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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PRODUÇÃO ACADÊMICA Volume 6 (Livros e Textos em Filosofia, Textos Didáticos, Textos Avulsos, Poesias e Curriculum Lattes)
PROF. DR. JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO PROFESSOR TITULAR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA
JOÃO PESSOA, JP 2014
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Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da UFPB
M528p
Melo Neto, José Francisco de. Produção acadêmica: (Livros e Textos em Filosofia, Textos Didáticos, Textos Avulsos e Poesias) / José Francisco de Melo Neto.-- João Pessoa, 2014. v.6 1. Produção acadêmica. 2. Filosofia. 3. Textos didáticos. 4. Poesias. I. Universidade Federal da Paraíba. II. Centro de Educação.
CDU:378.12
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APRESENTAÇÃO
Este trabalho é um rápido inventário da vida acadêmica do Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto (zé de melo neto, zé neto), com ênfase em sua dimensão acadêmica, nascido em Colônia Leopoldina, Zona da Mata Norte, do Estado de Alagoas, no ano de 1951. É uma coletânea de sua produção intelectual, produto das atividades de professor na Universidade Estadual da Paraíba(UEPB) e na Universidade Federal da Paraíba(UFPB), nos cursos de Graduação e Pós-graduação, em ambas universidades, em especial durante os 15 anos que atuou no Programa de PósGraduação em Educação, da UFPB, traduzidos em artigos, ensaios, textos didáticos, livros coletivos e livros individuais, em vários campos do conhecimento - educação, educação popular, economia solidária, política, filosofia e poesia. Foi, ainda, professor de Química no Colégio Estadual da Prata, em Campina Grande e professor de Ciências da Rede Municipal de João Pessoa. Também em Campina Grande, foi professor de Química da Universidade Estadual da Paraíba. Atingiu o ápice da carreira acadêmica, com todos os títulos acadêmicos graduação em química(Univ. Est da Paraíba-UEPB) e em filosofia (Univ. Fed. da Paraíba-UFPB), especialização em química(UEPB/UFPE), mestrado em educação(Univ. de Brasília-UnB), doutorado em educação(Univ. Fed. do Rio de Janeiro-UFRJ) e estágio pós-doutoral em educação(Univ. de São Paulo-USP). Chegou a Professor Titular, em ambas instituições de ensino superior, sempre por concursos. Coordenou o Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal da Paraíba, e o Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR), bem como, da Incubadora de Empreendimentos Solidários (INCUBES), também na UFPB, tendo sido, ainda, Presidente do Conselho Estadual de Educação do Estado da Paraíba. Teve dois casamentos com Maria do Socorro de Melo e Ana Lúcia Ferreira Queiroga e 5(cinco) filhos - Anaína Clara de Melo, Guerreiro Arco de Melo, Suana Guarani de Melo, Lívia Silas de Melo e Lucas Queiroga Melo. Esta coletânea está dividida em 6 volumes: o volume 1 apresenta Livros e Textos, em Educação; o volume 2 (1 e 2), Livros e Textos em Educação Popular; o volume 3, Livros e Textos em Extensão Universitária; o volume 4, Livros e Textos em Economia Solidária; o volume 5, Livros e Textos em Política; o volume 6, Livros e Textos em Filosofia, Textos Didáticos, Textos Avulsos e Poesias, acompanhando o Curriculum Lattes. O desejo maior é que este material permaneça como material de estudos e pesquisas para os estudantes, pesquisadores e pesquisadoras que, eventualmente, possam se interessar por essas temáticas. Assim é que, pouco a pouco, esta prática documental seja início de uma rotina dos profissionais que atuam ou que atuarão, doravante, neste Programa de PósGraduação em Educação e na Universidade Federal da Paraíba, isto é, deixarem assegurados no ambiente do mesmo a sua produção intelectual. Que todo o material
3 produzido por seus docentes, pesquisadoras e pesquisadores possam estar à disposição das futuras gerações, de forma fácil, in loco e eletronicamente, assegurando o estudo daquilo que já vem sendo pesquisado, avançando para além dos patamares teóricos em que os temas foram encerrados. E, que seja possível o estudo daquilo que se estar pesquisando e produzindo neste ambiente universitário.
João Pessoa, janeiro de 2014. Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto PROFESSOR TITULAR DA UFPB
José Francisco de Melo Neto, nascido em Colônia Leopoldina, Estado de Alagoas, em 16 de janeiro de 1951. Seus pais foram Francisco José de Melo e Doralice Bezerra de Melo.
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SUMÁRIO GERAL (todos os volumes)
VOLUME 1. LIVROS E TEXTOS EM EDUCAÇÃO. VOLUME 2. LIVROS E TEXTOS EM EDUCAÇÃO POPULAR (1 e 2). VOLUME 3. LIVROS E TEXTOS EM EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. VOLUME 4. LIVROS E TEXTOS EM ECONOMIA SOLIDÁRIA. VOLUME 5. LIVROS E TEXTOS EM POLÍTICA. VOLUME 6. LIVROS E TEXTOS EM FILOSOFIA, TEXTOS DIDÁTICOS, TEXTOS AVULSOS, POESIAS E CURRICULUM LATTES.
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SUMÁRIO DO VOLUME 6 (Livros e Textos em Filosofia, Textos Didáticos, Textos Avulsos e Poesias)
6. TEXTOS 6.1. TEXTOS EM FILOSOFIA TEXTO 1. Dialética - uma introdução. TEXTO 2. O trabalho: sua centralidade no mundo contemporâneo. TEXTO 3. Extensão popular e ética. TEXTO 4. Diálogo na teoria da ação comunicativa. TEXTO 5. Ética e pós-graduação.
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ENTREVISTA. Entrevistado - José Francisco de Melo Neto
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ENSAIO. O conceito de trabalho em Marx.
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6.2. TEXTOS DIDÁTICOS TEXTO 1. O trabalho em Marx. 71 TEXTO 2. O método da economia política - Marx(do abstrato ao concreto pensado). 76 TEXTO 3. Dialética em Marx – constituintes de aula. 79 TEXTO 4. Visão dialética de cultura. 84 TEXTO 5. Totalidade (alguns elementos didáticos para a compreensão do conceito em Hegel).
TEXTO 6. Método histórico-dialético. TEXTO 7. Para uma visão dialética de cultura. TEXTO 8. Educação contemporânea. TEXTO 9. Cultura científica, educação-química e cidadania. TEXTO 10. Cidadania e gestão democrática – elementos sugestivos TEXTO 11. Educação para tempos neoliberais. TEXTO 12. O Estado retórico. TEXTO 13. Extensão popular - a universidade em movimento.
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6.3. PREFÁCIOS. 1. Prefácio do livro: Educação popular - enunciados teóricos v.2. 109 2. Prefácio do livro: Educação, extensão popular e pesquisa - metodologia e prática. 113 3. Prefácio do livro: Educação popular, práxis pedagógica e cidadania. 119 4. Prefácio do livro: Pesquisa em educação na Paraíba - 30 anos (1977-2007). 124 5. Prefácio do livro: Diário de uma ritmista aprendiz. 128 6. Prefácio do livro: Projeto pedagógico: uma construção coletiva, uma produção de saberes. 131 7. Prefácio do livro: Legislação Educacional da Paraíba (2000-2011). 137 8. Prefácio do livro: Vivência em comunidade: outra forma de ensino. 141
6 9. Prefácio do livro: O Mar e a Jangada: política cultural e extensão universiária.144 10. Prefácio do livro: Aprimorando-se com Paulo Freire, em dialogicidade. 149 11. Prefácio do livro: Experiência e conhecimento em teatro. 151
7. LIVROS INDIVIDUAL LIVRO 1. Heráclito - um diálogo com o movimento. LIVRO 2. Diálogo em educação: Platão, Habermas e Freire.
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COLETÂNEA LIVRO 1. Dialética
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8. RELATÓRIOS RELATÓRIO 1. Conselho Estadual de Educação-PB - 2011. RELATÓRIO 2. Conselho Estadual de Educação-PB - 2012. RELATÓRIO 3. Encontro de Economia Solidária-Rio de Janeiro-RJ - 2003..
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9. POESIAS
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10. CURRICULUM LATTES
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6 - TEXTOS 6.1. TEXTOS EM FILOSOFIA: TEXTO 1.
DIALÉTICA uma introdução
(Aprovado para a Série pelo Departamento de Habilitações Pedagógicas – Centro de Educação)
João Pessoa 2001
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA reitor JÁDER NUNES DE OLIVEIRA vice-reitor THOMPSON FERNANDES MARIZ EDITORA UNIVERSITÁRIA conselho editorial JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES (Presidente) JOSÉ LUIZ DA SILVA JOSÉ VITALIANO DE C. ROCHA FILHO MANOEL ALEXANDRE CAVALCANTE BELO MARCÍLIA LUZIA G. DA COSTA LUÍS GUSTAVO PEREIRA DE SOUSA CORREIA SÉRGIO DANTAS CARNEIRO diretor JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES vice-diretor JOSÉ LUIZ DA SILVA divisão de produção JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO divisão de editoração ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR secretário MARINÉSIO CÂNDIDO DA SILVA _____________________________________________________ n528D Melo Neto, José Francisco de. Dialética: uma introdução/José Francisco de Melo Neto.João pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2001. 40p. (Série Sala de Aula no 50) 1. Dialética
UFPB/BC CDU 162.6 __________________________________________________________ Direitos desta edição reservados à: UFPB/EDITORA UNIVERSITÁRIA Caixa Postal 5081 – Cidade Universitária – João Pessoa – Paraíba – Brasil Impresso no Brasil Printed in Brazil Foi feito o depósito legal
CEP 58.051-970
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APRESENTAÇÃO
Este trabalho pretende apresentar, de forma simples, o movimento teórico que tem girado em torno de uma discussão antiga e muito presente – a dialética. É um “olhar” para o movimento em torno do debate sobre a questão, envolvendo suas diferenciadas formulações. Daí o título: Dialética – uma introdução. A dialética tem sido compreendida como um método de divisão, uma lógica do provável, uma lógica simplesmente ou, ainda, como uma síntese dos opostos. Este texto dá ênfase, todavia, a perspectiva presente nas formulações de Hegel/Marx. Para tornar mais acessível, talvez, o debate a respeito deste tema importante e necessário, sobretudo na teoria do conhecimento ou, em particular, nas metodologias da produção do conhecimento, trata-se de um texto de fácil acesso aos estudantes e interessados na compreensão desse método. O caminho do texto conduz, previamente, a uma reflexão mais pormenorizada da perspectiva da dialética como um método, e mais, como um método que se coloca ao debate, privilegiando a natureza (a realidade) mesma, dando-lhe anteriormente em suas possibilidades de análise. Para percorrer o caminho aqui traçado, colocou-se como ponto de partida uma questão: que dialética pode ser utilizada como constituinte metodológico-analítico de questões sociais? O autor
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INTRODUÇÃO1
Para a análise de uma realidade concreta, têm-se muito presente, os desafios contemporâneos do fazer ciência, como também, uma busca para novos caminhos e, necessariamente, novos encontros com outros tantos desafios. Ao se estudar uma realidade, através de um “olhar” crítico, faz-se necessária uma maior exigência metodológica. Não pode ser uma metodologia fixa, determinada e sem abertura para as tantas possibilidades novas que surgem, a cada momento, na procura de se produzir conhecimento. Carvalho (1995, p. 25), na busca de caminhos/descaminhos para a razão, procura estar atento aos caminhos que se descortinam, quando perscruta as trilhas do “fragmento, do particular e do sentido”. Em que bases fundamenta-se a análise de práticas educativas que busquem as suas dimensões voltadas para processos de construção de hegemonia de setores sociais não burgueses? Que elementos compartilhar, quanto à metodologia, na busca de constituintes que possam contribuir para a superação de concepções que não atendam às necessidades políticas de liberdade de setores sociais subalternos? Como analisar a realidade na “sua essência contraditória e em permanente transformação?” (MELO NETO, 1996, p. 12). É nessa perspectiva que se colocam, como contribuinte à realização de pesquisas, nessa área, os constituintes da análise dialética. Como escapar das críticas à Ciência Moderna, consideradas pertinentes e fecundas? Segundo Fausto (1987, p. 15), esta se fechou numa perspectiva instrumental, perdendo-se em modelos universais abstratos, definidos a priori, acrescentando que “desconsiderou a riqueza e multiplicidade da experiência humana e mais: vulgarizou a dialética”. Nesse sentido, a questão a ser respondida é: Que dialética pode ser utilizada como constituinte metodológico-analítico de questões sociais?
Elementos teóricos da dialética Para se iniciar a tentativa de apresentação dos constituintes da dialética, é necessário buscar-se a resposta à questão: O que é dialética? Essa resposta exige um debruçar-se sobre a história da filosofia, onde se pode encontrar a utilização da noção de dialética de várias maneiras e, dessa forma, nada possível de determinada ou explicada de uma vez por todas. Um conceito que tem recebido diferenciados conceitos que têm sido formulados, no decorrer do tempo, mesmo que diferentes, apresentam pontos de identificação entre si. Com isso, surge a dificuldade de uma compreensão em um único significado. De forma sintética, com base em considerações etimológicas, podem ser consideradas, pelo menos, algumas fases dos quatro conceitos principais da dialética: a dialética como um método de divisão, vista por Platão; a dialética como lógica do provável, presente em Aristóteles; a dialética como lógica, segundo Kant; a dialética como síntese dos opostos, a partir das formulações de Hegel/Marx. São quatro conceitos pautados em quatro doutrinas que exerceram “forte” influência na história da dialética, respectivamente: a doutrina platônica, a doutrina aristotélica, a doutrina estóica e a doutrina hegeliana. A discussão será conduzida na tentativa de chegar-se a uma síntese conceitual. Entretanto, será mantida a sua generalidade, em virtude da impossibilidade de se englobarem todas essas formulações em um só conceito. A resposta à questão acerca do conceito de dialética apresenta grande dificuldade, considerando-se que os autores a definem e a interpretam de várias maneiras. Parece que cada procedimento nessa direção se apresenta como insatisfatório. Para vários autores e intérpretes, a dialética “é a arte do diálogo, ou que ela é uma lei” (BORNHEIM, 1983, p. 153). Esta definição, que parece elucidativa, apresenta-se, porém, com nuanças que abrem outros tios de questões 1
O autor é professor do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, Campus I, João Pessoa, integrando o Programa de Pós-Graduação em Educação – Educação Popular, onde coordena o Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR).
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fundamentais, como a discussão sobre o sentido do diálogo, por exemplo. Há, para o autor, uma certeza, ou uma clareza, de base de que a dialética, em seu ser, é a arte do diálogo, é lei. Ainda, segundo esse intérprete, não tem sentido a defesa de uma determinação ou uma definição como mecanismo de exclusão das demais, acrescentando (ibid., 154): “Nada prova que diversas determinações não possam corresponder de algum modo à índole interna da dialética. Vimos que, do ponto de vista histórico, a dialética metafísica não só se justifica como foi necessária. Assim também, a dialética pode ser a arte do diálogo, ou a lei do real, ou de certos setores do real. Talvez a dialética seja ainda outras coisas.” Mesmo diante dessas dificuldades, pode-se ver, contudo, que a dialética é uma das expressões filosóficas muito usadas e que a sua universalidade tem sido, segundo Azevedo (1996, p. 2), “muito estudada, no sentido de individuar na gênese da palavra o seu significado profundo”. O autor encontra, no seu estudo etimológico, a expressão dialegein para significar, entre outras coisas, “escolher”, “selecionar”; e a sua forma derivada “dialesgesthai” com a significação de “conversar com”, “raciocinar com”. Muito importante ainda é o advérbio “dia” que, entre outras, assume valores espaço-temporais (através, entre, durante), causais, modais (com), bem como de estado ou condição. Como prefixo verbal, o autor destaca que “dia” também adquire uma variedade de significados, entre os quais “divisão” e “separação”. Como exemplo, ele apresenta “diápempo” “estou em desarmonia”; “diagonizomai” “luto com”, “contendo com”. Aponta também o verbo “légein”, que é rico de significados, muitos convergindo para a concepção de dialética, como exemplo: “escolher cuidadosamente, contar”. Mostra, por fim, a expressão “dialégein” que significa “desenvolver (de forma completa) um discurso”. Do ponto de vista filológico, o vocábulo abriga um grande número de significados que vêm sendo mantidos ao longo da história, demonstrando, talvez, a vivacidade do real que a dialética expressa. Para Azevedo (ibid., p. 3), “a tradição homérica já toma o verbo, o termo, no sentido de tomar uma deliberação/discussão e pensamento sobre uma situação em que se apresenta a negatividade do risco e do perigo da morte”. Para Sichirolo (1980, p. 20), “...dialética e persuasão – uma das poucas razões válidas a operar dentro da chamada civilização ocidental”. Essa multiplicidade e ambiguidade linguística repercutem nas concepções filosóficas fundamentais da dialética. Historicamente, foi entendida, quer como lei, quer como suprema ciência da realidade e como arte do debate, sem ser, necessariamente, relacionada com a busca da verdade. Assim é que a dialética, tem se apresentado como arte entre os sofistas, em Sócrates e, às vezes, em Platão. Entretanto, em Platão,2 a dialética terá significado de método da divisão, de busca de uma definição verdadeira, mediante divisão de gêneros, espécies e sua conexão: “Dividir assim por gêneros, e não tomar por outra, uma forma que é a mesma, nem pela mesma uma forma que é outra, não é essa como diríamos, a obra da ciência dialética? (...) Sim, assim diríamos” (PLATÃO, SOFISTA, 253c-d). Este é o conceito que estabeleceu para a dialética. A dialética como técnica/arte, como instrumento da busca associada que se efetiva através da colaboração de duas ou mais pessoas, por meio do procedimento socrático da pergunta e da resposta – um procedimento processual. Um procedimento que se realiza em duplo movimento: “O primeiro, a sinóptica, consiste em conduzir à unidade de uma forma, de uma ideia, diremos nós, o que é diverso e múltiplo, por medo de uma instituição, de uma visão, de uma compreensão da totalidade; o segundo, a diarética, procura, por seu lado, especificar a unidade precedentemente definida, isto é, reconhecer quais as formas que dependem da natureza daquela unidade, mediante uma divisão dela segundo as suas articulações naturais, isto é, as suas espécies (Sichirollo, 1980, P. 49).”
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Utilizou-se a tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa (Fédon, Sofista Político) da coleção Os Pensadores. Abril Cultural, São Paulo, 1979.
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São dois processos que, juntos, se condicionam e constituem toda a dialética. Platão deixará mais claro esse movimento sinóptico e diarético, ao explicar:3 “Amo, Fedro, estas operações de dividir e unificar a fim de se ser possível falar e pensar. Se descortinar alguém capaz de lançar o seu olhar sobre o uno e sobre a unidade natural de um múltiplo, segui-lo-ei, não largarei as suas pegadas como se fossem as de um deus. Aqueles que sabem fazer isto – se é justo ou não, só Deus o sabe – dou-lhes o nome de dialécticos... (FEDRO, p. 266b-c).” Dois momentos que constituem tanto uma unicidade como uma totalidade, designados por Platão de ascendente e descendente. Dois momentos que fazem coincidir, tanto o especulativo da inteligência como o ciclo da educação do filósofo, que deve descer à caverna buscando a justiça do Estado (FEDRO, p. 516c).O dialético é aquele que vai ao fundamento da essência, e por isso pode dar tanto razão a si como aos outros (ibid., p. 534b-c), sendo esta a sua lei. Pode ainda “...dedicar sobretudo àquele tipo de educação que confira capacidade de interrogar e responder o mais cientificamente possível” (ibid., p. 534d-cd). Finalmente, as quatro possibilidades que se apresentam nesses dois momentos indicados na passagem do Sofista (253d) são: a) a existência de uma ideia única e que dela surjam outras tantas ideias, existindo cada uma separadamente; b) a existência de uma única ideia que englobe, desde o exterior, outras ideias distintas entre si; c) a união da totalidade dessa multiplicidade de ideias para se chegar a uma única ideia; d) a existência de muitas ideias diferenciadas, divididas, entre si. Já Aristóteles apresenta uma diferenciação, em relação aos seus predecessores, ao tratar a dialética. É comum, para fins de estudo dessa temática, começar-se pela parte final do Órganon. É neste livro que o filósofo vai elaborar a sua concepção de dialética como a lógica do provável. A dialética, assim concebida, é entendida como o procedimento racional sem necessidade de demonstração. O silogismo é dialético em Aristóteles4 que, ao invés de partir de premissas verdadeiras, parte de premissas prováveis/plausíveis. Premissas sempre colocadas de forma genérica e geralmente admitidas. “São, por outro lado, opiniões „geralmente aceitas‟, aquelas que todo mundo admite, ou a maioria das pessoas, ou os filósofos – em outras palavras: todos, ou a maioria, ou os mais notáveis e eminentes” (TÓPICOS, I, 1,100b, 20). A capacidade de colocar as premissas, as mais prováveis possíveis, a dialética – precisa apoiar-se em duas dimensões principais. Essa prática não deverá guiar-se apenas pelo exercício socrático de sempre perguntar sem, contudo, “dar” alguma resposta, “mas também na capacidade de responder e de defender a própria tese, como se se conhecesse o objeto da discussão. E isto em virtude de sua proximidade com a sofística” (SICHIROLLO, 1980, p. 65). Aristóteles, além disso, num esforço para sustentar a própria tese, associa, no seu Órganon, uma relação da crítica com a dialética. A argumentação ou o raciocínio crítico se objetivam na interrogação. Mas, nem a crítica nem a dialética são ciências de um objeto determinado. Ambas se interessam por tudo e se aproximam da arte do sofista, mas não se confundem, pois este o faz de forma apenas aparente, enquanto o dialeta desenvolve a crítica por meio da arte silogística. Assim, a dialética é entendida, por Aristóteles, como a arte da discussão ou disputa retórica e da disputa e do exercício da lógica. É uma arte que se serve de premissas prováveis. É também um instrumento com o qual se pode chegar aos princípios das ciências possibilitando, normalmente, a sua discussão. Entretanto, um dos eventos importantes da história da dialética se dá com o advento da obra de Kant. Sichirollo (1980, p. 139), ao interpretar a razão, a história e a dialética de Kant até Hegel, conclui que, independentemente dos resultados e interpretações de cada um dos historiadores da filosofia, o idealismo alemão, expressado por Fichte,5 Schelling,6 Reinhold, Jacobi..., portanto os
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Utilizou-se a tradução de Jorge Paleikat, da Ediouro, s/d. Ver Aristóteles, Dos argumentos sofísticos, sobretudo a partir de 4, 166 a, 5. 5 Ver Fischte. A doutrina da ciência e o saber absoluto. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980. 4
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seus representantes mais “ilustres”, e até Schopenhauer, “escreveram as suas obras mais significativas como resposta aos problemas que a filosofia de Kant pôs ao seu tempo”. Mesmo Hegel, segundo o autor, iniciara seus estudos como kantiano, ao comentar a Metafísica dos costumes e escrevendo uma Vida de Jesus, inspirado na moral de Kant. O ponto de partida de seus estudos, ao contrário de se pautar pelas dimensões positivas da dialética, segundo seus antecessores se impõe, contudo, a partir de uma desvalorização da dialética enquanto instrumento cognitivo. Nesse aspecto, ressalta que na dialética kantiana, “as teses são apresentadas como resultantes da imposição de uma situação humana: a razão exposta ao erro da ilusão” (ibid., p. 140). Mas, em que consiste essa dimensão negativa da dialética? Ao discorrer sobre a divisão da lógica transcendental, em A analítica transcendental e dialética transcendental, Kant mostra que a lógica transcendental deveria tornar-se apenas um cânone para a avaliação do uso empírico. Para ele, a lógica vem sendo mal utilizada ao se deixar valer como organon “de uso geral e ilimitado e se ousa, apenas com o entendimento puro, julgar, afirmar e decidir sinteticamente sobre objetos em geral. Neste caso, o uso do entendimento puro seria dialético” (Crítica da razão pura, 4, & 88). Kant, contudo, vai mostrar a necessidade de uma segunda parte de sua lógica transcendental que deverá segundo ele, ser crítica dessa ilusão dialética – não como arte de alimentar tal ilusão. “Mas como uma crítica do entendimento e da razão no tocante ao seu uso hiperfísico, para que se possa descobrir a falsa aparência de tais presunções infundadas e reduzir as suas pretensões de descoberta e ampliação, que ela supõe alcançar unicamente através de princípios transcendentais, à mera avaliação do entendimento puro e sua contra ilusões sofísticas” (ibid., 4, & 88). A dimensão negativa da dialética em Kant é vista por Durant, em seu estudo sobre a Filosofia de Kant (p. 56), como uma função considerada “cruel” para a “dialética transcendental”, que é o exame da “validade das tentativas da razão de se evadir do círculo de sensações e aparências para o mundo, que não se pode conhecer, das „coisas em si‟”. Esta é uma busca constante do filósofo para se evitar não só as sensações como as aparências. Contudo, para Reale (1990, p. 695), mesmo desmascarando os sofismas erístico-dialéticos e as aparências sofísticodialéticas e, assim, eliminando-as, contudo, “as ilusões e aparências transcendentais permanecem”. A ilusão permanece, exatamente, por se tratar de uma ilusão que é natural. Para Kant, tudo isto é dialética. Esses erros, essas ilusões da razão, bem como o seu estudo crítico, constituem a dialética das aparências. Kant exemplifica com algumas espécies de afirmações dialéticas da razão pura que demonstram, por seu caráter dialético, que a cada uma delas se opõe também um princípio contraditório, que são da razão pura e igualmente aparentes. E mais, essas antinomias estão radicadas, segundo o filósofo, “na natureza da razão humana, sendo, por conseguinte, inevitável e jamais tendo um fim”. São as seguintes suas teses:7 “Tese 1 – O mundo, segundo o tempo e o espaço, tem um começo (limite). Antítese – O mundo, segundo o tempo e o espaço, é infinito. Tese 2 – Tudo, no mundo, é constituído pelo simples. Antítese – Nada é simples, mas tudo é composto. Tese 3 – Há no mundo causas através da liberdade. Antítese – Não há liberdade, mas tudo é natureza. Tese 4 – Na série das causas do mundo, existe um ser necessário. Antítese – Nesta série, nada é necessário, mas tudo é aí contingente” (Prolegómenos, /133, & 51). A revolução, trazida por Kant, libertou o espírito do controle exercido sobre ele pelas coisas ou pela realidade extramental. Esse controle ou regulação, segundo Maritain (1964, p. 143), foi substituído por um universo de fenômenos unificados, sob as formas a priori da estrutura cognoscitiva do sujeito. Porém, em Kant, tem-se o dualismo dos fenômenos e da coisa em si, coisa 6
Ver Schelling. Bruno ou do princípio divino e natural das coisas, em particular o item B) exposição da filosofia mesma (porém “não tanto dela mesma, quanto do solo e fundamento sobre o qual ela tem de ser construída”). Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1984. 7 Os grifos das teses aparecem no texto de Kant.
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essa que, mesmo em sua incognoscibilidade, continuava a pertencer ao mundo do ser extramental. Ainda para o autor, o objetivo de Kant era limitar o campo do nosso saber e restringir as ambições da razão. Segundo Maritain (ibid., p. 144), foram os idealistas alemães que, partindo da “revolução copernicana”, inaugurada por Kant no campo da filosofia, no intuito de levá-la a termo, conseguiram destruir toda e qualquer barreira que limitasse as ambições da razão e do saber filosófico. Consequentemente, ultrapassaram o dualismo kantiano dos fenômenos e da coisa em si, libertando-o da regulação das coisas extramentais exercida sobre ele. Assim é que a filosofia idealista caminhou no seu intento de levar o universo a conhecer a suprema unidade, abraçando-o em sua e por sua unidade. A filosofia identifica-se, a partir desse intento, com o próprio absoluto e suas automanifestações, já que o espírito era esse mesmo princípio da unidade absoluta, gerador de suas diferenciações. Ainda para Maritain (ibid., p. 145), o traço genial de Hegel foi o de fazer dessa ideia de absoluto, pensamento ou espírito, o universo real que é apreendido, não por possuir uma existência fora do pensamento, mas no sentido de que o real passa a ser uma manifestação do pensamento no seio de si próprio. Na introdução da Fenomenologia do Espírito, Hegel destaca a impossibilidade do conhecimento formulado por Kant, seja através de um instrumento com o qual dominaria o absoluto, seja como meio com o qual seria possível a sua contemplação. Hegel (1974, p. 47) explicita sua crítica com o seguinte raciocínio: “Essa precaução deve até transformar-se na convicção de que toda a tarefa de conquistar para a consciência, por meio do conhecimento, o que é em si é, na sua conceituação mesma, um contra-senso, e de que o conhecimento e o absoluto sejam separados por uma nítida linha de fronteira.” Se, para Kant, existia, entre o sujeito e o objeto, o entendimento, uma separação da coisa em si, e se, agora, o real é manifestação do pensamento no sei de si próprio, a coisa em si está superada. O pensamento, sendo o absoluto em movimento, passa a encerrar sobre si mesmo tudo enquanto de si surge, bem como as suas autodiferenciações. A crítica de Hegel (ibid., p. 48) continua: “As representações do conhecimento entendido como instrumento e meio e, bem assim, uma diferença entre nós mesmos e esse conhecimento; pressupõe, sobretudo, que o Absoluto esteja de uma parte e o conhecimento, mesmo sendo algo de real, esteja de outra parte, para si e separado do absoluto.” Isso é algo inadmissível para ele, pois no seu sistema não há separação entre o sujeito e objeto. E mais, não se conhece nada, senão o que já está conhecido em nós mesmos. Para Hegel, o Absoluto não pode utilizar-se de qualquer “astúcia” para se chegar ao conhecimento, já que Ele está e quer estar “em nós tal como é em si mesmo e para si mesmo” (ibid., p. 48). Não só não há separação, como também o seu fazer história “é a história do pensamento que a si próprio se encontra” (HEGEL, 1974, p. 329). Um movimento dialético se instala como a síntese dos opostos. Trata-se de uma síntese, já posta por Richte (Doutrina da Ciência, & 4e), como “síntese dos opostos por meio da determinação recíproca”. Os opostos de que fala o autor são o “eu” ao “não eu” e pela determinação que, por sua vez, “não eu” reflete no “eu”, produzindo nela a representação. Pode-se perguntar, agora: Como é que se apresenta o movimento dialético de Hegel na Fenomenologia do Espírito? Ou como o absoluto faz sua odisseia na história, tornando-se saber absoluto? Na busca do conhecimento verdadeiro ou saber absoluto, a consciência, para ter essa certeza de que esse conhecimento é verdadeiro, precisa de “ferramenta” para parametrá-lo. É como se a consciência precisasse de algo para “cientificizar” o seu conhecimento e tê-lo como verdadeiro, como científico. Hegel, na Fenomenologia do espírito, desenvolve uma crítica à ciência, na medida em que esta se reivindica verdadeira. No desenvolvimento dessa crítica, mostra o percurso da consciência e a sua dialética.
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As ciências, em verdade, apontam para diferentes absolutos e, “ousadamente”, se assumem enquanto conhecimento verdadeiro. Ora, quando a ciência vai em busca do conhecimento, deve partir de deduções, pressuposições e até de precauções. No entanto, ela vai com desconfiança, não atingindo o que em verdade é. A exigência colocada é que da ciência precisam ser examinados, à “exaustão”, os seus próprios pressupostos. Essa desconfiança é um temor de errar. Este temor é eregido sobre a própria verdade que busca. Exige-se, dessa forma, uma crítica sobre sua desconfiança. Além do mais, a ciência faz uma divisão entre o conhecimento e o absoluto (essência). Hegel pergunta, na Fenomenologia do espírito: Como algo pode ser verdadeiro se está, como nas ciências, fora do absoluto? Sua resposta, para esta questão, vem após formular a crítica ao saber da consciência surgente (de algo). O saber surgente é saber de algo. O que se deseja é que a ciência, que entra em cena, leve isto à crítica. O caminho da dúvida é entendido como procedimento da ciência com a consciência (saber surgente). Surge a necessidade de uma medida, e esta não pode vir do exterior da consciência. Ora, a ciência, que entra em cena, deve dar a medida à consciência surgente (de algo), o critério de verdade. Este entrar em cena é pôr-se a caminho da crítica. Hegel busca o absoluto único, a que as ciências não respondem. Nesse sentido é que a filosofia torna-se ciência porque ela quer o querer do absoluto, ser ciência da totalidade. Busca um absoluto que está em nós e sem nós não pode ser. Um percurso em que o indeterminado determina-se como determinado fora dessa determinação. Para mostrar esse movimento de busca do saber absoluto, Hegel parte da consciência natural, do saber natural, aquela que tem por base a sabedoria popular, o senso comum, os ditos populares. É o nível da formação de um discurso que não se pretende científico. Cada momento histórico tem uma forma de discurso, de sabedoria popular, isto é, modos de vida que formarão os tipos de saberes. É o campo da aparência que não está em oposição ao suprassensível. Não há oposição entre a aparência e a ideia, pois ambas são um só mundo. A aparência envolve o saber verdadeiro. Mas existe, agora, o desejo de exame desse saber, uma exigência do saber que conduz imediatamente à descoberta da estrutura da própria coisa como uma dupla aparência. A aparência desse saber que se arvora em ser ciência e a aparência enquanto pretensa totalidade de um processo de conhecimento. O conhecimento da ciência não passa de uma aparência e não conduz à busca da verdade ou conhecimento verdadeiro. E na busca da coisa como em verdade é, a consciência submete a consciência natural ou o saber natural para dirimir a dupla aparência, gerando o saber surgente, ou ciência surgente que, contendo a exigência de saber algo, se põe a caminho da crítica, agora como ciência que entra em cena. Entrar em cena é pôr-se a caminho da crítica que descobre o ser em si, o saber. O ser em si é objeto (essência). O objeto não é material e está na consciência. O saber está na consciência. O para si é o movimento da essência para a consciência. Hegel descobre, assim, o outro critério, que é a verdade ou a consciência do para si, que é o caminho do algo para a consciência. A consciência tem, dentro de si, o em si do objeto tornandose para si. É a passagem da ciência que entra em cena, chegando ao “conceito” – a ciência verdadeira. É nessa direção a afirmativa de Cezarino (1996, p. 3): “A ciência verdadeira é o sistema de conhecimento em razão da crítica levada a cabo, que contém também o saber das determinações (momentos), o qual é somente acessível, quando a crítica é levada à exaustão e a conexão de tipos de saber são vistos como conexão. O saber é então saber em e para si.” A verdade e o saber estão na consciência e são os parâmetros de chegada de Hegel ao absoluto, o saber verdadeiro. É o próprio processo. Ainda para o citado intérprete de Hegel, esse processo de negação pode ser tomado como o “caminho da consciência natural, que penetra no verdadeiro saber” (ibid., p. 3). É como se tratasse de um processo de progresso, o qual a consciência natural percorre como uma necessidade, com uma direção de finalidade para o saber absoluto. Só assim se chega à totalidade e a totalidade é todo esse processo. Um processo que não é a soma dos distintos momentos, pois não existe oposição entre esses momentos. Assim é que a
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partir de qualquer momento, pode-se iniciar esse movimento da dialética. Dialética como a essência mesma da coisa. Para Azevedo (1976, p. 7), a dialética em Hegel consiste: “I – na colocação, no propor de um conceito „abstrato e limitado‟; 2 – na supressão deste conceito como algo „finito‟ e no passar a seu oposto; 3 – na síntese das duas determinações anteriores, síntese que conserva o que há de afirmativo em sua solução e em sua transferência.” Hegel denomina esses três momentos, respectivamente, como: momento intelectual, momento dialético e momento especulativo ou positivo racional. Todavia, a dialético e momento especulativo ou positivo racional. Todavia, a dialética não é apenas o segundo momento, mas o conjunto do movimento, principalmente em seu resultado positivo e em sua realidade substancial. O princípio da identidade do racional com o real, presente em Hegel, implica que a natureza do pensamento seja a mesma natureza da realidade. Assim, a dialética não é apenas a lei do pensamento, mas é a lei da realidade. Os seus resultados não são meros conceitos puros ou conceitos abstratos, mas “pensamento concreto”. A realidade, dialeticamente em movimento, está em permanente devir. A filosofia hegeliana vê, em todos os lugares, tríades do tipo: tese, antítese e síntese, segundo intérpretes, como Azevedo, Bornheim, Thadeu Weber, Lima Vaz, Llanos, em que a síntese representa a “negação” ou o “oposto”, ou o “ser outro” da tese. A síntese/constitui a unidade, no seu próprio tempo, a verificação, tanto de uma como de outra. Para Llanos (1988, p. 94), “uma vez alcançada a síntese, esta se põe a si mesma como uma nova tese, isto é, como uma categoria afirmativa que se há de converter na base de uma nova tríade”. Ao analisar esse movimento triádico da dialética, Weber (1993, p. 41) coloca que “em cada síntese, os momentos anteriores estão suprimidos (negados), mas, ao mesmo tempo, integrados numa forma superior”. A condição de possibilidade da dialética, em Hegel, se revela como sendo a transcendência da consciência sobre o dado, manifestada ela negatividade. Isto confere à filosofia o papel de instância, tanto doadora como reveladora de sentido. É esta lição primordial da dialética hegeliana, tanto na forma com no conteúdo. Coube a Feuerbach, segundo Llanos (1988, p. 109), a crítica às formulações idealistas de seu tempo, que mostrara ser o espírito absoluto hegeliano “o espírito finito – humano – mas abstraído e separado do homem”. Toda a crítica formulada (ibid., p. 110) se constituía num materialismo, ao contrapor-se à ideia da transcendência sobre o dado no pensamento de Hegel, embora esse materialismo fosse limitado, ostentando um “caráter contemplativo, metafísico e antropológico, combinando-se com uma concepção idealista de sociedade”. Feuerbach, segundo o autor, não via a passagem do homem abstrato para um homem que atuasse, necessariamente, na história. A passagem do culto desse homem abstrato, centro da formulação feuerbachiana, pela ciência do real e de seu desenvolvimento histórico, seria possível ser efetivada por Marx. Marx vai realizar a inversão da dialética, colocando o objeto ou “dado” como primeiro, o natural imediato antes da consciência. Assegura, portanto, a primazia dos conteúdos materiais ou históricos – as formas finitas da consciência – sobre as formas infinitas da mesma consciência. Na evolução do pensamento de Marx, o confronto definitivo com Hegel é exposto em várias obras.8 Marx incorpora o postulado materialista feuerbachiano e o método dialético, de Hegel. A inversão vai se constituir na adequação do método dialético a um conteúdo material inicial, da crítica ao idealismo, ao método hegeliano e a um reconhecimento da contribuição de Feuerbach. Deste, segundo Dantas (1996, p. 11) assume teses, sobretudo a análise de que a filosofia não passa de religião transportada para o pensamento e desenvolvida em pensamento. Sua crítica ao idealismo “consiste na denúncia do processo dialético no âmbito da consciência, de modo que a disjunção se faça entre o objeto como ser ideal e o sujeito como autoconsciência”. Essa crítica exige de Marx uma adequação rigorosa entre o sujeito e sua esfera objetiva ou o mundo material. Impossibilita 8
Ver Karl Marx, em sus obras: Crítica da filosofia hegeliana do direito público (1844), Manuscritos econômico-filosóficos (1844), Teses contra Feuerbach (1845), Ideologia alemã (1845-46) e Sagrada família (1845).
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também qualquer transcendência do sujeito sobre o mundo. Define, além disso, como relação fundamental a relação econômica da produção. Para Markus (1974, p. 81), o ponto de partida das análises filosóficas de Marx, frequentemente omitido, é “uma situação de fato empírica e concreta, uma situação histórica, cujo alcance decisivo sobre sua época foi esclarecido, etapa por etapa, por Marx, revolucionário e pensador, durante sua evolução precedente”. Esta situação empírica, concreta, está presente em várias passagens nos Manuscritos econômicos e filosóficos, quando Marx mostra a pobreza crescente do operário, à medida que maior for sua produção de riqueza. Será cada vez mercadoria de pouco valor quanto mais criar mercadorias. Assim, “o homem torna-se cada vez mais pobre enquanto homem, precisa cada vez mais do dinheiro para apossar-se do seu inimigo, e o poder do seu dinheiro diminui em relação inversa à massa da produção” (MARX, 1978, p. 16). Marx continua a sua análise sobre o pensamento de Hegel, encontrando, na Fenomenologia do espírito, a fonte originária de sua filosofia. Descobre erros nas formulações hegelianas, sobretudo aquela que concebe a riqueza, o poder estatal etc., como “Essências alienadas para o ser humano, isto só acontece na sua forma de pensamento (...). São seres de pensamento e por isso simplesmente uma alienação do pensamento filosófico puro, isto é, abstrato. Todo movimento termina assim como o saber Absoluto. É justamente do pensamento abstrato que estes objetos se alienam, e é justamente ao pensamento abstrato que se opõem com sua pretensão à efetividade” (ibid., p. 36). Marx reconhece, contudo, a grandeza do pensamento hegeliano na obra referida e, particularmente, no seu resultado final: “A dialética da negatividade na qualidade de princípio motor e gerador – consistindo de uma parte que Hegel compreenda a autogeração do homem como processo, a objetivação como desobjetivação, alienação e superação dessa alienação; em que compreenda então a essência do trabalho e conceba o homem objetivado, verdadeiro, pois esse é o homem efetivo como o resultado de seu próprio trabalho” (ibid., p. 37). Mas, após a explicitação de sua crítica ao movimento dialético no campo das ideias, em Hegel, pode-se perguntar qual é a dialética ou o método de Marx. Em lugar de explicitar o seu método dialético, Marx prefere aceitar como suas as palavras de comentador: “Assim, ao se propor a tarefa de analisar e explicar a organização econômica capitalista, Marx não faz senão formular de um modo rigorosamente científico e objetivo que deve ser perseguido por toda investigação exata da vida econômica... O valor científico de semelhante pesquisa consiste em esclarecer as leis especiais que regem o surgimento, a existência, o desenvolvimento e a morte de um organismo social dada a sua substituição por outro organismo mais elevado. E esse é o valor que tem realmente a obra de Marx” (MARX, Prefácio, 15, apud HAGUETE, 1990, p. 163). Marx passa a concordar com o comentário e também se perguntar se não é esta a definição do método dialético. Mostra o processo de exposição que deve diferenciar-se pela forma do processo de pesquisa. “A pesquisa deve captar com todas as minúcias o material, analisar as suas diversas formas de desenvolvimento e descobrir a sua ligação interna. Só depois de cumprida esta tarefa pode se expor adequadamente o movimento geral” (ibid., p. 15). Ao estudar o método de análise da economia política, Marx descobre que esse método inicia sempre pelo real e pelo concreto, parecendo esta a forma correta. No estudo de um país, parece ser correto iniciar-se pela população que se constitui na base e no sujeito social da produção. Porém, uma observação mais atenta, segundo ele, mostra que a população, mesmo sendo tão concreta, é, na verdade, uma abstração. Por conseguinte, esse método é falso.
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“A população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem. Por seu lado, estas classes são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos em que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço etc., não é nada. Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações as mais simples. Chegados a este ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma representação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas” (MARX, 1978, p. 116). Para Marx, este é o método cientificamente exato. Este é o seu método dialético. Essa formulação viabiliza uma visão de que o universo vai se tornando possível revelar-se tal qual é. O pensamento pode mover-se por dentro de suas partes, apreender as suas interconexões e o conjunto no qual elas se fundem. Para Prado Junior (19870, p. 513), Marx, “...aproveitando-se das comportas abertas por Hegel e do terreno desembaraçado que se estendia à sua frente, empurra o pensamento filosófico para fora do seu isolamento idealista e introspectivo”. O mundo das ideias, agora, passa a ter o sentido de mundo material, “transposto e traduzido no espírito humano”. Fausto (1993, p. 49), ao estudar o lugar da forma e do conteúdo na dialética, observa que em Marx, “o sistema de formas permanece sempre inscrito na matéria. Assim, a matéria é em Marx o lugar da inscrição das formas, não mais mas não menos do que isto”. Contudo, é um Cardoso (1990, p. 19) que se verifica um acompanhamento mais explícito sobre o desenvolvimento do método de Marx, entendendo-o subdividido em seis partes: “A primeira trata do método em geral e indica um movimento que é exclusivamente teórico, passando-se totalmente no abstrato. A segunda afirma a anterioridade do concreto. A terceira propõe e resolve uma relação específica entre o real e o teórico, desdobrando as relações entre as categorias mais simples e as mais concretas. A quarta precisa a condição da produção das abstrações mais gerais a partir do desenvolvimento concreto mais rico. A quinta indica que é no último modo de produção já estabelecido, porque o mais complexo, rico e variado, que se torna possível a inteligibilidade não só dele mesmo, como também de todas as sociedades anteriores. A sexta retorna ao método, estabelecendo que a ordem das categorias deve seguir uma hierarquia teórica, em função da sua importância correlativa dentro da sociedade mais complexa, base das abstrações mais gerais e categorias mais simples, e não em função do seu aparecimento histórico.” Esta divisão vai possibilitar, para a autora, uma segunda apreensão do método, que está assim exposta: 1 – Do abstrato para o concreto pensado. Na crítica ao método da economia clássica, considera-se que esta inicia sua análise a partir do “concreto”. A autora citada vai entender que tal “concreto” só tem sentido à medida que se vão descobrindo as suas determinações. A realidade social é determinada, e assim é não por obra natural. Há relações específicas que a determinam, respondendo a certa causalidade. Neste sentido, a realidade social é determinada e só é possível a sua explicação, quando também se apreender a sua determinação. Na não existência das determinações, o mundo seria fenômenos completos em si mesmos. Não existindo as relações entre os fenômenos, seria possível apenas o estudo de suas descrições e, jamais, de suas explicações. Na verdade, as explicações precisarão melhor o próprio fenômeno e a sua completude nas relações (de superfície) que mantêm uns com os outros. O concreto real, de que partem os economistas clássicos, apresenta um sentido que não é já dado, mas sim “adquirido pela ação do pensamento, na abstração” (ibid., p. 21). Este concreto real é uma abstração.
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“Assim, um procedimento como este não parte do concreto, como se supõe, e sim da abstração, e não pode sequer procurar condições para reencontrar o concreto, porque supõe, enganosamente, que já o incorpora à análise desde o início” (ibid., p. 21). O real, nesse sentido, se apresenta com um caráter caótico. Em havendo uma ordem no real, essa ordem não está dada e não transparece, só podendo ser atingida pelo pensamento que a investiga, aprofundando-se no mesmo. Esta investigação, contudo, não terá respostas imediatas dos dados ou contatos do real, mas será produto da reflexão que, informada pela teoria, vai em busca da realidade externa. Em sendo esta realidade determinada, é que se torna possível conhecê-la e explicá-la racionalmente. Isto só é possível, todavia, ao se atingir os seus determinantes fundamentais. "E isto acontece no mundo dos conceitos, no plano teórico, no abstrato. Abstrato que tem a pretensão de reproduzir o concreto, não na sua realidade imediata e sim na sua totalidade real” (ibid., p. 22). Possibilita-se, assim, a compreensão da formulação de Marx em que “o concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações”. A totalidade real se constitui, portanto, do conjunto das determinações, juntamente com o que elas determinam. Ao tempo da produção de Marx, onde dominavam as perspectivas empíricas, não se poderia atingir essa totalidade real, valendo-se do estilo daquele método. Não será a partir de toda uma análise procedente do real. Este traz, em si mesmo, um impeditivo para tal conhecimento. Em Marx, segundo a autora, há uma proposta de procedimento novo – “do abstrato (determinações e relações simples e gerais) ao concreto (que então não é mais „uma representação caótica de um todo‟ e sim „uma rica totalidade de determinações e de relações‟)”. O método de Marx vai do abstrato ao concreto. “E o mais importante, este concreto é um concreto novo, porque pensado. É um concreto produzido no pensamento, para reproduzir o concreto real („as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento‟)” (ibid., p. 23). 2 – Anterioridade do concreto. O movimento produção/reprodução do concreto, no caminho de volta, bem como o que constitui esse concreto a que se chega, precisam ser explicitados, segundo a autora. A resposta para isto está, conforme sua interpretação, na formulação do texto de Marx, já apresentado, em que o concreto é concreto porque ele se constitui como síntese de múltiplas determinações. Esta concepção estabelece que o fato de se ter realidade não garante ser concreto. “O caráter de concreto está estreitamente vinculado ao de determinação. O que conta de fato são as determinações. Atinge-se o concreto quando se compreende o real pelas determinações que o fazem ser como é” (ibid., p. 24). O concreto é síntese de muitas determinações e, assim, é uma totalidade: “unidade determinante/determinado” ou unidade de múltiplas determinações. Esse processo ainda aparece no pensamento como expressão de uma síntese, pois unidade do diverso, como resultado e não como ponto de partida. Ele não se constitui de um dado simplesmente, mas é o resultado de um elaborado processo de pensamento. “E se esse processo começa cientificamente no abstrato, seu verdadeiro ponto de partida é o real. Esta dito, explicitamente, que o verdadeiro ponto de partida do pensamento é o real, que é o ponto de partida da percepção e da representação. O papel do real para o pensamento e para o conhecimento não é, pois, eliminado como se, por ser o abstrato o campo próprio do teórico (em que se move o pensamento para produzir conhecimento) para ele, teórico, o real não existisse senão sob a forma pensada. Uma coisa é afirmar que o concreto só faz parte do teórico como concreto pensado (acentua-se aí o fazer parte de); outra coisa diferente é afirmar que o concreto real não se relaciona com o teórico (abstrato), sob a alegação de que o teórico só pode afirmar do concreto o que sabe dele, isto é, o que tem precisado sobre ele. A perspectiva seguida por Marx é a que ele explicita, de que o concreto aparece no pensamento como resultado, embora seja o verdadeiro ponto de partida. O Pensamento parte do concreto (real), ainda que só se torne verdadeiramente científico quando retoma o concreto, pensando-o, a partir do abstrato (suas determinações atingidas pelo pensamento originado no concreto” (ibid., p. 25).
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Neste momento tem-se, em Marx, um triplo movimento. O primeiro, onde se parte do real, porém se afastando cada vez mais dessa realidade, através da abstração atingindo conceitos mais simples desse real. O segundo movimento é o início da atividade científica propriamente dita, onde se tem como caótica a representação do real. Nesse movimento não se parte do real ou de sua representação imediata caótica e abstrata. Parte-se dos conceitos mais simples produzidos pelo movimento anterior. Esse movimento seria a busca pela especificação das determinações gerais e simples, configurando um movimento de reconstrução teórica. Finalmente, o terceiro movimento será de construção teórica de reprodução do concreto. De forma simplificada, os movimentos são colocados, através dos seguintes vetores básicos:
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1o) real (concreto)
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abstrato
2o) abstrato
-------------------------. . . (concreto)
abstrato
3o) abstrato
--------------------------(pensado)
abstrato
Para a autora, “com o segundo movimento, se iniciaria o que Marx aponta como método cientificamente correto” (ibid., p. 27). Dessa forma, pode ser entendido que o „caminho de volta‟ não se torna nada simples. Não significa apenas a troca do ponto de saída pelo de chegada ou o „começo pelo resultado‟. Também não pode ser apenas uma troca de sentidos ou inversão de uma rota. Além do mais, esse ponto de partida do método de Marx é outro ponto diferente daquele de chegada do primeiro método – o da economia política de seu tempo. “Não só porque é abstrato, e não concreto. Sendo abstrato, é outro abstrato, diferente do abstrato a que o método anterior permitia chegar. É um abstrato reconstruído criticamente a partir deste” (ibid., p. 28). Esclarece ainda a autora que, por um lado, o real está presente e alimentando a percepção e a representação e, por outro, também, “não esquece que o concreto produzido pelo pensamento é apenas pensamento, não real. E neste ponto que contesta Hegel, ou a relação que este propõe entre abstrato e concreto” (ibid., p. 28). Esta compreensão traduz, de forma explícita, uma negação, presente em Marx, de que o real seja resultado do pensamento. Na contestação marxista de que o pensamento seja a gênese do concreto, segundo Limoeiro Cardoso, “Marx argumenta que mesmo o pensamento mais simples só existe como relação unilateral e abstrata de um todo concreto, vivo, já dado. É neste sentido que para ele o real é anterior ao pensamento” (ibid., p. 29). Contesta dessa forma a possibilidade de um movimento de categorias autônomas e produtoras do real, bem como a concepção de que o pensamento se basta a si mesmo e se movimenta por si mesmo. Em Marx, diz a autora, “a realidade concreta preexiste, subjaz e subsiste ao pensamento. É este que de algum modo depende dela, e não ao contrário” (ibid., p. 30). O conhecimento científico do real, dessa forma, tem inicio com a produção crítica das suas determinações. Esta produção se dá ao nível do teórico, ao nível das categorias. Porém, constituindo-se como crítica da produção anterior, ela só se realiza quando da existência de um desenvolvimento teórico “razoável e disponível”. “É daí que o método para produzir este conhecimento se eleva do abstrato ao concreto” (ibid., p. 32). 3) – Relação categorias/real. Foi analisada até agora, na interpretação de Limoeiro Cardoso, a afirmativa de Marx de que os conceitos mais simples permitem chegar a uma inteligibilidade do real. Supõe também a exposição desses conceitos a partir de uma abordagem que parta do próprio real. Acrescenta que esse real, como ponto de partida, também é uma abstração, abstração das determinações que se expressam naqueles conceitos simples. Além disso, afirma a existência do real fora do pensamento, que é anterior a ele. Estabelecido o conceito do método, na primeira parte da discussão, e, na segunda, do real, busca-se a relação existente entre ambos, na terceira. Nesse sentido, salienta a autora, “para produção teórica, o pressuposto básico é que ela seja comandada pelos conceitos mais simples, para ser possível a reprodução do concreto no pensamento” (ibid., p. 32). Dando sustentação a esse pressuposto, tem-se o mais geral – o da exterioridade e independência da realidade – a tese materialista fundamental.9
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Salientam-se, então, algumas questões suscitadas, tais como: 1) o porquê das determinações do real são formuladas através de conceitos simples; 2) a da simplicidade originária dessas categorias; 3) as categorias simples terem ou não existência independente e anterior às das mais concretas; 4) a evolução histórica do real.
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As categorias mais simples não se apresentam em Marx com existência independente sem nenhuma característica histórica ou natural. A exigência fundamental de sua existência está na admissão do concreto vivo, isto é, expressando-se como relação unilateral e abstrata de um todo concreto já dado. “É sobre ele que se erigem as categorias, mesmo categorias as mais simples, que não são capazes de captá-lo no plano do teórico a não ser parcialmente, unilateralmente” (ibid., p. 33). Quanto à discussão do simples originário, empreendida por Marx, Limoeiro Cardoso vê um movimento em três dimensões. A discussão passa por uma análise de que as categorias simples têm ou não existência independente e anterior às categorias mais concretas. Para a autora, o primeiro momento desse movimento consiste em que “as relações mais simples sempre pressupõem relações mais concretas – relações estas expressas em categorias mais concretas, no sentido de que se referem a um grau mais baixo de abstração” (ibid., p. 34). As categorias simples expressam, assim, relações simples, e estas não existem antes de relações mais concretas, expressadas também em categorias mais concretas. Uma análise que convém salientar não se dá apenas no campo de categorias teóricas. O segundo movimento se dá de forma mais complexa a partir da exemplificação de Marx, em que a posse se torna a relação jurídica mais simples. Acontece que não há posse sem a família, superada apenas quando inicia com a distinção que é feita entre posse e propriedade. “A posse é uma relação simples, que exige uma relação mais concreta, como a família”. Aí também se insere, para superação dos questionamentos, a questão da evolução histórica real, influenciando tanto na diferenciação como na produção das categorias. É importante, portanto, entender-se que “a categoria mais simples exige certo grau mínimo de desenvolvimento para que possa seguir a relação mais simples que ela exprime” (ibid., p. 37). Apresenta-se, até agora, uma contradição. No primeiro momento, o mais concreto é anterior ao mais simples; no segundo, o mais simples se torna anterior ao mais concreto.10 Ao colocar e discutir a questão, a autora mostra que esta é uma contradição, mas que não é produzida por pura negação. O segundo momento não é pura negação do primeiro. Ele é outro momento. No primeiro, o concreto é real, é o dado. “As categorias mais simples são as mais abstratas (abstrações simples). A relação proposta é uma relação real, com sua contrapartida pensada: família – posse; comunidade de famílias – propriedade. No segundo momento, o concreto pertence ao plano do pensamento. A relação dinheiro e capital é uma relação entre categorias pensadas. O real aparece relacionado com cada uma destas categorias através dos diferentes graus do seu desenvolvimento e da sua complexidade” (ibid., p. 39). Desta forma, pode-se entender que é numa sociedade mais complexa, em que a categoria mais simples se apresenta com maior desenvolvimento. Em sociedades com grau de desenvolvimento menor, a categoria mais simples também existe, porém, é parcial no sentido de não impregnar “todas as relações do setor a que se refere”. Este também se constitui como o terceiro momento, onde se analisa a categoria simples, como o dinheiro. Tais exemplos mostram a sua existência como categoria simples, mesmo que haja sociedades, bem desenvolvidas e não historicamente maduras, como o Peru pré-colombiano, onde não existia qualquer forma de moeda. O mesmo ocorre com os povos eslavos, em que a existência do dinheiro limitava-se às atividades comerciais nas suas fronteiras. De forma sintética, a autora sistematiza esses três momentos da seguinte forma: “1) concreto ---------------simples relações mais concretas são anteriores a categorias mais simples; fundamento: relação concreto/abstrato (abstração simples). Tais questões são formulações postas e melhor analisadas por Limoeiro Cardoso, Mirian. Op. cit., 1990, p. 32-44. 10 Esta aparente aporia é resolvida em Limoeiro Cardoso, Miriam. Op. cit., 1990, p. 38-41.
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2) simples
----------------
categorias mais simples são anteriores a relação mais complexas
concreto complexo
(expressas em categorias mais concretas). fundamento: relação simples/complexo (concreto). 3) compelxo ---------------simples (concreto) a categoria mais simples só tem seu desenvolvimento completo numa sociedade complexa, enquanto que as categorias mais concretas podem ter seu desenvolvimento completo anteriormente” (ibid., p. 42). Destes movimentos resultantes da relação categorias e real, têm-se as constatações de que o simples não é a origem. As categorias mais simples exigem um substrato mais concreto, isto é, certa organização social, um todo vivo. Tem-se, também, que o processo histórico real vai do mais simples ao mais complexo. Aqui, e neste sentido, o mais simples pode preceder o mais complexo. Contudo, é no mais complexo (completo) que o simples pode estar mais desenvolvido. Agora, ele pode ser pensado de forma teórica e mais completa. 4) – A Produção das abstrações mais gerais. A autora identifica uma quarta parte no texto e descobre que é na sociedade mais complexa que a categoria mais simples se completa. É aí também onde se alcança o elo específico entre o real e o conceito: “O abstrato de que se deve partir para começar a produção do conhecimento, que se fará no concreto pensado, já não depende só da produção teórica anterior, que se utilizará, criticando. Estas produções teóricas e o movimento que as produz despontam numa íntima conexão com o real e o seu movimento próprio” (ibi., p. 44). Pode-se entender como a categoria trabalho é uma categoria simples. Ora, a ideia de trabalho é bastante antiga, contudo, como categoria econômica, é recente. O trabalho é a relação daquele que produz com o produto. Então, analisa a autora que a categoria, entendida como trabalho em geral, já está presente em A. Smith. O trabalho em geral, gerador de riqueza, segundo o economista, retira deste qualquer determinação possível que possa conter. Tem-se, desde aí, o trabalho em geral, indo além da formulação anterior, econômica, de trabalho manufatureiro, comercial e agrícola. Como trabalho em geral, deixa-se de pensar nas particularidades da relação entre produtor e produto, mas nas formas de trabalho no seu caráter comum. Para Cardoso (ibid., p. 45), “aparece aqui a primeira especificação precisa da categoria simples: a sua generalidade. O trabalho é uma categoria simples quando ele é pensado como trabalho em geral, como trabalho sem determinações, como trabalho, simplesmente”. É no atual estágio de sociedade em que se vive com a diversidade de formas de trabalho, uma sociedade mais complexa, onde a categoria simples completa o seu desenvolvimento. A categoria trabalho, em sendo mais simples, se torna, pela diversidade de formas de realização, mais geral, e isso só é possível em uma sociedade mais complexa. A sociedade que possibilita a existência da categoria mais simples, no caso, o trabalho em geral, é aquela em que concretamente existe o trabalho em geral. A sociedade mais complexa possibilita o deslocamento do trabalhador, mesmo especializado, para outro ofício. Neste tipo de sociedade, tem-se o trabalho em geral, a categoria mais simples, mais abstrata, criada na sociedade mais complexa. Este desenvolvimento teórico “não depende exclusivamente da capacidade e da disponibilidade teórica. Em última instância, a produção teórica deriva de condições reais” (ibid., p. 46). As categorias mais simples detêm as abstrações mais gerais. São definidas pela simplicidade, pelo alto grau de abstração, pois são úteis a todas as “épocas” e, portanto, pela sua generalidade. 5) – A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. Análise feita até agora tem mostrado o método como um caminho, o papel do abstrato (conceito simples, determinação) na reprodução do concreto no pensamento, a relação da abstração com a realidade e a importância da
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fase do desenvolvimento da realidade social para a produção das abstrações mais gerais. Esta última incorpora, em si mesma, a própria história. A teoria desenvolvida aponta para a economia numa perspectiva histórica, residindo nela também a determinação, em última instância, da totalidade social, que é uma totalidade histórica. A análise desta totalidade remete, por sua vez e necessariamente, para o conhecimento da economia, considerando a história um estudo do determinante da totalidade social. Convém destacar que a sociedade, em estudo, é a sociedade burguesa. O presente significa não o contemporâneo ou o que está ocorrendo, mas “o último modo de produção complexo, o modo de produção capitalista” (ibid., p. 53). Portanto, é neste tipo de sociedade, mais complexa, que se torna possível a criação de categorias as mais simples e, consequentemente, mais complexas e mais abrangentes, possíveis de serem utilizadas em análises de sociedades menos desenvolvidas. Segundo Cardoso, “a análise da história deve ser conduzida por categorias simples e gerais produzidas no estado mais avançado da própria história” (ibid., p. 48). No entanto, a autora levanta a questão do risco que se corre, ao se fazer uma análise com categorias geradas na sociedade mais complexa; questiona também se o olhar do presente não deformará o passado. Esta é uma preocupação para que não venham se perder as especificidades de cada momento histórico, uma vez que cada um deles se define por suas peculiaridades, diferenciando-se, assim, um do outro. Com esse cuidado de não perder a própria história, a autora vai mostrar que há em Marx uma concepção de história evolutiva, em que laços orgânicos ligam os diferentes momentos históricos. Em Marx, contudo, não há a possibilidade de ocorrer a perda da especificidade dos distintos momentos históricos. Para a autora, a análise entre esses diferentes momentos exige que não se perca a diferença essencial entre eles, acrescentando: “A lição dada é no sentido de que se disponha de categorias gerais que na sua generalidade abranjam todo o desenvolvimento desde o ponto em que foram produzidas. A sua generalidade, apoiada numa abstração que é condicionada historicamente, lhes dá validade para todos os momentos anteriores ao da sua produção, inclusive e principalmente para este” (ibid., p. 50). Ora, a demarcação das diferenças essenciais de cada momento histórico exige uma definição de onde devem incidir os cortes na história ou a periodização. A autora levanta novo questionamento: como realizar a periodização? Respondendo, ela destaca, que a sociedade tem dificuldade de se ver criticamente. Em condições bem determinadas, um momento histórico consegue fazer sua crítica. Em sendo assim, para a sociedade mais desenvolvida socialmente, mais complexa, isso também é verdadeiro. Ela vê no texto de Marx a condição de possibilidade de relativizar os outros modos de produção, quando tem condições de relativizar a si próprio. Como solução, aponta a crítica ou particularmente a autocrítica. Mas quando isso se torna possível? “Somente quando uma sociedade deixa de se absolutizar e passa a ser, portanto, capaz de assumir sua própria particularidade e especificidade, é capaz de atingir, reconhecendo-as e conhecendo-as, outras particularidades e especificidades diferentes da sua, ainda que lhe sejam anteriores” (ibid., p. 51). A autocrítica de uma sociedade, contudo, está na capacidade dessa própria sociedade para se aperceber na sua singularidade no tempo, na sua historicidade. Isto ocorre quando esta não mais se identifica com o passado, conseguindo se vê como diferente. Limoeiro Cardoso, contudo, continua seu questionamento, buscando as consequências importantes dessa argumentação. Esta análise conduz, necessariamente, para um estudo do desenvolvimento social mais complexo na sua especificidade histórica, em que a autora vê várias consequências.11 A primeira nega a possibilidade de explicação genética da história. Dizer, por exemplo, que a produção é histórica é dizer que ela surge num determinado momento da história e se extingue em outro. Isto supera a possibilidade de 11
Um desenvolvimento teórico mais elaborado encontra-se em Limoeiro Cardoso, Miriam, op. cit., 1990, p. 52-53.
