-teste “abastecimento” foi a mais citada.
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Figura 16. Importância do açude e rio Taperoá na visão dos alunos da escola campo e estudo. De fato, o açude Taperoá é muito importante para o abastecimento. Dos 47 maiores açudes públicos do Estado da Paraíba, a Bacia do rio Taperoá conta com cinco destes, sendo o açude Taperoá II um destes cinco, o qual possui capacidade total de acumulação avaliada em 15.148.900m3 (66). Quando perguntados sobre os principais impactos ambientais que ocorrem no rio e no açude Taperoá (Figura 17), a respostas mais citadas foram esgotos, lixo e poluição. Merece destaque o crescimento de citações no pós-teste dos impactos “assoreamento” e “desmatamento da mata ciliar”. Na grande maioria das propriedades do Cariri Paraibano, dificilmente se encontra mata ciliar original, os poucos fragmentos ainda existentes apresentam reduzida diversidade florística e, em alguns casos, são totalmente representados pela Algaroba (Prosopis juliflora) (estima-se em mais de 15 mil hectares de áreas reflorestadas no Cariri paraibano), que introduzida de forma intensiva na região nas décadas de 70-80, invadiu as áreas de várzea e as margens dos cursos de água e reservatórios, não permitindo, devido ao seu papel alelopático (fenômeno, geralmente de ordem química, que evita a presença de outras espécies ou a mesma espécie junto a ela no que se refere à competição por água, nutrientes, luminosidade, etc.), que as espécies nativas típicas destes ecossistemas pudessem ocupar as áreas antes dominadas pela agricultura e/ou pecuária (PEREIRA, 2006).
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Informação disponível em <http://site2.aesa.pb.gov.br/aesa/volumesAcudes.do?metodo=preparaUltimosVolumesPorMunicipio> Acesso em 11. jun. 2010.
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Figura 17. Principais impactos ambientais que ocorrem na no rio e açude Taperoá na visão dos alunos da escola campo e estudo. A recuperação das matas ciliares dos cursos de água na região da Caatinga é uma missão importantíssima a ser realizada, uma vez que estas contribuem para a conservação da água, aumentando sua quantidade disponível, durante mais tempo e com maior qualidade (MAIA, 2004). Quando perguntados se conhecem algum animal ou planta aquática que vive no rio ou no açude Taperoá (Figura 18), peixes foram os mais citados no pré-teste. Merece destaque no pós-teste as citações de “caracol”, “camarão” e “aguapé”.
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Figura 18. Respostas dos alunos da escola campo de estudo quando perguntados quais os animais e plantas que vivem no rio e açude Taperoá. Nos dois últimos anos, no açude Taperoá II foram registradas nove espécies de peixes, com predominância de Astyanax fasciatus (piaba do rabo vermelho) e A. bimaculatus (piaba do rabo amarelo) (TORELLI et al., 2007). Assim, de um modo geral, pode-se verificar um aumento do conhecimento por parte dos educandos sobre as temáticas trabalhadas. Vale ressaltar que a análise dos dados do pré-teste foi muito importante para se traçar o planejamento das atividades educativas (ver Capítulo II). A partir deste, observou-se que os alunos são muito carentes quanto aos conteúdos explorados, assim, as atividades sempre vinham acompanhadas de bastante conteúdo. De fato, durante a pesquisa percebeu-se um número considerável de questionários não respondidos ou com respostas desconexas, o que mostra que possivelmente os conceitos de educação ambiental, meio ambiente e assuntos relacionados ao bioma Caatinga e rio Taperoá não são devidamente explorados em sala de aula. É importante que estes temas sejam bem trabalhados em aula, visto que podem contribuir para a formação de indivíduos com consciência crítica, que respeitem o meio que os cercam, podendo assim levar estes atores sociais a ações concretas em prol da conservação do meio ambiente. 5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da importância e das peculiaridades da Caatinga, é fundamental que a escola, em suas atividades pedagógicas diárias, incorpore conteúdos e discussões relacionados com a realidade da Caatinga, buscando assim, reverter a visão apresentada na maioria dos Livros Didáticos de que este ecossistema é pobre em biodiversidade e com pouca importância biológica. Para tanto, é necessário que haja a implementação de práticas pedagógicas voltadas para um despertar da consciência ambiental entre todos os atores sociais relacionados com a escola. Porém, a
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falta de integração entre as disciplinas ainda é uma fonte de sérios problemas no planejamento e aprendizado dos conteúdos referentes ao Meio Ambiente e à Educação Ambiental (BRASIL, 1998). Os professores de ensino fundamental e médio precisam buscar alternativas e/ou instrumentos para desenvolver estes conteúdos no seu cotidiano escolar, com o intuito de promover um aprendizado significativo (GUERRA; ABÍLIO, 2006). É fundamental o estabelecimento de políticas públicas que fortaleçam as escolas de Educação Básica, tendo em vista a importância que exercem no processo de formação social, cultural, humana e ética da sociedade. Mesmo tendo alcançado grandes avanços, no que se referem aos seus objetivos, conteúdos, estratégias metodológicas e materiais didáticos, o universo escolar ainda necessita de caminhos que lhe permitam contemplar dimensões relevantes do conhecimento (GUERRA; ABÍLIO, 2006), dimensões essas que, muitas vezes, são enfraquecidas pela ênfase no tecnicismo e pela falta de uma formação holística que inter-relacione as diferentes potencialidades do ser humano. A partir do presente estudo, podemos concluir que o método utilizado para avaliar a percepção ambiental dos alunos sobre os conceitos de educação ambiental, meio ambiente e temas relacionados ao bioma Caatinga e rio Taperoá por meio de perguntas abertas, demonstrou ser bastante eficaz, pois possibilitou a emissão de respostas livres, que permitiram aos educandos expressarem seus pensamentos sem serem induzidos. No entanto, é importante enfatizar que não estamos preocupados em trabalhar apenas definições e conceitos. Faz-se necessário e urgente desenvolver nas escolas do ensino básico ações que valorizem e evidenciem aspectos sócio–ambiental–cultural local, na busca da formação de sujeitos críticos e reflexivos da sua reeducação ambiental e do seu papel na sociedade. REFERÊNCIAS ABÍLIO, F.J.P.; FLORENTINO, H.S. Impactos ambientais na Caatinga In: ABÍLIO, F.J.P. (Org.) Bioma Caatinga: Ecologia, Biodiversidade, Educação Ambiental e Práticas pedagógicas. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2010. p.52-77. AMORIM FILHO, O. B. Os estudos da percepção como a última fronteira da gestão ambiental. Disponível em <http://sites.uol.com.br/ivairr/percepcaoambi.htm>. Acesso: 20. maio 2009. BARBOSA, M.R.V.; ABÍLIO, F.J.P.; QUIRINO, Z.G. Vegetação da Caatinga. In: ABÍLIO, F.J.P. (Org.) Bioma Caatinga: Ecologia, Biodiversidade, Educação Ambiental e Práticas pedagógicas. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2010. p.20-37. BASSANI, M. A. Fatores psicológicos da percepção da qualidade ambiental. In: BASSANI, M. A. et al. (Orgs.) Indicadores ambientais: Conceitos e aplicações. São Paulo: EDUC/ COMPED/ INEP, p. 47-57, 2001. BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 fev. 1986. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html> Acesso em 07. jul. 2009. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Secretaria de Educação Fundamental, Brasília, DF: MEC/SEF. 1998. DORNELLES, C. T. A. Percepção ambiental: uma análise da bacia hidrográfica do rio Monjolinho. Dissertação (Mestrado) escola de Engenharia de São Carlos. Universidade de São Paulo, São Carlos. 177p., 2006. GUERRA, R.A.T.; ABÍLIO, F.J.P. Educação Ambiental na Escola Pública. João Pessoa: Foxgraf, 2006. MAIA, G.N. Caatinga: árvores e arbustos e suas utilidades. São Paulo: D&Z editora, 2004.
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CAPÍTULO II OFICINAS ECOPEDAGÓGICAS E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: RELATOS DAS EXPERIÊNCIAS DESENVOLVIDAS NA ESCOLA CAMPO DE ESTUDO
1 INTRODUÇÃO As oficinas pedagógicas correspondem a um espaço de interação e troca de saberes; tal interação ocorre através de dinâmicas, atividades coletivas e individuais que proporcionam ao educando expor seus conhecimentos sobre a temática em questão e assimilar novos conhecimentos acrescidos pelos educadores. Esse processo de conhecimento se dá a partir da marca da horizontalidade na construção do saber inacabado. A proposta metodológica de oficina pedagógica busca apreender o conhecimento a partir do conjunto de acontecimentos vivenciais no dia-a-dia, onde a relação teoria-prática constitui o fundamento do processo pedagógico. Assim, o conceito de oficinas aplicado à educação, refere-se ao lugar onde se aprende fazendo junto com os outros (FIGUEIRÊDO et al., 2006). Como modalidade didática, as Oficinas Pedagógicas proporcionam a construção de conhecimentos coletivos a partir de situações vivenciadas pelos participantes, assim como possibilita aprofundar a reflexão sobre a educação, a escola e a prática que nela se efetiva (ANDRADE et al., 1996). Corroborando com estas informações, Ferreira (2001) ressalta que as oficinas pedagógicas se caracterizam como uma prática peculiar por apresentar os seguintes elementos: reflexão e troca de experiências, confrontando a prática com a teoria e avançando na construção coletiva do saber; produção coletiva - comprometimento e desenvolvimento de competências; confronto de experiências e produção de conhecimentos a partir de situações vivenciadas por cada um dos participantes. As vivências realizadas na escola campo de estudo seguiram na direção desta modalidade, visto que as oficinas pedagógicas promovem a ação coletiva e potencializa o espírito crítico e participativo.
2 OBJETIVOS
Realizar oficinas pedagógicas, palestras, excursões didáticas e outras ações educativas relacionadas ao Bioma Caatinga, ao rio Taperoá e ao açude Manoel Marciolino; Discutir acerca da importância do rio Taperoá e do açude Manoel Marciolino para a região, bem como sobre as problemáticas ambientais relacionadas a estes corpos hídricos; Confeccionar recursos didáticos junto com os alunos para que estes possam ser utilizadas nas salas de aulas, buscando uma maior dinamização destas e um melhor aprendizado dos conteúdos; Planejar e executar uma exposição científico-cultural, a partir das ações anteriormente desenvolvidas nas escolas, com intuito de divulgar para a comunidade escolar e do seu entorno os materiais e trabalhos produzidos ao longo do projeto; Sensibilizar a comunidade local, despertando-a sobre a importância e conservação do bioma Caatinga, rio Taperoá e açude Manoel Marciolino.
3 MATERIAL E MÉTODOS O presente trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, onde se utilizou como pressupostos teórico-metodológicos os elementos da Etnografia Escolar e Observação Participante e da teoria do Biorregionalismo. A Pesquisa Qualitativa apresenta como características: (1) foco na interpretação que os próprios participantes têm da situação sob estudo; (2) busca compreender aquilo que se propõe a estudar, ou seja, não se interessa por generalizações, princípios e leis, deixando isto ao encargo da
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pesquisa quantitativa; (3) enfatiza aspectos da subjetividade; (4) é flexível durante o processo de condução da pesquisa; (5) preocupa-se com o contexto, no sentido de que o comportamento das pessoas e a situação ligam-se intimamente na formação da experiência; Por fim, porém não menos importante, este tipo de pesquisa reconhece o impacto do processo da pesquisa sobre a situação em foco e admite-se que o pesquisador exerce influência sobre a situação de pesquisa e é por ela também influenciado (MOREIRA, 2002). O Método Etnográfico, por sua vez, é uma modalidade de investigação naturalista, tendo como base a observação e a descrição, a partir do qual pretende descrever, explicar e interpretar a cultura de um determinado grupo social. Outro ponto importante é o de seguir certas normas básicas, como deixar de lado preconceitos e estereótipos e agir como participante, assim como questionar sobre o que parece comum o observar o tipo de relações encontradas no meio ambiente (MARCONI; LAKATOS, 2004). A Observação Participante supõe a interação entre pesquisador e pesquisado. As informações que o pesquisador obtém e as respostas que são dadas às suas indagações, dependerão, ao final das contas, do seu comportamento e das relações que desenvolve com o grupo estudado. (VALLADARES, 2007). Para Gil (2005), a Observação Participante tem sua aplicação associada a uma postura comprometida com a conscientização popular. De acordo com o autor, este tipo de pesquisa vem sendo cada vez mais valorizado por educadores ambientais que vêem a necessidade de propostas alternativas da sociedade para solucionar os problemas ambientais. O Biorregionalismo é uma tentativa de resgatar uma conexão intrínseca entre comunidades humanas e a comunidade biótica de uma dada realidade geográfica. O critério para definir as fronteiras de tais regiões pode incluir similaridades do tipo de terra, flora, fauna ou bacias hidrográficas. A recuperação histórica, simbólica e cultural apregoa valores de cooperação, solidariedade e participação, permitindo desenvolvimento entre a comunidade e o meio biofísico (SATO, 2001). Para atingir os objetivos propostos no presente projeto de pesquisa, foram desenvolvidas junto aos alunos da escola, ações educativas mensais relacionadas ao bioma Caatinga, ao rio Taperoá e ao açude Manoel Marciolino, cujo propósito foi: (1) ampliar o conhecimento do universo pesquisado; (2) favorecer uma maior dinamização das atividades e maior motivação na participação da comunidade escolar; (3) sensibilizar os educandos quanto às temáticas ambientais. A partir destas ações, foi realizada uma exposição científico-cultural na escola, que contou com a participação da comunidade escolar, pais de alunos, comunidades do entorno da escola e representantes do poder público. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO No decorrer de um ano (julho/2009 a julho/2010) foram realizadas as oficinas pedagógicas mensais, num total de oito. Tivemos ainda dois momentos para aplicação dos questionários (pré-teste e pós-teste), mais dois momentos para a orientação final dos trabalhos para a exposição científicocultural e o momento final, que foi a própria exposição. O cronograma completo com todas as atividades, bem como os roteiros de cada uma destas, pode ser encontrado nos apêndices (Apêndices IV a XII). Logo abaixo estão listadas todas as atividades realizadas na escola campo de estudo, acompanhadas de uma descrição minuciosa sobre cada uma delas. 4.1 PRIMEIRA ATIVIDADE: O BIOMA CAATINGA A televisão pode ser aplicada na educação quando ela se presta como fonte de ampliação de conhecimentos, como motivação da aprendizagem ou mesmo como veículo de formação e instrução (ZÓBOLI, 2004). A transposição de uma linguagem para outra, realizada com emoção e reflexão, é importante para o processo de transmissão e assimilação de conhecimentos, atitudes, valores e informações do mundo. As representações em imagens e sons aproximam-se mais do mundo real do que somente as representações verbais, orais ou escritas e, portanto, a utilização do vídeo permite integrar essas representações (FERRÉS, 1996). A primeira atividade teve como objetivo fazer uma breve apresentação das principais características do bioma Caatinga aos alunos, ressaltando suas peculiaridades e importância
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ecológica e econômica. Nesta atividade, trabalhamos com a exposição dialogada e com um vídeo educativo (67) (Figura 18), ao final da atividade, foi pedido que os alunos listassem 10 palavras relacionadas à Caatinga, para que então, produzissem um breve texto que contivesse tais palavras.
Figura 19. Apresentação do vídeo sobre o bioma Caatinga a alunos da escola campo de estudo. (Fonte: o autor). Esta primeira atividade serviu para familiarizar os educandos com o bioma Caatinga, visto que muitos alunos desconheciam bastante o bioma no qual estavam inseridos. Outro ponto positivo para os discentes foi a “quebra” da rotina, fugir um pouco das aulas tradicionais. 4.2 SEGUNDA ATIVIDADE: FAUNA E FLORA DA CAATINGA Para estudos da biodiversidade (fauna e flora) na educação ambiental é possível trabalhar com desenhos esquemáticos e pranchas dos principais representantes dos seres vivos que ocorrem em uma determinada área, permitindo assim uma melhor aprendizagem e familiarização da biocenose local (ARAÚJO, 1991). A segunda atividade teve como objetivo trabalhar, a partir das concepções prévias, o conteúdo de fauna e flora da Caatinga, sendo solicitado aos alunos que reconhecessem os animais e vegetais deste bioma nas pranchas (Figura 20) e imagens distribuídas. Buscou-se nesta atividade demonstrar aos alunos a elevada diversidade de plantas e animais do bioma.
(67)
Vídeo sobre a Caatinga do programa Globo Ecologia.
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Figura 20. Momento da segunda atividade, onde equipes tentam identificar os animais e vegetais da Caatinga presentes na prancha (esquerda). (Fonte: o autor).
Primeiramente, pediu-se para que os alunos, em equipes, identificassem e classificassem em grandes grupos todos os animais e vegetais da prancha, anotando sua importância ecológica e econômica, para que depois, apresentassem seus resultados para o restante da turma. Após esta etapa, distribuiu-se uma imagem de animal ou vegetal da Caatinga para cada aluno e, em seguida, o pesquisador lia algumas características de determinado ser vivo para que a turma “adivinhasse” qual o ser vivo em questão. Por fim, solicitou-se aos alunos uma atividade de pesquisa, onde cada aluno iria escrever sobre um animal e uma planta da Caatinga, enfatizando aspectos biológicos, ecológicos e econômicos das espécies escolhidas. Ao final da atividade pode-se perceber uma maior integração entre os educandos, bem como um maior conhecimento sobre a biodiversidade do bioma Caatinga.
4.3 TERCEIRA ATIVIDADE: IMPACTOS AMBIENTAIS NA CAATINGA Quando não é possível a realização da excursão didática e para aproximar os alunos de situações do meio, é possível utilizar a técnica da “leitura da imagem”. A percepção dos elementos visuais abstraídos de uma imagem requer não apenas um olhar aguçado sobre o objeto, mas um conhecimento prévio das categorias ali representadas (ABÍLIO et al., 2010). O tema da terceira atividade foi Impactos Ambientais na Caatinga, onde se trabalhou utilizando a técnica de “leitura de imagem” (Figura 21). Antes de iniciar a atividade, foi pedido aos alunos que representassem a Caatinga em forma de desenho. Assim, estes desenhos, bem como as imagens selecionadas pelo pesquisador, foram utilizados para realizar a “leitura da imagem”, onde se enfatizou os impactos ambientais ocorridos no bioma. Esta atividade teve como objetivos aguçar a percepção ambiental; exercitar o diálogo; trabalhar conceitos e desenvolver conteúdos; relacionar áreas de estudo; integrar as idéias no sentido de ampliar a visão de mundo e da vida.
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Figura 21. Algumas imagens utilizadas na atividade (esquerda) e momento da atividade em que os alunos debatem sobre determinada imagem (Fonte: o autor). Durante a atividade discutimos sobre os principais impactos ambientais que ocorrem na Caatinga. Ao final desta, foi dado aos alunos uma “cruzadinha” (Figura 22) para que eles encontrassem as respostas para os diferentes impactos ambientais que ocorrem na Caatinga a partir de uma breve definição sobre estes. A realização da atividade da “cruzadinha” serviu como momento avaliativo da oficina, assim como a participação na atividade “leitura da imagem”. Avaliamos esta atividade como bastante proveitosa, pois trabalhou com recursos bem simples e estimulou bastante a participação discente, seja no momento de representar a Caatinga por meio de desenhos, na leitura das imagens e durante a resolução da “cruzadinha”. Segue abaixo as definições encontradas no jogo e a referida “cruzadinha”: 1. Apropriação e/ou Tráfico ilegal de animais ou vegetais, de uma dada região para outra, visando lucro econômico; 2. Espécies que ocorrem em uma área geográfica, fora de seu limite natural historicamente conhecido, como resultado de dispersão acidental ou intencional por atividades humanas; 3. Prática de aplicar água no solo, de modo artificialmente e de modo controlado, a fim de possibilitar o cultivo agrícola; 4. Retirada ou utilização dos recursos naturais de uma determinada área de forma exagerada, sem levar em conta sua capacidade de regeneração ou reposição do ambiente; 5. Processo de devastação ou extração de parte ou de todo um determinado ambiente (resposta: Destruição); 6. Conjunto de processos técnicos usados na domesticação e produção de animais com objetivos econômicos; 7. Lugar onde se fabrica ou armazena carvão; 8. Ramos, troncos, toras ou quaisquer pedaços de madeira utilizados como fonte de energia; 9. Processo pelo qual a concentração de sais dissolvidos aumenta no solo ou na água; 10. Conjunto de técnicas utilizadas para cultivar plantas com o objetivo de obter alimentos, fibras, energia, matéria-prima, etc.; 11. Destruição do solo e seu transporte em geral feito pela água da chuva ou pelo vento; 12. Extração de substâncias minerais a partir de depósitos ou jazidas minerais.
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Figura 22. Cruzadinha aplicada aos alunos ao final da atividade 03.
4.4 QUARTA ATIVIDADE: CONSERVAÇÃO DA CAATINGA A poesia é um instrumento educativo e, quando bem trabalhado, irá atrair e motivar a participação do aluno. Segundo Zóboli (2004), a poesia apresenta valores tais como: aprimora a linguagem; desenvolve e enriquece as experiências culturais dos alunos; leva o indivíduo a apreciar o belo; despertam bons sentimentos e emoções; eleva espiritualmente o declamador e os ouvintes; desenvolve a memória e a imaginação, estimulando a criatividade do aluno. Na quarta e última atividade do ano de 2009, trabalhamos a temática Conservação do bioma Caatinga. Para tanto, utilizamos poemas e cordéis (Figura 23) como instrumentos de sensibilização para conservação deste bioma. Ao final, foi realizado um momento avaliativo, não apenas desta atividade, mas do semestre (as 04 primeiras atividades), que constava em uma “roda de perguntas”, onde determinado fazia uma pergunta oral que abordava qualquer um dos temas já debatidos para que um colega respondesse. Após a resposta, este colega elaboraria outra questão e pergunta a outro aluno, fazendo a “roda” girar. A dinâmica acabou quando todos os alunos tinham feito e respondido uma pergunta.
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Figura 23. Leitura silenciosa de cordéis (esquerda) e leitura de poema para a turma (direita) (Fonte: o autor). Abaixo, apresentamos um exemplo de poema (68) que foi trabalhado em sala de aula:
A cultura nordestina, Estamos aqui pra mostrar, O valor da Caatinga, Nossa terra, nosso lugar. Onde o sol é causticante, Morre planta, morre gente. Mas o homem não desiste, Porque ele é persistente. Convivendo com o clima Que castiga a região, O nordestino arruma um jeito De reverter a situação. Cria meios, inventa técnicas Para viver na sua terra Que não é só seca, não! Mesmo com as chuvas escassas E a falta de fontes perenes, Ainda se encontra jeito De ajudar toda essa gente, Que não perde a esperança E tem fé em Deus presente. Captando a água das chuvas, Valorizando a vegetação, Criando animais Típicos da região. O homem vai aprendendo A conviver com o Semi – Árido, Não deixando sua cultura Viver só de passado Basta apenas os governantes No sertão acreditar, Fazendo com que o homem do campo Permaneça no seu lugar, Planejando e desenvolvendo ações Para sua vida melhorar.
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Poema intitulado “Caatinga: Nossa Terra, Nosso Lugar”, autoria de Tânia Cristina da Silva. Disponível em <http://www.pucrs.br/mj/poema-regionalismo-30.php> Acesso em 31. nov. 2009.
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A partir deste poema, várias temáticas relacionadas ao bioma Caatinga foram trabalhadas, tais como: cultura nordestina, valoração do ecossistema, clima da região, índices pluviométricos e corpos hídricos, biodiversidade local, soluções para convivência com o semiárido e políticas públicas voltadas para o semiárido 4.5 QUINTA ATIVIDADE: CORPOS AQUÁTICOS DA CAATINGA O tema da quinta atividade (já no ano de 2010) foi “Corpos aquáticos da Caatinga”. De início, foi realizada uma exposição dialogada sobre o tema Água, onde se enfocou a distribuição, poluição da água, doenças de veiculação hídrica, a importância econômica, usos e o manejo dos recursos hídricos. Para tanto, utilizamos textos informativos previamente selecionados da internet pelo autor da pesquisa sobre a temática (Figura 24), onde pediu-se aos alunos que extraíssem as principais idéias do texto para que fossem debatidas. Em seguida, fez-se relação com os corpos aquáticos da Caatinga e do município de Taperoá, onde trabalhamos diversos conceitos, tais como: montante, jusante, intermitente, perene, bacia hidrográfica, ambientes lênticos e lóticos, mata ciliar, eutrofização, etc.
Figura 24. Leitura e extração das principais idéias dos textos informativos utilizados para abordar a temática “Água” (Fonte: o autor). Posteriormente, realizou-se uma atividade sobre a biodiversidade de um ecossistema aquático, dando ênfase aos organismos presentes no rio e açude Taperoá. Esta atividade tinha como objetivos reforçar o ensino do tema abordado; desenvolver o espírito cooperativo; promover uma maior integração entre os alunos. Nesta, foi pedido que os alunos elaborassem e montassem uma teia alimentar com diversos organismos presentes nestes corpos aquáticos. Assim, foram confeccionados vários cartazes (Figura 25) com a teia alimentar elaborada pelos alunos e em seguida deu-se início às apresentações de cada grupo para o restante da turma.
Figura 25. Momentos de elaboração e apresentação dos cartazes sobre a teia alimentar de um ecossistema aquático (Fonte: o autor).
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O mais interessante desta atividade é que foi possível fazer a ligação entre o assunto da oficina com o conteúdo curricular que algumas turmas já tinham visto em sala de aula (cadeias e teias alimentares). Para as demais turmas, serviu como aula inicial sobre um tema que debateriam num futuro próximo. 4.6 SEXTA ATIVIDADE: EXCURSÃO DIDÁTICA AO AÇUDE E AO RIO TAPEROÁ As excursões didáticas consistem em uma ferramenta imprescindível na construção do conhecimento sobre temáticas ambientais. Ela proporciona aos estudantes a oportunidade de interação direta com o meio ambiente, favorecendo uma construção coletiva das opiniões. Para Mamede (2003), quando falamos em excursões didáticas estamos falando de um instrumento importante para o desenvolvimento da Educação Ambiental, como forma de despertar a consciência, trazendo à tona a importância de se conservar, por meio de atividades ou dinâmicas que aproximam o público das realidades sobre as questões ambientais, sociais, culturais, históricas e artísticas. Visa à sensibilização do indivíduo, sobre o seu papel como cidadão, garantindo uma atitude consciente no meio em que vive e colaborando para um meio ambiente equilibrado para atuais e futuras gerações. Após as atividades em sala de aula sobre os corpos aquáticos da Caatinga, decidimos realizar uma excursão didática (Figura 26) para o açude e para o rio Taperoá, para identificar na realidade os problemas constatados na atividade anterior. Seguimos primeiramente para o açude Taperoá II, depois passamos pelo lixão da cidade de Taperoá e por fim, chegamos a um trecho do rio Taperoá já no município da Parari (destino sugerido por um dos funcionários da escola), adjacente à Taperoá. O transporte utilizado para nos conduzir até os locais citados acima foi um “pau de arara” (69). Tentamos reservar um transporte mais adequado e confortável junto aos órgãos competentes, mas devido aos empecilhos encontrados e à disponibilidade do “pau de arara” no dia e hora da excursão, optamos pela utilização deste meio de transporte.
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Pau de arara é o nome dado a um meio de transporte onde se adaptar caminhões para o transporte de passageiros, constituindo-se em substituto improvisado para os ônibus convencionais. Informação disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pau_de_arara_%28transporte%29> Acesso em 11. fev. 2011.
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Figura 26. Alguns momentos da excursão didática. Acima: fonte de poluição pontual em trecho do rio Taperoá e visão geral do lixão do município de Taperoá. Abaixo: parada às margens do rio Taperoá e explicação aos alunos de temas relacionados aos corpos aquáticos da Caatinga (Fonte: Israel Walter). Durante a excursão foram feitas paradas para explicar aos alunos temas relacionados aos ambientes aquáticos presentes na cidade, como impactos ambientais, uso e manejo dos recursos hídricos, formas de conservação destes, etc., bem como temas ambientais diversos (poluição, Caatinga, conservação, etc.). Vale destacar a presença do professor de Geografia da escola, que nos acompanhou durante toda a excursão. Ao final desta atividade, foi pedido aos alunos que elaborassem um relatório sobre a mesma, que seria entregue no próximo encontro. 4.7 SÉTIMA ATIVIDADE: TEMAS AMBIENTAIS GERAIS E LOCAIS Através da dramatização os estudantes podem presenciar a confrontação entre conceitos prévios formulados e conceitos adequados do ponto de vista da Ciência, em um ambiente interativo e lúdico, e, portanto, propício à construção e reformulação de novas concepções (LOPES, 2000). O teatro de fantoches é um modo de sensibilizar os estudantes por transmitir, de uma forma simples e direta, a mensagem de cuidar do nosso ambiente e do nosso planeta. De acordo com Galvão (1996), os estudantes parecem receber bem melhor e armazenar com mais facilidade as imagens, quando são apresentadas através de algo que as encante emocionalmente, como é o caso do teatro de fantoches. Neste, é possível concretizar personagens e cenas históricas que normalmente estão distantes e dissociados da realidade atual. A associação entre a linguagem teatral e os temas científicos contribui para gerar uma atitude crítica no público, atitude esta fundamental para a construção ativa do conhecimento e para o exercício pleno da cidadania (SANT‟ANNA; MENEGOLLA, 2002). Diante disto, a nossa sétima atividade foi pautada em cima desta modalidade: trabalhar temáticas ambientais gerais, temas relacionados ao bioma Caatinga, ao açude e ao rio Taperoá a partir do teatro de fantoches. Para tanto, o pesquisador forneceu bonecos (fantoches) aos alunos e dividiu a turma em três grupos: (1) o elenco, (2) o comitê julgador quanto ao conteúdo e (3) o comitê julgador quanto à criatividade e harmonia do elenco. Em seguida foi dado um tempo para que os alunos do elenco improvisassem um esquete que tivesse como tema alguma questão ambiental, de preferência local; enquanto isso eram dadas as orientações para os comitês sobre como avaliar. Ao final das apresentações (Figura 27), os comitês davam as opiniões e debatiam com o elenco sobre a temática abordada, bem como sobre os pontos positivos e negativos da apresentação.