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uma visão genética que vê o desenvolvimento da história de modo linear. A segunda é que se busquem ver, antes de tudo, as diferenças essenciais. É preciso respeitar as especificidades históricas, “tanto as do presente como as do passado”. A terceira é que “tanto „presente‟ como „passado‟ sejam entendidos (argumentos) em termos de „organização histórica da produção‟. Toda esta discussão é travada no nível teórico do modo de produção” (ibid., p. 53). 6) – A ordem das categorias. Esta é a última parte do texto do método. Trata-se do momento no qual se estabelece o plano de análise e a ordem das categorias nesse mesmo plano. As questões levantadas, agora, são como montar essa análise e por onde começá-la. Convém destacar que a realidade concreta existe independentemente de estar sendo pensada ou mesmo depois de ser pensada. Sua independência a localiza fora do espírito, caracterizado por atividades apenas teóricas. Todas as categorias criadas têm, como base, o pressuposto da anterioridade da realidade, mas destas “não são mais que parciais em relação a ela”. As categorias não conseguem, a não ser de forma unilateral, dar conta do real em toda sua completude. Isto exige organização dessas categorias para que se possa chegar ao conhecimento mais abrangente e mais profundo da realidade, reativando-se a questão: Qual é o princípio organizador dessas categorias? Limoeiro Cardoso busca resposta para a questão apresentando os diferentes modos de produção, tentando mostrar como a agricultura, num determinado modo de produção, se constitui como principal atividade. Consequentemente, a renda fundiária e a propriedade vão se constituir como categorias que expressa essas dominâncias. Na sociedade burguesa, por sua vez, o capital é o ponto de partida e de chegada de tudo, e se constitui, no capitalismo, como categoria principal diante da renda fundiária. Finalmente, afirma a autora: “A ordem das categorias, portanto, responde à ordem de importância relativa das relações que expressa, importância que é relativa à capacidade das relações em determinar a organização da produção. Tem precedência teórica a categoria que expressa às relações mais determinantes” (ibid., p. 54).
CONCLUSÃO É com este método que Marx busca analisar a sociedade burguesa. Como método geral, tem início no campo das abstrações (as determinações mais simples), reproduzindo essa sociedade no pensamento. Chega às determinações, teoricamente, ao realizar a análise crítica de conceitos gerados na empiria da economia clássica. Esta crítica vem sob o confronto destes conceitos com a realidade. Uma suposição primeira, presa à exterioridade histórica. Sob o manto da mutabilidade, consequentemente das condições históricas, é que são produzidos determinados conceitos. Conceitos simples – os mais abstratos – só são possíveis em sociedades mais complexas – aquelas que se quer estudar. Além disso, a ordem dos conceitos trabalhados não é a do seu aparecimento histórico, mas sim uma ordem significativa para a sociedade em estudo. O princípio que rege essa ordem é o da hierarquia teórica. Diante das considerações apresentadas, pode-se apresentar a dialética, como um método, em condições “razoáveis” de se poder analisar, de forma crítica, as condições de existência que estão sendo definidas para a realização da vida humana. Para os dias atuais, este método, em particular a perspectiva em Marx, continua atualizado e aberto, podendo realizar abstrações suficientes e contributivas ao exame das possibilidades prospectivas de trabalhos acadêmicos e para análises de políticas no campo social.
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TEXTO 2 O TRABALHO: SUA CENTRALIDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO (1) Resumo Este texto insere-se na discussão atual sobre a problemática do trabalho. Procura mostrar que existe, ainda, uma mistura teórica ao identificar-se trabalho com emprego, quando se esquece que trabalho é uma relação filosófica do humano com a natureza, enquanto que emprego é uma mera relação funcional na vida das pessoas. O trabalho, sendo uma relação humana com a natureza, é caracterizado, dialeticamente, como expressão de humanização da natureza enquanto que, também, se constitui como um processo de naturalização do humano. Finalmente, apresenta uma perspectiva teórica do trabalho como uma questão que se mantém no centro do debate paradigmático, nos dias de hoje. Palavras-chave: Trabalho. Emprego. Humanização. Centralidade. Processo.
Esta é uma questão que vem sendo apresentada de forma muito confusa, sendo, além disso, bastante complexa. Afinal, de que centro e de que mundo se está falando? Que tipo de trabalho? Por outro lado, a temporalidade das questões e mesmo das soluções que esse debate gere pode durar poucos dias. Em pouco tempo, questões, soluções políticas e tudo que se disser pode estar mudado. Mesmo assim, este é um tema tanto palpitante como movediço. Tudo que se afirma está, cada vez mais, provisório. Apesar dessas considerações, enfim, o que está acontecendo? Diante do debate que se trava em torno da problemática trabalho e sua centralidade, uma certeza é cristalina: a continuar com a conformação que ora se estabelece mundialmente e se cristalizando esse tipo de desenvolvimento, a vida dos trabalhadores caminha para piorar. Outra verdade é que as transformações que se processam no mundo são surpreendentes. O que ocorreu nesses últimos vinte anos apresentou-se como humanamente impossível de predição. Há pouco tempo, fazia-se previsão para quinze, dez, cinco anos... Atualmente, previsões conjunturais realizadas para quinze dias são discutíveis. Qualquer previsão com esse prazo traz, em si mesma, a marca da ousadia. Houve crise da bolsa mexicana, do petróleo, da queda do muro de Berlim, das bolsas asiáticas, brasileira, russa, argentina e nada de previsão. Vive-se na crise até hoje, mesmo que o discurso apontasse para a sua superação, desde a década de oitenta. A constatação, contudo, do ponto de vista ideológico, é que foram transformações que se encaminharam rumo ao conservadorismo político. Acrescentem-se ainda as formulações de um certo irracionalismo que vem se denominando de pós-moderno. Do ponto de vista das idéias, vive-se diante de um grande retrocesso. Neste início de milênio, há uma busca por um “salve-se” em qualquer formulação ou teoria. O que está ocorrendo é um encontro de elementos cada vez mais precários. As opções surgidas, no campo do trabalho, como o toyotismo, não têm mais o mesmo empolgamento de seu início. Parece que o que se apresenta é uma mesclagem profunda de vários estilos de produção, ocorrendo com muita velocidade. Isso tudo pode suscitar a questão: será que não está surgindo um novo estilo de modo de produção? (2). Entretanto, se isto se torna possível, não significa a passagem para o socialismo. A superação pode ser a do capital, mas isso não está claro. Está apresentando-se muito mais como período de transição; uma transição que está levando ao aumento da exclusão, ao ponto de jogar a África e regiões da América Latina fora do processo, impondo condições de vida piores do que as de épocas pré-históricas.
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Há uma capacidade de destruição do capital e da humanidade, mesmo que possam apresentar-se tendências construtivas. Ora, nesse processo, há a destruição da própria burguesia, considerando sua existência condicionada à existência da classe que lhe é antagônica: o proletariado. Por outro lado, há uma queda na própria cultura da classe burguesa, sofrendo também sua destruição cultural. É patente a ausência de teoria nas formulações apresentadas pela burguesia americana e européia, presas, única e exclusivamente, à perspectiva da lucratividade, imergindo sob essa exigência os próprios estados considerados periféricos. Nessa situação, encontram-se a África, Ásia, grande parte da Europa, como também a maior parte da América, tendo-se no Brasil um exemplo clássico da impossibilidade de se “honrar” os compromissos com seus credores internacionais. A dívida brasileira foi rolada para frente em trinta anos, obrigando o país ao pagamento dos juros. Mas, até mesmo o pagamento desses juros tem gerado uma forte pressão sobre as condições sociais do país. Outro exemplo grave é o da Rússia que, de forma explícita, comunicou a sua impossibilidade de pagamento da dívida, decretando moratória e, ainda mais recente, os casos do México e da Argentina. Esse é um processo destrutivo para a própria burguesia, embora a sua devastação seja muito maior sobre o proletariado. É um processo destrutivo do operariado no estilo antigo, mas que por sua vez, abre novos tipos de trabalho, constituindo-se como um processo de transição que vem modificando profundamente as relações capital/trabalho. Esse processo dialético destrutivo nem sempre se apresenta com a sua necessária dimensão construtiva, ou seja, com a possibilidade de algo novo ou gerador de possibilidades melhores de se viver. Diante desse cenário, duas questões, pelo menos, tornam-se presentes: É o operariado ou a classe trabalhadora o segmento da frente do processo de libertação humana? O trabalho ainda se apresenta como central, no processo de transformação social? A resposta à primeira questão vincula-se aos processos de construção e destruição da classe. Parece que novos movimentos sociais arrastam também, novas definições dessa classe trabalhadora. Somem-se, ainda, dificuldades existentes no campo da esquerda em que, praticamente, se tornou consenso nela mesma, bem como entre conservadores, liberais e estalinistas que o que se passava na URSS era a realização do socialismo/comunismo. A burguesia internacional utilizara-se, inclusive, dessa possibilidade socialista, apresentando-a como o exemplo de sociedade alternativa ao capitalismo. Entretanto, ocorria algo diferente no mundo, considerando a expropriação da propriedade privada, ferindo frontalmente uma das bases do capitalismo, mas que, muito de longe, espelhou o socialismo preconizado pela visão marxista. Talvez, não se pudesse denominar de capitalismo de Estado, visto que se transformara num exemplo forte de não alternativa ao capitalismo, considerando a negação à democracia e, particularmente, à liberdade do indivíduo. Por outro lado, nunca houve uma queda tão rápida e imprevisível como a do império soviético. Uma crise de tal envergadura que, como se apresenta, nem o capitalismo teve ou está tendo maior vantagem econômica. O capitalismo que se estabelece nesses países é o de pior estilo dos existentes - o “capitalismo ganguesterizado”. Contudo, abriu a possibilidade de o capitalismo ser apresentado com grande impacto, como a alternativa única para se viver. Como conseqüência desse impacto, é propalado o discurso de que a centralidade do trabalho desapareceu, observando também que “o socialismo morreu”. Pode-se aceitar, muitas vezes, o questionamento em torno da centralidade do trabalho do ponto de vista sociológico ou relativa ao cotidiano. Pode-se questionar a centralidade do trabalho no próprio campo do trabalho assalariado, como Claus Offe o coloca, do ponto de vista do emprego propriamente dito. O desaparecimento do emprego torna-se a marca da evolução desse atual estágio do capitalismo, considerando os avanços das técnicas. Mas, estará sendo questionada a centralidade ontológica do trabalho como fundante do ser humano? O trabalho centrado no ser humano, na perspectiva gramsciana e lukacsiana e mesmo em Marx, continua presente em todas as formas de trabalho, enquanto se expresse como condição de construção e realização de o homem tornar-se humano pelo trabalho. O trabalho como expressão da relação entre o humano e a natureza, em cujo relacionamento o humano materializa-se porque está cheio da natureza, pois esta humaniza-se como recorrência da expressão desse trabalho humano sobre si mesma.
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Marx funda, dessa forma, uma nova concepção de mundo - sua ontologia - uma visão mais global do mundo. Os homens fazem a sua história como contraponto à concepção hegeliana de história. Esta visão apresenta-a como algo radical do humano. Não é o espírito absoluto que a constrói para o homem. Ele é o próprio agente dessa história através do trabalho. Os homens constroem a sua própria história. Fazem-na de duas formas, pelo menos: a primeira ocorre na medida em que ele transforma a natureza para o mundo dos homens; a segunda forma é que essa transformação, que se dá pelo trabalho, não é atividade individual ou de um só indivíduo, mas é social e coletiva. Uma mesa é um ente de natureza transformada. A natureza, por si mesma, não a construiria. O processo de construção das coisas é algo social. É expressão do ser humano; é expressão de uma nova esfera ontológica. Essa dimensão está presente na criação de novas fórmulas químicas, de novas situações de natureza desenvolvidas nos estudos teóricos da física, nas formulações abstratas de fórmulas deduzidas por matemáticos, nas linguagens computacionais ou em novos “softwares”, no trabalho braçal etc. Todas essas possibilidades, sem exceção, expressam a dimensão ontológica do ser humano e marcam a presença do humano nesses entes criados ou transformados. Constituem-se, por sua vez, na esfera ontológica desenvolvida por Marx, cuja articulação só ocorre através do trabalho. É, por isso, que o trabalho é categoria fundamental. Os homens edificam, dessa forma, o mundo objetivo na consciência. Isso só acontece nesse nível, mesmo sem se tornar mera idealização. E não o é enquanto se coloca uma existência anterior à consciência, sendo esta determinada pela existência. Ela expressa, na visão marxista, uma necessidade que lhe é posta. Toda idéia nova, portanto, sempre se coloca a posteriori da existência. Toda vez que se objetiva uma idéia, também se cria nova situação histórica. E mais, nunca é igual à nova idéia. A decisão de que o amanhã seja igual ao dia de hoje, por exemplo, já carrega uma impossibilidade de realização, pois o hoje não teve como partida uma decisão. A condição do trabalho, como elemento central na vida humana, não parece questionada nesse nível. Pelo contrário, é impossível de não ser, entendendo que sem trabalho não há riqueza nem humanização. As transformações no mundo do trabalho, hoje, só reforçam essa centralidade(3). As transformações que ora ocorrem não superaram a produção, nem eliminaram o trabalho. Sendo o homem o demiurgo de sua história, então, esta base é o próprio trabalho. Outras categorias podem estar em questionamento, como o emprego, a profissão que não caracterizará mais o indivíduo (a sua perda o remeterá para outra profissão, imediatamente), a configuração de classe social, a centralidade política do trabalho, ou mesmo a perspectiva sociológica do trabalho. No escravismo, já se tinha o trabalho como fundante e, até hoje, a evolução da sociedade não vem fornecendo elementos de questionamentos(4) convincentes para a superação dessa categoria teórica enquanto questão ontológica (base do velho Marx).
NOTAS: 1. Texto elaborado, inicialmente, para discussão interna no TEDUC – Grupo de Pesquisa em Trabalho e Educação – vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação da UFPB, Campus I, João Pessoa/PB. 2. Questão que vem sendo levantada pelo Prof. Sérgio Lessa (UFAL), apresentada no Simpósio sobre a Centralidade do Trabalho no Mundo Contemporâneo, promovido pelo Curso de Mestrado em Economia Rural, no Campus II da UFPB, Campina Grande, em set/1998. 3. Não se pretende, aqui, reduzir a vida humana ao trabalho. Há outras categorias que compõem a vida do indivíduo.O trabalho não é a única atividade humana. Há, inclusive, mediações internas na sua realização que o submetem para além da categoria fundante. Criam-se, por outro lado, necessidades novas com a realização do trabalho. As transformações, contudo, ocorrem pelo trabalho. 4. Habermas questiona o trabalho, através da fenomenologia, a partir de sua teoria da ação comunicativa.
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TEXTO 3 EXTENSÃO POPULAR E ÉTICA
RESUMO Este trabalho tem origem em reflexões sobre práticas que estão sendo desenvolvidas em vários projetos de extensão universitária. A metodologia utilizada centra-se na análise crítica, como um movimento teórico de busca de dimensões negativas e positivas dessas práticas, definindo-se as novas sínteses como produto que possibilitam outros exercícios experienciais. Através deste movimento dialético detectou-se diferenciadas éticas nessas práticas em desenvolvimento, no campo da extensão. Mostra, finalmente, que o viés utilitarista compromete os projetos de extensão que buscam contribuir à organização dos setores populares da sociedade.
A presença da ética em atividades de extensão se externa ao se assumir uma visão no campo específico dessas atividades, que é o simbólico, o cultural. A cultura é compreendida como produto da visão de mundo de um grupo ou sociedade, como seu modo de vida, ou ainda como a produção e transmissão dos significados que o grupo constrói quando de sua intervenção na realidade. É através do simbólico que os grupos sociais elaboram as suas identidades. Isso ocorre de um processo resultante do relacionamento do ser humano com a natureza que possibilita, não apenas a comunicação com a natureza, como também promove a descoberta das identidades de objetos e sujeitos, além das diferenças existentes entre os próprios humanos. Desse relacionamento, o humano busca sua auto-realização, à medida que colhe experiências novas e, assim, apresenta as condições para responder criativamente aos desafios do ambiente. Dessas experiências, torna-se possível o desenvolvimento de instrumentos ainda não existentes, atribuindo-lhes uma finalidade. Essa relação, segundo PINTO (1979: 123), expressa a cultura, que é assim entendida: “O processo pelo qual o homem acumula as experiências que vai sendo capaz de realizar, discerne entre elas, fixa-as de efeito favorável e, como resultado da ação exercida, converte em idéias as imagens e lembranças, a princípio coladas as realidades sensíveis, e depois generalizadas, desse contato inventivo com o mundo natural”. Além de cultural, esse processo é histórico, constituindo-se como expressão da relação produtiva que o homem realiza sobre sua realidade circundante. Assim, o homem, que é o produtor, também se torna consumidor e a cultura passa a ser um produto do processo produtivo. Assumindo uma dupla natureza, a cultura converte-se em bem de consumo, enquanto objetivada em coisas, porém subjetivada através das idéias, e em bem de produção, “no sentido em que a capacidade, crescentemente adquirida, de subjugação da realidade pelas idéias que a representam, constitui a origem de nova capacidade humana, a de idealizar em prospecção os possíveis efeitos de atos a realizar”(ibid.: 124). Os entes concretos, frutos desse movimento - ações, idéias e novas ações - que constituem o trabalho humano, são os entes culturais. Em conseqüência, toda a produção humana é fruto e expressão de sua cultura. As atividades de extensão que são, em sua essência, educativas espraiam-se no campo da cultura e são prisioneiras da intervenção das idéias sobre a natureza e da produção das mesmas, tendo a anterioridade da natureza concreta às idéias. Um movimento teórico também surgente em
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atividades de extensão, particularmente naquelas voltadas ao contexto popular12, num sentido de povo, expresso pelas camadas mais baixas, economicamente, da sociedade - os pobres - , os trabalhadores do campo e da cidade, os explorados, os oprimidos (Paulo Freire), os excluídos ou os que vivem da venda da força de seu trabalho. Atividades de extensão no campo popular - extensão popular - , essencialmente de dimensão educativa, inserem-se nesse marco da produção e se tornam elementos de socialização dos bens culturais produzidos, podendo contribuir para a identidade e a resistência cultural das classes populares13. Essas atividades, por sua vez, em se constituindo como atividades educativas, podem apresentar aspectos característicos, considerando os grupos sociais aos quais estão sendo dirigidas, adquirindo dimensões específicas quanto à metodologia de sua realização. São processos educativos ocorrentes no campo da educação popular. Educação que se apresenta, segundo CALADO (1998: 3), como “uma perspectiva, uma metodologia, uma ferramenta de apreensão/compreensão, interpretação e intervenção propositiva, de produção e reinvenção de novas relações sociais e humanas”. Um entendimento que apresenta a educação popular muito para além do especial ambiente onde acontece a educação - a sala de aula -, podendo ocorrer nos movimentos sociais, nos espaços formais quaisquer, considerando que o determinante são os protagonistas dessas atividades educativas. O elemento marcante desses processos educativos passa muito mais pela dimensão do comprometimento e do engajamento coletivo dos educadores e educandos numa perspectiva de superação da dominação, associando os meios e os fins. Como ações educativas populares - constituintes da extensão popular -, podem ser entendidas, segundo SCOCUGLIA (1998: 8), através de “um múltiplo conjunto de práticas e reflexões realizadas com ou sobre as atividades educativas das camadas populares da nossa sociedade” . Mais uma vez, destaca-se a dimensão da ação presente nessa concepção educativa, exigindo formulações de princípios para o exercício dessa ação. Reforça-se, ainda, esse tipo de educação como um modo peculiar de atuar que se apresenta na perspectiva de: “apuração, organização, aprofundamento do sentir/pensar/agir dos excluídos do modo de produção capitalista, dos que estão vivendo ou viverão do trabalho, bem como dos seus parceiros e aliados em todas as práticas e instâncias da sociedade” (SALES, 1998: 5). Uma compreensão que traz consigo a necessária construção de uma sociedade em que os bens culturais produzidos estejam disponíveis para a sociedade e não somente para aqueles segmentos com recursos financeiros e cujos mecanismos de produção sejam também conduzidos por princípios orientadores da própria ação de produção. Pode-se ver ainda o entendimento dessas atividades educativas que promovem o desenvolvimento das ações de extensão popular, ou atividades de educação popular, expressas como um “conjunto de elementos teóricos que fundamentam ações educativas, relacionados entre si e ordenados segundo princípios e experiências que, por sua vez, formam um todo ou uma unidade” (MELO NETO, 1998: 31). Expressando um todo, contudo, traduz um sistema aberto que relaciona ambiente de aprendizagem e sociedade, a educação e o popular, e vice-versa. Como produtos culturais e definidos em cada tempo histórico, as atividades educativas no campo do popular - da extensão popular - tornam-se compreensíveis enquanto um processo de formação do humano no seu determinado tempo, enquanto se faz ser humano e traduzido em um fato histórico. São ações, portanto, exigentes de princípios para a sua realização. Entretanto, estes não podem estar presos apenas aos fins, mas atentos aos percursos que associam os meios e os fins, exprimindo princípios éticos como guia desses exercícios educativos. Mas, pode-se perguntar: Que princípios éticos se prestam aos processos educativos na ótica da educação popular, desenvolvidos na extensão popular? Todo o interesse nessas práticas educativas volta-se à própria dimensão da ética como expressão da “ciência do costume”, tratando12
Ver: PINTO, João Bosco Guedes. Reflexões sobre as estratégias educativas do Estado e a política de educação popular. In: Perspectivas e Dilemas da Educação Popular. Introdução e organização de Vanilda Paiva. Edições Graal, Rio de Janeiro, l984.
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Classes populares - Com base nas relações que as constituem, elas significam a classe trabalhadora do campo e da cidade. Incluem ainda as suas frações de classes, estando empregadas ou desempregadas, absorvendo, até, os pequenos proprietários de terra.
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se necessariamente de atividade prática e possível de abordagem em diferenciados pontos de vista. Por sua vez, a dimensão histórica da ética permeia todas as práticas humanas. Isso tem possibilitado uma busca pela harmonia da vida pautada na compreensão de que “o homem feliz vive bem e age bem; pois definimos praticamente a felicidade como uma espécie de boa vida e boa ação” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, 20). Ademais, na busca dessa harmonia, através do encontro com a felicidade, presa a boas ações, desenvolve-se a atividade virtuosa como expressão, não da inatividade, mas da ação, isto é, agir bem. Uma perspectiva ética que está centrada no próprio indivíduo, no sujeito humano. Já durante a Idade Média, pôde-se observar que idéias dominantes sobre a ética desembocaram no campo religioso. É Abelardo14 que vai apontar, em seus estudos sobre a temática, a consciência como responsável por toda a irradiação da vida moral e ética. A virtude ética, nesse momento histórico, consistirá na capacidade humana de externar seu desprezo pela vida terrena. Isto conduz a um entendimento, na época, de que o julgamento do ato ético, das ações que são praticadas, caberia apenas a Deus. Só a sua análise dessas ações teria algum significado, considerando que também é capaz de observar o espírito da realização das mesmas, acompanhado do julgamento dessas intenções, emitindo um “juízo perfeito” (REALE, 1990: 518) a partir da visão do espírito dessa realização. A busca da ação boa constituiu também o cerne da política grega. A ação política exigia ética, virtude, enquanto que ela própria conduzia a essência da política. Esse rompimento da ética com a política aparece, de forma mais explicita, na concepção de política inspirada em Maquiavel 15, que apresenta os princípios da política presos à prática concreta dos povos. Preocupado com o fato político em si, gerando a compreensão de que os fins justificam os meios, desatrela a ética da política ao desvincular o aspecto moral e conseqüentemente o valor de juízo sobre esses atos. Destaca-se também a preocupação de Kant16 em assegurar uma base para a religião que não estaria centrada nem na ciência nem na teologia, mas na moral. Mostra uma possível mistura da religião com uma razão falível, não aceita por ele, passando a exigir uma ética universal e necessária. Assim, abre a possibilidade da definição de princípios apriorísticos, de tal maneira que sejam tão seguros e certos como a matemática. Kant vê a presença do imperativo categórico dentro do ser humano que provoca remorsos e gera novas ações, conduzindo-se como uma ordem incondicional da consciência de agir, segundo essa consciência, mas que o princípio gerador da ação pudesse adquirir dimensão de universalidade, isto é, servisse como guia para todos. Na perspectiva marxista, ter-se-á como expressão ética a busca pela superação de toda forma de violência, gerada, sobretudo, em decorrência da organização da sociedade em classes. Ora, a superação dessa violência, um papel expresso pela ação revolucionária e transformadora da sociedade, terá como eixo a superação de todo tipo de propriedade privada, o centro gerador da violência social. Esse papel estaria reservado ao proletariado, na perspectiva de MARX E ENGELS (1978: 103): “Todas as classes que anteriormente conquistaram o poder procuraram fortalecer o seu status subordinando toda a sociedade às suas condições de apropriação. Os proletários não podem apoderar-se das forças produtivas sem abolir a forma de apropriação que lhes era própria e, portanto, toda e qualquer forma de apropriação. Nada têm de seu a salvaguarda; sua missão é destruir todas as garantias e seguranças da propriedade individual”.
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Abelardo, Pedro. Filósofo medieval francês, falecido em 1142. Destacou-se no campo da lógica e da teologia. Na ética, para um ato ser avaliado como bom ou mau precisava, segundo ele, ser considerada a intenção do agente. 15 Maquiavel, Niccolò. Italiano de Florença, falecido em 1527. Várias são as suas obras que, de forma direta ou indireta, tratam sobre política. Destaque-se, contudo, O Príncipe como uma de suas obras mais criativa e conhecida. 16 Kant, Immanuel. Filósofo alemão, falecido em 1804. Ver: Crítica da Razão Prática.
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A ação revolucionária, conseqüentemente ético-moral, de tentativa de superação da violência do domínio de classes sobre outras classes, na visão marxista, constituir-se-á do movimento de uma classe que é maioria, expressando-se através de ações contra as formas de violência geradas da desigualdade entre classes. Um movimento das maiorias para as próprias maiorias, contrapondo-se à tradição histórica de transformações sociais centradas em minorias e em benefícios dessas próprias minorias. Como se vê, a ética se apresenta através de princípios que possam reger a vida segundo a sabedoria filosófica, na busca de superação da violência. Isso tem gerado razões para se desejar a justiça e a harmonia, destacando, ainda, os meios para se alcançá-las. Por sua vez, a moral passa a se ocupar de um conjunto de normas práticas para se chegar à justiça e à harmonia. Há uma clara diferenciação entre moral e ética, como também uma relação que é permanente. Na contemporaneidade, contudo, várias são as possibilidades do exercício principista da ética, bem como das prescrições da moral. As práticas nos ambientes sociais, a cada dia, se apresentam com nuances que apontam para mudanças de posturas e possibilidades de ação. Práticas em movimentos sociais ou mesmo em atividades educativas populares mostram as dificuldades do exercício da ética nas relações dos humanos, comprometendo-as na perspectiva ético-moral. Há um resgate das formulações éticas no campo da filosofia liberal em que o princípio da utilidade (utilitarismo)17 passa a dominar as ações humanas. É conveniente destacar que a questão do ser bom ou não ser bom, presa à idéia de virtude, na verdade, é uma idéia de eticidade que está centrada na própria pessoa. O ser virtuoso é uma qualidade de si mesmo. O utilitarismo, por sua vez, ordena um movimento filosófico em que o ser bom é buscar sempre o prazer e superar a dor. O utilitarismo, portanto, vai vincular-se à corrente do hedonismo psicológico que busca o prazer para, necessariamente, escapar da dor. Uma dor que pode ser física, psicológica, mas identificada com as dimensões mais primitivas da natureza. Em BENTHAM (Os Pensadores, p. 3), ver-se-á que a dor e o prazer são os dois senhores que conduzem a ação humana. “Somente a eles compete apontar o que devemos fazer, bem como determinar o que na realidade faremos”. Em torno da dor e do prazer, estabelece-se a norma que guiará a pessoa para a distinção entre o que é correto e o que é errado, dando prosseguimento a uma cadeia de causas e efeitos. O princípio da utilidade tem na dor e no prazer as bases do seu sistema filosófico e, assim, toma como seu objetivo a construção do “edifício da felicidade” através da razão e da lei. Esta análise para se determinar se uma ação é boa ou não boa não está mais centrada na pessoa, como na tradição teórica apresentada. Não é uma pessoa que é boa ou não é boa. Não mais se avalia a moralidade da pessoa, mas a sua ação. Nessa perspectiva, não se discute mais a moral da pessoa, mas faz-se uma avaliação moral da ação da pessoa. A base ética dessa análise é o princípio utilitarista. Assim, a avaliação de uma ação educativa em movimentos sociais e, em particular, em extensão popular também pode estar se pautando nos princípios que fundamentam o utilitarismo: o primeiro estabelece que uma ação educativa é boa se ela puder produzir mais felicidade para a maioria das pessoas; o segundo concebe uma ação como boa se ela puder produzir mais prazer para a maioria das pessoas; o terceiro indica que uma ação é boa se ela puder produzir mais efeitos benéficos para a maioria das pessoas. Através dessa perspectiva é que se torna possível, também, a análise, considerando que essa ética não se centra no indivíduo, na pessoa. Várias definições de políticas públicas vêm sendo orientadas pelo princípio da utilidade. Também ações políticas no campo da extensão popular, no seio dos movimentos sociais populares estão sendo definidas pelo utilitarismo. Definições em suas plenárias, em seus grupos de estudos e mesmo nos congressos, no sentido de propiciar benefícios pragmáticos, prazer e felicidade a uma maioria. Ora, o atendimento a essa ética parece óbvio. Contudo, uma simples observação mostra que não o é. Um professor, por exemplo, que atribuísse nota dez a todos os seus alunos estaria agindo segundo princípios utilitaristas, pois estaria atendendo ao maior prazer, felicidade e 17
Os principais formuladores do utilitarismo são Jeremy Bentham e Stuart Mill (filósofos ingleses falecidos no século XIX), que passam a defender a utilidade como principal critério para a atividade humana. É uma forma bastante sofisticada de hedonismo, em que o ser bom é buscar sempre o prazer e evitar a dor.
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benefícios não só de uma maioria, mas de todos os alunos. Atitudes assistencialistas, em geral, podem estar atendendo a princípios utilitaristas, no sentido de atribuir maiores benefícios a uma maioria. Seriam eticamente toleráveis essas atitudes? Ora, as ações educativas em desenvolvimento através da extensão popular vêm apresentando ainda outras possibilidades éticas, as quais estão muito presentes em metodologias de trabalhos em comunidades. Cada vez mais, aparecem posturas em que, ao se buscar alguma verdade, esta é centrada nas próprias pessoas, tendo como conseqüência um relativismo em que o valor ético depende das circunstâncias que estão postas e, sobretudo, circunscritas a cada indivíduo. Ao se abordar o relativismo ético, é importante destacar que este é um problema presente já na filosofia antiga. Em Aristóteles (Ética a Nicômaco, V, 7), pode-se ler: “O fogo arde na Hélade e na Pérsia, mas as idéias que os homens têm de certo e errado variam de lugar para lugar”. Por variarem de lugar para lugar, as ações educativas e, sobretudo, os valores morais passarão a depender de uma cultura e de uma época determinadas. O relativismo, ao se transformar em doutrina, considerará, no sentido ético, os valores morais como resultantes de cada cultura, de cada experiência educativa e contingenciados a cada tipo de ambiente e sociedade, quiçá, a cada indivíduo. Os valores de uma determinada sociedade, em certa época, haverão de se tornar valores morais diferenciados para cada tipo de sociedade. Isto nega tanto os fundamentos absolutos para a ética, como a sua dimensão universal possível. Será que a venda de menores ou a exploração escrava, existentes ainda nos dias de hoje, é uma questão de uma cultura localizada? Com essa visão ética, os princípios em educação popular, presentes na extensão popular e em práticas sociais de organização dos setores populares, comportam diferenciados modos de agir. O valor moral torna-se pendente a determinada sociedade ou grupo social e, ao mesmo tempo, condicionado a um certo período histórico. Uma atitude qualquer poderá ter um valor moral “bom”, se certa sociedade assim a considerar, ou “mau”, dependendo de como a sociedade analisar tal atitude. Esta posição ética parece conduzir a possibilidades as mais esdrúxulas, ao se admitir a abordagem de questões, possivelmente, já superadas, no sentido de conquistas éticas e de combate à violência, como expressão de aceitação ou de negação, ao mesmo tempo. Pode-se questionar: Violências geradas por questões de gênero com maior ou menor intensidade, nas diferenciadas culturas, são questões apenas daquela cultura localizada? Os relativistas trazem, ao que parece, em especial para as práticas educativas em extensão popular ou para práticas educativas populares, uma falta de distinção entre aquilo que se pensa ser bom e aquilo que é o bom. Isto pode gerar práticas confusas, na ótica da pedagogia ou da educação popular, pois essas práticas vão forjando códigos, acendem outros existentes, conflituam antigos com novos, na busca das definições daquilo que seja bom ou não. Para os relativistas, o ser bom e o é bom se confundem e se tornam a mesma coisa. Instala-se, dessa maneira, uma impossibilidade de julgamento de códigos morais. Não permitem, por outro lado, analisar a ação do outro. Tudo é relativo, impedindo a existência do princípio moral universal. Afirma-se que o é bom é uma propriedade não natural. É bom é uma propriedade subjetiva e não propriedade objetiva. Aparece, ainda, em trabalhos de extensão popular, o niilismo moral expressando uma posição de que tudo está „muito problemático‟. Para o niilista, o absolutismo ético é demasiadamente forte. O relativismo ético, por sua vez, expressa análises e contradições, sobretudo em suas conseqüências, ao admitir sobre uma mesma situação posições morais distintas. Como sair disso tudo? A conclusão conduz à impossibilidade de uma decisão em bases da moral. Tudo se torna muito subjetivo. Não há, em síntese, moralidade. Não se pode admiti-la, pois nunca se sabe que uma moral é boa ou é má. De forma semelhante, o ceticismo moral se aproxima dessas formulações, mesmo até admitindo que bom possa existir, contudo, torna-se impossível saber-se o que é bom ou o que é mau. Esta é uma situação cética. Será que as posições relativistas, céticas ou niilistas não exacerbam a individualização, tão fomentada nas políticas públicas atuais, favorecendo diferenciadas percepções de metafísica sobretudo no campo religioso, tão presente neste final de século? Isto contribui para a organização dos setores sociais excluídos? Essas várias posições éticas apontam para diferenciadas atividades educativas em extensão popular. Aos mais fracos, do ponto de vista organizativo, pode-se admitir a exploração e a
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opressão. Esta situação, talvez, se torne muito semelhante a uma situação da natureza, em que os mais fortes dominam os mais fracos. Isto é perfeitamente tolerável na perspectiva relativista, cética ou mesmo niilista. Tem-se observado, em trabalhos de organização popular, os que advogam posições relativistas, desprezando convenções sociais e leis existentes, pregando um retorno à vida conforme a natureza, voltando-se para posições esotéricas, buscando saídas individuais. Contudo, têm-se apresentado, de forma enfática, com posições moralistas do ponto de vista unicamente da emoção, sensibilizando a muitos. Dizem: “A minha particular emoção deve ser realizada”. São situações teóricas que, claramente, se coadunam como formulações relativistas. Mas a sua realização se externa através de um julgamento absolutista e, portanto, paradoxal. Mas, que ética se torna necessária para ações educativas em extensão popular? A resposta à questão remete, inicialmente, à discussão sobre o conceito de extensão. Este bem que carece da presença da crítica como ferramenta nas atividades educativas que a constituem e que traçam os caminhos para as ações. A extensão pode trazer, assim, a necessária superação do “senso comum”, quando se propõe expor e explicar os elementos da realidade. Elementos que estão presos a abstrações, inicialmente, contudo originários da realidade, do mundo concreto, tendo-o como anterioridade nas suas bases analíticas. Um segundo movimento se estabelece continuando um percurso no campo das abstrações, em busca de elementos mais abstratos, mesmo que permeado do concreto inicial, que é a base da análise. Num terceiro movimento, finalmente, com os recursos expostos dessas abstrações, é possível um concreto cheio das abstrações anteriores, ou um novo concreto, um concreto pensado. A extensão se alimenta da crítica para o exercício de ações educativas populares, constituintes da extensão popular. Nesse sentido, tem papel determinante, pois, além de superação do “senso comum”, também é propositiva. A extensão, assim, assume um ideário transformador. Passa a se constituir com uma dimensão que vai além do trabalho simples. Assumindo a dimensão da crítica, além do envolvimento de setores populares e desenvolvendo atividades coletivas, a extensão popular pode se caracterizar como trabalho social útil. Isto possibilita um avanço para além de vários receituários sobre extensão, seja ela entendida como mão única, ou mão dupla, além de outras variantes dessas percepções. Extensão como trabalho social é criadora de produtos culturais. Tem origem na realidade humana e abre a possibilidade de se criar um mundo, também, mais humano. É o trabalho social que transforma a natureza, criando cultura. Como popular, a extensão transpõe os muros institucionais superando o seu exercício apenas a partir dos participantes de determinadas organizações sociais, sobretudo estatais. Adquire, como trabalho social, a dimensão de exterioridade abrangendo ações educativas em movimentos sociais e demais instrumentos organizativos da sociedade civil ou mesmo a partir do Estado. Como trabalho social e dirigida aos setores populares (extensão popular), realiza-se no conjunto das tensões de seus participantes em ação e da realidade objetiva. Impulsiona, inclusive, a busca por conhecimentos novos. “Um trabalho com o qual se buscam objetos de pesquisa para a realização da construção do conhecimento novo ou novas reformulações das verdades existentes” (MELO NETO, 1997: 30). Contém uma metodologia de trabalho social que desenvolve uma visualização maior das contradições do modo de produção dominante, mesmo que os trabalhadores estejam com pouca escolaridade e baixa qualificação, elementos promotores de exclusão, sobretudo nesses setores populares. Para PRESTES (1998: 5), podem-se vislumbrar novas frentes de produção econômica, talvez, voltadas ao mercado informal. “São estas novas formas culturais, emergidas nos setores populares e voltadas a um tipo de produção setorizado que oferecem possibilidades de construção de iniciativas econômicas alternativas e inovadoras dos excluídos”. A efetivação de ações educativas, pautada pela ética, avança no sentido de garantir que alternativas se realizem, inibindo modelos de produção que só mantêm ou fortalecem os mecanismos de exclusão. Ações educativas que, pautadas no respeito às individualidades do outro, possam garantir o desenvolvimento de narrações dos participantes, que garantam a narração da história de suas experiências. Segundo VASCONCELOS (1998: 16), a narração e também o envolvimento com a história das pessoas expressam uma forma de teorização que, “ao contrário da maioria das
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formulações mais acadêmicas, conseguem preservar os aspectos de subjetividade, de irracionalidade e de coincidência que existem na vida social”. São, portanto, ações educativas em extensão popular capazes de apresentar sua opção pelo trabalho social voltado à organização dos setores populares da sociedade, no sentido, inclusive, de sua autovalorização. Segundo SALES (1998: 8), os trabalhadores “ainda se entregam muito a salvadores da pátria. Acreditam mais em leis feitas pelos adversários do que em suas próprias lutas, quando teriam melhor resultado se batalhassem para ser governo e não para ter governo”. Na busca da modernidade, as ações educativas presentes na extensão popular voltam-se para uma ética dos fins e dos meios, resgatando-se a ética na política. Nesse sentido é que se pode desenvolver o trabalho social útil voltado ao exercício da democratização de todos os setores da vida social, com a promoção da participação popular e incentivo aos direitos emergentes. Pode-se desenvolver uma ética que vislumbre a compartilhação dos conhecimentos e das atividades culturais; que promova a busca incessante de outra racionalidade econômica internacional pautada no diálogo; que contemple a comunicação entre indivíduos, a responsabilidade social, direitos iguais a todos, respeito às diferenças e às escolhas individuais ou grupais, elementos que potenciam a dimensão comunitária e a solidariedade entre as pessoas.
REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Os Pensadores. Metafísica: livro 1 e 2; Ética a Nicômaco; Poética. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha; Tradução de Vincenzo Cocco... (et al.). São Paulo, Abril Cultura, l979. CALADO, Alder Júlio. Educação popular nos movimentos sociais no campo: potencializando a relação macro-micro no cotidiano como espaço de exercício da cidadania. João Pessoa, l998. (17p. mimeo). FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Paz e Terra. Rio de Janeiro, l987. MARX E ENGELS. Manifesto do Partido Comunista. In: O manifesto comunista de Marx e Engels. Harold J. Laski. 2a. ED. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1978. MELO NETO, José Francisco de. Educação popular: uma ontologia. João Pessoa, 1998. ( 58 p. mimeo). __________. Extensão universitária: uma avaliação de trabalho social. Série Extensão, Doc. 18. Editora Universitária/UFPB, João Pessoa, 1997. PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e existência: problemas filosóficos da pesquisa científica. Paz e Terra, 2a. ed. Rio de Janeiro, l979. PINTO, João Bosco Guedes. Reflexões sobre as estratégias educativas do Estado e a política de educação popular. In: Perspectivas e dilemas da educação popular. Introdução e organização de Vanilda Paiva Edições Graal, Rio de Janeiro, 1984. PRESTES, Emília Maria da Trindade. Educação popular, trabalho, políticas públicas e problemas regionais. João Pessoa, 1998. (10 p. mimeo). REALE, Giovanni; et ANTISERI, Dario. História da filosofia. Edições Paulinas, São Paulo, l990. SALES, Ivandro da Costa. Educação popular: uma perspectiva, um modo de atuar. Olinda, Pe. 1998. (12 p. mimeo). SCOCUGLIA, Afonso Celso. História e educação popular no Brasil - uma contribuição ao debate. João Pessoa, 1998. (10 p. mimeo). VASCONCELOS, Eymard Mourão. Educação popular em tempos de democracia e pósmodernidade: uma visão a partir do setor saúde. João Pessoa, 1998/ (20 p. mimeo).
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TEXTO 4 DIÁLOGO NA TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA18
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Capítulo do livro: Escola de Frankfurt (diálogos). Anaina Clara de Melo (orgª.). Editora da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa: 2008.
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A teoria da ação comunicativa habermasiana possibilita a reflexão filosófica sobre a própria educação e constituintes marcantes que definem suas referências em processos de aprendizagem e sociabilidade como o conhecimento, a comunicação, a linguagem, a emancipação, a liberdade e em destaque aspectos éticos como o diálogo. Aqui é entendido como uma atitude própria humana, sendo expressão da capacidade de perguntar e responder ao outro, como igual, vindo a se tornar componente fundante da educação. O diálogo está presente na formulação teórica habermasiana, a partir de seu edifício teórico no campo da linguagem e da comunicação. Este texto procura investigar a sua presença na obra principal: A Teoria do Agir Comunicativo e no texto Conhecimento e Interesse, com destaques a dois conceitos dessa teoria – a razão comunicativa e o mundo da vida.
Introdução Estabelecendo um novo reino da intersubjetividade, Habermas19 elabora a teoria do agir comunicativo, mantendo em pauta a discussão entre atores diferentes, tendo o diálogo presente nesta teoria de comunicação. Um pensador que está vinculado ao que se denominou Escola de Frankfurt que tem, como eixos teóricos20 centrais, a dialética da razão iluminista e a crítica da ciência21, a cultura e a discussão da indústria cultural, além da discussão sobre o Estado, em particular, as suas formas de legitimação. Ao fazer parte do que se denominou de segunda geração da Escola, Habermas desenvolve sua obra na perspectiva já iniciada por pensadores como Horkheimer, Adorno, Marcuse, Benjamin e outros. Expressa uma tentativa de atualização do marxismo, buscando dar conta de análises sobre a sociedade do capitalismo avançado. Ao promover o avanço da análise crítica, manterá a Razão como objeto principal do seu pensar filosófico. Continuará a crítica em relação à Razão iluminista, mostrando-a em sua dupla dimensão: técnica e emancipatória. A partir desta perspectiva, irá direcionar a crítica para a sociedade em seu estágio atual, em particular para um tipo de razão predominante que é a razão técnica. Para ele, houve uma redução da dimensão da Razão ao ser dominada pela razão técnica ou razão instrumental. Pela técnica, esta forma de expressão da Razão cresceu, de tal maneira, que se tornou prisão para a própria sociedade, além de expressar um controle totalitário sobre a natureza. A manutenção do debate e da possibilidade de avanços sociais, além de seu otimismo para com a humanidade fazem Habermas encontrar na linguagem as condições para tal exercício, formulando uma teoria da intersubjetividade ou da ação comunicativa. Horkheimer22 havia manifestado que a teoria tradicional (conservadora), denominada de positivista, tem suas limitações ao resumir o trabalho teórico à submissão aos princípios lógicos da não contradição e ao procedimento dedutivo e indutivo do pensamento. Manifesta sua crítica ao marxismo, ao observar que teses fundamentais desta teoria não aconteceram como a da
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Jürgen Habermas, filósofo alemão, tido por muitos como o filósofo do „consenso‟, termo que não traduz qualquer atitude de conformação ao status quo, mas que, em uma sociedade ideal de falantes, se apresenta como em condição de se mostrar e mensurar a possibilidade de que os atos de fala sejam atos de entendimento (filosófico) antes de se concretizarem como atos de poder.
20
Não é de aceite total, entre os estudiosos, que os pensadores tidos como da Escola de Frankfurt, através de suas teses, teorias e textos constituam uma „teoria crítica‟. Tão pouco há acordo quanto à presença de Habermas, Benjamin e Marcuse em uma mesma Escola de pensamento.
21
Este é o eixo enfocado nesta parte do trabalho.
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Ver o artigo, Teoria tradicional e teoria crítica, escrito em 1937 e incluído na coleção “Os pensadores” em seu volume 48.
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proletarização progressiva da sociedade com o avanço do capitalismo, as crises cíclicas do capitalismo e a esperança da realização da justiça e liberdade que se tornou uma ilusão. É marcante o debate, em um segundo momento da Escola, entre Adorno e Popper23, um representante do positivismo, do Círculo de Viena24. A discussão sobre a lógica das ciências sociais irá mostrar duas posições distintas. Com Adorno, a dialética ou a própria crítica adquire a dimensão negativa25, tornando-a seu constituinte. Neste pensador, a crítica-dialética nega à Razão a competência de se pensar a si mesma. Por sua vez, mostra que a dialética e a teoria crítica têm dimensões materiais e existenciais. Para Adorno, o trabalho teórico é um trabalho emancipador que está preso a um juízo existencial, libertador da ignorância e da inconsciência. Contesta, assim, o privilégio do método (Popper) para se chegar à verdade e à objetividade. Essa teoria faz ver, que as teses do positivismo estão em torno do objeto de conhecimento, dimensionado ao aceite de teses como o reconhecimento daquilo que já conhecemos e de que a nossa ignorância é ilimitada. Além do mais, a teoria é um sistema de sentenças e hipóteses gerais que buscam a integração dos casos particulares. Como conclusão, um fato das ciências sociais precisa ser analisado, simplesmente, pela lógica formal e pela lógica situacional. Habermas está situado em um terceiro momento desse debate, presentes Luhmann e Parsons26, que defendem uma razão sistêmica, geradora de uma teoria da sociedade ou de uma tecnologia social. Neste debate, Habermas busca a superação do pessimismo em relação à Razão, estabelecido por membros da Escola, tentando uma síntese das formulações de Luhmman com as críticas anteriores, elaborando uma teoria da ação comunicativa, permeada pelo diálogo. As críticas habermasianas se voltam à objetividade e à verdade do conhecimento, indicando que a razão instrumental positivista reduz o conceito de Razão a procedimentos metódicos e lógicoformais. Também, a razão positivista não é aplicada à moral e à prática, aspectos presentes na razão dialógica/comunicativa. A crítica ao sistema cibernético de Luhmman e Parsons continua, considerando-o fechado e sem condição de ser aplicado à análise da sociedade ou ao sistema sóciocultural que é um sistema aberto. No sistema cibernético, para Habermas, não há distinção entre a realidade e a sua interpretação. Este sistema tem dificuldade de captar as funções de permanência do sistema social, restringindo a sua complexidade pelo aprisionamento, enquanto que reduz a realidade a uma visão probabilística. Há, desta forma, uma divergência central que está em torno do surgimento dos significados. Este só aparecerá pelo diálogo entre o ego e o alter, ao atribuir significados às coisas, às pessoas e relações que são, consensualmente, elaboradas e respeitadas. A síntese, buscada por Habermas, expressa a tentativa de substituir a filosofia da consciência, presente em Adorno e Horkheimer, por uma teoria da intersubjetividade comunicativa. Para Freitag (1988: 59), a teoria da ação comunicativa elabora: “um novo conceito de razão, que nada tem em comum com a visão instrumental que a modernidade lhe conferiu, mas que também transcende a visão kantiana assimilada por Horkheimer e Adorno, isto é, de uma razão subjetiva, autônoma, capaz de conhecer o mundo e de dirigir o destino dos homens e da humanidade”. 23
Popper, Karl. Influente filósofo da ciência contemporânea. Nasceu e estudou em Viena, sendo influenciado pelo Círculo de Viena. Sua principal contribuição à lógica e à metodologia da ciência é o princípio da verificabilidade. Em uma de suas obras principais, A sociedade aberta e seus inimigos, acusa o historicismo e o pensamento dialético de Hegel e Marx de precursores do totalitarismo.
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Associação de lógicos e filósofos da ciência, fundada em 1920, tendo por objetivo a unificação do saber científico. Esta tarefa seria possível de realização, à medida que fossem eliminados os conceitos vazios de sentido e os pseudoproblemas da metafísica. O critério a ser utilizado seria o da verificabilidade que distingue a ciência da metafísica. Rudolf Carnap foi outro expoente deste grupo.
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Ver livro, Negative Dialectics, em que a realidade se constitui em algo que necessita ser permanentemente negada, devido a sua alienação.
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Luhmann, Nikolas (aluno de Parsons) são defensores da teoria sistêmica da sociedade. Expressa o contraponto no debate com Habermas: a razão sistêmica e a razão comunicativa.
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A razão comunicativa implica em uma mudança de paradigma. Arrasta consigo a perspectiva de que a Razão só será plenamente exercitada pelo processo dialógico dos atores em uma situação dada. A Razão estará expressa pelas interações espontâneas das pessoas, sendo sustentada por um maior rigor no discurso. Não será a Razão, conseqüentemente, uma mera faculdade abstrata humana, e sim, procedimentos argumentativos quando os falantes se põem em acordo com a verdade, a justiça e a autenticidade. A razão comunicativa busca, em síntese, o consenso pelo diálogo. A verdade será, portanto, erigida pelos pares e, em forma dialógica, seguindo a lógica do melhor argumento. A razão comunicativa preserva a crítica anterior da Escola, presente em Horkheimer e Adorno, quando mantém a crítica à própria realidade e à rejeição dos falsos determinismos. Contudo, supera aquela tradição sem o pessimismo de Adorno e avança com a introdução da competência lingüística e cognitiva dos atores, através do diálogo, superando a razão subjetiva, transcendental e inata de Kant27. Ela é transparência intersubjetiva. A razão comunicativa expressa a interseção do mundo objetivo das coisas, do mundo social das normas e do mundo subjetivo dos afetos. Assim, resgata o diálogo exigido na esfera social da cultura. Questiona valores e normas. Torna possível a reconquista do terreno da razão instrumental dominante, ao restabelecer a capacidade da ação comunicativa para todos. É a partir dos conceitos de razão comunicativa e de mundo da vida que Habermas aposta num processo educativo pela comunicação, tendo no diálogo a base que pode conduzir a um mundo melhor, em que as relações humanas e sociais sejam mais transparentes e menos violentadoras. A razão comunicativa Habermas, além de manter a tradição crítica dos membros da Escola, debate com o pensamento de Weber e outros que não fizeram parte desse movimento teórico. De Weber vem a discussão sobre o conceito de racional, tendo como significado toda a ação referenciada em cálculos, com adequação de meios a um determinado fim. Busca-se, a obtenção de um máximo de benefícios com custos mínimos, procurando evitar ou minimizar efeitos indesejados. Essa concepção de racionalidade e de ação social permeiam as análises a respeito das sociedades ocidentais, externando uma organização racional da vida cotidiana. Esta é a racionalidade instrumental que constituirá o mundo econômico, através de planos para a economia e gestão tecnoburocrata, determinada pela burocracia estatal. Esta razão, presente em Weber, será compreendida como a própria razão capitalista que tem a sua base no lucro e na exploração da maisvalia. Esta razão não se confinou, apenas, no Estado ou na economia, mas na esfera política. No mundo da economia, estabeleceu-se para assegurar lucros e evitar riscos e, no campo político, ocupou o Estado e os aparelhos de repressão, assegurando aos políticos o cumprimento de suas ordens. A razão instrumental se apresenta fruto dessa combinação, marcada pelo domínio e instituindo a irracionalidade no organismo social. A proposta de Weber para a superação da razão instrumental é pelo aparecimento de grandes lideres – políticos carismáticos - ou empresários sem medo de correr risco, no campo econômico. Imagina, com isso, que esta combinação de razão pode produzir uma grande racionalidade nesta irracionalidade estabelecida. Com Marcuse (1968), todavia, será revelado, ainda mais, o atrofiamento da dimensão científica e existencial, pela razão instrumental, veiculada pela ciência e pela técnica. Destaca um processo de perda da crítica exercida ao status quo e à busca da emancipação humana do mundo de dimensões, exclusivamente, da necessidade. Tanto ciência como técnica estão submetidas ao valor 27
Ao estabelecer um paralelismo entre Kant e Habermas, Manfredo Araújo de Oliveira, em Dialética e hermenêutica em Jürgen Habermas, in Dialética Hoje, mostra referências de Habermas ao programa de análise transcendental do estilo de Kant. Enquanto Kant busca o conhecimento do objeto pela análise transcendental, em Habermas, através desta mesma análise, o entendimento entre os sujeitos.
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de trocas, da produção de mercadorias, tendo perdido a dimensão de força produtiva. A dimensão da crítica de emancipação e negadora dessa situação está reduzida e desviada. Tem tornado-se o apoio para a legitimação do „progresso‟, um desejo de todos, e se modificado em força legitimadora do sistema capitalista. Para Marcuse, a ciência e a técnica transformaram-se em ideologia. Em Habermas, a ciência e a técnica definem a dominação econômica firmada com a política, no Estado moderno, enfatizando o compromisso dessa situação com as forças das classes dominantes. Defende a superação da sociedade moderna capitalista pela transformação radical da ciência e da técnica, sendo necessária a reformulação de seu conceito. Admite que ambas são responsáveis pelo bem estar e progresso para todos além de assumir um papel determinante na legitimação do moderno Estado capitalista. O sucesso dos seus feitos, sobretudo no campo da economia, legitima, em contrapartida, o poder das elites, sendo aceitas pelos dominados, em nome da competência técnica estabelecida, sem necessidade de qualquer tipo de justificação. Habermas entende que as ciências sociais assumem diversas perspectivas teóricas ao buscar o enfrentamento com os parâmetros postos pela ciência e técnica, caracterizando a razão instrumental. Presentes nas diferenças conceituais estão grandes conflitos que distinguem tanto as concepções de ciências, como também, os interesses desses conhecimentos. Então, a decisão importante tomada por Habermas (1997: 19-20) é assumir o sentido como um conceito fundamental ao desenvolver uma análise da Razão que conduza à perspectiva emancipatória. “Por „sentido‟, entendo, paradigmaticamente, o significado de uma palavra ou uma oração. Parto do ponto de que não há intenções previas do falante; o sentido tem ou encontra sempre uma expressão simbólica; as intenções, para cobrar clareza, têm que poder adotar sempre uma forma simbólica e ser expressas ou manifestas”. Este sentido só pode se manifestar ao adotar uma forma simbólica, isto é, como um enunciado de linguagem, como uma ação ou em forma de representação visual ou de qualquer outro tipo. Este sentido, em sendo aceito como uma característica do objeto em discussão, passa a definir uma realidade social como uma realidade da estrutura do sentido28. Dar sentido às coisas presentes no mundo, envolve a ação de possíveis realizações. Contudo, torna-se necessária a definição prévia de ação para diferenciá-la do que se denomina de comportamento. Este designa a atividade que qualquer organismo realiza para se adaptar ao seu entorno e reproduzir a sua vida. O material conduzido por certas espécies de animais, para promover o ambiente de reprodução de cada espécie, se apresenta aos humanos como um exemplo de comportamento. De forma diferente, pode ser visto o trabalho realizado pelos humanos na construção de suas habitações. Este está cheio de sentidos. Esta atividade está orientada por normas ou por regras, regulada por tempo de trabalho, valor do trabalho e relações com o empregador, possuidora de significados intersubjetivamente reconhecidos. Não é estabelecida meramente pela repetição, de forma empírica, podendo ser ou não descoberta de forma indutiva. As regras só são possíveis de serem entendidas. Elas têm sentido. As regularidades no comportamento do animal podem ocorrer ou não. As regras, diferentemente, possuem um significado intersubjetivamente reconhecido. A atividade humana é uma ação. Em geral, afirma-se que os comportamentos podem ser observados mas as ações só podem ser compreendidas, buscando-se o sentido das regras. A compreensão do sentido também pode ser apoiada por observações, mas não somente. As ações são, portanto, manifestações simbólicas. Pode ser, até, um comportamento dotado de sentido e é também orientado pelos sentidos que os agentes atribuem a suas ações. Uma ação só será apreendida se voltada a uma finalidade e aos valores que a orientam. O sentido, que lhe é atribuído pelo agente responsável pela ação, possibilita um acesso adequado a seu comportamento, orientado por uma determinada situação interpretada pelo próprio agente. Pela observação direta, torna-se impossível a sua captação pois precisa ser compreendida. A
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Ver: Oliveira, Manfredo Araújo de. Dialética e hermenêutica e Jürgen Habermas. In: Dialética Hoje. Org. André Haguete ... ( et. al.). Petrópolis: Vozes, 1990. pp 81-116.
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compreensão de uma ação só será na observação do processo que está sendo interpretado pelas normas existentes. Um aspecto a destacar na ação é que, muitas vezes, as normas estão ocultas aos agentes que as utilizam. Um sujeito da ação pode explicitar as normas que orientam sua ação. Assim, é possível explicitar se uma ação segue ou não uma norma. Um falante de uma língua qualquer pode não conhecer as normas gramaticais daquela língua, mas apresentar condições suficientes de distinção, se determinadas frases ou palavras têm algum significado. Isto contribuirá para a visão de Habermas voltada ao papel da filosofia quanto à sua pretensão de Razão. A filosofia perde o papel de ser juíza da cultura e da ciência, adquirindo um papel de guardiã da racionalidade, tornando-se intérprete e mediadora das culturas especializadas da ciência, da ética, do direito e da arte. Seu papel passa a ser o pensar a Razão que está corporificada no conhecimento, na linguagem e na ação. Entretanto, de forma enfática, passou a cuidar do tema da Razão corporificado na linguagem, dimensionado pelo interesse da emancipação. Para Habermas (1975: 299-300), “o interesse voltado à emancipação não é uma intuição vaga, pode ser reconhecido a priori. Distingue-se este interesse da natureza mediante um dado fatual, o único possível de conhecimento por sua própria natureza: a linguagem”. Desta forma, é que ao instituir a linguagem e não mais o conhecimento e a ação como guia para a reflexão sobre a Razão, antecipa uma estrutura teleológica e normativa com a possibilidade da existência de situações sem repressão, orientada para o entendimento (verständingung).
A guinada lingüística Ocupado com o tema da Razão, voltado à dimensão de Linguagem, Habermas promove uma guinada, tida como lingüística – guinada lingüística. Rejeita, desta forma, a análise do conhecimento e da ação como os meios mais adequados para refletir a Razão, pois considera que esta análise só tem propiciado uma visão unilateral da Razão. Não considera que são aspectos meramente de fundo metodológico que o conduzem para essa nova reflexão, mas por conceber que uma análise lingüística torna mais amplo um conceito de Razão. Entre essas duas possibilidades de reflexão há diferenças profundas, tanto de conteúdo como de método, além da própria dimensão da Razão. Para Habermas, essa reflexão gerada da atividade do sujeito cognoscente (conhecimento) e pelo agente (ação) é denominada de subjetiva e instrumental. Esta reflexão permanece presa à noção de subjetividade, bem como, ao domínio teórico ou prático dos objetos. Por outro lado, a Razão decorrente da análise de agente lingüístico é intersubjetiva, pressupondo pelo menos a existência de dois participantes (os sujeitos), tendo como objetivo, pelo diálogo, o entendimento. Na promoção desse diálogo, o falante passa a buscar garantias de sua comunicação. Estas caracterizam a validez dos atos de fala ao fundar as relações intersubjetivas. Habermas (1997: 7576) define as pretensões do falante, nestes atos de fala, assim apresentadas: “1) Inteligibilidade. O falante associa com cada manifestação efetiva a pretensão de que a expressão simbólica empregada na situação dada possa ser entendida. .... 2) Verdade. Constatações, afirmações, explicações, etc., implicam uma pretensão de verdade. Tal pretensão não tem razão de ser quando o estado de coisas afirmado não existe. ... 3) Veracidade e 4) Retidão. Todas as manifestações expressivas em sentido restrito (sentimentos, desejos, manifestações de vontade) implicam uma pretensão de veracidade. Esta resulta fora de lugar quando se comprova que o que o falante expressou não correspondente a suas intenções. Todas as manifestações normativamente orientadas (como os mandatos, os conselhos, as promessas, etc.), implicam uma pretensão de retidão”. Este uso da linguagem será chamado de comunicativa. Todavia, se as normas vigentes geradas dessas manifestações não podem ser justificadas, também não serão legítimas, nem terão valor dialógico intersubjetivo.
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Esta virada expressa a passagem do „paradigma da consciência‟, que se estrutura na relação do sujeito com o objeto, para o „paradigma da linguagem‟ definido na comunicação e na relação de diálogo entre dois ou mais indivíduos. Habermas, definitivamente, passa a se interessar pela utilização do uso de sentença com uma intenção comunicativa, exigindo outra virada para a continuação da perspectiva dialógica da comunicação que emancipa.
A guinada pragmática A perspectiva lingüística da filosofia habermasiana não se centra na semântica da linguagem, a análise formal das frases, ou na sintática, pela semiótica das relações entre os signos, envolta na unidade de linguagem - a proposição. Esta perspectiva se completa com outra dimensão da linguagem que é a pragmática - uma proposição que está inserida num ato de fala. Avança ao destacar as relações que estão ocorrendo entre falantes e ouvintes, quando estes estão em comunicação com algo do mundo. Assumindo a dimensão pragmática da linguagem, esta adquire maior relevância pois se torna um elemento mediador das relações entre os falantes, estabelecido entre si, sobre algo do mundo. Instalado o diálogo, estes assumem o papel do ego e do alter, em que o ego busca a anuência do alter, obtido pelo ato de fala, em relação ao algo do mundo que se firmou como objeto do diálogo. Caberá ao alter o assumir a posição do sim, do não ou do talvez, em relação à pretensão de validade contida no ato de fala do ego. Enquanto a semântica negligencia o conjunto da comunicação, ao perseverar nas análises de frases e orações, permanece no paradigma da filosofia da consciência. Mantém o sujeito e o objeto em seus elementos básicos – a linguagem e o mundo. Habermas, ao admitir a pragmática, alarga o horizonte de análise, considerando que o foco de atenção da linguagem passa a ser a comunicação em seu conjunto. Mas não é um ato de fala sem qualquer intencionalidade. Ao se usar o conjunto qualquer de sentença, está, efetivamente, buscando o entendimento. Torna-se possível, de outra forma, a utilização do ato de fala no sentido de produzir conseqüências induzidas ou pré-condicionadas, isto é, a utilização não dirigida ao entendimento. Esta utilização pragmática do ato de fala não é o modo original da linguagem. Esta deverá estar voltada para o entendimento. Nesse sentido, com a exigência do uso do ato de fala para a comunicação, haverá um relacionamento, entre sujeitos falantes e agentes, baseado em um sistema de mundos compartilhados – o mundo objetivo, o mundo das leis e normas e um mundo subjetivo. Esta ação comunicativa, dimensionada pela guinada pragmática, supõe uma pretensão de validade, isto é, ao mundo objetivo, pela pretensão de verdade; ao mundo social (normas...) pela correção; e ao mundo subjetivo, à pretensão da sinceridade. Embasada no paradigma da linguagem, torna-se importante a virada lingüística e a virada pragmática na ampliação do enfoque da razão comunicativa, na procura do envolvimento de todas as formas de manifestações lingüísticas humanas, incluindo os aspectos cognitivo-instrumental, prático-moral e prático-estético. A realização desta perspectiva na comunicação torna importante uma guinada pragmática, também, na teoria do significado. Assim, a linguagem estará superando a sua função de representação (verdade dos fatos), enfocando a dimensão interativa (ego e alter, contraindo relações interpessoais – uma interação) e a função expressiva (intenção ou subjetividade dos falantes). Isto torna possível o acesso a uma forma racional não-instrumental e não-subjetiva da razão – a razão comunicativa. Esta é uma razão intersubjetiva e promotora de um acordo racional que se direciona à superação de qualquer forma de coerção, seja ela interna ou externa. Mas, falar da Razão como comunicação é enfocar os atos de fala, que se apóiam em certa concepção de linguagem e entendimento, presentes nos diferenciados contextos do significado. Habermas (1990) avança no campo das teorias do significado de outros pensadores29, quando considera importante estas teorias para a linguagem e para a ação comunicativa. Mostra que 29
No debate teórico sobre o significado, três teorias são mais conhecidas. Há a denominada teoria semântica intencionalista de Grice, passando por Bennett e Shiffer. A teoria semântica formal de Grege, passando por Wittgenstein até Dummett, e a teoria do significado enquanto uso, em Wittgenstein).
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as teorias existentes não levam em conta todas as funções da linguagem. Cada ação de fala, para ele, pode ser inválida ao desconsiderar algum dos três aspectos. O primeiro será uma ação considerada inverídica, em relação a uma asserção feita; incorreta, dadas as relações nos contextos normativos existentes; e insincera, quanto à intenção do falante. Estas três dimensões indicam para uma contribuição teórica, em especial ao nexo existente entre significado e validade, presente na ação de fala. Manifestam-se para além da análise do conhecimento das condições de verdade, atrelada ao nexo linguagem e mundo. Estabelece-se um saber indireto vinculado diretamente ao processo comunicativo, por meio de razões. Em Habermas (ibid), o ouvinte precisa conhecer o tipo de razões que conduz o falante à sua pretensão das condições de verdade. Torna-se possível a compreensão de um enunciado quando, pelo diálogo, se conhecer o tipo de razões que o falante aduz. Essas razões de interesse de convencimento, de um falante para um ouvinte, são necessárias quando se aceitar como verdadeiras as suas frases. Essas condições de compreensão só são preenchidas no diálogo da comunicação cotidiana, além de se admitir que a pretensão de validade pode ser problemática, e por isso, precisa estar mantida a sua justificativa. As pretensões de validade do falante, em relação aos agentes, pressupõem um reconhecimento intersubjetivo por parte de todos envolvidos na ação de convencimento, para além das relações entre a linguagem e o mundo. Muito para além das interpretações no campo das teorias de significado, a guinada pragmática na teoria do significado amplia a verdade proposicional, quando exige as razões de justificação intermediadas pela correção, em nível de normas e da veracidade subjetiva. As razões passam a contribuir na interpretação das condições de validade e se integram, conseqüentemente, às próprias condições de aceitação de uma expressão. Contudo, esta expressão terá sido compreendida quando for possível a sua utilização, resultado do entendimento do ego com o alter sobre algo. O ouvinte passa a ser desafiado a tomar posição, de forma racional, sobre este algo, considerando ter aceita a oferta contida no ato de fala, assumindo a sua parte em todo o processo decorrente. Todavia, as pretensões da razão comunicativa, estruturada a partir da linguagem, não param nessa dimensão do entendimento. Após a guinada lingüística e a guinada pragmática, demanda-se, agora, uma dimensão de universalidade. Lança-se para um novo desafio que é a virada na pragmática universal da linguagem.
A pragmática universal da linguagem O entendimento ainda carece de universalidade, sendo buscado pela virada na pragmática da linguagem, expressa na tarefa de identificar e reconstruir os condicionantes universais em possibilidade de realização. Habermas (1997: 300) prefere a discussão sobre os pressupostos não da comunicação mas da ação comunicativa, considerando que a perspectiva é a orientação da ação para o entendimento. Isto o faz exprimir que: “A pragmática universal tem como tarefa identificar e construir as condições universais do entendimento possível”. Pode-se perguntar sobre o núcleo que constitui a pragmática universal da linguagem. Nessa direção, indica-se que a sua estruturação acontece com o apoio das pretensões universais de validade. Isto exige tomadas de posição com um sim ou um não, a partir do falante e do ouvinte. Estas pretensões, todavia, levantadas por meio dos atos de fala, estão sempre em condições de serem criticadas ou submetidas a novos questionamentos. A tomada de decisões de sim ou de não se pauta em acordo a pressuposições de que os atos de fala entre ouvintes e falantes possam ser efetivados. Habermas (ibid.: 301), na busca de promover o entendimento, fixa as pretensões universais de validade, considerando que a comunicação transborda as posições de apenas um falante e outro ouvinte. Para ele, são as seguintes: “a necessidade de se estar expressando inteligentemente; de se estar possibilitando a entender algo; de estar contribuindo para ser entendido e de estar entendendo-se com os demais”. Aquele que fala, precisa expressar-se de forma inteligente, de tal maneira que o falante e o ouvinte possam se entender. O falante precisa externar um conteúdo cujas proposições lingüísticas sejam verdadeiras e com isto, o ouvinte pode crer nas formulações do falante. Ainda urge que sejam
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atendidas as normas e valores vigentes, apresentando manifestações de sua correção e possibilitando a ambos concordarem entre si, sendo aquelas normas e valores reconhecidos intersubjetivamente. Pode-se, enfim, restabelecer as funções pragmáticas de exposição, auto-exposição e estabelecimento das relações interpessoais (ibid., 332). Este entendimento, na exposição de Habermas, ocorre se a comunicação entre os agentes estiver orientada pelos vários modos de uso de linguagem, tendo pretensão de validade desses atos de linguagem. Então, os agentes, em primeiro lugar, necessitam tornar compreensível o sentido da relação intersubjetiva como sentido de conteúdo proposicional; em segundo, urge o reconhecimento da verdade naquele ato de fala; em terceiro, urge o reconhecimento da retidão da norma como complemento da qual pode-se considerar ato de fala; e, ainda, se a veracidade, como intenção do falante, não está sendo posta em dúvida. Em qualquer momento da comunicação que o ato de fala estiver submetido à dúvida, estas quatro pretensões de validade – inteligibilidade, verdade, retidão e veracidade – serão possíveis de ser abertas a novas discussões. Isto quer dizer que um falante, que esteja expressando desejo de comunicação para o entendimento, precisa manifestar claramente que aquilo que diz é verdadeiro e que a sua ação seja correta, no que diz respeito às normas. Finalmente, a intenção do eu e do alter precisa coincidir com o que pensam e sentem. Na busca de se alcançar o entendimento (“reaching understanding”), central à problemática da racionalidade, o que se está em jogo pelos participantes é o consenso e que só será possível pelo reconhecimento intersubjetivo destas pretensões de validade. Estas pretensões são lançadas com o próprio ato de fala que está sendo proferido pelo falante. Estar de acordo com a validade, é se abrir à critica quanto aos fundamentos de sua fala, aceitando certos padrões comuns que podem servir aos participantes da comunicação, na decisão do consenso a ser atingido – os aspectos de validade. Assim, é que alcançar o entendimento é chegar a um acordo de forma comunicativa. Ao considerar a sua forma lingüística, expressão de uma ação comunicativa, tal entendimento não pode ser alcançado em decorrência de pressões externas e, jamais, pela coerção. O entendimento é um conceito normativo, tendo como pressuposto a não utilização da força. É um processo de ajuda mútua em que o um e o outro interagem num processo de aproximação da verdade sobre o objeto do diálogo. Sua base é racional pois se baseia em convicções comuns. Com esta compreensão do entendimento se dará a chegada ao consenso – uma razão comunicativa. Pela interpretação de Aragão (1992: 43): Apenas por esta razão espera-se obter um conceito de racionalidade, pelo esclarecimento das propriedades formais da ação orientada para alcançar entendimento, que tanto pode ser buscado nas esferas dos valores culturais, nas formas de argumentação diferenciadas, como na prática da vida quotidiana, embora tão distorcida quanto possa ser.
O mundo da vida O desenvolvimento da argumentação sobre os mundos gerou o conceito - mundo da vida. Mas que papel tem este conceito na orientação para o entendimento? Ora, os conceitos formais de mundo constituem um sistema de referências para aqueles que buscam o entendimento, e o mundo da vida (lebenswelt) é constitutivo desse entendimento entre falante e ouvinte. Este, a partir do mundo da vida, é comum acerca de algo no mundo objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo. As pessoas, nessa busca de entendimento, instituem um conjunto de sentidos que passam a definir a compreensão, a interpretação e a ação dos ouvintes e falantes sobre o mundo. Sempre os sujeitos se entendem no horizonte de um mundo da vida que está formado por convicções mais ou menos difusas que não se apresentam como problemas fundamentais para o entendimento. Assim, constrói-se um contexto social da vida definida pela criação de objetos simbólicos que contribuem para o entendimento. Este contexto é representado por expressões como os atos de fala, atividades cooperativas; consolidadas essas expressões por meio de textos, tradições, obras de artes e objetos da produção material bem como por técnicas; e por meio de configurações geradas tais como instituições, sistemas sociais e formação de personalidades. Toda esta configuração é
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definida de forma anterior a qualquer formulação teórica sobre estes objetos. Esta realidade formada, seja por uma pré-estrutura simbólica ou conjunto de sentidos gramaticalmente prédeterminado, é denominada por Habermas de mundo da vida. A linguagem e a cultura, por sua vez, não coincidem com os conceitos formalizados sobre o mundo do ouvinte e falante, na definição de sua situação. Elas constituem bem mais o mundo da vida. Na atividade de entendimento, portanto, os sujeitos usam um implícito conceito de mundo. A tradição é o acervo desse saber de onde estes sujeitos encontram suas interpretações. Nesse sentido, é o mundo da vida o pano de fundo da ação comunicativa. Ao se referir a algo do mundo, os sujeitos se movem, intersubjetivamente, neste horizonte não temático e não questionado. É nesse sentido, ainda, que Habermas (1987: 179) afirma: O mundo da vida é, por assim dizer, o lugar transcendental em que falante e ouvinte se encontram; em que podem desejar, de forma recíproca, a pretensão de que suas emissões concordam com o mundo (com o mundo objetivo, com o mundo subjetivo e com o mundo social); podendo criticar e exibir os fundamentos dessas pretensões de validade, resolver suas divergências e chegar a um acordo.
O mundo da vida tem as suas características. Sobre ele não há problematização, considerando que é aceito sem questionamento, em nível de senso comum. A divergência profunda pode provocar a eliminação do entendimento. Uma outra característica é a existência de um certo a priori social que está presente na intersubjetividade geradora do entendimento. Isto é, o mundo da vida não pode se tornar controverso mesmo sendo comum a todos, resistindo anteriormente a qualquer desacordo. Em uma comunidade, o mundo da vida traduz a dimensão coletiva do nós, resultante do conhecimento consensual existente, saído desse estoque do conhecimento cultural. Não está presente, na prática comunicativa, a possibilidade permanente de que tudo pode ser diferente. E, ainda, como característica, sobressai-se que, mesmo se as situações estejam em mudança, os limites do mundo da vida não podem ser transcendidos. Compreende Aragão (1992: 45) que: O mundo da vida forma o cenário em que os horizontes situacionais mudam, expandem-se ou se contraem. Ele forma um contexto em que, ele próprio sem limites, delineia limites. Ele circunscreve situações de ações à maneira de um contexto pré-compreendido que não é endereçado. Em sendo um lugar transcendental (o que o homem ou a sociedade ainda não é ou ainda não tem mas, apenas, deseja ser ou ter), o mundo da vida não corresponde, necessariamente, ao mundo real e imanente ao homem ou à sociedade (o que são e o que têm realmente e não, apenas, nos desejos e fantasias), daí resulta que ele escapa de todo aprisionamento teórico, sendo possível seu conhecimento pelas estruturas da cultura, da sociedade e da personalidade, as suas estruturas formadoras. A dificuldade do acesso pela experiência, por parte do analista social, é que a sua chegada exige a compreensão, sendo o seu acesso nada diferente que o de qualquer leigo. O desejo de aceso ao mundo da vida antecede esse desejo próprio que é a sua compreensão. Como mostra Habermas (1987: 186): “o mundo da vida constitui uma rede intuitivamente presente e, portanto, familiar e transparente, sendo, por sua vez, inabarcável, de pressuposições que hão de cumprir-se e a emissão poder ter sentido, para poder ser válida”. Um mundo que delimita as situações de ação à maneira de um contexto que se entende, porém não se discute. Situações de uma realidade que não apresenta problemas, permanecendo numa espécie de penumbra, sem penetrar no processo de entendimento ou o faz de maneira indireta. O processo de entendimento, na verdade, em torno do qual se centra o mundo da vida, exige, conforme Habermas (ibid: 463): “uma tradição cultural em toda sua amplidão”. Para ele, na prática comunicativa cotidiana, precisam ser combinadas e fundidas, entre si, as interpretações cognitivas, as expectativas morais, manifestações de valoração que, assim, através das transferências de validade, constituem um todo racional. A argumentação
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Habermas continua a teorização sobre a racionalidade, promovendo a comunicação pelo diálogo, uma teoria crítica que contribui ao resgate da Razão em dimensão emancipadora. Uma teoria crítica que se distancia das teorias científicas, sobretudo no que se refere às opiniões sobre liberdade e coerção expressas na própria teoria. Os objetos da pesquisa, na maioria das teorias científicas, não apresentam a questão da concordância ou não com a teoria. Normalmente, estas questões nem mesmo aparecem. Planetas ou partículas atômicas não podem sentir ou discordar. Neste sentido, Geuss (1988: 132) expõe que: uma teoria crítica é estruturalmente diferente de uma teoria científica, pois é „reflexiva‟ e não „objetificante‟, ou seja, não é apenas uma teoria sobre certos objetos diferentes dela mesma, é também uma teoria a respeito de teorias sociais, como elas surgem, como podem ser aplicadas e as condições em que são aceitáveis. O cerne de uma teoria crítica é o critério da aceitabilidade que ela apresenta para convicções. A teoria crítica externa este critério da forma que a encontra entre os agentes a que se destina. Todavia, não se constitui como mera forma descritiva e desinteressada deste critério. Utiliza-o como verdadeiro ou como melhor aproximação da verdade. Avança quando desenvolve afirmações que podem mostrar equívocos dos critérios que foram se firmando como verdadeiros nas comunidades de falantes e ouvintes. A teoria crítica não se reduz a meras informações sobre a sociedade, seus membros ou sua forma de consciência, como fazem as teorias científicas. Seu desejo passa por fornecer, também, o critério por meio do qual se avalia se a própria crítica e a informação que ela apresenta, são ou não, possíveis de aceitabilidade. A teoria crítica, em Habermas (1975: 298), desenvolve interesses, penetrando no núcleo lógico da pesquisa, mostrando que: “a descrição ou a reprodução estão ligados a critérios. A escolha destes critérios exige um nível crítico, uma superação crítica por mediação de argumentos, dados que não podem ser deduzidos logicamente nem demonstrados empiricamente”. A teoria da racionalidade habermasiana liga-se diretamente à prática da argumentação. Pela argumentação torna-se possível a ação comunicativa ao se instalar o desacordo ou mesmo se as práticas cotidianas dificultarem o consenso. A prática da argumentação se institui na fixação de entendimentos pelo diálogo, evitando-se práticas coercitivas. A argumentação desempenha, desta forma, papel importante nos processos de aprendizagem. A teoria crítica pode promover a aprendizagem inclusive pelos erros dos agentes, pela refutação de hipóteses e do insucesso de suas intervenções. Estas falhas ocorridas numa discussão podem ser produtivamente assimiladas por meio dos vários tipos de discurso: o teórico, o prático, o explicativo, a crítica estética e a crítica terapêutica (Habermas, 1989). A rigor, os três primeiros tipos de discursos preenchem os requisitos para serem considerados como discurso, por apresentarem pretensões de validade universal. O discurso teórico, como forma de argumentação, refere-se ao domínio do cognitivo-instrumental em que um sujeito falante é considerado racional quando expressa opiniões fundamentadas e atua com eficiência. O agente deve sempre aprender dos desacertos, da refutação das hipóteses e dos fracassos das intervenções no mundo. O discurso prático tematiza as pretensões de correção de uma norma de ação controvertida. É do domínio prático-moral. Uma pessoa é considerada racional quando pode justificar suas ações, tendo por referência um certo contexto normativo vigente. Esta pessoa, em situação de conflito normativo, não atua levada por paixões e nem por interesses pessoais imediatos. Busca a solução da questão de forma consensual, tendo como horizonte o ponto de vista moral. A crítica estética não reivindica para si a justificação de padrões de valor com validade universal (ibid.: 39-41). Os proferimentos valorativos no mesmo campo cultural não têm aceitação irrestrita. Os valores são, quando muito, candidatos para interpretações e com cuja ajuda um círculo de interessados pode, chegando o caso, descrever um interesse comum e fazer dela uma norma. Mas, o reconhecimento intersubjetivo que se forma em torno dos valores culturais não implica numa pretensão de assentimento universa”.
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Nesse sentido, as argumentações utilizadas na justificação do padrão de valor não preenchem as condições de discurso – não se apresentam em condições de universalidade. Suas pretensões de validade voltam-se à adequação aos „standards‟ de valor. A crítica terapêutica se considera como uma forma de argumentação que busca elucidar as auto-ilusões, resultantes de experiências vividas por uma subjetividade que levanta pretensões de validade. Assim denominada, por se constituir como um processo de auto-reflexão, nos moldes da entrevista terapêutica entre analista e paciente. Racional é então a pessoa que está disposta a se libertar de suas ilusões. Não está baseada em erros mas em auto-enganos de sua própria vivência. É esta a forma de argumentação que serve para explicar e dissipar os auto-enganos ou as auto-ilusões. O discurso explicativo, por sua vez, é a forma de argumentação cuja pretensão de validade é compreender o sistema lingüístico que serve de medium à compreensão. Uma pessoa racional é aquela que se dispõe ao entendimento, reagindo às perturbações da comunicação refletidas sobre as regras lingüísticas. Analisa se as pretensões simbólicas estão bem formadas ou se estão corretas e se foram produzidas segundo regras. Busca explicar o significado das expressões, a sua compreensibilidade ou a boa formação das construções simbólicas.
A ação comunicativa Para a compreensão da ação comunicativa, como descrita, são destacados dois aspectos. Um é aquilo que se diz e o outro, o próprio ato de se dizer. Neste ato, manifesta-se um sujeito que enuncia em condições espaciais e temporais determinadas. É conveniente o destaque de que a separação entre um comportamento e uma ação se pauta pela definição mesma de uma ação sempre voltada ao critério do sentido. Sentido este que está representado de forma visual ou outra qualquer maneira, porém definido por regras lingüísticas ou outro tipo de representação, contendo sempre um conteúdo intersubjetivo reconhecido. Um comportamento pode ser observado, mas uma ação exige o entendimento. As ações, todavia, se apresentam de diferenciadas formas. Uma ação de produzir um artefato qualquer exige um conhecimento da natureza e suas regras, expressando um saber sobre a natureza. Este tipo de ação que utiliza regras técnicas é denominado de ação instrumental. Caracteriza-se pela manipulação de objetos orientada a um determinado fim único, definido unilateralmente pelo sujeito. Um outro tipo de ação se caracteriza por estar propriamente voltada a um fim, contudo, o agente produz o estado de coisas desejado a partir de uma escolha de meios para melhor execução do fim almejado. Este tipo de ação de denomina de teleológica. Um educador, em sua aula, visando à aprendizagem, utiliza diferenciados meios para chegar a esse estado, buscando os dispositivos mais eficazes de que dispõe. Estes objetos que visam a maior economia, estando dirigidos para o cumprimento de um fim desejado são ações teleológicas. A utilização desses objetos, causadores de maior eficácia, se voltados aos maiores benefícios do ponto de vista utilitário, se torna uma variante da ação teleológica denominada de ação estratégica. Este tipo de ação tem nas propagandas políticas ou nas vendas de objetos pela publicidade os seus melhores exemplos – desejos utilitários, ações estratégicas. Como se vê, a ação instrumental apresenta um tipo de regra aplicável a objetos manipuláveis; a ação estratégica se aplica a decisões de pessoas que agem de acordo com suas finalidades. Um terceiro tipo de ação define-se pela existência de regras que são reguladas por normas sociais. Esta exprime-se como de interesse à teoria social. Salienta-se outro tipo de ação que busca pôr ordem às interações, considerando as diferenças entre regras aplicáveis à ação. Mas, o de maior interesse à teoria social é aquele tipo de ação que resulta de acordo social. O agente faz parte desse grupo, além de ser um participante de uma situação onde os demais constituem um público para ele. Diante do mesmo, ele se apresenta com sua subjetividade. Esta é a ação dramatúrgica. Neste tipo de ação, o agente revela as suas emoções e motivações íntimas, dando algo de si mesmo a cada um dos seus atos. É este tipo de ação que mais interessa à ação comunicativa. Uma ação que se evidencia quando as atividades dos atores não estão definidas por interesses particulares mas pelo entendimento. Não se orienta por um propósito individual, tão pouco, por um fim individual. Não se
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guia por mera expressão de uma subjetividade externada pela emoção, desejos ou sentimentos. O seu sucesso não está pautado pela ação individual de um agente mas em operações cooperativas de interpretação. Trata-se de um acordo como condição de continuidade de seus próprios planos. Este acordo é definido racionalmente, isto é, sem coerção de qualquer das partes. Na ação comunicativa, os agentes se orientam para um acordo, para um entendimento e pelo diálogo. Nos demais tipos de ação, está presente a via única expressa pela ação sobre o outro e sem possibilidade de resposta. São monológicas. A ação comunicativa tende ao diálogo e à culminação de um saber coletivo e compartilhado pelos dialogantes. Mas, reclama condição geral de simetria para a realização dessa ação comunicativa. Assim, é que Habermas (1997: 153-154) expõe como exigência as situações ideais de fala com as seguintes características: “ 1) Todos os participantes potenciais em um discurso têm que ter a mesma oportunidade de usar atos de fala comunicativos, tendo condição de em todo momento, oportunidade de abrir um discurso como de mantê-lo, mediante intervenções e réplicas, perguntas e respostas; 2) Todos os participantes no discurso têm que ter igual oportunidade de fazer interpretações, afirmações, recomendações, dar explicações e justificações e de problematizar, aprovar ou refutar pretensões de validade delas, de tal sorte a não prejudicar o tema e a crítica; ... 3) Para o discurso só são permitidos falantes que como agentes, nos contextos de ação, tenham iguais oportunidades de empregar atos de fala representativos, isto é, de expressar suas atitudes, sentimentos e desejos. .... 4) Para o discurso só se permitem falantes que como agentes tenham a mesma oportunidade de empregar atos de fala regulativos, quer dizer, de mandar e opor-se, de permitir e proibir, de fazer e retirar promessas, de dar razão e exigi-la. ...”. Estas características dirigem a ação a ser produzida no mundo objetivo. Os atores estão envoltos para ações orientadas ao entendimento. Na realização do ato de fala, o falante emprega a linguagem estandartizada que para Habermas (1987: 171) se apresenta como numa situação limite, ao introduzir o conceito de ação comunicativa. Ela está relacionada com algo no mundo objetivo (como totalidade das entidades sobre as que são possíveis enunciados verdadeiros); ou com algo no mundo social (com totalidade dos mundos das relações interpessoais legitimamente reguladas); ou com algo no mundo subjetivo (como totalidade das próprias vivências tendo um acesso privilegiado e que o falante pode manifestar verdadeiramente ante um público), relação em que os referentes do ato de fala aparecem ao falante como algo objetivo, como algo normativo ou como algo subjetivo. Na realidade, as manifestações comunicativas estão incertas, ao mesmo tempo, em diversas relações com o mundo. A ação comunicativa está, portanto, baseada num processo de cooperação, conduzida pela argumentação, com vistas ao entendimento último quando ouvintes e falantes se referem a algo no mundo objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo. A comunicação indica que em cada situação definida, os participantes podem modificar sua definição inicial da situação, tornando-se parte de novas interpretações que os demais atores deram a ela, instalando a possibilidade do diálogo ilimitado. Inclusive, para a ação educativa regulada pelo diálogo, o educador precisa estar consciente de que no seu campo de intervenção, não lida simplesmente com a realidade objetivada mas com uma realidade simbolicamente estruturada. O aceso a esta realidade não se dá simplesmente pela observação mas precisa avocar para a compreensão. Um analista do fenômeno educativo ou da cultura carece estar atento de que a realidade a ser analisada é simbólica e similar ao de qualquer outro indivíduo desta mesma realidade. A compreensão de uma obra particular requer do analista que o mesmo venha pertencer ao mesmo mundo da vida, onde essa obra circula e se produz. A sua simples descrição pressupõe entendimento e a sua compreensão pressupõe dispor da capacidade de participar em sua produção. Para Habermas, a ação comunicativa torna-se um conceito normativo, um padrão ideal a ser buscado e um critério de evolução social. Uma sociedade organizada com bases neste tipo de ação,
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referenciada no diálogo, apresenta um alto nível de racionalidade, representando também maior avanço social.
Uma síntese A teoria desenvolvida por Habermas procura atender ao desenvolvimento investigativo da realidade, através de uma filosofia que reflete o mundo social. É uma crítica transcendental do conhecimento nos moldes kantianos, enquanto separa a razão teórica da razão prática e que continua pela reflexão, atendendo aos pressupostos hegelianos de último esteio de sustentação da racionalidade. E mais, é plena de otimismo filosófico revelado por um explícito interesse emancipatório. E são o confronto teórico com a filosofia tradicional, a crítica metodológica ao sistema social e o interesse na organização racional humana que juntos formam o que se denomina de Teoria Crítica. Nessa reflexão está contida um forte conteúdo político que se transforma em filosofia crítica desenvolvida sobre a realidade. Desta crítica, nasce a idéia de transformar a razão instrumental estabelecida por uma práxis da comunicação dirigida por um especial interesse. Diferentemente de antecessores da Escola, desenvolve uma postura otimista em relação à reabilitação da esfera pública. Nesta esfera, as pessoas passam a atuar de forma a decidir a sua vida sem qualquer forma de coerção. É a promoção de uma política que tem no diálogo uma forma procedimental, podendo, segundo Habermas (1995: 45), “apoiar-se, precisamente, nas condições de comunicação sob as quais o processo político pode ter a seu favor a presunção de gerar resultados racionais, porque nele o modo e o estilo da política deliberativa realizam-se em toda a sua amplitude”. Uma disposição permanente pela realização de uma concepção procedimental de política deliberativa. Habermas contrapõe à tendência dominante da razão instrumental um outro estilo de construção de razão. Fortalece a tendência para a comunicabilidade, para o diálogo e para o consenso, algo que considera imanente à própria humanidade. Na perspectiva kantiana, a sua contribuição teórica se constitui como um sistema filosófico expresso por um todo do conhecimento sistematizado segundo princípios. Neste sistema a idéia é conceito dado pela razão. Mantém a tradição metafísica quando o seu objeto central é a própria razão, além da metodologia que vai empregando no desenvolvimento das formulações teóricas. Também, é de se destacar desse sistema a própria teoria da racionalidade, que buscando elementos em outras formulações não as forma, apenas, somando ao conhecimento estabelecido mas mantêm-nos como elos dessa cadeia. A emancipação é demarcada em relação à natureza exterior e em relação às formas de dominação social. Mostra que na primeira situação esta realiza-se pelo progresso técnico enquanto que na segunda situação consubstancia-se em outros níveis de reflexão pela aceitação ou recusa de normas, leis ou mesmo da tradição. A ação formulada como instrumental e como agir comunicativo. Se no primeiro a referência é o sucesso com a sua efetivação, no segundo destaca-se o entendimento. A busca do consenso vai se apresentar, também, em duas formas, seja pela comunicação do cotidiano como pelo resultado de uma argumentação racional. A este tipo de interesse é denominado de emancipatório, a respeito do qual, Habermas dedica maior interesse para a filosofia comunicativa. Continua buscando a efetivação de sua filosofia teórica nos ambientes da vida do cotidiano. Alerta para a possibilidade, no campo educacional, da manutenção da educação e da cultura como direitos fundamentais, sendo possível desenvolver-se a educação voltada à comunicação pelo diálogo. A família pode ser levada mais a sério quando avançar em suas relações internas a partir da comunicação. Destaca, no campo psicanalítico, as mudanças havidas nas tipologias de doenças em decorrências da dominação de uma racionalidade instrumental, alertando para a importância e necessidade de uma outra racionalidade. Some-se a esta necessidade a agudização do mundo da adolescência e, mais recentemente, o estabelecimento da violência. A teoria da ação comunicativa oferece um marco para reformulação, inclusive, no modelo do eu, ele e o super-ego. No campo da educação, mostra que num procedimento de interações entre falantes e ouvintes promove-se a intersubjetividade pela prática do diálogo. Descerram-se possibilidades para uma pedagogia crítica, sendo possível a elaboração de novas maneiras de orientação para futuras
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atuações. A teoria habermasiana é mediada com a práxis. Uma práxis de um novo tipo que procura “elevar a humanidade à razão científica universal, de conformidade com normas de verdade, transformando-a numa humanidade renovada a partir de seus fundamentos...” (Habermas, 1975: 294). Uma teoria social que se reafirma por uma reinterpretação das necessidades históricas e práticas, dos fins, dos valores e das normas, orientando-se para uma práxis reflexiva, emancipadora.
Referências Adorno, Theodor W. Negative dialectics. Nova Iorque: The Seabury Press, 1973. Aragão, Lúcia Maria de Carvalho. Razão comunicativa e teoria social crítica em Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. Guess, Raymond. Teoria crítica: Habermas e a Escola de Frankfurt. Trad. Bento Itamar Borges. Campinas: Papirus, 1988. Freitag, Bárbara. A teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. Habermas, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa: complementos y estúdios prévios. Madrid: Ediciones Cátedra, S,A., 1997. __________. “?Qué significa pragmática universal?”. In: Teoria de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. Madrid, Catedra, 1997. __________. Notas sobre el desarrollo de la competencia interactiva. In: Teoria de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. Madrid, Catedra, 1997. __________. Teoria tradicional e teoria crítica. São Paulo: Abril Cultura, Coleção Os Pensadores, Vol. 48. 1975. __________. Conhecimento e interesse. São Paulo: Abril Cultural, Coleção Os Pensadores, Vol. 48. 1975. __________. Teoria de la acción comunicativa II – Crítica de la razón funcionalista. Madrid: Taurus ediciones, 1987. __________. Teoria de la acción comunicativa I. Taurus: Madrid, 1989. __________. Pensamento pós-metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. __________. Três modelos normativos de democracia. São Paulo: Cedec, Lua Nova – revista de cultura e política.1995. Horkheimer, Max. Teoria tradicional e teoria crítica. Coleção Os Pensadores, (Benjamim, W,; Horkhiemer, M.; Adorno, Th. W. e Habermas, J. Textos Escolhidos, vol. 48, Abril Cultural, São Paulo, 1975. Marcuse, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. Oliveira, Manfredo Araújo de. Dialética e hermenêutica em Jürgen Habermas. In: Dialética Hoje. André Haguete... (et. al.). Petrópolis: Vozes, 1990. Popper, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. Trad. Milton Amado, 2 vols., São Paulo: Edusp, 1974.
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TEXTO 5.
ÉTICA E PÓS-GRADUAÇÃO 30
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Ética e Pós-graduação é um texto, particularmente preparado para subsidiar a exposição do Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no painel sobre as Condições de Desenvolvimento dos Programas de Pós - Graduação, realizado durante o XIII Encontro de Pesquisa em Educação do Nordeste (ENPEN), em 1997, na cidade de Natal/RN.
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“A grande questão temática para a reflexão e a pesquisa é: como somos convencidos dede que a nossa vida é isso, que a realidade é isso? Que mecanismo é esse pelo qual passamos a enxergar tão distorcidamente a nossa própria vida e a nossa própria realidade, tornando tão difícil e tão complicado alcançar um plano de verdade nessa produção?” 31. Este texto32 apresenta alguns elementos acerca das condições por que passa a PósGraduação no Brasil, em particular, no Estado da Paraíba. No decorrer da discussão, pretende-se mostrar a necessidade de auto-afirmação dos pesquisadores e de programas na região, como medidas de desconcentração da Pós-Graduação, alertando-se para algumas questões, do ponto de vista da teoria do conhecimento e da política, que dizem respeito à ética, quanto ao trato das temáticas de pesquisa na região. Ao discorrer-se sobre as condições de desenvolvimento do Programa de Pós-Graduação em educação, na UFPB, parece razoável tomar-se como ponto de partida a última avaliação patrocinada pela CAPES, envolvendo todos os programas de Pós-Graduação no Brasil. É sabido que a sistemática desenvolvida por esse órgão do MEC sofreu algumas alterações, tanto na composição das comissões de avaliação, como na metodologia utilizada, criando uma maior acentuação das diferenças entre os cursos, em face da eliminação dos sinais de + e - , utilizados nos conceitos anteriores. Nos perfis conceituais, explicita-se a sinalização para a internacionalização do trabalho acadêmico. Nessa direção, GODOY SILVEIRA (1996: 3) argumenta que a exigência da internacionalização do trabalho acadêmico apresenta contradições, seja pela restrição imposta aos profissionais que pretendem realizar seus cursos no exterior, seja pela exigüidade de recursos orçamentários por parte do governo, seja ainda pela pouca inserção nos mecanismos internacionais de divulgação, decorrente também de um intercâmbio frágil entre as várias universidades para mobilizar tal acesso. A reorganização da divisão social do trabalho científico, considerando-se a heterogeneidade da produção no interior de cada área de conhecimento, gera, em conseqüência, uma expectativa de “queimar etapas”. Uma situação complexa de solução tendo em vista, as situações bastante adversas de muitas universidades. Por outro lado, a qualificação e profissionalização de recursos humanos enfrentam, segundo a pesquisadora, um resgate da necessidade de qualificação dos quadros docentes e que busquem o desenvolvimento de atividades de orientação, ensino e pesquisa, implicando maior compromisso institucional e profissional. Aparece, na avaliação da CAPES, o compromisso para com a produtividade, que é reiterado de variadas formas, criando-se uma distinção entre os que trabalham e os que não trabalham no âmbito da instituição. Há, por fim, a questão da qualidade, vislumbrando-se o combate às práticas endógenas interpares, intra-institucional e intra-regional. Todos esses procedimentos merecem análise crítica, a mais rigorosa possível, inclusive, seu rebatimento nas universidades das regiões Norte-Nordeste e Centro-Oeste. Pode-se questionar, por exemplo, o significado da internacionalização, que parece insistir em tornar-se sinônimo de „ser universal‟. Ora, será isto válido para todas as áreas de conhecimento? Até que ponto a padronização da pesquisa e das temáticas é necessária, mesmo sabendo-se que as suas diferenciadas formas 31
LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. Desafios, exigências e limitações do trabalho científico numa perspectiva epistemológica. Brasília, UnB, 1986. 32
Capítulo do livro: Desafios das políticas públicas na virada do século. Stephan Sandkoetrer e Edna Brennand (orgs,). Editora da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa: 2000.
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podem enriquecer, muito mais, a produção do conhecimento? Afinal, para que está servindo esse tipo de conhecimento padronizado, até mesmo em nível internacional? Ou mesmo, para quem está sendo dirigido esse conhecimento? Como anda o conceito de produtividade? A rigor, os mecanismos que estão sendo utilizados pelas políticas públicas não passam de uma mera sinonímia de quantificação. Não será, nesse caso, uma desqualificação e um reducionismo da qualidade posta pelos critérios da própria CAPES? São questões que merecem discussão e debate, mas que não estão pautadas para este momento. O processo de avaliação concebido pela CAPES apresentou ao país alguns dados importantes e, portanto, merecedores de maior divulgação, conforme podem ser observados nas Tabelas 1 e 2. Tabela 1: Distribuição e avaliação dos programas de pós-graduação no Brasil, segundo as regiões geográficas (CAPES, 1996). Região/Conceito/ Situação A B C D E CR SA CN TOTAL NORDESTE SUDESTE SUL NORTE CENTRO-OESTE TOTAL
31 565 74 2 16 688
68 417 86 6 18 595
59 113 30 17 21 240
15 31 10 3 4 63
3 15 6 0 3 27
3 8 2 0 2 15
0 5 1 1 1 8
28 92 39 5 11 175
Distribuição percentual dos programas de pós-graduação stricto sensu por região geográfica NORDESTE 4,5 11,4 24,6 23,8 11,1 20,0 0,0 16,0 SUDESTE 82,1 70,1 47,1 49,2 55,5 53,3 62,5 52,6 SUL 10,7 14,4 12,5 15,9 22,2 13,3 12,5 22,3 NORTE 0,3 1,1 7,1 4,8 0,0 0,0 12,5 2,8 CENTRO-OESTE 2,4 3,0 8,7 6,3 11,2 13,4 12,5 6,3 TOTAL 100 100 100 100 100 100 100 100
207 1246 248 34 76 1811
11,4 68,8 13,7 1,9 4,2 100
Fonte: MEC/CAPES, 1996.
Tabela 2: Relação entre a pós-graduação e a população, de acordo com a região geográfica. Número de Participação Relação no Região Programas Percentual População Distribuição cursos/milhão de hab. Nordeste 207 11,4 42.497.540 28,9 4,87 Sudeste 1.246 68,8 62.740.401 42,7 19,86 Sul 248 13,7 22.129.377 15,1 11,21 Norte 34 1,9 10.030.556 6,8 3,39 Centro-Oeste 76 4,2 9.427.801 6,5 8,06 Total 1.811 100 146.825.675 100 12,33 Fonte: MEC/CAPES (1996) - IBGE (1991). Essas tabelas mostram a grande disparidade de cursos nas diversas regiões. Na região Sudeste situam-se 1.246 ou 68,8% de um total de l.811 cursos, em todo o país. A região Nordeste se apresenta com 207 ou 11,4% desse total. Pode-se observar que os cursos contemplados
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com os conceitos A e B estão concentrados na região Sudeste, apresentando um total de 982 deles, portanto acima de sua média; já no Nordeste, existem apenas 99 cursos com esses conceitos, inferior à média regional. Essas disparidades podem ser observadas, também, através dos dados das tabelas 3 e 4.
Tabela 3: Distribuição regional dos alunos de pós-graduação nas IES federais - l995. Região Matriculados Total M D Absoluto Distrib. % Nordeste 4.646 646 5.292 8,03 Norte 731 117 848 1,29 Centro-Oeste 1.747 293 2.040 3,10 Sudeste 31.425 17.045 48.470 73,53 Sul 7.391 1.868 9.259 14,05 Total 45.940 19.969 65.909 100,00 Fonte: MEC/CAPES/DAV.
Tabela 4: Número de alunos titulados por região geográfica - 1995. Região Mestrado Doutorado Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Total
95 921 6.288 1.563 339 9.206
12 33 2.241 215 26 2.527
Total Total 107 954 8.529 1.778 365 11.733
Percentual 0,91 8,13 72,70 15,15 3,11 100,00
Fonte: MEC/CAPES/DAV. A região Nordeste, segundo a Tabela 3, possui 5.292 ou 8,03% do total de alunos de pósgraduação das IES federais, enquanto que o Sudeste conta com 48.470 ou 73,53% do total desses alunos, que é de 65.909. A Tabela 4 apresenta o número de alunos titulados, constatando-se que de um total de 11.733, a região Nordeste participa com 954 ou 8,13%. Nesse aspecto, as regiões Norte e Centro-Oeste apresentam índices ainda menores. Esses índices caem ainda mais, se forem considerados os percentuais referentes ao nível de doutorado. Esses dados revigoram a seguinte afirmação de PICANÇO (1996: 38): “As conseqüências desse quadro de assimetrias profundas entre as diferentes regiões do país se refletem em todos os níveis das atividades acadêmicas universitárias - o ensino de graduação, a pós-graduação, a pesquisa e a extensão. Além disso, dentro da mesma universidade, em vários casos das regiões Norte e Centro-Oeste, há vários graus de maturação acadêmica, com algumas áreas do conhecimento desprovidas completamente de doutores e com a perspectiva de permanecerem com baixa densidade deles pelo menos pela próxima década - talvez por uma geração inteira”.
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Nesse sentido, devem ser destacadas as considerações de CASSETI 33 e GODOY SILVEIRA (1996: 21) sobre as principais conseqüências geradas pela concentração da pósgraduação e pesquisa no país: 34
“1o. A falta de recursos humanos qualificados suficientes para o desenvolvimento regional, quer em número quer em perfil de adequação aos mercados regionais; 2o. A falta de perspectiva de qualificação, nos requisitos desejáveis, em função não só do número de cursos reduzidos de pós-graduação em uma determinada região, mas também em decorrência de um sistema escolar precário, em níveis anteriores da escolaridade, restringindo a demanda por tais cursos ou mesmo desviando vocações, pela inexistência de cursos localizados mais próximos aos alunos; 3o. A fragilidade da pesquisa, especialmente no NE, CO e N, devido à falta de recursos humanos qualificados ou, quando qualificados, sem condições de competitividade nacional, nos termos do sistema estabelecido; 4o. O desperdício de recursos humanos já qualificados, tolhidos em utilizarem os conhecimentos adquiridos, de forma mais plena, em razão de condições de trabalho insuficientes; 5o. Os impactos negativos sobre o desenvolvimento regional, cujas problemá-ticas não serão enfrentadas com um ensino reprodutivista, sem o componente da investigação enquanto produção de novos conhecimentos; 6o. A evasão de recursos humanos qualificados de uma região, atraídos por outra que lhes ofereça condições de atuação, agravando a fragilidade de uma já frágil pós-graduação e pesquisa na região que sofre as perdas”.
Diante dessa realidade e, possivelmente de suas conseqüências, pode-se perguntar se é desejo das citadas regiões se contraporem a esses dados. Parece sensato que a resposta seja negativa, porém é preciso desconcentrá-los. A região Nordeste, por exemplo, não pode querer tornar-se igual às regiões Sul ou Sudeste, ou a qualquer outra região. Como será possível a negação da história e da cultura de uma dada região? Cada região se constitui de suas peculiaridades e de suas singularidades. Portanto, não se pode anular a identidade de um povo, tornando a diversidade equivalente à identidade, nem transformar em universais aspectos singularmente regionais. Mas a produção científica - o conhecimento - pode ter sua afirmação através da universalização de si mesma. Por isso, não se sustenta a defesa de um regionalismo exacerbado, atitude que corre o risco de ser identificada como mero chauvinismo político. Uma produção científica gerada nessas hostes pode estar desprovida de conhecimento, tornando-se, quiçá, um jogo ideológico. Estabelece-se contudo uma via em que duas setas apontam diferenciados caminhos para a produção do conhecimento, em uma dada região, como o Nordeste. A primeira é a produção de um conhecimento para atender os critérios da avaliação com caráter de universalização; a outra é a produção de um conhecimento que busque uma maior inserção das universidades nas questões das regiões onde estejam instaladas, atendendo as diversas necessidades das comunidades locais. Haverá essa dicotomia? A produção do conhecimento poderá atender apenas uma dessas facetas? Será possível um conhecimento que responda as preocupações ou compromissos sociais das universidades ou de grupos de pesquisas e que também atendam aos critérios de avaliação exigidos pelos formulários dos órgãos avaliadores? 33 34
Vice-Coordenador da Regional Centro-Oeste; Pró-Reitor da UFGO. Vice-Presidente do FOPROP; Pró-Reitora da UFPB.
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Esses critérios de avaliação parecem expressar o desejo de tornar as regiões iguais entre si e, além do mais, o país igual ao dito Primeiro Mundo. A esse respeito, dois problemas, pelo menos, se apresentam: o primeiro é que as pessoas de uma determinada região não foram consultadas se desejam tornar-se iguais às de outras regiões. Em segundo lugar, mesmo que esse fosse seu desejo, necessariamente isto estaria impossibilitado pelas determinações históricas, sociais, políticas e, especialmente, econômicas. O Nordeste não é o Norte, não tem as características de sua economia nem os fatores determinantes de sua história; também não é Centro-Oeste, Sul ou Sudeste. Resta, assim, a cada região o caminho de sua auto-afirmação, de busca de sua autonomia, um caminho de eticidade para a realização do desejo intrínseco ao próprio „ser regional‟, se ele existir, que é a de sua própria liberdade. Os pesquisadores no Nordeste devem lutar por uma liberdade que não é sinônimo de autonomização ou mesmo falta de responsabilidade de seus atos, uma autonomia com todas as conseqüências éticas que advêm do próprio conceito de auto-afirmação. A Pós-Graduação no Nordeste pode desenvolver-se, relacionando-se com o esforço nacional para a realização de pesquisa, porém, diferenciado-se quanto à sua problemática. É imprescindível o interelacionamento com as demais áreas de Pós-Graduação em Educação, porém, auto-afirmando-se através de suas diferenças. A despeito dessa possibilidade de integração, a Pós-Graduação no Nordeste vem paulatinamente perdendo quadros importantes que atuavam na preparação de futuros pesquisadores. As políticas públicas estabelecidas no país, em especial, aquelas referentes à aposentadoria e ao rebaixamento salarial, têm levado as universidades a apresentarem muitos problemas no tocante à formação de pesquisadores. A UFPB, por exemplo, no período de l982 a l989, perdeu 130 mestres e 103 doutores. Já no período de l987 a l989, deixaram a universidade 51 doutores e 53 mestres. Em contrapartida, ingressaram 10 doutores, 42 mestres e 107 professores graduados ou com curso de especialização. No Centro de Educação, que já deteve um contingente de aproximadamente 40 doutores em um total de 130 professores, hoje, este número está reduzido a apenas 13, em exercício efetivo de suas atividades. Mas não são apenas essas as questões que agudizam o quadro da Pós-Graduação na Paraíba e também em outros Estados. Problemas há que dizem respeito à ética dos profissionais. Há, segundo GUIMARÃES & CARUSO (1996: 117), “a evasão de docentes da universidade após a titulação. Docentes que retornam às atividades sem completar os trabalhos de tese (devedores) e docentes que abandonam os cursos (desistentes)”. Segundo os autores, “na experiência da UFPB, entre 1980 e 1990 houve 147 desistências, significando 13,4% de todos os afastamentos no período”(ibid.: 121). No período de 1990 a 1995, do total de 18 doutores que integravam o Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPB, se aposentaram 9, a metade, portanto. Ainda em decorrência da avaliação institucional que se realiza na UFPB 35, constata-se que a Pós-Graduação em Educação apresenta problemas nos seguintes aspectos: reposição do quadro de pesquisadores; comprometimento nas atividades do corpo docente (permanente ou visitante); problemas ligados à motivação e à produtividade dos doutores remanescentes considerando-se que há aqueles que “desistiram” de sua produção acadêmica; comprometimento na oferta de disciplinas e nas características do próprio curso (no caso, educação popular); queda na produção do corpo discente e docente, quanto à publicação dos trabalhos produzidos; necessidade de reestruturação das linhas de pesquisa e sua vinculação aos projetos de pesquisa em andamento; ao sistema das bolsas e quanto aos critérios da avaliação da CAPES. Várias medidas, todavia, vêm sendo tomadas na tentativa de superação desses problemas, podendo-se citar a reestruturação do curso e a ênfase que vem sendo dada à produção docente e discente. Porém, o desafio maior a ser enfrentado pelo curso de Pós-Graduação em Educação, que não diz respeito apenas à Paraíba, mas aos pesquisadores da área, está voltado à dimensão teóricopolítica da pesquisa na educação. Em uma região como o Nordeste, com as condições sociais e políticas bastante conhecidas e onde a educação é tratada, senão com desprezo, pelo menos sem a importância devida, cabe aos pesquisadores colocarem como exigência de seu trabalho científico, pelo menos, três aspectos ou exigências. São aspectos que passam pela necessária reflexão acerca 35
Ver: Programa de Avaliação Institucional. Curso de Mestrado em Educação. Pró-Reitoria de PósGraduação e Pesquisa. Coordenação Geral de Pós-Graduação. João Pessoa, l996.
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da realidade objetiva da região. O que acontece é que, praticamente, se passou a enxergar a realidade de forma distorcida. As pessoas estão tornando-se, cada vez mais, insensíveis diante daquilo que está aos olhos. Estas são questões de fundo essencialmente ético. Nesse sentido, o estudo dessa realidade precisa assumir, com urgência, o ponto de vista da transformação. As exigências para pesquisa pressupõem muita dedicação, muito esforço e trabalho, muito investimento, inclusive financeiro, e muita organização institucional para não se tornar um exercício diletante ou, quem sabe, uma tentativa apenas tentar corrigir o minguado salário. Outra exigência do trabalho científico é a necessidade de independência frente ao poder estabelecido. Vive-se submetido permanentemente ao poder. Sutis mecanismos ideológicos de dominação estão sendo repassados e precisam ser denunciados. Por isso, os mecanismos de avaliação das instituições, por exemplo, os da CAPES, precisam estar sendo submetidos constantemente à crítica. Precisa-se avaliar os próprios indicadores, critérios e metodologias que se pretendem dominantes e buscam submeter todos os cursos de pós-graduação a uma mesma formatação computacional. Não pode prevalecer, entre os pesquisadores, o princípio equivocado da “lei da negociação e do silêncio, pelo receio de reações corporativas dentro da própria comunidade acadêmica”, como diz bem o texto: Decifra-me ou Devoro-te: o enigma de uma avaliação da CAPES 36 , elaborado pelo Grupo de Trabalho do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Além disso, entre os programas de pós-graduação das diversas regiões, especialmente os existentes em uma mesma região, não pode ser fomentada uma política fratricida, firmando-se a luta pelo “meu pirão primeiro” ou a “lei do Gerson”. Trava-se um gládio entre aqueles que se desejam mais parecidos com o rei. No entanto, não é preciso nem necessário tal similitude. A terceira exigência para o pesquisador nordestino parece ser a busca pela liberdade de investigação como uma norma. A construção do conhecimento na região passa por pesquisadores que devem ser convocados a assumirem a responsabilidade científica e social. É isso o que se deve esperar deles: uma prática de pesquisa conduzida pela ética do trabalho, abalizada pela necessidade do desenvolvimento do conhecimento e muito para além das questões imediatas. É preciso firmeza e autonomia no enfrentamento da ideologia dominante. Nesse embate, é necessário que cada curso de pós-graduação seja ele mesmo, com seus defeitos e suas virtudes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL/MEC/CAPES. Relatório de l996. Brasília, l996. BRASIL/MEC/CAPES. Distribuição dos alunos de Pós-Graduação nas IES Federais, 1995. DAV. Brasília, l995. BRASIL/MEC/CAPES. Número de Alunos Titulados por Região Geográfica, l995. DAV. Brasília, l995. RAMALHO, B, L. MADEIRA, M, C. FERREIRA, M, S . OLIVEIRA, M, A. MADEIRA, V, P, C. DECIFRA-ME OU DEVORO-TE: o enigma de uma avaliação da CAPES. Natal, l997, (mimeo). GODOY SILVEIRA, Rosa Maria. Considerações acerca da avaliação da CAPES nos cursos de pós-graduação na UFPB. PRPG/UFPB, João Pessoa, l996, (mimeo). GODOY SILVEIRA, Rosa Maria & CASSETI, Walter. A desconcentração da pós-graduação no Brasil. XII Encontro Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-graduação as Instituições de Ensino Superior Brasileiras ( ENPROP ), João Pessoa, set/l996, (mimeo).
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Este texto é uma análise comparativa entre programas de pós-graduação submetidos à avaliação pelos instrumentos da CAPES, em l996, que colocara os conceitos C e D no Programa de Pós - Graduação em Educação da UFRN, mestrado e doutorado, respectivamente. Segundo a análise do Grupo de Trabalho daquela universidade, esses conceitos poderiam ser outros mais elevados, mesmo mantendo-se os critérios utilizados pela própria CAPES.
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GUIMARÃES, Reinaldo & CARUSO, Nádia. Capacitação docente: o lado escuro da pósgraduação. Discussão da Pós-Graduação Brasileira. Vol 1. Brasília, CAPES, 1996. LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. Desafios, Exigências e Limitações do Trabalho Científico numa perspectiva epistemológica. (Texto publicado no relatório do Seminário Pesquisa e a Política Educacional no Brasil e na América Latina - Tendências e Perspectivas, realizado na Faculdade de Educação da UnB, 17 a 21 de Nov de l986, pp. 43-9. UnB, Brasília, l986. PICANÇO, Cristovão Diniz. Expansão da Pós-Graduação: crescimento das áreas e desequilíbrio regional. Discussão da Pós-Graduação Brasileira. Vol. 1, Brasília, CAPES, 1996. UFPB/PRPG/CGPG. Programa de Avaliação Institucional. Curso de Mestrado em Educação. João Pessoa, l996.
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ENTREVISTA.
ENTREVISTA COM JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO (ZÉ NETO) (ENTREVISTADORAS: Doutorandas Nelsânia Batista da Silva e Lucicléa Teixeira Lins)
Um momento histórico.
Nasceu em Colônia Leopoldina, no Estado de Alagoas, em 16 de janeiro de 1951. Fez seu curso primário nesse município, fazendo o curso ginasial em escola religiosa no Recife. Nesse momento, já com 13 ou 14 anos, aproximou-se dos trabalhos sociais desenvolvidos pelo Colégio. Possivelmente, este tenha sido determinante para que estivesse ao lado das lutas sociais e das classes trabalhadoras, posteriormente, durante toda a sua vida. Fez graduação em Química e em Filosofia, num tempo ainda de impossibilidade de atuação em movimento estudantil, participando aí da luta pela democratização do país, atuando em grupos de esquerda, naqueles momentos, junto ao Partido Comunista Brasileiro e, posteriormente, com grupo de esquerda trotskista como o CLTB – Comitê de Ligação dos Troskistas Brasileiros, tendo se transformado em DS – Democracia Socialista, contribuindo para a organização do Partido dos Trabalhadores, nos Estados da Paraíba, Alagoas e no Distrito Federal. Também atuou na construção da Central Única dos Trabalhadores – CUT – no Estado da Paraíba, a partir de Campina Grande. Teve atuação viva no movimento sindical, participando da antiga Associação do Magistério Público do Estado da Paraíba, tendo sido seu vice-presidente, tendo participado do comando da 1ª. Greve de Servidores Públicos Estaduais, na Paraíba, pela AMPEP, no ano de 1979, em tempos de abertura política mesmo que vigorasse, ainda, a ditadura militar. Isto tudo, inicialmente, em Brasília, onde viera a fazer o Curso Científico no Colégio Marista da Asa Sul. Nos últimos tempos, continua com sua participação em um movimento articulador de movimentos sociais - Assembléia Popular -, trabalhando para a organização de um partido político, Consulta Popular. Na Paraíba, concluiu os cursos de Química, em Campina Grande, e, posteriormente, o curso de Filosofia, em João Pessoa, tendo-o iniciado no Rio de Janeiro. Pode, posteriormente, realizar os cursos de pós-graduação em Química - curso de especialização, UEPB/UFPE, mestrado em educação, na Universidade de Brasília, doutorado em educação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, pós-doutoramento, na Universidade de São Paulo (USP). Exerceu o magistério superior, a partir dos cursos de química, como professor, na década de 80, em Campina Grande, na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), antes denominada Universidade Regional do Nordeste – URNE, tendo sido, também, na década de 1990, professor de ciências no município de João Pessoa. Exerce, atualmente, sua atividade de trabalho na Universidade Federal da Paraíba, desde 1993. Hoje, é professor no Programa de Pós-Graduação em Educação, tendo sido seu coordenador, desenvolvendo pesquisas na área da Educação Popular, no ambiente da economia solidária, na incubadora de empreendimentos solidários – INCUBES. Ainda no Governo do Tarcísio Buriti, foi escolhido pela categoria dos docentes do Estado para participar do Conselho Estadual de Educação e, agora, novamente participando daquele conselho, foi eleito o seu presidente, cargo que está exercendo. Portanto, uma vida que fora dedicada à resistência, com todos que lutaram e lutam pela democratização do país e, sobretudo, com aqueles lutadores da liberdade, na expectativa de que é
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possível a conquista da felicidade, pela emancipação de todos e todas, superando todas as formas de opressão.
Principais ideias no campo da educação popular. As suas principais idéias nesse campo educativo estão plantadas em dimensões ontológicas da própria educação popular. Ele pode trazer para o debata sua visão de Educação Popular, contida, em especial, no texto: Educação Popular – sistema de teorias intercomunicantes. Neste texto, pode explicitar a sua visão de educação popular, podendo melhor esmiuçá-la no mesmo. De forma sintética, pode-se mostrar que este educador pensa a educação popular como um fenômeno de produção e apropriação dos produtos culturais (pelo trabalho), expresso por um sistema aberto de ensino e aprendizagem, constituído de uma teoria de conhecimento referenciada na realidade, com metodologias (pedagogia) incentivadoras à participação e ao empoderamento das pessoas, com conteúdos e técnicas de avaliação processuais, permeado por uma base política estimuladora de transformações sociais e orientado por anseios humanos de liberdade, justiça, igualdade e felicidade. Como sê, é um pensador que caminha no campo da metafísica, pela ontologia, em busca de fundamentos para a educação popular. Para isto, define-a por meio de linhas sustentadoras dessa visão, apresentando a educação popular, inicialmente, como um fenômeno cultural, com um forte sistema de ensino e aprendizagem, caracterizando a sua pedagogia que contempla uma teoria de conhecimento aberta, pois abre-se à realidade mesma, e esta sempre mutante. Sua visão contempla, ainda, um conjunto de metodologias ou como ele mesmo confessa, a pedagogia que tem conteúdos definidos pelo conjunto dos partícipes em atividades de educação popular. Nunca haverá um único definir desses conteúdos e com processos de avaliação sempre contínuas, nunca preso aos marcos positivistas de simplesmente mostrar se alguém sabe ou não. Sempre com chances de mesmo não sabendo, poder aprender logo, logo. Finalmente, uma visão de educação com forte base política, fazendo jus à tradição da educação popular, que sempre se mostrou com uma atitude política própria e voltada às mudanças.
Pensadores e experiências mais presentes na sua atividade educativa. Vários pensadores estão presentes em sua prática pedagógica e nos seus escritos. A menor análise de seu legado para a educação popular, é marcante a presença de Karl Marx, Lenin e Trostky, pelo lado político, além de todo um grupo de marxistas posteriores a esses pensadores centrais dessa corrente de pensamento. Gramsci é um dos mais presentes em seus escritos. Pelo campo da educação popular, não se pode esconder a presença de Paulo Freire, em todos os seus escritos. Sempre procurando a superação desses pensadores, naquilo que sempre esteve fazendo na vida – a luta por liberdade e felicidade. Zé Neto, como sempre fora chamado, esteve sempre ao lado das lutas daqueles com mais necessidade de se tornarem sujeitos de suas próprias histórias.
Algum outro aspecto a destacar.
Algo a mais a se destacar em sua trajetória é a contribuição para outros setores teóricos, com detalhes para o campo da Extensão Universitária. Pelo primeira vez, pode também, contribuir para uma ontologia da extensão universitária, conhecida em todo o país que é a Extensão popular. Para isto, caminhou, pelo pesquisa a uma compreensão do que seja popular, muito para além da visão das décadas de 1970, 1980, onde popular era sinônimo de algo que vem do povo, sem qualquer crítica a isto, esquecendo a ideologia dominante que também domina as mentes populares. Portanto, nem sempre, algo que venha do povo, tem a cara ou a marca do povo, e muito menos, é
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popular. Assim, pode, junto aos movimentos ditos populares firmar a compreensão de popular como expressão de metodologias de relacionamento humano, com uma forte visão filosófica do mundo sempre em permanente mudança. O popular tornou-se, com a sua compreensão, em uma perspectiva de ações que animam o outro para a sua própria mudança para uma consciência crítica do mundo do seu envolto. Hoje, pode-se falar de uma extensão popular, da educação popular, e mais: também já está em discussão as possibilidades de se ter uma Universidade Popular, sem precisar destruir o que a humanidade já construiu, a atual universidade, mas a partir dela, avançar-se para a construção de relações humanas de outra natureza – natureza humana.
Contribuição científica/artística. (VER O CURRÍCULO LATTES )
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ENSAIO 1.
O CONCEITO DE TRABALHO EM MARX37
João Pessoa, Pb set/97
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Monografia de conclusão do Curso de Bacharelado em Filosofia.
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SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO
2. O TRABALHO EM MARX 2.1. O trabalho alienado 2.2. A divisão do trabalho 2.3. O processo de trabalho
3. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 - APRESENTAÇÃO
O presente estudo objetivou a apresentação do conceito da categoria teórica trabalho em Marx. Para a sua realização foram visitadas três obras do autor: Os Manuscritos Econômicos e Filosóficos; A Ideologia Alemã e O Capital, particularmente o. livro I, Volume I, no seu V capítulo. Neste estudo buscou-se identificar a evolução do conceito em Marx, contida inicialmente nos Manuscritos. No livro, A Ideologia Alemã, caracterizou-se a divisão do trabalho e, de forma mais elaborada, em O Capital, o processo de trabalho. Entendeu-se que foi apresentado, de forma lógica e abalizada, o conceito dessa categoria, através da leitura do próprio Marx, tendo nele o ponto de partida do estudo. Este trabalho pretendeu, tão somente, realizar um retorno à formulação de Marx no tocante a uma temática importante teoricamente, tão presente, muito discutida e bastante complexa, vislumbrando, ainda, a possibilidade de contribuir para outras e melhores análises sobre a realidade do mundo do trabalho, para os dias de hoje.
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2. O TRABALHO EM MARX
2.1. O trabalho alienado A discussão sobre a categoria teórica trabalho não é uma novidade para a filosofia nem para a teoria econômica, não tendo sido criação do século XIX, posto que fora apresentada em séculos anteriores. É a partir da concepção de trabalho contida nas obras dos economistas políticos, considerados clássicos, como Ricardo e Smith, bem como nas formulações idealistas dos filósofos alemães, destacando Hegel, que Marx começa a desenvolver sua crítica sobre a formulação teórica desses pensadores de uma forma mais ampla, em particular, sobre o conceito de trabalho. Marx inicia seus manuscritos econômicos e filosóficos aceitando os conceitos utilizados pela economia clássica, tais como: a propriedade privada, os salários, os lucros e arrendamento, a competição, o conceito de valor de trabalho, a separação do trabalho, capital e terra, como também a divisão do trabalho. É sobre essa base empírica, portanto, que constrói a sua crítica. A base empírica conduz o autor (l979: 89) à seguinte constatação: O trabalhador, na perspectiva da economia clássica e sobretudo nas bases do modo de produção estabelecido, o capitalismo, “afunda até um nível de mercadoria, e uma mercadoria das mais deploráveis; que a miséria do trabalhador aumenta com o poder e o volume de sua produção”. Marx destaca ainda que a competição estabelecida no capitalismo gera o acúmulo de capital em poucas mãos restaurando, dessa forma, o monopólio. Enfim, essa dualidade existente entre capitalista e proprietário de terra, em relação ao trabalhador agrícola e operário, “tem de desaparecer”. Nos Manuscritos, o fato econômico considerado é que o trabalhador está ficando mais pobre. Sua pobreza relaciona-se com a sua produção. “O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à medida que cria mais bens. A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento do valor do mundo das coisas” (Ibid.:90). Aqui, aparece um traço das preocupações de Marx em relação às formulações da economia clássica. Enquanto a economia clássica preocupa-se, apenas, com o trabalho na dimensão da produção de mera mercadoria, ou como atividade externa ao homem e gerador de riqueza, toma corpo o mundo humano ou a dimensão humana do trabalho, que surge como um elemento novo, com uma dimensão filosófica fundamental, a ser inserida na sua formulação teórica. Nos clássicos havia uma compreensão do trabalho desprovida dessa dimensão humana, da essência do homem. O trabalho, portanto, “não cria apenas bens; ele também produz a si mesmo e o trabalhador como uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção em que produz bens” (Ibid.: 90). Em Marx, resgata-se o caráter humano do trabalho. É o trabalho como atividade racional humana na produção tanto de bens materiais como de bens espirituais. Assim, Marx inicia a formulação do conceito de trabalho alienado e conseqüentemente de alienação. O objeto produzido pelo trabalho, o seu produto, passa a não mais pertencer ao produtor. Passa a se lhe opor como um “ser alienado”, tornando-se uma força independente do próprio produtor. Ele mostra então que o produto do trabalho “é trabalho incorporado em um objeto e convertido em coisa física; esse produto é uma objetificação do trabalho” (Ibid.: 91). O exercício do trabalho ou a sua execução dá-se, portanto, simultaneamente à sua objetificação. Tem-se então uma das críticas de Marx aos economistas clássicos onde mostra que a execução do trabalho vai aparecer como uma perversão do trabalhador. A objetificação do trabalho, dessa forma, torna-se uma perda e uma servidão em relação ao objeto “e a apropriação como alienação” (Ibid.: 91). É um mecanismo em que o trabalhador não só perde o objeto, resultado de seu trabalho, como também coisas que lhe são essenciais como seu trabalho e até mesmo sua própria vida. Para o autor: “a apropriação do objeto aparece como alienação a tal ponto que quanto mais objetos o trabalhador produz tanto menos pode possuir e tanto mais fica dominado pelo seu produto, o
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capital” (Ibid.: 91). Tudo isso é decorrente do fato de o trabalhador relacionar-se, agora, com o produto de seu trabalho que lhe é alienado. Continuando sua análise sobre a relação entre produtor e objeto alienado, Marx mostra que o trabalhador não pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensorial. E este é o material onde ocorre a concretização do trabalho, onde o produtor atua e por meio de tal ação se produzem as coisas. O trabalhador se converte em escravo do objeto. Em primeiro lugar, por receber: “ um objeto de trabalho, isto é, receber trabalho, e em segundo lugar por receber meios de subsistência. Assim, o objeto o habilita a existir primeiro como trabalhador e depois como sujeito físico” (Ibid.: 92). Essa alienação vai se expressar através da seguinte compreensão: quanto mais ele produzir, menos terá para consumir; quanto mais ele produzir, mais perderá seu valor. Ou, nas palavras de Marx: “Quanto mais inteligência revela o trabalho, tanto mais o trabalhador decai em inteligência e se torna um escravo da natureza” (Ibid.: 92). A análise desenvolve-se sobre o trabalho mas, agora, como fruto da relação entre trabalhador e produção. Essa relação é expressa pelo trabalho. Assim, a alienação passa a ser vista, ao externar-se frente ao resultado da objetificação e, também, frente ao processo de produção, dentro da própria atividade produtiva, ocorrendo no próprio ato da produtividade. Essa alienação do trabalho não é uma simples abstração, uma vez que se caracteriza de várias formas. Em sendo parte da natureza do produtor, com a objetificação, o trabalho se externa ao produtor, ao trabalhador. Passa a apresentar-se não com um sentimento de bem-estar, mas de sofrimento, tornando-se não um ato voluntário mas uma ação imposta e forçada. Ao invés de se constituir em algo gerador de satisfação de uma necessidade, o trabalho se torna apenas meio para satisfazer outras necessidades, sobretudo, porque é um trabalho que pertence a outros e não mais ao trabalhador. Tudo isto dimensionará o trabalho alienado com as seguintes características: a primeira destaca essa relação do trabalhador com o produto de seu trabalho, expressando-se como objeto que lhe é estranho e que o domina; a segunda diz respeito à relação do trabalho como ato de produção dentro do próprio trabalho, caracterizando-se, dessa forma, como uma auto-alienação. A partir daí, Marx introduz uma terceira característica do trabalho alienado, gerada das anteriores, que é a seguinte: “O homem é um ente-espécie (consciente não apenas de si mesmo como um indivíduo, mas da espécie ou „essência humana‟) não apenas no sentido de que ele faz da comunidade (sua própria, assim como as de outras coisas) seu objeto, tanto prática quanto teoricamente, mas também (e isso é simplesmente outra expressão da mesma coisa) no sentido de tratar-se a si mesmo como a espécie vivente, atual, como um ser universal conseqüentemente livre” (Ibid.: 95).