Figura 27. Alguns momentos das apresentações dos esquetes produzidos pelos alunos (Fonte: o autor). Apesar do pouco tempo e do improviso para criar uma mini estória, os resultados desta atividade foram bem satisfatórios. Ficou claro que é possível ter uma boa aula de um modo divertido. Vale destacar que esta atividade foi a que obteve maior participação e interesse discente, o que a
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tornou um pouco difícil de conduzi-la, visto que quase todos os educandos queriam fazer parte do elenco da peça. No entanto, não daria tempo para que todos manipulassem os fantoches. Assim, ficou pré-acertado de um grupo trabalhar com o teatro de fantoches na exposição científico-cultural. 4.8 OITAVA ATIVIDADE: JOGO DIDÁTICO “CONHECENDO A CAATINGA” Os jogos didáticos ampliam experiências e contribuem para o desenvolvimento do raciocínio, da atenção e do interesse pela realização das tarefas escolares. Favorecem também a integração social e individual, permitindo aos estudantes maior índice de aprendizagem ao realizarem atividades lúdicas e competitivas (PEREIRA, 1998). Em junho de 2010 foi realizada a última atividade: o jogo “Conhecendo a Caatinga” (Figura 28). O jogo, elaborado pelo pesquisador, tinha como objetivo revisar os conteúdos abordados nas atividades anteriores e constava de um tabuleiro, quatro peões, um dado e 75 cartas, das quais algumas eram de “conteúdo”, outras não. As cartas de conteúdo eram divididas em três grupos: (1) as cartas de perguntas, onde havia uma questão subjetiva a ser respondida (exemplos: Cite três impactos ambientais que ocorrem na Caatinga; O que é uma planta xerofítica? Cite duas fontes de poluição existentes para o rio e/ou açude Tapeorá; etc.); (2) as cartas de identificação rápida, onde havia na carta a imagem de um animal ou vegetal e o aluno tinha que identificar tal espécie; (3) cartas “Quem sou eu?”, que trazia dicas simples sobre um animal ou vegetal e o aluno tinha que adivinhar que espécie era aquela. As cartas que não traziam conteúdo tinham como objetivo dar mais “jogabilidade” ao jogo. Exemplos destas eram as cartas “Volte 4 casas” e “Espie a próxima carta”, onde o aluno poderia observar a carta seguinte e assim, poder optar pela qual pergunta gostaria de responder.
Figura 28. O jogo, com suas cartas, tabuleiro e dado (acima) e momentos em que duas turmas estão jogando “Conhecendo a Caatinga” (abaixo) (Fonte: o autor).
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A turma foi dividida em quatro equipes e iniciou-se o jogo, que de maneira breve, transcorria da seguinte maneira: uma equipe lançava o dado e percorria o número de casas igual ao mostrado pelo dado; a seguir puxava uma carta; caso acertasse, andava novamente o número de casas mostrado no dado; caso errasse ou não soubesse, passava a pergunta para a equipe da direita, que acertando, andaria as casas não percorridas pela equipe que não respondeu à questão; quem chegasse primeiro ao final sagrava-se vencedor. Fazemos uma avaliação super positiva desta atividade. Apesar de chegar já com o jogo pronto (não daria tempo de confeccionar o jogo em sala de aula com os educandos), o interesse, a participação e o espírito de competição fizeram desta atividade uma ótima aula, na qual foi possível revisar todos os conteúdos vistos até então nas atividades anteriores.
4.9 EXPOSIÇÃO CIENTÍFICO-CULTURAL Desde o primeiro contato com os alunos e a direção, manifestamos nossa intenção de culminar a presente pesquisa numa exposição científico-cultural, na qual envolveria toda a escola campo de estudo. Em todas as atividades era pedido que os alunos pensassem em trabalhos para esta exposição. Ao final da oitava atividade foi realizado um planejamento geral com os alunos e com a escola. Em agosto e no início de setembro, estive presente na escola apenas para orientação final dos trabalhos das turmas em que desenvolvi as atividades educativas (Figura 29). Os professores da escola ficaram responsáveis de orientar os alunos das demais turmas. Assim, todas as turmas da escola tinham projetos para mostrar na exposição.
Figura 29. Momentos de finalização e orientação dos trabalhos para a exposição cientifíco-cultural (Fonte: o autor).
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No dia 17 de setembro de 2010 ocorreu a exposição científico-cultural, que tinha como tema “Bioma Caatinga e rio Taperoá” (ver folder do evento em Apêndice XIII). Vale destacar que antes da exposição foram enviados convites para todas as escolas e órgãos públicos da cidade, bem como foi feito anúncio na rádio local para que o maior número de pessoas ficasse sabendo. Vale destacar também que alunos e funcionários trabalharam arduamente nos dias que precederam a exposição, para que tudo ocorresse bem; o pesquisador e os professores ficaram encarregados de orientar os alunos nos ajustes finais dos trabalhos; os funcionários e a direção da escola providenciaram as atrações culturais, as quais não faziam parte da escola. A exposição ocorreu nos turnos da manhã e da tarde (Quadro VI), sendo aberta ao público em geral, que foi composto pelos alunos, professores e funcionários da escola campo de estudo, familiares dos alunos, alunos e professores de outras escolas, representantes do poder público, a exemplo do prefeito do município de Taperoá, e pela comunidade em geral. Quadro VI. Programação da exposição científico-cultural realizada na escola campo de estudo. Horário 08:00 08:30 11:30 12:00 13:30 15:30 16:00 16:30 17:00
Atividade Abertura oficial do evento Abertura das salas para visitação Apresentação violeiros
de
uma
dupla
de
Parada para o almoço Reabertura das salas para visitação Apresentação do grupo de dança “Os Cariris Mirins” Apresentação dos trabalhos dos alunos por meio de slides Apresentação das paródias, teatro de fantoches e peças teatrais elaboradas pelos alunos Encerramento
Descrição Recepção dos convidados; Discurso da gestora da escola para os presentes na exposição; Apresentação dos trabalhos elaborados pelos educandos; visitação do público às salas; Momento cultural: violeiros cantam cantigas regionais e tocam “repente”, manifestação típica da cultura nordestina; Apresentação dos trabalhos elaborados pelos educandos; visitação do público às salas; Momento cultural: grupo dança e realiza coreografias de músicas típicas do Nordeste; Exibição de slides (PowerPoint) produzidos pelos educandos por meio de data show; Educandos cantaram as paródias elaboradas, encenaram as peças e realizaram o teatro de fantoches; Agradecimento aos presentes; mensagem de encerramento; discurso da gestora.
Ao saírem, os representantes de cada escola e de cada órgão público levavam consigo uma muda de planta típica da Caatinga, mudas estas, de diversas espécies, que foram conseguidas pela direção da escola campo de estudo. Ressaltamos que muitos materiais e equipamentos utilizados na exposição foram conseguidos pela direção, professores, funcionários e alunos da escola, visto que a mesma carecia de alguns destes materiais. Assim, a realização de vários dos trabalhos apresentados só foi possível devido à ajuda de familiares, colegas e órgãos públicos. Dos vários trabalhos relacionados às temáticas trabalhadas (bioma Caatinga, semiárido, rio e açude Taperoá e temas ambientais atuais), destacamos:
Os modelos tridimensionais do rio Taperoá: os educandos representaram com folhas de isopor, tinta e outros materiais, o rio Taperoá, enfocando o grau de degradação ambiental do mesmo;
O túnel do tempo, que trazia fotos da cidade e do rio Taperoá de tempos antigos até os tempos atuais, fazendo uma retrospectiva histórica sobre como era antes e como é atualmente a cidade e o rio. As fotos antigas foram cedidas gentilmente por uma professora da escola e por um amigo dela; as fotos atuais foram disponibilizadas pelo pesquisador e por um funcionário da escola;
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Trabalhos a importância da reciclagem (Anexo I) e sobre reaproveitamento de materiais recicláveis, a exemplo de puffs, sofá e de porta objetos feitos a partir de garrafas pet;
Acrósticos, paródias (Anexo II), peças teatrais e outros textos que abordavam a temática da exposição;
Pesquisa com a população mais idosa do município para saber a opinião deste público sobre as causas, conseqüências e o que fazer para evitar a poluição do rio e do açude Taperoá (Anexo III);
Produção de vídeos: os educandos prepararam um vídeo que evidencia a poluição no rio Taperoá e explicam o que fazer para evitar tal degradação;
Slides sobre a poluição no município de Taperoá e mural de fotos sobre os impactos que acometem o rio Taperoá, com o intuito de sensibilizar o público presente sobre este problema tão sério; algumas fotos foram tiradas pelos próprios alunos, outras foram cedidas pelo pesquisador e por um funcionário da escola;
Trabalhos sobre as plantas e os animais típicos da Caatinga, tais como cartazes, murais informativos e textos;
Comidas e bebidas típicas da região produzidas pelos familiares dos alunos, inclusive com degustação. Merece destaque as comidas feitas à base de milho, a rapadura e o suco de palma;
Xique-xique design, que tratava de uma loja de roupas e acessórios feitos a partir de material rústicos típicos da região; em um determinado momento da exposição, houve o desfile das modelos e explicação sobre as roupas e acessórios que elas usavam.
Vale destacar que todo o material didático produzido para a exposição científico-cultural ficou sob posse da escola, para que possa ser reutilizado em sala de aula. Destacamos ainda que este momento contribuiu bastante para uma maior interação e participação dos docentes da escola objeto de estudo. Na Figura 30 apresentamos diversos momentos da exposição científico-cultural realizada na escola campo de estudo, bem como alguns dos trabalhos realizados.
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Figura 30. Diversos momentos da exposição. (A) Cartaz de entrada, (B) Trabalho sobre plantas medicinais da Caatinga, (C) Projeto sobre o rio Taperoá, (D) Trabalho sobre reaproveitamento de materiais recicláveis, (E) Apresentação de violeiros, (F) Visitação de alunos de outras escolas, (G), Modelo tridimensional sobre o rio Taperoá e (H) Apresentação cultural do grupo de dança “Os Cariris Mirins” (Fonte: o autor). 5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das atividades desenvolvidas durante o projeto, foi possível constatar mudanças de concepções e de comportamento ao longo do desenvolvimento do trabalho em relação à conservação do bioma Caatinga, despertando a comunidade local sobre a importância e a riqueza de diversidade deste bioma. Em relação às atividades referentes ao açude Manoel Marciolino e ao rio Taperoá, culminando com a exposição científico-cultural prestigiada por diversos atores sociais, constatamos uma sensibilização da comunidade escolar quanto aos problemas que estes corpos hídricos enfrentam, despertando o sentimento de conservação destes ambientes, bem como para a necessidade de revitalização do rio, visto que este se encontra bastante degradado atualmente. No entanto, estamos cientes que a presente pesquisa de forma isolada não é capaz de transformar toda a realidade de uma cidade, mas é um importante ponto de partida para um processo
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de transformações e mudanças de atitudes, tornando os atores sociais ali inseridos em agentes multiplicadores do conhecimento adquirido. Isso pode ser constatado pela repercussão que a exposição científico-cultural causou, atraindo não apenas a comunidade escolar, mas também representantes dos poderes públicos, outras autoridades locais e a população em geral. Observou-se que durante todo o dia da exposição havia sempre muita gente na escola. REFERÊNCIAS ABÍLIO, F.J.P.; GOMES, C.S.; SANTANA, A.C.D., T.L.M. Bioma Caatinga: caracterização e aspectos gerais. In: ABÍLIO, F.J.P. (Org.) Bioma Caatinga: Ecologia, Biodiversidade, Educação Ambiental e Práticas pedagógicas. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2010. p.6-19. ANDRADE, L., SOARES, G.; PINTO, V. Oficinas Ecológicas: uma proposta de mudanças. Petrópolis: Vozes, 1996. ARAUJO, M.C.P. (Org.). Animais no Meio Ambiente: integração – interação. Livraria UNIJUÍ, Ijuí, 1991 FERREIRA, M.S. Oficina Pedagógica: recursos mediador da atividade de aprender. p. 9-14. In: RIBEIRO, M.M.G.; FERREIRA, M.S. (Org.). Oficina Pedagógica: uma estratégia de ensinoaprendizagem. EDUFRN: Natal-RN, 2001. FERRÉS, J. Vídeo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. FIGUEIRÊDO, M.A.C.; SILVA, J.R.; NASCIMETO, E.S. & SOUZA, V. Metodologia de oficina pedagógica: uma experiência de extensão com crianças e adolescentes. Revista Eletrônica Extensão Cidadã. v.2, 2006. GIL, A.C. Métodos e Técnicas de Pesquisa em Educação Ambiental, in: PHILIPPI JR; PELICIONI, M.C.F. (orgs.). Educação Ambiental e Sustentabilidade. Barueri: Manole, 2005. GALVÃO, M.N.C. Possibilidades Educativas do Teatro de Bonecos nas escolas públicas de João Pessoa. 1996. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Educação, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 1996. LOPES, T. Ciência em Cena: discutindo Ciência por meio do Teatro. Presença Pedagógica, 6 (31): 51-59, 2000. MAMEDE, S.B. Interpretando a natureza: subsídios para a educação ambiental. Campo Grande: UNIDERP, 2003. MARCONI, M.A.; LAKATOS, E.M. Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2004. MOREIRA, D.A. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo, Pioneira, 2002. PEREIRA, M.L. Métodos e técnicas para o Ensino de Ciências. Ed. Universitária, UFPB/João Pessoa, PB, 1998. SANTA‟ANNA, I.M.; MENEGOLIA, M. Didática: aprender a ensinar – técnicas e reflexões pedagógicas para formação de formadores. São Paulo: Edições Loyola, 2002. SATO, M. Apaixonadamente pesquisadora em Educação Ambiental. Educação, Teoria e Prática, Rio Claro, v. 9, n.16/17, p. 24-35, 2001.
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CAPÍTULO III ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS ADOTADOS PELA ESCOLA CAMPO DE ESTUDO 1 INTRODUÇÃO O debate sobre a situação do Ensino em Ciências em nosso país começou a ser mais intenso a partir da década de trinta, quando foi criado o Ministério da Educação Saúde e Cultura (PRETTO, 1995). A preocupação com o Livro Didático (LD) vem desde essa época, acentuando-se a partir da década de 50. Pesquisas realizadas sobre o LD desde a década de 70 têm, contudo, apontado para suas deficiências e limitações. Assim, em 1985 foi instituído O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que tinha como objetivo coordenar a aquisição e distribuição gratuita de livros didáticos aos alunos das escolas públicas brasileiras (BRASIL, 2010). Dez anos mais tarde, após uma reformulação das políticas do programa, o PNLD passa a realizar também a análise e avaliação pedagógica dos livros a serem adquiridos e distribuídos pelo Ministério, excluindo aqueles que não atendessem aos objetivos educacionais propostos. Para tanto, foram adotados os seguintes critérios eliminatórios comuns a todas as disciplinas: correção dos conceitos e informações básicas; correção e pertinência metodológicas; contribuição para a construção da cidadania. Existiam ainda critérios de classificação relacionados aos aspectos visuais (que continham observações relativas à disposição de texto e ilustrações, ao layout da página, à tipologia de letras e aos diferentes tipos de linguagens visuais) e ao livro com orientações para o professor (NASCIMENTO; MARTINS, 2005). Este fato merece destaque não apenas pelo fato de aproximar a comunidade acadêmica dos autores e das editoras, mas também por estabelecer normas e diretrizes para a elaboração e avaliação de material didático. Para Nascimento; Martins (2005), o PNLD é um marco histórico na Educação brasileira, pelo fato de instâncias oficiais terem reconhecido o papel do livro didático no ensino e na própria atualização do professor e a necessidade de se melhorar a qualidade desse material pedagógico. Atualmente, os LD constituem o principal recurso didático utilizado nas escolas brasileiras, e em muitos casos, o único material de apoio didático disponível para alunos e professores (VASCONCELOS; SOUZA, 2003). DELIZOICOV et al., (2002) alertam para o fato de o professor, muitas vezes, ficar tão condicionado ao LD que quando não o adota, desenvolve conteúdos, propõe atividades e exercícios bastante semelhantes aos propostos nos livros. Todavia, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 2001), é importante entender o LD como instrumento auxiliar e não a principal ou única referência, ou seja, não é por estar em um papel que todo texto está isento de erros e preconceitos; os textos não são auto-explicativos; estão situados em contextos históricos e éticos que devem ser problematizados, para que seu significado e intenção possam ser percebidos pelos estudantes. De acordo com Pimentel (1998), a utilização do LD não deve ser feita de maneira inflexível, como sendo ele uma referência que encerra toda a verdade dos fatos. É necessário que o professor esteja preparado para fazer uma análise crítica e julgar os méritos do livro que utiliza ou pretende utilizar, assim como para introduzir as devidas correções e/ou adaptações que achar convenientes e necessárias. Ainda de acordo com o autor, o livro deve promover uma integração entre os variados temas discutidos nos capítulos e valorizar a experiência e o conhecimento que o aluno leva para a sala de aula. Sato (2002) apresenta alguns aspectos favoráveis e desfavoráveis dos LDs: mesmo nos locais com excelentes recursos pedagógicos, são ainda a maior fonte de informação; a linguagem é acadêmica, difícil e não faz parte da realidade dos alunos; representam a ideologia da classe dominante, refletindo os modelos do desenvolvimento capitalista; normalmente enfatizam os aspectos cognitivos, em detrimento dos domínios afetivos, técnicos e participativos; oferecem roteiros práticos
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e atividades fora de sala de aula, e o professor economiza tempo para preparar as aulas; geralmente, os autores não apresentam exemplos atualizados, nem exemplos locais. Os PCNs recomendam em suas orientações didáticas a importância do professor utilizar, além do livro didático, materiais diversificados (jornais, computadores, filmes etc), como fonte de informação, de forma a ampliar o tratamento dado aos conteúdos e fazer com que o aluno sinta-se inserido no mundo à sua volta. Porém, em conseqüência da realidade das condições existentes na maioria das escolas públicas, o LD tem sido praticamente o único instrumento auxiliar da atividade de ensino, constituindo para o aluno numa valiosa fonte de estudo e pesquisa, ajudando-o a complementar as anotações de seu caderno. Para o professor é o principal roteiro empregado na programação e desenvolvimento das atividades em sala de aula ou extraclasse. Este fato pôde ser observado na escola campo de estudo durante a execução do projeto, e diante disto, se fez necessário estimular os alunos a elaborarem diversos recursos didáticos contextualizados com sua realidade local, para que possam ser utilizados futuramente pelos docentes daquela escola, com o propósito de dinamizar as aulas, bem como promover uma maior participação discente nestas. Por se tratar de um dos mais importantes componentes do cotidiano escolar em todos os níveis de ensino, acredita-se que a análise do LD possa contribuir para a compreensão de uma parte do complexo sistema escolar. Assim, é importante que se faça está análise, pois muitos destes ainda não contemplam de forma adequada os conteúdos apresentados, necessitando estabelecer de maneira satisfatória interconexões entre os mesmos, e levar em consideração, na íntegra, princípios de educação ambiental (BEZERRA, 2003). 2 OBJETIVOS
Analisar de forma crítica os conteúdos referentes ao bioma Caatinga, à região semiárida brasileira e a outras temáticas ambientais dos livros didáticos adotados pela escola objeto de estudo.
3 MATERIAL E MÉTODOS A metodologia deste trabalho possui caráter qualitativo, onde se utilizou como pressupostos teórico-metodológicos elementos da Pesquisa Bibliográfica e da Análise de Conteúdo. A pesquisa bibliográfica abrange a leitura, análise e interpretação de livros, periódicos, documentos mimeografados ou xerocopiados, mapas, fotos, manuscritos, etc. Todo material recolhido deve ser submetido a uma triagem, a partir da qual é possível estabelecer um plano de leitura. Trata-se de uma leitura atenta e sistemática que se faz acompanhar de anotações e fichamentos que, eventualmente, poderão servir à fundamentação teórica do estudo. A análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos (livros, jornais, revistas, fotografias, etc.). Contudo, os dados advindos dessas diversificadas fontes chegam ao investigador em estado bruto, necessitando, então ser processados para, dessa maneira, facilitar o trabalho de compreensão, interpretação e inferência a que aspira a análise de conteúdo. Essa análise ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum (MORAES, 1999). Foram analisados os conteúdos referentes ao bioma Caatinga, à região semiárida brasileira e a outras temáticas ambientais dos livros didáticos adotados para o ensino médio por uma escola pública do município de Taperoá-PB (veja ao final do capítulo as referências das obras analisadas), com ênfase nos livros de Biologia e Geografia, baseando-se nos critérios do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) (2010). Ao todo, foram analisadas 24 obras (Figura 31), distribuídas em 10 disciplinas diferentes. Durante este processo, analisamos diversos conceitos abordados nos livros adotados pela escola campo de estudo, os quais foram confrontados com a conceituação proposta por Lima-e-Silva et al. (2002), que serviram de parâmetro para avaliar os conceitos fornecidos pelos livros didáticos analisados.
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Figura 31. Livros didáticos da escola campo de estudo analisados (Fonte: o autor). 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 CAATINGA E SEMIÁRIDO A temática Caatinga foi abordada apenas por Amabis (2004c) e Tamdjian e Mendes (2005) livros de Biologia (Volume 3) e Geografia, respectivamente - ou seja, apenas nas disciplinas em que trazem os conteúdos referentes aos biomas brasileiros. Esperávamos que alguma obra de outra disciplina pudesse apresentar algum texto, exercício ou leitura complementar voltada para o bioma Caatinga, para que pudesse ser feita a relação dos conteúdos curriculares da disciplina com as questões ambientais loco-regionais. Amabis; Martho, (2004c: 377) trazem um pequeno texto sobre a Caatinga, no qual revela área de abrangência, os baixos índices pluviométricos, a variação térmica, as condições climáticas rigorosas, a vegetação xerofítica, a predominância de cactáceas, arbustos e árvores baixas (leguminosas), bem como cita algumas plantas típicas (mandacaru, xique-xique, facheiro, juazeiro). Já no livro de Geografia, o texto referente ao bioma é transcrito logo abaixo: “A relativa escassez de água, somada à pobreza dos solos, ofereceu condições naturais para o desenvolvimento da caatinga. A caatinga é caracterizada pela predominância de espécies arbustivas, especialmente cactáceas, entremeadas por gramíneas e por algumas árvores de maior porte. Por isso, é considerada uma vegetação complexa. As plantas têm muitos espinhos, caules grossos e poucas folhas. Enfim, são caracteristicamente plantas xerófitas (adaptadas a climas secos)” (TAMDJIAN; MENDES, 2005: 72). De fato, conforme mencionados pelos autores acima, a vegetação da Caatinga é composta basicamente por arbustos e árvores de porte baixo ou médio e com grande quantidade de plantas espinhosas, como as leguminosas e as cactáceas biológica (ABÍLIO et al., 2010a). O bioma apresenta ampla variedade de paisagens e localiza-se em uma área de clima semiárido, termo abordado apenas no livro de Geografia, que traz algumas características desta região:
Sempre quente, apresenta chuvas escassas e irregulares, determinadas pela alternância entre as massas de ar continentais, mais secas, e as oceânicas, mais úmidas. Mas a influência das massas de ar oriundas do Atlântico é limitada pelo relevo elevado do planalto da Borborema, que forma um
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obstáculo natural à penetração da umidade marinha. É atuante no sertão nordestino (TAMDJIAN; MENDES, 2005: 69). As obras trazem ainda mapas mostrando onde se situa a Caatinga e ilustrações do bioma, mostrando aspectos da vegetação seca. Já em relação ao semiárido, apenas o livro de Geografia abordou, trazendo algumas características desta região. Para Vasconcelos e Souza (2003), os recursos visuais facilitam a atividade docente, a compreensão pelo aluno, e subsidiam a aprendizagem, fornecendo suporte vital às idéias e informações contidas no livro, merecendo por isso, atenção especial. Apesar de retratarem diversas características do bioma, algumas informações estão ausentes nas obras. Por exemplo, não se discute sobre a população ali inserida, quais os impactos ambientais ocorridos, o que fazer para conservar o bioma, etc. Podemos observar ainda que a abordagem de outros biomas – Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica – são bem mais abrangentes. Assim, novamente salientamos a necessidade de enfocar nos livros utilizados as questões ambientais loco-regionais. Sobre o termo bioma, Amabis (2004c) e Tamdjian e Mendes (2005) apresentaram conceitos condizentes: “Bioma é uma porção da superfície terrestre que se individualiza geograficamente na paisagem natural, pois apresenta características de clima e solo, vegetação e fauna que a tornam única” (TAMDJIAN; MENDES, 2005: 199). “Conjunto de ecossistemas terrestres com vegetação característica e fisionomia típica, onde predomina certo tipo de clima” (AMABIS; MARTHO, 2004c: 366). Almeida (2003) ao analisar livros didáticos de Biologia e Geografia do ensino médio, constatou que o conteúdo bioma Caatinga retratado nos livros apresentava-se de forma extremamente descritiva e memorística, contribuindo para a idéia de um ambiente estático e homogêneo, distante de uma abordagem que permita uma visão socioambiental deste ecossistema. Segundo a autora, os livros apresentavam uma abordagem da paisagem com ênfase na identificação dos seus elementos – tratando a Caatinga, de um modo geral, meramente como um ambiente seco - e não na sua dinâmica de funcionamento. Assim, podemos considerar que as informações de cada autor são válidas, mas ainda incipientes em relação à grandeza e importância do bioma. A Caatinga não é apenas um ambiente seco, há muito mais sobre ela que os autores podem aprofundar em seus livros. 4.2 EDUCAÇÃO AMBIENTAL, MEIO AMBIENTE E ECOLOGIA Nenhuma das obras analisadas apresentou um conceito de Educação Ambiental ou de Meio Ambiente, mas caracterizam tendências que podem ser relacionadas a esta temática, como atividades de preservação e conservação, ressaltando a importância de um olhar ecológico na relação entre o homem e a natureza (VILA; ABÍLIO, 2010). Todavia, tomar consciência de que é preciso fazer algo para evitar a degradação do ambiente favorável à vida em nosso planeta é de inestimável importância, pois apresenta a preocupação dos autores com o ambiente, considerando o homem como parte deste. Sobre a ciência Ecologia, apenas Amabis e Martho (2004c) discute. A obra aborda diversos tópicos da Ciência, como por exemplo: populações, comunidades e biótopos; cadeias e teias alimentares; fluxo de energia nos ecossistemas; dinâmica das populações; relações ecológicas entre os seres vivos; sucessão ecológica e biomas; humanidade e ambiente. A obra citada traz ainda um conceito para Ecologia: “O estudo das relações entre os seres vivos e o ambiente em que vivem. Trata-se de uma ciência multidisciplinar” (AMABIS; MARTHO, 2004c: 288).
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A partir do conceito apresentado, podemos constatar uma definição tradicional de Ecologia, onde se valoriza apenas as relações entre os seres vivos e o ambiente. Todavia, apesar do último trecho do conceito tratar a Ecologia como um estudo multidisciplinar, o conceito ainda é vago e com idéia generalista, visto que não se preocupa em inserir a espécie humana no contexto. Um conceito mais consistente para Ecologia é: “Ciência que estuda a dinâmica dos Ecossistemas, ou seja, os processos e as interações de todos os seres vivos entre si e destes com os aspectos morfológicos, químicos, e físicos do ambiente, incluindo os humanos que interferem e interagem com os sistemas naturais do planeta. É o estudo do funcionamento do sistema natural como um todo, e das relações de todos os organismos vivendo no seu interior” (LIMA-E-SILVA et al., 2002: 89).
De acordo com Abílio et al., (2010b), a temática Ecologia vem despertando cada vez mais uma preocupação na sociedade, voltada para o desenvolvimento baseado na conservação, onde na maioria das vezes, essa palavra é apresentada apenas como sinônimo de “Ecologismo”, em geral resultante da influência da mídia. No entanto, a Ecologia deve ser abordada no LD como ciência de fato. 4.3 TEMAS AMBIENTAIS DIVERSOS A temática Água foi bem abordada pelo livro de Geografia (obra dos autores TAMDJIAN; MENDES, 2005). No Capítulo 3 da referida obra, intitulado “Paisagens Naturais do Brasil: relevo e hidrografia” há uma boa abordagem sobre a disponibilidade de água no Brasil, bacias hidrográficas brasileiras, conceitos de termos hidrológicos (montante, jusante, intermitente, perene) e importância da água na geração de energia. Especificamente em relação à bacia hidrográfica do rio São Francisco, o texto fazia referência ao fato de ser a maior bacia inteiramente brasileira, ressaltando sua importância quanto ao grande volume de água no semiárido, histórica (fundação de cidades), potencial hídrico e hidrelétrico. Abordou ainda os principais impactos que acometem o rio São Francisco e um tema bastante atual e polêmico: a transposição do rio São Francisco. Ao final do capítulo, há ainda alguns exercícios sobre o tema. Com relação à poluição e outros impactos ambientais, várias obras trazem alguma discussão. Amabis e Martho (2004c) e Feltre (2004b) discutem sobre a poluição das águas, sendo os assuntos mais abordados são a escassez (aumento populacional e desperdício), a poluição das águas, o tratamento de esgotos, a contaminação por metais pesados (e doenças provocadas por tal), derramamento de petróleo e água de lastro. Penteado e Torres (2005c) reconhecem que as leis ambientais são avançadas no Brasil, no entanto, é preciso conscientização da população e campanhas educativas por parte dos órgãos públicos com o intuito de conservar os corpos aquáticos. Sobre poluição atmosférica, Amabis e Martho (2004c: 394 e 395) abordam o tema, evidenciando o efeito da emissão de poluentes por veículos, indústrias, queimadas, as doenças provocadas, a chuva ácida, a inversão térmica. Já Tamdjian e Mendes (2005: 194) discutem sobre chuva ácida (causas e conseqüências), o buraco na camada de ozônio, efeito estufa, ilhas de calor. O tema chuva ácida ainda é abordado por Penteado e Torres (2005c: 167) e por Feltre (2004a: 233); este último aborda ainda a questão do CFC, Raios UV, trazendo consigo vários exercícios sobre o tema. O processo de efeito estufa, chuva ácida e inversão térmica, são apontados, por alguns autores, como sendo o ser humano o principal responsável, através da industrialização. Em relação à poluição do solo, Amabis e Martho (2004c: 398), Feltre (2004b: 139) e Penteado e Torres (2005c) falam sobre o uso de DDT e as doenças que ele provoca. Amabis e Martho (2004c: 399) mencionam ainda o conceito de bioacumulação e citam a biotecnologia como alternativa para a utilização de agrotóxicos. De acordo com os autores, esta técnica pode produzir variedades de plantas cultivadas resistentes a pragas, não necessitando, portanto, do uso de agrotóxicos. Os autores sugerem ainda que seja utilizada a técnica do controle biológico, em detrimento ao uso de inseticidas.