A dimensão de universalidade, requerida por Marx para o homem, está justificada considerando-se a base física. Nessa base, a espécie humana vive da natureza inorgânica, a qual torna o homem mais universal que um animal. Há, portanto, todo um movimento teórico de demonstração dessa universalidade, expresso também na prática por duas outras dimensões, ou seja: “Como meio direto de vida, e, igualmente, como o objeto material e o instrumento de sua atividade vital” (Ibid.: 95). Assim, pode afirmar-se que a vida tanto física como mental do homem e a natureza são interdependentes. Significa dizer que a natureza é interdependente em relação a si mesma, já que o homem é parte dessa natureza. Além disso, como qualquer outra espécie na natureza, o homem é um produto dessa natureza, sendo também por ela limitado. Mas ao homem se torna possível superar os limites impostos e, assim, subordinar ao seu poder a própria natureza. Ao homem se torna possível a transformação desse conjunto denominado de “corpo inorgânico”. É isto, inclusive, que o distinguirá como espécie das demais espécies de animais. Marx encontra uma perfeita sincronia nos processos de alienação que estão ocorrendo nesse nível da natureza e da espécie, afirmando:
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“Tal como o trabalho alienado: 1) aliena a natureza do homem e 2) aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital, assim também o aliena da espécie. Ele transforma a vida da espécie em uma forma de vida individual. Em primeiro lugar, ele aliena a vida da espécie e a vida individual, e posteriormente transforma a segunda, como uma abstração, em finalidade da primeira, também em sua forma abstrata e alienada” (Ibid.: 95).
A vida produtiva é, portanto, a vida da espécie. Assim, observa-se também que é no tipo de atividade vital onde reside o caráter de uma espécie, o seu caráter como espécie. Nesse sentido, o caráter da espécie dos seres humanos se evidencia pela atividade livre e consciente. O animal, como se sabe, não distingue a si mesmo de sua atividade vital. Ele é sua própria atividade. No homem isso não ocorre, considerando que ele faz de sua atividade vital um objeto tanto de sua vontade como de sua consciência. Sua atividade vital é consciente. É isto que o distinguirá das atividades vitais dos demais animais e se constituirá como um ente-espécie. A esse respeito, afirma Marx: “Ou antes, é apenas um ser autoconsciente, isto é, sua própria vida é um objeto para ele, porque ele é um ente-espécie. Só por isso, a sua atividade é atividade livre. O trabalho alienado inverte a relação, pois o homem, sendo um ser autoconsciente, faz de sua atividade vital, de seu ser, unicamente um meio para sua existência” (Ibid.: 96). O homem é um ente-espécie, exatamente por seu trabalho exercido sobre o mundo objetivo. Essa produção é, em conseqüência, a sua vida ativa como espécie e, graças a ela, a natureza se apresenta como trabalho e realidade do ser humano. Marx, então, define o objetivo do trabalho: “A objetificação da vida-espécie do homem, pois ele não mais se reproduz a si mesmo apenas intelectualmente, como na consciência, mas ativamente e em sentido real, e vê seu próprio reflexo em um mundo por ele construído. Por conseguinte, enquanto o trabalho alienado afasta o objeto da produção do homem, também afasta sua vida-espécie, sua objetividade real como ente-espécie, e muda a superioridade sobre os animais em uma inferioridade, na medida em que seu corpo inorgânico, a natureza, é afastado dele” (Ibid.: 96). Dessa forma, o trabalho alienado transforma tanto a atividade livre e dirigida pelo próprio indivíduo em um meio, quanto a vida do homem, como membro da espécie, também em um meio de existência física. Em consequência, o trabalho alienado aliena o homem de seu próprio corpo, a natureza intrínseca de sua vida mental e de sua vida humana. Além disso, o homem é alienado por outros homens, significando que, enquanto cada um é alienado por outros, cada um dos outros é alienado da vida humana. Segundo Marx, “o que é verdadeiro quanto à relação do homem com seu trabalho, com o produto desse trabalho e consigo mesmo também o é quanto à sua relação com outros homens, com o trabalho deles e com os objetos desse trabalho” (Ibid.: 97). O conceito de trabalho alienado, em Marx, teve início não a partir de formulações meramente ideais, mas basicamente de um fato econômico e, portanto, possível de se expressar e de se revelar na realidade. Esse trabalho passa a pertencer a um ser estranho, que não o trabalhador. Para Marx, a esse ser estranho pertencem tanto o trabalho como o produto deste. A esse ser estranho o trabalho é devotado, a ele se destina o produto do trabalho. Esse ser estranho, em não sendo nem os deuses nem a natureza, só pode ser o próprio homem. Nesse sentido, afirma: “Toda autoalienação do homem, de si mesmo e da natureza, aparece na relação que ele postula entre os outros homens, ele próprio e a natureza” (Ibid.: 98).
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O trabalho e o capital se tornam estranhos um para o outro. Relacionam-se contudo de maneira acidental e externa, mas isso se externa na realidade. Com essa separação, se capital não existe mais para o trabalhador, este deixa de existir para si e conseqüentemente a existir não mais como ser humano podendo, portanto, não ter mais trabalho ou salário e, assim, morrer à míngua. Nas palavras do autor: “O trabalhador só é trabalhador quando existe como capital para si próprio, e só existe como capital quando há capital para ele. A existência do capital é a existência dele, sua vida, visto determinar o conteúdo de sua vida independentemente dele” (Ibid.: 103).
Dessa forma, a produção da atividade humana, o trabalho, se torna estranha a si mesmo, ao homem e à natureza, e também estranha tanto à consciência do homem como à possibilidade de realização da vida humana. Numa situação como essa, perde-se o significado de trabalho social como expressão genuína da vida comunal. Marx mostra a existência de um disfarce na compreensão de trabalho na economia clássica, no sentido de que, mesmo tendo o trabalho como um princípio, conduz a uma negação do homem. O trabalho fundamental é, então, o resgate da dimensão humana do próprio trabalho com a superação daquilo que está gerando essa negação. Isso se torna possível com a superação da propriedade privada, possibilitando-se que o processo de trabalho passe a produzir não só objetos materiais como também o próprio homem, a si mesmo e aos outros homens. É uma existência que tem o homem como sujeito, constituindo-se em ponto de partida e resultado desse movimento. Resgata-se, assim, a dimensão social do trabalho. O trabalho social vai se constituindo como expressão de um caráter social como caráter universal de todo esse movimento, em que a sociedade, ao mesmo tempo que produz o homem, também é produzida por ele. Dentro dessa visão, Marx compreende que: “A atividade e o espírito são sociais em seu conteúdo, assim como em sua origem; eles são atividade social e espírito social. A significação humana da natureza só existe para o homem social, porque só neste caso a natureza é um laço com outros homens, a base de sua existência para outros e da existência destes para ele. Só, então, a natureza é a base da própria experiência humana dele e um elemento vital da realidade humana” (Ibid.: 118). Esse movimento torna a existência natural do homem a sua própria existência humana. A natureza, por sua vez, também se torna humana para ele. A sociedade, como conseqüência, é expressão do produto da união entre a natureza e o homem, realizando um naturalismo no próprio homem e um humanismo na própria natureza. A necessidade da realização do naturalismo no homem e o humanismo na natureza será de outra forma apresentada por Marx e Engels1 ao analisarem as bases das questões que eram postas pela filosofia idealista alemã. Suas críticas vão mostrando de como estavam fora da realidade e promovendo a divisão do trabalho.
2.2. A divisão do trabalho
Acompanhando a evolução do conceito de trabalho em Marx, pode-se destacar, em sua obra, a preocupação teórica permanente. Em sua época, ao desenvolver a crítica sobre a ideologia, especialmente sobre a ideologia alemã, mostra que os filósofos de então não colocam
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suas questões a partir do meio material. Uma crítica era sempre colocada em relação ao pensamento idealista alemão da época. Para Marx: “A nenhum destes filósofos ocorreu perguntar qual era a conexão entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a conexão entre a sua crítica e o seu próprio meio material” (l996: 26). Ele exige na sua formulação conceitual, não só em relação ao conceito em estudo mas a toda sua obra, que os pressupostos de análise não sejam dogmas ou arbitrariedades mas que tenham como ponto de partida sempre o meio material, fugindo de um fazer abstrato que vive preso puramente à imaginação. Pensa a partir de indivíduos reais, de sua ação, bem como de suas condições materiais de vida, tanto aquelas já existentes como as produzidas por sua ação. Nesse sentido, declara: “O primeiro ato histórico destes indivíduos, pelo qual se distinguem dos animais, não é o fato de pensar, mas o de produzir seus meios de vida” (Ibid.: 27)1. Em Os Manuscritos, Marx inicia a conceituação da categoria trabalho e destaca o trabalho alienado; já em A Ideologia Alemã aparece com maior destaque a questão da divisão do trabalho. Historicamente vai sendo mostrado como tem ocorrido a separação entre o trabalho industrial e comercial, de um lado, e o trabalho agrícola, de outro. Essa divisão gera a separação entre a cidade e o campo e, como conseqüência, os conflitos decorrentes da diferenciação dos interesses que estão em campos opostos. O trabalho industrial, ou mesmo o trabalho comercial, também apresenta sua separação interna. Nessa linha de raciocínio, afirma o autor: “Ao mesmo tempo, através da divisão do trabalho dentro destes diferentes ramos, desenvolvem-se diferentes subdivisões entre os indivíduos que cooperam em determinados trabalhos. A posição de tais subdivisões particulares umas em relação a outras é condicionada pelo modo pelo qual se exerce o trabalho agrícola, industrial e comercial (patriarcalismo, escravidão, estamentos e classes). Estas mesmas condições mostram-se ao se desenvolver o intercâmbio entre as diferentes nações” (Ibid.: 29).
Constituindo-se de várias fases do desenvolvimento, a divisão do trabalho gera diferenciadas formas de propriedades e que, segundo o autor: “cada nova fase da divisão do trabalho determina igualmente as relações dos indivíduos entre si, no que se refere ao material, ao instrumento e ao produto do trabalho” (Ibid.: 29). Assim, a primeira forma de propriedade apresentada é a propriedade tribal, uma fase da sociedade em que um povo se alimenta da caça, da pesca, da criação de gado e da agricultura. Nesta fase de desenvolvimento, a divisão do trabalho se apresenta pouco expressiva, resumindo-se “ a uma maior extensão da divisão natural no seio da família. A estrutura social limita-se, a uma extensão da família: os chefes patriarcais da tribo, abaixo deles os membros da tribo e finalmente os escravos” (Ibid.: 30). A segunda forma de propriedade é a comunal e estatal, encontrada na antiguidade, e que provém da reunião de tribos formando a cidade, gerada por contrato ou mesmo pela conquista. Destaque-se que mesmo aí ainda subsiste a escravidão. Marx observa que, ao lado desse estilo de propriedade, surge a propriedade móvel e, mais tarde, a imóvel, embora como forma estranha ao que está estabelecido como modelo, porém mantida subordinada à propriedade comunal. Este tipo de propriedade privada, ainda coletiva, vai perdendo espaço com o surgimento da propriedade privada imóvel. Com isso, a divisão do trabalho é mais desenvolvida. Estabelece-se, por outro lado, com maior radicalidade a divisão entre o campo e a cidade, em particular quanto aos seus interesses. Segundo Marx: “ encontramos no interior das próprias cidades a oposição entre o comércio marítimo e a indústria. As relações de classe entre cidadãos e escravos estão agora completamente desenvolvidas” (Ibid.: 31). O desenvolvimento da propriedade privada irá provocar, por sua vez, relações sociais (a concentração de terra, por exemplo) que estarão presentes na propriedade privada moderna, agora, com maior intensidade. A terceira forma de propriedade gerada da divisão do trabalho é a feudal ou estamental. Se na antiguidade partia-se da cidade, na Idade Média partia-se do campo. Isto resultava
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da existência de populações dispersas e disseminadas pelo campo e para as quais os conquistadores nada trouxeram de incremento, tendo como conseqüência essa virada de ponto de partida. Marx explica essa mudança da seguinte maneira: “Ao contrário da Grécia e de Roma, o desenvolvimento feudal inicia-se, pois em terreno muito mais extenso, preparado pelas conquistas romanas e pela expansão da agricultura e está, desde o começo, com elas relacionado. Os últimos séculos do Império Romano em declínio e as próprias conquistas dos bárbaros destruíram grande quantidade de forças produtivas; a agricultura declinara, a indústria estava em decadência pela falta de mercados, o comércio adormecera ou fora violentamente interrompido, a população, tanto a rural como a urbana, diminuíra. Essas condições preexistentes e o modo de organização da conquista por elas condicionado fizeram com que se desenvolvesse, sob a influência da organização militar germânica, a propriedade feudal” (Ibid.: 34). A comunidade (classe) agora responsável pela produção não era mais a escrava, como nos sistemas antigos, mas composta dos pequenos camponeses servos da gleba. O desenvolvimento dessa forma de propriedade aprofundará a oposição entre as cidades. Marx mostra que “ a essa estrutura feudal da posse da terra correspondia, nas cidades, a propriedade corporativa, a organização feudal dos ofícios. Aqui, a propriedade consistia, principalmente, no trabalho de cada indivíduo” (Ibid.: 34). A divisão do trabalho se apresenta na época feudal de forma diferenciada na propriedade territorial, “locus” do trabalho dos servos. Outro aspecto dessa divisão é o trabalho próprio com pequeno capital que dominaria o trabalho dos oficiais. Ambas as formas estão condicionadas pela limitada produção resultante do difícil cultivo da terra e também pela indústria do tipo artesanal. Se, por um lado, a divisão do trabalho na agricultura tornava-se mais difícil devido ao cultivo parcelado, gerando uma indústria doméstica de camponeses, por outro lado, na indústria, a divisão do trabalho ocorria dentro de cada ofício. A divisão do trabalho possibilitará que tanto a atividade material como a espiritual, isto é, a atividade e o pensamento (atividade sem pensamento e pensamento sem atividade) desloquem-se para indivíduos diferentes. Segundo Marx: “ a possibilidade de não entrarem esses elementos em contradição reside unicamente no fato de que a divisão do trabalho seja novamente superada” ( Ibid.: 46). Com a divisão do trabalho, todas essas contradições estão presentes e concentradas na divisão do trabalho na família e entre as várias famílias que compõem uma sociedade. Ocorre, assim, uma divisão entre as famílias que, além do mais, é desigual, quantitativa e qualitativamente, tanto em relação ao trabalho como ao seu produto. Tem-se, então, com a divisão do trabalho, a contradição entre o interesse do indivíduo ou da família e o interesse coletivo daqueles indivíduos que se relacionam entre si. A esse respeito, Marx conclui: “Desde que há cisão entre o interesse particular e o interesse comum, desde que, por conseguinte, a atividade está dividida não voluntariamente, mas de modo natural, a própria ação do homem converte-se num poder estranho e a ele oposto, que o subjuga ao invés de ser por ele dominado. Com efeito, desde o instante em que o trabalho começa a ser distribuído, cada um dispõe de uma esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe é imposta e da qual não pode sair; o homem é caçador, pescador, pastor ou crítico crítico (crítica à Bruno Bauer), e aí deve permanecer se não quiser perder seus meios de vida” (Ibid.: 47). O aprofundamento da divisão do trabalho terá como conseqüência imediata, resultante da contradição entre as cidades, o nascimento das manufaturas e a superação dos limites
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da produção corporativa de então. Isso foi possibilitando uma maior diversidade de relações comerciais entre as cidades e entre as nações. Estabeleceram-se, paulatinamente, as regras de todos os tipos de comércio e também os direitos alfandegários, tributos impostos pelos senhores feudais aos comerciantes que atravessavam seus territórios. Pode-se ver, ainda, no caso da família, que o indivíduo está ligado por laços da própria família ou da tribo ou mesmo do solo, mas também há as relações de troca entre as famílias, entre tribos, nações ou mesmo entre indivíduos. Na primeira situação, a troca ocorre entre a natureza e o homem, uma troca expressa pelo trabalho dos primeiros e os produtos da natureza; na segunda situação, o que ocorre é uma troca entre os próprios indivíduos. Na primeira situação não existe a separação entre a atividade corporal e a atividade espiritual, enquanto que na segunda essa divisão está, praticamente, realizada. Marx esclarece: “ No primeiro caso, a dominação do proprietário sobre os não proprietários pode descansar nas relações pessoais, numa espécie de comunidade; no segundo caso, deve ter tomado uma forma reificada em uma terceira coisa, o dinheiro” (Ibid.: 102). A divisão do trabalho arrasta consigo a divisão das condições de trabalho, das ferramentas e dos materiais e também a fragmentação do capital entre diferentes proprietários. Estabelece-se, conseqüentemente, a divisão entre trabalho e capital e as diferentes formas de propriedade. Há um processo sincronizado de divisão de trabalho e o aumento da acumulação. Emerge uma fragmentação cada vez mais aguda. Marx conclui afirmando que: “ o próprio trabalho só pode subsistir sob o pressuposto dessa fragmentação” (Ibid.: 104).
2.3. O processo de trabalho Continuando a análise da realização do trabalho como expressão de um processo, Marx detem-se, não apenas, no processo de trabalho como expressão de um processo de produzir valores de uso. Não será possível a compreensão dessa categoria, sem a compreensão da dialeticidade existente nesse processo e de que forma se dá essa produção de valores de uso. Nessa perspectiva, ele sugere a identificação do trabalho com o próprio mecanismo de utilização da força de trabalho. Para ele (1982: 201), “ a utilização da força de trabalho é o próprio trabalho”. Assim é que o comprador da força do trabalho passa a consumi-la, enquanto que o seu vendedor apenas trabalha. Ao trabalhar, ocorre a superação daquilo que estava existindo no sujeito apenas de forma potencial. Agora esse sujeito é um trabalhador e detém a força de trabalho em ação. Ora, essa força de trabalho em ação irá transformar as coisas que passam a apresentar uma finalidade, atender a uma necessidade seja de qualquer ordem, tornando-se mercadorias. Mas essa produção de mercadoria não acontece de forma espontânea ou mesmo arbitrária. Na verdade, está sob o controle daquele que determina que seja produzida tal ou qual mercadoria - o capitalista - produzindo o trabalho um valor de uso particular ao seu artigo também específico. Assim, a realização do trabalho, agora em valor de uso, transformação de algo em mercadoria, só torna possível o seu entendimento a partir da visão de trabalho como processo, que é assim definida por Marx: “O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana” (Ibid.: 202).
Essa ação sobre a natureza externa é transformadora não só em relação à natureza que lhe é externa, mas também quanto à sua própria natureza. Sugere-se um “acordar” das
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potencialidades da natureza, porém submetendo-a a seu próprio domínio. Essa conformação do trabalho é uma pressuposição exclusivamente humana. Não se trata do trabalho de outros animais como a abelha, ou a aranha, por exemplo, que não planejam as suas atividades. Realizam-nas, apenas, instintivamente. O humano imprime sobre a natureza o seu desejo de realização do trabalho. É capaz de realizar aquilo que anteriormente passara por sua consciência, sem contudo deixar de entender a anterioridade da realidade sobre a consciência. Ao definir o trabalho como um processo, Marx apresenta os elementos constituintes desse processo que são os seguintes: “ 1) a atividade adequada a um fim, isto é o próprio objeto; 2) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; 3) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho” (Ibid.: 202). Com esse detalhamento dos elementos constituintes do processo de trabalho, Marx vê a terra e os meios de subsistência que são apresentados ao homem como “objeto universal do trabalho do homem”. Mas, há, na natureza, coisas que são separadas do trabalho e de seu meio natural. Essas coisas constituem-se nos objetos do trabalho que são, por sua vez, fornecidos pela própria natureza. O objeto de trabalho, em sendo produzido a partir de trabalho anterior, passa a ser chamado de matéria-prima. Nesse sentido, é que nem toda matéria-prima é objeto de trabalho, assim como nem todo objeto de trabalho é matéria-prima. O objeto de trabalho pode ser considerado como matéria-prima após ter sido transformado pelo trabalho. O outro elemento dessa dialeticidade do trabalho é o meio de trabalho, assim definida: “O meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas, que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto” (Ibid.: 203). Todavia, o trabalhador aproveita as propriedades físicas, químicas e mecânicas das coisas para fazê-las atuarem como forças sobre outras coisas. Portanto, aquilo de que o trabalhador se apossa, excluindo os fornecidos pela natureza, torna-se não o objeto de trabalho, mas o meio de trabalho. Ao adicionar essas outras coisas à sua própria força, estará aumentando sua própria força corporal e natural. O desenvolvimento da humanidade dá-se também no sentido de, cada vez mais, exigir meios de trabalho mais elaborados. Para Marx: “ Os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho” (Ibid.: 204). Por sua vez, são esses meios de trabalho, usados ou produzidos pelo homem, que irão caracterizar esse processo como estritamente trabalho humano. Os meios de trabalho apresentam, contudo, uma maior abrangência conceitual, considerando-os como tal todas as condições materiais, que sejam necessárias para a realização do processo de trabalho. Assim, a terra continua sendo um meio de trabalho considerado universal, já que oferece o local ao trabalhador. Mas, num sentido amplo, constituem-se ainda em meios de trabalho, aqueles resultantes de trabalho anterior. Nesse caso, as estradas, os edifícios, as fábricas, etc. são meios de trabalho. A atividade humana sobre a natureza, no processo de trabalho, realiza uma transformação. Essa transformação apresenta um determinado fim sobre o objeto, através do instrumental de trabalho. O processo é concluído ao realizar-se no produto. Portanto, o produto é expressão da conclusão do processo de trabalho humano sobre a natureza. Esse produto, conforme esclarece Marx, só terá sentido se atender a uma necessidade humana: “ O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou. Concretizou-se e a matéria está trabalhada. O que se manifestava em movimento, do lado do trabalhador, se revela agora qualidade fixa, na forma de ser, do lado do produto. Ele teceu e o produto é um tecido. Observando-se todo o processo do ponto de vista do resultado, do produto, evidencia-se que meio e objeto de trabalho são meios de produção e o trabalho é trabalho produtivo” (Ibid.: 205).
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O valor de uso se expressa do processo de trabalho como um produto. Nesse processo de produção, esse valor arrasta consigo vários produtos, assim como outros meios de produção e também outros valores de usos, se constituindo como tal em processos de trabalhos anteriores. Assim é que um valor de uso se torna meio de produção de outro. Tem-se, portanto, que produtos constatados como meio de produção são, normalmente, melhor compreendidos como um produto, sendo também condição de processo de trabalho. Os materiais utilizados no processo de trabalho passam a ser muito diferenciados, sendo alguns deles subsumidos pelo próprio processo. O meio de trabalho pode, inclusive, consumir o material acessório, presente em um processo de trabalho em que a matéria-prima é a substância principal. Essa diferença entre matéria-prima e matéria-assessória desaparece nos processos de fabricação ou em processos de transformações químicas, por exemplo. As reações tidas como irreversíveis não mais recuperam os materiais anteriores ao processo. Elas são transformadas em novo produto eliminando, portanto, as diferenciações existentes no início do processo. Reaparecem, contudo, como um novo produto. Muitas dessas matérias apresentam uma diversidade de propriedades e podem também aparecer em variados processos de trabalho, por exemplo, o carvão. Um produto assim pode aparecer útil num processo de trabalho, servindo como meio de trabalho e também como matéria-prima. Assim, uma máquina que esteja sem operacionalidade não serve para um processo de trabalho e se torna inútil. Nessa perspectiva, Marx busca eliminar esse tipo de trabalho nela colocado para tornar-se máquina e considera a importância fundamental daquilo que foi, denominando-o de trabalho vivo. Trabalho vivo que precisa “apoderar-se” das coisas e retirá-las do estado de inércia, inserindo-as valores de uso reais e efetivos. Simbolicamente, Marx assim se expressa: “ O trabalho, com sua chama, delas se apropria, como se fossem partes do seu organismo, e de acordo com a finalidade que o move lhes empresta vida para cumprirem suas funções; elas são consumidas, mas com um propósito que as torna elementos constitutivos de novos valores de uso, de novos produtos que podem servir ao consumo individual como meios de subsistência ou a novo processo de trabalho como meios de produção” (Ibid.: 208). Os produtos desse trabalho anterior, contudo, só se realizam nesse processo como valores de uso, estando em contato com o trabalho vivo. Um trabalho útil para a realização de novos produtos e novas transformações. O trabalho é um processo de consumo, visto que gasta os elementos materiais, tanto os seus objetos como os seus meios. É, entretanto, um consumo produtivo que muito se diferencia do consumo do indivíduo, o qual gasta os materiais como meio de sua sobrevivência. Já o primeiro consome os meios que possibilitam o funcionamento da força de trabalho “posta em ação pelo indivíduo”. O trabalho consome produtos para gerar outros produtos. Pode também se utilizar de produtos para torná-los meios de produção de novos produtos. Esse processo, cheio de elementos abstratos e simples, é assim definido: “ Atividade dirigida com o fim de criar valores de uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais” (Ibid.: 208). O processo de trabalho, nas mãos dos capitalistas, apresenta duas questões. A primeira diz respeito ao zelo do capitalista no sentido de que o trabalho se realize da maneira mais apropriada possível, com melhor aplicação dos meios de produção, ausência total de desperdício da
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matéria-prima e manutenção do instrumental de trabalho. A segunda é o fato de que o produto desse processo de trabalho pertence ao capitalista e não ao produtor imediato, o trabalhador. O capitalista o detém como uma compra idêntica a qualquer outra mercadoria do mercado. A força de trabalho do trabalhador, como mercadoria, é negociada nas mesmas bases de qualquer outra mercadoria, como o aluguel de outro animal que foi alugado por um determinado tempo. Ao trabalhador está reservada a luta do retorno de seu trabalho para si mesmo, expressão de um processo de resgate de sua própria existência humana.
3. CONCLUSÃO A discussão em torno do conceito de trabalho na obra de Marx traz vários aspectos constituintes da teoria do materialismo filosófico e não apenas possíveis variações interpretativas. Pode-se dizer que o resgate do trabalho como uma categoria, que se tornou chave na sua obra, estabeleceu-se com a descoberta da relação do trabalho na formação do homem e da história. Tornou-se fundamental, nas formulações de Marx, a perspectiva do trabalho na perspectiva histórica. Isto possibilitou uma visão bem além do papel assumido pela atividade produtiva no atual modelo de sociedade. Marx apresenta ainda o problema da relação entre o indivíduo e sociedade, buscando a superação das formulações idealistas representadas, particularmente, por Hegel. Supera essas formulações ao mostrar a relação e não a separação entre o indivíduo e a sociedade, ou ainda, a criação de um ente autônomo como sociedade, defendidas nas análises dos pensadores idealistas. Nas obras aqui expostas, reafirma-se a unidade entre o indivíduo e a sociedade. Evita-se uma fixação na sociedade como uma abstração e reafirma-se o indivíduo como um ser social. Suas manifestações de vida em comum e realizadas simultaneamente com os outros indivíduos, tanto expressam como reafirmam a vida social, possibilitada, necessariamente, pelo trabalho. Surge a criação da sociedade como fruto das relações que são colocadas em existência e condicionadas pela produção material do indivíduo. Ao postular o trabalho como o responsável por esse processo criador, Marx também demonstra o papel do trabalho no processo da universalidade do homem, ao resgatá-lo como sujeito do conhecimento e da história. Enfim, a sua essência, no sentido metafísico e absoluto antes defendido pela filosofia idealista, inexiste de fato. O trabalho, por sua vez, será externado como uma atividade que se dirige para a satisfação de uma necessidade. Esta não acontece de imediato, porquanto se realiza através de uma mediação. Ao homem cabe essa mediatização e sua regulação, controlando o intercâmbio orgânico entre si e a natureza. Através do trabalho, o homem também humaniza os próprios sentidos. Sua atividade de consciência, sua consciência formada com base nas relações sociais promovidas pelo trabalho se torna condição da natureza social do homem. Sua existência está condicionada e só tem sentido enquanto consciência social, portanto, condicionada e posta em existência pela sociedade. Marx desmitifica o trabalho como um produto de indivíduo e o qualifica como trabalho social, como uma propriedade do trabalho que consiste na inseparável ligação da atividade laboral, pura e simples, com a forma social da existência do homem. Finalmente, é preciso resgatar-se a dimensão do trabalho com a característica de humanização da natureza e do próprio homem. No momento atual, em que estão se tornando tão escassas as possibilidades do trabalho, pondo em risco a vida do trabalhador e promovendo ainda
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mais a desumanização, este deve ser o brado e a ação do filósofo na busca incessante pela realização de um mundo humanizado.
Notas _____________
1. Nas citações da Ideologia Alemã de Marx e Engels, contidas nesta monografia, aparecerá apenas o nome de Marx .
2. Ver maiores detalhes sobre a questão nas notas desenvolvidas por Engels, no Manifesto Comunista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Livro Primeiro, Volume I, 8a. edição. Tradução de Reginaldo Sant‟Anna, Difel, São Paulo, l982. __________. Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844. In Erich Fromm. Conceito Marxista do Homem. 7a. ed. Zahar Editores, Rio de Janeiro, l979. MARX, Karl & ENGELS, F . A Ideologia Alemã. 10o. edição. Editora Hucitec. São Paulo, l996.
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6. 2 - TEXTOS DIDÁTICOS
TEXTO1 O TRABALHO EM MARX
APRESENTAÇÃO
1. Os motivos da escolha temática: a) o próprio trabalho b) o desenvolvimento do grupo de pesquisa; c) as análises teóricas, hoje, sobre a teoria do trabalho como categoria principal. 2. o conceito de trabalho em Marx: a) os manuscritos econômicos e filosóficos b) a ideologia alemã c) o capital - no capítulo V do livro I vol, I 3. A proposta do trabalho: realizar um retorno à formulação de Marx sobre a temática.
4. Desenvolvimento teórico:
A - O trabalho em Marx;
O método de abordagem - crítica O trabalho como expressão da crítica a Smith e Ricardo; aceitando conceitos como propriedade privada, salários, lucros e arrendamento, competição, o conceito de valor de trabalho, a separação do trabalho, capital e terra, como a divisão do trabalho. sua constatação: “o capitalismo - afunda até um nível de mercadoria, e uma mercadoria das mais deploráveis; que a miséria do trabalhador aumenta com o poder e o volume de sua produção”. “O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à medida que cria mais bens. a desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento do valor do mundo das coisas”
TESE IMPORTANTE: o surgimento de algo novo, com uma dimensão filosófica fundamental, que é o mundo humano ou a dimensão humana do trabalho. O trabalho alienado. O objeto produzido pelo trabalho, o seu produto, passa a não mais pertencer ao produtor. Passa a se lhe opor como um “ser alienado” e uma força independente de seu produtor.
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Tem-se a objetificação do trabalho, dessa forma, torna-se uma perda e uma servidão em relação ao objeto e a apropriação como alienação. “Para Marx: a apropriação do objeto aparece como alienação a tal ponto que quanto mais objetos o trabalhador produz tanto menos pode possuir e tanto mais fica dominado pelo seu produto, o capital”. O trabalhador como escravo do objeto: primeiramente, por receber trabalho e em segundo lugar, por receber meios de subsistência. a alienação acontece: a) o trabalho se externa ao trabalhador b) um trabalho que pertence a outros, uma autoalienação c) o homem é um ente-espécie (há a individualização); o homem é mais universal que um outro animal qualquer. O trabalho alienado o aliena da espécie
A ANTÍTESE EM MARX: o homem apresenta uma atividade vital consciente e isto o distinguirá dos demais animais. Isto o constituirá como um ente-espécie. O trabalho alienado aliena o homem de seu corpo e mais: de sua vida humana como um enteespécie. Em Marx, “toda auto-alienação do homem, de si mesmo e da natureza, aparece na relação que ele postula entre os outros homens, ele próprio e a natureza”. Nesse movimento, o trabalho e o capital se tornam estranhos um para o outro. Relacionam-se contudo de maneira acidental e externa, mas isso se externa na realidade. Com essa separação, o capital não existe mais para o trabalhador, este deixa de existir para si e conseqüentemente a existir não mais como ser humano podendo, portanto, não ter mais trabalho ou salário e, assim, morrer à míngua. COMO SÍNTESE: Marx mostra que o trabalho realiza a vida humana. Numa situação de alienação, ele perde o significado de trabalho social, como expressão genuína da vida comuna. Resgate da humanização necessária da natureza e a naturalização do humano.
B) A DIVISÃO DO TRABALHO O resgate da realidade como ponto de partida. Combate ao idealismo. Destaque à divisão do trabalho: “ao mesmo tempo, através da divisão do trabalho dentro destes diferentes ramos, desenvolvem-se diferentes subdivisões entre os indivíduos que cooperam em determinados trabalhos. A posição de tais subdivisões particulares umas em relação a outras é condicionada pelo modo pelo qual se exerce o trabalho agrícola, industrial e comercial (patriarcalismo, escravidão, estamentos e classes). Estas mesmas condições mostram-se ao se desenvolver o intercâmbio entre as diferentes nações” “cada nova fase da divisão do trabalho determina igualmente as relações dos indivíduos entre si, no que se refere ao material, ao instrumento e ao produto do trabalho” a propriedade tribal -- divisão no seio da família (chefes, membros e escravos) a propriedade comunal e estatal
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-- encontrada na antigüidade(reunião de tribos formando cidades) -- subsiste a escravidão -- surge a propriedade móvel e a imóvel -- vem a divisão campo e cidade -- oposição entre comércio marítimo e indústria -- relações de classes entre cidadão e escravos são bastante desenvolvidas
a propriedade feudal -- relacionada as conquistas, sobretudo, do romano quando do declínio -- organização de servos e não mais escravos -- surge a propriedade corporativa, a organização dos ofícios -- organização pautada pela produção dos servos
império
“a divisão do trabalho possibilitará que tanto a atividade material como a espiritual, isto é, a atividade e o pensamento (atividade sem pensamento e pensamento sem atividade) desloquem-se para indivíduos diferentes. SÍNTESE -- Segundo Marx: a possibilidade de não entrarem esses elementos em contradição reside unicamente no fato de que a divisão do trabalho seja novamente superada o aprofundamento da divisão do trabalho terá como conseqüência imediata, resultante da contradição entre as cidades, o nascimento das manufaturas e a superação dos limites da produção corporativa de então. Isso foi possibilitando uma maior diversidade de relações comerciais entre as cidades e entre as nações. Estabeleceram-se, paulatinamente, as regras de todos os tipos de comércio e também os direitos alfandegários, tributos impostos pelos senhores feudais aos comerciantes que atravessavam seus territórios. A divisão do trabalho arrasta consigo a divisão das condições de trabalho, das ferramentas e dos materiais e também a fragmentação do capital entre diferentes proprietários. Estabelece-se, conseqüentemente, a divisão entre trabalho e capital e as diferentes formas de propriedade. Há um processo sincronizado de divisão de trabalho e o aumento da acumulação. Emerge uma fragmentação cada vez mais aguda. Marx conclui afirmando que: “O próprio trabalho só pode subsistir sob o pressuposto dessa fragmentação”.
C) O PROCESSO DE TRABALHO - a DIALETICIDADE existente no processo e a produção de valores de uso. A “Utilização da força de trabalho é o próprio trabalho”. Assim é que o comprador da força do trabalho passa a consumí-la, enquanto que o seu vendedor apenas trabalha”. O trabalho como mercadoria passa a ter um valor de uso (transformação de algo em mercadoria). Isto é possível com a visão de trabalho como processo: “trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento forças naturais de seu
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corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindolhes forma útil à vida humana”. Essa ação sobre a natureza externa é transformadora não só em relação à natureza que lhe é externa, mas também quanto à sua própria natureza.
ELEMENTOS CONSTITUINTES DO PROCESSO DO TRABALHO: A) a atividade adequada a um fim, isto é o próprio objeto; B) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; C) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho; A atividade humana sobre a natureza, no processo de trabalho realiza uma transformação. Essa transformação apresenta um determinado fim sobre o objeto, através do instrumental de trabalho. O processo é concluído ao realizar-se no produto. Portanto, o produto é expressão da conclusão do processo de trabalho humano sobre a natureza. Esse produto, conforme esclarece Marx, só terá sentido se atender a uma necessidade humana: “o trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou. Concretizou-se e a matéria está trabalhada. O que se manifestava em movimento, do lado do trabalhador, se revela agora qualidade fixa, na forma de ser, do lado do produto. Ele teceu e o produto é um tecido. Observando-se todo o processo do ponto de vista do resultado, do produto, evidencia-se que meio e objeto de trabalho são meios de produção e o trabalho é trabalho produtivo”. “O trabalho, com sua chama, delas se apropria, como se fossem partes do seu organismo, e de acordo com a finalidade que o move lhes empresta vida para cumprirem suas funções; elas são consumidas, mas com um propósito que as torna elementos constitutivos de novos valores de uso, de novos produtos que podem servir ao consumo individual como meios de subsistência ou a novo processo de trabalho como meios de produção”. Os produtos desse trabalho anterior, contudo, só se realizam nesse processo como valores de uso, estando em contato com o trabalho vivo. Um trabalho útil para a realização de novos produtos e novas transformações. Nas mãos dos capitalistas, o processo de trabalho apresenta duas questões: a primeira é o zelo do capitalista pela maior aplicação possível dos meios de produção e a segunda é que ele detém como uma compra idêntica a qualquer outra mercadoria do mercado.
COMO CONCLUSÃO A categoria trabalho estabeleceu, em Marx, a relação do trabalho na formação do homem e da história. Busca superação idealista da sociedade e indivíduo como entidades separadas. Afirma-se a unidade sociedade e indivíduo. Reafirma-o o indivíduo como um ser social, possibilitada pelo trabalho.
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O trabalho apresenta um papel na universalidade do homem e da história. Demonstra a inexistência de uma essência metafísica e idealista dada ao trabalho. Marx desmistifica o trabalho como um produto de indivíduo e o qualifica como trabalho social.
Finalmente: é preciso resgatar-se a dimensão do trabalho com a característica de humanização da natureza e do próprio homem. No momento atual, em que estão se tornando tão escassas as possibilidades do trabalho, pondo em risco a vida do trabalhador e promovendo ainda mais a desumanização, este deve ser o brado e a ação do filósofo na busca incessante pela realização de um mundo humanizado.
Universidade Católica de Pernambuco. Recife, outubro de l998.
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TEXTO2 O MÉTODO DA ECONOMIA POLÍTICA - MARX – DA ABSTRATO AO CONCRETO PENSADO –
SÍNTESES I – DO ABSTRATO AO CONCRETO PENSADO: - O problema da pesquisa é uma construção teórica; - A pesquisa por seu inteiro é a busca pelas determinações do algo do desejo de conhecimento(a ser pesquisado); - O concreto real é uma abstração. Ele não é ele mesmo como que existisse independente. Não, ele não é; - A pesquisa como a busca pelos determinantes fundamentais; - O concreto é concreto por que é uma síntese das determinações que os construíram e fizeram-se existir; - A totalidade do real se constitui do conjunto de determinações e aquilo que elas determinam; Obs 1: o método, no todo, vai do abstrato (determinações e relações simples e gerais) ao concreto, que deixa de ser uma representação caótica de um todo mas torna-se uma rica totalidade - conjunto de determinações e relações. Obs 2: as determinações são abstrações que reproduzem o concreto pelo pensamento. Obs 3: o concreto também é totalidade: unidade determinante (determinado ou unidade de múltiplas determinações. Obs 4: não caberiam explicações de um fenômeno se ele já fosse aquilo mesmo que se mostra sem as suas determinações. Careciam apenas descrição. II – ANTERIORIDADE DO CONCRETO: - Atinge-se o concreto quando compreende-se o real pelas determinações que o fazem ser como é; - O concreto é uma totalidade de determinantes e determinado; - O ponto de partida é o real, ponto de partida da percepção e da representação; - O concreto só faz parte do teórico quando pensado, como concreto pensado; - O concreto aparece no pensamento como resultado, mas é o verdadeiro ponto de partida; - O pensamento parte do concreto(real) mas só se torna científico quando retorna a ele, pensando-o, a partir das abstrações que determinam-no; real(concreto) --------------- abstrato (início da busca pelos conceitos simples) Abstrato ----------------- abstrato (definição de categorias e especificação das relações gerais e simples) Abstrato -------------concreto (pensado) (essas categorias são todas coladas ao real, fugindo da visão de um movimento de categorias autônomas e produtoras do real) III – RELAÇÕES CATEGORIAS/REAL
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- Conceitos mais simples possibilitam a chegada à inteligibilidade do real; - O real como ponto de partida é uma abstração, abstração das determinações que se expressam naqueles conceitos simples; - A produção teórica é comandada pelos conceitos mais simples, possibilitando a reprodução do conceito no pensamento; - As relações mais simples sempre pressupõem relações mais concretas, expressas por categorias concretas e de mais baixo grau de abstração; - As categorias mais simples são as categorias mais abstratas (abstrações simples); - As categorias simples expressam relações simples; - As categorias simples não existem antes das relações mais concretas, expressas por categorias mais concretas e de um baixo grau de abstração; - As categorias mais simples se apresentam com maior desenvolvimento nas sociedades mais complexas: concreto -----simples (relações mais concretas são anteriores a categorias mais simples) simples -----concreto (complexo) (categorias mais simples são anteriores as relações mais complexas) complexo(concreto) -----simples (a categoria mais simples desenvolve-se por completo na sociedade complexa) IV – A PRODUÇÃO DAS ABSTRAÇÕES GERAIS - Na sociedade mais complexa, a categoria mais simples se completa; - O desenvolvimento teórico, portanto, da categoria mais simples depende das condições reais e não exclusivamente da capacidade e disponibilidade teórica; - As categorias mais simples detêm as abstrações mais gerais; - As categorias mais simples são definidas pela simplicidade e pelo alto grau de abstração, sendo úteis a todas as épocas; - A primeira especificação da categoria simples é a sua generalidade (a categoria teórica sem as suas determinações, exemplo: o trabalho é categoria simples quando é pensado como trabalho em geral, trabalho, simplesmente). V – A ANATOMIA DO HOMEM É A CHAVE DA ANATOMIA DO MACACO: - No atual modo de produção, capitalismo, nesta sociedade mais complexa é onde se pode criar categorias mais simples, mais complexas e mais abrangentes, possibilitando análises de sociedades menos desenvolvidas; - “A análise da história deve ser conduzida por categorias simples e gerais produzidas no estado mais avançado da própria história”; - A análise histórica não pode perder, todavia, os laços orgânicos dos diferentes momentos históricos e nem a perda das suas especificidades. Não se pode perder a diferença entre esses diferentes momentos históricos; - O instrumento para não perder tais especificidades é a autocrítica do modo de produção mais complexo; - Como a autocrítica acontece? Quando a sociedade passa a conhecer suas próprias particularidades e especificidades, reconhecendo as particularidades específicas nas outras sociedades; - No reconhecimento de suas particularidades e singularidades, a sociedade mais complexa não mais se identifica com o passado, pela autocrítica, conseguindo-se ver como diferente; - Esta visão supera a visão histórica linear da sociedade, uma visão genética da história, pois admite que algo surge num determinado momento histórico e se extingue em outro; - Esta visão respeita as diferenças essenciais históricas, tanto as do presente como as do passado;
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- Assim, tanto presente como passado são entendidas em termos de “organização histórica da produção”. VI – A ORDEM DAS CATEGORIAS (a montagem da análise) (Como montar o plano de análise e a ordem das categorias nesse plano?) - A realidade existe antes e depois de ser pensado, ou mesmo se não for pensada; - A realidade situa-se fora do espírito, caracterizado por atividades apenas teóricas; - As categorias teóricas são criadas tendo por pressuposto a anterioridade da realidade; - As categorias, sem organização, não conseguem chegar ao conhecimento mais abrangente e mais profundo da realidade; - a realidade concreta só se apresenta após a análise teórica; - Nos modos de produção aparecem as atividades principais: no feudalismo, a agricultura; no capitalismo, o capital é o ponto de partida e de chegada de tudo; - A ordem das categorias responde à ordem de importância relativa das relações que expressam um modo de produção; - a sua importância vincula-se a sua capacidade das relações em determinar a organização da produção; - Vem com precedência teórica a categoria que expresse as relações mais determinantes (mesmo no capitalismo tem-se capital e trabalho, mas é o capital a categoria determinante. Esta, hoje, pode viver só sem o trabalho – capital especulativo); - O princípio que rege essa ordem é o da hierarquia teórica.
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TEXTO 3 DIALÉTICA EM MARX – constituintes de aula I – Importância e limitações Importância: a) Importância aos marxistas: -
é um método de interpretação da realidade em movimento.
b) Importância aos não marxistas: 1. atraente como método; 2. admiração ao movimento; espanto pelo movimento; 3. não compreendê-lo minimamente é privar-se de um pensador que marcou a teoria do século XIX e responsável teórico de experiências, as mais radicais vividas por parte da humanidade, na tentativa esperançosa de se poder viver feliz, aqui na terra.
Limitações: Gerais: 1. nosso pensamento é formado segundo outra lógica; 2. quase uma ausência de textos escritos por Marx sobre as temáticas do método; 3. os poucos escritos se encontram em prefácios, posfácios, cartas ou escritos que o autor deixou de publicar; 4. nestes escritos, em estudos, “Introdução “ , publicado por Kaustky, só em 1905; 5. é considerado “introdução” ao livro “contribuição à crítica da economia política”; 6. outros textos há, que fazem parte do conjunto de estudos “grundrisses ou fundamentos da crítica da economia política”; 7. este é, contudo, um texto dedicado à reflexões sobre o método de relevância inquestionável; 8. das quatro partes que é composto o livro citado: a terceira parte trata do método da economia política – o assunto, hoje. 9. É um texto conciso, condensado; 10. Não foi publicado pelo autor e pode não ter tido a revisão exigente, característica do Marx; 11. Há muitas controvérsias em sua leitura (não vamos entrar nelas. Vamos ler também o Marx. 12. Edição a que se recorre: a) contribution à la critique de l‟economie politique. Ed. Socialis, paris, 1957(144-175); b) Fondaments de la critique de l‟economie politique. Ed. Antropos, paris (pp 8-42); c) Os pensadores – editora Abril, traduç: Giannotti e Edgard Malagodi. d) Os originais de Marx em alemão; Particulares: a) domínio das línguas inglês, francês e alemão b) precisa-se da ajuda dos presentes; c) curso de miriam limoeiro
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II – O TEMPO DE MARX
a) a filosofia - idealismo alemão b) a economia - empirismo inglês c) a política – o socialismo utópico francês traços da dialética hegeliana: 1) a questão central do conhecimento = a verdade do saber. Para Hegel, o saber e a verdade estão na consciência. 2) Em Hegel: a) o universal – ao determinar-se particulariza-se -- síntese (enquanto único) (ex: o movimento social; a universidade... ) (ex: movimento social x ou a univesidade y)
b) universal
--- particular
--- único
3) Em si = verdade = essência = consciência relação Consc. ------------------- A objet ----------------------diferenciação 4) O absoluto = tudo e nada ao mesmo tempo 5) Reflexão = flexão da consciência de si passando pelo ente, retornando à consciência. 6) A essência = o em si de algo 7) A negação hegeliana, dialética, não é a negação cartesiana (+ e - ) 8) na dialética ------ nega-se guardando,
nega-se conservando obs: (amar é está no outro, em si mesmo) III – TÉCNICA DE ABORDAGEM a) diretamente com o texto do autor; b) indiretamente com a contribuição da Miriam Limoeiro; minha contribuição e contribuições dos presentes; IV – ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS 1. Produção 2. O modo de produção
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3. A produção é social 4. A produção é particular:
Economia
Antes de Marx
Depois de Marx
a) produção em geral
a) particularidade histórica da produção
b) produção geral
5. Crítica:
b) particularidade social da produção
dimensão negativa --- desconfia do conhecimento do “senso comum”; todos dizem que é; dos preconceitos; dos pre-juízos; dos cientistas, também. dimensão positiva – o que é? Por que é? (caminho da proposição). Como é?
6. O real 7. O concreto 8. A dialética
- formas absurdas :
- vai para um lado, vai para outro e fica no meio; - cabo de guerra. Vai para um lado e outro etc.... - evitar os extremos;
formas sintéticas:
síntese, análise e síntese concreto, abstrato e concreto
V. DIALÉTICA DE KARL MARX, UMA VISÃO: a) o tempo de Marx – o positivismo
-
objetividade do pesquisador só se estuda o observável não se pode misturar concepções a realidade está fora do mundo do cientista a realidade de fora é para ser interpretada, apenas a realidade só vale se expressa em dados, porque ela está dada (ela se oferece ao pesquisador) dado é doação da realidade, da natureza e não pode ser alterada uma realidade é fixa, estática, não histórica (uma foto) uma foto de uma situação não interessa a história da foto
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b) em Marx, o materialismo histórico, cujo método de pensar é a dialética – bases desse pensamento: -
a realidade é uma configuração dinâmica de fenômenos a realidade é fenômeno em movimento (não estático) compreender a realidade é compreender seu movimento o estudo do movimento passa pelo estudo do modo de produção a realidade é determinada em cada modo de produção compreender o fenômeno é compreender sua totalidade a realidade está em movimento e é condicionado a realidade é contraditória não posso afastar-me da realidade
c)
INTRODUÇÃO À CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA
Karl Marx O método da economia política Quando estudamos um dado país do ponto de vista da Economia Política, começamos por sua população, sua divisão em classes, sua repartição entre cidades e campo, na orla marítima, os diferentes ramos da produção, a exportação e a importação, a produção e o consumo anuais, os preços das mercadorias, etc. Parece que o correto é começar pelo real e pelo concreto, que são a pressuposição prévia e efetiva; assim, em Economia, por exemplo, começar-se-ia pela população, que é a base e o sujeito do ato social de produção como um todo. No entanto, graças a uma observação mais atenta, tomamos conhecimento de que isto é falso. A população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem. Por seu lado, estas classes são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos em que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital, etc. Estes pressupõem a troca, a divisão do trabalho, os preços, etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço, etc., não é nada. Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações as mais simples. Chegados a este ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma representação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas. O primeiro constitui o caminho que foi historicamente seguido pela nascente economia. Os economistas do século XVII, por exemplo, começam sempre pelo todo vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados, etc; mas terminam sempre por descobrir, por meio da análise, certo número de relações gerais abstratas que são determinantes, tais como a divisão do trabalho, o dinheiro, o valor, etc. Estes elementos isolados, uma vez mais ou menos fixados e abstraídos, dão origem aos sistemas econômicos, que se elevam do simples, tal como trabalho, divisão do trabalho, necessidade, valor de troca, até o Estado, a troca entre as nações e o mercado mundial. O último método é manifestamente o método científico exato. O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação. No primeiro método, a representação plena volatiliza-se em determinações abstratas, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento. Por isto é que Hegel caiu na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento que se sintetiza em si, se aprofunda em si, e se move por si
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mesmo; enquanto que o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento que se sintetiza em si, se aprofunda em si, e se move por si mesmo; enquanto que o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzí-lo como concreto pensado. Mas este não é de modo nenhum o processo da gênese do próprio concreto. A mais simples categoria econômica, suponhamos, por exemplo, o valor de troca, pressupõe a população, uma população produzindo em determinadas condições e também certos tipos de famílias, de comunidades ou Estados. O valor de troca nunca poderia existir de outro modo senão como relação unilateral, abstrata de um todo vivo e concreto já dado. .............. 1. Os pensadores. Tradução de José Arthur Giannotti e Edgard Malagodi. 2. Com esta introdução, Marx inicia seus apontamentos econômicos dos anos de 1857 a 1858, que foram publicados em conjunto em 1939, em Moscou, sob o título de Grundrisse der Kritik del Politischen Ökonomie (Rohentwurf). 3. Sugere-se como roteiro – Para uma leitura do método em Karl Marx – Anotações sobre a “Introdução” de 1957. Cadernos ICHF-UFF NO. 30 – 1990. Miriam Limoeiro Cardoso.
d) As seis partes constitutivas do método. Análise do método – as categorias simples e abstração específica do conhecimento histórico. 1. Do abstrato para o concreto pensado; 2. Anterioridade do concreto; 3. Relação categorias/real; 4. A produção das abstrações mais gerais; 5. A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco; 6. A ordem das categorias.
D e b a t e UFPB, João Pessoa, agosto de 1999.
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TEXTO 4 VISÃO DIALÉTICA DE CULTURA 1) O ESTEIO DA VISÃO – A PRODUÇÃO; 2) A CULTURA É, POR CONSEGUINTE, COETÂNEA DO PROCESSO DE HOMINIZAÇÃO. NÃO TEM DATA DE NASCIMENTO; 3) CRIAÇÃO DA CULTURA E A CRIAÇÃO DO HUMANO SÃO FACES DA MESMA MOEDA. ORA MAIS ORGÂNICO – E SOCIAL NA SEGUNDA FASE; 4) A CULTURA TEM DOIS COMPONENTES: A) INSTRUMENTOS E ARTEFATOS ... B) AS IDÉIAS – PREPARAÇÃO INTENCIONAL, SOCIAL: 5) A CULTURA NO PROCESSO PRODUTIVO: A) BEM DE CONSUMO; B) UM BEM DE PRODUÇÃO (QUE SE CONFIGURAM COMO A MESMA COISA); 6) O HOMEM COMO BEM DE PRODUÇÃO (uma produção de si para si mesmo. A cultura expressa por uma necessidade existencial para se apropriar dela e postular a sua ação); RESULTADO: 1) CULTO – AQUELE QUE CULTUA A CULTURA DO OUTRO; 2) CULTURA --- SE TORNA ABSTRATA
6) A TRANSFORMAÇÃO DO HOMEM EM BEM DE CONSUMO (para aquele que o possui – alienado e escravo; A TRASNFORMAÇÃO DO HOMEM EM BEM DE PRODUÇÃO (age na realidade criando artefatos para o seu senhor);
7)A POSSE DA CULTURA a) IDÉIAS – as elites (teorias científicas, filosóficas são frutos dessa lógica da elite b)OS INSTRUMENTOS é o seu espólio (do trabalhador), porém só para manusear e não para pensar pois a rotina lhe impede. Está incapacitado de pensar pois está privado de dar destino aquilo que produz. “a classe superior, em sua consciência essencialmente ingênua, não se julga ociosa; muito ao contrário, acredita que se entrega à mais elevada e valiosa de todas as formas de produção, a mental, a das idéias”. Através da ideologia eles convencem que é assim, mesmo: “com isso, as classes efetivamente trabalhadoras ficam privadas, não do direito de pensar, que, esse, o exercem constantemente e em natural sentido reivindicatório, mas do de ver reconhecidos como expressão da cultura as idéias que elaboram. Seus produtos artísticos são classificados como apenas
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pitorescos, artesanato, folclore e somente despertam transitória e divertida curiosidade, enquanto que os dos grupos dirigentes revestem suas obras da quelidade de sérias e eruditas”(Álvaro Vieira Pinto – Filósofo brasileiro). Já a produção ideológica dos grupos julgados “incultos” são simplesmente comtida a ferro e a fogo. 7) CULTURA É MEDIAÇÃO ENTRE AÇÃO – enquanto ação que medeia duas idéias; e IDÉIA - enquanto idéia que medeia duas ações; 9) ............ fim
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TEXTO 5 TOTALIDADE (alguns elementos didáticos para a compreensão do conceito em Hegel) exemplo 1 – a totalidade a partir do concreto
ÁRVORE
FLOR
FRUTO
ÁRVORE exemplo 2 – a totalidade histórica (modos de produção)
comunismo primitivo
escravismo
feudalismo
capitalismo
exemplo 3 – a totalidade como processo de construção do conhecimento 1. Consciência natural ou saber natural (aparência). Não há oposição entre aparência e idéia. Ambos são um só mundo. 2. Proposta do exame do saber. Exigência do saber. Dupla aparência: a) se arvora de ser ciência; b) aparência enquanto totalidade do processo; (exame feito pela dialética) 3. Saber surgente (ciência). Submeter a consciência natural ou saber natural a dirimir a aparência. 4. Ciência que entra em cena. É por-se a caminho da crítica. Obs.: o critério de verdade não pode vir de fora da consciência. 5. O absoluto (saber verdadeiro que é o próprio processo). A totalidade é o processo todo.
...
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TEXTO 6 MÉTODO HISTÓRICO-DIALÉTICO (texto didático)
realidade
Peirástica
(experiência) pensamento, abstração (anterioridade do concreto)
pensamento, abstração (anterioridade do concreto) Sinóptica
(síntese) o objeto, o problema, o algo a ser investigado (em movimento e sob a mira da história)
Diarética (análise) categorias, abstrações, teorias,
+
categorias simples, análise crítica, estatística, qualidade x quantidade contradições
-
Diarética (análise) técnicas de pesquisa: qualitativa e quantitativa Sinóptica (síntese)
o concreto pensado, gerando novas teorias, novos problemas, conhecimentos para transformação, ratificação ou não de hipótese(s), novas sínteses práticas ou teóricas para serem submetidas aos testes de verdade da práxis (pensamento e experiência), e sempre provocando outras buscas com novas questões – dimensão protréptica. Como se faz esse caminho: a) Abstração ao concreto pensado; b) anterioridade do concreto; c) relações categorias/real; d) a produção das abstrações gerais; e) anatomia do homem é a chave da anatomia do macado; f) a ordem das categorias (a montagem da análise).
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TEXTO 7 PARA UMA VISÃO DIALÉTICA DE CULTURA38
É sempre uma dificuldade discutir o conceito de cultura. Mesmo entre os profissionais vinculados ao campo que se diz cultural, não há uma compreensão, sequer, aproximada de seu significado. O que existe mesmo é um cipoal de concepções que mais expressam um “ninho de casaca de couro”, na acepção viva de Jackson do Pandeiro39. Apesar desse elemento complicador, tido por outros como elemento alimentador de perspectivas culturais, mister se faz apresentar-se uma visão que resgate o movimento como uma categoria teórica norteadora da tentativa de um conceito de cultura. Pode-se observar, ainda, que a multiplicidade conceitual de cultura também traduz e expressa, do ponto de vista político, a visão alicerçada nas bases explicativas e dominantes da sociedade, em seus variados modos de produção. Entre os gregos, pode-se destacar que cultura e religião estiveram interligados, expressando as explicações da natureza, porém cheias de atributos religiosos. Essa visão de cultura é idealizada já em Homero, tornando a beleza o ideal educativo e dominante daquela cultura, presente até os dias de hoje. Contudo, é Hesíodo, outro poeta grego, que, sem negar o ideal homérico, apresenta uma outra perspectiva de educação. Elege o trabalho como referência para a educação grega do homem e da mulher. Entretanto, verifica-se entre os sofistas a separação entre a religião e a cultura. Apesar dessa separação, todavia, só tem significado de totalidade ao assumir como cultura e como conteúdo da cultura, também o mundo da cultura espiritual: “o mundo em que nasce o homem individual, pelo simples fato de pertencer ao seu povo ou a um círculo social determinado” (Paidéia, 1995: 354). Tudo isso, entretanto, expressa visões idealizadas sobre cultura de diferenciados setores dominantes da sociedade, em suas épocas. Mas o que se deseja resgatar é a perspectiva conceitual de cultura, embalada pela categoria teórica movimento e fruto, inerente a cada modo de produção. Isto é, a perspectiva do conceito de cultura nos marcos da produção, expressa na visão de Álvaro Vieira Pinto40. A produção como expressivo parâmetro de universalidade, considerando a sua presença em todos os tipos de grupos sociais, presentes nos mais diferenciados rincões e em qualquer tempo da história humana. E aí, como produto do processo produtivo, cultura é uma criação do próprio homem. É resultante, portanto, das diferenciadas formas de tentativas do humano no trato com a natureza material, na medida em que está sempre em luta pela própria sobrevivência. As capacidades intelectiva e manual humanas possibilitaram um maior crescimento e intensidade desses fazeres de sobrevivência. Esses produtos, daí gerados, constituem-se todos como produtos culturais. Dessa capacidade, foram sendo criados os instrumentos de sobrevivência e todos os tipos de expressão espiritual, inclusive, e, posteriormente, as religiões. Cada uma inventada em determinado tempo e lugar, prisioneira das condições da cultura estabelecida e veiculada nos anseios de dominação de cada povo (construção de impérios), sendo impingida a cada povo perdedor. Tudo isso foi sendo transmitido e conservado de geração para geração. O início da cultura não é, portanto, datado, mas coincide com o processo de hominização. “A criação da cultura e a criação do homem são na verdade duas faces de um só e mesmo processo, que passa de principalmente orgânico na primeira fase a principalmente social na segunda, sem contudo em qualquer momento deixarem de estar presentes os dois aspectos e de se condicionarem reciprocamente” (PINTO, 1979: 122). Como se vê, as dimensões culturais presentes nos gregos estão mais ampliadas com essa perspectiva. Os produtos culturais são aqueles gerados 38
Texto apresentado no ENCONTRO TEMÁTICO – “Extensão cultural cidadã: a ação da UFPB na Paraíba”, realizado em outubro de 1999, promovido pela PRAC/COEX/UFPB, no Núcleo de Teatro Universitário, em João Pessoa, Pb.
39
Cantor e compositor paraibano, tido como um dos nomes da trilogia da música nordestina, juntamente com Luiz Gonzaga e Luiz Vieira.
40
Filósofo brasileiro. Ver: PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e Existência – problemas filosóficos da pesquisa científica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
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dos mecanismos nos mais variados processos produtivos e aqueles, também culturais, gerados da dimensão social presente nas relações humanas. Nesse sentido, torna-se ente cultural o museu, o quadro de famoso pintor, as esculturas de famosos escultores... São expressões culturais os óculos ou lentes usados no cotidiano, a caneta, a ferramenta de trabalho, o computador, a peça teatral, o trator, o „software‟, o processo de produção de conhecimento e a tecnologia. Todos esses entes são frutos do processo produtivo e resultantes da dimensão manual e da dimensão intelectiva da espécie humana. A cultura, na perspectiva apresentada, isto é, como produto do processo produtivo, adquire a sua dupla natureza. Cultura, expressa pelo bem produzido, torna-se bem de consumo, enquanto resultado expresso em coisas e artefatos e subjetivado em idéias gerais do mecanismo produtivo. Cultura se converte, ainda, em bem de produção, subjugando a realidade e submetendo-a às suas reflexões, gerando novos produtos e novas técnicas de exploração do mundo, dando-lhes, pelas idéias, significados e finalidades para as suas ações. Dessa perspectiva conceitual de cultura, resultam dois fenômenos, sendo mais explicitados no atual modo de produção – o capitalismo. O primeiro diz respeito ao acervo cultural, que é cheio de máquinas e entes tecnologizados além das tantas idéias geradoras dos processos produtivos. Não se produz sem idéias. Os setores dominantes, por sua vez, valorizam mais a segunda dimensão, as idéias, considerando que já controlam os aspectos materializados. Há, então, a exaltação às posses das idéias e desvalorização do trabalho próprio da produção daqueles entes materiais. O segundo resultado é o apoderamento dos bens materiais produzidos, frutos das idéias geradoras dos bens culturais. Assim, é que o trabalhador ou o produtor cultural, além de ter perdido os bens materiais produzidos por ele mesmo, também, está excluído dos bens ideais geradores dos produtos culturais. A partir dessa visão, pautada no marco da produção, torna-se possível dessacralizar as marcas ideológicas das outras perspectivas de cultura, quaisquer que sejam, imputando aos mais aquinhoados o ter cultura e convencendo os “excluídos” de que têm cultura aqueles que, tão somente, estiveram na escola. Pode-se afirmar que estes, apenas, também têm cultura. Numa sociedade de pouco acesso aos tantos meios de socialização do conhecimento, certas visões só aprofundam a “apartação social” , fortalecendo a dominação dessas elites. Portanto, cabe aos que produzem os entes culturais - bens materiais e bens ideais - o resgate da posse de seu próprio processo de se tornarem humanos(as), edificando os vetores de sua libertação mesma. Referências. JAEGER, Werner. PAIDÉIA – a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Parreira. São Paulo: São Paulo, 1995.
PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e existência – problemas filosóficos da pesquisa científica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
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TEXTO 8 Educação contemporânea
Educação tem sido, para muitos, uma palavra com significado meramente simbólico. Resiste, contudo, a qualquer tentativa de compreensão que a transforme em fórmula abstrata ou mesmo vazia. Sua etimologia remete ao grego paidagogein ou ao latim educare, como algo intrínseco às relações humanas e sociais ou, mais precisamente, como um fenômeno de apropriação da cultura. É tema de um amplo significado, assim como cultura, aqui, entendida como expressão da criação humana, fruto das complexas operações que o animal humano vem apresentando, historicamente, no trato com a natureza material e suas lutas para sobrevivência própria. Nessas operações, o humano descobriu a sua capacidade de aprender, estabelecendo esse momento como o fato pedagógico, isto é, a condição de aprendizagem que traz consigo e que continua em desenvolvimento, com maior velocidade que qualquer outra espécie animal. A educação realiza-se de forma espontânea, em qualquer lugar; realiza-se também de forma reflexiva ou sistemática quando se estabelecem técnicas apropriadas na busca de se obter melhor rendimento educativo (a teoria pedagógica). Entretanto, a operacionalidade (preceitos e leis) e as opções de técnicas ou metodologias desse processo educativo sistematizado são demarcadas por uma política de educação. É nesse sentido que cabe questionar quanto ao direcionamento desejado para os processos educativos: Aonde se deseja chegar com essa teoria pedagógica, gerada dos fatos pedagógicos e permeada de uma política de educação, voltada às maiorias sociais? Ou de outra forma: Qual é a educação que interessa às classes trabalhadoras? Ora, o significado de educação também não pode prestar-se para absorver qualquer experiência como se fosse educativa e, muito menos, do interesse dos oprimidos. Há, inclusive, aquelas que se dizem „popular‟, mas que buscam, através de outras técnicas, promover a inculcação do silêncio nas mentes das classes despossuídas da sociedade, roubando-lhes a sua inerente capacidade de indignação. A condição de aprender - o fato pedagógico - terá maior adequação ao expressar a relação do humano com o mundo mesmo, baseada nas dimensões do trabalho. Este é o ponto de partida que parece necessário para uma educação que se paute pelos interesses das maiorias, considerando que o trabalho é a fonte de sua existência. O significado da anterioridade do mundo em processos educativos fundamenta-se no aspecto de que o conhecimento das coisas concretas, como ponto de partida, pode incitar as forças humanas à promoção de mudanças. Uma teoria pedagógica será convidativa ao expressar a arte pedagógica de determinar as técnicas mais apropriadas para um melhor aproveitamento educativo. Essas técnicas ajudarão a pensar, agir e descrever o mundo, com base nas relações humanas e o próprio mundo, como expressão dialética de um movimento de análises e novas sínteses que externarão, possivelmente, através da história e da crítica, os anseios gerais ou locais das transformações necessárias. É uma relação de síntese do sujeito com o mundo; uma leitura assentada na história e instigada pelo difícil exercício da crítica ao outro e a si mesmo. Por outro lado, políticas de educação, traduzidas em leis ou preceitos, reclamam as tantas possibilidades de organização dos trabalhadores e promoção da cidadania (crítica e ativa), dando ênfase aos processos de participação em toda a dimensão da vida. É o desvelamento dos espaços sociais, como a casa, a escola e a cidade, tornando-os efervescentes ambientes de solidariedade. As ações em políticas de educação podem conduzir para um novo agir político, indo além da razão instrumental apegada aos fazeres do dia-a-dia, simplesmente. Uma outra razão que promova a comunicação através do diálogo, definida em contraponto aos modelos autoritários e opressores da tradição secular, acompanhada de princípios éticos valorizadores do humano e não das coisas, educando para uma nova estética política e, assim, estabelecendo outros patamares de civilização. Patamares educativos, lembrando Freire, que espantem o medo da liberdade, da igualdade e da felicidade.
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TEXTO 9 CULTURA CIENTÍFICA, EDUCAÇÃO-QUÍMICA E CIDADANIA41
Entende-se cultura como expressão da criação humana, fruto das complexas operações que o animal humano vem apresentando, historicamente, no trato com a natureza material e suas lutas para sobrevivência própria. Nessas operações, o humano descobriu a sua capacidade de aprender, estabelecendo esse momento como o fato pedagógico, isto é, a condição de aprendizagem que traz consigo e que continua em desenvolvimento, com maior velocidade que qualquer outra espécie animal. Educação, contudo, realiza-se de forma espontânea, em qualquer lugar; realiza-se também de forma reflexiva ou sistemática quando se estabelecem técnicas apropriadas na busca de se obter melhor rendimento educativo (a teoria pedagógica). Entretanto, a operacionalidade (preceitos e leis) e as opções de técnicas ou metodologias desse processo educativo sistematizado são demarcadas por uma política de educação. É nesse sentido que cabe questionar quanto ao direcionamento desejado para os processos educativos: aonde se deseja chegar com essa teoria pedagógica, gerada dos fatos pedagógicos e permeada de uma política de educação, voltada às maiorias sociais? Ou de outra forma: Qual é a educação que interessa às classes trabalhadoras? Ora, o significado de educação também não pode prestar-se para absorver qualquer experiência como se fosse educativa e, muito menos, do interesse dos oprimidos. Há, inclusive, aquelas que se dizem „popular‟, mas que buscam, através de outras técnicas, promover a inculcação do silêncio nas mentes das classes despossuídas da sociedade, roubando-lhes a sua inerente capacidade de indignação. O papel do educador, também, para aquele que atua no campo das ciências e da tecnologia, parece haver uma tarefa comum, para os dias de hoje: A preparação do aluno e do povo para a prática da cidadania. Mas, será necessária clareza conceitual sobre o que é ser cidadão. Quando se é cidadão? Afinal, sou cidadão? Ou, ainda, será que estou sendo cidadão? Estarei exercendo a cidadania? São questões que exigem uma compreensão da palavra cidadão. Nesse sentido, é que se busca a compreensão de cidadão como aquele indivíduo que pensa o mundo de forma crítica. De novo, exige-se a explicação do que seja crítico. Assim, pensar de forma crítica é um estilo de pensar pautado pelas contradições existentes em cada ente de natureza, destacando os seus aspectos positivos e negativos. Em tudo, portanto, há uma dimensão positiva e outra dimensão negativa. Mas, o cidadão preparado, tão somente, no pensar crítico, não basta. É preciso também agir a partir dessa análise crítica, para efetivar o produto de sua análise. Agora, de forma sintética, podese afirmar que ser cidadão é exercitar o pensamento crítico, aquele que acompanha a dimensão do agir sobre a natureza para mudanças. Ser cidadão é ser crítico e ativo. O cidadão é aquele que participa na sua comunidade, no seu município e nas coisas de seu país, sendo necessário que as informações estejam disponíveis para serem socializadas. Aqui, se enquadra o conhecimento químico como possível de ser socializado para contribuir para o exercício
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Texto organizado para apresentação em mesa redonda do II Congresso Internacional Comparado de Ensino de Ciências - II CONIEC -, em Campina Grande, 10 de agosto de 2005, no Centro de Ciências e Tecnologia, da Universidade Estadual da Paraíba.
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da cidadania. Uma contribuição que se expressa não só na escola mas, também, na comunidade e na sociedade em geral. A vida cotidiana está muito dependendo da química através de milhares de produtos químicos que influenciam e impactam o desenvolvimento dos países e contribuem para tornar a vida melhor. A química está presente na melhoria da qualidade de vida das pessoas, nos efeitos ambientais das aplicações tecnológicas e nas decisões de aplicação ou não dessas tecnologias. Isto exige conhecimento do cidadão nesse processo de participação e disseminação do conhecimento químico e das ciências, como utilizar as substâncias no seu dia-a-dia, bem como o posicionamento crítico em relação aos efeitos ambientais da aplicação do conhecimento científico e em particular do conhecimento químico. É fundamental a participação e as orientações definidas nos Encontros de Educação em Química, através da SBQ, Sociedade Brasileira de Química, Jornal de Educação Química, estando também em sintonia com o movimento mundial que se volta à educação através da química, pela cidadania – Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Alguns exemplos gerados nesse movimento: a) b) c) d)
Ensino de ciência: organizado a partir, meramente, de conceitos; CTS - organização da matéria em temas tecnológicos e sociais Ênfase no método científico. CTS - Uma visão crítica, também, referente ao método. Ciência com a dimensão de universalidade, um corpo de conhecimento. CTS – desenvolvimento tecnológico pautado por decisões políticas Ênfase à teoria para se chegar à prática CTS – ênfase à prática para se chegar à teoria
Isto abre a perspectiva de como pode ser incentivado os jovens pesquisadores, consagrados aos estudos da química e das demais ciências, e o que se deseja dos mesmos? (Pavlov) “Antes de tudo – constância. Nunca posso falar sem emoção sobre essa importante condição para o trabalho científico. Constância, constância e constância! Desde o início de seus trabalhos habituem-se a uma rigorosa constância na acumulação do conhecimento. Aprendam o ABC da ciência antes de tentar galgar seu cume. Nunca acreditem no que se segue sem assimilar o que vem antes. Nunca tentem dissimular sua falta de conhecimento, ainda que com suposições e hipóteses audaciosas. .... Em segundo lugar – sejam modestos. Nunca pensem que sabem tudo. E não se tenham em alta conta; possam ter sempre a coragem de dizer: sou ignorante. Não deixem que o orgulho os domine. Por causa dele, poderão obstinar-se, quando for necessário concordar; por causa dele, renunciarão ao conselho saudável e ao auxílio amigo; por causa dele, perderão a medida da objetividade. .... Em terceiro lugar – a paixão. Lembrem-se de que a ciência exige que as pessoas se dediquem a ela, durante a vida inteira. E se tivessem duas vidas, ainda assim não seria suficiente. A ciência demanda dos indivíduos grande tensão e forte paixão. Sejam apaixonados por sua ciência e por suas pesquisas.
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Nossa Pátria abre um vasto horizonte para os cientistas e é preciso reconhecer – a ciência, generosamente, nos introduz na vida de nosso país. Prossigam com o máximo de generosidade! ” Num mundo que se diz mundializado, torna-se importante destaque à cultura da região como elemento para tal análise. No caso singular do Nordeste, o seu produto cultural, a sua produção em ciências, terá maior valor se houver participação do povo nesse produto, afirmando-se naquilo que o fizer diferente, furtando-se ao convite de se tornar igual ou semelhante aos demais produtos, nesse universo de desejos da mundialização. Pensar valores culturais de qualquer região, mesmo o produto do conhecimento no campo das ciências, diante dessa situação, é um convite à análise do objeto mesmo, a ser valorado nesse universo - o próprio produto cultural. Isto nos convida ao debate teórico sobre cultura, cuja concepção define procedimentos e relações constituintes da ação produtiva. Continuando a discussão já iniciada no início do texto, cultura pode ser entendida, num sentido de maior amplitude, como produção da existência em geral. Assim compreendida, abre a possibilidade de ser vista como expressão da própria produção do homem, por si mesmo, e da produção dos meios de sustentação de sua vida. Como produto do processo produtivo, adquire dupla natureza: apresenta-se com os significados de bem de consumo, enquanto se materializa nas coisas colocadas na natureza, e bem de produção, enquanto as idéias humanas dominam os entes de natureza, humanizando-os. .... A valoração dos entes de cultura, em tempos de globalização, é fundamental para a manutenção da existência de um povo. Esta existência é uma tarefa política para os que produzem bens culturais, inclusive o conhecimento científico, se animados pela participação deste mesmo povo. Assim, para tal realização faz-se urgente que o seu estudo e sua pesquisa insiram-se no embate por um projeto de universidade pública, gratuita, de qualidade, democrática, laica e, necessariamente, crítica. Este grito me parece ser daqueles que pensam a educação, o ensino nas ciências, em particular a química e que precisa estrondar em todos os rincões. Alertar para os encantos dos dominadores que, com simpatia, aspiram instalar-se nas mentes (simbólico), seduzir os corações para melhor domesticar, depois. O educador, também pela química, não pode deixar que se acabe a esperança e morra a utopia, por mais difíceis que sejam os tempos. Ele pode contribuir, decididamente, ao ascenso do patamar civilizatório da arquitetura incessante por uma sociedade em que todos, sem qualquer tipo de exclusão, possam viver com justiça, com igualdade e em estado de felicidade.
Referências .MELO NETO, José Francisco de. Educação contemporânea. João Pessoa, 2004. (Texto didático) .PAVLOV. I. Carta aos jovens. (texto didático) .PINTO, Álvaro Vieira. Teoria da Cultura. In: Ciência e existência – problemas filosóficos da pesquisa científica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. .RESISTÊNCIA POPULAR – possibilidades ontem e hoje. José Francisco de Melo Neto e Wojciech Andrzej Kulesza (Orgs). João Pessoa: Editora d Universidade Federal da Paraíba, 1999.
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TEXTO 10 CIDADANIA E GESTÃO DEMOCRÁTICA – elementos sugestivos42
Estamos apresentando alguns elementos a fim de contribuir para a discussão sobre Cidadania e Gestão Democrática. Antes, porém, é necessária uma avaliação preliminar do Estado brasileiro, historicamente, apropriado pelas elites dominantes que o transformaram em propriedade particular e vêm se beneficiando, inclusive, das riquezas estatais ao gerenciar os cofres públicos. Portanto, para que possamos discutir Cidadania e Gestão Democrática precisamos apresentar propostas que venham contribuir para a desprivatização do Estado brasileiro. Um ponto fundamental a destacar nesse processo de desprivatização do Estado é a transparência em todas as atividades públicas: democratização do orçamento a fim de se evitar as maracutaias – “a maquiagem” nos balancetes, desvios de verbas, superfaturamento, despesas desnecessárias, etc, - ; manter a população informada sobre todas as ações governamentais; definir claramente as instâncias de coordenação das políticas administrativas c/ relação aos serviços prestados à população; garantir a estabilidade no emprego público, cabendo a sua fiscalização dos serviços prestados pela comunidade; garantir o concurso público como um princípio universal – a única forma de ingressar na administração pública, enquanto que os pró-tempore ou prestadores de serviços, apenas em casos emergenciais por, no máximo, três meses; incentivar a profissionalização dos cargos públicos para que a ocupação dos mesmos se dê por merecimento e não por apadrinhamento; descentralizar as decisões administrativas a fim de se fiscalizar a sua execução, possibilitando soluções criativas; fazer uma ampla Reforma do Judiciário que venha democratizar a Justiça, tornando-a eficiente e pondo um ponto final aos privilégios e aos interesses corporativos. É preciso, porém, criar mecanismos de participação e controle social do Estado para que haja, efetivamente, transparência nas atividades públicas. A dimensão participativa é uma exigência determinante para que a cidadania se concretize. Atualmente muitos falam em cidadania: FHC, Maluf, ACM, José Maranhão, Félix Araújo, Lula, mas de qual cidadão estamos falando? O cidadão do qual falamos e que, mais do que nunca se faz necessário, é aquele capaz de utilizar seu raciocínio e chegar a conclusões críticas. Crítica no sentido de buscar a essência das questões, descobrindo sempre as suas dimensões positivas e negativas, atuando, a partir daí, para que algo aconteça. O cidadão crítico descobre e nega a visão de que nada muda: sempre foi assim e assim será. Busca superar a dimensão do que tudo está (pré)estabelecido. É capaz de elaborar suas propostas, encontrar mudanças, atuando para que se construa um mundo diferente. Acredita que tudo pode mudar - mudar para melhor. Ser crítico significa desconfiar daqueles que dizem que a fome, o analfabetismo, o desemprego, os baixos salários, “a crise financeira”, etc. , são problemas imutáveis. “É assim por sempre foi assim. Sempre houve fome e desemprego e sempre existiu uns ricos e outros pobres”. E, se algo muda é “por obra e graça” dos governos de plantão – do Grande Pai. O professor crítico, por sua vez, nega esta situação. Não é passivo e nem apenas um contemplador da realidade, do mundo que o cerca. Não acredita no magistério como um sacerdócio. Enfim, o cidadão/professor/aluno precisam ser críticos, bem como, de ação. É preciso, portanto, fazer educação vislumbrando a construção da cidadania. É necessário que os alicerces da cidade estejam sendo preparados nas escolas e a gestão, necessariamente, pode tornar-se democrática, expressão de uma profundo exercício pedagógico que contemple a construção da democracia. A Gestão Democrática deve se expressar através do incentivo à organização interna da própria escola através da participação dos alunos e da comunidade que ela atende. Assim, talvez 42
Texto editado por Jornal Correio da Paraíba, João Pessoa-PB.
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se torna possível a superação de muitas dificuldades pedagógicas e também culturais que dificultam esse tipo de gestão. O poder pessoal deve ser utilizado como incentivador da participação. Na ausência de cidadania, onde os indivíduos têm seus direitos negados e/ou desrespeitados, é comum o abuso de poder como meio de se impor à cidadania. Há fortes exemplos desse tipo de atitude, como aquele de que quando algum colega assume um cargo na escola, ouve-se logo o comentário: “ele está com um rei na barriga”. Uma outra questão a ser superada é o caráter tecnicista que orientou a escola durante muito tempo e que se mantém até o presente: a gestão escolar como mera repassadora de recados e ordens das Secretarias de Educação. Uma Gestão Democrática discute e alimenta, permanentemente, o processo de discussão. Nunca se coloca como “o porta-voz da verdade” – única e absoluta na escola. A humanidade na busca, constante, de novos conhecimentos é a atitude mais científica. A competição exacerbada deve ser combatida com ações que valorizem a cooperação, a humanização do homem e da sociedade, possibilitando a primazia da justiça e da solidariedade em detrimento de qualquer forma de competição destruidora das pessoas. É preciso ressaltar contudo que a implementação de uma Gestão Democrática não pode, nem deve, ser responsabilidade apenas do diretor ou gerente, mas de toda comunidade escolar que também precisa lutar para que a democracia se realize sem cair no jogo das trocas de favores que também se encastelam no ambiente escolar, sobretudo nos momentos de eleições para as direções escolares. A Gestão Democrática passa, ainda, pelo desejo de se discutir a relação professoraluno, as relações interpessoais, os planos de estudos, a análise dos quadros curriculares das séries e dos cursos, uma nova postura diante do mundo e outros. Uma Gestão Democrática, em particular da escola, não exige medidas mirabolantes, shows pirotécnicos que camuflam a realidade no jogo das aparências. É possível medidas simples, concretas, realizáveis, mudando o quadro do Sistema Educacional Brasileiro que é um dos mais perversos do mundo. Raul Seixas já ensinava a sua preferência em existir, expressando a “metamorfose ambulante” , externando o seu amor pela mudança. A realização de ações, aparentemente tão pequenas e simples, será uma tarefa bastante árdua para os/as educadores/as. Contudo, é dessa forma que poderão ser dados grandes passos na construção da cidadania, enquanto crítica e ativa.
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TEXTO 11 EDUCAÇÃO PARA TEMPOS NEOLIBERAIS43
A tarefa continua sendo o exercício de elementos culturais que promova uma educação animada de valores para a participação das maiorias na construção de sua história.
Iniciaremos esta discussão com a seguinte pergunta: qual o tipo de educação para as classes trabalhadoras em tempos de neoliberalismo? A resposta a esta questão é, na verdade, um convite para analisarmos, inicialmente, o espectro das figuras representativas do atual quadro dessa classe44. Atualmente, temos visto que os trabalhadores encontram-se divididos em vários agrupamentos quanto à situação de empregado. Há aqueles que gozam de estabilidade e garantia de emprego. São, em geral, os que estão no quadro de servidores do Estado. Conseguiram, mesmo com a crise, assegurarem os seus empregos. Lutam por aumentos salariais e, mesmo que consigam baixos percentuais, ainda „garantem‟ o seu nível de salário. Na outra ponta estão os excluídos do trabalho que são lançados, a cada dia, na sarjeta, sobretudo, os idosos e os de pouca qualificação dos setores que estão desaparecendo do mercado, além dos jovens, impedidos de penetrarem na vida ativa como trabalhador. Nesse meio termo, está uma massa de trabalhadores que flutua nas diferentes possibilidades da precariedade. Há os que estão em pequenas ou médias empresas em regime de sub-empreitada e de concessão, atendendo encomendas de outras grandes empresas; os trabalhadores em tempo parcial que, mesmo integrados ao coletivo do trabalho, estão excluídos de direitos sociais ou benefícios reservados aos trabalhadores de tempo integral; trabalhadores temporários que operam sob contratos e não participam de qualquer garantia de emprego permanente (formas que não pararam de crescer com a crise geral); os trabalhadores-estagiários, geralmente jovens, cujas empresas beneficiam-se em suas diferenciadas formas de estágio, além dos que operam na “economia subterrânea”, às vezes compreendidos como trabalhadores informais ou integrantes do “mercado negro” de setores de serviços. Este é o espectro dos trabalhadores de hoje, sendo todos vítimas da precariedade do emprego e da renda; da desregulamentação das normas legais e convencionais; da regressão dos direitos sociais e das conquistas da classe; da quase ausente vantagem nas convenções coletivas; da ausência da proteção sindical e, em conseqüência, de uma extremada posição de buscar solução para os problemas de forma individualizada, desprezando a ação coletiva. Para este setor da sociedade, qual o tipo de educação que lhe é útil? É possível, de forma telegráfica, afirmar que é razoável pensar-se em processos culturais contribuintes para a educação popular. Como serem compreendidos os processos culturais de uma educação popular? Afinal, o que é popular? Vejamos a tabela que segue, fruto de pesquisa realizada entre os militantes de movimentos sociais, no Estado da Paraíba.
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Texto apresentado no Seminário sobre Neoliberalismo, realizado em 23 e 24 de abril, no Lyceu Paraibano, em João Pessoa, PB.
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Uma revista que discute os movimentos sociais e os movimentos sociais populares é a Mutações Sociais, editada desde o ano de 1992, pelo CEDAC, Organização Não-Governamental, com sede no Rio de Janeiro.
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CONCEPÇÕES DE POPULAR 45
QUANTITATIVO DAS CONCEPÇÕESi
CAMPOS TEÓRICOS DAS CONCEPÇÕES
1. ORIGEM Algo é popular quando tem origem no povo, nas maiorias. 20,68% das compreensões externas apontam Alguns indicadores: vem da base; vem da para visão de que algo é popular quando tem experiência do povo; vem da tradição do povo; essas origens. vem das classes desprivilegiadas; dirige-se às maiorias, ...
2. METODOLOGIA Algo é popular quando traz consigo um procedimento que incentive a participação, ou seja, um meio de veiculação e promoção para a 51,73% das compreensões externadas nas busca da cidadania. entrevistas apontam para visão de que algo é popular se expressar mecanismo para contribuir Alguns indicadores: direcionado ao povo para o exercício da participação. Popular como humilde; ampliando canais de participação; sinônimo da própria prática. exercitando participação ativa; possibilitando tomada de decisão; ouvindo e implementando decisões; promovendo novas formas de intervenção das massas; ... 3. POSICIONAMENTO FILOSÓFICO
POLÍTICO
E
21,84% das compreensões externadas nas Algo é popular se expressa um cristalino entrevistas apontam para a visão de que ser posicionamento político e filosófico diante do popular é posicionar-se diante do mundo, mundo, trazendo consigo uma dimensão tomando um posição promotora de mudanças. propositivo-ativa voltada aos interesses das maiorias. Alguns indicadores: assumindo as lutas do povo; atendendo interesses da população; resgatando a visão de um mundo em mudanças; propondo melhoria de vida do povo; trazendo a perspectiva do povo; ... 4. OUTROS ASPECTOS
5,71 % compreendem a questão do popular como algo que deverá estar na consciência de Surgem outras concepções trazendo as cada indivíduo. possibilidades de que ser popular passa pelo 45
Total de indicadores selecionados das concepções de popular: 87 (oitenta e sete) indicadores.
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institucional. Pode ter origem no institucional, como sindicatos, associações ambientalistas, etc. Outros entendem que o ser popular é uma questão de consciência. Alguns Indicadores Algo que vem de associação (comunidades de Base, movimentos dos Sem-Terra, sindicato...); uma questão de consciência.
Como se vê, popular adquire uma plasticidade conceitual, exigindo, para os dias de hoje, uma definição que, rigorosamente, passa por movimentos dialéticos intrínsecos ao próprio conceito, inserido no marco teórico da tradição e atualizado para as atuais exigências. Nessa perspectiva, é possível mostrar um movimento conceitual que envolve os elementos que estiveram presentes nos variados momentos históricos e outros que foram sendo assimilados com o tempo. O termo relaciona todas as suas dimensões constitutivas ao mesmo tempo em que se diferencia de cada uma delas, porém mantendo-as na sua formulação conceitual. Suas dimensões fundantes são: a origem e o direcionamento das questões que se apresentam; o componente político essencial e norteador das ações; as metodologias, apontando como estão sendo encaminhadas essas ações; os aspectos éticos e utópicos que se tornam uma exigência social. Algo pode ser popular se tem origem nos esforços, no trabalho do povo, das maiorias (classes), dos que vivem e viverão do trabalho. Mas, a origem, apenas, não basta. Esta, inclusive, pode nascer de agentes externos, evitando-se, todo tipo de populismo que porventura possa surgir. É preciso ter-se conhecimento da direção para onde está apontando o algo que se postula popular. É preciso saber quem está sendo beneficiado com aquele tipo de ação. Algo é popular se tem origem nas postulações dos setores sociais majoritários da sociedade ou de setores comprometidos com suas lutas, exigindo-se que as medidas a serem tomadas beneficiem essas maiorias. Ao se definirem a direção e os interesses envolvidos, entra em cena uma segunda dimensão conceitual, que é a dimensão política. Ser popular é ter clareza de que há um papel político na educação popular. Essa dimensão política deve estar voltada à defesa dos interesses desses setores da sociedade. Em um segundo momento, as ações educativas precisam ser reativas às formulações ou às políticas impostas a essas maiorias. Reativas no sentido de busca de alternativas e conteúdos que conduzam ao exercício de iniciativas e não de repetição do estabelecimento. Reativa enquanto geradora de ação própria e, normalmente, original, retirada da prática do dia-a-dia, ou quando se torna capaz de compor um novo tecido social com outros valores e objetivos. Ser popular, portanto, significa estar relacionando as lutas políticas com a construção da hegemonia da classe trabalhadora, mantendo o seu constituinte permanente, que é a contestação. Uma educação essencialmente contestadora. É estar se externando através da resistência às políticas de opressão, somadas a políticas de afirmação social. Uma educação é popular quando é capaz de contribuir para a construção da direção política dos setores sociais que estão à margem do fazer político. O popular pode expressar-se de várias maneiras ou através de diferenciadas metodologias. A metodologia que confirma algo como popular vai no sentido de promover o diálogo entre os partícipes das ações e, sobretudo, que seja contributiva ao processo de se exercer a cidadania crítica. Cidadania que se constitua como um exercício do pensamento, na busca das questões com as suas dimensões positivas e negativas contidas em qualquer ente do desejo de análise. Mas, a cidadania não se resume à análise. É preciso também que o indivíduo prepare-se para a ação, para desenvolver metodologias que exercitem o cidadão para a crítica e para a ação. Busca ainda promover as mudanças que são necessárias para a construção de uma outra sociedade, mesmo que arriscando a ordem para proporcionar direitos a todos, sendo a justiça, efetivamente, igual para todos. Essa metodologia, entretanto, rege-se por princípios éticos oriundos também das exigências do trabalho. Ser popular é estar dirigido por princípios voltados àquelas maiorias. Nesse contexto, é que se reafirma como fundamental o princípio do diálogo, oferecendo condições para a promoção
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do pluralismo das idéias. Este deve ter condições de promover princípios como a solidariedade e a tolerância, na busca incessante da promoção do bem coletivo, sem cair no relativismo ético. Esse conceito arrasta uma tipo de educação que envolve as utopias tão necessárias para os dias atuais. Ser popular é tentar alternativas. Uma educação popular é a promoção de alternativas. É estar realizando o possível, mas que, ao se realizar, abre, contraditoriamente, novas possibilidades de utopias, cuja negação trará os elementos já realizados e tentativas de novas realizações. Isto só ocorre quando da sua realização mesma, caminhando para aquilo que é o necessário. A utopia da democracia, como valor permanente a ser vivida, sem qualquer entrave. Precisamente, nos espaços da realização e da não-realização, estão as suas contradições e suas dificuldades maiores. Educação popular que não pode transformar-se em agente impeditivo da intransigente e radical busca por novas concretizações de sonhos de liberdade e de felicidade. Além disso, a educação popular definida nestas bases, abre a possibilidade à manutenção de sua caminhada para tornar-se, cada vez mais, uma educação para as massas e sem promover qualquer tipo de sectarismo. Enfim, uma educação para os trabalhadores que lhes proporcione condições para uma outra ascese cultural.
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TEXTO 12 O ESTADO RETÓRICO46 O cotidiano da vida política, vivenciada no país com a ciranda partidária, levanta uma questão que tem sido permanente: a escolha de pessoas para exercerem a arte da política. Desafio antigo, inclusive para Sócrates, que se debatera com a questão. Para ele, esses representantes deveriam estar voltados para a realização do bem de todos. Assim, como se pede as credenciais de médico para alguém que pretende medicar ou para alguém que se propõe ao campo da arte, para o político também seria necessária tal exigência. Como esta discussão está no campo da arte de melhorar a pessoa humana, seria lógica a pergunta ao desejoso de abraçar a carreira de político: Que humanos ele tornou melhores, antes de efetivamente exercer a arte da política? Uma pergunta que fora manifestada no momento histórico dos grandes estadistas atenienses como Péricles, Címon, Milcíades e Temístocles. Estes, inclusive, se quer conseguiram escapar da crítica. Péricles, dizem os seus críticos, foi responsável por ter tornado os atenienses „ociosos, covardes, tagarelas e ambiciosos‟ quando da implantação do pagamento de gratificações pecuniárias. Estes políticos ou estadistas, para aquele pensador grego, efetivamente, foram meros servidores do Estado, em vez de contribuírem para a educação do povo. Vive-se um momento político em que se constata a dificuldade da existência desses estadistas, na perspectiva socrática. Basta ver o que se apresenta como política na maior potência bélicofinanceira mundial, atualmente, com suas máximas vingativas. Por outro lado, há forte carência de estadistas ao lado daqueles que estão vendo a promoção da vingança como única saída e como porto seguro do exercício de suas liberdades. Através da mídia, promovem suas guerras e constroem Estados embalados por mera retórica. No país, esta carência se aguda ainda mais. Os estadistas daqui se limitam às repetições dos discursos surrados daqueles que assumem e realizam a fiscalização do mundo. Chegam às raias da bajulação e quem os criticar será considerado alguém do lado do mal. Tratam da mesma maneira a educação, a saúde, o desemprego... Divulgam-se até listas de mortos-vivos. Tudo não passa, enfim, de discursos enfeitados que são prontamente rebatidos pelos dados da realidade. E na Paraíba? A coisa repete-se com maior intensidade. Estabeleceu-se um governo da austeridade, associando-o ao desenvolvimento. Esta corrente política detém o governo, com a mesma sigla partidária, há mais de 15 anos. Mantém uma perspectiva dualista de governo, possibilitando que a próxima escolha de políticos esteja submetida não ao crivo do exercício da virtude dos mesmos e sim, incentivadora dessa dualidade – preto ou branco. Um outro agrupamento político, com chances de vitória, estabelece o amor poético à cidade. Este grupo, apresentando-se reciclado e mais jovem, promete diálogo, transparência, participação da comunidade; expressa não mais que um desejo insincero de realização dessas políticas. Mesmo sendo uma meta importante, está, porém, prisioneira da retórica. São políticos os quais já se apresentaram como estadistas e não realizaram o seu eros. Existe, ainda, outra constelação política que vem se esforçando para anunciar uma proposta democrática e popular cheia de desejos críticos mas que, até agora, só tem acumulado uma atormentada retórica, embolada na compreensão de seus anseios democráticos e fluidos quanto ao popular, enquanto não se externar o papel educativo reservado aos seus estadistas. Aliás, corre-se o risco de se firmar, talvez, mais um caminho para a manutenção desse Estado de retórica. O que há de novo nesse debate, não é a posição dos políticos superficialmente apresentada e conhecida, mas o papel do Estado, veiculado pela tradição de se promover a política da polis. Essa brusca negação do Estado apresentada, não conduz a uma demolição total do mesmo, nas 46
Texto produzido para o Jornal Correio da Paraíba, João Pessoa-PB.
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circunstâncias atuais. Assim, é que se pode pensar no avanço educativo dos pretendentes ao exercício da política. Dessa forma, parece que se cai numa aporia, pois é desse povo que se origina tal tipo de político. Ele não surge do acaso. Ao se pensar em educação, toma-se como ponto de partida uma nova vontade em relação ao Estado. Um Estado e um político que se apresentem como educadores para uma tarefa diferenciada dessa tradição decadente. Ora, essa renovação e educação do político, também exigirá do Estado a renovação de seus fundamentos, constituindo de forma inequívoca, aquilo que fará a diferença do passado com o futuro, no próximo período eleitoral. Mas, que novos pontos podem ser estes, considerando a urgência da evolução política e a superação desse Estado retórico? Em primeiro lugar, um grande esforço é urgente no sentido de que as razões de Estado e o sentimento moral dos indivíduos sejam recuperados como um processo único, impedindo que o seu divórcio se aprofunde. Em segundo lugar, outra exigência é realizar a democracia como um valor que seja buscado de todas as formas e permanentemente, reforçando as dimensões do popular, como algo que tem origem no povo e, portanto, nas maiorias. É importante resgatar o popular como qualquer instrumento incentivador da participação, veiculando a busca pela cidadania, que seja ativa. Serão populares todos os procedimentos que forem na direção do assumir as lutas das maiorias. E, o interesse atendido seja aquele que resgate uma visão de mundo em mudança, buscando melhorias de vida para e com o povo. Os novos pontos não podem contribuir para uma maior moderação aos setores conservadores e, muito menos, negociar a criticidade. Não se podem perder as pegadas das formulações promotoras de mudanças populares já em andamento - expressões criativas de um projeto geral para avançar na perspectiva da democratização da propriedade, da riqueza e do poder. Assim, pode-se esperar que o Estado, superando o estágio da retórica e os políticos assumindo o seu papel de educador, tornem possível a construção de uma outra civitas.
JP/10/01
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TEXTO 13. EXTENSÃO POPULAR E SAÚDE – a universidade em movimento47.
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Capítulo do livro: Educação Popular na Formação Universitária - reflexões com base em uma experiência. Editora Hucitec e Editora Universitária UFPB, São Paulo e João Pessoa: 2011.
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Tive a oportunidade de conhecer um conjunto de projetos e atividades de extensão universitária, em vários lugares do país. Em Minas Gerais, a UFMG mantém um jornal quase semanal de tudo que acontece por meio de suas práticas de extensão. Vi também a extensão da UFRJ, onde há bom número de projetos em desenvolvimento. Assim, também, projetos e produtos dessas atividades, nas universidades federais do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba e nas universidades estaduais - USP e Unicamp. Pude observar uma idéia fortemente cristalizada na efetivação e nos debates da extensão que é a percepção de que a instituição doa “coisas” para a sociedade. A universidade, arvorando-se de sua capacidade produtora de conhecimento e tecnologia, leva-os para a sociedade. Nelas, identifiquei muita assistência em tecnologias, para boa parte do parque industrial instalado. Isso tudo é importante, mas há outros grupos na sociedade com grandes necessidades e que a universidade pode também contribuir na sua organização e seu atendimento. Mas, por outro lado, no desejo de fazer essa sua doação ou atendimento assistencial, por meio da extensão, a universidade descobre que também estar recebendo conhecimentos da sociedade. Na UFPB, acompanhei algumas experiências extensionistas desenvolvidas em bairros da capital (João Pessoa), bem como na área rural, através de projetos no Vale do Mamanguape. Nessas experiências, ficou bastante nítido um tipo de extensão voltada para aqueles que estão com maior carência na região e muito para além de mera assistência. Seja com índios, com agricultores familiares, com quilombolas, com trabalhadores das usinas de cana, ou mesmo, com trabalhadores e movimentos sociais na área urbana. Os projetos do setor saúde têm tido um destaque especial nesse sentido, configurando, juntamente com aqueles demais projetos, uma singular forma da extensão, a extensão popular. Foi na Paraíba que vi a radicalidade de grupos em extensão promoverem as dimensões políticas da vida social, tanto pelo próprio esforço para desenvolver ações tais, mas, sobretudo, incentivando as pessoas a procurarem sair de seus „sufocos‟ e transcenderem suas dificuldades mesmas. Romper com aquele estilo de vida estabelecido, alicerçado como que se não mais fosse possível ser modificado. Nessas iniciativas de extensão, a saúde e a doença têm sido um ponto de partida. Mesmo guiado por um atendimento no campo da saúde, é perceptível não ser apenas este o seu objetivo central. Interessa nessas ações a construção do ser sujeito, e nesse sentido o pessoal da UFPB, particularmente da saúde, tem dado importantes avanços. Este é o caso do Projeto “Educação Popular e Atenção a Saúde da Família”, o PEPASF, cujos conhecimentos produzidos, em boa parte estão compartilhados neste livro. Não participo diretamente dos projetos de extensão popular da área de saúde, como o PEPASF, no sentido de estar presente diariamente nas ações, mas venho seguindo o desenrolar de suas atividades. A partir dessas observações e da convivência com alguns de seus autores, posso tecer alguns comentários sobre essa experiência, à luz do amplo movimento extensionista que parte da saúde, sob a perspectiva da extensão popular, como aporte teórico para a discussão sobre a extensão e o papel social da universidade. Sujeito sim, “paciente” não! A partir de algumas discussões com o PEPASF e alguns encontros na Comunidade Maria de Nazaré, posso ver, em primeiro lugar, uma re-arrumação geral do conceito de saúde. Imagine o contato de qualquer pessoa com o profissional de saúde, para cuidar de algum problema de sua saúde. Como essa pessoa é vista por aqueles profissionais? Certamente, sempre como o “paciente”; aquele que tem muita paciência. Geralmente, alguém à espera das recomendações de outro sujeito, aquele que está vinculado à saúde, seja médico, enfermeiro, nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, enfim. Qualquer um
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desses profissionais, tradicionalmente, poderá fazer daquele “paciente” o que quiser. Não restará ao mesmo uma opção por qualquer coisa. Pode ser até que não seja necessária a realização de algum procedimento específico de saúde, mas se o profissional quiser, deverá ser feito. Ele tem toda a autoridade perante o “paciente” pois, como o próprio nome diz, ele tem de ficar lá, num canto e bem quieto, aguardando a sua vez. A meu ver, esta é a perspectiva geral que se tem quando se lida com saúde e doença, nessa relação com os profissionais da área. Por esse olhar, todos são “pacientes”. No PEPASF, o que posso ver, é que são os profissionais da saúde que procuram as pessoas. Aí, já começo a perceber a existência de uma inversão total do jeito de encarar a saúde e a doença. Há uma profunda reviravolta, uma rediscussão, verificada primeiro nas cabeças dos vários profissionais que estão se formando; estudantes que estão nos mais diversos cursos da área de saúde, aprendendo um estilo diferente de enxergar aquele “paciente”. Neste Projeto, há uma re-arrumação total no conceito teórico de saúde e doença. Há uma intencionalidade política explícita nas ações da extensão popular na saúde, evidenciada neste “querer formar” profissionais com um novo olhar, a partir da rearrumação do conceito de saúde. Mas não é só isso. Ao se ir à casa daquele “paciente”, ao seu encontro, procurar uma re-mexida na vida daquela pessoa, aquele futuro profissional irá aprender não somente a técnica estrita de sua competência específica, mas estará envolvendo questões materiais e espirituais dessa gente. Nesse momento, ali não estará mais um “paciente”. Ele estará conversando com a pessoa na casa dela; no cenário dela; tomando conhecimento inclusive de sua situação financeira. Além disso, analisará não só individualmente, mas perceberá que a saúde de cada pessoa tem a ver com a saúde do outro, da vizinhança, da comunidade. Mesmo que biologicamente a saúde diga respeito a um organismo em específico, os estudantes poderão passar a compreender que ela mesma tem dimensão social. Ela está em uma pessoa, mas é também um produto social. Isso é uma remexida total para com aquela percepção tradicional. O futuro profissional estará se imbuindo, portanto, das dimensões políticas do fazer saúde, que vão muito além da simples referência de estar bem ou não, do ponto de vista da biologia. A extensão popular, particularmente na saúde, tem desenvolvido não apenas um registro do “paciente” ou análise de suas condições de saúde desse agente de saúde. Até porque esse profissional pode se envolver, ter essa re-conceituação de saúde e da doença, imbuir-se de todos os problemas de ordem financeira e de ordem econômica, das questões sociais, dos relacionamentos interpessoais e até da espiritualidade dessas pessoas, mas não tomar atitudes ou redirecionamentos a partir desses elementos constatados. O profissional pode fazer uma grandiosa pesquisa, registrar tudo isso de maneira bem organizada e sistematizada, promovendo debates, posteriormente, e definindo novas ações. Poderá, quem sabe, apresentar dissertações ou monografias doutorais com estas constatações, em cursos de pós-graduação. A dimensão que vejo na extensão popular é a do caminhar a partir dali. Dos encaminhamentos que aquelas situações várias podem conduzir a todos, não apenas os profissionais mas a comunidade. Percebo isso nitidamente na experiência da extensão popular na saúde, como é o caso do PEPASF. Ora, ao identificar os problemas x, y, ou z, esse grupo mobiliza-se para buscar encaminhamentos decorrentes dessas situações. Há um contato inicial, um registro daquela situação. Mas, ao grupo extensionista interessará que aquele povo comece aprender a reivindicar. Esse é um fator político fundamental, porque é aí, na tomada de atitude no seu fazer que as pessoas poderão tornar-se efetivamente sujeitos de suas vidas. Então, em projetos como este, há um rompimento definitivo com aquela situação de “paciente”. “Paciente” não é sujeito de sua história.
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Outro movimento estudantil A meu ver, não há dúvidas de que os estudantes que estão se formando nestas experiências de extensão popular serão outros profissionais, na sua vida futura. Fico muito triste em ver, em todas as áreas do saber, estudantes que se preocupam exclusivamente em assistir aulas. De olhos vidrados nos movimentos do professor/a. Certamente, muitos recebem a nota máxima quando são submetidos às avaliações. Mas a universidade não é só olhar para as caras dos professores. Nem tornar-se um mero operador daquilo que o professor disse que deveria ser feito. Não, universidade não é isso. O estudante universitário deveria caminhar pela instituição em seus diversos setores e oportunidades, participando dos projetos vários, seja de pesquisa ou de extensão. Poderia, também, sair um pouco dos muros da universidade, e vivenciá-la lá fora, imersos na realidade. Os estudantes que conseguem fazer esse mergulho apresentam-se com uma nova e diferenciada visão em relação aos demais profissionais de sua área. Terão contatos com novas perspectivas de mundo. Esse fazer que se constitui com as características do bem cuidar, do relacionar-se não autoritariamente com o outro, em promover o outro, são elementos do conceito de popular. Um projeto de extensão com essas características estará caracterizando-se como um projeto de extensão popular. Observe-se o caso da Articulação Nacional de Extensão Popular (ANEPOP), criada e mantida graças aos esforços de vários estudantes que vieram dos projetos de extensão país afora, como o PEPASF. A criação da Articulação já demonstra o crescimento desse outro jeito de fazer extensão e o quanto tem possibilitado formar sujeitos comprometidos com um outro fazer acadêmico. Ademais, a ANEPOP evidencia uma pedagogia de promoção do outro, existente pela participação estudantil, nestes encontros nacionais da extensão popular. Esse movimento pela extensão que circula através da ANEPOP e de suas práticas tem se tornado robusto, no sentido teórico e prático. E, em nível nacional, tenho visto alguns deles surgindo como lideranças em seus grupos. Claro que não falo aqui de lideranças de multidões. Estes estudantes aprendem o lidar com as pessoas e a realidade no interior de seus projetos de extensão, e descobrem que podem muito bem lidar com seus colegas estudantes, em nível nacional, nas lutas “maiores”, ou mais conjunturais. Portanto, a ANEPOP conduz essa pedagogia. Mesmo tendo seu ponto de partida na saúde, experiências como o PEPASF permitem esse novo olhar estudantil justamente por conceber muitas coisas mais, na perspectiva do cuidar, nesse trabalho social. “Se quisermos cuidar da saúde, precisamos atentar para muito mais do que a própria saúde/doença”, afirmara algum dos membros da equipe deste projeto. Há um estímulo para que o estudante seja muito mais do que um mero operador de técnicas de saúde. É preciso ser um operador para poder cuidar de alguns problemas específicos da saúde, mas é premente estar observando também outras dimensões, outras formas de se ver as coisas, de enxergar a vida. Vejo este movimento de extensão popular inserido no movimento estudantil. Olhando um pouco para trás, pode-se ver um movimento estudantil fruto da ditadura; muitos dos atuais políticos partidários foram seus partícipes. No campo da saúde, lembro Sérgio Arouca, uma das figuras expoentes nesse contraponto de ver a saúde. Nessa época, a movimentação estudantil foi importante para construir um movimento de saúde, onde Eymard Vasconcelos (um dos fundadores do PEPASF) foi outra figura relevante, desde quando ainda era estudante de graduação. Atualmente, o movimento que vem pela área de saúde ganha novos traços, a partir das experiências de extensão popular; é um movimento diferente. É um movimento estudantil também, apresenta preocupações políticas límpidas, mas tem uma conotação
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distinta na política. Ao contrário de outros movimentos estudantis que vêm crescendo na universidade, nos últimos anos, o movimento da saúde não discute primeiro as “questões macro”, as revoluções, fazendo sobretudo o que se chama de “análise de conjuntura”. É tradicional no movimento estudantil que esta “análise de conjuntura” preceda qualquer tipo de ação. Para fazer algo, tem-se primeiro que entender a conjuntura. Por outro lado, o movimento que emerge dos projetos de extensão popular na saúde traz semelhantes conotações, porém por outros caminhos. Em primeiro lugar, anuncia que o movimento é pela saúde (“nossa proposta é aglutinar esse grupo aqui”); cuida-se de problemas locais; investe-se nos caminhos mais palpáveis e nas interações mais prementes para aquele grupo social com o qual se trabalha; e não se começa necessariamente pela “análise de conjuntura”. Estas preocupações e problemas configuram-se como pontos de partida. Sabese que não se estar descolado do geral. Quer dizer, aparentemente está desconectado do geral, mas o trabalho é concreto, localizado e dedicado à questões mais específicas, mas nunca se encerra nisto. Os problemas sentidos localmente demandam reflexões e inserções mais gerais e conjunturais. Partindo assim, da base, percebo que se abrem muito mais possibilidades. E mais: esse exercício de concretude é algo que diz respeito a um projeto estratégico de longo prazo. Nas discussões que pude participar no PEPASF, vejo que o debate vai muito para além daquele ambiente e daquele mundo concreto. Aquele ambiente, na verdade, convida para o conhecimento da conjuntura. Aquele outro jeito exigia que, inicialmente, era necessário entender-se de política geral, macro-economia, e “macro-saúde”, a saúde da nação brasileira. Nesse outro movimento, para eu fazer algo tenho que primeiro ver aqueles problemas locais. Ora, mas não para por aí. Aquele problema insere-se em problemas mais gerais, constituindo também um projeto estratégico de saúde para o país. Portanto, este movimento funciona em bases inversas ao movimento tradicional de estudantes, isto é, de macro para micro. Às vezes esse movimento mais tradicional ficara só no macro. A extensão popular constrói outro movimento estudantil na universidade, onde o passo inicial está em começar pelo problema mesmo, pela realidade objetiva, para então seguir à análise de conjuntura geral. Uma universidade em movimento Pela extensão popular, tem-se início um outro jeito de ver o mundo em movimento, na universidade que é bastante estática. É como se ainda estivesse no tempo da mecânica newtoniana. Vejo um aprisionamento estrondoso da Instituição a um determinismo duro e a saúde não está na exceção. Pela extensão popular, portanto, há um convite para se realizar a universidade em movimento, pela dialética. Nessa direção, posso, por exemplo, ver o mundo concreto e podendo desenvolver minhas abstrações. E depois da teorização sobre o algo concreto, tomar novas decisões, ter novas sínteses de pensamento para poder continuar realizando práticas melhores, qualificando-as e gerando novas reflexões teóricas, respingando-as em novas práticas. Observe-se o caso do PEPASF. Esse jeito de ir à casa, de ir ao “paciente”, vai desmistificando esse “paciente”, desvelando-o como um ser vibrante, que pode ir ajudando o profissional na sua atuação. Vai se formando como sujeito. Vivenciar essas experiências no seio da universidade desperta grande importância. Enfatizo que aparece traços de um outro jeito de se fazer a academia. Ao falar de extensão popular, não se diz que é necessário acabar com a universidade e as coisas como estão. Até porque o outro jeito, o estático, tem gerado conhecimentos importantes, também. O que se
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afirma, aqui, é que se exercita outra forma de ser acadêmico. Aliás, sempre isto foi possível, mas não se estava pensando em mudanças naquele momento. Então, a extensão popular traz uma nova visão de mundo para os nossos profissionais, outras formas de pensar e encarar o mundo. Traz, do ponto de vista da filosofia, um jeito de produzir um conhecimento por meio de uma metodologia de pesquisa diferente. Ora, hoje posso fazer um trabalho dissertativo ou doutoral sem sair das bibliotecas. Só cuidando das estatísticas e bolando algumas sugestões. Possivelmente, alguma banca doutoral de qualquer área aceitaria e aprovaria. Ora! Não é esse o jeito de se fazer pesquisa acadêmica via extensão popular. É um jeito de pesquisar que tem uma base empírica, mas tem também humanidade. As pessoas não são meros informadores de dados para o pesquisador – a amostra. Numa perspectiva popular, posso realizar pesquisas que envolvam as pessoas não só contribuindo como fornecedoras de dados, mas ajudando o próprio desenvolvimento do estudo. Portanto, um novo jeito de produzir teorias e conhecimentos. E a universidade é um lugar excelente para este exercício. A extensão tem dado essa contribuição a partir desse seu olhar acadêmico. Ao contrário do que muitos imaginam, continua-se acadêmico, mas agora com outro jeito de fazer o trabalho acadêmico. Um jeito de envolver o outro, porque se considera muito melhor incluir o outro. Estar com o outro, mesmo na pesquisa, é muito mais palpitante do que a pesquisa do „eu sozinho‟. Não obstante, isso que se faz na extensão popular é uma pedagogia da educação popular. Não é, portanto, qualquer pedagogia que serve. E esse popular da educação popular não é nenhuma atitude populista, de beijos em criança ou cheiros em gente idosa de políticos em tempos eleitorais. Isso tem nome correto na teoria política: populismo. Na educação popular não aceita tal comportamento. Assumir a educação popular, na extensão, é querer todos os ambientes da vida mais democráticos, participativos. Isso pode ser observado na experiência do PEPASF. Se eu estou trazendo meu “paciente”, e estimulando para que ele seja mais gente, eu estou dizendo que ele pode participar mais; ele deve participar mais mesmo de questões de sua saúde. Ora, fazer isso é estar dando condições não apenas para que o eu seja mais democrático, mas para que o outro possa atuar na vida e ser também cidadão. Cidadão como sujeito que possa estar participando. Essas práticas em extensão popular, particularmente na área de saúde, estão conduzindo as pessoas a atuar nas suas vidas, nas suas cidades. Aprender a reivindicar. A mostrar para seus governantes os problemas e dificuldades. Mostrar que precisam tomar posse dos entes culturais que a sociedade está produzindo, sejam bens materiais e simbólicos. A extensão popular ajuda a re-arrumação conceitual da própria educação popular, observada principalmente na entrada desta última no campo universitário. A extensão popular vem trazendo uma ampliação do que seja o popular, ao permitir a expressão das relações populares dentro da própria universidade. Ou seja, hoje compreende-se que a aula num doutoramento, numa graduação, num mestrado, pode ter sim elementos populares. O popular ganha sentido como forma de relacionamento com o outro, como um estilo não autoritário. E, aí, não há ambiente que não seja possível a sua democratização. Qualquer ambiente é útil para que se exerça a relação não-autoritária. Algumas considerações provisórias Para efeitos de conclusão, posso dizer que experiências como essa demonstram que se pode, fazendo extensão popular e se manter com o rigor do campo acadêmico. Práticas como o PEPASF são convidativas de se ver que, se a extensão estava muito presa a prestar serviços, agora pode continuar prestando um serviço, mas ajudar as pessoas a participarem
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da vida do mundo, como atores do mundo. E mais: sem qualquer interesse imediato, sobretudo, o eleitoral. Não posso estar efetivando um projeto, no campo da comunidade, porque sou candidato a algum posto da vida político-partidária. Estou lá com o olho acadêmico. Isso exige outra pedagogia, uma pedagogia promotora de cidadania. E promover cidadania significa incentivar a participação das pessoas. Do ponto de vista da produção do conhecimento, configura-se como uma perspectiva teórica que tem na base experiencial o seu ponto de partida, na realidade mesma. Não cabe outra metodologia para que seja produzido algum conhecimento, senão a partir do mundo mesmo. É um caminho dinâmico de sua produção. Sinto, finalmente, que pela extensão popular se faz academia de forma muito mais rica e o PEPASF é um exemplo. A universidade, nessa perspectiva, pode perfeitamente começar pela extensão popular.
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6.3. PREFÁCIOS PREFÁCIO 1.
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PREFÁCIO48 Inicialmente, com Freire, os grandes desafios para a educação popular eram o analfabetismo e a cultura dominante que conduziam o povo a manter-se emudecido - a cultura do silêncio. Esta situação de dominação permanece e o inimigo, o analfabetismo, vem sendo pouco a pouco debelado, mesmo mantendo ainda uma forte presença. Isto, contudo, não ajudou a resolver questões centrais que estavam presentes naqueles momentos, e agora vêm à tona com o debate sobre a compreensão da própria educação popular. Este debate ontológico estabelece-se e toma contornos de exigência entre aqueles que definiram tal tarefa social como prioridade em suas vidas. Em síntese, os tempos são outros e as possibilidades de debate adquirem distintas conformações, inclusive com problemas antigos aflorados. O convite da educação popular não se volta, no momento, para um conteúdo que contribua à derrocada de uma ditadura militar, mas parece necessária à discussão da cultura da opressão, do preparo profissionalizante de setores de trabalhadores fora do mercado de trabalho e, ainda, aos aspectos teóricos de sua verdade, a verdade de desejos daqueles que atuam nessa educação. Uma verdade que não está expressa na realidade mesma, pois esta, como já dizia o poeta grego Heráclito, “ama se esconder”. Uma verdade que não se expõe simplesmente nos dados de realidade. O seu conhecimento exige esforço intelectivo para a apreensão e tradução desses dados, a partir das experiências educativas, de suas técnicas e teorias. Experiências que cobram o seu deciframento. Neste percurso, os canais variados e polissêmicos da linguagem cruzam-se. As pinturas, o auditivo, por meio do verbal, os áudios e gráficos estão presentes. Além da associação de fonemas e de palavras, agregam-se palavras com as imagens, palavras com novas palavras, imagens com as palavras e imagens com novas imagens do mundo dos que vivem do trabalho. Uma compreensão de linguagem que ajude a explicar que o uso da língua exterioriza o pensamento e transmite informações, realizando ações com interlocutores. Estes são campos de estudo para serem explorados pela teoria da comunicação e pela teoria da cultura, presentes nos exercícios da educação popular, efetivamente, com dimensões intercomunicantes. Esta coletânea expressa esforços de se ir ao encontro de elementos da comunicação, da teoria política, da filosofia e das vivências mesmas das pessoas, frutos de pesquisa e práticas em educação popular, sejam elas no campo dos movimentos sociais populares ou mesmo no campo da institucionalidade, espaço que se abre para ações educativo-populares. Esse embasamento teórico traz como fundamento o mundo experiencial dos participantes, definido como ponto de partida – o concreto de realidade. Um concreto que caminha para uma síntese primeira por meio do pensamento, exigindo a mais profunda análise, possibilitando a abertura para nova síntese e, assim, continuamente, alimentando novos pensamentos e ações. A categoria teórica movimento acompanha essas reflexões, permeada de um exercício geral de intersubjetividades, caracterizada por um fato dialético desconcertador, que é o conhecimento do eu, o em si mesmo, e o total desconhecimento do outro desse processo de se saber, nessa procura incessante, mesmo de forma aproximada, dos constituintes da educação popular. Constituintes que traduzem a concordância entre aquilo que se faz nas experiências e a enunciação teórica dos mesmos. Os autores e as autoras desta coletânea apresentam uma lista de aspectos que fazem parte do fazer educação popular, sem qualquer pretensão de exaustão, como: práxis, igualdade, emancipação, criatividade, subjetividade, cultura, diálogo, transformação e empoderamento, nomeando-os objetos de suas reflexões. Desta maneira, abre a perspectiva de se ver a educação popular como um sistema de teorias que necessariamente estão em comunicação entre si. A educação popular manifesta-se como um fenômeno humano de apropriação e produção de bens culturais por meio do trabalho que expressa um sistema aberto de ensino e aprendizagem com teorias intercomunicantes. Esse fenômeno comporta uma teoria de conhecimento referenciada na realidade, tendo o mundo concreto como anterioridade, com 48
Prefácio do livro: Educação popular - enunciados teóricos v.2. Editora da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa: 2008.
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metodologias (pedagogia) incentivadoras à participação e ao empoderamento das pessoas. Passa a exigir conteúdos e técnicas de avaliação processuais, permeado por uma base política estimuladora de transformações sociais. Fenômeno humano que se orienta por anseios de liberdade, justiça, igualdade e, sobretudo, felicidade. Mas, há outros aspectos que também vêm sendo apresentados como possíveis em educação popular: o compromisso social, o exercício da crítica e da autonomia, a perspectiva processual do fenômeno educação popular e a própria discussão teórica sobre a realidade em que se funda a sua metodologia, assim como o debate sobre os diferenciados entendimentos de liberdade, de justiça e de felicidade. A educação popular reforça-se como um fenômeno cultural, passando a cultivar um tipo especial de ensino e aprendizagem, com teorias explícitas de conhecimento e de comunicação. Contém uma pedagogia própria, com conteúdos e procedimentos de avaliação, e uma base política libertadora efetivada por constituintes como a promoção de empoderamento das pessoas e seus coletivos, o compromisso político e a transformação. Consubstancia-se, ainda, com a possibilidade de uma visão da educação popular permeada de princípios éticos, constituindo uma filosofia com elementos evidentes de uma teoria de conhecimento, acompanhados de uma metodologia/pedagogia inspiradora de conteúdos para o exercício da crítica e para a autonomia das pessoas. A leitura desta coletânea apresenta o diálogo como exercício da crítica e, em sendo diálogo, “ é comunicação, e, jamais, superposição de comunicados daqueles que se sentem possuidores desses bens (bens culturais)”, assumindo necessariamente a perspectiva de um sistema aberto de educação com teorias que se comunicam. “ E com a dimensão ética do diálogo, a educação popular forja um sistema aberto de ensino e aprendizagem, cuja filosofia convida outros valores éticos para expressar o seu fazer”. Ao adquirir a dimensão emancipadora, a educação popular expõe, contraditoriamente, a sua não realização em uma sociedade de classes, sustentada pelos esteios econômicos traduzidos pelo poder do homem sobre o homem. Tal situação só limita a emancipação do sujeito como a possibilidade de tomada de decisões conscientes e independentes, exigindo, portanto, a superação desse reino de necessidades na busca do estabelecimento de consensos sociais mínimos pautados pelo ideário da Modernidade. O texto sobre a liberdade e sobre a igualdade passa a salientar a necessária discussão sobre tais conceitos. Afinal, é de se debater que igualdade os liberais estão apontando e que tipo de igualdade pode-se pensar com a educação popular. Estarão contemplando a dimensão da igualdade liberal de alguns com tudo ou a condição de igualdade de todos em tudo? Essas teorias não estarão, cada vez mais, desafiando o problema da própria liberdade, um confronto entre desigualdades naturais e desigualdades sociais? Estará a educação popular propondo lutas por uma igualdade abstrata ou genérica puramente? Um convite que também passa a desafiar a prática da justiça. Nessa discussão, aparece a figura do sujeito, com origem no pensamento psicológico, muito centrado no indivíduo e sem uma necessária compreensão das relações existentes com o mundo. Contudo, essa subjetividade não pode reduzir-se a esse indivíduo, sem levar em conta as dimensões do ambiente e, sobretudo, do social. Afinal, o eu não é o eu sozinho sem a definição com o outro e* sem essa relação com o outro. Uma subjetividade que se materializa na realidade mesma, vivenciada pelo humano, definida pelas objetivações das práticas sociais. A prática educativa e popular origina ainda o despertar de seus atores para a dimensão da criatividade nessa ação educativa. Como fenômeno de produção e apropriação de produtos culturais, se carece de seus participantes dessa criatividade para a produção desses entes, ajudando à efetividade da educação popular. Criatividade, portanto, torna-se um constituinte a ser analisado, pois também central ao exercício do aprendizado para o empoderamento das pessoas numa perspectiva coletiva. Uma perspectiva que se constrói por meio do diálogo e que, para não cair na mera denúncia crítica da realidade, precisa-se dos avanços e de novas oportunidades para se “abusar” da democracia, mesmo que limitada às amarras presentes na sua versão contemporânea. Na discussão sobre o modelo de democracia, se pode situar a discussão da praxis que vem sendo acumulada pelos movimentos sociais e pelos indivíduos num caminho da construção e aprofundamento de saberes, das próprias transformações desses atores e da realidade em que se
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vive. Exercícios que se caracterizam como uma práxis que, efetivamente, pela educação popular, manifesta-se como uma ação para mudanças sociais. Esta coletânea apresenta um conjunto de elementos teóricos ricos como material de discussão pelos que atuam em educação popular, em seus ambientes de ensino e aprendizagem, e norteando essa educação por meio de um conceito que possa contribuir para uma maior radicalidade de ações nos ambientes educativo-populares. Assim, esta coletânea oferece ao leitor um conjunto de elementos constitutivos para a educação popular como: ação transformadora, aprendizagem (sentir, pensar e agir), compromisso político, construção do sujeito, crítica, cultura, democracia, diálogo, emancipação, liberdade, práxis, produção e apropriação do conhecimento (metodologia própria), realidade e saberes, entre outros citados. São elementos que indicam a existência de uma teoria de conhecimento que realiza uma pedagogia pautada na crítica, no compromisso político popular e na ética do diálogo. Essa pedagogia reforça a construção do sujeito, o empoderamento dos indivíduos envolvidos nessas ações comunicantes, definindo, portanto, um conteúdo e um procedimento avaliativos orientados no percurso do próprio processo. Ao reforçarem o compromisso político, a emancipação, a igualdade, a liberdade, a justiça e a felicidade demarcam valores para a emancipação da pessoa humana. Essas diversas ações educativas seguem os passos indiciários de Freire, tendo-o como norteador dessa praxeologia. Parece, assim, razoável compreender a educação popular como um fenômeno de produção pelo trabalho e de apropriação dos produtos culturais da humanidade. Como um fenômeno da cultura, a educação popular adquire as dimensões de bens de consumo e bens de produção. Denuncia a divisão do trabalho e expõe a existência humana, em razão de ser o humano o criador da cultura, alimentando uma teoria da cultura. São dimensões teóricas e práticas, de valores para a vida, que promovem a educação popular a patamares com possibilidades para além da ênfase na alfabetização de adultos. Detem em si mesma uma filosofia com posturas éticas que sugerem outro estilo de se viver em qualquer ambiente do cotidiano, podendo ser iniciado na educação do lar, na educação infantil, na alfabetização e nos níveis do ensino básico e médio, consolidando-se na educação superior e espraiando-se por todos os níveis de ensino, também de pós-graduação. Assim é que, com essa demarcação, parece razoável a interpretação da educação popular como um sistema aberto de teorias intercomunicantes. O convite ao debate permanece.
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PREFÁCIO 2 PREFÁCI049
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Prefácio do livro: Educação, extensão popular e pesquisa - metodologia e prática. Maria das Graças de almeida Baptista e Tânia Rodrigues Palhano. Editora da UFPB, João Pessoa: 2011.