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Outros tipos de poluição abordados por Amabis e Martho (2004c) e Feltre (2004a e b) são a poluição visual, sonora e nuclear. Para este último de poluição, as obras enfocam os principais acidentes nucleares, a exemplo de Chernobyl e Goiânia (com o Césio 137). Há ainda algumas obras que conceituam poluição ambiental, a exemplo de Amabis e Martho (2004c) e Penteado e Torres (2005c): “Presença concentrada de determinadas substâncias ou agentes físicos no ambiente, genericamente denominados poluentes”. (AMABIS; MARTHO, 2004c: 393). “Alteração das características originais do meio ambiente”. (PENTEADO; TORRES, 2005c: 167)
A poluição pode ser definida como degradação da qualidade ambiental resultante das atividades que direta ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população (LIMA-E-SILVA, 2002). A partir desta definição, podemos constatar que a obras conceituam poluição de forma bem geral e simples, não abordando as questões sociais relacionadas à problemática em questão. De acordo com Abílio et al., (2010b), é devido a sua abrangência que a poluição é uma das problemáticas mais discutidas, a qual é resultado de um longo processo onde a idéia de desenvolvimento está relacionada diretamente com a exploração do ambiente. Outra temática interessante abordada por Tamdjian e Mendes (2005) é o Desenvolvimento Sustentável. A obra discute sobre e traz o conceito do Relatório Brundtland sobre o tema: “Desenvolvimento Sustentável é aquele que responde as necessidades do presente, sem colocar em perigo as capacidades das gerações futuras para fazer o mesmo”. (Tamdjian; Mendes, 2005: 194).
Atualmente, a temática Desenvolvimento Sustentável tem se tornado cada vez mais popular, alcançando todas as áreas que envolvem a relação entre o ser humano e o Meio Ambiente. Lima-eSilva et al. (2002: 78) definem Desenvolvimento Sustentável como a “forma de desenvolvimento econômico que não tem como paradigma o crescimento, mas a melhoria da qualidade de vida assim como, que reconhece os direitos das gerações futuras em usufruir do planeta tal qual o conhecemos”. Diante do exposto, podemos perceber que o conceito sobre Desenvolvimento Sustentável é muito abrangente, mas o que não pode mudar é a certeza de que “ao definir sustentabilidade, nós empregamos as palavras „futuro previsível‟” (TOWSEND et al., 2006), ou seja, não se pratica o Desenvolvimento Sustentável pensando simplesmente no hoje, mas “prevendo” os resultados que se terá no futuro caso o desenvolvimento continue de forma insustentável (ABÍLIO et al., 2010b). Cabe destacar que a Educação Ambiental assume cada vez mais uma função transformadora, onde a co-responsabilização dos indivíduos torna-se um objetivo essencial para promover um novo tipo de desenvolvimento, o Desenvolvimento Sustentável (JACOBI, 2003). Assim, consideramos admirável que os livros utilizados no ensino médio discutam sobre este tema tão importante, abrindo espaço para uma discussão bem atual sobre as questões ambientais em sala de aula. Em algumas das obras analisadas (Biologia, Química e Física), podemos encontrar diversos comentários dos autores sobre alternativas que possam diminuir a degradação da natureza, tais como, reciclagem e reutilização do lixo; conservação e preservação dos recursos naturais; aplicação e uso de energia renovável; biotecnologia; biodigestores para substituir agrotóxicos. É importante destacar que alguns autores - Amabis e Martho (2004a e c: 9 e 397, respectivamente) e Tamdjian e Mendes (2005: 189) - citam ou descrevem sobre a conferência da Eco 92 (Rio 92), Protocolo de Kyoto (1997), a conferência de Johanesburgo (Rio+10), a Carta da Terra e Agenda 21. Amaral et al., (2005a: 263) apresentam ainda um trecho da Carta do chefe indígena Seattle escrita em 1854 e enviada ao presidente dos EUA. Para os autores, esta tem sido considerada uma das declarações mais belas e profundas já feitas sobre o meio-ambiente.
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Alguns livros trazem ainda exercícios, inclusive da disciplina de matemática, sobre temáticas ambientais, bem como sugestões de leituras e textos complementares, evidenciado a crescente preocupação global com as problemáticas ambientais, indo além dos conteúdos básicos, e levando os usuários a se atualizarem quanto às práticas globais de conservação que estão sendo praticadas. Os exercícios complementam as necessidades do aluno, oferecendo novas oportunidades de exercitar o conhecimento em construção e proporcionando melhor compreensão das informações trabalhadas ao longo da obra. Já os textos complementares podem garantir uma abordagem mais atualizada, uma vez que em sua maioria tratam de questões presentes de forma mais direta na realidade do aluno e que necessariamente não são contempladas pelos programas oficiais (VASCONCELOS; SOUZA, 2003). Consideramos que as sugestões de leituras e os textos complementares podem ser considerados um avanço nos LDs da educação básica, por demonstrarem a preocupação dos autores em relação às questões ambientais.
5 CONCLUSÕES Apesar de algumas obras analisadas apresentarem temas ambientais bastante atuais, foi possível constatar que, de uma maneira geral, os LD da escola objeto de estudo são ineficientes no tocante aos conteúdos de Educação Ambiental e Meio Ambiente, e que os mesmos deveriam trazer uma discussão mais profunda sobre as questões relacionadas ao bioma Caatinga, ratificando nossa ideia de que o LD não deve ser o único recurso utilizado pelo professor na sala de aula. Considerando que as editoras concentram-se principalmente na região Sudeste do país, salienta-se a necessidade de enfocar nos livros utilizados as questões ambientais loco-regionais, visto que no panorama atual os LD analisados não priorizam o reconhecimento do universo do aluno em suas páginas; a utilização de exemplos pouco representativos para uma grande parcela dos alunos dificulta a contextualização do conhecimento e deve ser observada criticamente; utilizar autores da região seria uma alternativa interessante para evitar este problema.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES A partir das obras analisadas, podemos tecer os seguintes comentários:
A escola deve incluir em seu Projeto Político Pedagógico (PPP) um espaço onde se possa refletir sobre as questões ambientais em que está inserida, com realização de encontros entre os professores, visando compatibilizar a abordagem das temáticas ambientais na busca de convergência nas ações;
Deve ser incentivada a produção de outros recursos didáticos que possam atender às diretrizes e orientações curriculares oficiais e levem em consideração o contexto histórico e a diversidade cultural dos alunos. A elaboração de projetos de educação ambiental nas escolas, com produção de recursos didáticos, surge como uma solução para este problema;
Como contrapartida, foi entregue à escola um exemplar da obra ABÍLIO, F.J.P. (Org.). Bioma Caatinga: Ecologia, Biodiversidade, Educação Ambiental e Práticas Pedagógicas. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2010. Este livro tem um caráter paradidático e pretende contribuir para ampliar o conhecimento e entendimento do bioma Caatinga, assim como servir de material didático e de pesquisas para os professores de escolas de ensino fundamental e médio que estão inseridos no referido ambiente. Ao final de cada capítulo é possível encontrar sugestões de atividades educativas que podem ser aplicadas no âmbito da sala de aula; algumas destas atividades foram utilizadas/adaptadas nas oficinas realizadas em Taperoá.
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OBRAS ANALISADAS AMABIS, J.M.; MARTHO, G.R. Biologia. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2004a. Vol.1. AMABIS, J.M.; MARTHO, G.R. Biologia. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2004b. Vol.2. AMABIS, J.M.; MARTHO, G.R. Biologia. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2004c. Vol.3. AMARAL, E. et al. Novas palavras: língua portuguesa: ensino médio. 2ª ed. São Paulo: FTD, 2005a. Vol.1. (Coleção novas palavras). AMARAL, E. et al. Novas palavras: língua portuguesa: ensino médio. 2ª ed. São Paulo: FTD, 2005b. Vol.2. (Coleção novas palavras). AMARAL, E. et al. Novas palavras: língua portuguesa: ensino médio. 2ª ed. São Paulo: FTD, 2005c. Vol.3 (Coleção novas palavras). COSTA, M.C.C. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2005. DORA, D.; BIGHETO, AC. Filosofia: construindo o pensar. Volume único. São Paulo: Escala Educacional, 2008. DOURADO, M.R.; BONIFÁCIO, C.A.M. English in a globaliz/sed world. João Pessoa: MVC Editora, 2005. (Volumes 1, 2 e 3). FELTRE, R. Química. 6ª ed. São Paulo: Moderna, 2004a. Vol.1. FELTRE, R. Química. 6ª ed. São Paulo: Moderna, 2004b. Vol.2. FELTRE, R. Química. 6ª ed. São Paulo: Moderna, 2004c. Vol.3. MOTA, M.B.; BRAICK, P.R. História: das cavernas ao terceiro milênio. 1ª ed. São Paulo: Moderna, 2005a. Vol.1. MOTA, M.B.; BRAICK, P.R. História: das cavernas ao terceiro milênio. 1ª ed. São Paulo: Moderna, 2005b. Vol.2. MOTA, M.B.; BRAICK, P.R. História: das cavernas ao terceiro milênio. 1ª ed. São Paulo: Moderna, 2005c. Vol.3. PENTEADO, P.C.M.; TORRES, C.M. Física: ciência e tecnologia. São Paulo: Moderna, 2005a. Vol.1. PENTEADO, P.C.M.; TORRES, C.M. Física: ciência e tecnologia. São Paulo: Moderna, 2005b. Vol.2. PENTEADO, P.C.M.; TORRES, C.M. Física: ciência e tecnologia. São Paulo: Moderna, 2005c. Vol.3. SILVA, C.X.; BARRETO-FILHO, B. Matemática aula por aula. 2ª ed. São Paulo: FTD, 2005a. Vol.1. SILVA, C.X.; BARRETO-FILHO, B. Matemática aula por aula. 2ª ed. São Paulo: FTD, 2005b. Vol.2.
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SILVA, C.X.; BARRETO-FILHO, B. Matemática aula por aula. 2ª ed. São Paulo: FTD, 2005c. Vol.3. TAMDJIAN, J.O.; MENDES I.L. Geografia geral e do Brasil: estudos para a compreensão do espaço: ensino médio. Volume único. São Paulo: FTD, 2005.
REFERÊNCIAS ABÍLIO, F.J.P.; GOMES, C.S.; SANTANA, A.C.D., T.L.M. Bioma Caatinga: caracterização e aspectos gerais. In: ABÍLIO, F.J.P. (Org.) Bioma Caatinga: Ecologia, Biodiversidade, Educação Ambiental e Práticas pedagógicas. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2010. p.6-19. ABÍLIO, F.J.P.; RAMOS, D.S.C; SILVA, D.S. Bioma Caatinga, Meio Ambiente e Educação Ambiental nos Livros Didáticos de Ciências, Biologia e Geografia. In: ABÍLIO, F.J.P. (Org.). Educação Ambiental: formação continuada de professores no Bioma Caatinga. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2010. p.145-169. ALMEIDA, M.C.V. O ecossistema caatinga nos livros didáticos de Biologia e Geografia do Ensino Médio: perspectivas para sua abordagem. 2003. 94f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, 2003. BEZERRA, O.S. Temáticas ambientais nos livros didáticos. 2003. 178f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Centro de Ciências Exatas e da Natureza, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2003. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Secretaria de Educação Fundamental: – Brasília, 2001. BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Princípios e Critérios Estabelecidos para Análise do Livro Didático na área das Ciências Naturais. 2010. DELIZICOV, D; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M.M. Ensino de Ciências: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2002. JACOBI, P. Educação Ambiental, Cidadania e Sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa. n.118, p.1-19, 2003. LIMA-E-SILVA, P.P.; GUERRA, A.J.T.; MOUSINHO, P.; BUENO, C.; ALMEIDA, F.G.; MALHEIROS, T.; SOUZA JR, A.B. Dicionário Brasileiro de Ciências Ambientais. Rio de Janeiro: Thex Ed., 2002. NASCIMENTO, T.G.; MARTINS, I. O texto de genética no livro didático de Ciências: uma análise retórica crítica. Investigações em Ensino de Ciências. v.10, n.2, p.255-278, 2005. MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v.22, n.37, p.7-32, 1999. PIMENTEL, J.R. Livros didáticos de Ciências: a Física e alguns problemas. Cad.Cat.Ens.Fís., v.15, n.3, 308-318, 1998. PRETTO, N. A ciência nos livros didáticos. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995. SATO, M. Educação Ambiental. São Carlos: Rima, 2002.
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TOWNSEND C.R.; BEGON M.; HARPER J.P. Fundamentos em Ecologia. Porto Alegre: Editora ARTMED, 2006. VASCONCELOS, S.D.; SOUTO, E. O livro didático de Ciências no ensino fundamental – proposta de critérios para análise do conteúdo zoológico. Ciências & Educação. v.9, n.1, p.93-104, 2003. VILA, A.J.T.; ABÍLIO, F.J.P. Meio ambiente e educação ambiental: uma análise crítica reflexiva dos livros didáticos de Ciências e de Biologia publicados no período de 1990 a 2007. In: ABÍLIO, F.J.P. (Org.) Educação ambiental e ensino de Ciências. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2010. p. 57-82.
APÊNDICES
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Apêndice I – Questionário de diagnose estrutural e funcional da escola.
Universidade Federal da Paraíba Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA PÚBLICA: BIOMA CAATINGA E RIO TAPEROÁ COMO EIXOS NORTEADORES QUESTIONÁRIO DE DIAGNOSE ESTRUTURAL E FUNCIONAL DA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO MELQUÍADES VILAR (MUNICÍPIO DE TAPEROÁ, PARAÍBA) Endereço: __________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ Nome do (a) diretor (a) geral: ______________________________________________________________________ Possui diretores (as) adjuntos (as)? _______ Quantos (as)? _______ 1 Estrutura Funcional 1.1 Número total de alunos matriculados na escola: ________ 1.2 Número de alunos por turno e nível: Matutino: Ensino Fundamental _______ Ensino Médio _______ Vespertino: Ensino Fundamental _______ Ensino Médio _______ Noturno: Ensino Fundamental _______ Ensino Médio _______ 1.3 Número de turmas: Fundamental: 1º ano: ________ 2º ano: _________ 3º ano: _________ 4º ano: ________ 5º ano: _________ 6º ano: _________ 7º ano: ________ 8º ano: _________ 9º ano: _________ Médio: 1º ano: _______ 2º ano: _______ 3º ano: _______ 1.4 Número de Professores da Escola: Ensino Fundamental: _________ Ensino Médio: _________ Nível de Formação Profissional: ( ) Nível Superior ( ) Nível Médio com formação Pedagógica ( ) Outros: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ _________________________________________________________ 1.5 Serviço Técnico-Pedagógico existente: Supervisor Escolar: _____________________________________ Orientador Escolar: _____________________________________ Gestor Escolar: ________________________________________ Psicólogo Educacional: __________________________________ Outros: ________________________________________________________________________ 1.6 A escola possui Projeto Político Pedagógico (PPP)? ____________ 2 Infra-estrutura:
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2.1 Número de salas de aula da escola: _____________ 2.2 Estrutura presente e em condições de uso (marque um “x” na estrutura presente na escola): ESTRUTURA CONDIÇÃO Ótima Boa Regular Ruim ( ) Sala de vídeo ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Sala para professores ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Sala de estudos ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Sala de atendimento ao aluno ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Laboratório de Ciências ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Laboratório de Informática ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Biblioteca ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Auditório ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Cantina ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Quadra de Esportes ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Campo de Futebol ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Cozinha ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Almoxarifado ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) _______________________ ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) _______________________ ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) _______________________ ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) _______________________ ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) _______________________ ( ) ( ) ( ) ( ) 3 Recursos Didáticos presentes (coloque a quantidade do recurso entre parênteses; em caso de muitas quantidades, marque apenas um “x”) ( ) Retroprojetor ( ) Computador ( ) Internet ( ) Máquina de Xérox ( ) Mimeógrafo ( ) Vídeo Cassete ( ) Televisão ( ) Gravador ( ) Micro system (Som) ( ) Álbum Seriado ( ) CD-Rom ( ) Jogos Educativos ( ) Aparelho de DVD ( ) Data-show Outros: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4 Aspectos do ambiente, condições materiais e funcionamento escolar 4.1 Área (m2): Construída: __________ Livre: __________ 4.2 Procedência da água: __________________________________________ 4.3 Existe saneamento básico na área da escola? ( ) Sim ( ) Não 4.4 Como você avalia a arborização da área da escola e de seu entorno? Poderia melhorar? Como? O que você sugere? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________ 4.5 Cadeiras em condições de uso e suficientes? ( ) Sim ( ) Não 4.6 “Birôs” para professores em todas as salas? ( ) Sim ( ) Não 4.7 Armários individualizados para professores? ( ) Sim ( ) Não 4.8 A escola fornece merenda escolar? ( ) Sim, diariamente ( ) Sim, de forma esporádica ( ) Não oferece 4.9 O material de expediente (papel, grampo, pincel atômico, giz, apagador, etc.) é disponível e acessível a funcionários e professores? ( ) Sim ( ) Não 4.10 Condições de acústica das salas de aula: ( ) Ótima ( ) Boa ( ) Regular ( ) Ruim 4.11 As salas de aulas recebem influência externa de ruídos? ( ) Sim ( ) Não 4.12 Estado geral das janelas, portas, paredes, pisos e telhados: ( ) Ótimo ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim 4.13 Iluminação natural das salas de aula: ( ) Ótima ( ) Boa ( ) Regular ( ) Ruim 4.14 Ventilação natural das salas de aula:
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( ) Ótima ( ) Boa ( ) Regular ( ) Ruim 4.15 Estado e adequação da quantidade de banheiros ao número de alunos: ( ) Ótimos ( ) Bons ( ) Regulares ( ) Ruins 4.16 Estado e adequação da quantidade de bebedouros ao número de alunos: ( ) Ótimos ( ) Bons ( ) Regulares ( ) Ruins 5 Finanças 5.1 A escola recebe algum tipo de recurso financeiro? ( ) Sim ( ) Não Caso sim, qual a origem desta fonte de renda? ( ) Governo Federal ( ) Governo Estadual ( ) Governo Municipal ( ) Convênios ( ) Outra: ________________________ 5.2 Valor estimado da verba anual da escola (R$): ____________ 5.3 Quem Gerencia esta verba? ( ) Comissão - Membros: __________________________________________ ( ) Direção ( ) Outros: ______________________________________________________ 5.4 O uso dos recursos é direcionado à que áreas (em porcentagem)? Material Didático: ______ % Material de expediente da escola: ______% Merenda dos alunos: ______% Pagamento de terceiros: ______% __________________: ______% __________________: ______% Comentários: __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________ Obrigado pela colaboração!
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Apêndice II – Questionário de diagnose discente.
Universidade Federal da Paraíba Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA PÚBLICA: BIOMA CAATINGA E RIO TAPEROÁ COMO EIXOS NORTEADORES QUESTIONÁRIO DE DIAGNOSE DISCENTE
Idade: ______ anos Série: _________
Sexo: ( ) Masculino Turma: _________
( ) Feminino
1. Possui alguma ocupação fora da escola (trabalha, pratica esporte, etc.)? Qual? ______________________________________________________________________ 2. O que você entende por meio ambiente? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________ 3. O que você entende por educação ambiental? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________ 4. O que você entende por Caatinga? __________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________5. Quais plantas da Caatinga você conhece? Cite pelo menos 05 (cinco) exemplos. __________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ 6. Quais animais da Caatinga você conhece? Cite pelo menos 05 (cinco) exemplos. __________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ 7. Em sua opinião, quais os principais impactos ambientais que têm ocorrido na Caatinga? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________8. Em sua opinião, qual a importância do rio Taperoá e do açude Manoel Marciolino (açude Taperoá II) para o Homem e para o meio ambiente? __________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________
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__________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________9. Em sua opinião, quais os principais impactos ambientais que têm ocorrido no rio Taperoá e no açude Taperoá II? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________10. As águas do rio Taperoá e do açude Taperoá II podem transmitir alguma doença? Caso sim, qual (is)? ___________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________11. Você conhece algum animal ou planta aquática que vive no rio Taperoá ou do açude Taperoá II? Cite alguns exemplos. ___________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________
Obrigado pela colaboração!
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Apêndice III – Questionário de diagnose docente.
Universidade Federal da Paraíba Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA PÚBLICA: BIOMA CAATINGA E RIO TAPEROÁ COMO EIXOS NORTEADORES QUESTIONÁRIO DE DIAGNOSE DOCENTE 1. Formação (nível de escolaridade): _________________________________ 2. Tempo de magistério: _______________________ 3. Tempo de magistério nessa escola: _______________________ 4. Disciplina (s) que leciona nessa escola: _______________________ 5. Possui outra atividade profissional? Caso sim, citar qual: ___________________________________________________________________________ 6. Como você avalia as condições de sua escola (infra-estrutura, ambiente, recursos didáticos, etc.)? O que você sugere para melhorar? ( ) Ótimas ( ) Boas ( ) Regulares ( ) Ruins __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________ 7. Que métodos e técnicas de ensino-aprendizagem você utiliza em sala de aula? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________ 8. Em suas aulas, você leva em consideração as concepções prévias (senso comum) que os alunos trazem para a sala de aula? Por quê? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________ 9. O que você entende por Interdisciplinaridade? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________ 10. Em sua opinião, o tema educação ambiental deve ser abordado em qual (is) disciplina (s)? Por quê?
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__________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________ 11. Qual relação entre a disciplina que você leciona com as temáticas ambientais? E com educação ambiental? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________ 12. Como você abordaria estes temas (meio ambiente e educação ambiental) em sua disciplina? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________ Obrigado pela colaboração!
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Apêndice IV. Cronograma geral das atividades educativas realizadas na E.E.E.F.M. Melquíades Vilar.
2010
2009
Ano
Mês
Atividade/Tema Aplicação dos questionários de diagnose estrutural e funcional da escola, de Julho diagnose docente e discente – “pré-teste” Agosto O bioma Caatinga Setembro Fauna e flora da Caatinga Outubro Impactos ambientais na Caatinga Novembro Conservação da Caatinga Março Corpos aquáticos da Caatinga Abril Açude e rio Taperoá Maio Temas ambientais gerais e locais Junho Conhecendo a Caatinga Julho Aplicação dos questionários de diagnose discente – “pós-teste” Agosto Orientação dos trabalhos para a exposição científico-cultural Setembro Orientação dos trabalhos para a exposição científico-cultural Outubro Exposição científico-cultural
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Apêndice V. Roteiro da primeira oficina pedagógica “bioma Caatinga” realizada na E.E.E.F.M. Melquíades Vilar.
Tema da oficina: Bioma Caatinga Duração: 80 minutos (aproximadamente duas aulas)
Objetivos:
Apresentar questões gerais acerca do tema estudado; Caracterizar o bioma Caatinga; Evidenciar a importância ecológica e econômica do bioma; Mostrar a importância da conservação do bioma Caatinga;
Conteúdo abordado:
Bioma Caatinga: caracterização gera: clima, regime pluviométrico, área de abrangência, importância ecológica e econômica, conservação;
Estratégia metodológica/ Recursos didáticos utilizados:
Exposição dialogada; Vídeo;
Avaliação:
Produção textual a partir de palavras-chave sobre o bioma Caatinga para ser entregue na próxima atividade.
Execução da oficina:
MOMENTOS Momento 1 Momento 2 Momento 3 Momento 4 Momento 5 Momento 6
ATIVIDADE DURAÇÃO Apresentação e dinâmica de socialização 15 minutos Exposição sobre o tema 15 minutos Exibição de vídeo sobre a Caatinga 30 minutos Discussão sobre os aspectos mais pertinentes do 10 minutos vídeo Seleção das palavras-chave 5 minutos Encerramento e comentários finais sobre a oficina 5 minutos
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Apêndice VI. Roteiro da segunda oficina pedagógica “Fauna e flora da Caatinga” realizada na E.E.E.F.M. Melquíades Vilar.
Tema da oficina: Fauna e flora da Caatinga Duração: 80 minutos (aproximadamente duas aulas)
Objetivos:
Trabalhar, a partir das concepções prévias, o conteúdo de fauna e flora da Caatinga; Reconhecer as plantas e animais típicos do bioma; Demonstrar a elevada riqueza biológica existente no bioma; Mostrar a importância da conservação da biodiversidade do bioma Caatinga;
Conteúdo abordado:
Fauna e flora da Caatinga: composição, riqueza, importância ecológica e econômica, conservação;
Estratégia metodológica/ Recursos didáticos utilizados:
Exposição dialogada; Pranchas e imagens;
Avaliação:
Trabalho de pesquisa sobre uma planta e um animal da Caatinga para ser entregue na próxima atividade.
Execução da oficina:
MOMENTOS Momento 1 Momento 2
Momento 3 Momento 4 Momento 5
ATIVIDADE Exposição sobre o tema Separação da turma em grupos para que eles reconhecessem os animais e plantas presentes na prancha; anotações da importância ecológica e econômica destes Apresentação dos resultados pelos grupos Brincadeira da adivinhação da animal/planta a partir de dicas Encerramento e comentários finais sobre a oficina
DURAÇÃO 10 minutos 25 minutos
20 minutos 20 minutos 5 minutos
76
Apêndice VII. Roteiro da terceira oficina pedagógica “Impactos ambientais na Caatinga” realizada na E.E.E.F.M. Melquíades Vilar.
Tema da oficina: Impactos ambientais na Caatinga Duração: 80 minutos (aproximadamente duas aulas)
Objetivos:
Representar a Caatinga em forma de desenho; Conceituar impacto ambiental; Apresentar os principais impactos ambientais que ocorrem na Caatinga; Discutir sobre formas de evitar/minimizar os impactos ambientais que ocorrem na Caatinga;
Conteúdo abordado:
Impactos ambientais na Caatinga: conceito, diferentes tipos de impactos, soluções para evitar/minimizar estes impactos;
Estratégia metodológica/ Recursos didáticos utilizados:
Leitura de imagens; fotografias, jogo da “cruzadinha”;
Avaliação:
Resolução do jogo da “cruzadinha” em sala de aula.
Execução da oficina:
MOMENTOS Momento 1 Momento 2
Momento 3 Momento 4
ATIVIDADE Elaboração de desenhos que representem a Caatinga Exposição das imagens e desenhos produzidos; discussão sobre estas e sobre os impactos ambientais que ocorrem na Caatinga Resolução do jogo da “cruzadinha” Encerramento e comentários finais sobre a oficina
DURAÇÃO 15 minutos 40 minutos
20 minutos 5 minutos
77
Apêndice VIII. Roteiro da quarta oficina pedagógica “Conservação da Caatinga” realizada na E.E.E.F.M. Melquíades Vilar.
Tema da oficina: Conservação da Caatinga Duração: 80 minutos (aproximadamente duas aulas)
Objetivos:
Trabalhar temáticas relacionadas ao bioma Caatinga por meio de poemas e cordéis; Sensibilizar os educandos para a conservação do bioma Caatinga; Diferenciar preservação de conservação; Discutir sobre as unidades de conservação existentes no bioma e sua importância;
Conteúdo abordado:
Conservação do bioma Caatinga: o que é? Importância, conservação e preservação, unidades de conservação;
Estratégia metodológica/ Recursos didáticos utilizados:
Exposição dialogada; Poemas e Cordéis;
Avaliação:
“Roda de perguntas” (avaliação das quatro oficinas).
Execução da oficina:
MOMENTOS Momento 1 Momento 2 Momento 3 Momento 4
ATIVIDADE Exposição sobre o tema Leitura de poemas e cordéis sobre relacionados à temáticas ambientais e à Caatinga Discussão sobre os aspectos mais pertinentes dos poemas “Roda de perguntas” e comentários finais sobre a oficina e o projeto
DURAÇÃO 10 minutos 15 minutos 25 minutos 30 minutos
78
Apêndice IX. Roteiro da quinta oficina pedagógica “Corpos aquáticos da Caatinga” realizada na E.E.E.F.M. Melquíades Vilar
Tema da oficina: Corpos aquáticos da Caatinga Duração: 80 minutos (aproximadamente duas aulas)
Objetivos:
Trabalhar conceitos relacionados à Hidrologia; Caracterizar os corpos aquáticos da Caatinga; Apresentar os animais e plantas que vivem neste ambientes; Discutir sobre cadeias e teias alimentares; Evidenciar a importância ecológica e econômica dos corpos aquáticos da Caatinga; Mostrar a importância da conservação destes ecossistemas;
Conteúdo abordado:
Conceitos de Hidrologia; Corpos aquáticos da Caatinga: biodiversidade, ecologia, importância ecológica e econômica e conservação.
Estratégia metodológica/ Recursos didáticos utilizados:
Exposição dialogada e montagem de cartazes; cartaz e textos extraídos da internet;
Avaliação:
Discussão sobre o texto; montagem e apresentação dos cartazes.
Execução da oficina:
MOMENTOS Momento1 Momento 2 Momento 4 Momento 5 Momento 6
ATIVIDADE Exposição sobre o tema Leitura e discussão dos textos Separação da turma em grupos para elaboração dos cartazes Apresentação dos cartazes para a turma Encerramento e comentários finais sobre a oficina
DURAÇÃO 10 minutos 20 minutos 30 minutos 15 minutos 5 minutos
79
Apêndice X. Roteiro da sexta oficina pedagógica “Açude e rio Taperoá” realizada na E.E.E.F.M. Melquíades Vilar
Tema da oficina: Açude e rio Taperoá Duração: 240 minutos
Objetivos:
Fixar o conteúdo visto na atividade anterior; Identificar os problemas que acometem o rio Taperoá e o açude Taperoá II; Evidenciar a importância ecológica e econômica destes corpos aquáticos; Propor sugestões para minimizar os impactos ambientais que acometem estes corpos aquáticos;
Conteúdo abordado:
Rio Taperoá e o açude Taperoá II: problemas, importância ecológica e econômica, sugestões para minimizar os impactos ambientais que acometem estes corpos aquáticos;
Estratégia metodológica/ Recursos didáticos utilizados:
Aula de campo;
Avaliação:
Relatório de aula de campo para ser entregue na próxima atividade.