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Este livro apresenta um conjunto de elementos críticos, dimensões de positividade e de negatividade, da relação da instituição universitária com a sociedade. Se a visão dominante sobre a universidade faz pensar o ensino, a pesquisa e a extensão, esta coletânea remete, em particular, à discussão dessa relação pelo campo da extensão universitária, enfatizando um modus de praticá-la, denominando-se de extensão popular. Vários são os questionamentos que vêm sendo posto nessa discussão, a partir da natureza mesma dos projetos em extensão que passam a exigir, dando existência ao trabalho acadêmico do grupo de pesquisa – EXTELAR/UFPB, a produção do conhecimento por meio de projetos de extensão, além da necessidade de sua divulgação. No processo de realização desses projetos, a extensão popular tem assumido a postura de se tornar emancipadora, interdisciplinar e sistemática, seguindo uma perspectiva freireana da educação. Este é um desejo teórico e prático que afugenta outros projetos de extensão que não se prestam à organização das pessoas que estão com eles envolvidas. Essa perspectiva põe à baila a discussão teórica de particulares metodologias de pesquisa, em especial a pesquisa-ação, que muito se adéqua às práticas em projetos de extensão popular. Uma possibilidade que sempre procura exercer leitura de realidade que contribua para que as pessoas apropriem-se da mesma, por meio de suas próprias reflexões. É um caminhar para exercícios autogestionários, em que o esforço do trabalho coletivo conduza para uma práxis cotidiana de vivência acadêmica, em que o eu do extensionista só se realiza com o outro da comunidadee vice-versa, expressando um pensar recíproco sobre as questões do lugar. Um caminho que leva a universidade a assumir necessariamente uma postura dialogante e aprendente, por meio de uma produção de conhecimento que seja útil à superação de qualquer tipo de opressão, discriminação ou desigualdade. Um desafio permeado da dimensão política e, assim sendo, cobra de todos os participantes a disposição ao risco, o compromisso e um rigoroso exame pela autocrítica. Tal reflexão nos conduz a ver as contradições desse novo exercício pedagógico, pois atinge a rediscussão de todos os conteúdos, metodologias e relações veiculadas no campo acadêmico. Esse esforço por novas dimensões práticas e teóricas do fazer extensão universitária, mesmo nos moldes populares, apresenta, além das dificuldades políticas e ideológicas, profundos desafios sobre o que são exatamente aqueles princípios que podem reger a prática da extensão, configurando-se como práticas populares, como por exemplo a difícil tarefa de se compreender o sentido de emancipação ou mesmo da humanização, além de mostrar a difícil tarefa de se ter um projeto teórico que possa orientar a presença de tantos e pulverizados projetos de extensão universitária. O trabalho em extensão em comunidades não pode adquirir a dimensão de meras atividades espontaneístas ou mesmo de exercícios voluntários de um „bondoso coração‟ daqueles que realizam um projeto comunitário. São desafiantes também a necessidade de preparo específico para o relacionamento com as comunidades, não podendo gerar ações fomentadoras de expectativas que jamais possam ser atendidas, além da desarticulação de projetos e programas desenvolvidos por políticas de estados ou geradas no seio da própria universidade. Porém, o maior desafio que tem surgido nas práticas e reflexões nesses projetos de extensão é a compreensão mesma dos conceitos ora empregados como: popular, extensão e extensão popular, permeados pela perspectiva da educação popular. Popular tem adquirido uma variedade de compreensões, e hoje, mais comumente, pode ser visto como expressão de tudo aquilo que tem origem no povo ou nas maiorias da população, produto de expressões como algo que vem da base, que vem das classes desprivilegiadas. São todas expressões abstratas que, efetivamente, não dizem muita coisa daquilo que se está encaminhando pela extensão popular, diante da dificuldade de se expressar aquilo que seja povo, base ou mesmo uma classe desprivilegiada. Há outra visão que traduz o popular como algo gerado pelo institucional, algo que vem de sindicatos, associações ambientalistas, etc. Outros ainda entendem que o ser popular é uma questão de consciência, simplesmente. Mas, há a visão que vem sendo construída pelos próprios movimentos sociais populares que aponta o popular como sendo algo metodológico ou mesmo fruto de uma visão político-ideológico de mundo. Nessa perspectiva, algo é popular quando traz consigo um procedimento que incentive a participação, ou seja, um meio de veiculação e promoção das pessoas para que elas possam se sentir com
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cidadania. Algo é popular se expressa um cristalino posicionamento político e filosófico diante do mundo, trazendo consigo uma dimensão propositivo-ativa voltada aos interesses das maiorias. Como se ver, popular adquire uma plasticidade conceitual, exigindo, para os dias de hoje, uma definição que, rigorosamente, passa por movimentos dialéticos intrínsecos ao próprio conceito, inserido no marco teórico da tradição e atualizado para as atuais exigências. Dessa forma, é possível mostrar um movimento conceitual que envolva os elementos que sempre estiveram presentes nos variados momentos históricos e outros que foram sendo assimilados com o tempo. Essas visões mostram uma dialeticidade entre os elementos constitutivos do conceito. O termo relaciona suas variadas dimensões constitutivas ao mesmo tempo em que se diferencia de cada uma delas, porém mantendo-as na sua formulação conceitual, expressando metodologias que apontam os encaminhamentos dessas ações na perspectiva popular que também arrastam consigo aspectos éticos e utópicos que, para os dias de hoje, se tornam uma exigência social. Algo pode ser popular se tem origem nos esforços, no trabalho do povo, das maiorias (classes), dos que vivem e viverão do trabalho. Mas a origem apenas não basta. Esta, inclusive, pode nascer de agentes externos, evitando-se, contudo, todo tipo de populismo que porventura possa surgir. Todavia, é preciso ter-se conhecimento da direção em que está apontando o algo que se postula popular. É preciso saber quem está sendo beneficiado com aquele tipo de ação. Algo é popular se tem origem nas postulações dos setores sociais majoritários da sociedade ou de setores comprometidos com suas lutas, exigindo-se que as medidas a serem tomadas beneficiem essas maiorias. Ao se definirem a direção e os interesses envolvidos, entra em cena uma segunda dimensão conceitual, que é a dimensão política. Ser popular é ter clareza de que há um papel político nessa definição. Essa dimensão política deve estar voltada à defesa dos interesses das classes majoritárias. Em um segundo momento, essas ações políticas são, necessariamente, reativas às formulações ou às políticas que deverão estar sendo impostas a essas maiorias. Reativas no sentido de busca de alternativas ou de estratégias que conduzam às iniciativas para um plano político geral de sociedade. Reativas enquanto geradoras de ação própria e, normalmente, original, retirada da prática do dia-adia, ou quando se tornam capazes de compor um novo tecido social com outros valores e objetivos. Ser popular, portanto, significa estar relacionando as lutas políticas com a construção da hegemonia da classe trabalhadora (maiorias), mantendo o seu constituinte permanente, que é a contestação. É estar se externando através da resistência às políticas de opressão e adicionadas com políticas de afirmação social. Uma ação é popular quando é capaz de contribuir para a construção de direção política dos setores sociais que estão à margem do fazer político. A metodologia que confirma algo como popular vai no sentido de promover o diálogo entre os partícipes das ações e, sobretudo, que seja contributiva ao processo de se exercer a cidadania crítica. Mas, a cidadania não se resume à análise. É preciso também que o indivíduo se prepare com metodologias que exercitem as pessoas para a crítica e para a ação. Mas para que essa ação? Sua direção aponta no sentido de afirmação de sua própria identidade como indivíduo, como grupo ou como classe social. Busca ainda promover as mudanças que são necessárias para a construção de uma nova sociedade, mesmo que arriscando a ordem para que todos tenham direitos, e assim a justiça, efetivamente, seja igual para todos. Esse conceito de popular arrasta para si definições envolvendo as utopias tão necessárias para os dias atuais. Ser popular é tentar alternativas. É estar realizando o possível, mas que, ao se realizar, abre, contraditoriamente, novas possibilidades de utopias de democracia como valor permanente a ser vivida sem qualquer entrave, juntamente com necessários sonhos de concretização da liberdade e igualdade. A partir da dimensão apresentada do popular, pode-se encontrar a extensão como expressão de um trabalho social e útil que conduz uma intencionalidade de fazer conexão com o ensino e a pesquisa, voltada para mudanças. Mas, em sendo um trabalho pode-se ver as suas dimensões, para tornar-se também um fundamento filosófico da extensão, em geral, e em especial, da extensão popular. No exame da resposta à questão, convém salientar que o trabalho, como dimensão filosófica e educativa, pertence a instâncias fundamentais na vida da sociedade. É pelo trabalho que o ser humano assegura as condições materiais de sua subsistência. Pela educação, em seu sentido mais
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amplo, garante-se a preservação dos conhecimentos do passado que são transmitidos às novas gerações, num processo de acumulação de conhecimentos, essencial à qualidade de vida material e espiritual da humanidade, mantendo a sobrevivência da espécie. O trabalho torna-se, portanto, fator de criatividade do humano. Mas o homem, diferentemente dos outros animais que se guiam pelo instinto, atua sobre a natureza de forma diferenciada, modificando-a e a si mesmo. É essa capacidade que o distingue dos demais animais, ao superar a condição de animalidade de sua espécie. A partir das análises realizadas em projetos e de exercícios em extensão com a dimensão do popular, é que se pode ver que é o trabalho que assegura o significado dessa ação social, suas limitações, suas contradições, suas possibilidades e consequências, sem nenhum recurso metafísico. Mesmo sendo um ponto de partida, é sobre essa base natural do trabalho que se elevam as relações sociais da espécie humana. O trabalho torna-se uma relação social já a partir da relação estabelecida com a natureza, indicando nas relações de produção, também expressas nas atividades de extensão, o caráter social, indissociável, que acompanha o processo de trabalho. À medida que a extensão universitária pode ser apresentada como trabalho, exige-se do mesmo a superação da simples relação primeira do homem com a natureza. O trabalho realiza-se como processo constituído através das relações sociais - trabalho social útil. A extensão expressase, agora, pela realização do trabalho social útil que pode, ainda, efetivar e desenvolver entre seus participantes a necessidade da conquista de cidadania. Uma cidadania cujo significado deve estar bem cristalino na perspectiva de que seja um processo de formação de cidadão crítico, enquanto consciente como sujeito de transformação, e também ativo, superando o idealismo contemplativo da natureza. Um trabalho social útil não se exerce apenas a partir dos membros da comunidade universitária - docentes, servidores e alunos. Ele tem uma dimensão externa à universidade, que é a participação dos membros da comunidade em seus movimentos sociais ou outras formas de ação política - sindical, organizações não governamentais ou mesmo as associações - numa relação biunívoca para a qual confluem membros da universidade e participantes desses movimentos. Extensão, como trabalho social útil, passa a ser agora exercida pela universidade e por membros de uma comunidade sobre a realidade objetiva. Um trabalho coparticipado que traz consigo as tensões de seus próprios componentes em ação e da própria realidade objetiva. Um trabalho em que se buscam objetos de pesquisa para a realização da construção do conhecimento novo ou reformulações das verdades existentes. Esses objetos pesquisados são também os constituintes de outra dimensão da universidade: o ensino. É também um trabalho de busca de objeto para a pesquisa. A extensão configura-se e se concretiza como trabalho social útil, imbuído da intencionalidade de pôr em mútua correlação o ensino e a pesquisa. Portanto, é social, pois não será uma tarefa individual; é útil, considerando que esse trabalho deverá expressar algum interesse e atender a uma necessidade humana. E, sobretudo, é um trabalho que tem na sua origem a intenção de promover o relacionamento ensino e pesquisa. É um trabalho com a intencionalidade de promover as mudanças, também na universidade, onde se separaram a pesquisa, o ensino e a própria extensão. Como trabalho social útil, a extensão expressa-se sobre a realidade objetiva e seu produto aos produtores retorna. Isso mostra a extensão exercendo e assumindo uma dimensão filosófica, também fundamental, que é a busca de superação da dicotomia entre teoria e prática. Há, então, possibilidade de se direcionarem projetos para a ampliação da hegemonia voltada aos setores subalternos da sociedade, contribuindo para o desvelamento das ideologias dominantes e construindo uma nova estratégia da função social, ou mesmo uma dimensão de serviços de extensão a favor da cultura das classes trabalhadoras. Este é mais um papel possível do aparelho de hegemonia - a universidade - que, através da extensão, pode também direcionar a pesquisa e o ensino para um outro projeto social. Assumindo a dimensão do popular, a extensão transpõe os muros institucionais superando o seu exercício apenas a partir dos participantes de determinadas organizações sociais, sobretudo estatais. Adquire, como trabalho social, a dimensão de exterioridade abrangendo ações educativas em movimentos sociais e outros instrumentos organizativos da sociedade civil ou mesmo a partir do Estado.
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Como trabalho social útil com a intencionalidade de transformação, direcionado aos setores sociais excluídos, a extensão popular realiza-se no conjunto das tensões de seus participantes em ação e da realidade objetiva. Um trabalho com o qual se descobrem objetos de pesquisa para a realização da construção do conhecimento novo ou novas reformulações das verdades existentes. Nessa perspectiva, contém uma metodologia de trabalho social que desenvolve uma visualização maior das contradições do modo de produção dominante, mesmo que os trabalhadores tenham pouca escolaridade e baixa qualificação, elementos promotores de exclusão, sobretudo nesses setores sociais. É pelo trabalho que se podem ver as novas frentes de produção econômica, talvez, voltadas ao mercado informal. Novas formas culturais que surgem de setores populares que oferecem novas possibilidades de iniciativas econômicas alternativas. A efetivação de ações educativas pautadas por princípios éticos como a solidariedade, o diálogo, a tolerância e utópicos como a autonomia, a liberdade..., com reforço ao coletivo e com preocupações voltadas às maiorias sociais, será conduzida no sentido de garantir que alternativas econômicas sejam possíveis, inibindo modelos de produção que só mantêm ou fortalecem os mecanismos de exclusão. Pela extensão popular, ações educativas são realizadas e pautadas no respeito às individualidades do outro e na busca pela autogestão. Garantem o desenvolvimento das narrações históricas das experiências dos participantes, destacando, inclusive, aspectos de suas subjetividades que se expressam no cotidiano de cada pessoa, extensionista ou comunitário. São, portanto, ações educativas que evidenciam a metodologia da extensão popular capazes de apresentar a opção pelo trabalho social útil com a intencionalidade de estar voltado à organização dos setores sociais, no sentido, inclusive, de sua autovalorização e de sua autorganização, desacreditando-se de salvadores de pátria e se preparando para não terem governo e, sim, para serem governo. É de se perguntar: que metodologia de pesquisa pode ser utilizada em práticas de extensão popular? Necessariamente, destaca-se a metodologia dialética, onde é capaz de que as coisas sejam vistas, os fenômenos sempre em movimento, traduzido pela fórmula triádica: concreto, abstração e novos concretos. Atuar com projetos em extensão popular é dirigir pela perspectiva de que as coisas que se apresentam ou o real carece sempre de ser visto como uma síntese de condições que o fizeram, naquele momento, ser o que é. O caminho que se realiza em busca dessas determinações para aquele algo é um caminho que se faz pelo esforço da abstração. Percorrido esse caminho, chega-se a um algo novo, a um concreto que pode ser denominado de concreto cheio de informações, cheio de pensamentos, portanto, um concreto pensado. Este será o método de se atuar em extensão popular. Um caminho que se faz pelo esforço teórico da abstração até o concreto pensado. Esse movimento tem, necessariamente, seu início no real, no fenômeno onde estão sendo desenvolvidas as ações extensionistas. Esse caminho para a pesquisa ocorre no campo da abstração, pois o problema da pesquisa é uma construção teórica. O real inicial se constitui de uma abstração pois não apresenta, à primeira vista, aquilo que ele é mesmo. Ele é uma síntese, síntese das determinações que os construíram e fizeram-lhes existir. A pesquisa, a partir de projetos de extensão popular, é uma procura pelos determinantes fundamentais. Assim, é que há uma anterioridade do real nas formulações dessas abstrações explicativas do real, tornando-o concreto, desvelando-o como concreto pensado. Um movimento que vai do concreto, inicialmente, permeado e conhecido pelas abstrações de quem realiza as ações de estender e de pesquisar, chegando a conhecer as suas determinações, denominando-o, nesse momento, de concreto pensado. Um movimento que se inicia pelo concreto(real), passando pelas abstrações (determinações), constituindo-se como um concreto pensado. Então, atinge-se o concreto quando se compreende o real, a partir de suas determinações, que passa a ser visto como uma totalidade de determinantes e determinados. Claro que o concreto aparecerá no pensamento como resultado mas, ele mesmo é o verdadeiro ponto de partida. Parte-se dele, movimenta-se pelas abstrações, chegando-se a ele de novo, porém, agora, um todo rico de determinações (abstrações, explicações). Na fase de análise, portanto do percurso teórico de buscas de determinações, encontram-se nesse movimento teórico, as categorias de análise
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ou a categoria mais simples de explicação para o tal fenômeno em estudo. A categoria mais simples é aquela em condição e com maior potencialidade para explicações mais gerais. Aquela em condição de explicar o fenômeno, naquele momento em que o mesmo ocorre, bem como, em momentos anteriores. A exemplo, pode-se depreender que no modo de produção feudal, a agricultura seria a categoria mais simples para explicação dos fenômenos daquele momento. No capitalismo, a categoria que orienta uma maior explicação dos fenômenos desse modo de produção é o próprio capital. Todas as categorias geradas no momento do exercício teórico (da abstração), contudo, são todas coladas ao real, fugindo de um movimento autônomo de categorias e produtoras do real. São essas abstrações por meio dos conceitos mais simples que possibilitam a chegada à inteligibilidade do real, pois nessas abstrações estão expressos esses conceitos mais simples e com maior força de explicação. São esses conceitos que comandarão a produção teórica e que também possibilitam a sua reprodução no pensamento. Essas categorias mais simples são, contudo, as categorias mais abstratas e estarão sendo desenvolvidas, sempre a partir do real, em sociedades mais complexas. Como exemplo, pode-se afirmar que no momento em que se vive, conhece-se mais o feudalismo. Em outro modo de produção para além do capitalismo é que compreenderemos melhor o próprio capitalismo. É, portanto, no ambiente mais complexo, que a categoria mais simples se completa, também, contendo uma maior força explicativa. Como se vê, é nesse atual modo de produção, o capitalismo, nesta sociedade mais complexa onde se poderão criar categorias mais simples, mais complexas e ainda mais abrangentes, contribuindo para análises das sociedades menos desenvolvidas. Claro é que a autocrítica se apresenta, assim, como a categoria em condição de realizar a análise histórica e sem perderem os laços orgânicos dos diferentes momentos históricos e suas especificidades. E o pensar a partir das ações nos projetos de extensão popular, o real, só podem ser entendidas em termos de “organização histórica da produção”. Já para a montagem dessa análise, e portanto, a ordem das categorias no exame do real, precisa-se ter sempre claro que a realidade concreta existe tanto antes como depois de ser pensada ou, até mesmo, se não for pensada. E mais, a realidade situa-se fora do espírito mesmo que esteja caracterizado apenas por atividades teóricas. Sempre são criadas ou descobertas a partir do exame da realidade, e assim, anterior às análises, precisando de organização das mesmas para o entendimento da totalidade do fenômeno, tendo na hierarquia teórica o princípio que rege essa ordem. Portanto, entende-se ter feito o melhor esforço teórico para a compreensão da totalidade da realidade. Contudo, sempre será atingida essa totalidade? A resposta parece estar no poeta grego Heráclito que dizia que a natureza ama se esconder. Nesta coletânea, aparecem os esforços teóricos de participantes do Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR) que mostram coragem e risco, com seus estilos mais sinceros de expressarem seus pensamentos, tentando ir além de práticas e exercícios teóricos dominantes na extensão, marcadamente, em bases assistencialistas. Estes artigos formam uma coletânea primeira desse tipo trabalho de se fazer extensão e pesquisa, incentivando um outro jeito de também fazer ensino. Realizar projetos de extensão com metodologias próprias pautadas por desejos educativopopulares, na perspectiva freireana, como de produção do conhecimento pela pesquisa mais rigorosa que podemos realizar, estando bem conscientes de suas dificuldades epistemológicas no enfrentamento teórico com as demais estilos de se produzir conhecimento. Para os que atuam no EXTELAR, este é um caminho em condições de possibilidades de dar cara às atividades acadêmicas e universitárias. A universidade prestando-se a outros tipos de projetos superadores da opressão e geradores de humanização, comprometida com os setores sociais mais alijados dos bens culturais produzidos pela humanidade, entendendo inclusive, que a universidade bem que pode começar pela extensão, extensão popular. Meus parabéns às idealizadoras da coletânea e aos/às membros do Extelar.
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PREFÁCIO 3
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PREFÁCIO50 A educação popular vem se apresentando como uma possibilidade de efetivação em variados campos institucionais, tais como em instituições da sociedade civil, em instituição da sociedade política (pelo Estado), bem como de forma, às vezes, nada institucional, vivenciada pelos processos espontâneos que surgem com a caminhada da organização das classes trabalhadoras, presente no dia-a-dia das pessoas. Se em alguns momentos foi tida como a educação dos movimentos anarquistas sindicais, em outros adquiriu o sentido de educação veiculada pelo Estado, que tinha a dimensão de assegurar a educação para todos. Portanto, educação popular como expressão de uma educação de baixa qualidade, que poderia atender aos reclamos do povo, ou mesmo atender a alguma tendência da política educacional local ou até nacional, mas de qualidade discutível. Nas seis últimas décadas, todavia, educação popular adquire derivação de metodologia, de linguagem, de expressão pedagógica política e até mesmo de técnicas didáticas, com vieses nos mais distintos movimentos sociais revolucionários, sobretudo, no século passado. Contudo, é com Paulo Freire que se tem uma compreensão de educação popular como processo de ensino e aprendizagem em que a perspectiva do oprimido é destacada. Assume feição para uma outra dimensão filosófica de ver o mundo, de traduzi-lo, de contemplá-lo e de transformar esse mundo, tornando-se uma outra maneira de um vir-a-ser de humano, centrada na sua realidade mesma. Com Freire, a educação popular assume um aspecto profundamente transformador, enquanto cheia de vontade de libertação dos setores sociais oprimidos, de superação da não esperança, da construção do sujeito e fortalecimento das identidades de pessoas e de grupos, pautada por valores éticos que promovem o outro e o nós, por inteiro. Mas, os seus diferentes matizes não pararam nessas formulações e, muito menos, contentaram-se com o fazer educação popular apenas com as questões postas a serem vivenciadas e teorizadas, transmitindo a impressão de algo homogêneo ou de permanência. É uma temática que se coloca como de necessidade de sua superação teórica. O movimento é seu destino, afinal, a discussão em educação popular não começou e nem terminou em Paulo Freire ou outros. O debate continua, constituindo-se em desafio, aqui enfrentado nesta coletânea. Educação popular também surge como um campo educativo e suscetível à pesquisa. Tornase objeto de cursos de pós-graduação e gerador de pesquisas que têm avivado novos ventos e lampejos do agir popular, dentro de uma situação insistentemente de lutas de classes, de capitalismo, de opressão e de falta de liberdade, mas, contudo, em outros ambientes dessas mesmas lutas e em outros patamares, pela definição de identidades e esforços, inclusive em ambientes de produção de materiais para o sustento da vida ou em outras situações criadoras de alternativas de sociedade - como a da autogestão. Vive-se um momento de afirmação de constituintes para uma educação popular que possa atender aos ditames e reclamos dos tempos de hoje. Nessa definição é que se apresentam a „experiência‟ mesma das pessoas, a sua cultura e um novo entendimento do que seja „popular`. Uma educação que, partindo do mundo, da „realidade‟, possa utilizar metodologias próprias de produzir conhecimento e produzir bens culturais capazes de atender as demandas das classes trabalhadoras, tendo o „trabalho‟ como centralidade. Também, mantém a visão de uma educação que fomente a „autonomia‟ das pessoas e do coletivo, a liberdade e a promoção de valores éticos como o diálogo, insistindo na busca permanente pela igualdade dessas pessoas. É pela ênfase à „experiência‟ das pessoas como ponto de partida para a reflexão da educação que estão ocorrendo atualizações no debate em educação popular. Isto pode estabelecer a exigência de novos questionamentos às práticas educativo-populares que contribuam ao fortalecimento da dimensão „educativa transformadora‟. A „cultura‟, por sua vez, em que não há consensos em torno de suas concepções, muito contribui à visão de cultura definida pelo marco do trabalho. Pelo trabalho, a produção coloca-se como expresso parâmetro de universalidade, considerando a sua presença em todos os tipos de 50
Prefácio do livro: Educação popular, práxis pedagógica e cidadania. Adelmo Silva, Ademar Carvalho e Aline Machado. Editora da Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá (MT): 2011.
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grupos humanos, presentes nos mais diferenciados rincões e em qualquer momento histórico ou modo de produção. Sendo a cultura, pelo trabalho, manifestação da inventividade humana, expõe as diferenciadas formas de tentativas do humano no trato com a natureza material, quando esse sempre em luta pela sua própria sobrevivência. Ora, também a educação popular como um produto cultural volta-se como processo de trabalho com vistas à realização humana. É com tal visão que educação popular é um produto do processo produtivo, definindo-se como um bem de consumo, pois adquirido dos tantos artefatos resultantes da relação do trabalho do humano com a natureza, mas também podendo ser vista como um bem de produção, à medida que promove a compreensão da realidade pelos artefatos intelectuais humanos, a reflexão, como elemento gerador de novos produtos educativos, novas técnicas de exploração do mundo, dando-lhes pelas ideias, significados e finalidades para as suas ações de hominização. Pela educação popular, é viável a dessacralização dos tantos conceitos de „cultura‟ que só fortalecem a opressão e a dominação, deixando às claras as marcas ideológicas de tantas outras perspectivas, em especial, no processo educativo dominante. Afirma-se, portanto, a condição de se poder produzir um conhecimento, mas, ao mesmo tempo, apoderar-se desse produto cultural para a sua própria utilidade. Promove-se, dessa forma, o resgate da posse de um produto cultural em que os trabalhadores detenham o próprio processo de se tornarem humanos, edificando-se os vetores de sua libertação mesma, produto de sua própria sabedoria, que já antecedera, em muito, tanto a técne grega como o saber científico. E o popular? Ah! Essa dimensão educativa traz consigo elementos da tradição do que seja popular com destaque àquilo que se opõe à cultura da nobreza, da burguesia, confluindo para um tipo de educação que retoma valores do povo. Alicerça a formação de um tipo de personalidade total da pessoa e, sobretudo, de valores éticos vigorosos. Mas, popular arrasta uma tradição conceitual variada, também hoje, que tem sido compreendido como algo que se origina do povo ou das maiorias, sem qualquer crítica a esses algos. Sem qualquer exame ao significado desses algos, admite-se que aquilo que vem do povo é puro e sem qualquer maculação ideológica dominante. Popular pode aparecer como sendo algo institucional ou que passa por ele, como sindicatos, associações ambientalistas, associações de moradores ... ou até mesmo popular como uma questão de consciência. Mas, sabe-se que não é o espaço físico o definidor de uma atitude popular. Compreende-se popular, também, como algo que arrasta consigo um procedimento que incentive a participação, ou seja, um meio de veiculação e promoção para a busca da cidadania. Uma atitude que ajude na ampliação de canais de participação, que a exercite acompanhada do exercício da tomada de decisão, promovendo novas formas de atuação nas organizações de trabalhadores e nos ambientes institucionais. Popular, assim, manifesta um explícito posicionamento político-filosófico com ações de interesse das maiorias, assumindo as lutas do povo e atendendo aos interesses da população, resgatando-se o mundo em permanente mudança; enfim, sempre com a perspectiva de melhoria da vida do povo, como exercício para se poder exercer o poder, e não apenas para ratificar o poder. Essa metodologia rege-se por princípios éticos oriundos das exigências do trabalho. Ser popular é estar dirigido por princípios voltados às maiorias, às classes trabalhadoras. Nesse Contexto, pode-se afirmar o princípio ético do diálogo como esteio dessa educação, pois oferece condições para a promoção do pluralismo das ideias, para a tolerância, solidariedade e igualdade, além da liberdade e da felicidade. Uma metodologia para a produção do conhecimento na educação popular terá como ponto de origem as coisas mesmas da vida, o mundo onde se vive, a realidade. Portanto, do real é que se parte para a busca do algo novo, do algo que se apresenta ao pesquisador e cujos resultados dessa produção sejam úteis para gerar um conhecimento necessário e capaz de atender aos interesses das classes que se libertam. Os constituintes metodológicos para essa produção podem ser os da metodologia dialética e os da teoria política, elementos sugeridos pela teoria gramsciana da hegemonia. A dialética a ser adotada é o método que se eleva do abstrato ao concreto pensado. De forma triádica, pode-se expressar como um movimento com os seguintes vetores: o concreto/real, a abstração e a construção teórica de um novo concreto – o concreto pensado. Um caminho que conduz ao exame de algo que vai do abstrato ao concreto pensado, iniciando-se a pesquisa a partir do concreto, do real e, portanto, dando-lhe anterioridade. Expressa o caminho completo, partindo
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desse início, o real, indo pelo abstrato e continuando no campo da abstração, em busca das determinações desse real até atingir-se o mesmo concreto, contudo, permeado de várias possibilidades teóricas explicativas ou determinações, constituindo, dessa maneira, um concreto rico em determinações e explicações, um concreto cheio de pensamentos - o concreto pensado. Este é um trabalho que procura realizar um esforço teórico na busca de atuais e sustentáveis categorias para a compreensão de mudanças em curso na educação. Assim, espera-se que esse trabalho de pesquisar esteja politicamente definido para assegurar impulsos às transformações mais profundas – uma educação com bases no popular. O trabalho vem se apresentando como um constituinte fundante desse processo de educação popular. Apareceu na produção teórica da cultura e no método de produzir conhecimentos. É pelo trabalho que se tem a possibilidade do caminho das abstrações que conduz à definição das categorias do real. Buscam-se aquelas de dimensão mais simples e em ambientes mais complexos, pois assim, asseguram maior poder explicativo da realidade de hoje e, melhor ainda, a realidade que já passou. O trabalho se constitui como elemento constante na dimensão do popular, sendo o fazer educativo, efetivamente, o trabalho em si mesmo. Na educação voltada aos interesses dos trabalhadores, o trabalho intelectivo de seus atores percorre o caminho da produção de abstrações mais gerais com condições explicativas da situação de vida daquela comunidade ou grupo social, asseguradas pela reflexão crítica, estruturante das práticas pedagógicas de educadores populares, proporcionando uma práxis educativo-dialética e transformadora. Trabalho que se realiza como educação popular e, portanto, sem promover a alienação desses trabalhadores, conduzindo à necessária presença da alteridade no meio educativo-popular. Com a promoção do valor ético do respeito ao outro, esse outro se torna o eu nele mesmo e o eu é o outro em si mesmo. Uma promoção utópica, sim, de interação e de participação com a promoção da cidadania, nessa ação educativa e popular. Com essa dimensão, o trabalho provoca, de forma intrínseca, a necessidade da participação, pois se representa como práxis educativa em todo ambiente da vida, em especial na história humana, e de forma particular na sua economia, possibilitando a geração de ocupação para todos e todas, promovendo a subsistência das pessoas. Trabalho educativo que facilita a posse dos bens culturais produzidos pela humanidade e o empoderamento dessas pessoas. A autonomia também se insere nesse conjunto de princípios que contribuem à estruturação da educação popular. Autonomia entendida como condição de cada um poder governar-se por si mesmo e de forma independente. Interliga-se, necessariamente, com liberdade, adquirindo um sentido político em que a liberdade de um tem como limite a liberdade do outro. Liberdade de poder exercer os direitos elementares da pessoa, como o de expressar o seu pensamento de forma oral ou escrita, arrastando ainda a responsabilidade pela ação ou as consequências dos atos. Como se observa, autonomia e liberdade assumem, em educação popular, dimensão filosófica de sua realização. Não como promessa de liberdade in totum, uma promessa liberal, mas como promessa de realização coletiva, em que passam possíveis exercícios de igualdade, em termos de iguais condições para a realização das potencialidades de cada um. Assim, autonomia como liberdade trazem consigo um sentido ético, entendido como expressão do direito que tem a pessoa de agir sem constrangimento de qualquer força externa. Valores que permeiam as perspectivas de se fazer educação popular e que dão a tessitura dessas práticas pedagógicas. Na perspectiva ética, é destaque a posição do diálogo como condição de se promover a comunicação entre o um e o outro. Elemento expressivo para o processo educativo popular, pois será pelo diálogo que se conformará a condição de igualdade. Um diálogo que vislumbre condições de possibilidade de sua realização. O diálogo em educação popular não se confunde com mera conversa, mas que só ocorre havendo as condições dessa igualdade, em que um falante e outro possam ter os mesmos meios de promoção desse diálogo. A educação popular, estabelecendo a condição do diálogo, exige para isso que o mesmo seja verdadeiro, havendo assim a promoção de valores éticos nesse processo educativo. Esta condição conduz para a situação de só assim ser possível, também, um pensar verdadeiro, estabelecendo-se, na expressão freireana, uma „inquebrantável solidariedade‟. Superando o momento em que a educação popular era entendida apenas como prática educativa ou mesmo divulgada como expressão tão somente de suas técnicas de alfabetização, hoje,
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além de serem mantidas as análises dessas práticas, análises teóricas são, cada dia mais, sendo exigidas para o atendimento à reflexão dessa educação, definindo-a para os novos contextos. Educação popular passa a ser compreendida como sistema de teorias intercomunicantes. O seu estudo dispara análises de sua relação com práticas de emancipação humana, em que o debate sobre igualdade aflora de forma tão viva. Introduz-se a discussão sobre religiosidade na educação popular, levantando-se aspectos da presença das subjetividades, além do reforço da temática da práxis como importante aos planejamentos e avaliações desses procedimentos educativos. Questionam-se as possibilidades de emancipação das pessoas, mas destacam-se as condições de empoderamento das mesmas. Cultura e elementos psicanalíticos reforçam o conjunto das temáticas em educação popular, atualmente. Esta coletânea segue na trilha dessas discussões e passa a manifestar mais elementos para a continuidade do debate sobre educação popular. A sua temática é variada e vem acrescer aos temas da tradição. Aqui, o leitor terá maior discussão dos desafios da participação das pessoas, como expressão de constituinte da educação popular. Participação inclusive em campos institucionais originado de atuações educativas, em nível de Estado. A busca de novos conhecimentos torna-se desafiante, considerando que a prática da produção do conhecimento pelas metodologias de pesquisas tradicionais e dominantes em quase nada poderão servir a essa busca. Estão candentes temas como identidade, acompanhada da construção da cidadania, não só em ambientes institucionais como também em ambientes do próprio movimento social -como nas áreas de assentamentos. Práxis e hegemonia são constituintes que continuam a provocar novos escritos nesse campo, enquanto que o diálogo continua como fundamento educativo, exigindo sempre o exercício da reflexão crítica como o instrumento por excelência para as variadas práticas educativas, em educação popular. E, finalmente, que perspectiva de educação popular pode ser vislumbrada nesse tão profícuo debate trazido por esta coletânea? Como se nota, na organização das temáticas abordadas, a educação popular, em sendo educação, é um fenômeno de produção e apropriação dos produtos culturais. A esta dimensão estão voltados os temas da participação e o encontro com a identidade do participante dessa educação. Uma educação que é expressa por um sistema aberto de ensino e aprendizagem com destaques para a cidadania. É constituída de uma teoria de conhecimento, estando referenciada na realidade, com metodologias incentivadoras à participação e ao empoderamento das pessoas. Temas que se mantém na pauta dessa caminhada teórica em educação popular. A educação traz consigo conteúdos e processos avaliativos próprios, podendo inclusive, ser também participativos de toda uma comunidade ou escola. Mas, a educação popular tem uma base política, considerando as suas opções ideológicas e políticas que estimulam as transformações sociais, contruídas a partir de movimentos dialéticos intrínsecos ao movimento político geral da classe trabalhadora. A educação popular em debate nesta coletânea aponta ainda para os anseios humanos de liberdade, justiça, igualdade e felicidade. Este parece ser o corpo teórico que conduz à visão que vem se organizando em torno da Educação Popular, caracterizando-a como um movimento em permanente dinâmica. Com mais esses temas trazidos por esta coletânea, a educação popular passa a ser alimentada por um bom elemento que é o debate. Isto, certamente, só faz bem à saúde e rejuvenesce mentes e corações para lutas emancipadoras, em que esses processos educativos têm importante papel. O leitor pode se deleitar realizando a sua própria leitura, entrando também na discussão. Sente-se que é este o desejo oferecido nesta coletânea por esses/as educadores/as, provocando mais ação educativo-popular. Parabéns aos organizadores e parabéns aos autores e autoras. Daqui, das bandas da Paraíba.
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Prefácio do livro: Pesquisa em educação na Paraíba - 30 anos (1977-2007). Editora da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa: 2007).
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As três décadas que se passaram da existência deste programa são um convite à reflexão sobre os fatos que aconteceram durante esse tempo. Muitas coisas aconteceram. Mas, não são elas o pensar, começa-se por elas. E, sobre isso, já se oferece todo o tempo de pensamento. Mas, que reflexão? Em um primeiro movimento, expressa a atitude humana de debruçar-se sobre si mesmo, esse si mesmo do programa - um movimento de intuspecção ao encontro de si, extraindo-lhe aquilo que tem sido, na busca de compreensão de si mesmo. Um segundo movimento reclama a sua relação com o outro, o outro do mundo, a educação da sociedade, a sua contribuição à sociedade, expressão da tentativa dialética de relacionar o seu em si de programa, de produção acadêmica, de produtos de pesquisa, da socialização desse conhecimento para a sociedade, e voltar-se para si, definindo sua nova atitude, em uma tentativa de prospecção para se tornar ainda mais útil ao ambiente de sua inserção na realidade paraibana e nordestina. Este vem sendo um programa que se propôs qualificar pessoas para o ensino superior, sistematizar a pesquisa em educação e tentar espalhar os seus produtos nesse ambiente de referência. Mas será que, até esse momento, terá cumprido seus desejos expressos nas atitudes, nas definições e nos produtos? Há possibilidade de concordância nisso? Ora, essa concordância só haverá pelo estabelecimento da identidade adquirida do programa, definida, pelo em si mesmo combinado, inicialmente, pelos seus pares internos e, posteriormente, aceito pelos atores, do campo educacional. Ao se firmar como programa – há pós-graduação na Paraíba - estabeleceu-se um primeiro tipo de concordância por meio de todo um aceite entre os educadores locais e os de outras regiões, de que se tratava de uma pós-graduação mesma. Era o tempo de seu início, num momento ímpar para o assentamento da pós-graduação no país, final da década de sessenta e início da década de setenta. Mas, cobra-se outra dimensão de concordância: aquela que envolve o outro de sociedade cujo parâmetro único, aqui utilizado, é o da demanda pelo em si do programa. O ofertar-se do seu em si mesmo para a sociedade e a demanda a essa promessa. Aqui, a concordância se dá pela enunciação para a sociedade e a coisa mesma de programa – produção de conhecimento pela pesquisa e sua socialização. Muitos passaram por este programa e atuam, a seu modo de ser, com elementos repassados do si do programa. Como a produção acadêmica desta pós-graduação estabeleceu-se no cenário da educação paraibana, nordestina e nacional? Em alguns momentos, apresentou-se com olhares mais de nacional e menos de seus mais próximos, e, em outros, parece com olhares muito dos seus mais próximos e menos de nacional. Mas esses são exercícios pendentes e necessários para uma nova concordância. Inicialmente, em sua concepção, prometeu estudos e pesquisas em uma perspectiva específica da educação. A educação como dimensão processual, de permanência – um programa de educação permanente. Em um segundo movimento, anuncia-se como de educação de jovens e adultos, instigada pelos índices de analfabetismo na região. Permeada pelos ares políticos da resistência à ditadura, demarca-se como arena para a educação popular. Em um novo movimento, assume educação popular, permeada por bases na comunicação e na cultura - educação popular, comunicação e cultura – como área de concentração. Por fim, no presente, nacionaliza-se pela manifestação do simplesmente e totalizante Programa de Pós-Graduação em Educação. Nesse período de três décadas, que teorias em educação assentam-se nesse Pantheon ou nas miragens de Delos, caudatárias da reflexão do programa no jogo de mostrar-se e esconder-se? Várias e, talvez, todas. Com menor intensidade, mas presentes, percorrem produtos de pesquisas, as idéias espiritualistas de pensadores como Barbier, Jung e, hoje, Capra, que exercitam um que fazer permeado de uma filosofia eterna, mas com suas particulares místicas. Com menor intensidade, nomes como Freud, Adler e Rogers circulam nessa aquarela, enfeitando um tipo de educação voltada ao personalismo e primando por visões da psicanálise e de uma psicologia humanística. Com essa mesma intensidade, apresentam-se perfis psicológicos e representações espontâneas que marcam as teorias ainda psicológicas e cheias da preocupação com o cognitivo em pensadores como Piaget e, às vezes, como Bachelard. Nos percursos mais recentes, mostram-se as teorias tecnológicas, conduzidas pelas exigências atuais da
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educação a distância e contemplada na linha de pesquisa de tecnologias da informação e comunicação. Nesse contexto, pensadores como Cunningham, Skinner, O, Neil, Stuar Hall, Luhmann campeiam pelas formulações do ciberespaço e da cibernética. Lidam com a teoria de comunicação sistêmica, acompanhada pela discussão de contraposição, às vezes, complementares, por pensadores franfurthianos, estabelecendo até posições de uma psicologia cognitiva. Sobretudo com a presença desses últimos, aproximam-se essas formulações muito mais da antropologia ou, mais precisamente, para uma teoria psicosociológica. Os debates, então, começam a crescer nesse campo sociocognitivo, ao serem ofertadas discussões de fundo cultural, de meio ambiente. Envolveram, até mesmo, determinantes sociais do conhecimento, aparecendo Vygotsky, Perkins, Gilly e outros, de forma mais esparsa. Também, em menor intensidade, manifestam-se perspectivas de estudo de filosofia e da cultura em geral, marcando uma teoria em educação tida como acadêmica. Essa teoria volta-se à discussão de conteúdos, de matérias, de disciplinas, de avaliação e até mesmo de tradições específicas, atualizando-se com o campo de estudos culturais. Surgem pensadores como Scriven, Gilson, Bloom. Aparecem, também, nesses estudos e análises, vários documentos oficiais de Conselhos Superiores de Educação. Por fim, pode-se detectar mais fortemente o campo que se pode dizer de teoria social. Trata-se da teoria que traz para o centro dos debates as questões sobre as classes sociais, determinismos de várias ordens na natureza humana e ainda as questões sobre poder, libertação, mudanças e transformações sociais. Aí, estão as fontes do marxismo, da sociologia em suas diferenciadas abordagens: ciências políticas, teoria crítica, movimentos sociais, estudos feministas e até as ciências do ambiente. A presença marcante é Paulo Freire, seja com a discussão de suas obras, seja com a participação da produção do Centro Paulo Freire, em Recife, e do Instituto Paulo Freire, em São Paulo. Nesse campo, parece assentar-se aquela declaração inicial de uma educação permanente, aquela intenção com a outra dimensão do produto. Centra-se, em especial, na educação de jovens e adultos, revelada por uma maior quantidade de trabalhos acadêmicos realizados pelos alunos: dissertações e teses. Todos esses elementos deram corpo a uma representação possível de educação popular. Popular como um posicionamento político e filosófico diante do mundo e, do outro humano, que arrasta consigo a dimensão propositivo-ativa, voltada aos interesses das maiorias. Nessa visão, firma-se a possibilidade de um mundo em mudanças, mudanças para melhoria do todo, assumindo as diferenciadas formas de lutas dessas maiorias. Popular como uma metodologia própria no trato com o outro, pelo diálogo, expressão de atitudes de promoção da participação ativa desse outro, animando-o também para o exercício da tomada de decisão. Diálogo para impulsionar novas formas de intervenção das maiorias na sociedade. Advindo dessas possibilidades do popular, instala-se uma visão de educação popular, formulação gerada nos embates internos de disciplinas do programa, como um fenômeno de produção e apropriação, pelo trabalho, dos produtos culturais da humanidade. Esse fenômeno se expressa por um sistema aberto de ensino e de aprendizagem, contendo uma teoria de conhecimento referenciada pela realidade. Um fenômeno que requer uma metodologia ou pedagogia incentivadora da participação das pessoas em suas vidas e em seus espaços formais, concretos e simbólicos. Sua avaliação é realizada sobre conteúdos e técnicas processuais. E, também, um fenômeno que assume uma política estimuladora de transformações sociais e de anseios humanos de liberdade, justiça, igualdade e felicidade. Assim, pode-se declarar educação popular. Essas abordagens teóricas que vêm acompanhando a produção acadêmica do programa por discentes e docentes são socializadas pela Revista “Temas em Educação”. E, assim, aparece o desejo do estabelecimento da concordância dessas teorias educacionais com as metodologias realizadas. Portanto, dá-se a concordância entre a formulação teórica com a coisa mesma, os caminhos desses produtos. Todavia, que metodologias são essas? Estimulou-se nesse tempo não uma verdade metodológica compreendida como uma possibilidade para a abertura da pesquisa, para o problema da pesquisa. As possibilidades várias aparecem na produção acadêmica, particularmente aquelas apresentadas nas dissertações, teses, livros, capítulos de livros, artigos completos em anais de congressos e artigos da revista. Parece como uma intenção de possibilidade
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de que o ser da pesquisa defina-se como o ente da pesquisa. Mas não é um deixar que assim seja, como um desprezo ou uma omissão. É o afirmar-se de um ser, a educação que se expressa e se define pelos entes vários pesquisados. Os pesquisadores debruçando-se e se entregando a esses entes, em seus diferentes métodos de criar produtos acadêmicos, seus andaimes de ascese ao conhecimento. Em menor intensidade, aparecem produções no seio da compreensão que dominou as ciências pautadas pelas experiências e que buscam a precisão e a exatidão pelos seus cálculos estatísticos. Por meio de análises de fundo aristotélico, esses pesquisadores procuraram ter a cientificidade no método científico. Mas o convite do metateórico, Karl Popper, na busca de um só algo que anule a afirmação geral, precisa ser lembrado, bem como, a desconfiança com os “obstáculos” da experiência, trazidos por Bachelard. A orientação metodológica tem também descido pelas cachoeiras do conhecimento histórico, tão necessário às interpretações, remada pela hermenêutica e até com aparência de exegese. Este modo de pesquisar tem surgido com forte freqüência no programa. E, com maior freqüência, as teorias sociais da educação, dominantes nas abordagens teóricas, alcançam o método dialético em suas variadas versões para o campo da interpretação dos entes em movimento. Uma dialética carente de maior vislumbramento de suas bases técnicas e de formulações para superar o aprisionamento à empiria. Uma dialética que busca ultrapassar o mundo concreto pela reflexão, transcendendo esse mundo concreto para uma síntese, um novo concreto cheio de pensamentos, um método para o terreno das ciências sociais críticas. Exibem-se cerca de quatro centenas de teses e de dissertações, aproximadamente uma centena de livros publicados, produtos de pesquisas de docentes, quase duas centenas de artigos revelados nos dezesseis anos da Revista e um número perto de quatro centenas de artigos completos, constantes em anais de congressos nacionais e internacionais. Haverá, então, uma revelação de verdade neste programa? Os seus tensionamentos são históricos. Uma caminhada que tem tido os mais baixos e os melhores conceitos de seus pares, em nível de avaliação. Por isso, uma possível verdade buscada desses dados não parece tarefa fácil. Pode haver uma boa vontade, simplesmente, no acolhimento desses dados. Porém, sugere-se maior atenção para não haver uma rendição aos mesmos, sem desejos de qualquer tipo de quietude e sem poder se deixar trair pela miopia da certeza. Esses dados só são importantes se puderem provocar a inquietude dos profissionais deste programa de pós-graduação sem aplacar os desejos intelectivos de sempre se querer mais. Esses dados precisam ser violentados pela capacidade intelectiva dos que fazem pesquisas em educação, apontando, agora sim, desafios para além de meras barreiras interpostas e concretas. Um olhar e um novo jeito de escuta para a continuação daquilo que melhor pode ajudar na organização e na radicalização da educação. Um olhar
atento às conexões do local com o universal no estilo de uma simbiose indestrutível. A caminhada política e ideológica deste programa, podem dizer os dados, nem parece tanto intencional. Claro que definições houve, mas que foram delineando-se, muito mais, ao sabor da necessidade conclusiva dos trabalhos acadêmicos, traduzida pela presença fluida da temática educação popular nessa produção acadêmica. Hoje, a retomada do objeto original – o programa – com o movimento de alargamento para o geral passa, contraditoriamente, por um estímulo para todos e todas afincarem posições para nova promessa política e por novas coisas; construírem algo naquilo que se é mais forte, naquilo que se tem mais força; compreenderem que não se pode deixar cair num extremo da entrega ao próprio ente, deixando-o de forma não crítica à mercê de qualquer conclusão; sustentarem, pelos caminhos qualitativos ou quantitativos, a constância das discussões, diante não só da estampada diversidade tendente a se perder na generalidade, como da exigência necessária à sua própria qualidade; desenvolverem a relação dialética particular e universal tão, necessariamente, frutífera; atentarem que a indicação à pluralidade pede maturidade no algo a ser feito, exigindo-se tempo; e, por fim, combinarem o profundo exercício dessa enunciação (essência) que é imaterial, adequando-se ao algo diferente, tão concreto, que é a coisa mesma. Oxalá, deste programa, isto seja recitado e cravado nas mentes e nos corações.
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Do livro: Diário de uma ritmista aprendiz.Haruê Tanaka. Editora da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa: 2009.
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Este livro é a valorização da voz, do gesto e dos signos em um campo específico de possibilidades de realização da educação popular - um fenômeno de produção e apropriação de um típico produto cultural em uma Escola de Samba, a Malandros do Morro53. Dos signos, quando apresenta uma busca permanente de tradução dos mesmos em um ambiente de preparo para um carnaval, entrançado de gestos e expressões da condução de seus exercícios, no preparo de sua Bateria, e, necessariamente, pela voz, concretizada na palavra em condições de sua enunciação que não expõe um sentido explícito, porém manifesto, a ser decifrado pelo trabalho de pesquisa. Ao pensar um espaço educativo popular, imprime-se a compreensão e a tradução do algo mesmo de conceito de popular e de educação popular, sem perder a dimensão central do trabalho, expresso no desejo da pesquisadora que é a valorização de uma educação popular pela música. Como um signo a ser decifrado, a caminhada da pesquisa percorre a busca de sentidos, talvez misteriosos, mas alí presentes, prontos para uma emersão dos mesmos e em suas intermináveis decifrações. Presos à decodificação assegurada pela sua presença, é uma ritmista aprendiz e, portanto, como um deles, no emaranhado do toque do tamborim, treme-chão (surdo), cavaquinho, repinique... com seus sons, signos e cores, porém abertos para expressão de verdade daquele seu desejo. Ao fazer parte de um naipe musical na Escola de Samba, a professora de piano54 desnuda-se de suas teorias e técnicas musicais, deslocando-se para uma outra ambiência, mantendo-se no campo da música e investigando outras formulações e outras técnicas. Mas, afinal, serão eles ou elas músicos também? Como será essa ambivalência, em termos pessoais, de uma aparente duplicidade de sujeitos – professora de música de tradição clássica e, agora, uma ritmista aprendiz? Tem-se presente, na leitura, a expressão de concretude daquilo que se aprende e se formula, de que o ensino pode tornar-se mais forte e interessante quando se transforma em uma possibilidade de invenção, de produção do próprio conhecimento. A vivência nessa usina cultural de ensino e aprendizagem, a produção e posse de suas próprias técnicas, os rigores e não-rigores de ensaios, as definições e não-definições da composição do conjunto de uma Bateria de Escola de Samba foram conduzindo à visão mais sólida de popular não como, necessariamente, algo que venha do povo, que venha da tradição do povo ou das classes ditas populares. Popular passou a ser entendido como expressão de procedimentos que alimente e promova a participação das pessoas no algo em feitura. Os ensaios com a Bateria da Malandros do Morro foram mostrando o incentivo à participação de todos aqueles aprendizes, o exercício da tomada de decisão e, ainda, permeados de doçura e de inteligência política. Um popular como expressão metodológica e de exercícios políticos enquanto constitui-se em ações educativas para a vida deles mesmos. Como pesquisadora amante dos dados, pôde discernir nos mesmos a sua não verdade, mantendo-se, todavia, na sua própria inquietude, conduzida por um ciúme de tradução daquelas palavras dos outros, mas que sempre estavam a denunciar um algo oculto. Conduziu, dessa forma, por uma educação popular traduzida como um fenômeno educativo voltado à valorização de produtos culturais dos educandos. Sempre expressão de um sistema aberto, porém enriquecido de uma teoria de conhecimento referenciada naquela realidade mesma de sambista e de escola de samba. Uma educação distanciada daqueles procedimentos de uma outra escola, a acadêmica, e plena de metodologia própria, incentivadora de participação e de empoderamento das pessoas. Educação popular com seus processos peculiares de avaliação inserida no sistema singular da Bateria da Escola de Samba do Malandros do Morro como um espaço educativo. Uma educação popular com base política que estimula e promove o outro, com práticas para a liberdade e, tal como ao entrar na avenida, trespassada de expressões de felicidade. Os dados coletados não silenciaram a atitude do pensamento da pesquisadora, pelo contrário, provocaram-na para o saber mais, mesmo quando se passa da mera brincadeira para o envolvimento com a música; quando estava atenta às atitudes do mestre da bateria, à disciplina nos ensaios, ao exercício de circularidade dos ritmistas e seus particulares saberes. 53 54
Escola de Samba do Bairro da Torre, da cidade de João Pessoa, na Paraíba. A autora é professora de piano, no departamento de música, da Universidade Federal da Paraíba.
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Os erros foram momentos de aprendizagens e não de punições, enquanto que os acertos traduziam os arranjos do coletivo. Os ensaios, enquanto uma ritmista aprendiz, foram se configurando como momentos de ser, do ser de pequisadora e do ser de musicista e, também, do poder dar-se à novas e possíveis formulações para um modelo conservatorial e para aqueles que vivem da arte de ensinar música. Vai surgindo, de forma suave, nesse processo educativo da ritmista aprendiz, enquanto pesquisa, as suas primeiras lições voltadas ao samba-enredo da escola, externada pelo respeito ao tamborim, com as sinalizações de cada um, do mestre e da comunidade, os seus gestos, os movimentos em cada naipe de instrumentos, a novidade e o aconchego de uma mulher na bateria... e, tudo isto, traduzido e desvelado na harmonia do samba. A leitura deste livro exibe um modelo de pesquisa voltado à etnocultura, em que o pesquisador insere-se na própria comunidade – uma pesquisa em que o pesquisador faz-se dela e é parte dela. Manifesta como resultados interessantes a explicitação das tantas variadas possibilidades de ensino e aprendizagem. É uma valorização de práticas de ensino musical, ajudando a novos pensares com outras dimensões pedagógicas que se refletem no campo da música ou em área afim, como a etnomusicologia. Alerta à primazia que se tem para com a música notada, a música escrita. Aquele pessoal está fazendo música, está sendo músico mesmo que não domine a técnica da leitura musical. Realiza, dessa forma, um jogo de música que não se pode controlar e nem se repetir. Este livro apresenta, enfim, uma pensadora da música e da educação que reconhece o seu trabalho como estando na esteira de outros e de semelhantes experiências nesse campo, também observando com detalhes as suas contradições. Traz a necessidade do ouvir tocar, do prazer de tocar, configurando-se, ainda, como algo concreto de que é possível fazer educação musical popular. Em especial, para ela, essa aprendizagem de ritmista revelou-se como um mundo novo e supreendente. Uma pesquisa que avança na busca por uma pedagogia para a sua vida de professora de piano e que se volta para outros caminhos e outras aproximações. Oxalá, assim aconteça. O leitor terá uma agradável leitura. Parabéns, Haruê.
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Do livro: o Projeto pedagógico: uma construção coletiva, uma produção de saberes
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O livro – o Projeto pedagógico: uma construção coletiva, uma produção de saberes – é um convite e, sobretudo, uma potente demonstração de que a discussão sobre cidadania e a efetivação de um Projeto Político Pedagógico são temáticas intrinsecamente interligadas e que podem ter a contribuição da universidade, de maneira especial, por meio da extensão universitária. Mas, ao se falar de Projeto Político Pedagógico (PPP), logo ocorre a pergunta: de que se está tratando? O próprio título sugere alguns elementos para a nossa discussão. O PPP precisa ser uma construção coletiva, não podendo ser fruto da imaginação de gabinete escolar ou mesmo de outro qualquer espaço burocrático, vinculado à escola. Concebe-se a necessidade de que o PPP seja algo que redunde em uma produção de saberes. É um processo coletivo de um modo especial de trabalho da escola que passa, necessariamente, pela organização curricular. A elaboração de um currículo que ultrapassa, muito para além, possível listagem de disciplinas ou a grade curricular. O PPP move-se como um instrumento de produção de conhecimento e de sua socialização. É pela produção do conhecimento e processos de socialização que se transforma em um problema a ser tratado, sob o olhar acadêmico, no campo do ensino pois um processo educativo, na extensão enquanto produto a ser socializado e no campo da pesquisa como gerador de novos saberes e conhecimentos sistematizados. Como um projeto, esta atividade referencia-se em algo prospectivo que embala o campo da possibilidade, da intencionalidade e da utopia. É vislumbrar um futuro ainda no presente – uma utopia concreta e permeada de confiança de sua realização. É o PPP um esforço para a superação de dimensões estabelecidas, sendo momento de rupturas para com o presente. É uma situação de risco ao tentar a superação daquilo que está consagrado e em estado de conforto pela permanência. É ainda uma promessa, mostrando de forma visível as ações e os atores, comprometendo-os. Este livro é, pois, um demonstrativo do compromisso dessas autoras e autor que fazem conectar a prática acadêmica universitária com a construção concreta, em uma específica escola, de um Projeto pedagógico e, necessariamente, político. Para as autoras e o autor, tal desafio não se tornou apenas uma carta de boas intenções a ser construída por uma escola, ou mesmo, o atendimento de uma exigência administrativa. Os textos constantes do livro são a expressão de um trabalho realizado em conjunto com os profissionais da escola, coletando as necessidades locais e específicas daquele ambiente e do seu entorno, buscando a identidade da própria escola. Além do mais, traduz e oferece caminhos para se fazer uma escola de qualidade. O livro inteiro mostra o esforço de cada uma das autoras e do autor em promover a reflexão de cada questão surgente, tornando o PPP um instrumento metodológico que visa ajudar nas atividades do cotidiano escolar, problematizando-as, conscientizando-se das mesmas e promovendo a participação das pessoas, com um claro aceno para um exercício cidadão. Como instrumento, passa a contribuir e organizar a ação individual e coletiva de todos que fazem a instituição escolar. Durante toda a leitura, algumas características vão dando corpo ao projeto, marcado pelo constante incentivo à participação nas decisões da escola. Tal exercício, contudo, não está desprovido de contradições e conflitos, pois afinal, sendo a escola uma instituição da sociedade não se libera dessas contradições. Um exercício profícuo de busca de cidadania ao enfrentar de forma corajosa esses conflitos, promovendo a solidariedade, princípio ético tão necessário para a superação de situações “difíceis” que se apresentam, em cada momento, em práticas educativas. O caminho mostrado é de que se decidiu pela superação de problemas de forma educativa, contribuindo para a educação cidadã. Com isso, os participantes na escola preparam-se para a execução de algo que esteja umbilicalmente ligado à realidade, assegurando-se àquelas práticas os mecanismos preparatórios para a avaliação. Sendo um produto educativo, necessariamente, o Projeto torna-se um processo também educativo. Portanto, um radical processo de planejamento participativo na busca da qualidade escolar, deixando claro as etapas que virão. Em todo esse processo, a possibilidade da presença da universidade foi algo abordado, concreto e possível. E aqui, cabe nova pergunta: como a universidade pode se fazer presente? O próprio livro já sugere que é possível uma articulação da extensão por meio do ensino, quando da relação entre saberes e fazeres. Isto se externa ao se entender a construção do PPP como
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um “lugar” ou um espaço de formação continuada e articulada pela extensão, cogitando-se a promoção do conhecimento. A extensão é um importante caminho, no momento em que se configura como espaço adequado para contribuição da universidade a esses tipos de processos, colaborando inclusive com a qualificação profissional e técnica. Nesta perspectiva, vislumbra-se a extensão como processo educativo permanente, cabendo aí espaços para a promoção do diálogo e para a produção desses saberes, em especial, de novos conhecimentos sistematizados, por meio de técnicas de pesquisa. Em vários artigos do livro, aparece a contribuição da universidade por meio de seus esteios básicos: a pesquisa, a extensão e o ensino. Pelo ensino, é mais do que visível a contribuição acadêmica ao se considerar que cada passo na construção do PPP é um contínuo aprendizado de todos envolvidos e à própria escola, fortalecendo-a como um ambiente de sua memória. Esse fortalecimento compreende a construção do currículo da escola ao articular o ensino com as demais potencialidades existentes, fortalecendose a unidade entre a teoria e a prática que se exercita, como bem é dito no texto, com a promoção do “.. diálogo permanente entre o `lócus´ de formação inicial e o mundo do trabalho”. Pela pesquisa, está mais do que inteligível que a construção de saberes e, em especial, de conhecimentos sistematizados carecerá de metodologia definida pela atenção especial à teoria e à prática e pelas técnicas de pesquisa, ao se pensar o caminho que vem sendo feito e a sua necessária reflexão questionadora e crítica, gerada pela prática mesma em desenvolvimento. E, como a extensão poderá contribuir para tal processo? Ao que parece, a construção do Projeto Político Pedagógico pode receber a contribuição da universidade, em especial, pela extensão universitária. Diante mão, faz-se fundamental a necessidade da compreensão do que seja a extensão por meio das dimensões teóricas que possam identificar-se com aquelas dimensões presentes no Projeto. Essas dimensões têm sua própria história na extensão que vem sendo pensada, desde a realização do I Fórum de Pró-Reitores de Extensão, em 1987, quando se delineava seu conceito voltado à produção do conhecimento acadêmico e promotora, em suas práticas, da participação da comunidade nos projetos da universidade. O fazer extensão subentende-se, segundo aquele Fórum, a ação propriamente dita, pois esta não se enquadra em mera perspectiva contemplativa da realidade. Os vários artigos que formam o livro também assumem a perspectiva do PPP como uma ação participativa. Aquele Fórum, já mostrava a necessidade de que a extensão expressasse intervenção na realidade sem desejar que a universidade substituísse o Estado, em suas funções de assistência, mas na perspectiva da produção de saberes científicos e tecnológicos, artísticos e filosóficos. Teria um papel de tornar acessível esses saberes às comunidades, ampliando a proporção de setores da sociedade que usufruem dos resultados gerados pelas atividades extensionistas. A necessidade da intervenção na realidade coaduna-se com a metodologia do fazer do PPP que cobra a ação sobre a realidade mesma – o lugar da escola. Nessa direção, apontada em todo o conteúdo do livro, a extensão é um trabalho. Um trabalho que deverá ser qualificado como na necessária relação da escola e universidade, quando da construção de um Projeto Político Pedagógico. Um trabalho que precisa ser qualificado pois, assim, a sua realização também qualifica a universidade, enquanto seja possível observá-la em outra perspectiva. A extensão como trabalho proporciona aprendizagem aos alunos quando em contato com a realidade e que essa aprendizagem diga alguma coisa para o momento que se está atuando pela extensão. Pelo trabalho, é possível que se possa ligar o ensino à pesquisa, intermediada pela realidade, neste caso, a escola. Isto se pode mostrar pela reflexão encetada na realidade, junto aos estudantes e demais profissionais que atuam no Projeto, pela escola e pela universidade. Psicólogos, assisstentes sociais, supervisores, professores, orientadores e diretores, todos/as reconfiguram as suas práticas no interior da construção do PPP. A identificação da extensão como um trabalho absorve a visão daquilo que se estar fazendo, e sobre isso vai se constituindo o que se chama extensão universitária. Um trabalho que não é um algo simples qualquer, mas um trabalho social e com uma utilidade definida – a elaboração de um Projeto Político Pedagógico. Com essa compreensão, a universidade e a comunidade passam a ser possuidoras do produto desse trabalho. Um trabalho que só tem sentido como um processo educativo, cultural e científico, além de estar voltado à construção de uma escola de qualidade para `os sem favorecimento´ da sociedade ou a serviço das classes trabalhadoras. Ora, a escola pública é
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o lugar de sua preparação. Extensão como um trabalho social útil com a intenção de favorecer, de forma crítica, a organização dessas classes empobrecidas e sem cidadania. Pela extensão e na construção do PPP, ambas atividades se confundem em um mesmo processo cultural. Um trabalho que carece da presença da crítica como ferramenta nesse tipo de atividades. Só assim, é possível a superação do senso comum ao expor e explicar os elementos da realidade, os seus conflitos e suas contradições, presentes no ambiente da escola. São elementos gerados a partir de formulações abstratas, um esforço de teorização, tendo na realidade, no mundo concreto – a escola -, a anterioridade de suas bases analíticas. Nesse movimento de análise da realidade, um segundo movimento tem continuidade no campo das abstrações, em busca de outros elementos ainda mais abstratos, permeados, entretanto, pelo concreto inicial. Finalmente, através dos recursos expostos por essas abstrações, busca-se criar um novo concreto, permeado das abstrações anteriores, enfim um concreto cheio de pensamentos – um Projeto Político Pedagógico. Tudo isto só é possível pelo uso radical da crítica, pois só esta possibilidade permite a condução para além da experiência vivida pelas equipes e comunitários, pela experiência da escola, superando o papel conservador do trabalho e assumindo a sua dimensão transformadora. Este é um trabalho realizado junto à comunidades, inclusive, à comunidade escolar. Um trabalho que rompe a dicotomia existente entre os pólos dessa mesma relação – de um lado a instituição e do outros os atores sociais. É uma perspectiva onde o trabalho configura-se numa dimensão de continuidade e de permanência, em processos de realimentação, valorizando a prática e a reflexão sobre essa prática. Uma visão que torna viável, como vem sendo mostrado no percurso de todo o livro. A atividade do ensino aparece entre aqueles que fazem a escola, a pesquisa com metodologias próprias e os conteúdos em discussão que juntos são atividades extensionistas. Um trabalho social e útil que tem a intencionalidade de fazer conectar o ensino e a pesquisa vai marcar a organização do PPP como um espaço de atuação de todos os que buscam a organização de seus grupos, de sua comunidade, o currículo da escola e a própria escola, em sua relação com a comunidade que a cerca. É um espaço onde existem processos de realimentação de conhecimentos que estão sendo produzidos, e outros que são gerados a partir desses últimos. Um trabalho que expressa uma relação íntima entre a teoria e a prática social, no exercício da construção do Projeto Político e Pedagógico. Um trabalho que afaste a alienação gerada pela não posse do produto do trabalho por parte de seus produtores como no modo de produção capitalista. O Projeto é um produto a ser apossado por seus produtores – atores presentes em uma escola, podendo ter a participação de atores acadêmicos. A superação dessa alienação conduz para que todos os produtores devam apropriar-se desse produto de trabalho, que é o saber mesmo de sua perspectiva de uma escola com a qualidade desejada. Ver a extensão como trabalho, este não pode acontecer adquirindo a sua dimensão alienante, possibilidade existente inclusive ao realizar um trabalho de construção de um Projeto Político Pedagógico. Mas, como pelo fazer acadêmico, torna-se possível um trabalho sem a promoção da alienação? Na construção de um PPP, pela extensão universitária, o trabalho não pode produzir uma mera mercadoria à medida que cria mais bens, gerando um produto e uma atividade externa ao homem. Em atividade dessa natureza, toma corpo o mundo humano ou a dimensão humana do trabalho, que surge como um elemento novo, com uma dimensão filosófica fundamental dessa categoria e da perspectiva de se vislumbrar a extensão num campo teórico e de realizações sem alienação. O trabalho da extensão, expresso na elaboração de um PPP, conduz a sua compreensão provida da dimensão humana, da essência do homem. O trabalho passa a não se prestar simplesmente à criação de bens, mas à produção do próprio humano, indo além da dimensão da mera mercadoria. Como um trabalho, o fazer extensão só pode resgatar o caráter humano do mesmo. É o trabalho como atividade racional humana na produção desse bem específico – o Projeto Político e Pedagógico. Esse algo produzido pelo trabalho passa a não mais pertencer a um produtor mas, agora, a um conjunto, uma população, uma comunidade. Passa a se lhe opor como um ser alienado, tornando-se uma força independente mas vinculada ao próprio produtor ou produtores. Esse trabalho está incorporado ao objeto, o próprio projeto, mas sendo possuído pelos seus
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produtores. Assim, é que necessariamente a relação produtor e produto toma outra dimensão não alienante e, tornando possível a superação da alienação quando os que participaram de sua elaboração passam, também, a assumir como um produto a ser executado por todos que fazem a escola, a comunidade escolar. Além disso, tal trabalho por mecanismos extensionistas e expresso na realização do PPP faz dessa atividade e desse processo cultural momentos de superação da alienação da natureza de seus executores, propriamente ditos, e, também, ultrapassa a alienação do homem mesmo, de sua função ativa, de sua atividade vital. Como se vê, o trabalho torna-se o elemento fundante de todo esse processo, pois, na organização de um PPP constitui-se como resgate da dimensão humana do trabalho com a superação daquilo que está gerando e negação desse trabalho. O PPP nega a escola na construção de outra escola e reafirma-a. Um Projeto que é a busca de novos patamares educativos e culturais da própria escola. Isto se torna possível pois o mesmo deixa de ser algo de gabinetes e ambientes reservados a poucos, apresentando-se como uma atividade coletiva e pertencente a todos os envolvidos. Um trabalho, como processo cultural, que passa a produzir não só um objeto material – o Projeto - como também o próprio homem, a si mesmo e aos outros do entorno da escola, da comunidade. Havendo a produção do conhecimento pelo trabalho extensionista e a consequente posse do mesmo pelos participantes, resgata-se a dimensão social do trabalho. A extensão se estabelece como um trabalho social útil, constituindo-se como expressão de um caráter social, porém como caráter universal de todo esse movimento, em que a sociedade, ao mesmo tempo que produz o homem, também é produzida por ele. Dessa forma, pode ter sentido o papel da escola que deverá ser, a partir de um Projeto Político Pedagógico, transformadora de si mesma e do ambiente em que esteja inserida. A extensão adquire uma dimensão essencialmente popular – extensão popular. Extensão com uma metodologia própria de fomentar o exercício de participação das pessoas. Assumindo a dimensão do popular, a atividade extensionista transpõe os muros institucionais, superando o seu exercício resumido apenas a ações de participantes de determinadas organizações sociais, sobretudo estatais. Adquire, como trabalho social, a dimensão de exterioridade, abrangendo ações educativas em movimentos sociais e outros instrumentos organizativos da sociedade civil como a escola. As ações realizadas na elaboração de um Projeto Político Pedagógico de uma escola são educativas e capazes de apresentar a opção pelo trabalho social útil com a intencionalidade de estar voltado á organização dos setores sociais, no sentido, inclusive de sua auto-organização. Em uma escola, onde estão os filhos das classes trabalhadoras, esses precisam aprender a se exercitarem em suas lutas, aprendendo a serem governos e, não somente, a terem governos. A universidade, pela extensão, em especial pela extensão popular caminha em exercício dessa natureza, voltando-se para uma ética dos fins e dos meios, recolocando a ética na política. Neste sentido, é que se pode desenvolver o trabalho social voltado ao exercício da democratização da escola e de todos os setores da vida social, com a promoção da participação de todos envolvidos em atividades promovidas pela universidade, em particular, pela extensão, incentivando, inclusive a educação aos direitos emergentes das pessoas – ações de cidadania. Além dos princípios já externados, presentes em ações extensionistas e em realização nos projetos pedagógicos de quaisquer escola, outros valores norteadores dessas práticas também podem ser externados: a compartilhação dos conhecimentos em debates e gerados a partir das ações em um PPP, a promoção da comunicação entre indivíduos, a responsabilidade social, direitos iguais a todos, respeito às diferenças e às escolhas individuais ou grupais, novos elementos que potenciam a dimensão comunitária e a solidariedade entre as pessoas. Esta experiência de construção de um Projeto Político Pedagógico, fio condutor deste livro, manifesta um papel que a universidade pode adquirir em comprometer-se com as forças democráticas do país, resgatando as contradições de um Projeto dessa natureza, à medida que se formula e que se implanta em uma escola. Cabe à universidade fazer avançar a produção de um conhecimento da realidade que seja relevante socialmente na ciência, na arte, na filosofia, fortalecendo uma cultura aberta à crítica. Este livro mostra experiência que retece, pela extensão universitária, uma perspectiva popular, o tecido social com novos valores e objetivos, definindo, também, estratégias de mudanças no âmbito de uma escola e de transformação global da sociedade. Um PPP que conduz a um outro
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corpo ético que pode ajudar na construção de outra cultura política, inicialmente no âmbito da escola. Ações em um Projeto para a escola, permeado de atitudes superadoras de todo tipo de agentes impeditivos à cidadania, buscando novas concretizações de sonhos de justiça, de liberdade, e por que não dizer, de felicidade. Oxalá, sejam gerados novos produtos acadêmicos como este livro, com tamanha força expressiva, que continuem demonstrando que a universidade pode ter, nessa caminhada, um papel de destaque. Abraços e parabéns ao autor e às autoras.
São João de Campina Grande de 2009.
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Do livro: Legislação Educacional da Paraíba. Cassio Cabral Santos (Conselho Estadual de Educação do Estado da Paraíba). João Pessoa,Editora UNEPI, 2011.
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Prefaciar um trabalho dessa natureza, a convite do autor, membro do Conselho Estadual de Educação da Paraíba, é poder contribuir para o atendimento de uma necessidade não mesma do autor mas, sobretudo, de um conjunto de profissionais da área de educação e de toda a sociedade que carecem de um algo sistematizado para poder ter conhecimento dessa legislação. Normas que, em geral, estão esparsas em tantos diferentes birôs ou pastas, distribuídas em anos, e, agora, passam a poder ser consultadas em um só lugar, neste livro: Legislação Educacional da Paraíba (20002011), uma contribuição mais que louvável de seu organizador. É, também, um estímulo a pensar sobre esse conjunto de regras, nacional e estadual, em sua maior radicalidade teórica, muito para além de pura leitura de artigos ou parágrafos da lei, cuja disposição expressa e orienta atitudes educacionais no Estado. Um chamado a se entrar no significado mesmo dessas normas elaboradas para o seu cumprimento, traduzem, por sua vez, a mais concreta revelação da Política no Estado paraibano no campo da educação. Este livro, portanto, apresenta essa política da organização educativa em seus últimos dez anos. Política, traduzida pela concretude da norma, tem se externado em quatro grandes movimentos hermenêuticos. Em um primeiro movimento, detecta-se o seu caráter de doutrina do direito e da moral; em um segundo, apresenta-se como teoria do Estado; num terceiro, transformase em uma arte de governar; e, em quarto, como estudos dos comportamentos intersubjetivos. Um debruçar-se sobre os textos coletados pelo autor do livro revelará todas essas possibilidades de perspectivas, demarcando o patamar cultural do Estado por inteiro, com seus avanços e recuos, e, além do mais, acusando as mais profundas contradições desse período de tempo. Uma leitura parcial do texto mostra o esforço desses legisladores na busca daquilo que devesse ser bom para a sociedade e, se possível, um bem melhor, supremo, na visão aristotélica em Ética a Nicômaco, em que trata a Política como a arte mestra. Ela manifesta essa natureza, “pois determina quais as ciências que devem ser estudadas num Estado, quais são as que cada cidadão deve aprender, e até que ponto; e vemos que até as faculdades tidas em maior apreço, como a estratégia, a economia e a retórica, estão sujeitas a ela” . Nessa visão, o legislador passa a orientar para o campo das atitudes, para o campo da moral. Assim, a legislação emanada torna-se o desaguadouro por excelência de práticas da vida. Em um segundo movimento teórico, ainda em Aristóteles, admite-se a compreensão da Política como organizadora do Estado. Em seu livro Política, anuncia o papel do legislador como aquele que auxilia na definição de uma melhor constituição, apresentando as melhores situações para a sua efetivação. Em sua visão, devido à impossibilidade de se realizar o melhor governo, “o bom legislador e o bom político devem saber qual é a melhor forma de governo em sentido absoluto e qual é a melhor forma de governo em determinadas condições”. Portanto, um conjunto de legislação só expõe o difícil papel de um grupo para legislar, mesmo que seja apenas no campo da educação, e de se ter a mais profunda e radical visão de seu papel político no seio da sociedade. Esse, portanto, é mais uma dimensão do legislador nessa proeza do exercício dessa atividade. Esse conjunto de regras coletadas pelo autor também mostra o grande esforço daqueles que tentaram contribuir para essa organização, em sua forma política, da educação estadual na Paraíba. Possivelmente, para alguns, o desejo de um Estado em condições de efetividade, aprisionado aos limites de seu tempo. Uma visão pragmática de sua realização. Para outros, talvez, o esforço de se ter um Estado ideal ou utópico em condição de atendimento a todas as demandas da sociedade, um Estado perfeito, segundo a visão platônica em seu livro República. Ora, se a legislação é expressão concreta da Política, também passa a traduzir toda a possibilidade de se tornar a ciência do governo, pois orienta a ação governamental com os ditames morais, aproximando-se, portanto, da visão de Platão de Política como arte e ciência de governo ou uma ciência régia, presente em seu livro Político. Como se vê, a legislação nacional e a legislação estadual, aqui manifestadas, passam a indicar as coordenadas dessa arte e dessa ciência, buscando, como no primeiro movimento, as perspectivas de uma boa ação. As resoluções presentes passam pela organização interna da escola e pelo bom funcionamento de cursos em nível médio. Cuidam do sistema da educação infantil, além da necessária integração do sistema de educação federal, estadual e municipal. Revelam os olhares
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para a educação daqueles que foram por toda a história do país expulsos da mesma: o indígena. Detalham diretrizes para a educação dos que têm necessidades diferenciadas para a sua aprendizagem. Aumentam o tempo de estudos para uma escola constituída de meros arremedos de conhecimento, com a definição dos nove anos da escola fundamental. Uma legislação que assume o papel Político de um novo ordenamento social. Por certo que se precisa manter-se em permanente atenção aos novos ditames sociais, indo ao encontro de novas formas de equilíbrio, diante da dinamicidade dessa sociedade. E, ainda, este livro oferece a visão das leis construídas nos marcos do positivismo comtiano. Veem-se com clareza as tendências para se ter uma melhor regra e sempre na perspectiva de sua funcionabilidade nos marcos do não erro, considerando que a lei é ou não é. Uma legislação que arrasta consigo a visão de Política como expressão dessa positividade necessária, mesmo que os mundos das vidas das pessoas mostrem sempre a sua inconstância e variabilidade. Essa perspectiva da Política sempre vai cobrar a rigorosidade dos quadros curriculares, da criação de escolas, da definição das relações étnico-raciais e, também, de exames que possam reconhecer os saberes da vida. Mas, este livro, por meio de rápida leitura de seu conteúdo regulamentar, e com o conhecimento das formulações que iniciam essa nova década, parece apontar para outras possibilidades da própria vida do legislador. O legislador tem necessidade do diálogo, tão necessário à educação, pois ele também educa e se educa. Trata-se da situação do diálogo que tem características tão revolucionárias, na visão freireana, pois no desejo de se convencer alguém se pode ser convencido, admitindo necessariamente a sua própria mudança. Uma possibilidade política mais que urgente para a preparação, diálogo e elaboração de novas regras, com audiências públicas, pois as existentes sempre se expõem de forma permanentemente em provisoriedade e instabilidade. O livro do Cássio pode ter a dimensão de anunciação, para cada um, de novas possibilidades para se assumir como legislador, particularmente em conselhos de educação. Oxalá, que se potencialize o tão importante papel político desse, também, fazedor de leis.
Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto Presidente do Conselho Estadual de Educação - PB
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PREFÁCIO57 Este trabalho expressa idéias, reflexões e pontos de vistas de um programa de atividades em extensão universitária que teve início em um projeto de estágio, denominado Estágio de Vivências em Comunidades, a partir de 1987. O seu desejo é trazer o estudante da universidade para a área rural, podendo o mesmo vivenciar, mais diretamente, a vida dessa população. Na busca de tentar estudar e entender essa realidAde, as suas nuances internas por meio de um escopo teórico, Emmanuel Falcão se depara com a necessidade de ver a extensão universitária como um campo social, campo este permeado da dimensão popular, estabelecendo a discussão da extensão como trabalho humano. Pode-se extrair deste texto um desejo do autor de assentar um campo para a extensão popular e, vinculada à universidade, debater essa possibilidade, inserindo-a nas discussões da reforma do ensino. É um texto que mostra o esforço do autor para encontrar um jeito novo de fazer ensino e, sobretudo, provocar a pesquisa. A sua ansiedade pauta-se em levar algo da universidade às comunidades com baixo poder aquisitivo – as classes trabalhadoras – enquanto que pode trazer dessas comunidades elementos para o ensino e a pesquisa, no âmbito da instituição universitária. Extensão, pautada pela realidade e expressando desejos de mudanças, pode ser entendida como um trabalho social, pois é realizado entre tantas e tantas comunidades. Mas é uma atividade útil voltada ao desejo das mudanças daquelas situações vividas. Encerra em si uma explícita intencionalidade imediata que é conectar o ensino e a pesquisa. Nisto, há uma particularidade nesse tipo de trabalho social. Todavia, a extensão adquire outra dimensão que pouco está sendo divulgada: a extensão é popular. O popular, por sua vez, qualifica essa atividade social e estabelece, para além da tradição, uma compreensão superadora da assistência, no sentido de dar coisas materiais às comunidades carentes. É um adjetivo que qualifica a extensão como um processo educativo, cultural e científico, assumindo o ponto de vista das classes trabalhadoras, buscando a construção de outra hegemonia. O popular eleva a extensão enquanto possibilidade de realização de um conhecimento resultante da produção coletiva desse fazer, voltado ao acadêmico e à organização coletiva dessas gentes desprezadas das políticas públicas. A extensão, como um trabalho social útil e com essa intencionalidade, não pode assumir papel alienador de comunidades e nem no trabalho mesmo de ensino no interior da instituição universitária. A extensão, aqui propugnada, proporciona uma preocupação teórica constante no seu exercício. Como diz o autor, um trabalho “que acolhesse os diferentes saberes existentes na academia e nos movimentos populares que por ventura tiveram contato com o referido programa. E na tentativa de sistematização, percebeu-se que, naquela oportunidade, estava-se desenhando esta nova metodologia de trabalho na área de extensão universitária, onde priorizava a integralização do homem e do meio, respeitando todas as concepções existentes nessas duas dimensões”. Uma preocupação que, talvez, favoreça a organização dessas comunidades em pequenas propriedades ou agrupamentos coletivos que consigam resistir e gerar emprego e renda. Extensão, como trabalho social útil com a intencionalidade de conectar o ensino e a pesquisa, passa a ser agora exercida pela universidade e por membros de uma comunidade sobre a realidade objetiva desse setor social, seja em áreas rurais ou urbanas. Ao dimensionar-se a extensão como popular, o texto expressa um forte convite à superação de compreensões singelas do termo popular, como aquelas que, tão somente, compreendem-no como algo que vem do povo, da tradição do povo ou que vem das maiorias. Nem mesmo compreensões que conduzem o popular a ser compreendido como algo que tenha origem em associação de base, de movimentos sociais, ou mesmo, como uma questão de consciência. Em todos esses momentos, esse trabalho social pode ser profundamente autoritário e nada popular. Não há o lócus para se por em prática o popular. Pela extensão popular, a sua compreensão volta-se ao aspecto metodológico, político e filosófico e, portanto, como posicionamento humano diante do 57
Prefácio do livro: Vivência em comunidade: outra forma de ensino. Emmanuel Falcão. Editora da Universidade Federal da Paraíba, 2006.
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mundo, promovendo a dimensão propositivo-ativa, voltada aos interesses dessas maiorias, por meios de mecanismos participativos. A extensão popular passa a ser reconhecida como um fazer acadêmico, um trabalho permeado pelas lutas desse povo, atendendo aos interesses dessas comunidades, mas favorecendo um mundo em mudanças, a partir das perspectivas desse povo. Extensão popular que traduza uma metodologia de agir, como marca e como procedimento que incentive à participação, ou seja, um meio de veiculação e de promoção para a construção de cidadania. Expressa-se, dessa maneira, a possibilidade do exercício e não mais do mero discurso – a universidade cidadã. A extensão popular promove uma metodologia que se fundamenta, como diz o autor: “...numa participação, onde o conhecimento da realidade e propostas de intervenção são realizadas e avaliadas de forma conjunta, retro-alimentando a ação extensionista”. Destarte, pode-se dar vida à discussão sobre as reformas e propostas que estão sendo encaminhadas à universidade, no campo do ensino, em novos patamares de qualidade. A extensão com estas perspectivas contribuirá para o refazer acadêmico, avançando da disciplinaridade, pela interdisciplinaridade para a transdisciplinaridade. Fomentará, cada dia mais, uma objetiva e política relação mudancista da universidade com a sociedade. Assim, parece ter sentido o fazer extensão universitário dimensionado, agora, no campo popular, revelando chances para a universidade universalizar-se em outras bases.
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Prefácio do livro: O Mar e a Jangada: política cultural e extensão universiária. Fernando Abath Cananéa. Editora da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa: 2011.
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O instigante título deste trabalho inspira relação, a mais profunda, entre o mar e a jangada. Um mar de movimentos e de domínios que força e inculca padrões para todo o mundo, e a jangada, pensada como um instrumento para se fazer conhecimento por meio da instituição universitária extensão universitária –, remetendo-nos a uma política cultural como um oceano de possibilidades, vivências e caminhos da construção da identidade de pessoas. Uma relação dialética entre o balanço do mar e o balanço da jangada, de um mar bravio, de tantas virtudes e debilidades construídas, de substâncias que insistem em impingir uma plastificação de mentes e corações das pessoas e dos povos. Cada dia mais, vem fortalecido por tantas tecnologias digitais e ações comunicacionais que afastam a sociedade do seu próprio povo e de suas bases identitárias. Mas, nesse mar da dominação, onde se detonam os esforços de se ter identidade própria, contraditoriamente há vida do outro lado, em que ações culturais são atiradas pelos braços na jangada, de esforços de superação e afirmação da identidade, particularmente de um grupo, podendo ser estendido para sociedade e o povo. “O Mar e a Jangada: política cultural e extensão universitária”. A dialética presente no texto não é um mero vínculo entre dois pólos, o mar e a jangada, e nem mesmo a relação da universidade e o seu fazer política cultural; é sim uma dialética que remete por inteiro ao esforço de um discurso, pela cultura, em seu embate permanente com ondas enfurecidas de um oceano da dominação e o encontro do ancoradouro da resistência. Mas, de qual dialética abastece-se o autor nesse seu buscar e lutar para um encontro com as classes sem vez e sem voz, subalternas, segundo o discurso gramsciano? Sem se preocupar com a adjetivação de seu propósito ideológico, politicamente atua no campo dos que perderam a posse de seus entes culturais. O seu método de pesquisa, os seus remos de condução dessa jangada, partem de um campo de abstração para se chegar a um outro algo, um novo campo concreto, agora, cheio de tantos pensamentos/ideias. Situa-se no mundo, o real, o fenômeno a ser estudado, a coisa mesma da qual saem abstrações que são provocadas na consciência desse pesquisador e analista teórico que foram sendo submetidas a exame pelo seu próprio pensamento e ação. Esse fenômeno de realidade, acrescido de suas determinações fundamentais e de suas relações singulares e gerais vão formar um concreto, produto desse real. E nisto, o autor vai navegar nas teorias que utiliza por meio de uma rota estritamente teórica. Sua análise qualitativa constituir-se-á de um movimento que investiga a totalidade do fenômeno em estudo, os processos de ações culturais em desenvolvimento por meio de uma organização não governamental, um grupo de atores culturais, em uma cidade portuária, Cabedelo. Em um primeiro movimento de síntese, o autor é capaz de caracterizar o seu fenômeno em estudo submetendo-o às suas abstrações. Um segundo, mantém-se nas águas das abstrações ao definir aquelas determinações caracterizando-as e aplicando-as ao fenômeno. Assim, consegue extrair aquelas que são fundamentais, tanto pelos dados, como pela teoria, dialetizando dados e bases teóricas, com muita lógica interna. Conclui esse jeito de pensar com nova síntese, o terceiro movimento, que é a expressão daquele real, inicial, transformado, agora, em um concreto cheio de pensamentos – concreto pensado; um retorno ao real inicial e às suas possibilidades de novas ações. Na relação entre o mar e a jangada, por meio de instrumental potente que não afunda nas águas turvas e arrecifes da cultura, o navegador chega a bom termo, no porto seguro, ou, no esforço de “contribuição à valorização da cultura de base identitária e das formas de organização da sociedade civil”. Entretanto, que águas são essas? Que balanços são esses? Que cultura? O seu caminho de pesquisador mostra uma cultura que traduz a construção dessa base. Mas, esta precisa, necessariamente, ser vislumbrada, assim como o método, na permanência do balanço dialético entre mar e jangada, em que se resgata a dimensão da dinâmica desse movimento. Uma visão que sempre convida o leitor a ir além dos estabelecidos, daquilo que já está dado. Na discussão sobre cultura, ele faz ver a existência de uma multiplicidade conceitual que traduz e expressa, do ponto de vista político, a visão alicerçada nas bases explicativas e dominantes da sociedade, em seus variados modos de produção. Não se rende às faculdades de cultura, presente em Homero, em que a beleza se transforma no ideal educativo e dominante da cultura grega, estando presente até os dias de hoje. Parece se aproximar de Hesíodo, outro poeta grego, que elege
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o trabalho como referência para a educação e a cultura do homem. O poeta avoca uma totalidade que só terá significado quando se assumir, como cultura e como seu conteúdo, o mundo da cultura espiritual decorrente do lugar ou de seu círculo social determinado. Mas, tudo isto são visões espiritualistas, idealistas que pouco contribuem ao trabalho de Fernando Abath. Ele mantém-se ativo em um processo, entendendo cultura como inerente a cada modo de produção. E aí, cultura é uma criação do próprio homem. É resultante, portanto, das diferenciadas formas de tentativas dele mesmo no trato com a natureza material, à medida que está sempre em luta pela própria sobrevivência. É baseada nessa condição que se estabelece a discussão sobre cultura, conceito utilizado, em que as capacidades intelectiva e manual humanas facultaram um maior crescimento e intensidade desses fazeres de sobrevivência no Projeto Catarina. Os entes, daí gerados, constituem-se todos como entes culturais – remos e jangada. Dessa capacidade, foram sendo criados os instrumentos de sobrevivência e todos os tipos de expressão espiritual, tendo sido transmitidos e conservados de geração para geração. Assim, estabelecem-se a criação da cultura e a criação do próprio homem como momentos simultâneos, possibilitando-se, dessa forma, um pensamento baseado na conquista do ser mesmo das pessoas, de um povo e de uma nação – as possibilidades de resistência e de elaboração de cultura identitária. Estão à disposição do leitor novos elementos culturais que entram em cena – a universidade e, em especial, a extensão universitária, pela sua política cultural. De novo, o autor desenvolve ações no campo da extensão universitária, muito para além das perspectivas conceituais e práticas da tradição. Estas práticas são aquelas que a universidade negocia tecnologias ou outros conhecimentos para a sociedade ou grupos específicos: indústrias, saúde e agricultura. A extensão como via de mão única, aquela que a universidade se assume como a dona do saber e a possuidora única do conhecimento, sustentando uma posição autoritária no controle desse conhecimento. Ou mesmo quando setores públicos, como a própria instituição universitária, veiculam a sua ânsia por “melhorias” para si ou mesmo para seu funcionamento, com a sugestão da venda de serviços para a população, transformando a extensão no vetor principal desse negócio. O mar e a jangada não abrem espaço para esse tipo de ação acadêmica e traduzem outras posturas do fazer extensão. Contudo, que vivência extensionista foi desenvolvida nessa experiência portuária? Que produtos culturais são aqueles gerados dos mecanismos da organização da população, ou mesmo de um grupo que sustenta expressões de resistências, podendo ser traduzidas pelos seus sentir, pensar e ações? Abath expõe expressões culturais, frutos das ações extensionistas, com definições políticas para a sua efetivação. Pode-se ver, enfim, política pública para o fortalecimento dos traços culturais de grupos que fogem aos desejos da dominação para a massificação cultural e única, em todos os cantos e lugares. Por esse caminho, o autor envereda pela cultura, efetivamente, como bem de consumo, para todos os envolvidos nessas ações extensionistas universitárias, enquanto resultado expresso em coisas, artefatos e nas danças, subjetivado em ideias gerais do mecanismo produtivo cultural. A cultura também se converte em bem de produção, subjugando a realidade e submetendo-a às reflexões grupais, gerando novos produtos e novas técnicas de exploração do mundo, dando-lhes, pelas ideias, significados e finalidades para novas ações. A ação política extensionista, a partir dessa visão, pautada no marco da produção como ideias ou atitudes, torna possível dessacralizar as marcas ideológicas das outras visões de cultura, quaisquer que sejam, imputando aos mais aquinhoados o ter cultura e convencendo os “excluídos” de que têm cultura aqueles que estiveram na escola, pura e simplesmente. Numa sociedade de pouco acesso aos tantos meios de socialização do conhecimento, certas visões só aprofundam a “apartação social”, fortalecendo a dominação dessas elites. Este trabalho de pesquisa está em outro campo, no campo ideológico, por uma base identitária, a base dos grupos mesmos com os quais o autor tem participado e contribuído para sua organização. O trabalho de extensão desenvolvido no Projeto Catarina, em Cabedelo, revela ainda uma visão própria da extensão universitária bastante acima das perspectivas de mão-única - da universidade para a sociedade, ou mesmo, de mão-dupla, que só traduzem o jeito autoritário do fazer extensão universitária. Neste projeto artístico cultural, conduzido nessa Associação, a extensão é exercitada como um trabalho social da universidade, por meio de seus atores com os
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atores da comunidade, em um processo que se denominou freireanamente de ação cultural. Que base conceitual assegura esse fazer cultural como expressão de um trabalho? Ora, o escritor de “O Mar e a Jangada”, na expressão de um fazer extensão com a comunidade, encontra resposta à questão, ao imputar dimensão filosófica e educativa ao seu fazer acadêmico, pela ação mesma da extensão. O trabalho aqui desenvolvido esforça-se por defender e assegurar as condições materiais e culturais de subsistência desse grupo Catarina. Pela educação, em seu sentido mais amplo, procurou garantir a preservação dos conhecimentos do passado que são transmitidos às novas gerações, num processo de acumulação de conhecimentos, essencial à qualidade de vida material e espiritual daqueles humanos, mantendo a sua sobrevivência e reprodução. O trabalho torna-se, portanto, fator de criatividade do humano. E, a fim de se apropriar desses bens de natureza e dos bens de seus sentimentos, os remos da jangada, agora, põem em movimento as forças do grupo que lhes pertencem em corporalidade pelos seus braços, mãos, pernas, cabeças e ideias, num esforço de apropriação daquilo que já era seu, do grupo, em forma útil para as suas próprias vidas. Hoje, quando tudo indicava desaparecer, continuam belas as apresentações culturais no velho forte de Santa Catarina, em Cabedelo. O leitor irá se deparar neste trabalho com uma perspectiva de extensão fora dos modelos da tradição – a universidade que leva conhecimentos às gentes sem “qualquer conhecimento”. Desliza para outras formas conceituais quando o humano defronta-se com a natureza e efetiva, a partir dela própria, uma síntese do particular com o universal, mais um algo novo da ligação mar e jangada. É o trabalho que assegura o significado da ação social, suas limitações, suas possibilidades e consequências, sem nenhum recurso metafísico. O trabalho aqui presente é relação social já a partir do seu vínculo estabelecido com o fenômeno em estudo; propõe, nas relações de produção presentes nas atividades dessa ação pela extensão, o caráter social que acompanha todo o processo. Expressões de concretude do indissociável ensino e pesquisa. À medida que as ações extensionistas se desenvolvem no Projeto Catarina, a extensão universitária se firma como trabalho e exige desse trabalho a superação da simples relação primeira do homem com a natureza. O trabalho efetua-se como processo constituído através das relações sociais - trabalho social útil. E, só agora, a extensão como trabalho social útil pode provocar e desenvolver entre seus participantes a necessidade da conquista de cidadania - uma extensão cidadã. Um conceito se impõe de forma cristalina como um processo educativo para a formação crítica – um cidadão crítico, e, enquanto consciente como sujeito de transformação, é também ativo, superando todo o idealismo contemplativo e interpretativo da natureza. Um trabalho social útil não se exerce apenas a partir dos membros da comunidade universitária - docentes, servidores e alunos. Ele tem dimensão externa à universidade, que é a participação dos membros da comunidade em seus movimentos sociais ou outras formas de ação política - direções sindicais ou associações - numa relação biunívoca para a qual confluem membros da universidade e participantes desses movimentos ou grupos comunitários. Extensão, como trabalho social útil, passa a ser agora exercida pela universidade, pelo próprio autor, e por membros dessa comunidade cabedelense sobre a realidade objetiva. Um trabalho coparticipado que traz consigo as tensões de seus próprios componentes em ação e na realidade objetiva. Um trabalho em que se descobrem objetos de pesquisa para a realização do conhecimento novo ou reformulações das verdades existentes. Um trabalho que oferece novos objetos de pesquisa, contribuindo com constituintes para outra dimensão da universidade: o ensino. É um trabalho para novos objetos de pesquisa e ensino. Dessa maneira, a extensão configura-se e se concretiza como trabalho social útil, imbuído da intencionalidade de por em mútua correlação o ensino e a pesquisa, promovendo mudanças. Essas dimensões, ainda pouco exploradas no ambiente acadêmico, já estão presentes nas relações e na dialeticidade do mar e a jangada, oferecidas como presente do autor para as pesquisas futuras e orientadoras de novas ações culturais, na perspectiva de novos projetos culturais. Mas, a ação cultural desenvolvida no Projeto Catarina se reveste de certas características. O autor acompanha o grupo em enfoque, estabelecendo novas dimensões do estender pela universidade. Muito para além da universidade se nomear para tal, ela, agora, se oferece a contribuir com o processo de tomada de consciência daquelas pessoas do grupo. Uma ajuda para se chegar às suas próprias verdades e conhecimentos com aqueles homens e mulheres. Daí, o exercício para a
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organização dessas pessoas, externando-se como um dos constituintes fundantes dessa ação cultural. O processo organizativo acompanha dimensões de ensino e aprendizagem, no interior do próprio grupo promotor de sua humanização e para além dos processos de alienação, de desmistificação da realidade e da sociedade. Isto se robustece com a presença da crítica exercitada por todo o grupo, mesmo com a sabedoria de que não só a crítica teórica faz superar a alienação, carecendo da própria ação do grupo. Além da organização no trabalho com o grupo, a preocupação com a sua união esteve sempre presente. Nas reuniões, discutindo as questões concretas do grupo, debateu-se o entendimento da organização da sociedade e o como o grupo se inseriria naquela situação conjuntural. A promoção da união não tem sido tarefa fácil, considerando a ênfase do individualismo em qualquer movimento de organização e humanização. Mas, foram dessas reuniões que saíram os temas para decodificação coletiva. Destaque-se, pela ação cultural, que cada vez mais se tem a necessidade e clareza da colaboração entre os participantes em suas relações com outros grupos comunitários. Assim, o grupo descobre sua força quando busca mostrar sua arte aos demais da comunidade, externando formas concretas de resistência cultural. E, finalmente, o autor reforça outros constituintes que fundam a ação cultural que são a utopia e a esperança. A ação cultural, entretanto, sendo utópica, não significa ser idealista ou inexequível, como já alertara Freire. E sendo assim, a ação cultural se alimenta da ação e se constitui de anúncio e de denúncia. Denúncia da realidade humana, do momento cultural vivido, da desumanidade em vida. Como anúncio, ação cultural para outra realidade, em que homens se tornarão mais humanos em sua plenitude. Fernando Abath é um pensador utópico e realista, expressão da dialeticidade do mar e da jangada. Presenteia o leitor com esta obra que são os seus desejos de mundo e de sociedade, no campo da extensão popular, enfatizando a cidadania. Ação cultural para o resgate e posse do próprio processo do grupo em se tornando humano, edificando os vetores de sua libertação mesma, construindo a própria identidade e liberdade em suas maneiras de “ser, pensar e agir, sempre em construção”. Caro leitor: foi um prazer a leitura e o acompanhamento desta odisseia abathiana em ”Mar e Jangada – política cultural e extensão universitária”. Obrigado.
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Do livro: Aprimorando-se com Paulo Freire em dialogicidade.
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José Francisco de Melo Neto Francisca Maria da Conceição60 Em seu livro Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire apresenta a concepção de diálogo como “um fenômeno humano, uma exigência existencial”. Numa outra obra (Política e Educação), afirma que aprendeu a dialogar em sua prática educativa a partir de uma relação dialógica vivenciada com seus próprios pais, com quem foi aprendendo a ser sujeito participante de sua própria história e construtor de sua prática educativa. Dessa forma, o diálogo foi uma concepção e um modo-de-ser no mundo que sempre estiveram presentes em sua trajetória aqui entre nós e que se apresenta como condição essencial para se reconstruir uma realidade mais humana e significativa. Essa reflexão nos é suficiente para continuarmos a reescrever esse tema a partir da contribuição de homens e mulheres interessados em manter vivas as idéias de Paulo Freire. È nesse sentido, pois, que o presente livro foi organizado com artigos sistematizados por alguns estudiosos do pensamento e práxis freireanos. No primeiro artigo, o Professor José Francisco de Melo Neto apresenta Paulo Freire como um humanista dialogante. Alguém que, pela sua capacidade de dialogar a partir de sua própria experiência de vida e prática educativa, contribuiu para a construção de uma concepção de pedagogia dialógica e para a compreensão de cultura relacionada a poder e diálogo. No segundo, Ana Gabriela de Souza Lima e a Professora Eliete Santiago apresentam o conceito e a importância de diálogo em Paulo Freire no processo de ensino-aprendizagem e destacam sobre a necessária superação da contradição educador-educando como condição para o exercício dialógico, tendo em vista a melhoria da prática pedagógica. No terceiro, três professores da Universidade Federal de Itabuba (MG) apresentam a experiência vivenciada numa universidade paulista em que o exercício do diálogo entre professores, alunos e funcionários possibilitou respostas a questões existentes naquela localidade e ainda apontou princípios de participação e descentralização para uma gestão democrática. No quarto artigo, apresentamos algumas contribuições do pensamento freireano para a compreensão do diálogo entendido como elemento fundante na construção de saberes docentes e discentes. Nesse sentido, o diálogo é apresentado como reorientação da relação educando/educador no sentido da horizontalidade entendida como uma dimensão da relação com o saber. No quinto e último artigo, Nelino Azevedo identifica o diálogo crítico entre as culturas como elemento significativo para a construção de um processo histórico-social. Nesse sentido, aponta a educação como possibilidade de contribuição para a efetivação de uma construção permanente da humanização entre homens e mulheres. Para o autor, o diálogo na perspectiva freireana se apresenta como condição básica e essencial para a concretização de uma multiculturalidade. Aos educadores/leitores desse livro, desejamos que sua opção por essa obra tenha se dado pelo desejo de continuar relendo e reescrevendo as idéias s de Paulo Freire, sobretudo, pela relevância da dialogicidade enquanto essência da educação.
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Mestra em Educação pela UFPE, Professora substituta nessa instituição e professora na Faculdade Luso Brasileira.
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Prefácio do livro Experiência e conhecimento em teatro. Arão Paranaguá de Santana. Editora da Universidade Federal do Maranhã-EDUFMA, São Luiz: 2013.
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(OBS: um texto com muitas falhas). Esta pesquisa - experiência e conhecimento em teatro - é um convite para se acompanhar o autor e pensador neste campo de conhecimento. Digo autor pois estes são seus escritos e trabalho, e pensador, já que supera a dimensão de apenas coleta dê dados, pondo pensamentos nos mesmos e gerando sínteses, produtos de sua vivência com o tema central - arte e, em especial, do teatro. No início, pode-se pensar que a leitura estará dimensionada a partir de um amontoado de dados quantitativos. O título começa por experiência, sugerindo as bases de pesquisa nas ciências da natureza e suas análises estatístico-correlacionais para a chegada ao conhecimento; mas não é isso que ocorre. Seus dados são produtos de uma longa caminhada. Aqui, apresentar-se-ão, particularmente, suas vivências e práticas de educador e pesquisador nas décadas de 1990 a 2000, porém visitando o tempo passado que assegurara a presença da arte junto ao ensino superior naquele estado (1970-80) - assunto, por sinal, sistematizado com rigor histórico pela primeira vez. Vivências, necessariamente, que têm conduzido para a produção do conhecimento, gerado em um campo que, ao leigo,." 'nem poderia caber, o teatro. A pesquisa, todavia" esclarece e torna direção de análise crítica, de nma epistemologia, de boa parte do que se tem feito no campo co teatro, daquilo que tem tratado a pedagogia do teatro. Transcendendo aquela crítica, atinge o patamar de outra pedagogia ~ o ensino do teatro, conduzida à produção de conhecimento. Se as análises e estudos estão pontualizados em terras lucenses, não significa que o esforço teórico do autor esteja .. onado às mesmas. Suas vivências passam por outras terno centro oeste do país, aí iniciadas com práticas em teatro e preocupações acadêmicas) desembocando-as nos novos jeitos espetaculares que deságuam e se espraiam pelos escoadouros dos rios da ilha de São Luís. Estão) ainda) adicionadas de outras experiências) em outros lugares) e de outros pensadores da pedagogia do teatro. A sua vasta e variada produção intelectual alimenta essa pedagogia como centro de suas preocupações. O autor tem estudado a experiência estética como fundamento da preparação docente) debatido a perspectiva do teatro na formação de professores) praticado a extensão acadêmica para essa formação) produzido conhecimentos a partir de práticas dos arteeducadores e dos espaços do ensino e da aprendizagem da arte) bem como asseverado a prática docente e o teatro como veículos na formação docente. Portanto) isso não localiza o seu esforço de pensar) mas o apresenta em dimensões d.~ universalidade para os oceanos das artes) com canoas para nil';';gar) com remos dessa outra pedagogia) no teatro e na arte-educação. No decorrer do texto) o leitor poderá seguir o pensamento do autor em três grandes movimentos teóricos: uma contextualização que conformará a experiência, um segundo) traduzido pelo esforço analítico dessas experiências e em diálogos com teorias presentes na temática: e um terceiro movimento) que vai além da própria experiência) porém) cheio de novos pensares) propondo outras possibilidades pedagógicas para o ensino do teatro. Movimentos não explicitados de forma compartimentada, mas esparramados em todo o texto) acabam por configurar a arte num campo de produção de conhecimento e esculpi-la como 'locus' especial para atuação social e cultural. Um esforço de educador em teatro) por uma pedagogia que contribua com a aquisição de habilidades) para) na sua linguagem) assegurar a "lupa e o filtro que dão sentido à experiência estética) artístic~ e pedagógica" ..Mas como se dera a exposição deste texto) produto de suas pes quisas? e preocupações acadêmicas) desembocando-as nos novos jeitos espetaculares que deságuam e se
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espraiam pelos escoadouros dos rios da ilha de São Luís. Estão) ainda) adicionadas de outras experiências) em outros lugares) e de outros pensadores da pedagogia do teatro. A sua vasta e variada produção intelectual alimenta essa pedagogia como centro de suas preocupações. O autor tem estudado a experiência estética como fundamento da preparação docente) debatido a perspectiva do teatro na formação de professores) praticado a extensão acadêmica para essa formação) produzido conhecimentos a partir de práticas dos arteeducadores e dos espaços do ensino e da aprendizagem da arte) bem como asseverado a prática docente e o teatro como veículos na formação docente. Portanto) isso não localiza o seu esforço de pensar) mas o apresenta em dimensões d.~ universalidade para os oceanos das artes) com canoas para nil';';gar) com remos dessa outra pedagogia) no teatro e na arte-educação. No decorrer do texto) o leitor poderá seguir o pensamento do autor em três grandes movimentos teóricos: uma contextualização que conformará a experiência, um segundo) traduzido pelo esforço analítico dessas experiências e em diálogos com teorias presentes na temática: e um terceiro movimento) que vai além da própria experiência) porém) cheio de novos pensares) propondo outras possibilidades pedagógicas para o ensino do teatro. Movimentos não explicitados de forma compartimentada, mas esparramados em todo o texto) acabam por configurar a arte num campo de produção de conhecimento e esculpi-Ia como 'locus' special para atuação social e cultural. Um esforço de educador em teatro) por uma pedagogia que contribua com a aquisição de habilidades) para) na sua linguagem) assegurar a "lupa e o filtro que dão sentido à experiência estética) artístic~ e pedagógica" . Mas) como se dera a exposição deste texto) produto de suas pesquisas? A característica do primeiro movimento de sua exposição situa-se 'bü encontro da discussão de sua temática, exposta historicamente nas últimas quatro décadas, passeando pela legislação mas sem nela permanecer, dispensando-se o leitor da maçante leitura de leis. Neste momento, exibem-se sua experiência e o ambiente de seu trabalho de pesquisar. No segundo movimento, o Prof. Arão promove debate com algumas correntes de pensamento, retratando pensadores como Bordieu, Dewey, Koudela, Barbosa, Giroux, Aguirre, Freire e sua própria produção acadêmica. Num terceiro movimento teórico, afasta-se dos mesmos, quando, então, prepara o leitor para apresentação da pergunta principal de sua pesquisa: "a proposta estético-pedagógica contida no projeto formativo de Licenciatura em Teatro dá conta da formação de um professor que domine a linguagem da cena e saiba articular esse conhecimento junto a outras dimensões advindas de sua experiência de vida?" A partir daí, ele mostra o seu esforço de pensar, que é li busca de um conhecimento didático-estético que aproxime "a teoria da prática, a vivência da convivência, o aprendizado da experiência, na formação de professores/ as de arte e arte-educadores" a sua pedagogia. Trata-se da apresentação de sua proposta ou a nova síntese de pensamento. Que ponto de partida de todo esse caminho do pensar co é a experiência. Mas, como se desenvolve essa discussão experiência? O Prof. Arão estabelece o seu ponto de partida mundo das coisas, superando pensadores idealistas que se tam, mesmo na produção do conhecimento, em meras que se assentam, em última instância, em uma perspectiva existência de um ser Absoluto, definido r de todas as coisas. mo quando pensam experiência, tomam como referência a ser Absoluto. Nesta pesquisa, o mundo é o orientador do
teóride no pauideias de Mesdo con-
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ceito guia, experiência que vai e tem início no indivíduo . erentemente de pensadores anteriores .
e
postular, que
juntamente com Dewey não finda em si
. ência tratada no texto surge como algo material que sentido à medida que se vão descortinando as suas deter_ ....••.• ..uo:::~ e estas não se dão diante das condições de natureza teatral. Somam-se elementos da intuição e elementos erividade de cada participante do processo educatívo. eiro momento cheio de potencialidades de cada indiessencialmente singular. Inicia-se desde a organização do espetáculo, aproximando-se dos círculos de cultura, ao caminhar para as análises daquilo tudo de sentido, até o momento, como o concreto percebido pelos inpresentes. Um processo de análise das determinações e aspectos primeiros que será buscado em nível das abscada sujeito, quando.dç.conhecímento de seus ele'-;': .. , ~=15 .::ri.stóricos. As análises passam para a dimensão do cole-:s há relações específicas naqueles concretos postos que e explicação e respondem a certas causalidades. Sem =:.. ••• ::,-'-_ .. ecimento, o mundo seria fenômenos completos em si :::::s:::=:: sem a necessidade da intelecção humana. Um novo mocne começa na individualidade educando-se e adquirindo a prática de coletividade
do
participante
do
gru-
.: '0 grupo. Abandona-se a dimensão da individualidade, ~=:::a.io-se a condição da coletividade fim do autor e do ==:a:::~:.or! É nesse momento que se constroem os elementos z:::'::c5?"IDl que possam ser conhecidos aquele concreto inicial _. __ ..••. ~re1ações com o real. Um conjunto de definições que são --'-"--',~ Tudo, agora, acontece em grupo, em círculos de cultu-'::~..xlo as centelhas da utopia". ",-,,"_..3<..1,,> a experiência passa a constituir-se das dimensões do =::ç2-0 de novas ações em desenvolvimento) novos encami:::':Z:::3àos para se criarem ou se iniciarem outros processos de :::::Z:::=-~.;ã- o política desses setores dialogantes. Ações voltadas -r-....;-..,Pri·i<3çâO) na sua maior radicalidade, ~~:zidlos pela humanidade. Com essa J::::::::;:.;:aru· sta e libertadora, essas práticas ou experiências) na
dos bens pedagogia
culturais envolven-
_<ectiva do autor) instauram o "aprendizado da pronúncia o': As ações pedagógicas ocorrem com os oprimidos ~;:s;un a desvelar o mundo da opressão) comprometendoa sua transformação inicialmente; e) em segunda dimenser modificada essa situação) tal pedagogia deixa de ser o oprimido) passando a ser dos humanos) em perma?IOcesso de libertação': Um caminho seguido para con=:;:::;;l.:!lc:i·~ção da tese do autor em sua angústia teórica de busca pedagogia que atenda àquilo
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que ele mesmo e outros já re.iliz.ando. É exatamente essa síntese que constitui a marca formulação para experjêncía como tomada de ações) .=::=~·ndo-se de dimensãohistórica de sujeitos humanos. =::~5'5;a no conjunto essa síntêse) estabelecida por esses mo~:::=t!5 teóricos. Estes descerram um movimento geral de uma_ _.dominada de contradições) da relação do ser com o =:::=::~ relações de ensino e aprendizagens políticas) filosóficas ~-''lLU.lente) ações históricas e transformadoras. continuidade, parece que o desejo por maior certeza conor a direcionar o exercício de sua experiência em vias ~·~:;:::sãouniversitária) orientado pela exigência de si mesmo à ~:cti-o daquilo que seja indissociável, isto é) que se coloquem de cena teatral o ensino) a aprendizagem e a produção __ ~~LL· nento. A extensão passa a ser entendida como um ___ .....•.... ~ social) pois é algo de coletivo. Ademais) singulariza-se clara utilidade) sem cair nos braços da ética utilitarista ...... amam o teatro) a leitura deste livro é imprescindível) - convite e uma instigação ao debate sobre o fazer ensi-:--'~"~-=nder dessa milenar arte) abrindo apropriada pesquisa) ! osófica e pedagógica nesse campo. afeito à arte teatral) a importância deste livro é que o :--~'~..,nte uma prazerosa leitura) quase como uma música) ao '::;:;:'::55::Z2I tema específico de forma tão suave. eitores/ as) tive a oportunidade leitura. Oxalá) este livro chegue às suas mãos. Meus parabéns ao Professor e Amigo Arão.
e
o
prazer
de
lhes
ante-
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7. LIVROS INDIVIDUAL LIVRO 1
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Como a vida muda como a vida é muda como a vida é nuda como a vida é nada como a vida é tudo.
Carlos Drummond
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APRESENTAÇÃO Escutar a voz dos poetas é necessário para a compreensão do que se pode chamar de “sentimento de mundo”, o sentimento de velhice e de juventude perene do mundo ou mesmo da grandeza ou não dos humanos. O poeta grego Arquíloco escrevera:*
E não te esqueças, meu coração, que as coisas humanas apenas mudanças incertas são.
Outros cantaram a brevidade da vida ou como quão passageiras são as coisas e os feitos humanos. A poetisa Orides Fontela escreveu: O vento, a chuva, o sol, o frio, tudo vai e vem, tudo vem e vai.
É o movimento das coisas e este uma questão presente desde a origem do pensamento filosófico da ocidentalidade que teve suas bases na Grécia antiga. O movimento presente na vida e na morte; na origem de semelhante gerando semelhantes; como que nada permanece idêntico a si mesmo; na explicação de onde vem os seres, e que no conjunto, formavam partes os questionamentos dos primeiros pensadores, os filósofos. A diferenciação das questões, em determinados momentos históricos, vai também diferenciar a filosofia e em especial a filosofia grega, em períodos como: o período présocrático ou cosmologico, do final do Século VII ao final do Século V a.C., e cuja preocupação era a origem do mundo e as causas das transformações da natureza. O período socrático ou antropológico, do Século V e todo o Século IV a.C., em que a filosofia se ocupa com questões humanas como a ética, a política e as técnicas. O período sistemático, do final do Século IV ao final do Século III a.C., buscando sistematizar o que havia sido pensado, até então, sobre cosmologia e antropologia. E ainda, o período helenístico ou greco-romano, que vai do final do Século III a.C. ao Século VI d.C. Este período engloba Roma e os primeiros padres da Igreja. Ressalta-se a preocupação pela ética do conhecimento humano e as relações homem, natureza e Deus. Do período pré-socrático destacam-se filósofos de várias escolas como: Tales de Mileto, Heráclito de Éfeso, Pitágoras, Palmenides, Leucipo e Demócrito. Das várias características da cosmologia salienta-se o seu caráter explicativo, racional e sistemático sobre a origem do mundo, a transformação da natureza, e explicando-o mostra também a origem e as mudanças dos seres humanos. Neste texto, de forma sucinta, será apresentada a dimensão do movimento, expressão na mudança – nascer, morrer, mudar de qualidade ou de quantidade, no pensamento de Heráclito de Éfeso, em forma de convite para os dias de hoje. *
In CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994.
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SUMÁRIO I – INTRODUÇÃO II – A UNIDADE FUNDAMENTAL DAS COISAS III – AS COISAS E O MOVIMENTO IV – O MOVIMENTO ATRAVÉS DOS CONTRÁRIOS V – UM DIÁLOGO PARA OS DIAS DE HOJE VI – BIBLIOGRAFIA
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I INTRODUÇÃO Pode-se compreender a filosofia, em um sentido amplo, como uma concepção de vida e de mundo. Nesta perspectiva, ela sempre existiu entre todos os povos. Já a sua compreensão, com um sentido próprio – como resultado de “uma atividade da razão humana que se defronta com a totalidade do real” (BORNHEIM, 1992, p. 07) é limitada e o campo geográfico para a contribuição à filosofia reduzido, não mais a qualquer cultura, mas agora, sim, à cultura grega. Neste sentido, o estudo dos pré-socráticos é fundamental para a compreensão da formulação grega no campo do pensamento. Saliente-se aí, a figura de Heráclito, como o introdutor mais radical de um pensamento que contempla o movimento, como um aspecto fundante de seu diálogo com a natureza, um diálogo determinado pelo movimento. Os gregos sofreram influência de outros povos. Mas considerando a sua originalidade, pode-se discutir dois aspectos. O primeiro é a presença dos “bárbaros” na Grécia, acarretando influência dos mesmos na sua cultura. Isto, contudo, não autoriza dizer ou tirar a contribuição fundamental e original dos gregos à filosofia. Segundo, estes não ficaram imunes àquela presença externa, mas nãos e resumiram ao que chegou de fora. Seu pensamento foi muito além, adicionando a contribuição de seu gênio racional. “Outros povos nos deram santos, os gregos nos deram sábios” (NIETZSCHE, In: BORNHEIM, 1992, p. 09). Para o estudo da presença do movimento no pensamento de Heráclito, é importante que se destaque o conceito de physis, que não pode ser confundido com a física de hoje. Muito menos se torna idêntica ao conceito que se tem da natureza, nas “ciências da natureza”. Physis, a natureza, vai indicar entre os pré-socráticos tudo aquilo que brota por si, que se abre, que emerge. É o desabrochar que surge por si e se demonstra neste desdobramento. É um conceito que nada tem de estático e sim presença viva do movimento. A physis encontra em si a “gênese” das coisas e também de si mesma. A physis não se contrapõe ao psíquico, como hoje, em que natureza e psíquico são partes separadas. Para os gregos, o psíquico como se compreende, fazia parte também da physis, do mundo material. seus deuses são partes integrantes da natureza e portanto, são elementos constitutivos da mesma. A presença dos deuses é um todo “disseminado” e na expressão de Thales “tudo está cheio de deuses”. A physis vai então adquirir com a dinâmica do princípio inteligente, diferentes nomes e mesmo sentido – espírito, pensamento, inteligência, logos e outros. Physis pode ser apreendida em tudo que acontece. Constitui a totalidade de tudo que é. Ela está na aurora, no nascimento das plantas, no nascimento de animais e homens. Pensando a physis, o filósofo pré-socrático pensa o ser. Pensa a compreensão da totalidade do real – cosmos, deuses, homem, verdade, animado e inanimado, sabedoria, política e justiça. Pensar a physis é pensar o movimento. Heráclito vai pensar as contradições da realidade, o modo de compreendê-las, como a vè na sua “essência contraditória” e em permanente transformação. No estudo de seus fragmentos,62 pode-se ler que tudo existe em constante mudança. O conflito é o pai e o rei de todas as coisas. Os gregos não entenderam Heráclito e o denominaram de “obscuro”. Seu pensamento era considerado abstrato e muito unilateral. Contudo, o que os deixava perplexos era a questão do movimento, o que os deixava perplexos era a questão do movimento e da mudança, presentes no seu pensamento. Como seria possível algo deixar de ser aquilo que é e tornar-se outro? Para Heráclito, entretanto, esta questão se revestia de uma crença na imutabilidade do ser, algo para ele impossível, já que negava a existência de qualquer estabilidade do mesmo. O pensar estático de Parménides se apresentou, na época, muito mais inteligível e possível de aceitação. Para 62
A obra de Heráclito, apenas, nos chegou “fragmentos”.
164 (KONDER, 1990, p. 9) “essa linha – que podemos chamar metafísica – acabou prevalecendo sobre a dialética de Heráclito”. Mas o movimento, nem por isto, deixou de ser o constituinte básico da physis. Está presente na Física, na natureza, até hoje. Este trabalho busca um levantamento da categoria básica – movimento – no pensar de Heráclito, tendo como roteiro os fragmentos de sua obra – “Da Natureza”. Serão destacados os fragmentos que mostrem a unidade de pensar das coisas deste filósofo pré-socrático; em seguida, outros fragmentos sobre o ser e o movimento, bem como, a dinâmica das contradições apresentadas.
II – A UNIDADE FUNDAMENTAL DAS COISAS O pensamento de Heráclito, em sua dimensão de movimento, não pode ser compreendido como uma “caoticidade geral” mesmo no seu vir a ser, no seu devir. As novas “sínteses” geradas das contradições não se constituem num todo caótico. O devir está submetido à lei da identidade e não estabelece uma irracionalidade absoluta do real. O seu devir não irracional, já que se realiza de acordo com certas leis e proporções. “A lei, ou logos, interna do devir universal constitui o verdadeiro princípio educativo do universo, o universo é o fogo” (CORDON et MARTINEZ, 1983, p. 33). A lei que rege o universo é a luta dos contrários, a guerra é o pai de todas as coisas e rei de todas as coisas, a uns fez deuses e outros fez homens (fr. 53). Mas são os contrários que vão constituir em “última análise”, uma unidade profunda – Deus é dia e noite, inverno e verão, guerra e paz, saciedade e fome (fr. 67). As contradições vão ainda se expressar nas correlações as mais variadas como o completo e incompleto, concorde e discorde, harmonia e desarmonia e de todas as coisas, um, e de um, todas as coisas (fr. 10). Mas a unidade de todas as coisas, para Heráclito, é afirmada – do separado e do não separado, do gerado e do não gerado, do mortal e do não mortal, da palavra (logos) e do eterno, do pai e do filho, de Deus e da Justiça. É sabido que os que ouviram, não a mim, mas as minhas palavras (logos), reconheçam que todas as coisas são um (fr. 50). Reforça ainda a ideia da unidade no fragmento 89, em que “para aqueles que estão em estado de vigília, há um mundo único e comum”. E a unidade das coisas está fundamentada ainda no fragmento 193, em que – na circunferência, o princípio e o fim se confundem. E a harmonia? Esta que caracteriza o universo, harmonia oculta (fr. 54), não é, afinal, uma harmonia estática, mas o equilíbrio dinâmico das tensões entre os contrários, uma harmonia tensa – como acontece com o arco e a lira (fr. 57). A unidade das coisas, portanto, como algo constitutivo da physis.
III – AS COISAS E O MOVIMENTO Pensar o ser, na sua não racionalidade, era algo que constrangia os gregos. O pensar estático parecia ser mais aceito, pois, talvez, mais inteligível e assim mais “evidente”. Nas suas explicações sobre o movimento das coisas, serão encontradas afirmações que se tornaram famosas como “para os que entram nos mesmos rios, correm outras e novas águas e que também são exaladas do úmido” (fr. 12). De outra forma seria possível dizer que não se banha em um mesmo rio, já que em um instante seguinte, este já tem tido possíveis modificações. No fragmento 49a, ter-se-á uma aparente dúvida, mas é a própria radicalidade do movimento em Heráclito – descemos e não descemos nos mesmos rios; somos e não somos. Como ser e não ser ao mesmo tempo? Isto abala o pensamento grego, entretanto, continuaria dominante a visão do ser em si mesmo. O ser é o que é, conforme Parménides. Não se compreendia um movimento que se manifesta em todas as coisas. Em nós, manifesta-se sempre uma e a mesma coisa: vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice. A mudança de um dá o outro e reciprocamente (fr. 88).
165 Isto é contraditório com o pensamento estático. Por outro lado, a formulação de Heráclito possibilitou diferentes interpretações do movimento. Um conceito que se “fluidifica”, pois assim é. É aceitável que mesmo até hoje, discuta-se, com os olhares de hoje, a dimensão do movimento no pensamento de Heráclito, chamando pela primeira vez, a atenção para a dialética. Esta por sua vez, vem suscitar diferenciações nas interpretações, como por exemplo, na dialética de Hegel e sobretudo no pensamento de Marx, na sua compreensão de movimento e em geral da própria dialética. Ora, de Hegel, a base de seu pensar, o movimento, a dialética, era no campo das ideias, pura e simples, pois que idealista. Já em Marx, tem-se uma anterioridade da matéria, ao que parece, mais próxima do pensamento de Heráclito. “Hegel descrevia o processo global da realidade da seguinte maneira: a ideia absoluta assumiu a imperfeição (a instabilidade) da matéria, desdobrou-se em uma série de movimentos que a explicitavam e realizavam, para afinal, com a trajetória ascensional do ser humano, iniciar, enriquecida – seu retorno a si mesma” (KONDER, 1990, p. 51). Uma descrição bastante idealista que supõe o conhecimento – do ponto de partida e do ponto de chegada – do movimento da realidade. É uma visão de movimento, de certa forma fechada, talvez, como a própria ideia da identidade em Heráclito. Já para Marx, esta descrição não podia ser encarado como uma realidade aberta ou como uma totalidade aberta, isto é, com esquemas que não pretendessem “reduzir” a infinita riqueza da realidade ao conhecimento. Assim, é que para esta compreensão do movimento infinitamente rico, pela qual a realidade vai assumindo formas multivariadas, os conceitos com os quais o conhecimento trabalha, precisam também ser “fluidos”.
IV – O MOVIMENTO ATRAVÉS DOS CONTRÁRIOS O movimento, contudo, como se processa? Para Heráclito, ele se desenvolve através de uma “luta” entre os contrários. Tudo se faz por contrastes; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia (fr. 8). Uma luta que se desenvolve por correlações: o completo junto ao incompleto, o concordo e o discordo, a harmonia e a desarmonia, e de todas as coisas, um, e de um, todas as coisas. Para ele, a justiça ignoraria a si própria e o próprio nome de justiça, caso não houvesse a injustiça. No fragmento 48, coloca de forma simbólica o movimento como um arco que tem por nome a vida, a por obra a morte. E ainda, a dificuldade em compreender a harmonia nessa separação. É a harmonia das forças contrárias, como o arco e a lira (fr. 51), enquanto que o tempo passa a ser criança que brinca, movendo as pedras do fogo para lá e para cá, o que iria constituir um governo de criança. Mas o movimento dos contrários não se expressa apenas no visível, está também no invisível e a harmonia invisível é até mais “forte” que a visível. No fragmento 67, afirma que Deus é dia e noite, inverno e verão, guerra e paz, abundância e fome. Mas também adquire formas variadas assim como o fogo, quando misturado com essências, torna o nome segundo o perfume de cada uma delas. E este fogo, por sua vez, vive a morte da terra e o ar vive a morte do fogo; a água vive a morte do ar e a terra a da água (fr. 76), e que tudo isto acontece segundo discórdia e necessidade. Tem-se a concisão e a riqueza das palavras de Heráclito e como são intermináveis. Mas a natureza não se expõe abertamente, não está aí dada. A natureza, segundo Heráclito, ama esconder-se. Desvelá-la é uma busca incessante contendo a razão da vida humana que é exatamente a satisfação. Este encontro com a natureza é uma satisfação. Mas as contradições previstas em Heráclito não podem ser entendidas como pares inseparáveis. Hoje, supera-se teoricamente esta questão com o conceito de “fluidificação” que trata os dois lados da realidade. O pensamento de Heráclito, portanto, não admite contradições,
166 ou melhor, contraposições metafísicas, tais como mudança-permanência, ou absoluto-relativo, finito-infinito, ou singular-universal etc. Poder-se-ia dizer, hoje, que são conceitos como “cara e coroa”, ou até, faces de uma mesma moeda.
V – UM DIÁLOGO PARA OS DIAS DE HOJE De uma forma sintética, o pensamento de Heráclito pode ser apresentado em três aspectos principais, conforme mostra (PADOVANNI et CASTAGNOLA, 1990, p. 101). Um primeiro é que a essência, o “elemento primordial” é o vir a ser. Tudo está em perpétuo movimento. A realidade está sujeita a um vir a ser contínuo. Como o único princípio estável da realidade é a lei universal do próprio devir, Heráclito concretiza no fogo (racional), visto ser o elemento da realidade material mais adequado a representar o vir a ser. E é a razão, que tendo como objeto o universal, colhe esta lei do “devir universal”. Um segundo aspecto é que este vir a ser é antítese, é revezar-se de vida e morte. “A luta é regra de tudo...” Este vir a ser e esta oposição conduzem à estabilidade e à unidade pela harmonia e pela sabedoria universal determinando o acordo entre as opiniões. Um terceiro aspecto a destacar é que o pensamento de Heráclito é um movimento e uma identidade. Sua filosofia do movimento é também uma filosofia da identidade. Claro que não é suficiente falar sobre a unidade do ser. Esta não deve ser procurada apenas ao nível das ideias. Encontra-se também na própria substância. Neste nível, está colocada a necessidade do conflito, desse conflito tem-se a harmonia e “esta harmonia depende desse jogo dos contrários” (JEANNIERE, 1954, p. 35). Hoje, o debate em torno do movimento e das contradições contínua. Os pensadores aglutinam-se agora ao redor do debate teórico, a dialética, e expõem de forma “parece” que sistematizada nas “leis da dialética”. Leis estas definidas como a da possiblidade da transformação de quantidades em qualidades e vice-versa; da fundamental e necessária interpretação dos contrários; além da lei considerada de negação da negação. São conceitos, são análises que compõem uma “ metodologia” do trabalho intelectual e da produção do conhecimento, que tem apresentado novos questionamentos, dentro de suas próprias análises e no combate às demais formas estáticas de produção do conhecimento. O movimento é um tema do momento. As questões filosóficas do mundo, de agora, exigem explicações mais fundamentadas da realidade que é dinâmica. O debate está aberto. Heráclito permanece vivo. Todo dia é dia de diálogo com o movimento.
BIBLIOGRAFIA BORNHEIM, Gerd A. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1992. CORDON, Juan M.N. et MARTINEZ, Tomas Calvo. História da filosofia – os filósofos os textos. V.1. Lisboa/Rio: Edições 70, 1983. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994. JEANNIERE, Abel. La pensée d‟Heráclite d‟Ephese. Paris: Aubier/Montaigne, 1954. KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 1992. Os pré-socráticos. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, s/d. PADOVANNI, Umberto et CASTAGNOLA, Luiz. História da filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1980.
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LIVRO 2
DIÁLOGO EM EDUCAÇÃO (Platão, Habermas e Freire)
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PREFÁCIO DE CELSO DE RUI BIESIEGEL (Professor titular da USP)
João Pessoa, 2011
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dedicatória. Aos que dedicam suas vidas à emancipação humana.