Execução da oficina:
MOMENTOS Momento 1 Momento 2 Momento 3 Momento 4 Momento 5 Momento 6
ATIVIDADE Concentração, organização no transporte e saída dos participantes Visita ao açude Taperoá II; discussão sobre o tema e abordagem dos conteúdos Transporte para o município de Parari (incluindo para no lixão de Taperoá) Visita ao rio Taperoá II; discussão sobre o tema e abordagem dos conteúdos Retorno à Taperoá Encerramento e comentários finais sobre a oficina
DURAÇÃO 30 minutos 45 minutos 40 minutos 75 minutos 30 minutos 20 minutos
80
Apêndice XI. Roteiro da sétima oficina pedagógica “Temas ambientais gerais e locais” realizada na E.E.E.F.M. Melquíades Vilar
Tema da oficina: Temas ambientais gerais e locais Duração: 80 minutos (aproximadamente duas aulas)
Objetivos:
Discutir sobre temas ambientais gerais e locais; Trabalhar de forma lúdica estes temas, através do uso de fantoches;
Conteúdo abordado:
Temas ambientais gerais e locais: desenvolvimento sustentável, efeito estufa, aquecimento global, crise ambiental, poluição e outros impactos ambientais, a realidade do semiárido, problemas ambientais que ocorrem na Caatinga e em Taperoá, maneiras de evitar/minimizar os problemas ambientais, educação ambiental.
Estratégia metodológica/ Recursos didáticos utilizados:
Exposição dialogada; Dramatização por meio de fantoches; bonecos;
Avaliação:
Participação no esquete e discussão ao final deste.
Execução da oficina:
MOMENTOS Momento 1 Momento 2 Momento 3 Momento 4 Momento 5 Momento 5
ATIVIDADE Exposição sobre o tema Divisão da turma em comitês e elenco Explicação das normas e critérios que os comitês devem utilizar; elaboração do esquete Apresentação do esquete e avaliação por parte dos comitês Discussão sobre os temas abordados no esquete Encerramento e comentários finais sobre a oficina
DURAÇÃO 15 minutos 5 minutos 25 minutos 15 minutos 15 minutos 5 minutos
81
Apêndice XII. Roteiro da oitava e última oficina pedagógica “Conhecendo a Caatinga” realizada na E.E.E.F.M. Melquíades Vilar Tema da oficina: Conhecendo a Caatinga Duração: 90 minutos (duas aulas)
Objetivos:
Revisar todo o conteúdo visto nas sete oficinas anteriores;
Conteúdo abordado:
Bioma Caatinga, Animais e Plantas da Caatinga, Impactos ambientais na Caatinga, Conservação da Caatinga, Corpos aquáticos da Caatinga, Açude e rio Taperoá, Temas ambientais gerais e locais;
Estratégia metodológica/ Recursos didáticos utilizados:
Exposição dialogada (aula de revisão); Jogo didático;
Avaliação:
Participação no jogo, respondendo e discutindo sobre as questões sorteadas.
Execução da oficina:
MOMENTOS Momento 1 Momento 2 Momento 6
ATIVIDADE DURAÇÃO Exposição geral sobre o jogo e explicação das regras 10 minutos Divisão da turma em quatro equipes e execução do 60 minutos jogo; discussão sobre os temas sorteados Encerramento e comentários finais sobre o jogo e o 20 minutos projeto; planejamento para a exposição científicocultural
110
Apêndice XIII – Folder da exposição científico-cultural. possam ter cada vez mais qualidade de vida, Educação Ambiental e o Bioma Caatinga respeitando o ambiente natural que as cerca. Localizado em uma área de clima A escola é um local privilegiado para semiárido, o bioma Caatinga apresenta uma se trabalhar as questões ambientais, ampla variedade de paisagens e significativa promovendo espaços de discussão e vivências, riqueza biológica. oferecendo elementos relativos à política, cidadania e ética e permitindo o Todavia, o efeito combinado entre as desenvolvimento de cidadãos conscientes e condições climáticas da região semiárida críticos. paraibana e as práticas inadequadas de uso e aproveitamento do solo e demais recursos A Exposição científica e cultural da naturais, tem acentuado o desgaste da Escola Estadual de Ensino Fundamental e paisagem natural, provocando a perda da Médio Melquíades Vilar, Taperoá/PB – ano biodiversidade, degradação dos corpos 2010, que tem como eixo norteador o Bioma aquáticos e o esgotamento dos recursos Caatinga e o rio Taperoá, tem por objetivo naturais de um modo geral. promover a sensibilização ambiental dos Assim sendo, é necessário instituir educandos através de práticas educativas e projetos de educação ambiental que visem ações de Educação Ambiental. sensibilizar os atores sociais inseridos na Caatinga, com ênfase para a conservação deste bioma. PROGRAMAÇÃO
Nesse sentido, a educação ambiental tem como objetivo a sensibilização/conscientização das pessoas em relação ao mundo em que vivem, para que
08:00 – 08:30 Abertura oficial 08:30 – 11:30 Exposição dos trabalhos 11:30 – 12:00 Apresentação cultural 12:00 – 13:30 ALMOÇO 13:30 – 17:00 Exposição dos trabalhos 17:00 – 18:00 Encerramento:
Apresentação cultural * todas as atividades ocorrerão na E.E.E.F.M. Melquíades Vilar
REALIZAÇÃO
ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO MELQUÍADES VILAR
PROJETO PELD/CNPq – Bioma Caatinga: estrutura e funcionamento
EXPOSIÇÃO CIENTÍFICA E CULTURAL DA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO MELQUÍADES VILAR, TAPEROÁ/PB – ANO 2010
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Tema: Bioma Caatinga e rio Taperoá
Taperoá, Paraíba Dia: 17 de setembro de 2010
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ANEXOS
113
Anexo I. Folder produzido pelo grupo que trabalhou o tema “reciclagem e reaproveitamento” na exposição científico-cultural. O QUE É RECICLAR?
Melhora a limpeza das cidades;
A reciclagem é o termo geralmente utilizado para designar o reaproveitamento de materiais beneficiados como matéria-prima para um novo produto. Muitos materiais podem ser reciclados e os exemplos mais comuns são o papel, o vidro, o metal e o plástico. A palavra reciclagem ganhou destaque na mídia a partir do final da década de 1980, quando foi constatado que as fontes de petróleo e de outras matérias-primas não renováveis estavam se esgotando rapidamente, e que havia falta de espaço para a disposição de resíduos e de outros dejetos na natureza. A expressão vem do inglês recycle (re = repetir, e cycle = ciclo).
Diminui o lixo nos aterros e lixões.
CORES DOS CESTOS DE SEPARAÇÃO PARA RECICLAGEM, Azul: papel , papelão, Vermelho: plástico, Verde: vidro Amarelo; metal Preto: madeira Laranja: resíduos perigosos Branco: resíduo hospitalar Roxo: resíduos radioativos Cinza: resíduos geralmente não reciclável Castanho: resíduos orgânicos
MELQUÍADES VILAR
Obs: Não jogue este folheto em via pública. “Jogue no lixo”
REALIZAÇÃO
ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO MELQUÍADES VILAR
POR QUE RECICLAR?
Reduz a naturais;
extração
dos
recursos
Diminui poluição do solo, da água e do ar;
Economiza energia e água;
Prolonga a vida útil dos aterros sanitários;
Diminui os desperdícios;
. A EQUIPE:
Edijane de Sales Raquel Correia Fernanda Camilo Maria José Márcia Priscila
Agradece a presença de todos em nome da Escola
PROJETO PELD/CNPq – Bioma Caatinga: estrutura e funcionamento
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EXPOSIÇÃO CIENTÍFICA E CULTURAL DA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO MELQUÍADES VILAR, TAPEROÁ/PB – ANO 2010
RECICLAGEM
Taperoá, Paraíba Dia: 17 de setembro de 2010
115
Anexo II. Paródias produzidas pelas alunas Iluminata Sabrina e Ramilla Mayara, turma C. E.E.E.F.M. Melquíades Vilar.
Paródia: O perigo das queimadas Música original: Amor de corpo e alma Artista: Banda Desejo de Menina Não diga que não avisei Não diga que não lhe expliquei O perigo das queimadas Se o problema já se agravou Foi você que provocou E não fez nada Ninguém jamais se interessou E nem se quer acreditou No perigo das queimadas Mais o fogo aumentou E você nem se preocupou Simplesmente não fez nada A nossa natureza estar se acabando Mais ainda temos muita coisa pra mudar Deixa de orgulho e comece desde já A se conscientizar Não vamos permitir que o meio ambiente Seja desrespeitado Temos que alertar a população Não importa á dificuldade Porque na realidade Tem solução!
Paródia: Geral fazer Música original: Geral saber Artista: Louro Santos Eu vou mandar minha proposta é pra geral fazer O planeta Terra vai agradecer Eu sei que muitas coisas nós vamos mudar Pedindo a uns e outros pra não desmatar Vão fazendo a sua parte que a minha eu vou fazer Poluição e as queimadas vamos combater A natureza está morrendo e não vamos deixar Mais para isso é preciso conscientizar Lugar de jogar o lixo é lá no lixão Ou então vai afetar toda população Não poluam mais os rios, açudes e mar E um mundo melhor nós vamos alcançar PARAPARAPARAPARAPAPAPA
116
Um mundo melhor nรณs vamos alcanรงar PARAPARAPARAPARAPAPAPA O meio ambiente vamos preservar!
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Anexo III. Roteiro de entrevistas elaborado pel@s alun@s Fabíola, Josileide, Valmir, Iluminata Sabrina e Ramylla Mayara. , turma C. E.E.E.F.M. Melquíades Vilar. Orientação de Thiago Ruffo.
ROTEIRO DE ENTREVISTA A POLUIÇÃO DO RIO TAPEROÁ: UMA RETROSPECTIVA
PERFIL DO ENTREVISTADO: Idade: _____ anos (os pesquisados devem ter idade mínima de 60 anos) Sexo: ( ) M
( )F
Tempo que vive em Taperoá: _____ anos Local onde reside: ( ) Zona Urbana
( ) Zona Rural
Ocupação: ________________________________________________________ PERGUNTAS: 1. Como era o rio Taperoá há 50 anos? (O entrevistador pede que o entrevistado faça uma descrição do rio 50 anos atrás. Deve-se extrair o máximo de informações possível do entrevistado) 2. Que atividades eram praticadas no rio neste tempo? (O entrevistador deve procurar saber quais os usos do rio naquela época) 3. Você acha que o rio Taperoá de 50 anos atrás mudou em relação ao rio de hoje? Poderia dizer o quê? (O entrevistador irá traçar um paralelo entre o rio de “ontem” e o rio de hoje) 4. A partir de quando estas mudanças passaram a existir? 5. Quais as principais causas dessas mudanças? (O entrevistador irá identificar quais os principais impactos ambientais que acometeram o rio nos últimos 50 anos) 6. Quem você acha que é culpado em deixar o rio poluído? 7. Para você, o que é preciso fazer para o rio Taperoá voltar a ser como era antes? (O entrevistador vai saber da população local que atitudes são necessárias para acabar com os impactos que acometem o rio) 8. Descreva o rio Taperoá hoje. (O entrevistador pede que o entrevistado faça uma descrição do rio no tempo atual. Novamente deve-se extrair o máximo de informações possível do entrevistado, para que se possa fazer uma comparação com a questão 1) 9. Que conselho você daria a seus familiares e amigos para ajudar na conservação do rio Taperoá? (O entrevistador, caso seja necessário, deve explicar brevemente o que é conservação e mostrar a diferença entre preservação; pode aproveitar o momento e perguntar se o entrevistado gostaria de deixar uma mensagem final. Daqui pode sair uma frase de impacto.)
118
2.4.2.
COLONIZAÇÃO DE INVERTEBRADOS EM SUBSTRATOS ARTIFICIAIS EM UM LAGO DA BACIA HIDROGRÁFICA DOS RIO JAGUARIBA, MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA - PB
HUGO DA SILVA FLORENTINO
JOÃO PESSOA-PB 2008 HUGO DA SILVA FLORENTINO
COLONIZAÇÃO DE INVERTEBRADOS EM SUBSTRATOS ARTIFICIAIS EM UM LAGO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO JAGUARIBE, MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA-PB
Monografia apresentada à banca examinadora como requisito obrigatório para obtenção do título de Graduação em Ciências Biológicas, habilitação Bacharelado, da Universidade Federal da Paraíba. Orientador: FRANCISCO JOSÉ PEGADO ABÍLIO
JOÃO PESSOA-PB 2008
119
HUGO DA SILVA FLORENTINO
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COLONIZAÇÃO DE INVERTEBRADOS EM SUBSTRATOS ARTIFICIAIS EM UM LAGO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO JAGUARIBE, MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA-PB
Monografia apresentada à banca examinadora como requisito obrigatório para obtenção do título de Graduação em Ciências Biológicas, habilitação Bacharelado, da Universidade Federal da Paraíba.
BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________ Prof. Dr. Francisco José Pegado Abílio - DME/CE/UFPB (Orientador)
______________________________________________________ Profª. Drª. Maria de Fátima Camarotti – DME/CE/UFPB (Membro examinador)
______________________________________________________ Prof. Dr. José Etham de Lucena Barbosa - DB/UEPB (Membro examinador)
______________________________________________________ Msc. Jane Enisa Torelli de Souza – DSE/CCEN/UFPB (Membro examinador)
______________________________________________________ Msc. Ronílson José da Paz - IBAMA-PB (Membro examinador)
121
Financiamento:
Apoio:
ESTAÇÃO CLIMATOLÓGICA - UFPB DEDICATÓRIA
Como em todos nós, existem pessoas na nossa vida que nos marcam para sempre. Quer através da “ajuda” que nos dão no dia a dia, quer na “ajuda” que nos deram durante toda ou parte da nossa existência. Esta “ajuda” significa tudo àquilo que podemos desejar daqueles que nos rodeia, amor, compreensão, carinho e muito apoio nas horas mais difíceis, assim dedico este trabalho: Aos meus pais, Maria das Lágrimas da Silva Florentino e Moacir Eustáquio Florentino. Sem vocês jamais chegaria aqui. O meu obrigado por tudo aquilo que me transmitiu e por tudo o que fez por mim. À minha vó Iracy Giló da Silva (in memoriam) que embora não esteja cá presente, será sempre minha única e eterna vó, e estará sempre dentro do meu coração. À única e sempre mulher da minha vida Luana Paula de Lima Azevedo que por mais que eu tentasse, jamais conseguiria esquecer, obrigado por todos os momentos maravilhosos que proporcionou na minha vida, e por todos aqueles momentos difíceis onde você me ajudou a superar, e hoje percebo que sem suas palavras eu não saberia falar, sem seus conselhos eu não saberia caminhar, sem seu amor não saberia superar. AGRADECIMENTOS Agradeço especialmente a DEUS por estar sempre ao meu lado, por me dar forças para sempre acreditar que tudo é possível, por fazer superar os inúmeros obstáculos da vida, e por permitir que eu pudesse cumprir mais uma etapa da minha vida. Ao meu orientador e amigo Francisco José Pegado Abílio (Vá trabalhaaaaaaaaarrrrrrrrrrrrrr, triar, lavar e publicar), por ter acolhido no projeto Ecologia e Taxonomia de invertebrados, que resultou nessa monografia e onde aprendi a ser cientista. Pelos ensinamentos, conversas, e “puxões de orelha” que muito contribuíram para a minha formação acadêmica, profissional e pessoal. Pela sua paciência (às vezes) em
122
que eu não conseguia avançar, que eram compensadas pelo estímulo imenso para continuar escrevendo até o seu fim. Pela ajuda financeira, quando o projeto atrasava o dinheiro, pelo empréstimo do seu carro para a realização de muitas e muitas coletas, lá no Jardim Botânico Benjamim Maranhão. Enfim, pelas orientações, conversas, momentos de lazer e incentivos para que eu prosseguisse na linha da limnologia, mesmo diante das inúmeras e constantes dificuldades. Aos meus pais Maria das Lágrimas da Silva Florentino e Moacir Eustáquio Florentino pela dedicação, amor, e por estarem sempre possibilitando que meus sonhos e anseios se realizassem, enfim por depositarem em mim toda a confiança. À minha noiva Luana Paula de Lima Azevedo, a melhor experiência da minha vida, pelo auxílio e grande ajuda nas coletas e confecção dos materiais para os experimentos; por seu amor, carinho, dedicação, paciência nas várias vezes que precisei trabalhar nos feriados e datas comemorativas, mas, sobretudo pela presença amiga na alegria, na dor, no esforço e no cansaço. Amo-te muito meu peixinho, e você foi à força que me motivou durante esta etapa da minha vida. Ao meu irmão Igor José da Silva Florentino e sua noiva Ana Paula dos Santos Silva, pela amizade, churrascos, aventuras, em suma, por todos os momentos de alegria desfrutados ao longo da vida. Aos meus primos: Doda (O fodão), Adriano, Binho, Sayonara, Juruna, Joelma, Lúcia Zezinha (irmã gêmea de doda), Marta (a Sargenta) e a minha tia mais próxima, Tia Socorro por todos os momentos de alegria e amizade. Enfim, agradeço a toda minha família, principalmente à minha avó por parte de mãe Iracy Giló da Silva (in memoriam). Ao meu amigo de longa caminhada Leandro Rodrigues (Leandro Show) pela amizade, confiança, companheirismo em muitos momentos de alegria e tristeza, e como dizíamos, Vamos Evoluir. Ao meu amigo Kleison Jonas (O baixinho) amigão desde longas datas, companheiro de muitas conversas e uma amizade que superou fronteiras. As minhas amigas Paloma Lígia (Paloma Plos) e Natália Santos (Nathy) foi através delas que conheci o amor da minha vida. À minha sogra dona Luzinete que mim acolheu em sua casa como um filho, pelos momentos de alegria, descontração e principalmente por ter colocado no mundo uma das pessoas mais especiais da minha vida. As senhoras da rua de minha noiva dona Neta e dona Dorinha pelas conversas, momentos de descontração e amizade. Aos primeiros e sempre amigos que fiz ao ingressar no curso de Biologia: Emanuel Melquíades (O Dono da NET), Emerson Pessoa (O negão, companheiro de estudos, conversas e cervejinhas), Paloma Papi, Clarisse Adloff, Lidiany Gonçalves. Em fim, a todos os outros colegas e amigos de turma da UFPB pelos vários momentos vividos, quer seja de alegria, quer seja em momentos de dificuldades e tristeza.
Aos meus amigos e também colegas de trabalho Thiago Leite de Melo Ruffo (O mago, só vou se for perigoso), Márcio Luiz (Nova LDB, foi muito bom os momentos de brincadeiras e zoação com você), Artur Henrique F. Florentino de Souza (Meu primo de sobrenome, o Ex-PEI). Ao Thiago Ruffo, um agradecimento especial pela ajuda nas coletas de campo, pelos momentos de vivência durante as triagens e identificação dos invertebrados, pelas conversas, pela amizade dentro e fora da UFPB.
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Aos outros zoobentólogos e Ex-zoobentólogo: Felizardo Bernardino, Bianca Meireles, Darlan Patrício (Grandão), Antônio Carlos (toinho), Eliezer Targino (O caba lá de Mossoró, Barbicha de bode). A todos os que desenvolveram e desenvolvem pesquisa no laboratório de Ecologia Aquática da UFPB: Maria Marcolina, Hênio Junior, Karla Patrícia, Karla Celene, Ana Karla, Flávia Martins (Flavinha), Leornardo Ribeiro, Michele Feitosa, Carol, Jane Torelli, Ruceline, Randolpho Marinho (O chefe dos fariseus), Aline dos peixes (minha amiga de muitas conversas), Vagner Falcão, Saulo Franca, Clarisse Adloff (também uma das primeiras amigas no curso de Biologia), Fabiano Serpe, Rogério (Prodema), Liliane de Jesus, Gianne Camarão, Sofia Érika, Fabiana Marinho (amigona de longas datas). Ronyelly Diniz, Juliana Dias (agora também colega de trabalho no projeto de E.A). Uffa!!! É tanta gente. Aos meus amigos e colegas do Projeto Educação Ambiental: Alberto Tabosa (Tubão de Cana) e Camila Simões e Bruno Arângio. À minha amiga e técnica do laboratório de Hidrologia do DSE Creuza Soares, por todo apoio dado para a realização das análises físico-químicas da água, pela amizade, e pelos momentos de descontração. Ao amigo e técnico do Laboratório de Química (LAQUA) Wellington , por ceder os equipamentos para análise de condutividade e pH quando mais precisei. Aos membros da banca examinadora Francisco José Pegado Abílio, Maria de Fátima Camarotti, José Etham de Lucena Barbosa, Jane Enisa Torelli de Souza e Ronílson José da Paz pela amizade, pelo profissionalismo e pelas valiosas sugestões. A professora Maria Cristina Basílio Crispim da Silva, pelo apoio, pela simplicidade, pelos ensinamentos, amizade, momentos de vivência, e principalmente por ter me acolhido no laboratório de Ecologia Aquática do DSE/CCEN. A todos os professores da Universidade Federal da Paraíba pelos momentos de compreensão, paciência, dedicação, enfim pelos ensinamentos eternos que carregarei na bagagem da vida. Ao Laboratório de Ecologia Aquática do DSE/CCEN, por ter sido palco desta pesquisa, e sem sua estrutura logística jamais teria concluído este trabalho e ao Laboratório de Hidrologia do DSE/CCEN, e em especial o professor Gilson Moura pela gentileza, simpatia, e por ter cedido às estruturas físicas para a realização de vários momentos da física e química da água desta monografia. A Francisco Pegado por ter feito o Abstract e a Camila Simões pela Correção. Ao CNPq e à UFPB pelo apoio financeiro dado durante a execução deste projeto. Ao Jardim Botânico Benjamim Maranhão por ter permitido a execução deste projeto e ao IBAMA-PB por ter autorizado as coletas de material Biológico. A Estação Climatológica da UFPB por ter fornecido os dados pluviométricos. Por fim, agradeço a TODOS que embora não tenham contribuído diretamente com a pesquisa desta monografia foram solidárias ao longo da realização deste sonho. MUITO OBRIGADO!
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"Tudo o que sabemos hoje, aprendemos com os acertos e erros do passado, e cada vez que desistimos de alguma coisa por medo de errar estamos nos privando da possibilidade de descobrir e aprender" (Hammed)
De tudo que existe, sabem-se três coisas: A certeza de que estamos sempre começando... A certeza de que precisamos continuar... A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar... Portanto, devemos fazer: Da interrupção, um caminho novo... Da queda, um passo de dança... Do medo, uma escada... Do sonho, uma ponte... Da procura... Um encontro... (Fernando Sabino) RESUMO A análise do processo de sucessão ecológica, utilizando substratos artificiais pode mostrar importantes aspectos da estrutura zoobentônica, como também possibilitam a análise das mudanças que ocorrem na composição da comunidade ao longo do tempo. Este trabalho teve como objetivo investigar o processo de colonização e sucessão ecológica de macroinvertebrados bentônicos, com o intuito de entender a dinâmica dessa biocenose nesse ecossistema. Para isso, coletas foram realizadas em um lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão-JBBM, localizado no município de João Pessoa-PB durante a estação seca (20/out/06 a 05/jan/07) e chuvosa (12/mar/07 a 04/jun/07) utilizando substratos artificiais contendo pedras de argila expandida durante 91 dias e macrófitas (Pistia stratiotes) durante 14 dias de colonização, como também algumas variáveis ambientais para correlacionar com os dados biológicos. Ao longo do período de estudo, registrou-se uma riqueza máxima de 20 táxons para ambos os substratos, destacando-se: Insecta, Gastropoda, Annelida e Crustacea. As análises da taxocenose dos invertebrados indicaram diferenças temporais entre os dois períodos sazonais, e entre os diferentes tipos de substratos (argila expandida e macrófita), com variações na composição faunística e nas variáveis ambientais, No entanto, os Chironomidae, Caenidae e Oligochaeta, predominavam em abundância e riqueza taxonômica. Observou-se também a ocorrência de organismos sensíveis à poluição orgânica como Ephemeroptera e Trichoptera o que pode indicar um baixo enriquecimento orgânico do lago. Portanto, o uso de substratos artificiais pode contribuir para caracterizar a estrutura e a dinâmica de biocenoses, além de ser uma eficiente ferramenta no monitoramento da comunidade zoobentônica e qualidade ambiental de ecossistemas aquáticos. Palavras-chave: Invertebrados. Macroinvertebrados aquáticos. Sucessão ecológica. Substratos artificiais.
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ABSTRACT The analysis of ecological succession process using artificial substrates may demonstrate important aspects of the zoobenthic structure, but also enable the analysis of the changes that occurr in the community composition throughout the time. The aim of this study is to investigate the colonization and ecological succession process of benthic macroinvertebrate, in order to understand the dynamic of those biocenosis in that ecosystem. To do so, samples were collected in lagoon in the Jardim Botânico Benjamim Maranhão-JBBM, located in the city João Pessoa – PB, during the dry period (Oct/ 20th/06 to Jan/05th/07) and rainy season (Mar/12th/07 to June/04th/07) using artificial substrates containing “clay stones” during 91 days and macrophytes (Pistia stratiotes) during 14 days of colonization, as well as some environmental variables to correlated whit biological data. Over the period of study, it was registered a maximum richness of 20 taxa for both the substrates, detach: Insecta, Gastropoda, Annelida and Crustacea. The taxocenosis analyses of the benthic macroinvertebrates indicate temporal differences between the two seasons and between the different types of substrates (clay stones and macrophates) with variations in the zoobenthic composition and environmental variables, however, the Chironomidae, Caenidae and Oligochaeta, predominated in the abundance and taxonomic richness. It was also observed the occurrence of the sensible organisms an organic pollution as Ephemeroptera and Trichoptera that may indicate a low organic enrichment of the lagoon. Therefore, the use of artificial substrates may contributed to characterize the structure and biocenosis, dynamic besides being an efficient tool in the monitoring the zoobenthic community and environmental quality of the aquatic ecosystems. Key-words: Invertebrates. Aquatic macroinvertebrates. Ecological succession. Artificial substrates.
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LISTA DE FIGURAS Figura 1-
Localização do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (JBBM) e do lago onde foram instalados os experimentos com substratos artificiais, no município de João Pessoa, estado da Paraíba, Nordeste do Brasil.
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Figura 2-
Vista aérea da área de estudo, com destaque em A - Mata do Buraquinho e em B - Jardim Botânico Benjamim Maranhão com ênfase para o lago de estudo. 30
Figura 3-
Lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa – PB), em novembro/2006, com destaque para os respectivos pontos de instalação dos substratos artificiais, contendo macrófitas (Pistia stratiotes) e argila expandida. 32
Figura 4-
Pluviometria (em mm) do município de João Pessoa-PB, região de abrangência do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante a experimentação com substratos artificiais contendo argila expandida realizado no período seco (06/outubro a 05/janeiro/2006) e chuvoso (12/março a 11/junho/2007). 39
Figura 5-
Pluviometria (em mm) do município de João Pessoa – PB, região de abrangência do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante a experimentação com substratos artificiais contendo macrófitas realizado no período seco (08 a 20/outubro/2006) e chuvoso (14 a 23/março/2007). 39
Figura 6-
Valores da temperatura (ºC) da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco e chuvoso, onde: A - Substrato artificial contendo argila expandida; B - Substrato artificial contendo macrófitas. 41
Figura 7-
Valores das variáveis físicas e químicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante os experimentos com argila expandida, compreendendo o período seco e chuvoso: A – Oxigênio Dissolvido (mg O2/L); B- Saturação de O.D (%). 43
Figura 8-
Valores das variáveis físicas e químicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante os experimentos com macrófitas, compreendendo o período seco e chuvoso: A – Oxigênio Dissolvido (mg O2/L); B - Saturação de O.D (%). 44
Figura 9-
Valores da condutividade elétrica (µS cm-1) da água do lago dentro do Jardim 46
127
Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco e chuvoso, onde: A – substrato artificial contendo argila expandida; B- substrato artificial contendo macrófitas.
Figura 10-
Valores do pH da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco e chuvoso, onde: A – Substrato artificial contendo argila expandida; B - Substrato artificial contendo macrófitas. 48
Figura 11-
Valores de dureza total da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco e chuvoso, onde: A – substrato artificial contendo argila expandida; B – substrato artificial contendo macrófitas. 50
Figura 12-
Valores da alcalinidade da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco e chuvoso, onde: A – substrato artificial contendo argila expandida; B – substrato artificial contendo macrófitas. 51
Figura 13-
Valores das variáveis físicas e químicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão no experimento com argila expandida durante o período seco e chuvoso: A- – nitrito (µg NO2/L), B - amônia (µg NH4/L); C fósforo total (mg PO4/L). 54
Figura 14-
Valores das variáveis físicas e químicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão no experimento com macrófitas durante o período seco e chuvoso: A – nitrito (µg NO2/L), B – amônia (µg NH4/L); C – fósforo total (mg PO4/L). 55
Figura 15-
Dendrograma de Similaridade, baseado na distância Euclidiana, dos Macroinvertebrados do lago no JBBM associado a substratos artificiais contendo argila expandida durante o período seco e chuvoso. 63
Figura 16-
Dendrograma de Similaridade, baseado na distância Euclidiana, dos Macroinvertebrados do lago no JBBM associado a substratos artificiais contendo macrófitas durante o período seco e chuvoso. 64
128
LISTA DE TABELAS Tabela I-
Valores absolutos (somatório de 2 cestos), Abundância relativa (em porcentagem) e grupos funcionais de alimentação dos invertebrados bentônicos associado ao substrato artificial (argila expandida), ao longo de 91 dias de colonização no lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco que compreendeu de 06/outubro/2006 a 05/janeiro/2007. 65
Tabela II-
Valores absolutos (somatório de 2 cestos), Abundância relativa (em porcentagem) e grupos funcionais de alimentação dos invertebrados bentônicos associado ao substrato artificial (argila expandida), ao longo de 91 dias de colonização no lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período chuvoso que compreendeu de12/março a 04/junho/2007 67
Tabela III-
Valores absolutos (somatório de 2 cestos), Abundância relativa (em porcentagem) e grupos funcionais de alimentação dos invertebrados bentônicos associado ao substrato artificial (macrófitas), ao longo de 14 dias de colonização no lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco que compreendeu de 08 a 20/outubro/2006. 69
Tabela IV-
Valores absolutos (somatório de 2 cestos), Abundância relativa (em porcentagem) e grupos funcionais de alimentação dos invertebrados bentônicos associado ao substrato artificial (macrófitas), ao longo de 11 dias de colonização no lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período chuvoso que compreendeu de 14 a 23/março/2007. 71
129
LISTA DE APÊNDICES APÊNDICE A-
APÊNDICE B-
APÊNDICE C-
APÊNDICE D-
Tabela de valores das variáveis Químicas e Físicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa-PB) durante o experimento com substratos artificiais contendo argila expandida realizado no período seco (06/outubro/2006 a 12/janeiro/2007).
94
Tabela de valores das variáveis Químicas e Físicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa-PB) durante o experimento com substratos artificiais contendo argila expandida realizado no período chuvoso (12/março/2007 a 11/junho/2007). ND -Valor abaixo do limite de detecção do método.
95
Tabela de valores das variáveis Químicas e Físicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa-PB) durante o experimento com substratos artificiais contendo macrófitas Pistia stratiotes realizado no período seco (06 a 20/outubro/2007).
96
Tabela de valores das variáveis Químicas e Físicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa-PB) durante o experimento com substratos artificiais contendo macrófitas Pistia stratiotes realizado no período chuvoso (12 a 26/março/2007). ND -Valor abaixo do limite de detecção do método.
97
APÊNDICE E-
Quadro matriz de correlação e índice de significância das variáveis físicas e químicas e das UTO de invertebrados bentônicos associado aos substratos com argila expandida, durante o período seco, onde: P. dia= Pluviosidade diária; P. Ac= Pluviosidade acumulada na semana; pH = pH; Temp = Temperatura; Cond = Condutividade; Dur = Dureza total; Alc = Alcalinidade; O.D = Oxigênio Dissolvido; Sat = Saturação de O.D; NO2 = Nitrito; NH4 = Amônia; PO4 = Fósforo Total; Chir = Chironomidae; Odo = Odonata; Lib = Libellulidae; Mel = Melanoides tuberculata; Gas = Gastropoda; Cae = Caenidae; Eph = Ephemerotpera; Ins = Insecta; Olig = Oligochaeta; F.T= Fauna Total (Valores em negrito - significativo ao nível de p ≤0,05). 98
APÊNDICE F-
Quadro Matriz de correlação e índice de significância das variáveis físicas e químicas e das UTO de invertebrados bentônicos associado aos substratos com argila expandida, durante o período chuvoso, onde: P. dia= Pluviosidade diária; P. Ac= Pluviosidade acumulada na semana; pH = pH; Temp = Temperatura; Cond = Condutividade; Dur = Dureza total; Alc = Alcalinidade; O.D = Oxigênio Dissolvido; Sat = Saturação de O.D; NO2 = Nitrito; NH4 = Amônia; PO4 = Fósforo Total; Chir = Chironomidae; Odo = Odonata; Lib = Libellulidae; Mel = Melanoides tuberculata; Gas = Gastropoda; Cae = Caenidae; Eph = Ephemerotpera; Ins = Insecta; Olig = Oligochaeta; F.T= Fauna Total (Valores em negrito - significativo ao nível 99
130
de p ≤0,05).
APÊNDICE G-
Quadro matriz de correlação e índice de significância das variáveis físicas e químicas e das UTO de invertebrados bentônicos associado aos substratos com macrófitas, durante o período seco, onde: P. dia= Pluviosidade diária; pH = pH; Temp = Temperatura; Cond = Condutividade; Dur = Dureza total; Alc = Alcalinidade; O.D = Oxigênio Dissolvido; Sat = Saturação de O.D; NO2 = Nitrito; NH4 = Amônia; PO4 = Fósforo Total; Chir = Chironomidae; Odo = Odonata; Lib = Libellulidae; Mel = Melanoides tuberculata; Gas = Gastropoda; Cae = Caenidae; Eph = Ephemerotpera; Ins = Insecta; Olig = Oligochaeta; F.T= Fauna Total (Valores em negrito significativo ao nível de p ≤0,05). 100
APÊNDICE H-
Quadro matriz de correlação e índice de significância das variáveis físicas e químicas e das UTO de invertebrados bentônicos associado aos substratos com macrófitas, durante o período chuvoso, onde: P. dia= Pluviosidade diária; pH = pH; Temp = Temperatura; Cond = Condutividade; Dur = Dureza total; Alc = Alcalinidade; O.D = Oxigênio Dissolvido; Sat = Saturação de O.D; NO2 = Nitrito; NH4 = Amônia; PO4 = Fósforo Total; Chir = Chironomidae; Odo = Odonata; Lib = Libellulidae; Mel = Melanoides tuberculata; Gas = Gastropoda; Cae = Caenidae; Eph = Ephemerotpera; Ins = Insecta; Olig = Oligochaeta; F.T= Fauna Total (Valores em negrito - significativo ao nível de p ≤0,05). 101
LISTA DE ANEXOS ANEXO A-
Tabela de Solubilidade do Oxigênio em água destilada a 760 mmHg e 100% de umidade. 103
ANEXO B-
Fatores de correção para altitude local, aplicada para a Solubilidade de Oxigênio.
ANEXO C-
Licença IBAMA-PB para captura, coleta e transporte de macroinvertebrados bentônicos do lago no JBBM. 105
ANEXO D-
Autorização de coleta de macroinvertebrados bentônicos no lago no JBBM.
104
106
131
SUMÁRIO 1
INTRODUÇÃO.............................................................................................
23
2
OBJETIVOS.................................................................................................
27
2.1
GERAL.........................................................................................................
27
2.2
ESPECÍFICOS.............................................................................................
27
3
ÁREA DE ESTUDO.....................................................................................
28
4
MATERIAL E MÉTODOS............................................................................
31
4.1
COLONIZAÇÃO DOS MACROINVERTEBRADOS.....................................
31
4.2
ABUNDÂNCIA RELATIVA E RIQUEZA TAXONÔMICA DA BENTÔNICA.................................................................................................
4.3
IDENTIFICAÇÃO DOS MACROINVERTEBRADOS BENTÔNICOS...........
4.4
DETERMINAÇÃO DOS HÁBITOS ALIMENTARES MACROINVERTEBRADOS BENTÔNICOS.................................................
FAUNA 32
32
DOS 33
4.5
ÍNDICE PLUVIOMÉTRICO...........................................................................
33
4.6
VARIÁVEIS FÍSICAS E QUÍMICAS DA ÁGUA............................................
33
4.6.1
Variáveis determinada no campo.............................................................
33
4.6.2
Variáveis determinadas no laboratório....................................................
34
132
4.7
ANÁLISE ESTATÍSTICA..............................................................................
36
5
RESULTADOS E DISCUSSÕES.................................................................
37
5.1
VARIÁVEIS AMBIENTAIS E A RELAÇÃO COM A FAUNA MACROINVERTEBRADOS BENTÔNICOS................................................
DE 37
5.2
COLONIZAÇÃO E SUCESSÃO ECOLÓGICA DOS INVERTEBRADOS....
56
5.3
HÁBITOS ALIMENTARES DOS MACROINVERTEBRADOS.....................
73
6
CONCLUSÕES............................................................................................
78
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES...................................
80
REFERÊNCIAS............................................................................................
81
APÊNDICES.................................................................................................
93
ANEXOS.......................................................................................................
102
133
1 INTRODUÇÃO A água é um recurso estratégico para a humanidade, pois mantém a biodiversidade, a produção de alimentos e suporta todos os ciclos naturais, que são essenciais e influenciam os processos que operam na superfície do planeta terra, incluindo o desenvolvimento e a manutenção da vida. Portanto, as grandes civilizações do passado e do presente, bem como as do futuro, dependem e dependerão da água doce para sua sobrevivência e para o desenvolvimento econômico, social e cultural (TUNDISI, 2003). Neste cenário, o Brasil possui cerca de 11,6% da água doce disponível nos mananciais superficiais do planeta. Entretanto, sua distribuição é muito heterogênea, e dentro dessa distribuição a região Nordeste é a que possui menor proporção de recursos hídricos (PHILIPPI JR., 2005). Ainda mais, muitos desses sistemas aquáticos apresentam problemas, como eutrofização natural e/ou artificial, problemas sanitários e propagação de doenças veiculadas pela água. Os impactos gerados pela urbanização repercutem no funcionamento do ciclo hidrológico ao interferir no rearranjo dos armazenamentos e na trajetória das águas, introduzindo novos meios para sua transferência na área urbanizada e em torno das cidades, e assim, provocam alterações no armazenamento hídrico, destruições de habitats, afetando a biodiversidade aquática (SCHIEL et al., 2003). Segundo Porath (2004), os rios e lagos urbanos são paisagens degradadas, com seus leitos e matas ciliares alterados e poluídos por diversos tipos de esgotos e lixos, além da impermeabilização das águas pluviais resultando no aumento da água escoada, e conseqüentemente, muitos ambientes perdem o seu equilíbrio natural, afetando assim, sua biocenose. A conservação dos ambientes aquáticos é uma alternativa de garantir a sustentabilidade dos recursos naturais, sendo os estudos sobre os ecossistemas límnicos importantes na elaboração de ações de preservação da biodiversidade aquática e conseqüentemente da integridade ecológica destes corpos hídricos (ABÍLIO, 2002, GUERESCHI, 2004, TUNDISI, 2005, BARBOSA et al., 2006). Com esse enfoque, vários estudos vêm sendo desenvolvidos sobre a comunidade de invertebrados bentônicos, uma vez que desempenham importantes papéis nas redes tróficas, no funcionamento de ambientes aquáticos, avaliações de monitoramento ambiental, assim como podem ter importância na saúde pública (EATON, 2003, BUENO et al., 2003, CLEMENTE et al., 2005). Covich et al. (1999), estudando diversos ecossistemas aquáticos nos Estados Unidos da América, relata que 20% a 73% da matéria orgânica carreada da mata ciliar é fragmentada pelos invertebrados bentônicos. Nesse processo são disponibilizadas para os outros organismos, as partículas orgânicas de menor tamanho, por meio de sua alimentação e excreção. Além disso, a interação entre os fatores ambientais, tipo de substrato e sua biocenose determina a composição, riqueza taxonômica e a distribuição do zoobentos nestes habitats (CARVALHO; UIEDA, 2004, VIDAL-ABARCA, 2004, SILVEIRA; QUEIROZ, 2006). Apesar das avaliações do grau de trofia de sistemas aquáticos ser determinado principalmente por meio das concentrações de nutrientes (compostos nitrogenados e fosfatados), estes oferecem apenas uma visão pontual do estado momentâneo das águas, enquanto que os macroinvertebrados bentônicos apresentam a vantagem de poder refletir as condições pré-existentes, antes da coleta das amostras, e assim, permitem uma rápida identificação e precisa quantificação das alteraçoes ambientais (ROSENBERG; RESH, 1993, HIGUTI et al., 2005, FUSARI, 2006, MONKOLSKI et al., 2006, LOT, 2006 ). Os invertebrados bentônicos refletem a integridade física, química e biológica integrando o efeitos dos diferentes agentes antrópicos e fornecendo uma medida agregada dos impactos (ALBA-TERCEDOR, 1996). Tal situação ocorre porque os zoobentos de ecossistemas aquáticos são formados por organismos com adaptações evolutivas a determinadas condições ambientais, além de, apresentarem limites de tolerância a estas diferentes alterações (GOULART; CALLISTO, 2003).
134 Segundo diversos autores como: Rosenberg e Wiens (1976), Miyslinski e Ginsburg (1977), Lynch et al. (1988), Hare (1992), Hare e Campbell (1992), Rosenberg e Resh (1993), Goodyear e Mcneill (1999), Brandimarte et. al. (2004), Higuti et al. (2005), Silveira e Queiroz (2006) os invertebrados bentônicos são excelentes indicadores ambientais, porque apresentam uma série de vantagens em relação a outros organismos aquáticos como: habitam o fundo de ecossistemas aquáticos durante pelo menos parte do seu ciclo de vida; diversidade de formas de vida e de hábitats; mobilidade limitada, fazendo com que a sua presença ou ausência esteja associada às condições do habitat; presença de espécies com ciclo de vida longa em relação a outros organismos, possibilitando somatória temporal dos efeitos antropogênicos sobre a comunidade; facilidade de uso em manipulações experimentais, o que poderá resultar em previsões mais precisas. Nesse sentido, o biomonitoramento através da fauna de invertebrados bentônicos constitui uma técnica de baixo custo financeiro, e muito importante na comparação com os resultados das variáveis físicas e químicas. Além disso, de acordo com Brandimarte et al. (2004), para a amostragem do zoobentos, existe uma variedade de equipamentos que devem ser selecionados, segundo as características do ambiente, de maneira que as coletas possam refletir com maior grau de fidelidade a situação real do ecossistema estudado. Assim, o uso de substratos artificiais padronizados tem sido utilizado como uma forma de amenizar os problemas de variabilidade dos substratos naturais nos diferentes locais a serem estudados e comparados, sendo uma técnica empregada desde o inicio do século XX (GUERESCHI, 2004), originalmente utilizada para coleta de macroinvertebrados bentônicos quando não era possível o uso de equipamentos tradicionais como redes e dragas (BEAK et al., 1973). Atualmente, os substratos artificiais têm sido utilizados em programas de biomonitoramento, considerando-se algumas vantagens que apresentam sobre os amostradores convencionais, como a diminuição da variabilidade ambiental, a realização de amostragens sem interferir demasiadamente no ambiente em estudo e a obtenção de um número maior de amostras processáveis em tempo menor (RESH; JACKSON, 1993). Além disso, convém ressaltar seu baixo custo e a construção simples desses amostradores (HILSENHOFF, 1969). Entretanto essa técnica traz algumas desvantagens, como a falta de conhecimento da dinâmica de colonização, do tempo ideal de exposição e principalmente as perdas por vandalismo e enchentes (ROSENBERG; RESH, 1982, BRANDIMARTE et al., 2004). A análise do processo de sucessão ecológica, utilizando-se substratos artificiais pode mostrar importantes aspectos da estrutura da comunidade zoobentônica, onde inicialmente táxons menos adaptados invadem a área, modificando o ambiente de tal modo a permitir a invasão por outros grupos que podem excluir seus predecessores. Assim, experimentos de colonização permitem conhecer a fauna de invertebrados presentes numa área, como também possibilitam a análise das mudanças que ocorrem na composição da comunidade ao longo do tempo (FONSECA-GESSNER; GUERESCHI, 2000, LIMA, 2002, CARVALHO; UIEDA, 2004, GUERESCHI, 2004, SILVEIRA; QUEIROZ, 2006, FLORENTINO; ABÍLIO, 2006). Vale ainda salientar que no Brasil são poucos os estudos utilizando substratos artificiais no processo de colonização, sucessão, e/ou monitoramento da qualidade ambiental de corpos aquáticos, destacando-se os trabalhos realizados em: São Paulo por Carvalho e Uieda (2004), Guereschi (2004), Correia e Trivinho Strixino (2005), Kikuchi e Uieda (2005), Silveira e Queiroz (2006), Lot (2006); Paraná por Anjos e Takeda (2005); Minas Gerais por Moretti et al. (2007); Mato Grosso por Lima (2002); Rio Grande do Sul por Volkemer-Ribeiro et al. (2004); e no estado da Paraíba por Florentino e Abílio (2006) estudando o açude Namorados localizado no município de São João do Cariri-PB. Além disso, não há registros anteriores de diagnóstico ambiental do lago no Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa-PB) através da utilização da fauna de macroinvertebrados bentônicos e sua relação com as variáveis ambientais. Portanto, a realização de estudos ecológicos de monitoramento através de substratos artificiais que podem caracterizar a estrutura e a dinâmica de biocenoses, constitui mais uma das ferramentas que podem ser usadas para implantação de técnicas de manejo que permitam a conservação da biodiversidade e a recuperação de áreas degradadas.
135
2 OBJETIVOS 2.1 GERAL
Investigar o processo de colonização e sucessão ecológica dos macroinvertebrados bentônicos através de substratos artificiais em um lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa-PB), com o intuito de entender a dinâmica dessa biocenose nesse ecossistema.
2.2 ESPECÍFICOS
Analisar os processos de colonização e sucessão ecológica da comunidade zoobentônica em substratos artificiais através da determinação das Unidades Taxonômicas Operacionais (UTO);
Comparar a estrutura taxonômica dos invertebrados utilizando substratos artificiais (argila expandida e macrófitas) com o intuito de ampliar o conhecimento sobre outros tipos de ferramentas de avaliação e monitoramento de corpos aquáticos;
Caracterizar o habitat destes zoobentos, com relação as variáveis ambientais e a possível influência dos substratos artificiais na composição, riqueza taxonômica e abundância relativa;
Identificar a porcentagem participativa dos hábitos alimentares da fauna de invertebrados presentes nos substratos artificiais;
Inferir sobre a qualidade ambiental do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão, utilizando a fauna bentônica associada aos substratos artificiais como bioindicadores.
3 ÁREA DE ESTUDO O local onde foi realizado a pesquisa está inserida na mata do Buraquinho (um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica do Brasil em área urbana), atual Jardim Botânico Benjamim Maranhão (JBBM), desde o ano de 2000 pelo decreto nº 21.264 (ARAUJO, 2002). O Jardim Botânico Benjamim Maranhão esta localizado a sudoeste do centro da capital, área litorânea do estado da Paraíba, entre as coordenadas 7º 2´ 58” S e 7º 10´ 32” W, ocupando uma área total de 60 Km2, a uma altitude média de 45m (ESPÍNOLA et al., 1992) (Figura 1). A área caracteriza-se por uma formação densa, sempre verde, com clima intertropical quente e úmido, com temperatura média anual em torno de 25ºC, umidade relativa do ar bastante elevada (nunca inferior a 74%) e índices pluviométricos de 1600 mm anuais em média, sendo as chuvas variando o ano todo (ARAÚJO, 2002) (Figura 2A). O lago onde foram implantados os experimentos com substratos artificiais apresenta um perímetro médio de 115m, e uma profundidade máxima de 1.30 m, desembocando no rio Jaguaribe (Figura 2B). Este rio possui uma extensão aproximada de 21 km até a desembocadura no oceano Atlântico, na divisa entre os bairros do Bessa (João Pessoa-PB) e Intermares (Cabedelo-PB) e apresenta várias nascentes, sendo as principais localizadas, próxima às lagoas de Oitizeiro e no bairro Boa Esperança, região Sul de João Pessoa-PB (ESPÍNOLA et al., 1992).
136
12
Localização do Lago
137 Figura 1 – Localização do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (JBBM) e do lago onde foram instalados os experimentos com substratos artificiais, no município de João Pessoa, estado da Paraíba, Nordeste do Brasil. Fonte: Adaptado e modificado do Google Maps70.
A
B
Figura 2 - Vista aérea da área de estudo, com destaque em A - Mata do Buraquinho e em B - Jardim Botânico Benjamim Maranhão com ênfase para o lago de estudo. Fonte: Dirceu Tortorello, Sudema-PB.
70
Disponível em: <http://maps.google.com.br>. Acesso em: 22 de março de 2007.
138
4 MATERIAL E MÉTODOS 4.1 COLONIZAÇÃO DOS MACROINVERTEBRADOS Para a colonização dos macroinvertebrados bentônicos foram utilizados dois tipos de substratos artificiais. Um contendo 600g de pedras de argila expandida com aproximadamente 3,0 centímetros de diâmetro médio cada, ensacadas em cestos com tela de polietileno (2 cm de abertura de malha), com capacidade total de 2000 cm3 (20X20X5 cm de área dos cestos). Para o outro experimento foram utilizados 600g (peso úmido) da macrófita aquática Pistia stratiotes (comum na região), ensacadas de forma similar ao substrato anterior para manter a mesma estrutura experimental, no entanto, foi colocada uma tela com 20 cm de lados e abertura de 1mm de malha, no fundo do cesto contendo macrófitas, para evitar a perda excessiva de material vegetal durante o processo de decomposição (Figura 3). Os cestos foram distribuídos na região marginal do lago no Jardim Botânico Benjamim Maranhão (JBBM) em uma faixa de aproximadamente 1m da margem, a uma profundidade máxima de 0,80 m, sendo retirado 2 lotes de cada tipo de substrato ao longo do período de colonização. Os substratos contendo argila expandida tiveram os primeiros cestos retirados após 14 dias de exposição, em intervalos de 7 dias, num total de 15 coletas. Para o substrato com macrófitas, os cestos foram retirados a partir do 2º dia de colonização, em intervalos diários, também perfazendo um total de 15 coletas. Os substratos foram retirados com auxílio de uma peneira de 210 µm de abertura de malha e transferidos cuidadosamente para sacos plásticos 100L. No laboratório as amostras foram lavadas em água corrente utilizando peneiras de 500 e 210 µm de abertura de malha, sendo o material resultante acondicionado em potes plásticos e fixado em formol a 4%. A triagem da fauna bentônica foi realizada em bandejas de pvc brancas iluminadas e os indivíduos encontrados transferidos para frascos de vidro e preservados em álcool a 70%.
Figura 3 - Lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa – PB), em novembro/2006, com destaque para os respectivos pontos de instalação dos substratos artificiais, contendo macrófitas (Pistia stratiotes) e argila expandida. Fonte: Dados da Pesquisa, 2006. 4.2 ABUNDÂNCIA RELATIVA E RIQUEZA TAXONÔMICA DA FAUNA BENTÔNICA
139
A abundância relativa dos organismos foi calculada a partir da contagem total dos organismos nas amostras de acordo com a seguinte fórmula: Abundância relativa (%) = n x 100 N Onde, n é o número de indivíduos do grupo taxonômico, N é o número de indivíduos total do dia de colonização. A riqueza taxonômica foi estimada pela somatória das Unidades Taxonômicas Operacionais (UTO) encontradas em cada dia de colonização. 4.3 IDENTIFICAÇÃO DOS MACROINVERTEBRADOS BENTÔNICOS A identificação das Unidades Taxonômicas Operacionais (UTO) dos invertebrados foi realizada através de um estereomicroscópio com auxilio de bibliografias especializadas, tais como: Usinger (1956), Ward e Wipple (1959), Pennak (1978), McCafferty (1981), Merritt e Cummins (1984), Lopretto e Tell (1995 a, b), Brinkhust e Marchese (1989), Trivinho-Strixino e Strixino (1995). 4.4 DETERMINAÇÃO DOS HÁBITOS ALIMENTARES DOS MACROINVERTEBRADOS Para a determinação dos hábitos alimentares dos macroinvertebrados utilizaram-se as categorias descritas em Merritt e Cummins (1984) para os insetos, e para os moluscos, crustáceos e anelídeos foram utilizadas as categorias indicadas por Hutchinson (1993), Ward e Whipple (1959), Pennak (1978). 4.5 ÍNDICE PLUVIOMÉTRICO Os dados de pluviosidade do município de João Pessoa - PB área de abrangência do JBBM foram obtidos na Estação Climatológica do Laboratório de Energia Solar (LES) da UFPB. 4.6 VARIÁVEIS FÍSICAS E QUÍMICAS DA ÁGUA Para a avaliação da possível influência das variáveis físicas e químicas da água sobre os macroinvertebrados bentônicos, algumas variáveis foram medidas no campo, e amostras da água da superfície foram coletadas na data de retirada dos cestos de substratos artificiais e no horário compreendido das 12:00 as 13:00 para serem analisadas em laboratório. 4.6.1
Variáveis determinada no campo
Temperatura da água (ºC) – através de um termômetro de mercúrio, com 0,5ºC de precisão, próximo do local da retirada dos substratos artificiais;
pH - através de um pHmêtro Analyser portátil;
Condutividade Elétrica (S cm-1) – através de um condutivímetro Analyser portátil.
4.6.2
Variáveis determinadas no laboratório
Alcalinidade (mgCaCO3/L) - segundo o método de titulação descrito em Golterman et al. (1978);
Dureza Total (mgCaCO3/L) – determinado pelo método de titulação de acordo com American Public Health Association (EATON et al., 1995);
140
Oxigênio Dissolvido (mg O2/L) e Saturação do oxigênio (%) – utilizou-se o método clássico de Winkler, e os valores calculados em mg/L foram convertidos para % de saturação, através de nomograma de interconverção de concentração de O2 para % de saturação, descrito por Golterman et al. (1978) e adaptado por Pinto-Silva (2002), de acordo com a seguinte fórmula: S.P = OD x 100 ODs Onde, S.P é a Saturação de Oxigênio Parcial, OD é o valor de titulação de oxigênio Dissolvido, ODs é o valor de oxigênio dissolvido de acordo com a temperatura obtida no ambiente em (0C) a pressão de 760 mmHg e 100% de umidade (ANEXO A). Depois se calcula a saturação de Oxigênio Real, ou seja, saturação de oxigênio dissolvido: S.O.R = S.P F Onde, S.O.R é a Saturação de Oxigênio Real, S.P é a saturação de oxigênio parcial, F é o fator de correção de altitude (ANEXO B);
Amônia (µg NH4/L) – as concentrações de amônia dissolvida na água foram determinadas através do método calorimétrico, descrito em Mackereth et al. (1978), onde a amônia reage com fenol e hipoclorito em uma solução alcalina para formar indofenol azul. A reação é catalizada pelo nitroprussiato. A absorbância resultante é proporcional à amônia presente e foi medida espectrofotometricamente a 635 nm (Espectrofotrômetro Jenway modelo 6100) e transformada para valores de concentração em µg NH4/L, através de uma curva padrão pré-determinada;
Nitrito (µg NO2/L) - as concentrações de nitrito dissolvido na água foram determinadas segundo as técnicas descritas em Mackreth et al. (1978), em cuja solução ácida, o nitrito produz ácido nitroso que diazotisa a sulfanilamida. O sal diazonium resultante é acoplado a outra amina aromática, n-1-naftiletileno-diamina dihidroclórico, e a absorbância determinada espectrofotometricamente a 543 nm (Espectrofotrômetro Jenway modelo 6100) e transformada para valores de concentração em µg NO2/L, através da curva padrão pré – determinada;
Fósforo Total (mg PO4/L) - as concentrações de fósforo total dissolvido na água foram determinadas segundo as técnicas descritas em Eaton et al. (1995). A leitura foi obtida através da extinção luminosa num Espectrofotrômetro Jenway modelo 6100, a 880 nm e transformada para valores de concentração em mg PO4/L, através de uma curva padrão pré-determinada.
4.7 ANÁLISE ESTATÍSTICA Utilizou-se o software Statística 7.0, para que fossem realizadas as seguintes análises:
Índice de Similaridade, baseado na Distância Relativa Euclidiana (DRE), sendo produzido um dendrograma “Cluster” (LUDWIG; EYNOLDS, 1988). Esta análise foi realizada para verificar se houve diferenças na composição das famílias de macroinvertebrados bentônicos, assim como investigar as similaridades entre os valores absolutos da fauna nos períodos de colonização, durante o período seco e chuvoso.
Correlação e nível de significância de Pearson para conhecer os fatores ambientais que influenciaram de forma positiva ou negativa a fauna bentônica, seguindo as recomendações de Zar (1999).
141
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES 5.1 VARIÁVEIS AMBIENTAIS E A RELAÇÃO COM A FAUNA DE MACROINVERTEBRADOS BENTÔNICOS Os lagos apresentam características próprias e podem ser influenciada principalmente por fatores ambientais como precipitação pluviométrica, alteração na qualidade química da água e do sedimento. Além disso, a disponibilidade de alimento e o tipo de substrato dos lagos contribuem em grande escala para as fortes flutuações tanto na riqueza taxonômica de grupos quanto na abundância e dinâmica populacional dos macroinvertebrados bentônicos (ABÍLIO, 1997, ABÍLIO, 2002, LIMA, 2002). Para a área estudada o período seco caracterizou-se por baixas precipitações, sendo um acumulado de 118 mm durante os experimentos com argila expandida (Figura 4), e 4,8 mm durante o estudo com substratos artificiais contendo macrófitas (Figura 5). Com relação ao período chuvoso, durante a experimentação com substratos contendo argila expandida constatou-se um acumulado de 780,8 mm (Fig. 4), já durante os experimentos com macrófitas observou-se um total pluviométrico de 28,8 mm (Fig. 5). A partir da comparação da fauna bentônica, constatou-se uma maior riqueza taxonômica no período seco dos substratos contendo argila expandida (19 taxa) quando comparados ao período chuvoso (12 taxa). Enquanto que nos experimentos contendo macrófitas observou-se uma homogeneidade tanto para o período seco quanto para o período chuvoso (16 taxa em ambos os períodos). Apesar da análise de correlação entre a fauna e os índices pluviométricos não demonstrarem influência significativa, todavia, percebe-se uma correlação negativa para a maioria dos grupos zoobentônicos. De fato, quando se compara a riqueza taxonômica entre os períodos seco e chuvoso, constatou-se, para os experimentos com argila expandida, uma menor riqueza taxonômica durante o período com maior índice de chuvas. Já nos experimentos com macrófitas, onde tanto no período seco quanto no chuvoso os índices pluviométricos foram reduzidos, a riqueza taxonômica foi à mesma para ambos os períodos. De forma similar Florentino e Abílio (2006) estudando o açude Namorados, São João do CaririPB e Guereschi (2004) estudando córregos da estação ecológica de Jataí, Luiz Antônio-SP através de substratos artificiais, observaram uma maior riqueza taxonômica durante o período de estiagem. Segundo Abílio (2002) fatores ambientais como precipitação pluviométrica influencia na composição e riqueza taxonômica, por provocarem alterações das condições físicas, químicas e biológicas dos ecossistemas aquáticos.
142
Figura 4 – Pluviometria (em mm) do município de João Pessoa-PB, região de abrangência do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante a experimentação com substratos artificiais contendo argila expandida realizado no período seco (06/outubro a 05/janeiro/2006) e chuvoso (12/março a 11/junho/2007). Fonte: Laboratório de Energia Solar da UFPB.
Figura 5 - Pluviometria (em mm) do município de João Pessoa – PB, região de abrangência do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante a experimentação com substratos artificiais contendo macrófitas realizado no período seco (08 a 20/outubro/2006) e chuvoso (14 a 23/março/2007). Fonte: Laboratório de Energia Solar da UFPB.
143 Os dados registrados para temperatura da água, indicaram para o período de experimentação com cestos contendo argila expandida, variações sazonais com valores mais elevados no período seco, oscilando entre um mínimo de 28,2ºC (49º dia) e um máximo de 32,4ºC (35º dia), o que resultou numa amplitude de variação térmica máxima de 4,2ºC, e temperaturas mais amenas no período chuvoso, variando de 27ºC (35º dia) a 31,5ºC (na instalação do experimento), resultando numa amplitude de variação de 4,5ºC (Figura 6A, APÊNDICE A; B). Com relação aos experimentos contendo macrófitas os resultados da temperatura da água mostraram uma pequena variação sazonal, com um mínimo de 27,4ºC (7º dia) e máximo de 31,9ºC (8º dia), resultando numa amplitude de variação térmica máxima de 4,5ºC no período seco, e uma variação de 26,8ºC (8º dia) e 32,9ºC (7º dia), o que resultou numa amplitude de variação de 6,1ºC no período chuvoso (Figura 6B, APÊNDICE C; D). A temperatura da água durante a experimentação com substratos artificiais contendo argila expandida influenciou de forma negativa e significativa no período seco os Gastropoda Melanoides tuberculata (r = -0,64; p ≤0,05) (APÊNDICE E), todavia para o período chuvoso influenciou de forma positiva e significativa os Insecta (r = 0,71; p ≤0,05), em especial os Chironomidae (r = 0, 74; p ≤0,05) (APÊNDICE F). Segundo Lima (2002), Guereschi (2004) e Pamplin (2004) a temperatura da água é uma variável de muita importância, pois influencia as propriedades físicas e os processos químicos em toda a coluna d´água e, por conseqüência direta ou indireta podem desempenhar um importante papel na duração do ciclo de vida dos insetos aquáticos, assim como na estruturação das comunidades zoobentônica.
A
33 32
ºC
31 30 29
Seco
28
Chuvoso
27 26 25 I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
Dias de Colonização
B
ºC
33 32 31 30 29 28
Seco Chuvoso
27 26 25 I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
Dias de Colonização
10º
11º
12º
13º
14º
144 Figura 6 - Valores da temperatura (ºC) da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco e chuvoso, onde: A - Substrato artificial contendo argila expandida; B - Substrato artificial contendo macrófitas. Fonte: Dados da Pesquisa, 2006-2007. Os valores das concentrações de oxigênio dissolvido na água apresentaram certa heterogeneidade sazonal durante os dois tipos de experimentos (argila expandida e macrófitas). Durante o período seco dos experimentos contendo argila expandida esta variável oscilou entre 7,31 mg O2/L (com 99,72% de saturação no 21º dia) e 13,9 mg O2/L (com 177,7% de saturação no 49º dia), sendo registrado diferenças de até 6,59 mg O2/L, já para a estação chuvosa variou entre 6,8 mg O2/L (85,8% de saturação no 14º dia) e 14,63 mg O2/L (197,9% de saturação na instalação do experimento), com uma amplitude de variação de 7,83 mg O2/L (Figura 7, APÊNDICE A; B). Com relação aos experimentos contendo macrófitas observaram-se variações mais atenuadas no período chuvoso, sendo registradas diferenças de até 8,24 mg O2/L, enquanto que no período seco as diferenças entre o mínimo e o máximo foram inferiores a 4 mg O2/L. Durante o período seco observou-se um mínimo de 6,58 mg O2/L (7º dia) e um máximo de 10,52 mg O2/L (5º dia), já no período chuvoso o mínimo foi de 6,39 mg O2/L (10º dia) e o máximo de 14,63 mg O2/L (instalação do experimento – I.E) (Figura 8A, APÊNDICE C; D). Com relação à saturação de oxigênio dissolvido, esta variável oscilou entre 57,3% (6º dia) a 152,9% (9º dia) no período seco, e de 82,1 (8º dia) a 197,9% (I.E) no período chuvoso. Estas diferenças entre o valor do oxigênio dissolvido e a porcentagem de saturação durante o estudo com substratos contendo macrófitas sugerem que a temperatura esteja influenciando na saturação (Figura 8B, APÊNDICE D). Com base nos valores das concentrações de oxigênio dissolvido e porcentagem de saturação, constataram-se que o lago no JBBM apresentou-se bem oxigenado para ambos os períodos de experimentação com substratos artificiais (argila expandida e macrófitas). Ressalta-se ainda, que estes resultados podem ter sido em decorrência do horário da coleta, pouca profundidade do lago, ampla superfície da lâmina d´água associado à baixa turbidez da água, e promovendo assim uma maior produtividade do ambiente através da fotossíntese (BARBOSA, 2002). Assim, nos experimentos com substratos contendo argila expandida, os índices de saturação de oxigênio dissolvido no período chuvoso influenciaram de forma positiva e significativa os grupos dos Insecta (r= 0,73; p ≤0,05), Ephemeroptera (r= 0,87; p ≤0,05) e negativamente os Gastropoda Melanoides tuberculata (r= -0,74; p ≤0,05) e Oligochaeta (r= -0,77; p ≤0,05) (APÊNDICE F). Neste sentido, a grande participação de insetos no lago durante o período de experimentação pode ter sido reflexo de um ambiente bastante oxigenado. Corroborando com os resultados apresentados, podemos destacar os seguintes autores: Souza (2006) e Ruffo (2008) nas lagoas Serrote (Boa Vista-PB) e Panati (Taperoá - PB), Abílio et al. (2006) no açude Bodocongó (Campina Grande - PB), Brito Júnior et al. (2005) no açude São José dos Cordeiros (São José dos Cordeiros - PB), Florentino e Abílio (2006) no açude Namorados (São João do Cariri-PB), também observaram que a concentração de oxigênio dissolvido pode influenciar na composição e abundância do zoobentos. Segundo Ward (1992) e Guereschi (2004) o oxigênio dissolvido é considerado uma das mais importantes variáveis ambientais, tanto para a caracterização dos corpos d´água quanto para a manutenção da vida aquática, pois pode determinar a duração do ciclo de vida dos insetos, grupo dominante no zoobentos de ecossistemas aquáticos continentais. Entretanto, vale salientar também que alguns organismos podem apresentar adaptações morfofisiológicas que permitem sobreviver em ambientes pouco oxigenados, a exemplo dos: Oligochaeta e larvas de Chironomidae que dispõem de ventilação ondulatória do abdome, pigmentos respiratórios, e mecanismos de desintoxicação; os Hemiptera, Coleoptera e Pomacea lineata podem respirar oxigênio atmosférico, quando há déficit de oxigênio na água (MONKOLSKI et al., 2006).
145
mg O2/L
A
15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3
Seco Chuvoso
I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
Dias de Colonização
Porcentagem (%)
B
200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0
Seco Chuvoso
I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
Dias de Colonização
Figura 7 - Valores das variáveis físicas e químicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante os experimentos com argila expandida, compreendendo o período seco e chuvoso: A – Oxigênio Dissolvido (mg O2/L); B- Saturação de O.D (%). Fonte: Dados da Pesquisa, 2006-2007.
mg O2/L
A
15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3
Seco Chuvoso
I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
Dias de Colonização
10º
11º
12º
13º
14º
146
Porcentagem (%)
B
200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0
Seco Chuvoso
I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
12º
13º
14º
Dias de colonização
Figura 8 - Valores das variáveis físicas e químicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante os experimentos com macrófitas, compreendendo o período seco e chuvoso: A – Oxigênio Dissolvido (mg O2/L); B - Saturação de O.D (%). Fonte: Dados da Pesquisa, 2006-2007. A condutividade elétrica da água durante os experimentos (argila expandida e macrófitas) apresentou certa heterogeneidade sazonal com valores mais elevados durante o período chuvoso. Para os experimentos contendo argila expandida a condutividade elétrica da água oscilou de 340 a 392S cm-1 durante o período chuvoso, já para o período seco os valores foram mais homogêneos sendo registrado um mínimo de 243,5S cm-1 e um máximo de 259,6S cm-1(Figura 9A, APÊNDICE A; B). Com relação aos experimentos contendo macrófitas, a condutividade elétrica apresentou valores superiores a 350 S cm-1 no período chuvoso e valores mais homogêneos durante o período seco, observando um mínimo de 235 S cm-1 (8º dia) e um máximo de 254,7 S cm-1 (11º dia) (Figura 9B, APÊNDICE C; D). A variação sazonal com valores mais elevados no período chuvoso pode está associada à alternância do regime de precipitação durante o período de estudo e/ou a natureza geológica da bacia hidrográfica, onde se localiza o corpo aquático. Segundo Abílio (2002) e Leite (2001) os valores de condutividade elétrica variam com sua localização, estação do ano, geologia local e precipitação pluviométrica. Os baixos valores de condutividade do lago sugerem que estes ecossistemas ainda não sofrem tanta interferência antrópica, além disso, refletem baixas concentrações de íons bicarbonato presente na água, e essas cargas, podem influenciar na redução dos valores de condutividade elétrica. Corroborando com as informações supracitadas, Matheus e Tundisi (1988), relatam que a condutividade elétrica da água relaciona-se com a presença de íons dissolvidos no ambiente como partículas carregadas eletricamente, e sendo assim, quanto menor for à quantidade de íons dissolvido na água menor será o valor desta variável. A condutividade elétrica correlacionou-se de forma positiva e significativa com os valores absolutos de Gastropoda Melanoides tuberculata (r= 0,64; p ≤0,05) e negativamente para a fauna de Chironomidae (r= -0,73; p ≤0,05) durante o período seco (APÊNDICE E) e de forma positiva com os Odonata (r= 0,71; p ≤0,05) no período chuvoso dos experimentos contendo argila expandida (APÊNDICE F). Já nos substratos contendo macrófitas esta variável influenciou de forma negativa os M. tuberculata (r= -0,57; p ≤0,05) no período seco (APÊNDICE G), e positivamente os Odonata no período chuvoso (r= 0,71; p ≤0,05) (APÊNDICE H). Souza (2006) analisando os parâmetros físicos e químicos da lagoa Panati (Taperoá-PB) também observou que a condutividade elétrica da água correlacionava-se negativamente com a família Chironomidae e positivamente com os Gastropoda.
147
400
A
350
µS cm-1
300 250 200
Seco Chuvoso
150 100 50 0 I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
Dias de colonização 400
B
350
µS cm-1
300 250
Seco Chuvoso
200 150 100 50 0 I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
12º
13º
14º
Dias de colonização
Figura 9 - Valores da condutividade elétrica (µS cm-1) da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco e chuvoso, onde: A – substrato artificial contendo argila expandida; B- substrato artificial contendo macrófitas. Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007. O pH representa a atividade do hidrogênio na água resultante inicialmente da própria dissociação da molécula da água e, posteriormente acrescida pelo hidrogênio proveniente de outras fontes como: dissociação de compostos orgânicos que resultam da decomposição anaeróbia da matéria orgânica e também por despejos provenientes de várias outras fontes (OLIVEIRA, 2005). O pH da água do lago apresentou diferenças sazonais para os dois tipos de substratos artificiais (argila expandida e macrófitas), sendo constatado os menores valores no período chuvoso. Durante o período seco dos experimentos contendo argila expandida o pH variou entre 7,42 (77º dia) e 9,47 (21º dia), obtendo uma média de 8,27, e durante o período chuvoso registrou-se um mínimo de 6,24 (14º dia) e um máximo de 7,48(63º dia), com uma média de 6,71 (Figura 10A, APÊNDICE A; B). Para o experimento com macrófitas o pH oscilou entre 6,92 (10º dia) e 8,85 (14º dia), obtendo uma média de 8,03. enquanto que no período chuvoso observou-se um mínimo de 6,26 (4º dia) e um máximo de 7,16 (I.E) obtendo uma média de 6,53 (Figura 10B, APÊNDICE C; D). De acordo com os resultados deste trabalho, o pH da água do lago no JBBM apresentou certa variação sazonal para ambos os tipos de substratos, com valores médios próximos à neutralidade durante o período chuvoso e alcalino durante o período seco. A variação sazonal com relação ao pH sugere que o aumento das precipitações pluviométricas alterou os valores desta variável, uma vez que, as águas das chuvas além de seu conteúdo em CO2, podem
148 conduzir para dentro do lago grandes quantidades de materiais orgânicos e inorgânicos com considerável conteúdo iônico, tendendo a alterar os valores desta variável. Ressalta-se ainda, que o pH da água, assim como a condutividade elétrica, estão associados além da alternância do regime de precipitação pluviométrica durante o ano, a natureza geológica da bacia hidrográfica onde se localiza o corpo aquático (LEITE, 2001, OLIVEIRA, 2005). Embora tenham sido registradas variações no pH da água, segundo Esteves (1998) a maioria dos ecossistemas aquáticos continentais apresentam pH oscilando de 6,0 a 8,0. Além disso, a resolução do Conama nº 20/1986 estabelece para os sistemas aquáticos não antropizados limites de 6,0 a 9,0. Portanto, os valores desta variável estiveram numa amplitude que permite a sobrevivência dos macroinvertebrados bentônicos.
A
10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0
Seco Chuvoso
I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
Dias de colonização
B
10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0
Seco Chuvoso
I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
12º
13º
14º
Dias de colonização
Figura 10 - Valores do pH da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco e chuvoso, onde: A – Substrato artificial contendo argila expandida; B - Substrato artificial contendo macrófitas. Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007. Com relação aos teores de carbonato de Cálcio dissolvido na água observou-se para os substratos artificiais contendo argila expandida e macrófitas pouca variação sazonal. Durante os experimentos contendo argila expandida, a dureza total da água do lago oscilou entre 60 mg CaCO3/L (77º dia) e 110 mg CaCO3/L (35º dia), com uma média de 78,8 mg CaCO3/L durante o período seco, e de 74 mg CaCO3/L (14 e 63º dia) a 99 mg CaCO3/L (I.E) obtendo uma média de 81 mg CaCO3/L durante o período chuvoso (Figura 11 A, APÊNDICE A; B).
149 Para os experimentos com macrófitas, a dureza total da água apresentou valores inferiores a 100 mg CaCO3/L no período seco e chuvoso, exceto no 11º dia do período seco (143 mg CaCO3/L) (Figura 11 B, APÊNDICE C; D). Os valores de dureza total durante os experimentos contendo macrófitas correlacionaram de forma positiva e significativa com a fauna de Odonata (r= 0,72; p ≤0,05) no período seco (APÊNDICE G) e de Chironomidae (r=0,63; p ≤0,05) no período chuvoso, no entanto, influenciaram de forma negativa os Oligochaeta (r=-0,63; p ≤0,05) durante o período chuvoso (APÊNDICE H). Com relação à alcalinidade, os valores foram inferiores a 26 mg CaCO3/L para as estações seca e chuvosa e também para os diferentes tipos de substratos artificiais (Figura 12, APÊNDICE A; B;C; D). Para a alcalinidade constataram-se uma correlação negativa com os Ephemeroptera, em especial os Caenidae (r=-0,62; p ≤0,05) durante o período seco (APÊNDICE E) e uma correlação positiva com a família Chironomidae (r=0,79; p ≤0,05) durante o período chuvoso dos substratos contendo argila expandida (APÊNDICE F). Ruffo (2008) estudando a lagoa Panati no município de Taperoá, caatinga paraibana, também observou que a alcalinidade e a dureza influenciavam positivamente a fauna de Chironomidae. Portanto, a água do lago estudado, segundo a tipologia de Dussart (1976), é classificada como água de dureza média a alta, visto que, variam entre 60 a 110 mg CaCO3/L. De acordo com Abílio (1997), água de dureza média podem apresentar elevadas abundâncias e uma maior riqueza de espécies de moluscos. De fato, no lago em questão foram registradas quatro (4) famílias, destacando-se as elevadas abundâncias do gastrópode tiarídeo Melanoides tuberculata. Porém, a elevada presença de M. tuberculata pode ter limitado a presença de outros moluscos, em virtude da competição por micro-habitat e/ou alimento (ABÍLIO, 2002). Corroborando com os resultados supracitados, Abílio (1997), desenvolvendo estudos em um açude no município de São Mamede, Caatinga paraibana, observou a ocorrência de três espécies de gastrópodes, sendo que M. tuberculata foi à espécie dominante no ambiente e o ampullariídeo Pomacea lineata e o planorbídeo Biomphalaria straminea raros. De fato, no lago em estudo foram encontradas reduzidas abundâncias destes gastrópodes. Em um riacho do campus da Fundação Oswaldo Cruz - RJ e na represa da Pampulha em Belo Horizonte - MG, respectivamente, Fernandez et al. (2001) e Freitas et al. (1987) registraram um declínio de P. lineata e outros moluscos em decorrência da competição por M. tuberculata. 160
A mg CaCO3/L
140 120 100
Seco
80 60
Chuvoso
v
40 20 0 I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
Dias de colonização
63º
70º
77º
84º
91º
150 160
B
140
mg CaCO3/L
120
Seco Chuvoso
100 80 60 40 20 0 I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
12º
13º
14º
Dias de colonização
Figura 11 – Valores de dureza total da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco e chuvoso, onde: A – substrato artificial contendo argila expandida; B – substrato artificial contendo macrófitas. Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007.
mg CaCO3/L
A
50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0
Seco Chuvoso
I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
Dias de colonização
mg CaCO3/L
B
50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0
Seco Chuvoso
I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
12º
13º
14º
Dias de colonização
Figura 12 – Valores da alcalinidade da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco e chuvoso, onde: A – substrato artificial contendo argila expandida; B – substrato artificial contendo macrófitas. Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007.
151 As análises dos nutrientes dissolvidos na água durante as duas estações climáticas e para os substratos contendo argila expandida e macrófitas mostraram uma forte heterogeneidade sazonal, com valores de nitrito e amônia mais elevados no período seco. No experimento contendo argila expandida, os valores mínimos e máximos desses nutrientes durante o período seco foram os seguintes: nitrito 157,5 e 897,5 µg NO2/L; amônia 9,4 e 711,4 µg NH4/L; e fósforo total 0,003 e 0,307 mg PO4/L. Para o período chuvoso os valores mínimos e máximos foram os seguintes: nitrito 3,8 e 21,7 µg NO2/L; amônia 27,3 e 795,34 µg NH4/L; fósforo total 0,0004 e 0,052 mg PO4/L. (Figura 13, APÊNDICE A; B). Com relação ao período do experimento com macrófitas os valores mínimo e máximo desses nutrientes para o período seco foram os seguintes: nitrito 227,5 e 482,5 µg NO2/L; amônia 38,8 e 674,4 µg NH4/L; fósforo total 0,010 e 0,124 mg PO4/L. Já o período chuvoso os valores foram: nitrito 7 e 64,2 µg NO2/L; amônia 1,19 e 192,6 µg NH4/L, exceto no 5º dia (418,9 µg NH4/L); fósforo total não detectado pelo método e 0,008 (Figura 14, APÊNDICE C; D). De acordo com os resultados obtidos, nota-se que os compostos nitrogenados (nitrito e amônia) apresentaram concentrações elevadas no período seco. Tal fato sugere que a pluviosidade pode ter favorecido uma maior concentração destes compostos, uma vez que, elevadas temperaturas podem está associada à redução das chuvas na área de estudo e provocar uma diminuição da lâmina d´água, aumento da decomposição de materiais orgânicos e conseqüentemente elevando os valores destes compostos. As concentrações de amônia durante o período seco dos experimentos contendo argila expandida, influenciaram positivamente a fauna de Odonata, em especial os Libelulidae (r= 0,90; p ≤0,05) (APÊNDICE E). Popp e Hoagland (1995) reportam que altas concentrações de amônia podem ser tóxicas para os insetos aquáticos e outros invertebrados bentônicos, assim como as concentrações de nitrito que podem limitar a diversidade de zoobentos. Os valores de fósforo total correlacionaram de forma positiva e significativa com os M. tuberculata (r=0,64; p<0,05) e a fauna total do zoobentos (r=0,70; p<0,05) no período seco dos substratos artificiais contendo argila expandida (APÊNDICE E). Segundo Abílio et al. (2005a, b) o aumento dos valores dos compostos nitrogenados pode ser explicado pela alta taxa de evaporação da água, que contribui para um aumento da precipitação de sais, enquanto que o aumento da precipitação pluviométrica tende a diminuir os valores dos compostos nitrogenados pelo efeito da diluição. Assim, com relação às concentrações de fósforo total, já se esperava valores baixos, uma vez que o lago sofre poucos impactos ambientais, uma vez que está situado em uma área de preservação ambiental. Desta forma, esta variável pode ter favorecido a colonização de zoobentos e/ou organismos menos adaptados e sensíveis, como os Trichoptera e Ephemeroptera. Corroborando com as informações supracitadas Abílio (2002) reporta que concentrações elevadas de fósforo total podem limitar a colonização e a riqueza taxonômica do Zoobentos, assim como a presença de organismos menos adaptados e sensíveis. Pelli e Barbosa (1998) relatam que várias espécies de insetos aquáticos apresentam uma correlação positiva com a concentração de nutrientes, sendo a abundância de Ephemeroptera influenciada significativamente com o fósforo total e de Chironomidae com o nitrogênio na forma de amônia. Portanto, no geral, os resultados das análises ambientais, neste trabalho, não detectaram acentuadas alterações ambientais, uma vez que, o lago encontra-se numa área protegida Porém para uma maior caracterização das águas do lago, seriam necessários estudos com tais objetivos específicos, o que demandaria a realização de outros tipos de parâmetros de análises da água.
152
900
A
800
µg NO2/L
700 600
Seco
500
Chuvoso
400 300 200 100 0 I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
Dias de colonização 800
B
700 µg NH4/L
600 500
Seco Chuvoso
400 300 200 100 0 I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
Dias de Colonização
63º
70º
77º
84º
91º
153
0,35
C
0,3 mg PO4/L
0,25
Seco
0,2
Chuvoso
0,15 0,1 0,05 0 I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
Dias de colonização
Figura 13 - Valores das variáveis físicas e químicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão no experimento com argila expandida durante o período seco e chuvoso: A- – nitrito (µg NO2/L), B - amônia (µg NH4/L); C - fósforo total (mg PO4/L). Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007.
µg NO2/L
A
500 450 400 350 300 250 200 150 100 50 0
Seco Chuvoso
I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
Dias de colonização
10º
11º
12º
13º
14º
154
800
B
700 µg NH4/L
600 500
Seco
400
Chuvoso
300 200 100 0 I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
12º
13º
14º
Dias de colonização 0,2
C mg PO4/L
0,15
Seco Chuvoso
0,1
0,05 0 I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
12º
13º
14º
Dias de colonização
Figura 14- Valores das variáveis físicas e químicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão no experimento com macrófitas durante o período seco e chuvoso: A – nitrito (µg NO2/L), B – amônia (µg NH4/L); C – fósforo total (mg PO4/L). Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007.
5.2 COLONIZAÇÃO E SUCESSÃO ECOLÓGICA DOS INVERTEBRADOS Nas Tabelas I, II, III e IV estão representados os valores absolutos, a abundância relativa e a riqueza taxonômica de invertebrados bentônicos durante o período seco e chuvoso dos experimentos contendo argila expandida e macrófitas. Ao longo do período de experimentação foi coletado um total de 13.512 organismos, sendo 6.440 indivíduos durante os experimentos com argila expandida, e 7.072 durante os experimentos com macrófitas, identificados nos seguintes táxons: Gastropoda (Ampullariidae, Thiaridae, Planorbidae, Physidae); Odonata (Gomphidae, Libellulidae, Cooenagrionidae); Hymenoptera; Diptera (Chironomidae, Ceratopogonidae, Culicidae, Stratiomyidae, Ephydridae, Tabanidae); Trichoptera (Polycentropodidae); Ephemeroptera (Baetidae, Caenidae, Polymitarcyidae); Heteroptera (Belostomatidae, Mesoveliidae, Veliidae); Coleoptera (Hydrophylidae, Elmidae); Annelida (Oligochaeta, Glossiphoniidae); Ostracoda. No entanto, os Hymenoptera, Polymitarcyidae, Mesoveliidae, Veliidae e Ostracoda foram encontrados somente nos experimentos com argila expandida, e Planorbidae, Physidae, Ephydridae, Tabanidae, Belostomatidae, Hydrophylidae e Elmidae apenas nos substratos artificiais contendo macrófitas. A fauna de invertebrados nos substratos artificiais (argila expandida) foi representada por uma riqueza total de 20 Unidades Taxonômicas Operacionais (UTO), sendo 19 UTO no período seco e 12
155 UTO no período chuvoso. Já nos substratos com macrófitas observaram-se uma riqueza máxima de 20 UTO, sendo 16 UTO para ambos os períodos. Portanto, pode-se sugerir que os dois tipos de substratos artificiais podem ter contribuído para o processo de colonização de invertebrados. Em estudos de monitoramento na diversidade de invertebrados no rio Nilo, Fishar e Williams (2006) constataram que o uso de substratos artificiais mostrou ser mais eficiente para a determinação e comparação do zoobentos durante o verão. De fato, no lago do JBBM a riqueza taxonômica e abundância relativa foram mais elevadas no período seco. Corroborando com esta pesquisa, Florentino e Abílio (2006) estudando o processo de colonização de invertebrados em substratos artificiais no açude Namorados localizado no município de São João do Cariri-PB observou uma maior riqueza taxonômica também no período seco. As análises dos substratos artificiais indicaram ao longo do período de estudo uma sucessão na dominância do zoobentos, destacando-se para os experimentos com argila expandida, os Chironomidae e Melanoides. tuberculata durante o período seco, contribuindo, respectivamente, com uma abundância relativa máxima de 43,58% (21º dia) e 68,97% (91º dia), enquanto que para o período chuvoso, os invertebrados dominantes foi representada pelos Oligochaeta (abundância relativa máxima de 46,71% no 21º dia), Chironomidae (57,97% no 91º dia) e Caenidae (58,21% no 63º dia de colonização). Para os experimentos com macrófitas os grupos dominantes foram os mesmos para o período seco e chuvoso, destacando-se: os Chironomidae com abundância relativa máxima de 56,89% no 14º dia (período seco) e 48,33% no 8º dia (período chuvoso), Oligochaeta 42,7% no 2º dia (período seco) e 60,82 no 2º dia (período chuvoso) e M. tuberculata 51,47% no 8ºdia (período seco) e 59,06% no 9º dia (período chuvoso). A freqüência e dominância em certos dias de colonização dos Diptera Chironomidae nos substratos artificiais contendo argila expandida e macrófitas sugerem que estes organismos apresentam estratégias adaptativas, que os tornam pioneiros na colonização de diferentes habitats. Tal adaptação, segundo Merritt e Cummins (1984) se dar pelo fato deste grupo apresentar diferentes categorias de grupos funcionais de alimentação como fragmentadores, coletores, raspadores e predadores, além de estratégias fisiológicas que permitem sobreviver em diferentes condições ambientais. Segundo Strixino e Trivinho-Strixino (2006), os Chironomidae constituem o grupo de maior abundância e diversidade da entomofauna aquática em ecossistemas dulceaquícolas, alem disso, este táxon representa um importante item da dieta de peixes, como também podem ser indicador de qualidade ambiental (TAKEDA et al., 2004). A dominância dos Diptera Chironomidae foram enfatizados por pesquisas realizadas no estado da Paraiba, tais como em, açudes (ABILIO, 2002, ABÍLIO et al., 2005a, 2005b; BRITO-JUNIOR et al., 2005; FLORENTINO e ABÍLIO, 2006), lagoas temporárias (SILVA-FILHO, 2004, SOUZA, 2006, SOUZA; ABÍLIO, 2006, RUFFO, 2008, ALBUQUERQUE, 2008), rios e riachos (SILVA-FILHO, 1999, SANTANA, 2006). Dentre o zoobentos também freqüentes e dominantes no lago durante os dois tipos de experimentos,destaca-se o gastrópode M. tuberculata (Thiaridae), uma vez que, além de terem participado com elevadas abundâncias relativa principalmente no período seco, esta espécie é exótica e pode atuar como hospedeiro intermediário do Paragonimus westermani e do Clonorchis sinensis, ou seja, vetores de enfermidades de veiculação hídrica, como a clonorquíase e paragonimíase (POINTER et al., 1993, ABÍLIO, 2002). Abílio (1997) estudando a lagoa do Parque Solon de Lucena (João Pessoa-PB) também observou que os M. tuberculata era o grupo mais representativo durante o período de estudo. Segundo Freitas et al. (1987) e Suriane (2006) estes tiarídeos apresentam uma
156 elevada capacidade migratória e fácil adaptação, tornando-se bem estabelecidos em todos os tipos de substratos, graus de trofia e poluição, o que pode ser prejudicial para a fauna endêmica do lago no JBBM. Com relação aos outros representantes da malacofauna, vale salientar o registro do molusco Biomphalaria straminea durante o período seco dos substratos artificiais contendo macrófitas, uma vez que, este gastrópode pode ser intermediário do Schistossoma mansoni, trematódeo causador da Equistosomose, uma doença endêmica no Nordeste Brasileiro (ABÍLIO, 1994, ABÍLIO, 1997, ABÍLIO, 2002, AMARAL et al., 2008). Dentre os anelídeos, o táxon Oligochaeta foi também outro grupo bastante freqüente durante os estudos com substratos artificiais, principalmente durante o período chuvoso. Tal participação reporta que características dos substratos artificiais podem ter propiciado um acúmulo de detritos, e conseqüentemente favorecido a colonização destes organismos. Corroborando com os resultados supracitados, Souza (2006) em estudos de corpos aquáticos da Caatinga Paraibana, observou uma maior participação de Oligochaeta quando se registrava elevados teores de matéria orgânica. De maneira similar, Florentino e Abílio (2006) trabalhando com substratos artificiais contendo argila expandida em um açude da Caatinga Paraibana observou a freqüente participação dos Oligochaeta durante o período de estudo. Segundo Silveira e Queiroz (2006), os Oligochaeta são animais comedores de depósito, podendo ocorrer em grandes quantidades onde há acúmulo de matéria orgânica e maiores concentrações de nutrientes (principalmente os compostos nitrogenados e fosfatados). Além disso, Guereschi (2004) ressalta que as maiores abundâncias relativas registradas de Oligochaeta ocorreram em ambientes lênticos como lago, lagoas e açudes. Vale salientar que a presença Oligochaeta no lago, não atesta um ambiente enriquecido por matéria orgânica, apesar de seu uso como indicadores, uma vez que organismos deste grupo podem ocorrer em ambientes “limpos”, embora em números menores (BRANDIMARTE; SHIMIZU, 1990). Além disso, Harman (1982) e Pamplin et al. (2005), afirmam que a classe Oligochaeta, juntamente com as larvas de Chironomidae, constitui um dos principais componentes da fauna de invertebrados em diferentes tipos de habitats. Durante a estação seca, os Ephemeroptera Caenidae foram o segundo grupo mais representativo e freqüente dos substratos artificiais contendo argila expandida, sendo registrado uma abundância relativa máxima de 42,86% (21º dia), seguido dos Oligochaeta freqüentes em todos os dias de colonização e contribuindo com abundância relativa máxima de 18,18% (28º dia de colonização). A grande participação dos Ephemeroptera em especial de Caenidae, pode ser explicada possivelmente pela cobertura de perifiton verificada nas pedras de argila expandida, a qual fornece abrigo e alimento. Segundo Salles et al. (2004) e Baptista et al. (2006) ninfas de Caenidae constituem um dos grupos mais freqüentes e abundantes, dentre os macroinvertebrados, ocupando grande variedade de ambientes aquáticos, desde que as águas não sofram impactos antropogênicos. Observou-se também que a família Polycentropodidae (Trichoptera) foi registrada em ambos os períodos e substratos, exceto no período chuvoso dos experimentos com macrófitas (abundâncias relativas inferiores a 2%). A ocorrência de ninfas de Ephemeroptera e Trichoptera, no geral, em ambos os tipos de experimentos pode sugerir um baixo enriquecimento orgânico do lago, uma vez que, estes insetos são típicos de ambientes meso-oligotróficos sensíveis à poluição orgânica (MERRITT; CUMMINS, 1984), e sendo assim, os primeiros a desaparecerem com o aumento do processo de eutrofização no ambiente (ABÍLIO, 2002). Dentre os insetos, observou-se também que os Odonata Libellulidae estiveram presentes em vários dias de colonização do período seco e chuvoso, principalmente nos substratos contendo argila expandida.
157 A maior freqüência de Libellulidae nos substratos com argila expandida, sugere que estes organismos podem ter certa preferência na colonização de novos habitats. Corroborando com esta pesquisa Ruffo (2008) e Ferreira-Peruquetti (2006) estudando respectivamente a lagoa Panati no município de Taperoá-PB e a Estação Ecológica de Jataí-SP registraram uma elevadada representatividade da família Libellulidae entre os indivíduos desta ordem. Contudo, a entomofauna aquática caracterizou-se predominantemente pela presença de larvas de Chironomidae, ninfas de Caenidae e Libellulidae. Segundo Correia e Trivinho-Strixino (2005) a maioria dos insetos aquáticos apresenta uma íntima associação com o substrato, pelo menos, durante uma fase da vida. Desta forma, o tipo de substrato artificial exercem grande relação sobre estes organismos, podendo influenciar no seu crescimento e sobrevivência, pois fornecem habitat, alimento e proteção. Assim, a participação de insetos nos cestos durante o período seco e chuvoso em diferentes estágios de desenvolvimento nos dois tipos de substratos sugere que estes experimentos, no geral, oferecem condições físicas adequadas para a colonização de perifiton e deposição de detritos orgânicos, o que favorece a instalação destes macroinvertebrados. Segundo Moschini-Carlos e Henry (1997) a colonização de perifiton exerce um forte efeito na composição e na densidade de invertebrados, especialmente de insetos e gastrópodes. Vale salientar ainda, que a participação dos Odonata, insetos que possuem ciclo de vida longo e com fase larval podendo alcançar até dois anos, em ecossistemas aquáticos continentais está sujeita às alterações ambientais durante o desenvolvimento larval até a fase adulta. Neste contexto, são considerados potenciais indicadores da qualidade do habitat, e apesar de serem menos sensíveis que outros insetos aquáticos (Triochoptera e Ephemeroptera), são relativamente grandes, facilitando os diagnósticos rápidos de qualidade de água (FERREIRA-PERUQUETTI; MARCO Jr., 2002, FERREIRA-PERUQUETTI; FONSECA-GESSNER, 2003, FERREIRA-PERUQUETTI, 2006). A constante freqüência das larvas de Libellulidae pode está relacionada primariamente a presença da Mata Atlântica e o local ser uma área de preservação ambiental, visto que em ambientes aquáticos a distribuição imatura dos Odonata está primariamente relacionada ao adulto. Segundo Assis et al. (2004) após a ovoposição, os imaturos se distribuem nos corpos d´água de acordo com suas características morfológicas e comportamentais, procurando satisfazer a três requisitos principais: respiração, alimentação e refúgio, levando-se em conta a partilha de recursos, quantidade de presas e, principalmente, a de predadores, e neste contexto, os substratos artificiais podem ter favorecido a colonização destes, especialmente por ter oferecido uma estrutura física adequada. Com relação aos dípteros Stratiomyidae, observou-se que estes foram mais representativos e freqüentes nos experimentos com macrófitas, sendo registrado abundâncias relativas máximas de 6,63%, quando comparados com os substratos artificiais contendo argila expandida, onde se registrou abundâncias relativas inferiores a 1%. A elevada freqüência e abundância relativa destes organismos nos experimentos com macrófitas, sugerem que estes podem ter preferência por certos tipos de substratos. Corroborando com os resultados deste trabalho, Trivinho-Strixino e Strixino (1995, 2005) reportam que os dípteros, no geral, apresentam-se em elevadas participações durante o processo de decomposição de macrófitas. Observou-se ainda que determinadas famílias de invertebrados estiveram presentes somente em um dos tipos de substratos, destacando-se para os substratos contendo argila expandida os dípteros (Ceratopogonidae, Culicidae), os tricópteros (Polycentropodidae), os efemerópteros (Polymitarcyidae), os heteropteros (Mesoveliidae, Veliidae) e anelídeos (Glossiphoniidae), e para os substratos com macrófitas os gastrópodes (Biomphalaria straminea, Aplexa marmorata), os dípteros (Ephydridae), os heterópteros (Belostomatidae) e os coleópteros (Hydrophylidae). Segundo Merritt e Cummins (1984), Kikuchi e Uieda (2005) a composição, abundância e densidade populacional de invertebrados bentônicos em experimentos artificiais é resultado da interação entre o hábito, as condições físicas, e a disponibilidade alimentar, uma vez que, os diferentes organismos colonizam habitats de acordo com suas necessidades biológicas. Assim a variação da composição de invertebrados nos substratos artificiais contendo macrófitas e argila expandida sugere que certos organismos apresentam preferência pelo tipo de substrato.
158 Com relação aos outros taxa, foram raros e esporádicos durante os dois tipos de experimentos (argila expandida e macrófitas), apresentando abundâncias relativas inferiores a 2%. Nas Figuras 15 e 16 estão representados os dendrogramas de similaridade dos dias de colonização durante o período seco e chuvoso, respectivamente nos experimentos contendo argila expandida e macrófitas a partir dos valores absolutos de invertebrados. A partir da análise estatística, utilizando a Distância Relativa Euclidiana, é importante enfatizar que, em relação às ordens de macroinvertebrados associados aos substratos artificiais contendo argila expandida, observou-se que há uma similaridade, principalmente entre o 28º dia de colonização (6 taxa, 132 ind., valor nulo de precipitação) durante o período seco, com o 35º dia (8 taxa, 133 ind., valor nulo de precipitação) do período chuvoso, assim como entre o 77º dia (6 taxa, 193ind., 9 mm de chuva) do período seco com o 70º dia (6 taxa, 217ind., 13 mm de chuva) do período chuvoso. Essa semelhança, entre essas épocas, pode ser explicada pelo fato de apresentarem uma riqueza, fauna total de invertebrados e índices de pluviosidade, com valores próximos. No entanto, apesar da similaridade entre o 91º dia do período seco com o 49º dia de colonização durante o período chuvoso, constataram-se uma expressiva dissimilaridade, deste grupo, com o restante da análise dos grupos de zoobentos, expressos no dendrograma. Esta diferença refere-se, principalmente ao fato de ambos os períodos apresentarem valores absolutos de invertebrados aquáticos superiores a 520 indivíduos. Durante os outros períodos de colonização, registraram-se valores inferiores a 285 indivíduos. 250 240 230 220 210 200 190 180 170 160 150 140 130 120 110 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 91º S 91º C 77º C 56º C 49º C 42º C 28º S 77º S 56º S 35º S 70º S 84º S 49º S 84º C 63º C 21º C 28º C 35º C 63º S 70º C 42º S 21º S 14º C 14º S
Figura 15 – Dendrograma de Similaridade, baseado na distância Euclidiana, dos Macroinvertebrados do lago no JBBM associado a substratos artificiais contendo argila expandida durante o período seco e chuvoso. Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007. Nos substratos contendo macrófitas o 5º dia de colonização (8 taxa, 421 ind., valor nulo de precipitação) com o 7º dia (7 taxa, 387 ind., valor nulo de precipitação) do período seco foram os mais similares. Esses resultados podem ter sido em virtude de apresentarem valores absolutos e riqueza taxonômica bastante semelhante.
159 Por sua vez, para estes experimentos o 3º dia do período seco foi o que apresentou a maior dissimilaridade entre outros grupos de análise. Este resultado neste período de colonização foi registrado o maior valor absoluto de invertebrados (576 ind.), quando se compara com os outros valores, tanto para a estação seca quanto para a chuvosa.
120 110
Distância Relativa Euclidiana
100 90 80 70 60 50
Figura 16 – Dendrograma de Similaridade, baseado na distância Euclidiana, dos Macroinvertebrados do 40 lago no JBBM associado a substratos artificiais contendo macrófitas durante o período seco e chuvoso. Fonte: Dados30da pesquisa, 2006-2007. 20 10 0 3º S
6º C 7º C
8º C 9º S
11º C 2º C
4º C 3º C
10º S 8º S 10º C 6º S 5º S 11º S 9º C 5º C 4º S 7º S 2º S
161 Tabela I – Valores absolutos (somatório de 2 cestos), Abundância relativa (em porcentagem) e grupos funcionais de alimentação dos invertebrados bentônicos associado ao substrato artificial (argila expandida), ao longo de 91 dias de colonização no lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco que compreendeu de 06/outubro/2006 a 05/janeiro/2007. (Continua) OUT-06 TAXA
NOV-06
DEZ-06
JAN-07
20
27
3
10
17
24
1
8
15
22
29
5
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
GASTROPODA Ampullariidae Pomacea lineata
(HR)
-
-
-
1 0,49%
1 0,44%
2 0,34%
-
-
1 0,39%
-
-
-
Thiaridae Melanoides tuberculata
(ON)
111 68,52%
4 2,85%
34 25,76%
47 23,03%
34 15,05%
365 63,7%
6 2,45%
85 30,25%
130 51,38%
-
120 57,15%
360 68,97%
ODONATA Gomphidae
(CE)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
(CE) (CE)
6 4,28% -
5 3,78% -
4 1,96% -
4 1,77% -
4 1,42% -
3 1,18% -
1 0,52% -
-
Coenagrionidae
1 0,61% -
1 0,40 -
-
Libellulidae
1 0,17 2 0,34% -
-
1 0,19% -
(CP)
-
-
-
-
-
1 0,17%
-
-
-
-
-
-
(*)
42 25,93%
61 43,58%
36 27,28%
74 36,28%
95 42,04%
112 19,54%
105 43,06%
81 28,82%
48 18,97%
72 37,30%
59 28,09%
125 23,95%
Ceratopogonidae Ceratopogoninae
(CE)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Culicidae
(DF)
-
-
1 0,75% -
-
-
-
-
-
-
-
-
Stratiomyidae
(DC)
-
-
-
-
1 0,44%
-
-
-
-
-
1 0,48% -
1 0,40%
HYMENOPTERA
DIPTERA Chironomidae
-
162 (Conclusão) Out./06 TAXA
Nov./06
Dez./06
Jan./07
20
27
3
10
17
24
1
8
15
22
29
5
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
TRICHOPTERA Polycentropodidae
(DF)
-
-
-
3 1,47%
2 0,88%
-
2 0,81%
1 0,35%
-
1 0,52%
1 0,48%
-
EPHEMEROPTERA Baetidae
(DC)
-
-
-
-
-
(DC)
Polymitarcyidae
(DC)
6 3,71% -
60 42,86% -
32 24,25% -
57 27,95% -
62 10,83% -
1 0,40% 94 38,54% -
-
Caenidae
1 0,44% 69 30,54% 1 0,44%
81 28,83% -
6 2,38% 49 19,36% -
20 10,37% 81 41,97% -
1 0,48% 11 5,23% -
3 0,58% 24 4,59% -
HETEROPTERA Mesoveliidae
(CP)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Veliidae
(CP)
-
-
-
-
1 0,44% -
-
-
-
-
-
-
Não identificado
(CP)
-
-
-
-
-
1 0,17% -
1 0,40%
-
-
-
-
-
ANNELIDA Oligochaeta
(DC)
2 1,23%
9 6,43%
24 18,18%
18 8,82%
16 7,08%
27 4,74%
33 13,54%
29 10,33%
16 6,34%
18 9,32%
17 8,09%
9 1,72%
(DF)
-
-
-
-
1 0,44%
-
-
-
-
-
-
-
5
5
6
7
12
9
9
6
7
6
7
6
162
140
132
204
226
573
244
281
253
193
210
522
OSTRACODA
Riqueza Taxonômica (UTO) Total de Indivíduos
(HR) – Herbívoro Raspador; (CE) – Carnívoro Engolidor; (DC) – Detritívoro Coletor; (CP) - Carnívoro Perfurador; (DF) – Detritívoro Filtrador; (ON) Onívoro (*) - Diversos hábitos alimentares. Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007.
163
Tabela II – Valores absolutos (somatório de 2 cestos), Abundância relativa (em porcentagem) e grupos funcionais de alimentação dos invertebrados bentônicos associado ao substrato artificial (argila expandida), ao longo de 91 dias de colonização no lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período chuvoso que compreendeu de12/março a 04/junho/2007. (Continua) Mar./07 TAXA
Abr./07
Mai./07
Jun./07
12
26
2
9
16
23
30
7
14
21
28
4
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
-
GASTROPODA Ampullariidae Pomacea lineata
(HR)
2 0,9%
4 1,55%
1 0,37%
3 2,25%
5 4%
4 1,55%
2 0,62%
-
-
-
1 0,3%
Thiaridae Melanoides tuberculata
(ON)
80 36,2%
76 29,58%
42 15,85%
34 25,57%
33 26,4%
39 15,13%
13 4,06%
20 6,43%
4 1,84%
40 9,19%
35 10,78%
ODONATA Gomphidae
(CE)
-
-
-
-
-
Coenagrionidae
(CE)
2 0,62% -
1 0,32% 1 0,32% 1 0,32%
-
2 0,9% -
2 0,77% 10 3,87% -
-
(CE)
1 0,75% 1 0,75% -
-
Libellulidae
1 0,38% 6 2,33% -
3 1,38% -
3 0,68% -
10 3,07% 2 0,61%
4 0,92% -
37 16,75%
46 17,91%
40 15,09%
22 16,55%
26 20,8% 1 0,8%
38 14,73%
77 24,06%
69 22,19%
88 40,56%
195 44,83%
181 55,7%
238 57,97% 2 0,46%
5 3,75 34 25,57%
-
-
-
-
107 41,49%
209 65,33%
181 58,21%
1 0,22% 103 23,69%
-
12 9,6%
1 0,46% 97 44,71%
2 0,46% 177 40,89%
-
2 0,75% 1 0,37%
DIPTERA Chironomidae
(*)
Stratiomyidae
(DC)
EPHEMEROPTERA Baetidae
(DC)
-
-
-
Caenidae
(DC)
2 0,9%
1 0,38%
71 26,81%
4 3,2% -
91 28,01%
164
(Conclusão) Mar./07 TAXA
Abr./07
Mai./07
Jun./07
12
26
2
9
16
23
30
7
14
21
28
4
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
ANNELIDA Oligochaeta
(DC)
98 44,35%
120 46,71%
108 40,76%
33 24,81%
43 34,4%
56 21,7%
17 5,31%
38 12,21%
24 11,05%
76 17,49%
5 1,53%
10 2,3%
Hirudinea Glossiphoniidae
(CE)
-
-
-
-
1 0,8%
1 0,38%
-
-
-
17 3,9%
-
-
(DF)
-
3 1,16%
-
-
-
1 0,38%
-
-
-
-
-
-
6
8
7
8
8
9
6
7
6
7
7
6
221
257
265
133
125
258
320
311
217
435
325
433
OSTRACODA
Riqueza Taxonômica (UTO) Total de Indivíduos
(HR) – Herbívoro Raspador; (CE) – Carnívoro Engolidor; (DC) – Detritívoro Coletor; (CP) - Carnívoro Perfurador; (DF) – Detritívoro Filtrador; (ON) - Onívoro (*) - Diversos hábitos alimentares. Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
165 Tabela III – Valores absolutos (somatório de 2 cestos), Abundância relativa (em porcentagem) e grupos funcionais de alimentação dos invertebrados bentônicos associado ao substrato artificial (macrófitas), ao longo de 14 dias de colonização no lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período seco que compreendeu de 08 a 20/outubro/2006. (Continua) OUT-06 TAXA GASTROPODA Ampullariidae Pomacea lineata
(HR)
Thiaridae Melanoides tuberculata
(ON)
Planorbidae Biomphalaria straminea ODONATA Libellulidae Coenagrionidae
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
12º
13º
14º
-
1 0,17%
-
1 0,23%
4 0,98%
1 0,25%
-
-
1 0,68%
-
1 0,37%
1 0,49%
-
87 149 126 126 139 136 88 81 45 22 43 28 23,97% 25,87% 39,89% 29,93% 34,16% 35,14% 51,47% 20,88% 30,62% 16,55% 16,22% 13,94%
5 4,58%
(HR)
-
3 0,52%
1 0,31%
1 0,23%
-
1 0,25%
-
-
1 0,68%
1 0,75%
-
-
-
(CE)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1 0,75% 1 0,75%
2 0,75% -
1 0,49% -
-
(CE)
3 0,94% 1 0,31%
117 27,8% 22 5,22% 5 1,18% -
59 14,49% 27 6,63% 2 0,49% 2 0,49%
94 24,3% 8 2,06% -
-
-
DIPTERA Chironomidae
(*)
Stratiomyidae
(DC)
Ephydridae
(DC)
Tabanidae
(CP)
TRICHOPTERA Polycentropodidae
(DF)
95 164 44 26,19% 28,48% 13,94% 19 15 16 5,23% 2,6% 5,06% 2 3 0,55% 0,94% 1 0,31% 1 0,27%
6 1,04%
-
28 189 43 45 139 68 16,37% 48,72% 29,26% 33,84% 52,47% 33,83% -
-
62 56,89 -
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1 0,25%
-
-
-
-
-
-
-
1 0,25%
-
-
-
1 0,49%
-
166
(Conclusão) Out./06 TAXA
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
12º
13º
14º
3 0,52% 5 0,86%
1 0,31% 1 0,31%
-
2 0,49% 1 0,24%
-
-
-
-
-
-
-
3 0,77%
1 0,58%
7 1,8%
EPHEMEROPTERA Baetidae
(DC)
-
Caenidae
(DC)
3 0,82%
HETEROPTERA Belostomatidae Belostoma sp.
(CE)
-
1 0,17%
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
COLEOPTERA Hydrophylidae
(CE)
1 0,27%
-
-
1 0,23%
-
-
-
-
-
-
-
-
1 0,91%
ANNELIDA Oligochaeta
(DC)
155 42,7%
Hirudinea Glossiphoniidae
(CE)
-
-
1 0,31%
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
8
10
12
8
9
7
4
6
6
7
6
7
6
363
576
316
421
407
387
171
388
147
133
265
201
109
Riqueza Taxonômica (UTO) Total de Indivíduos
-
229 118 148 171 144 54 39,77% 37,37% 35,18% 42,03% 37,23% 31,58%
109 28,1%
28 24 19,04% 18,04%
29 39 19,72% 29,32%
9 3,39%
71 26,8%
1 0,91% 21 13 10,44% 11,93%
81 27 40,32% 24,78%
(HR) – Herbívoro Raspador; (CE) – Carnívoro Engolidor; (DC) – Detritívoro Coletor; (CP) - Carnívoro Perfurador; (DF) – Detritívoro Filtrador; (ON) Onívoro (*) - Diversos hábitos alimentares. Fonte: Dados da pesquisa, 2006.
167 Tabela IV – Valores absolutos (somatório de 2 cestos), Abundância relativa (em porcentagem) e grupos funcionais de alimentação dos invertebrados bentônicos associado ao substrato artificial (macrófitas), ao longo de 11 dias de colonização no lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão durante o período chuvoso que compreendeu de 14 a 23/março/2007. (Continua) Mar./07 TAXA
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
GASTROPODA Ampullariidae Pomacea lineata
(HR)
4 1,27%
1 0,45%
3 0,76%
-
-
3 0,58$
4 0,82%
-
4 1,25%
-
Thiaridae Melanoides tuberculata
(ON)
48 15,29%
44 20,19%
61 15,65%
101 45,09%
247 58,95%
237 46,02$
83 17,1%
75 59,06%
45 14,12%
45 25,58%
Phisidae Aplexa marmorata
(HR)
-
-
-
-
-
-
1 0,2%
-
1 0,31%
-
ODONATA Gomphidae
(CE)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Libellulidae
(CE)
-
-
-
-
(CE)
-
1 0,25% -
-
Coenagrionidae
1 0,31% -
1 0,2% -
-
-
-
-
1 0,78%
4 1,25% -
2 1,13% 1 0,56%
(*)
60 19,11%
67 30,74%
114 29,25%
27 12,06%
65 15,51%
70 13,6%
235 48,38%
20 15,75%
113 36,44%
17 9,67%
Ceratopogonidae Ceratopogoninae
(CE)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Stratiomyidae
(DC)
-
2 0,38% 1 0,19%
-
-
1 0,44% -
-
(CP)
6 1,53% -
-
Tabanidae
1 0,45% -
1 0,2%
-
3 0,94% -
1 0,56% 1 0,56% -
DIPTERA Chironomidae
-
168
(Conclusão) Mar./07 TAXA
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
14
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
2º
TRICHOPTERA Polycentropodidae
(DF
-
3 1,37%
-
-
-
-
-
-
1 0,31%
1 0,56%
EPHEMEROPTERA Baetidae
(DC)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Caenidae
(DC)
14 4,45%
6 2,75%
3 0,76%
2 0,89%
13 3,1%
17 3,3%
2 0,4% 24 4,93%
-
20 6,26%
-
COLEOPTERA Elmidae
(DC)
-
-
-
-
-
-
-
1 0,78%
-
-
ANNELIDA Oligochaeta
(DC)
187 59,57%
96 44,05%
202 51,8%
93 41,52%
94 22,44%
185 35,93%
135 27,77%
30 23,63%
126 39,5%
107 60,82%
Hirudinea Glossiphoniidae
(CE)
-
-
-
-
-
-
-
-
2 0,62%
1 0,56%
6
7
7
5
4
7
9
5
10
9
314
218
390
224
419
515
486
127
319
176
Riqueza Taxonômica (UTO) Total de Indivíduos
(HR) – Herbívoro Raspador; (CE) – Carnívoro Engolidor; (DC) – Detritívoro Coletor; (CP) - Carnívoro Perfurador; (DF) – Detritívoro Filtrador; (ON) - Onívoro (*) - Diversos hábitos alimentares. Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
169 5.3 HÁBITOS ALIMENTARES DOS MACROINVERTEBRADOS Os valores da porcentagem participativa dos hábitos alimentares durante o período de estudo estão representados, respectivamente, nas Figuras 17, 18 e Tabelas I, II, III, IV. Para esta análise os Chironomidae (Diptera), já que apresentam hábitos alimentares bastantes variados, foram excluídos, pois seriam necessários à identificação a nível mais específico deste táxon. Os resultados deste trabalho, no geral, revelaram os detritívoros e os onívoros como sendo o hábito alimentar mais freqüente e dominante durante o período de estudo, tanto para os experimentos contendo argila expandida quanto para os substratos artificiais contendo macrófitas. Os experimentos contendo argila expandida revelaram para o período seco uma alternância de detritívoros, (com um mínimo de 6% no 14º dia e um máximo de 87% no 21º dia), e onívoros, (com um mínimo de 4% no 56º dia, exceto no 84º onde foram ausentes e um máximo de 90,69% no 91º dia), na dominância da comunidade zoobentônica, todavia, para o período chuvoso os detritívoros dominaram durante os 91 dias de colonização com percentuais superiores a 54%. Para os experimentos contendo macrófitas os detritívoros dominaram durante o período seco com percentuais superiores a 35%, exceto no 2º dia onde se observou um valor de 7,5%, enquanto que os onívoros dominaram durante o período chuvoso, atingindo um pico máximo de 97,42% no 9º dia de colonização. Corroborando com esta pesquisa, Florentino e Abílio (2006) analisando os processos de colonização e sucessão ecológica de macroinvertebrados bentônicos através de substratos artificiais no açude Namorados (São João do Cariri-PB) também observou a elevada participação dos detritívoros durante o período de estudo. De maneira similar, Peiró e Alves (2006) na represa do Ribeirão das Anhumas (Ribeirão-SP), Ruffo (2008) na lagoa Panati (Taperoá-PB) e, Carvalho e Uieda (2004) em diferentes reservatórios do estado de São Paulo também registraram a dominância de invertebrados do hábito alimentar detritívoro. Os detritívoros foram representados principalmente pelos Ephemeroptera Caenidae (detritívoro coletor), os onívoros pelos Melanoides tuberculata (onívoro), e os Annelida Oligochaeta (detritívoro coletor) tanto para o período seco quanto para o período chuvoso. Pamplin (1999) analisando a composição da comunidade de invertebrados na represa de Salto Grande (Americana-SP) e no rio Piracicaba (Tietê-SP) também observou que a grande participação de onívoros foi em decorrência da presença de M. tuberculata. Nota-se ainda, mesmo com pequenas participações, a presença das famílias Baetidae (Ephemeroptera), detritívoros coletores e Polycentropodidae (Trichoptera), detritívoros filtradores durante o período seco. Assim, a constante participação de detritívoros nos experimentos sugere que pedras de argila expandida e macrófitas Pistia stratiotes constitui um substrato complexo, uma vez que, a diversidade e abundância de organismos deste hábito alimentar aumentam com a estabilidade do substrato e a presença de detritos orgânicos (ALLAN, 1995). Segundo Resh e Rosenberg (1984), Kikuchi e Uieda (2005), o substrato é o meio físico sobre o qual os invertebrados aquáticos se movem, descansam, procuram alimento, encontram abrigo (dos predadores e/ou alterações ambientais), constroem casulos e depositam ovos. Os carnívoros representados principalmente pelos Odonata estiveram presentes em alguns dias de colonização tanto no período seco quanto no período chuvoso de ambos os substratos artificiais (argila expandida e macrófitas), porém sendo registrada porcentagens participativas inferiores a 9%, exceto no 2º dia do período seco do experimento com macrófitas (60,05%). Corroborando com os resultados deste trabalho, Ruffo (2008) em estudos na lagoa Panati (Taperoá-PB) também observou que a elevada participação do hábito alimentar carnívoro engolidor, era na maioria das vezes representados por insetos da ordem Odonata. Segundo Motta e Uieda (2004) os ecossistemas aquáticos apresentam um diversificado grupo de organismos carnívoros, composto principalmente pelos Odonata, Heteroptera e Coleoptera, os quais se alimentam principalmente de outros invertebrados, especialmente dos insetos.
170 Com relação aos herbívoros, nota-se uma maior participação deste hábito alimentar durante os experimentos com macrófitas, uma vez que nos substratos contendo argila expandida estes foram raros a esporádicos. A maior participação dos herbívoros, representados por Pomacea lineata (Herbívoros raspadores) nos experimentos com macrófita, parece esta associada à presença de alimento, e refúgio. Segundo Malek (1958), Dudgeon e Yipp (1983), Abílio (2002) a introdução de plantas aquáticas dentro de um lago cria imediatamente novos habitats e servem como importante recurso alimentar para a existência de espécies de animais, principalmente de Gastropoda. Vale ressaltar que os reduzidos percentuais de P. lineata (herbívoros raspadores), nos substratos pode também ter sido devido à elevada participação de M. tuberculata (onívoros). Segundo Abílio (2002) os M. tuberculata apresentam uma série de adaptações como: capacidade de manter densidades populacionais elevadas por longos períodos de tempo, crescimento rápido, taxa de mortalidade baixa, reprodução do tipo partenogenética e ovovivíparidade, e consequentemente tende a diminuir as populações de outros moluscos. Contudo, os resultados demonstram a capacidade potencial dos substratos artificiais em abrigarem uma considerável fauna de invertebrados, em especial, os de hábitos alimentares detritívoros e onívoros, e sendo assim, pode-se sugerir que estes experimentos podem ter propiciado condições para a colonização e sobrevivência do zoobentos.
A
100% 90% 80%
Herbívoro Carnívoro Onívoro Detritívoro
70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
Dias de Colonização
70º
77º
84º
91º
171
B
100% 90%
Herbívoro Carnívoro Onívoro Detritívoro
80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
Dias de Colonização
Figura 17 – Valores da porcentagem participativa dos hábitos alimentares dos táxons de invertebrados bentônicos durante os substratos contendo argila expandida, onde A: período seco e B: período chuvoso. Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007.
A
100% 90% 80%
Herbívoro Carnívoro Onívoro Detritívoro
70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 2º
3º
4º
5º
6º
7º
Dias de Colonização
8º
9º
10º
11º
172
B
100% 90% 80%
Herbívoro Carnívoro Onívoro Detritívoro
70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
Dias de Colonização
Figura 18 – Valores da porcentagem participativa dos hábitos alimentares dos táxons de invertebrados bentônicos durante os substratos artificiais contendo macrófitas, onde A: período seco e B: período chuvoso. Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007.
6 CONCLUSÕES
Os substratos artificiais contendo argila expandida e macrófitas permitiram o estabelecimento de várias Unidades Taxonômicas Operacionais (UTO) da fauna de macroinvertebrados bentônicos. Portanto, o uso destes experimentos pode ser uma eficiente ferramenta no monitoramento da comunidade zoobentônica, assim como na qualidade ambiental de corpos aquáticos;
A pluviosidade pode ter influenciado na composição e no processo de colonização de invertebrados bentônicos, uma vez que, observou-se uma maior riqueza taxonômica durante os períodos de menor incidência de chuvas;
O corpo d´água dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão mostrou-se adequado para a colonização de macroinvertebrados bentônicos, uma vez que apresentou águas bem oxigenadas, valores de pH, alcalinidade e dureza total, não sofrendo variações expressivas, o que dessa forma pode sugerir um ecossistema sem muita influência antrópica;
A presença de organismos sensíveis à poluição orgânica tais como Ephemeroptera e Trichoptera e as análises de nutrientes dissolvidos, tais como o nitrito, amônia e principalmente o fósforo total, também podem reforçar o baixo enriquecimento orgânico do lago;
Os dípteros Chironomidae, efemerópteros Caenidae e anelídeos Oligochaeta foram os mais freqüentes e dominantes durante os dois períodos de estudo e nos diferentes tipos de substrato (argila expandida e macrófitas);
173
Houve diferenças na composição da taxocenose aquática para os diferentes tipos de substratos artificiais, sugerindo que alguns invertebrados podem ter apresentado certa preferência por um determinado tipo de substrato; Registraram-se espécies que podem transmitir doenças de veiculação hídrica como Biomphalaria straminea, trematódeo causador da esquistossomose, e Melanoides tuberculata, causador da paragonomíase e clonorquíase. Além disso, os M. tuberculata podem ser prejudiciais para a Biodiversidade do lago, devido a sua elevada capacidade de adaptação a diferentes tipos de habitat e níveis tróficos, além de ser uma espécie exótica de origem afro-asiática.
Os detritívoros e onívoros alternaram na dominância da comunidade zoobentônica para ambos os tipos de substratos;
A análise da similaridade mostrou uma semelhança tanto em termos de riqueza taxonômica quanto em valores absolutos da fauna de invertebrados, principalmente nos experimentos com argila expandida.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES As conclusões deste trabalho revelaram a importância da realização de estudos com substratos artificiais para amostragem de macroinvertebrados bentônicos no Jardim Botânico Benjamim Maranhão, o que nos leva a propor as seguintes sugestões para estudos futuros na referida área:
As coletas da fauna poderão ser realizadas através do uso de substratos artificiais tanto contendo argila expandida como macrófitas, conforme demonstrado a sua eficiência neste trabalho. No entanto, sugerimos que também seja utilizado amostradores tradicionais (draga e rede) para fins comparativos, e a colocação de mais substratos artificiais, uma vez que podem ocorrer perdas dos experimentos;
A identificação taxonômica da família Chironomidae, se possível e dependendo da disponibilidade de pessoal, deverá ser considerado a nível mais específico, para que este táxon possa ser incluindo na análise dos grupos funcionais de alimentação;
É importante enfatizar que a realização de estudos em ambientes aquáticos, que estão localizados em áreas protegidas, pode contribuir para o conhecimento da biodiversidade local, fornecimento de subsídios para a conservação e manejo das áreas naturais, produção de informações, que possam vir a ser utilizadas pelas entidades fiscalizadoras dos recursos hídricos, não só para estabelecer comparações com seus resultados, mas para servir como parâmetro no estabelecimento de novos índices para avaliação da qualidade ecológica.
174
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182
APÃ&#x160;NDICES
183 APÊNDICE A – Tabela de valores das variáveis Químicas e Físicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa-PB) durante o experimento com substratos artificiais contendo argila expandida realizado no período seco (06/outubro/2006 a 12/janeiro/2007). OUT-06 VARIÁVEIS
NOV-06
DEZ-06
JAN-07
6
20
27
3
10
17
24
1
8
15
22
29
5
I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
8.45
8.85
9.47
8.66
8.86
8.05
8.25
7.60
7.75
7.72
7.42
8.25
8.27
30,6
29,5
31,9
31,8
32,4
31,4
28,2
31,1
30,8
30,7
30,4
31,1
30,7
244,1
248,5
253,4
243,5
247,6
244,3
259,6
245,3
244,7
246,3
245,3
250,3
249,7
75
79
95
78
110
77
90
77
83
78
60
61
62
13
20
12
16
11
15
12
14
9
9
14
16
16,5
10,9
12,43
7,31
8,04
10,24
10,97
13,9
13,8
13,17
13,17
12,45
10,97
11,71
145,1
162
99,72
109,3
140,8
148,2
177,7
185,4
175,8
175,6
165,1
147,4
156,1
412,5
372,5
379,1
352,5
287,5
897,5
642,5
497,5
440
382,5
157,5
307,5
302,2
280,4
212,4
711,4
694,4
261,4
367,4
315,4
9,4
475,4
231,4
174,4
121,4
118,8
0,019
0,01
0,01
0,01
0,01
0,003
0,307
0,01
0,01
0,01
0,01
0,01
0,01
pH Temperatura (ºC) Condutividade (µS cm-1) Dureza Total (mg CaCO3/L) Alcalinidade (mg CaCO3/L) O. Dissolvido (mg O2/L) Saturação de O.D (%) Nitrito (µg NO2/L) Amônia (µg NH4/L) Fósforo Total (mg PO4/L)
Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007.
184 APÊNDICE B – Tabela de valores das variáveis Químicas e Físicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa-PB) durante o experimento com substratos artificiais contendo argila expandida realizado no período chuvoso (12/março/2007 a 11/junho/2007). ND -Valor abaixo do limite de detecção do método. MAR/07 VARIÁVEIS
ABR/07
MAI/07
JUN/07
12
26
2
9
16
23
30
7
14
21
28
4
11
I.E
14º
21º
28º
35º
42º
49º
56º
63º
70º
77º
84º
91º
7,16
6,24
6,3
6,39
6,6
6,88
6,9
6,63
7,48
6,66
6,85
6,53
6,52
31,5
27,5
27,6
28
27
27,3
27,3
27,3
30
28,7
29
30
29,5
392
384,3
390
375,5
367,4
368
388
387,3
390,1
340
342,2
345
344
99
74
75
77
87
83
78
77
74
79
81
88
89
25
12
11,2
9
10
10
11
10
8
12
13
14
15
14,63
6,8
7,02
7,31
9,1
8,97
10,1
11,75
12,19
9,24
9,68
10,21
10,2
197,9
85,8
88,8
93,1
113,8
112,9
127,2
147,9
160,6
119
124,7
134,5
134
18,8
7,8
4,5
9,2
21,7
3,8
13,5
3,8
19,5
10,3
21,7
9,5
9,6
280,4
212,4
711,4
694,4
261,4
367,4
315,4
9,4
475,4
231,4
174,4
121,4
118,8
ND
ND
0,0132
ND
0,0351
ND
0,0004
ND
ND
ND
ND
0,052
ND
pH Temperatura (ºC) Condutividade (µS cm-1) Dureza Total (mg CaCO3/L) Alcalinidade (mg CaCO3/L) O. Dissolvido (mg O2/L) Saturação de O.D (%) Nitrito (µg NO2/L) Amônia (µg NH4/L) Fósforo Total (mg PO4/L)
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
185 APÊNDICE C – Tabela de valores das variáveis Químicas e Físicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa-PB) durante o experimento com substratos artificiais contendo macrófitas Pistia stratiotes realizado no período seco (06 a 20/outubro/2007). OUT/06 VARIÁVEIS
6
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
12º
13º
14º
8,45
7,09
8,1
7,45
8,34
7,5
7,78
8,45
8,05
6,92
7,83
8,86
8,8
8,85 29,5
30,6
29,5
30
28,8
29,8
29,4
27,4
31,9
29,5
29,6
27,7
28,7
29,1
244,1
246,2 242,6
240,7
243,7
240,6
243,4
235
239,4
240,1
254,7
250
247,9
248,5
pH Temperatura (ºC) Condutividade (µS cm-1) Dureza Total (mg CaCO3/L) Alcalinidade (mg CaCO3/L) O. Dissolvido (mg O2/L) Saturação de O.D (%) Nitrito (µg NO2/L) Amônia (µg NH4/L) Fósforo Total (mg PO4/L)
75
74
79
78
88
91
7,9
80
79
76
143
77
80
79
13
13
13
12
13
17
11
11
12
16
9
13
12
20
10,9
8,7
10,9
9,51
10,52
4,39
6,58
8,78
11,7
8,04
8,78
9,51
10,24
12,45
145,1
113,7 143,6
122,8
138,2
57,3
82,9
119,7
152,9
105,2
111,2
122,5
132,9
162,7
412,5
227,5 327,5
332,5
317,5
267,5
358,25
285,00
482,5
312,5
437
335
262,5
372,5
280,4
229,4 217,4
172,4
194,4
512,4
182,4
44,4
38,8
144,4
674,4
158,4
87,4
212,4
0,019
0,075 0,124
0,088
0,039
0,084
0,01
0,071
0,062
0,045
0,111
0,042
0,055
0,01
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
186 APÊNDICE D – Tabela de valores das variáveis Químicas e Físicas da água do lago dentro do Jardim Botânico Benjamim Maranhão (João Pessoa-PB) durante o experimento com substratos artificiais contendo macrófitas Pistia stratiotes realizado no período chuvoso (12 a 26/março/2007). ND -Valor abaixo do limite de detecção do método. MAR/07 VARIÁVEIS
12
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
I.E
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
7,16
6,37
6,39
6,26
6,56
6,61
6,53
6,65
6,47
6,37
6,55
31,5
29
29,2
28
28
30
32,9
26,8
29
30
30,1
392
368,2
365
367,6
368,6
353,6
381,7
375,5
386
392,1
386,6
99
78
86
90
76
81
84
81
84
83
78
25
15
15
11
20
11
10
13
11
11
11
14,63
12,43
12,65
9,51
8,04
6,58
10,24
6,58
8,04
6,39
6,85
197,9
161
164,4
121,4
102,6
86,6
142,2
82,1
104,1
84,1
90,4
18,8
7
11
64,2
14,9
13,5
16,3
14,2
46
6,7
20,6
54,51
1,19
19,69
37,1
418,99
99,11
36,01
63,21
192,68
5,54
27,3
ND
ND
0,008
0,006
0,004
0,002
0,002
0,001
0,001
0,001
0,001
pH Temperatura (ºC) Condutividade (µS cm-1) Dureza Total (mg CaCO3/L) Alcalinidade (mg CaCO3/L) O. Dissolvido (mg O2/L) Saturação de O.D (%) Nitrito (µg NO2/L) Amônia (µg NH4/L) Fósforo Total (mg PO4/L)
Fonte: Dados da pesquisa, 2007. APÊNDICE E – Quadro matriz de correlação e índice de significância das variáveis físicas e químicas e das UTO de invertebrados bentônicos associado aos substratos com argila expandida, durante o período seco, onde: P. dia= Pluviosidade diária; P. Ac= Pluviosidade acumulada na semana; pH = pH; Temp = Temperatura; Cond = Condutividade; Dur = Dureza total; Alc = Alcalinidade; O.D = Oxigênio Dissolvido; Sat = Saturação de O.D; NO2 = Nitrito; NH4 = Amônia; PO4 = Fósforo Total; Chir = Chironomidae; Odo = Odonata; Lib = Libellulidae; Mel = Melanoides tuberculata; Gas = Gastropoda; Cae = Caenidae; Eph = Ephemerotpera; Ins = Insecta; Olig = Oligochaeta; F.T= Fauna Total (Valores em negrito - significativo ao nível de p ≤0,05).
187 P. dia P. Ac pH Temp Cond Dur Alc O.D Sat NO2 NH4 PO4 Chir Odo Lib
Mel
Gas
Cae
Eph
Ins
Olig
F.T
P. dia 1,00 P. Ac 0,42
1,00
pH -0,37 -0,20 1,00 Temp -0,04 -0,12 0,27 1,00 Cond -0,17 -0,10 -0,01 -0,74 1,00 Dur -0,58 -0,56 0,55 0,22 Alc 0,15 O.D 0,02 Sat 0,02
0,23 1,00
0,33 0,23 -0,15 -0,17 -0,47 1,00 0,10 -0,74 -0,68 0,35 -0,25 -0,15 1,00 0,10 -0,77 -0,60 0,28 -0,25 -0,18 1,00 1,00
NO2 -0,41 -0,27 -0,08 -0,19 0,37 0,19 -0,05 0,16 0,15 1,00 NH4 -0,24 -0,34 0,55 0,30
0,01 0,42 -0,22 -0,71 -0,73 0,13 1,00
PO4 -0,17 -0,09 -0,01 -0,74 1,00 0,23 -0,17 0,35 0,28 0,35 0,01 1,00 Chi 0,00
0,55 -0,33 -0,27 0,40 -0,08 -0,10 0,44 0,44 0,38 -0,40 0,39 1,00
Odo -0,45 -0,44 0,44 0,31
0,18 0,72 -0,51 -0,50 -0,51 0,36 0,84 0,18 -0,11 1,00
Lib -0,32 -0,37 0,51 0,48 -0,09 0,62 -0,43 -0,66 -0,66 0,20 0,90 -0,10 -0,31 0,92 1,00 Mel -0,21 0,48 -0,02 -0,64 0,64 -0,14 0,07 0,38 0,33 0,10 -0,26 0,64 0,53 -0,22 -0,32 1,00 Gas -0,21 0,48 -0,02 -0,64 0,64 -0,14 0,07 0,38 0,33 0,10 -0,26 0,64 0,53 -0,22 -0,32 1,00
1,00
Cae 0,14 -0,14 -0,48 0,09
0,11 0,24 -0,62 0,28 0,31 0,28 0,03 0,10 0,40 0,37 0,18 -0,36 -0,35
1,00
Eph 0,30 -0,05 -0,55 0,06
0,07 0,13 -0,59 0,30 0,33 0,18 -0,02 0,07 0,37 0,27 0,11 -0,37 -0,36
0,98
1,00
0,06
0,86
0,85
1,00
Olig -0,13 -0,28 -0,54 -0,02 0,31 0,10 -0,48 0,35 0,37 0,23 -0,02 0,31 0,30 0,22 -0,03 -0,10 -0,09
0,66
0,60
0,56
Ins 0,17
0,26 -0,52 -0,09 0,28 0,06 -0,43 0,42 0,44 0,36 -0,22 0,27 0,80 0,14 -0,08 0,06
1,00
F.T -0,14 0,50 -0,24 -0,62 0,70 -0,10 -0,12 0,51 0,48 0,24 -0,31 0,70 0,78 -0,14 -0,31 0,92 0,92 0,03 0,01 0,45 0,18 1,00 Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2007. APÊNDICE F – Quadro Matriz de correlação e índice de significância das variáveis físicas e químicas e das UTO de invertebrados bentônicos associado aos substratos com argila expandida, durante o período chuvoso, onde: P. dia= Pluviosidade diária; P. Ac= Pluviosidade acumulada na semana; pH = pH; Temp = Temperatura; Cond = Condutividade; Dur = Dureza total; Alc = Alcalinidade; O.D = Oxigênio Dissolvido; Sat = Saturação de O.D; NO2 = Nitrito; NH4 =
188 Amônia; PO4 = Fósforo Total; Chir = Chironomidae; Odo = Odonata; Lib = Libellulidae; Mel = Melanoides tuberculata; Gas = Gastropoda; Cae = Caenidae; Eph = Ephemerotpera; Ins = Insecta; Olig = Oligochaeta; F.T= Fauna Total (Valores em negrito - significativo ao nível de p ≤0,05). P. dia P. Ac
pH Temp
Con Dur Alc d
O.D
Sat
P. dia
1,00
P. Ac
0,27
1,00
pH
0,22
0,14
1,00
Tem -0,25 p
0,20
0,18 1,00
Con d
0,24
-0,24
-0,51 1,00 0,06
Dur
-0,19
0,44
0,12 0,32 -0,74 1,00
Alc
-0,09
0,27
0,16 0,38 -0,70 0,64 1,00
O.D
0,47
0,23
0,57 0,44 -0,08 0,21 -0,07 1,00
Sat
0,42
0,23
0,56 0,53 -0,12 0,23 -0,03 0,99 1,00
NO NH4 PO4 Chir Odo Lib 2
Mel
NO2 -0,23
-0,24 0,25 0,29 -0,21 0,08 -0,09 0,30 0,31 1,00
NH4 -0,39
-0,36
-0,15 0,46 -0,53 -0,50 -0,48 1,00 0,48 0,48 0,07
PO4
-0,14
0,61
0,06 0,17 -0,25 0,51 0,25 0,01 0,02 0,15 -0,14 1,00
Chi
-0,12
0,18
0,18 0,74 -0,73 0,63 0,79 0,35 0,41 0,16 -0,51 0,14 1,00
Odo
0,31
0,66
0,13 0,17 -0,01 0,26 0,32 0,08 0,09
0,04 0,12
Lib
0,33
0,67
0,14 0,12 -0,10 0,32 0,44 0,02 0,03
-0,05 0,40 0,21 0,98 1,00 0,22
Mel
-0,31
-0,04
-0,40 0,47 -0,09 -0,73 -0,74 0,45 0,23 0,46 0,14
0,12 -0,43 0,15 0,14 1,00
Gas
-0,29
-0,03
-0,44 0,49 -0,11 -0,73 -0,74 0,46 0,22 0,45 0,16
0,12 -0,46 0,16 0,16 1,00
Gas Cae Eph Ins
0,45 0,15 1,00
1,00
Olig
F.T
189
Cae
0,49
-0,02 0,23 0,49 -0,09 0,11 0,04 0,86 0,86 0,16 -0,44 -0,23 0,49
-0,76 -0,77 1,00 0,06 0,09
Eph
0,48
-0,03 0,24 0,48 -0,10 0,12 0,04 0,86 0,87 0,17 -0,44 -0,22 0,49
-0,76 -0,78 1,00 1,00 0,07 0,10
Ins
0,21
0,11
0,24 0,71 -0,49 0,45 0,50 0,69 0,73 0,19 -0,55 -0,03 0,87 0,08 0,10 -0,68 -0,71 0,85 0,85 1,00
Olig
-0,34
-0,44
-0,38 0,45 -0,27 -0,76 -0,77 0,72 -0,30 -0,43 0,82 0,50 0,10 0,10 0,11 0,63
0,81
1,00 0,59 0,60 0,60
F.T 0,05 -0,05 0,06 0,65 -0,33 0,21 0,52 0,39 0,44 0,18 -0,30 -0,14 0,85 0,10 0,12 -0,27 -0,31 0,65 0,65 0,87 -0,14 1,00 Fonte: Dados da pesquisa, 2007. APÊNDICE G – Quadro matriz de correlação e índice de significância das variáveis físicas e químicas e das UTO de invertebrados bentônicos associado aos substratos com macrófitas, durante o período seco, onde: P. dia= Pluviosidade diária; pH = pH; Temp = Temperatura; Cond = Condutividade; Dur = Dureza total; Alc = Alcalinidade; O.D = Oxigênio Dissolvido; Sat = Saturação de O.D; NO2 = Nitrito; NH4 = Amônia; PO4 = Fósforo Total; Chir = Chironomidae; Odo = Odonata; Lib = Libellulidae; Mel = Melanoides tuberculata; Gas = Gastropoda; Cae = Caenidae; Eph = Ephemerotpera; Ins = Insecta; Olig = Oligochaeta; F.T= Fauna Total (Valores em negrito - significativo ao nível de p ≤0,05). P. dia pH Temp Cond Dur Alc O.D Sat NO2 NH4 PO4 Chir Odo Lib Mel Gas Cae Eph Ins Olig F.T P. dia 1,00 pH 0,02 Temp 0,18
1,00 0,15 1,00
Cond -0,11 0,28 -0,64 1,00 Dur -0,01 0,04 0,11
0,38 1,00
Alc -0,04 0,03 0,21 -0,07 -0,08 1,00 O.D 0,24
0,54 0,22
0,19 0,17 0,05 1,00
Sat 0,25
0,54 0,29
0,14 0,16 0,06 1,00 1,00
NO2 -0,02 0,16 -0,36 0,19 0,19 -0,20 0,39 0,36 1,00 NH4 -0,01 -0,27 -0,45 0,52 0,58 -0,02 -0,44 -0,47 0,12 1,00 PO4 0,56 Chi 0,42
-0,30 0,14 -0,02 0,59 -0,38 -0,09 -0,08 -0,02 0,43 1,00 0,22 -0,05 0,01 -0,19 -0,11 0,41 0,40 0,36 -0,29 0,03 1,00
Odo -0,07 -0,00 -0,40 0,30 0,28 -0,35 0,05 0,02 0,14 0,17 0,29 -0,24 1,00 Lib -0,08 0,09 -0,35 0,27 0,17 -0,29 0,08 0,04 0,05 0,02 0,19 -0,16 0,97 1,00
190 Mel 0,43
-0,35 0,11 -0,57 -0,39 -0,17 -0,38 -0,36 -0,22 -0,04 0,28 0,26 -0,11 -0,11 1,00
Gas 0,44
-0,35 0,10 -0,57 -0,38 -0,16 -0,39 -0,37 -0,22 -0,03 0,28 0,26 -0,11 -0,11 1,00 1,00
Cae -0,15 -0,03 -0,28 0,47 0,37 0,06 0,13 0,10 0,22 0,19 -0,04 -0,28 0,07 0,03 -0,77 -0,76 1,00 Eph -0,08 -0,03 -0,27 0,46 0,38 0,10 0,13 0,10 0,21 0,22 0,01 -0,27 0,07 0,03 -0,74 -0,73 1,00 1,00 Ins 0,48 Olig 0,60
0,13 -0,09 0,05 -0,12 -0,06 0,36 0,35 0,30 -0,18 0,12 0,98 -0,22 -0,15 0,31 0,31 -0,25 -0,23 1,00 -0,23 0,01 -0,25 -0,28 -0,10 -0,20 -0,19 -0,26 0,05 0,37 0,51 -0,19 -0,17 0,86 0,86 -0,65 -0,61 0,59 1,00
F.T 0,60 -0,18 0,01 -0,30 -0,31 -0,13 -0,10 -0,09 -0,09 -0,06 0,31 0,67 -0,20 -0,17 0,85 0,86 -0,65 -0,61 0,73 0,97 1,00 Fonte: Dados da pesquisa, 2006. APÊNDICE H – Quadro matriz de correlação e índice de significância das variáveis físicas e químicas e das UTO de invertebrados bentônicos associado aos substratos com macrófitas, durante o período chuvoso, onde: P. dia= Pluviosidade diária; pH = pH; Temp = Temperatura; Cond = Condutividade; Dur = Dureza total; Alc = Alcalinidade; O.D = Oxigênio Dissolvido; Sat = Saturação de O.D; NO2 = Nitrito; NH4 = Amônia; PO4 = Fósforo Total; Chir = Chironomidae; Odo = Odonata; Lib = Libellulidae; Mel = Melanoides tuberculata; Gas = Gastropoda; Cae = Caenidae; Eph = Ephemerotpera; Ins = Insecta; Olig = Oligochaeta; F.T= Fauna Total (Valores em negrito - significativo ao nível de p ≤0,05). P. dia pH Temp Cond Dur Alc O.D Sat NO2 NH4 PO4 Chir Odo Lib Mel Gas Cae Eph Ins Olig F.T P. dia 1,00 pH -0,62 1,00 Temp -0,16 0,03 1,00 Cond -0,39 -0,06 0,26
1,00
Dur 0,12
-0,59 0,07
-0,01 1,00
Alc 0,29
0,08 -0,48 -0,37 -0,51 1,00
O.D 0,85
-0,53 0,13
-0,31 0,25 0,28 1,00
Sat 0,81
-0,51 0,24
-0,28 0,25 0,22 0,99 1,00
NO2 -0,06 -0,41 -0,24 0,03 0,62 -0,32 -0,03 -0,05 1,00 NH4 -0,37 0,36 -0,31 -0,15 -0,42 0,65 -0,24 -0,27 0,08 1,00 PO4 0,26
-0,39 -0,17 -0,45 0,55 0,29 0,45 0,42 0,28 0,09 1,00
Chi -0,06 0,11 -0,43 -0,02 0,26 -0,15 -0,21 -0,24 -0,06 -0,34 -0,04 1,00 Odo -0,21 -0,25 0,06
0,71 -0,05 -0,35 -0,45 -0,45 -0,11 -0,36 -0,40 0,11 1,00
191 Lib -0,06 -0,40 0,14
0,57 -0,02 -0,28 -0,31 -0,30 -0,15 -0,40 -0,29 0,04 0,96 1,00
Mel -0,39 0,51 0,55
-0,35 -0,02 -0,26 -0,16 -0,09 -0,14 0,12 -0,12 -0,06 -0,49 -0,44 1,00
Gas -0,38 0,51 0,55
-0,34 -0,02 -0,27 -0,16 -0,09 -0,15 0,11 -0,13 -0,04 -0,48 -0,43 1,00 1,00
Cae -0,04 0,23 0,10
0,05 -0,04 -0,20 -0,13 -0,11 -0,54 -0,42 -0,39 0,74 0,17 0,17 0,27 0,30 1,00
Eph -0,05 0,25 0,06
0,05 -0,04 -0,19 -0,15 -0,13 -0,53 -0,41 -0,39 0,77 0,16 0,15 0,26 0,28 1,00 1,00
Ins -0,06 0,11 -0,37 0,01 0,24 -0,17 -0,21 -0,24 -0,11 -0,37 -0,08 1,00 0,14 0,08 -0,04 -0,02 0,78 0,81 1,00 Olig 0,43
-0,41 0,15
-0,08 0,23 -0,15 0,35 0,36 0,03 -0,51 0,02 0,39 0,06 0,22 0,04 0,06 0,42 0,41 0,41 1,00
F.T -0,08 0,20 0,18 -0,24 0,21 -0,31 -0,06 -0,03 -0,13 -0,34 -0,11 0,67 -0,20 -0,14 0,59 0,61 0,76 0,76 0,70 0,66 1,00 Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
192
ANEXOS
ANEXO A - Tabela de Solubilidade do Oxigênio em água destilada a 760 mmHg e 100% de umidade. ºC
0,00
0,10
0,20
0,30
0,40
0,50
0,60
0,70
0,80
0,90
20 21 22
9,0 8,91 8,74
9,06 8,89 8,72
9,05 8,87 8,71
9,03 8,86 8,69
9,01 8,84 8,67
8,99 8,82 8,66
8,98 8,81 8,64
8,96 8,79 8,63
8,94 8,77 8,61
8,92 8,76 8,59
23 24 25 26 27 28 29
8,58 8,42 8,27 8,13 7,99 7,85 7,72
8,56 8,41 8,26 8,11 7,97 7,84 7,70
8,55 8,39 8,24 8,10 7,96 7,82 7,69
8,53 8,38 8,23 8,08 7,94 7,81 7,68
8,51 8,36 8,21 8,07 7,93 7,80 7,66
8,50 8,35 8,20 8,06 7,92 7,78 7,65
8,48 8,33 8,18 8,04 7,90 7,77 7,64
8,47 8,32 8,17 8,03 7,89 7,76 7,63
8,45 8,30 8,16 8,01 7,88 7,74 7,61
8,44 8,29 8,14 8,00 7,86 7,73 7,60
30 31 32 33 34 35 36 37
7,59 7,46 7,32 7,19 7,06 6,92 6,79 6,66
7,57 7,44 7,31 7,18 7,04 6,91 6,78 6,64
7,56 7,43 7,29 7,16 7,03 6,90 6,76 6,63
7,55 7,41 7,28 7,15 7,02 6,88 6,75 6,62
7,54 7,40 7,27 7,14 7,00 6,87 7,74 6,60
7,52 7,39 7,25 7,12 6,99 6,86 6,72 6,59
7,51 7,37 7,24 7,11 6,98 6,84 6,71 6,58
7,50 7,36 7,23 7,10 6,96 6,83 6,70 6,56
7,49 7,35 7,22 7,08 6,95 6,82 6,68 6,55
7,47 7,33 7,20 7,07 6,94 6,80 6,67 6,54
38
6,52
-
-
Fonte: Pinto-Silva, 2002.
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-
-
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193
ANEXO B - Fatores de correção para altitude local, aplicada para a Solubilidade de Oxigênio. Altitude (m) 0 a 50 51 a 1241,01 82,15 (Ladário/Corumbá, MS) 98,05 (Porto Jofre, MT) 98,70 (Descalvado-Taiamã/Cáceres, MT) 109,34 (Rio Paraguai/Cáceres, MT) 113,79 (Rio Bento Gomes/Fátima, MT) 114,13 (Rio São Lourenço/Fátima, MT) 125 a 199 125,2 (Rio Cuiabá/Barão de Melgaço, MT) 130,36 (Rio Cuiabá/Santo Antônio de Leverger, MT) 140,55 (Rio Cuiabá/Cuiabá, MT) 200 a 279 280 a 349 350 a 419 420 a 499 500 a 569 570 a 649 650 a 719 720 a 799 800 a 869 870 a 939 940 a 1014 1015 a 1089 1090 a 1169 1170 a 1230
Fator de Correção 1,00 1,01 1,01 1,01 1,01 1,01 1,01 1,01 1,02 1,02 1,02 1,02 1,03 1,04 1,05 1,06 1,07 1,08 1,09 1,10 1,11 1,12 1,13 1,14 1,15 1,16
Fonte: Pinto-Silva, 2002.
ANEXO C - Licença IBAMA-PB para captura, coleta e transporte de macroinvertebrados bentônicos do lago no JBBM.
194
ANEXO D - Autorização de coleta de macroinvertebrados bentônicos no lago no JBBM. CONSIDERAÇÕES (FALTA)
CONSIDERAÇÕES (ausente)