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Apresentação
Diálogo em educação é um trabalho fruto de vários anos de atividades de docência nos níveis básico, médio e superior na educação formal e no campo da educação popular; de atividades na produção do conhecimento por meio da pesquisa quantitativa, em ciências naturais e, hoje, voltado à filosofia e à pesquisa qualitativa no campo da educação e da aplicação desses conhecimentos por meio de exercícios de educação em extensão universitária e na administração institucional, cujos resultados já vêm sendo publicizados no ambiente acadêmico, nos encontros de pesquisas, em livros e em outros diferenciados meios. Esta experiência acumulada possibilitou a reflexão filosófica sobre a própria educação e constituintes marcantes que definem suas referências em processos de aprendizagem e sociabilidade, tais como: as ideias, o ser, a polis, o conhecimento, a comunicação, a linguagem, a política, a práxis, a emancipação e a liberdade. Um corpo de temas que constitui momentos do extenso conceito de Paideia e presente, historicamente, nos processos educativos, chegando até aos dias de hoje. Revelou, ainda, um outro constituinte filosófico que tem estado no centro de todo este processo educativo que é o diálogo63, sugerindo que: o diálogo, como atitude própria humana, expressão da capacidade de perguntar e responder ao outro, como igual, é componente fundante da educação. Este texto é um esforço de apresentação do diálogo como constituinte primeiro para o processo educativo, por isso, fundamento, isto é, elemento originário ou do princípio. O desenvolvimento da argumentação será realizado por meio de um estudo dialéticohermenêutico de obras dos pensadores: Platão, Habermas e Paulo Freire. Platão, por sua atualidade e por ter trazido, por meio de suas viagens, „diálogos‟ e discursos, o interesse pelas coisas humanas e cujo resultado é sempre uma visão ético-política, tornando o diálogo o eixo metodológico de sua discussão filosófica; Habermas, por ter edificado uma teoria no campo da linguagem e da comunicação centrada na comunicação pelo diálogo e Paulo Freire, pela sua vasta experiência em educação, alimentada pela busca da emancipação humana – a educação para a liberdade - e permeada, também, pelo diálogo. De Platão, servirão como base de estudo os „diálogos‟: Protágoras, Górgias, Mênon, Banquete, República e Teeteto, aceitos, no campo filosófico, como de grande relevância; de Habermas, a sua obra principal: A teoria do agir comunicativo e o texto conhecimento e interesse, e de Paulo Freire: Educação como prática da liberdade e A pedagogia do oprimido. A escolha destas obras se deu, considerando que juntas formam um conjunto cujos conteúdos se apresentam muito mais sugestivos do que expressões dogmáticas.
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A palavra diálogo, sem aspas, expressa o fato relacional entre sujeitos e a estrutura do pensamento. A palavra „diálogo‟, o estilo literário de Platão.
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Prefácio Celso de Rui Beisiegel Conheci o Professor José Francisco de Melo Neto durante seu estágio de pós-doutorado em Educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. A passagem do Professor Neto nesta escola foi marcada por suas qualidades de intelectual e pesquisador, associadas ao forte comprometimento com o estudo e a prática de políticas públicas voltadas para a emancipação das classes populares. O trabalho ora publicado é uma feliz expressão dessas qualidades. O pesquisador criterioso está presente na procura das origens clássicas da educação pelo diálogo. Toda a primeira parte do livro é dedicada ao estudo da educação nos diálogos de Platão, especialmente em ”Protágoras”, “Górgias”, “Mênon”, “Banquete”, “República” e “Teeteto”. Apresenta, em seguida, a construção teórica de Habermas no campo da linguagem e da comunicação centrada no diálogo, com especial atenção à obra A teoria do agir comunicativo e ao texto Conhecimento e interesse. A terceira parte é dedicada à reflexão sobre as propostas de Paulo Freire em Educação como Prática da Liberdade e Pedagogia do Oprimido. Desde logo, o professor adverte que não busca acrescentar mais uma às muitas reconstruções do pensamento desses autores. Já nos primeiros movimentos de sua incursão às raízes da sociabilidade e da aprendizagem entre os gregos expõe o foco orientador da análise, na procura das evidências de que o diálogo entre iguais é componente fundamental da educação. Depois, ao longo do livro, o diálogo enquanto fundamento do processo educativo permanece como objeto central do estudo. A progressiva construção do conceito de diálogo na educação segue um roteiro bem escolhido. Começa pela simples apresentação do diálogo enquanto técnica e arte de perguntar e responder, à procura da verdade. Acrescenta, depois, o confronto entre perspectivas sob critérios de coerência lógica. Estende-se à dimensão ética intrínseca às relações humanas e caminha, finalmente, para a política, um terreno que envolve reflexões sobre os conteúdos ideológicos e as relações de dominação inerentes ao diálogo no processo educativo. Na segunda parte do trabalho, com Habermas, as reflexões sobre o diálogo na educação estendem-se aos condicionamentos e aos desafios da racionalidade instrumental prevalecente no modo capitalista de produção. Fortemente enraizada na sociedade voltada para a produção do lucro, a razão instrumental permeia todas as dimensões da vida contemporânea, na economia, na política, no governo, nas ciências, na cultura, nas ideologias, nas organizações em geral. O autor acompanha o percurso de Habermas, em sua teoria da ação comunicativa, na investigação de possibilidades de afirmação de outra modalidade da razão, a razão emancipatória. Contrapõe-se à tendência dominante da razão instrumental outro estilo de razão, fundado na comunicabilidade, na busca do consenso e do entendimento. Mas, o diálogo que possibilita o entendimento na ação comunicativa implica condições de igualdade entre os interlocutores potenciais. Todos devem ter plena possibilidade de participação. O entendimento entre os interlocutores envolve a cooperação, conduzida pela argumentação, sobre coisas do mundo objetivo, do mundo social e do mundo subjetivo. A prática do diálogo promove a intersubjetividade entre os interlocutores. Na ação educativa assentada nesse diálogo, o educador deve saber que em seu campo de intervenção não lida simplesmente com a realidade objetivada, mas também com uma realidade simbolicamente estruturada. Deve saber que o acesso à realidade envolve, além da observação, a
175 compreensão que pressupõe a capacidade de poder participar no processo de construção dessa mesma realidade. A extensa e circunstanciada apresentação das reflexões de Habermas sobre as implicações da teoria da ação comunicativa no campo da educação estabelece a ponte para a terceira e última parte do livro, dedicada às observações sobre o pensamento e a prática de Paulo Freire. O professor Zé Neto atribui o devido valor às atividades práticas de Paulo Freire na educação como ponto de partida fundamental em sua trajetória. Mas, uma prática desde logo conduzida sob convicções teoricamente estabelecidas sobre o homem como ser de relações, transformador da natureza e criador de suas formas de vida. Fica claro, na exposição, que a riqueza e a densa complexidade percebidas em Educação como Prática da Liberdade e em Pedagogia do Oprimido encontram-se já embutidas nos primeiros trabalhos realizados no Brasil, nas práticas da educação de adultos empreendidas no Serviço Social da Indústria de Pernambuco e no Movimento de Cultura Popular do Recife. Em entrevistas e depoimentos diversos, Paulo Freire relata a importância que atribuía à prática do diálogo em suas atividades junto aos trabalhadores assistidos no Serviço Social da Indústria de Pernambuco. O diálogo já aparece em suas reflexões como um método eficaz de realização do trabalho educativo. Mas, o diálogo apresenta-se também como conteúdo e objetivo dessa educação, à medida que é definido como fundamento da formação de personalidades democráticas, em homens tolerantes em face de eventuais divergências de posição e abertos à discussão da opinião dos interlocutores. Desde aqueles primeiros tempos de atividades no SESI, na Escola de Serviço Social, no MCP do Recife e no Serviço de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco, Paulo Freire já definira claramente as linhas mestras de suas pesquisas no campo da educação. As perguntas que então propunha acerca da educação estavam bem delineadas: quais seriam as características de uma educação fundada no diálogo, comprometida com a construção da personalidade democrática e a formação da consciência crítica? E, mais ainda, que não se esgotasse em meras pregações sobre as virtudes do diálogo, da democracia e da conscientização, mas que em todos os seus movimentos surgisse como prática do diálogo e da democracia, como efetivo exercício da reflexão crítica sobre as experiências existenciais na comunidade. Os esforços voltados ao encaminhamento de respostas a essas questões davam forma ao método de alfabetização de adultos. A prática do método foi crucial na definição do futuro do educador. Obrigado a exilar-se no Chile, refletindo sobre as lições extraídas de sua praxis no Brasil, na convivência com intelectuais, educadores e políticos de esquerda, Paulo Freire passou progressivamente a movimentar-se num universo teórico diverso daquele que dava forma aos seus primeiros ensaios de teorização. Percebeu que a educação conscientizadora de populações oprimidas tinha forte teor de radicalidade política, confundia-se com a educação como prática da libertação e da emancipação. À semelhança de muitos outros intelectuais católicos progressistas, nesse período aproximou-se significativamente do marxismo enquanto explicação do funcionamento do regime capitalista. Mas continuou fiel à busca de respostas para as perguntas que estavam na origem de seu compromisso com a educação dos oprimidos. Uma pesquisa comprometida com a busca de respostas para questões dessa magnitude, que mergulham a educação em todos os desafios colocados pelo processo de libertação dos homens na sociedade contemporânea, teria que permanecer inevitavelmente inconclusa, até porque a capacidade humana de reinvenção das desigualdades sociais parece inesgotável. Como tão bem observou o Professor Zé Neto em diversas passagens de seu importante trabalho, esta inconclusão, inerente à natureza do desafio colocado para esta pesquisa educacional, talvez apareça como um dos maiores legados de Paulo Freire para as novas gerações.
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Sumário Apresentação Prefácio Introdução Educando pelo diálogo:
Platão A virtude O novo saber O amor A justiça O conhecimento A escatologia Uma síntese
Jürgen Habermas A razão comunicativa A guinada linguística A guinada pragmática A pragmática universal da linguagem O mundo da vida A argumentação A ação comunicativa Uma síntese
Paulo Freire A pedagogia dialógica A cultura, o poder e o diálogo A ação dialógica Uma síntese
Considerações Referências
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Introdução
O leitor não terá neste livro mais uma reconstrução da filosofia platônica, do pensamento habermasiano ou mesmo dos suscetíveis exercícios educativos da obra freireana. A releitura que será apresentada está nos limites do próprio objeto do trabalho que é o diálogo. Definido em suas linhas principais nessas obras, torna-se um exercício teórico cujo percurso será feito na busca da demonstração de sua relevância como um projeto político-filosófico subjacente, no qual a educação tem papel preponderante. É mais que sabido o limite da natureza e da inteligência de cada pessoa, impossibilitando a visão global de tudo, sozinha. Mas, cada um pode se comunicar e tomar conhecimento das ideias e sentimentos – sofrimentos, divergências e perspectivas - dos demais, tornando possível a discussão ou momentos educativos de ensinamentos e de aprendizagens. O diálogo humano assegura essa possibilidade. Historicamente, o diálogo é apresentado com Sócrates ao introduzi-lo como técnica de perguntar e responder, à procura da verdade. Como arte de dialogar, também, adquire a metodologia do confronto de perspectivas entre aqueles que dialogam, definida a partir de critérios de coerência lógica. Originariamente, a arte do diálogo (diá-lógos) é a própria dialética. Vê-se que o advérbio diá que, entre outros, assume valores espaço-temporais (através, entre, durante), causais, modais (com), bem como de estado ou condição. Como prefixo verbal, diá também adquire uma variedade de significados, entre os quais divisão e separação. Como base para a dialética, podem-se encontrar expressões várias como dialégein para significar, entre outras coisas, escolher, selecionar ou mesmo sua forma derivada dialésgesthai com a significação de conversar com, raciocinar com. Constitui-se ainda do verbo légein, que é rico de sentidos, convergindo para o significado de escolher cuidadosamente, contar, ou mesmo ainda a expressão dialégein com a significação de desenvolver (de forma completa) um discurso. De légein a lógos, de dialégein a dialégesthai (um agir que originará diálogo), há um processo de superação e manutenção de conceitos anteriores que irão fundamentar a análise da unidade entre pensamento e palavra, da unidade entre ato comunicativo e um ato reflexivo da intersubjetividade e subjetividade ou mesmo a busca de um horizonte que fundamenta a relação entre aquilo que se “diz” e aquilo que se “é”. Com essa origem, dialética se confunde com a descoberta grega do lógos e o seu exercício, em Platão, é o próprio ato de filosofar. O diálogo, em Platão, se mostrará como elemento constituinte da própria estrutura do pensamento e distanciada da formulação sofística que o tem, apenas, como um principal instrumento de poder político. Expõe-se, no decorrer do texto, a diferença entre a escrita e a palavra, demarcando o campo da linguagem. E, ainda, em Platão, um pensamento que se afirma com a ética na política. Diálogo, portanto, como fundamento desse espaço privilegiado à aprendizagem e ao exercício ético. Serão mostradas experiências que conduzem à legitimação dessa ética, marcante no pensamento de Habermas e na perspectiva educativa de Freire. Diálogo como espaço à educação expresso pela relação intersubjetiva e estrutura do pensamento. Uma atitude que tem desafiado as relações humanas e o seu exercício educativo, considerando que o percurso do assumir e do experimentar o diálogo abre sempre o risco de o sujeito perder o seu mundo mas que, na verdade, está ganhando-o na abertura, pelo mesmo diálogo, para o outro. Educando-se no outro e educando-o, também. Educação tem sido, para muitos, uma palavra com significado meramente simbólico. Resiste, contudo, a qualquer tentativa de compreensão que a transforme em fórmula abstrata ou mesmo vazia. Sua etimologia remete ao grego paidagógein ou ao latim educare, como algo intrínseco às relações humanas e sociais ou, mais precisamente, como um fenômeno de produção e apropriação da cultura. Cultura entendida como expressão da criação humana, fruto das complexas operações que o humano vem apresentando, historicamente, no trato com a natureza material e suas lutas para sobrevivência própria. Nessas operações, descobriu a sua capacidade de aprender, estabelecendo esse momento como o fato pedagógico, isto é, a
178 condição de aprendizagem que traz consigo e que continua em desenvolvimento, com maior velocidade que qualquer outra espécie animal. A educação realiza-se de forma espontânea, em qualquer lugar e também de forma reflexiva ou sistemática quando se estabelecem técnicas apropriadas na busca de se obter melhor rendimento educativo (teoria pedagógica). Entretanto, a operacionalidade (preceitos e leis) e as opções de técnicas ou metodologias desse processo educativo sistematizado são demarcadas por uma política de educação. Interessam, no entanto, dimensões filosóficas que compuseram a formação do Homem grego, o marco ocidental para a educação, tendo em Sócrates o seu maior fenômeno pedagógico, buscando o veio filosófico presente nesse processo de formação - o diálogo - e a sua permanência no pensamento da educação ocidental, até os dias de hoje. De posse desses conceitos de diálogo e de educação, abre-se um processo de reconstrução crítico-hermenêutica sobre as obras desses pensadores, servindo como meio para um exame diagnóstico dos próprios conceitos. É hermenêutico pois se trata de um exame interpretativo, tendo no diálogo uma dimensão do cerne da pedagógica platônica para aqueles que ensinam e da didática para aqueles que escrevem. Filosoficamente, pode ser visto como “iluminismo ético”, sendo crítico enquanto dialético, ao se ter no diálogo o percurso ético, fundamentado na ideia da autonomia do sujeito ou uma ética do discurso, presente no pensamento habermasiano e que permeia o pensamento freireano. Habermas elegerá como tema central de suas análises a racionalidade da sociedade atual, definindo-a como razão instrumental, expressão de meios para se alcançar algum fim determinado. A sua análise mostra que tanto o desenvolvimento técnico como a ciência, voltada à aplicação prática e como produtos dessa razão instrumental, são responsáveis pela perda da autonomia do sujeito que está submetida às regras dessa dominação técnica. A crítica para Habermas, portanto, terá um papel de superação dessa situação estabelecida pela razão instrumental, no sentido da recuperação da dimensão de interatividade humana e de uma outra racionalidade não instrumental, baseada no agir comunicativo entre sujeitos iguais, livres e em condição de sua emancipação em relação à dominação técnica. Sua crítica à objetividade da ciência e à verdade do conhecimento científico passa pela redução do conceito de razão do positivismo, meramente, ao procedimento metódico e lógico-formal, considerando que a razão instrumental não se aplica à moral e à prática humana. Estas serão, necessariamente, as dimensões que deverão estar presentes na razão dialógica e comunicativa, estabelecendo uma teoria da intersubjetividade comunicativa. A impossibilidade da ação emancipatória entre os sujeitos, produzindo relações assimétricas na sociedade, é realizada pela ideologia. O desmascaramento dessa distorção será promovido pela crítica, ao retomar, assim, a razão emancipatória. Habermas estabelece uma teoria da ação comunicativa que tem no diálogo um esteio para sua realização. A razão comunicativa, portanto, só é pelo processo dialógico estabelecido entre os atores em uma mesma situação. Uma razão pautada por interações espontâneas, dando, contudo, maior rigor ao discurso. Razão como procedimento argumentativo quando dois sujeitos se põem em acordo com a verdade, justiça e autenticidade. A verdade, assim, vai se erigindo, de forma dialógica, seguindo a lógica do melhor argumento. Uma razão que promove o surgimento da significação das coisas, pessoas e relações consensualmente elaboradas e respeitadas, resultantes do diálogo entre o ego e o alter. Diálogo que está presente em toda a obra de Paulo Freire. Freire está inserido na história de seu povo e sua visão de liberdade toma corpo, de forma relevante, em sua visão de educação. A sua pedagogia não enaltece aquele que „ensina‟ (o professor) mas aquele que coordena as atividades de docência, promovendo a prática do diálogo. O diálogo é a condição essencial de sua tarefa de coordenador que se afirma sem imposição e cuja condição de aprendizagem associa-se à tomada de consciência da situação vivida pelo educando. Esta situação se concretiza à medida que se desenvolve o diálogo entre humanos. Assim, esse humano constrói a liberdade como um modo de ser e define o seu próprio destino, só podendo ser sentido na história dele mesmo. A pedagogia de Freire caminha para a superação das formas existentes de opressão, uma pedagogia emancipatória, presa a um juízo existencial onde se faz necessária a liberdade da prisão da ignorância e da inconsciência. Sua tarefa educativa tem como ponto de
179 partida o assumir a liberdade e a crítica como o modo de ser humano. Uma pedagogia orientada pela interpretação do mundo, considerando que todos se educam pelo diálogo e em comunhão. Como se vê, dialética e hermenêutica, historicamente, têm se apresentado como opostas, sendo isto, porém, apenas de forma aparente. É fácil de se ver que a dialética, enquanto crítica, exige o dado, o espaço histórico e o sentido. Este irá constituir-se como elemento que conduz à interpretação do „mundo vivido‟, na visão habermasiana. Ora, a crítica, ao exigir a interpretação, direciona a dialética para a hermenêutica. Pela hermenêutica será apresentada a identidade do algo em debate e pela dialética será acentuada a sua diferença e o seu contraste. Nesta discussão do diálogo como elemento da origem, a interpretação possibilitada pelo instrumento hermenêutico, diante dos vários sentidos, buscará uma unidade presente nesses pensadores e, pelo instrumento da crítica, possíveis rupturas ético-filosóficas que são, necessariamente, educativas.
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Educando pelo diálogo:
Platão Platão aparece, no momento histórico64, em que se formavam as bases do que se passou a denominar de Paideia, sinônimo de formação do homem grego que, para os dias de hoje, pode abarcar os termos cultura, civilização, literatura, tradição e mesmo educação, em sentido estrito. Paideia, enfim, como expressão da construção da arete - a capacidade de realizar e pensar a virtude do homem grego. Inicialmente, esteve a arete (virtude) vinculada à questão educativa. A sua evolução social, contudo, ampliou-se buscando o caminho em que a educação precisaria seguir para se chegar até a própria arete. Uma formação educativa que se voltaria não apenas à perspectiva de Homero65 - a educação para o Homem da polis -, da cidade, mas, também, à visão de Hesíodo – uma educação ao Homem do campo, os agricultores. No século IV a.C. o movimento espiritual importante já iniciado com Sófocles, terá na Paideia, o sentido estrito de educação, dominado pelos sofistas. O objetivo da educação dos sofistas estava baseado na formação do espírito, contendo uma multiplicidade de processos e métodos. Espírito como órgão humano capaz da apreensão do mundo das coisas e de se referir a ele mesmo. O espírito, portanto, como um princípio formal e marcado por este duplo aspecto. Para os sofistas, a educação do espírito adquirirá dupla modalidade: a transmissão de um saber que tenha dimensão enciclopédica, geral, e um outro, a formação do espírito em seus diversos campos. Esta dualidade de formação sobreviveu até os dias de hoje. Mas, outra perspectiva educativa foi formulada por Protágoras, sofista, que instigado por Platão, apresentou a possibilidade para a educação formal, baseada não na estrutura do entendimento ou da linguagem, como as anteriores, mas na totalidade das forças espirituais. Para ele, as forças modeladoras da alma seriam a poesia, a música, além da gramática, da retórica e da dialética, sendo que essa forma de educação se realizaria na política e na ética. Na busca por uma educação universal, Protágoras a encontrará na educação política. Contudo, terão os sofistas um forte oponente às suas ideias, Platão, que a partir de Sócrates, o educador grego, procura superar a perspectiva educativa sofista, aproximando-se dos mesmos e, sobretudo, afastando-se, também, tendo no método do logos (argumentação), o diálogo - o caminho para se chegar a uma conduta reta. Bem ao estilo socrático, os „diálogos‟ de Platão parecem não chegar a resultados definitivos, mesmo que estejam trazendo elementos educativos novos para cada discussão. Esse esperado final não aparece. Ele não se preocupa em ter desfechos nesses „diálogos‟ e casos há em que se chega à aporia, a uma situação de impasse, uma dificuldade. Não é o resultado final que está contando. Torna-se importante o exercício da argumentação, em cujo final, maior exercício argumentativo estará ficado. O „diálogo‟ vai se apresentando como um caminho (método – meta + hodós) sempre aberto para uma seqüência de argumentação ou novas definições. E qual o método? Um procedimento sempre dicotômico (dialético) ou de divisão em duas partes; em seguida, uma das partes será tomada para nova definição, que novamente será dividida, dando continuidade a este procedimento. Este método duplo conduz, de início, a uma técnica de argumentação que procura desmontar os conhecimentos prévios, tidos como verdadeiros e definitivos daquele que está sendo questionado pelo mestre, através da ironia. O segundo momento – a maiêutica decorrente do primeiro, prepara o discípulo, por meio de perguntas, para que o mesmo traga à luz a verdade que há dentro de si mesmo. Contudo, é pela anámnesis (reminiscência) que se constitui a condição (subjetiva) desse trânsito, exigindo o diálogo para a sua concretização. 64 65
Filósofo grego, discípulo de Sócrates, nascido no século V a.C. Homero e Hesíodo, poetas gregos, que viveram entre os séculos VIII e VII a.C. e marcaram a educação e a formação humana, grega e ocidental.
181 Maiêutica, portanto, como um movimento dialógico para se chegar à verdade, um caminho do „eu‟ para a própria interioridade. O conhecimento daí gerado, resultante desse movimento de questões e respostas, não será um conhecimento de uma simples opinião infundada, daquilo que se pensa ter certeza. Agora, há toda uma argumentação em seu favor. Tal construção do caminho é o próprio método, fazendo da filosofia uma atitude66 que não se satisfaz com o ato de colecionar afirmações categóricas ou definitivas. Este é um caminho nada econômico, pois aumenta os desvios, e, sobretudo, não teme a colocação de suas teses em dificuldades. Todavia, esta forma socrática do diálogo, presente na obra de Platão, só se torna possível na multiplicidade do mundo, mesmo que o ponto de chegada continue uma incógnita. O diálogo que contempla o ensaio e o erro, contendo a experiência com várias pessoas, se afirmando como de maior valor do que a de uma pessoa só. O diálogo fora utilizado por todos os socráticos, porém, com Platão se afirma outra dimensão desse gênero literário, demonstrando a sua aplicação nos mais variados assuntos da vida grega. Por outro lado, é aceitável que as suas tentativas de se chegar à virtude, por meio do si mesmo, mostrem, tal qual Sócrates, que essa busca da essência da virtude consiste do saber e do conhecimento e recai na consciência. Apresenta, em fim, a exaltação ao ímpeto de se conhecer e à fé no conhecimento, uma herança deixada para todo o ocidente. Este procedimento dialogal, portanto, conduz a educação para as bases, necessariamente, de uma episteme (ciência), distanciando-se do plano instável da doxa (opinião). Platão, com a herança socrática, marca a direção da luta crítica (dialética) com as formulações educativas de seu tempo e com a tradição histórica de seu povo – com a sofística, a retórica, a matemática, a legislação e o Estado, a astronomia, a medicina, a poesia e a música. Procura encontrar o caminho a essa meta ao apresentar o problema da essência do saber e do conhecimento, além de outras temáticas presentes até hoje no processo educativo humano, tais como: a virtude, o amor, a justiça e a escatologia. A virtude A discussão, se a virtude67 pode ou não ser ensinada, estabelece-se pelo diálogo como a expressão mais importante do embate entre a paideia sofística, representada por Protágoras, e a paideia socrática sustentada pelo próprio Sócrates. Platão, em estilo dialógico, apresenta os traços do pragmatismo dos sofistas em oposição ao idealismo da dialética socrático-platônica. Como síntese desse movimento dialético, ressalta o valor da educação humana pelo conhecimento, tão presente entre os sofistas. Platão, torna Sócrates a figura do educador, trazendo para este „diálogo‟ e em forma de grande estilo, o vasto campo pedagógico que absorve toda época de Sócrates e os sofistas. Mas, é Protágoras que se apresentará como educador: ... (Protágoras): - confesso que sou sofista e que educo homens (Prot.,317b) 68. ... Ora, o que ensino é a boa deliberação: sobre as questões particulares, que 66
Pode-se sugerir a prática que, conceitualmente derivada de práxis, refere-se à aplicação do que foi pensado, às artes – recta ratio factibilium (correta razão do que é materializado) -, e à prudência – recta ratio agibilium (correta razão das ações). 67 A discussão da Arete ou a virtude é destacada sobretudo através do Protágoras que, de forma dialogal, torna clara a atividade da arte sofista. Convidado por seu amigo Hipócrates, Sócrates se dirige até a casa de Cálias para ouvir o tão destacado mestre da sofistica. Um dos pontos altos deste diálogo entre Sócrates e Protágoras é a evocação aos mitos de Prometeu e Epimeteu. O tema da discussão proposto por Sócrates é sobre a possibilidade de a virtude ser ensinada ou não. Este é um duelo onde ocorre o embate entre uma paideia sofística e uma paideia socrática, mostrando o esforço de Sócrates nessa batalha decisiva. Este diálogo expressa uma luta de dois mundos antagônicos pela hegemonia na educação dessa época. 68 Platon – Protágoras (Ouevres Complètes, Tome III, Première Partie). Texte établi et traduit par Alfred Croiset. Huitième triage, Paris Société d‟Edition “Les Belles Lettres”, 1967. Tradução e estudo introdutório Eleazar Magalhães Teixeira.
182 alguém administre perfeitamente a própria casa, e sobre as questões públicas, que seja bastante hábil no agir e no falar (Prot.,318e). Todavia, a dialética vai mais além quando busca, com anterioridade, definir esse conhecimento. Um conhecimento assumido pelo sofista mas que é posto em dúvida por Sócrates, no „diálogo‟, ao apresentar a sua interpelação:
- (Sócrates) Será, disse eu, que estou seguindo teu discurso? Pois me parece que estás falando da política69 e que prometes fazer dos homens bons cidadãos. - Sim, Sócrates, disse ele, é esse mesmo o programa que apresento (Prot.,319b). - Bela sem dúvida, eu disse, é a arte que possuis, se é que a possuis. Pois outra coisa não te será dita senão o que penso. Isto de fato, Protágoras, eu não imaginava pudesse ser ensinado, mas, desde que o afirmas, não tenho como não te dar crédito. E donde me vem a convicção de que isto não pode ser ensinado nem transmitido de homem para homem, é justo te dizer (Prot.,319b). Na continuidade do „diálogo‟, Platão mostra a organização da polis grega e exalta a sabedoria daquele povo e contrapondo-se a Protágoras mostra que: “na verdade não é somente nas questões comuns da cidade que é assim, mas na vida privada os mais sábios e os mais nobres dos nossos cidadãos são incapazes de transmitir aos outros essa virtude que possuem” (Prot.,319e). Exemplifica a sua tese com os filhos de Péricles, que enquanto dependia de mestres proporcionou uma boa educação aos filhos e honestamente, contudo, não os confiava a outros mestres mas a eles mesmos, naquilo em que ele próprio é sábio. Contudo, viviam rolando para um lado e outro, como rebanho, na perspectiva de que em algum lugar pudessem, de forma espontânea, encontrar a virtude. Sócrates mostra outros exemplos, utilizando-se dos mesmos como base para estabelecimento de sua tese em que a virtude não é suscetível de ser ensinada. Se por um lado, o otimismo pedagógico sofista estava externado, Sócrates mantinha o seu ceticismo em relação à educação sofística, sem contudo, por em evidência os êxitos alcançados pelos mesmos no campo intelectual. Seus elogios ao próprio Protágoras, nesse „diálogo‟, estão por várias vezes presentes. O que Sócrates submete à crítica é a possibilidade de transmitir a outros, pelos meios apresentados pelos sofistas, as virtudes do cidadão e do estadista. Pode-se perguntar da mudança ou não dos pontos de vista de ambos protagonistas após esse embate. A resposta é não, considerando que o „diálogo‟ não tem a perspectiva conclusiva, talvez, esperada. Nenhum dos interlocutores retratou aquilo que disse. Mas, nada do que aconteceu teria sido possível sem o direcionamento dado por Sócrates, pelo diálogo, para o objeto de interesse – a virtude. Pelo diálogo, como método, Sócrates e Protágoras deixam as suas marcas de personalidade, como um produto expresso pelo discurso, que mesmo não sendo individualmente de cada um, se concretiza como síntese de um consenso mútuo, mas que se pode dizer que pertence, sobretudo, a Sócrates pela direção objetiva que lhe deu. Assumindo a dúvida e abandonando a certeza prévia, tornou possível isolar a virtude do homem, nesse debate, buscando o seu exame em si mesma. Com o decorrer do „diálogo‟ é possível observar-se um ajustamento das posições dos dialogantes, revelando esta opção de Sócrates, um discurso filosófico, sem nada ensinar de forma dogmática, conduzindo para um conhecimento que desponte, pouco a pouco, no próprio íntimo, enquanto que a afirmação se torna a preferência de Protágoras.
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A política será depois “virtude” cuja possibilidade de ser ensinada é o tema central de que trata o Ménon (um diálogo de Platão).
183 O discurso sofístico que relaciona o múltiplo, o relativo e o fenomenológico, não consegue enxergar que por trás de virtudes díspares, esconde-se o encadeamento invisível da unidade. Passa a aceitar, todavia, manifestações da conduta humana que conciliam o saber com a injustiça ou a impiedade com a coragem. Um discurso que expressa uma proposta didática que prioriza, sobretudo, o sujeito em detrimento da coisa, constatado pelo fato de que Protágoras não tenha se detido para a análise mesma da virtude. A virtude mantém-se relativizada, seja quando a sua definição expressa-se pela individualidade, ao considerar que cada um externa uma verdade particular, e mesmo, definida em convenção, será uma verdade coletiva, tornando o homem a medida das coisas e estas se reduzindo àquilo de seu desejo a medir. Pelo diálogo, promove-se a possibilidade do saber, em Sócrates, com a afirmação de que a virtude é unidade e o próprio saber, enquanto que Protágoras tenta manter a sua posição de individualidade e identidade. Com uma perspectiva muito bem próxima à de Protágoras, discute-se no „dialogo‟ Górgias70, além da definição de sua arte de retórica, a arte dos sofistas, a prática da felicidade e da virtude. Mas, para Platão, o que há de essência na retórica é exatamente que os seus representantes não conseguem defini-la, contudo, entendem como fundamental o fato de conferir poder àqueles que dominam tal arte. Por meio do diálogo, Górgias mostra que, pelo poder da retórica, convence-se o povo para a realização de certas obras (Górg., 455d, e; 455b). Mas, ao exigir um saber mais severo para a definição dessa arte sofística, Sócrates a definirá como “capacidade de por meio da palavra sugerir aos ouvintes uma mera aparência de certeza e de sugestionar a massa ignorante, com o encanto daquela aparência sedutora, em vez de convencê-la pela verdade “ (Górg., 454e, a). Górgias, seguindo a apresentação socrática, faz ver que, mesmo sendo possível tal tipo de abuso, não conduz à refutação do recurso do qual se abusa. Da mesma maneira, não há qualquer outra arte ou meio que esteja protegido dessa possibilidade. Afinal, não se pode condenar um mestre, ao se constatar que alguém fez mau uso de sua arte. Quem deve ser punido e censurado é aquele que a utilizou abusivamente, entendem os sofistas. Mas, como se vê no desenvolver do diálogo é que dessa forma não se resolve o problema e que a Sócrates muito interessa esclarecer. Ao assumir que ensina a retórica para então ser utilizada em forma de “bom uso”, o mestre dessa arte passa a assumir que sabe o que é bom e o que é justo, enquanto que os seus discípulos já bebem a água dessa fonte. A respeitabilidade de Górgias, na época, parece ser evocada para tal, qual Protágoras ao se furtar do diálogo com Sócrates sobre a identidade do bom e do agradável, não assumindo o debate sobre os fundamentos morais de seu ensino, não admitindo essa posse indiscutível do conhecimento através desse mero poder. Isto gera uma contradição com o que disserta sobre o abuso da arte da retórica sofística. Em socorro a Górgias, surge seu discípulo Pólo, proclamando que à retórica são indiferentes as questões morais, realçando que a moral da sociedade humana é questão convencional, mesmo que deva ser considerada, mas, sem destaque pela retórica quando em casos sérios. Nessa perspectiva enveredará Cálicles proclamando, de forma aberta, o direito dos mais fortes como moral suprema. Buscando uma justificativa ética, procura embasar a sua tese ao constituir como critério do verdadeiro homem a sua tendência ao poder, uma espécie de visão ainda de um Estado primitivo. Enquanto que o forte utiliza sua força e se faz valer, a lei expressa um estado de coisas artificial na tentativa de barrar o uso espontâneo da força, por meio das leis que só beneficiam os fracos. E todas essas tentativas são apenas tentativas de fugir 70
Neste diálogo - Górgias, busca-se a definição da arte da retórica – a arte do sofista Górgias. Também se debate a capacidade de ensinar a persuadir todos os que participam dessas assembléias, das discussões sobre o justo e o injusto, a felicidade e a infelicidade, a moderação e a intemperança. Pólo insiste que é melhor agradar aos seus ouvintes, em público. Em contrapartida, Sócrates assegurará que é melhor sofrer uma injustiça do que praticá-la, pois isto é mais feio e vergonhoso. Já para Cálicles, aquilo que é belo pela natureza, não o é, necessariamente, pela lei. Esta, sim, é um recurso daqueles que são fracos para se defenderem dos mais fortes. Mas, Sócrates mostrará que mesmo que os mais fortes sejam a maioria, essas maiorias também julgarão feio promover injustiças. Tem-se, portanto, uma ligação entre felicidade e a prática da justiça e da virtude.
184 do problema originário do „diálogo‟ e que só tornam mais agudo o conhecimento de sua própria essência – o interesse de Platão. A doutrina de sociedade de Cálicles, baseada na teoria da luta pela sobrevivência, conduz a educação para um papel secundário. A esta filosofia da força, Sócrates se opunha com a filosofia da educação, resgatando a paideia, tida como critério para a felicidade humana (Gorg., 470e). A educação, para o sofista, se confunde com adestramento, voltado para iludir as naturezas fortes enquanto que promove um poder dos fracos. Esse adestramento se inicia, tal qual animal, na infância. Em oposição à filosofia da educação socrática, Cálices assegura-se na opinião de que o mais forte fisicamente é também o mais forte politicamente, sendo o mais viril, tendo uma alma nada amolecida e, assim, em condições de dominar (Górg., 488b). Cálicles apresenta como modelo da arte de educar os modelos de oradores como Címon, Temístocles, Péricles que foram tidos como grandes estadistas. Mas, para Sócrates, se a missão dos estadistas não for a de atender aos próprios interesses ou os da massa e, sim, a de infundir uma determinada forma, um eidos o mais possível perfeito, e torná-lo seu guia, tal como arquiteto, pintor ou construtor naval, ajustando as partes com logicidade ao todo, aqueles estadistas foram mesmo uns incompetentes. Para Sócrates, a maior desgraça não será o esforço de alcançarem o poder exterior e buscar proteção contra a injustiça mas a necessidade de proteção contra o perigo de a cometer. Nessa acepção, o estadista não será um servidor do Estado, mas, efetivamente deverá tornar-se educador do povo. O „diálogo‟ continua e na segunda parte do Górgias, a crítica volta-se à tentativa de mostrar que a retórica é uma techne (Górg., 462b), que tem significado bem mais abrangente que o de arte. Mas tem aspecto prático como a arte; uma tentação a não ser submetida a nenhuma regra e envolve, ainda, o conceito de especialidade. Abrange a arte da pintura, da arquitetura, da música, da medicina ou mesmo a arte da estratégia militar. Do „diálogo‟, haverá a conclusão de Sócrates que a retórica não constitui uma verdadeira techne. Demarca, por sua vez, que esta pressupõe um saber baseado no conhecimento da verdadeira natureza de seu objeto, sendo capaz de dar contas de suas atividades de forma consciente de suas razões e procedimento, e ainda, servindo àquela parte melhor do objeto de que se trata (Górg., 465). Já no „diálogo‟ do Protágoras, Platão mostra a sua tendência de busca de conhecimentos dos valores supremos, na perspectiva de estruturação de fundamentos da educação humana. Mesmo assim, não foi apresentada a estruturação da educação nesta possível base. O que transparece é uma nova valoração do saber como um caminho para a Arete, tornando a techne um postulado dessa conduta reta. Aceito o postulado, a educação sofística estará secundarizada, pelo menos no plano dos princípios. No Górgias, Platão retoma o debate da questão da techne e mostra, de forma explícita, suas características e premissas. De forma dialógica, realiza este debate com a retórica, concluindo que, substancialmente, esta é semelhante à sofística, despertando uma outra dimensão que é a relação do poder com o Estado. Nesse „diálogo‟, Platão demonstra que, na verdade, os sofistas e os retóricos, mesmo aperfeiçoando as suas técnicas de cultura e de influências aos homens, permanecem ao lado de ideias, ainda primitivas, sem atingir o objeto mesmo de sua arte. Para Jaeger (1994: 663), da discussão com Pólo e Cálicles, parece que Platão pretende, através do diálogo, indicar que, embora estes estejam versados em retórica, arte embotadora do pensamento e habituada a triunfar diante das multidões, fracassa diante da dialética. E não só porque lhe falta a perspicácia lógica e a capacidade de anobra para tal necessária, mas porque padece de um vício fundamental: o de nenhum saber objetivo, nenhuma filosofia ou firme concepção de vida surgir por trás das suas palavras; além disso, não a anima nenhum ethos, mas os seus móveis são a cobiça, a vontade de sucesso e a falta de escrúpulos. No Górgias, há uma exposição da visão platônica cujo problema fundamental da educação é o da norma suprema a qual a educação deve se ajustar, bem como, o conhecimento da existência deste objetivo. É, portanto, Sócrates que surge deste diálogo como o verdadeiro educador. É ainda o único homem possuidor do conhecimento do telos (objetivo último). Da relação do poder com o Estado, arrasta o problema de sua relação com a educação. Há, em Platão, uma luta de adequar o Estado às normas socráticas. Consequentemente, do diálogo, extrai-se a compreensão de que não é a educação que precisa de modificações, mas o
185 Estado é que carece de reformas em seus fundamentos. Isto exige, para a realização da doutrina socrática, uma nova comunidade, onde se possa desenvolver com sucesso.
Um novo saber Em Platão, o conhecimento da arete vai se desenvolvendo por vários caminhos, expondo que o aparecimento das diversas qualidades chamadas virtudes, como a piedade, valentia, justiça e prudência, são apenas partes da virtude, mas urge a virtude, expressando o total, sendo a sua essência um saber. Com isto marca um outro momento para a educação, buscando, assim, definir uma paideia em bases diferenciadas da perspectiva dos sofistas, como em Protágoras e em Górgias, querendo arrastar para esta nova visão os ensinamentos dos mesmos. A tese de que a virtude pode ser ensinada, defendida pelos sofistas, torna possível a existência de mestres da virtude, à medida que esta fosse aceita como um saber. Esta questão não será mais abandonada por Platão. Ora, definida a equivalência entre saber e virtude e sua importância para a educação, resta a análise conceitual do que é o saber. É no diálogo do Mênon71, onde será promovido tal saber fundamental para a arete. Estabelece-se como um dos primeiros diálogos voltados à teoria do conhecimento. Sócrates é questionado por Mênon com a questão72(p, 44): Mênon: - Estarias disposto a dizer, Sócrates, se a virtude pode ser ensinada? Ou se pode ser adquirida pelo exercício? Ou quem sabe se não é nem ensinável nem adquirível pela prática, mas recebida de nossa própria natureza? Ou, talvez, de outra qualquer maneira? Sócrates: - .... (após elogios ao povo da Tessália, admirados por bem montar a cavalo e pelas suas riquezas, mas, agora, conforme Sócrates, pela sabedoria, e, lamentando que as pessoas de Atenas tivessem sofrido uma degeneração de sua própria sabedoria, responde a Mênon). E tanto assim é que, se assim interrogares a quem quer que seja dentre nós, todos se hão de rir e responder-te: Muita honra me fazes, estrangeiro, a ponto de me julgares sabedor de se a virtude é ensinável ou se ela se adquire de outro modo. Na realidade, confessote que não sei nem se a virtude pode ser ensinada, nem se não pode; para dizer tudo, não sei sequer o que é a virtude! Eu, pelo menos, estou nessas condições. Encontro-me na mesma miséria que meus concidadãos, e confesso que nada sei sobre a virtude.
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Mênon ou Da virtude é um „diálogo‟ com este aristocrata que deseja saber de Sócrates como se adquire a virtude, ou se é algo natural humano. Sócrates inicia a discussão com a sua preocupação primeira que é: o que é a virtude? Desde as primeiras perguntas, sobre a virtude, muitas dúvidas são geradas, deixando o jovem Mênon sem condições de prosseguir. De forma sofística, apresenta-se a questão: como buscar algo que não se conhece? Mas, Sócrates supera esta impossibilidade mostrando a existência de coisas belas ditas por homens sacerdotes, e mesmo Píndaro em que eles afirmam da imortalidade da alma e da existência de anteriores encarnações. Demonstra, através de um escravo de Mênon, após diálogo com o mesmo, fazendo-o descobrir conhecimentos da geometria que nunca havia estudado. Um outro personagem presente é Anito, expressão do político fanático com pouco interesse pela discussão sobre a virtude. Política é, vista por ele, como expressão do desejo do poder pelo prazer de exercê-lo, avesso à discussão filosófica. Depreende-se do diálogo, a perspectiva socrática de que a virtude parece ser algo doado por divindades, desde o momento do nascimento das pessoas.
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O „diálogo‟ Mênon ou Da virtude, insere-se na obra: Platão – diálogos: Mênon – Banquete – Fedro. Com tradução de Jorge Paleikat, com notas de João Cruz Costa e estudo bibliográfico e filosófico de Paul Tannery. Ediouro/81271.
186 Um diálogo que apresenta como programa a questão do conhecimento e no Mênon, só terá sentido no conjunto de sua investigação ética. O ponto de partida que será tratado é a virtude, à medida que só se torna possível a sua aquisição através do saber e suas origens. Este, efetivamente, é o centro de diálogo, de sua investigação. Assim, Platão, ao estabelecer como centro do diálogo o saber e suas origens – a virtude e o bem -, instala esse novo saber socrático, desenvolvido em toda sua análise. O desenvolvimento do „diálogo‟ traz uma desconfiança de Mênon, pois acreditava que Sócrates saberia o significado da virtude, considerado óbvio pelo discípulo de Górgias. Sócrates, contudo, o indaga e deseja, de sua própria boca, a definição de virtude. Responde dizendo que será: ter a capacidade de dirigir o Estado, e quando administrá-lo fazer bem aos amigos e mal aos inimigos, sempre evitando o mal para si. Caracteriza, ainda, virtudes para os homens e virtudes para mulheres, para as crianças, para os idosos e os escravos, desenvolvendo vários gêneros de virtudes. Contudo, Sócrates, mesmo satisfeito com o que chamaria de „enxame‟ de virtudes, insiste na busca daquilo que está presente e é idêntico em todas as virtudes, pois isto é que será a virtude e não esses diferenciados tipos apresentados por Mênon. Não pode haver diferenciados tipos de saúde, isto é: uma saúde do idoso, da criança, da mulher, do homem. ... – (Sócrates): Para que a virtude seja virtude, deve distinguir-se entre virtude de criança e virtude de velho, virtude de mulher e virtude de homem? Mênon: - Parece-me, contudo, caro Sócrates, que para a virtude não vale a mesma regra que para as demais coisas. - Como? Não acaso não acabaste de dizer que virtude do homem é administrar bem o Estado, e da mulher, administrar bem uma casa? - Sim, disse. - É possível administrar-se bem uma cidade, ou uma casa, ou o que quer que seja, se não se age sábia e justamente? - Certamente que não. - E administrar com justiça e com sabedoria, não será aplicar justiça, e sabedoria à administração. - É certo. - Logo, os dois, homem e mulher, para serem virtuosos, precisam das mesmas qualidades: justiça e sabedoria (p, 46). O „diálogo‟ continua. Sócrates, por sua vez, dirige esta discussão para cobrar do sofista a definição única da virtude, tornando-a aplicável a todas as situações. Este algo buscado, como expressão única, portanto, virtude sem aparecer múltipla e diversa, será aquilo que Platão irá definir como eidos ou ideia. Não terá sentido a busca dessas diferenciadas formas de virtudes como expusera Mênon. Para Platão, é importante o conhecimento do eidos, do algo idêntico em todas as partes daquelas diferentes expressões de virtude. O „que é‟ é explicado e passa a ser explicado não como uma definição mas como uma ideia, e esta ideia é para onde tende todo o movimento dialético do pensamento socrático-platônico. Através do diálogo, Platão aduz às tantas coisas sábias que foram e são ditas por poetas, sacerdotes e sacerdotisas de seu tempo. Quando Perséfone73 recebe dos mortos a penitência 73
Versos atribuídos a Pindaro, contidos na p. 55 do texto em estudo.
187 de antigos pecados, envia suas almas para a luz do sol, por um período de nove anos. É a partir destas almas que serão formados reis gloriosos e homens poderosos pela força. São gerados, ainda, homens superiores pela sabedoria, que serão rememorados pelos homens como puros heróis. Versos, que para Platão, servem para formular a sua teoria da reminiscência, defendendo a imortalidade em que ora o homem foge da vida e ora reaparece, em uma nova existência.
A alma, é pois, imortal; renasceu repetidas vezes na existência e contemplou todas as coisas existentes tanto na terra como no Hades e por isso não há nada que ela não conheça! Não é de espantar que ela seja capaz de evocar à memória e a lembrança de objetos que viu anteriormente, e que se relacionam tanto com a virtude como com as outras coisas existentes. Toda a natureza, com efeito, é uma só, é um todo orgânico, e o espírito já viu todas as coisas: logo, nada impede que ao nos lembrarmos de uma coisa, o que nós, homens, chamamos de „saber‟, todas as outras coisas acorram imediata e maquinalmente à nossa consciência. A nós compete unicamente nos esforçarmos e procurar sempre, sem descanso (p, 55). Sócrates fará, no decorrer do „diálogo‟, a demonstração de sua teoria com o escravo de Mênon, paralisando-o com questões apropriadas. Consegue conduzi-lo, de forma lenta, a descoberta, por si mesmo, do conhecimento de várias formas geométricas e a regra do quadrado da hipotenusa, após despertá-lo de suas dúvidas. Isto acontece diante do próprio Mênon, de como o seu escravo, um homem simples e de pouca cultura, consegue descobrir por si mesmo, num diálogo, diretamente, pedagógico. ... – (Sócrates): Sim, parece-me que fizemos uma coisa que o ajudará a descobrir a verdade! Agora ele sentirá prazer em estudar este assunto que não conhece, ao passo que há pouco tal não faria, pois estava firmemente convencido de que tinha toda razão de dizer e repetir diante de todos que a área dupla deve ter o lado duplo! Do „diálogo‟ com o escravo de Mênon, os exemplos saem das matemáticas de forma diferenciada da dos sofistas que se basearam em modelos da medicina para o esboço de uma nova techne ético-política. Em ambas tentativas desse diálogo, Sócrates, utilizando o modelo matemático, conduz à uma referência claramente de ordem metódica. Não se sabe o que seja a virtude (arete), porém, o seu interesse, por razões pedagógicas, é saber se pode ser ensinada, reformulando a questão que se volta à natureza da virtude, em que seja possível o seu ensino. “Trata assim de desembocar no seu conhecido postulado de que a arete não é mais do que um saber. E de novo invoca o exemplo dos geômetras em apoio deste método da „hipótese‟” (Jaeger, 1994: 708). A procura pelo saber é o desafio para Platão e é, exatamente, na ausência do saber onde se encontra a grandeza socrática. A imagem que faz é a das dores do parto. Interpreta essas dores como expressão completamente nova de saber contida nas entranhas de Sócrates. Tem-se aquele conhecimento do interior da alma que está expresso no „diálogo‟ de Mênon, consistindo na intuição das ideias. Platão, em Mênon, descobre a oportunidade de mostrar, através do diálogo com o escravo, que o conhecimento está no interior de cada um. Em si mesmo está a raiz desse conhecimento. O conhecimento vem de si mesmo, a partir de um desejo de descoberta que não se constitui numa assimilação passiva. Este é uma procura esforçada que pressupõe a dimensão do desejo para este conhecimento. “É nela que encontram uma expressão perfeita o caráter ativo do espírito grego e a sua tendência de descobrir dentro de si próprio as razões determinantes do seu pensamento e da sua conduta” (Jeager, 1994: 712).
188 Mas, o convite de Sócrates para o exame necessário da virtude continua. Do convite dialógico, passa a discutir se a virtude é uma ciência. Manifesta-a, em seguida, e assim, abre a possibilidade de que a virtude possa ser ensinada, caso seja aceita como ciência, demonstrandoa e, contudo, mantendo a sua crítica.
... - (Sócrates): Todavia, caro Mênon, os bons infelizmente não são bons por natureza; logo, só o podem ser pela educação, não é? Mênon: - É claro; e além disso, caro Sócrates, como consequência de nossa hipótese, temos necessariamente que a virtude, sendo uma ciência, pode ser ensinada. - Talvez, por Zeus! Talvez, mas tenho medo de admitir facilmente essa proposição! - Como? Agora mesmo deste a entender que era verdadeira! - Sim; mas não basta que nos tenha parecido certa há pouco, é necessário que a tenhamos por tal ainda neste momento e que continue a parecê-lo sempre! - Mas por que motivo essa afirmação não te satisfaz neste momento, e duvidas dela? - Vou dizer-te, caro Mênon, Não duvido de que a virtude seja ensinável, se ela é uma ciência. Mas, examina se não tenho razão de duvidar que a virtude seja uma ciência. E dize-me: se é possível ensinar-se uma ciência qualquer, e não só a virtude, não é certo que deve haver professores que ensinem tal ciência e alunos que a estudem?(p.64). Com a seqüência do diálogo, Sócrates distingue a ciência da opinião para uma melhor caracterização do seu caminho de busca da virtude, caracterizando como sendo possível de ser ensinada, caso seja ciência. Sócrates faz ver, finalmente, que a virtude não é ciência e por isso que tantos sábios não formaram novos sábios, seus filhos, como os políticos, a exemplo de Péricles, não repassaram o seu conhecimento para os filhos na aprendizagem de governarem o Estado. Não formaram outros a sua própria semelhança, considerando que também não foi pela ciência que eles mesmos assim se fizeram. Daí passa a concluir que a virtude não é doação da natureza e nem tampouco pode ser ensinada. Em Platão, a força de Sócrates está no diálogo, na condução dos encaminhamentos de suas questões. Em algum momento, admite-se o ponto de chegada para uma compreensão definitiva do algo em discussão. No momento seguinte, pelo encanto de sua arte dialógica, deixa-se escapar o resultado aparentemente alcançado. Dirige-se no sentido de que cada um realize o seu próprio encontro. Assim, é que a nova paideia não se torna possível de ensino, algo aceito pelos sofistas, e, desse ponto de vista, manifesta a impossibilidade de que a educação humana seja encerrada, apenas, na instrução, a perspectiva sofística. O amor O processo educativo socrático segue implantando temas fundamentais, a partir de sua perspectiva filosófico-política, externados em forma de diálogos. Contudo, um problema persegue Platão: a questão da essência daquilo que se pretende conhecer. Assim, fora no trato sobre a virtude e nos demais „diálogos‟ sobre a piedade, a alma, o ser, o prazer. No „diálogo‟ O
189 Banquete74, apresenta a questão da essência da amizade, do amor. A investigação da essência da amizade, do amor (eros), terá, tanto no Banquete como no Fedro75, uma discussão que revela a sua etapa de maturidade. Envolve o seu modo de ver o Estado, pois o considera sempre com uma dimensão educativa. O conceito de amizade gera um movimento ético que foi tanto vivido como proclamado como algo que contribuía para a solução da questão do Estado76. Mas é na busca de se atribuir uma explicação para amizade, em Lísis77, que Platão descobre o conceito de „primeiro amado‟, que será caracterizado como responsável pela fonte e origem de toda a amizade entre os homens. Desse „amado‟ universal, expressão do desejo do homem, este ama tudo aquilo que ama em particular. Esta é a sua ânsia quando se une a outros, independente do caráter desta união. Sua busca é, agora, o princípio da razão de ser e a meta orientadora da comunidade humana. Este critério está dado com o „primeiro amado‟ e presente como formulação no Górgias, quando para Platão, a existência de uma comunidade perfeita e harmônica só tem sentido se tiver como pressuposto o bem. ... - (Sócrates) Primeiramente, tal como agora estou dizendo, disse ele que Fedro começou a falar mais ou menos desse ponto, „que era um grande deus o Amor78, e admirado entre homens e deuses, por muitos outros títulos e sobretudo por sua origem. Pois o ser entre os deuses o mais antigo é honroso, dizia, ele, e a prova disso é que genitores do Amor não os há, e Hesíodo afirma que primeiro nasceu o Caos ... e só depois Terra de largos seios, de tudo assento sempre certo, e Amor ... Diz ele então que, depois do Caos foram estes dois que nasceram Terra e Amor. E Parmênides diz da sua origem bem antes de todos os deuses pensou em Amor.
74
O Banquete (Simpósio) ou do Amor (amizade) se apresenta como um dos mais belos diálogos platônicos, quanto à composição dos discursos sobre uma temática específica o amor. O ambiente é a casa do poeta Agatão onde se festeja a sua vitória num concurso de tragédias, desafiando os presentes à apresentação de discurso elogioso ao amor. Nesta festa estão também Fedro, Pausânias, Erixímaco, Aristófanes, além de Agatão. O discurso de Sócrates exprime, na sua forma, não a sua sabedoria mas aquilo que escutara de uma sábia mulher – Diotima. Alcibíades, nessa série, faz um discurso de elogios não ao amor, mas a Sócrates.
75
Fedro ou Da beleza. Outra obra platônica que também trata do amor, a partir da indicação de um discurso de Lísias (orador ) sobre o amor, apresentado por Fedro (orador). Sócrates faz seu discurso, trazendo em cena a loucura daqueles que se submetem ao amor e as suas diversas formas, tratando como desvios da concentração da alma. Um discurso que traz o parentesco, segundo Sócrates, da alma humana e as ideias. No amor, o que há de mais imediato é a beleza, sendo esta mais passível de recordação. A beleza é o móvel que causa desejo de conhecimento e que faz presentes ideias e verdades, convividas antes do nascimento (reminiscência).
76
Platão expõe as suas justificativas de não participar diretamente da vida do Estado, por não encontrar, na atividade política, amigos certos na atividade de renovação total da polis. Para ele, se há uma doença orgânica de uma comunidade, resta a um grupo reduzido porém são, com ideias idênticas, úteis como célula germinal para um novo organismo. A forma fundamental da comunidade, não apenas natural, passa pelas dimensões espirituais e éticas.
77
Lísis ou Da amizade. Em um dia de festa do deus Hermes, protetor dos estádios para a educação física, Sócrates dialoga com jovens do esporte. Lísis, jovem e futuro atleta, iniciando-se na música e na poesia, presente Sócrates, Hipótales, Menexeno e Cresipo, discutem o que é um amigo, diante da beleza e destreza de Lísis. Serão interrompidos pelos pedagogos, escravos responsáveis pelas crianças que as acompanham, no momento em que Sócrates apresentava a impossibilidade da definição de amizade se encaixar nas sugestões que estavam sendo expostas. Exigia-se, assim, a continuidade da discussão.
78
Amor, com maiúscula, refere-se ao deus.
190 E com Hesíodo também concorda Acusilau. Assim, de muitos lados se reconhece que Amor é entre os deuses o mais antigo (Banq.178 b-c).
Sócrates, em seu discurso, fará uma diferenciação entre o que considera um amor popular e um amor celestial. Daí que uma ação, enquanto praticada, não será em si mesma, bela ou feia. As ações de beber em um banquete não são belas ou feias. Belas são, todavia, na maneira de como são realizadas; o que é bela é aquela ação feita corretamente, o que não o é fica feio. “Assim é que o amar e o Amor não é todo ele belo e digno de ser louvado, mas apenas o que leva a amar belamente” (Banq. 181a). Sócrates distingue a forma de como os homens vulgares amam, destacando que o que realmente amam é o corpo mais que a alma. A relação dos homens vulgares se reduz ao ato sexual e não se voltam à preocupação da decência ou não. Neste ponto, o amor se faz entre macho e fêmea. Uma outra característica do amor é aquela que não participa da fêmea mas só do macho – é este o amor do jovem, e depois o amor isento de violência, o amor mais velho. ... (Sócrates) Ora, é indecentemente quando é a um mau e de modo mau que se aquiesce, e decentemente quando é a um bom e de um modo bom. E é mau aquele amante popular, que ama o corpo mais que a alma; pois não é ele constante, por amar um objeto que também não é constante. Com efeito, ao mesmo tempo que cessa o viço do corpo, que era o que ele amava, „alça ele o seu vôo‟, sem respeito a muitas palavras e promessas feitas. Ao contrário, o amante do caráter, que é bom, é constante por toda a vida, porque se fundiu com o que é constante. Ora, são esses dois tipos de amantes que pretende a nossa lei provar bem e devidamente, e que a uns se aquiesça e dos outros se fuja (Banq. 184a). Platão manifesta a visão em relação ao Estado e à construção de uma amizade considerada como nobre. Para ele, tanto deixar ser levado pelo dinheiro quanto pelo prestígio político, sem externar todo desprezo, é feio. Nenhuma das vantagens advindas dessas situações parece firme ou constante, nem sequer gera uma amizade duradoura. E o belo passa a ser o encontro das duas normas, a do amor aos jovens e a do amor ao saber e às demais virtudes. Das diferenciadas formas de apresentação do Eros, exigirá, para ser belo, a harmonia necessária das várias possibilidades. Comparativamente ao modelo da medicina, Platão encontrará essa harmonia, de forma semelhante à situação de saúde como expressão correta da mistura dos contrários na natureza. Na medicina, há o conceito de physis corpórea que lhe é específico e, de forma semelhante, Platão apresentará o conceito de physis ético-anímica, considerando que este é um conceito normativo e que contempla a perspectiva ética do amor. ... – (Sócrates) Quando então se encontra com aquele mesmo que é a sua própria metade, tanto o amante do jovem como qualquer outro, então extraordinárias são as emoções que sentem, de amizade, intimidade e amor, a ponto de não quererem por assim dizer separar-se um do outro nem por um pequeno momento. E os que continuam um com o outro pela vida afora são estes, os quais nem saberiam dizer o que querem que lhes venha da parte de um ao outro. A ninguém com efeito pareceria que se trata de união sexual, e que é porventura em vista disso que um gosta da companhia do outro assim com tanto interesse: ao contrário, que uma coisa quer a alma de cada um, é evidente, a qual coisa ela não pode dizer, mas adivinha o que quer e o indica por enigmas (Banq. 192d).
191 Sócrates, após os discursos dos demais presentes, apresenta algumas considerações sobre as afirmações dos seus antecessores na tentativa de melhor compreensão sobre o eros. Contrapõe-se às demais formulações dos presentes, à medida que resolve abordar o tema de forma diferente. Mesmo admitindo acordo quanto ao método apresentado por Ágaton, a busca pela essência do eros, rompe com o discurso da exaltação e do embelezamento, puro e simples, retomando o desejo do conhecimento da verdade. Assim, é que passa a utilizar os recursos de uma dialética negativa enquanto mostra que amor representa anseios para se adquirir aquilo de que não se dispõe. Ora, se eros deseja o belo, é porque está necessitado da beleza. Esta é a base que sustenta a teoria de Sócrates, a partir dos ensinamentos da sacerdotisa Diotima. Sócrates se mostra aprendiz da sacerdotisa, dizendo que já proferira discurso semelhante ao de Ágatão sobre o amor em diálogo com ela. Defendia também que Amor é um grande deus e muito belo. Diotima refutava-o mostrando que Amor nem era belo e nem era bom: ... E eu então: (Sócrates): - Que dizes, ó Diotima? É feio então o Amor, e mau? (Diotima): - Não vais te calar? Acaso pensas que o que não for belo, é forçoso ser feio? -
-
Exatamente. E também se não for sábio é ignorante? Ou não percebeste que existe algo entre sabedoria e ignorância? Que é? O opinar certo, mesmo sem poder dar razão, não sabes, dizia-me ela, que nem é saber – pois o que é sem razão, como seria ciência? – nem é ignorância – pois o que atinge o ser, como seria ignorância? - e que é sem dúvida alguma coisa desse tipo a opinião certa, um intermediário entre entendimento e ignorância. É verdade o que dizes, tornei-lhe. Não fiques, portanto, forçando o que não é belo a ser feio, nem o que não é bom a ser mau. Assim também o Amor, porque tu mesmo admites que não é bom nem belo, nem por isso vás imaginar que ele deve ser feio e mau, mas sim algo que está, dizia ela, entre esses dois extremos (Banq. 202a).
Não seria o Amor, portanto, nem bom e nem belo, pois para a sacerdotisa existia algo entre aquilo que é bom e o que é belo. Mas Amor, sequer para outros seria deus, e, portanto não seria imortal. Ora, Amor só poderia ser um gênio com poderes para interpretar e transmitir aos homens aquilo que vem dos deuses. “Um deus com um homem não se mistura, mas é através desse ser que se faz todo o convívio e diálogo dos deuses com os homens, tanto quando despertos como quando dormindo ...” (Banq. 203a). Diotima segue elevando o grau do conhecimento do eros, descrito por Sócrates, com uma visão em que se eleva ao mais alto cume. Eros, portanto, se distancia da ideia de que seja formoso, considerando que não é nem feio e nem belo, ocupando uma posição entre o formoso e o feio. Também, não seria sábio e nem ignorante; não seria perfeito ou imperfeito, não podendo ser um deus mas não é um mortal; é um ente que passa a preencher o abismo existente entre os dois reinos do terreno e do divino, sendo um elo que mantém unido o Universo. Para Jaeger (1994: 736), será: Eternamente unido à indigência, transborda ao mesmo tempo e encontra-se em tensão constante, como grande caçador, dominador, e grande armador de ciladas, fonte inesgotável de toda a energia espiritual, que atua sem cessar e de modo espiritual sobre si própria, grande mago e encantador.
192 Apoiado nessa posição intermediária, Platão encontrará o elo entre eros e a filosofia. Os deuses, por sua vez, não aprendem pois trazem consigo a sabedoria. Já os ignorantes e tolos, sem nada saberem, se julgam possuidores de elevados conhecimentos, restando ao filósofo a situação intermediária entre a sabedoria e a ignorância, reconhecendo a sua própria ignorância e procurando adquirir o conhecimento. O Amor entra nessa categoria. Assim, Sócrates retira os traços do amante como era indicado por Ágaton, pondo-o no Amor mesmo, pois aquilo que é amável é o que é realmente belo, delicado, perfeito. O eros socrático é anseio daquele que se sente com alguma falta ou imperfeição enquanto se forma espiritualmente a si próprio. Seus olhos, contudo, permanecem fitados na ideia. Será a compreensão de „filosofia‟ para Platão, isto é, um desejo do homem de modelar-se como verdadeiro homem a partir de si mesmo. Com isto, o amante passa a ter um outro caráter bem distante desta visão de Amor. Amor se torna, na teoria de Platão, não imóvel mas o que eternamente anseia, em movimento, na luta pela perfeição e felicidade. A Justiça No „diálogo‟ República79, discute a perfeição associada à questão da justiça, porém voltada à realização de um Estado ideal, pensado e tentado a sua realização, e possivelmente, na base de sua impossibilidade, o tenha levado a não participar, ativamente, da vida do Estado real vivido em Atenas. A justiça estará efetuando-se em um Estado que não tem como bases nem mesmo a experiência histórica de uma Atenas ou Esparta. Na República não há qualquer alusão aos fundamentos do Estado. As questões geográficas, a nação, o povo, o sistema jurídico, tudo diz respeito a um tipo ideal do filósofo. É na teoria das “partes da alma” onde se localiza o debate sobre a questão do que é justo. Enfrenta tal discussão não simplesmente de forma teórica mas como uma atitude prática, isto é, numa atitude de modeladora da alma, menos psicológico e mais pedagógico. Isto faz Sócrates mover o Estado. Não como expressão de relações de uma Paideia que assuma um Estado historicamente dado, experiencial, mas uma projeção da ideia de Bem, erguido no centro desse ideal de Estado perfeito. O „diálogo‟ República mantém o tema central que Sócrates apresenta em outros „diálogos‟ que é a arete. Inicialmente, não apresenta algo sobre o Estado, como é do estilo de Sócrates. Aprofunda pelo diálogo, realizando o exame de uma virtude concreta que na sua interpretação resume todas as demais virtudes – a justiça. O conceito de justiça está acima das normas humanas e tem sua origem na própria alma. Aquilo que o filósofo apresenta como sendo justo, só encontra o seu fundamento na íntima natureza da alma. Nesse „diálogo‟, Sócrates retoma o debate com os sofistas sobre a questão a qual todos os governos concordam - o princípio de que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse próprio. O certo, contudo, é que há interpretações variadas para cada governo. A partir daí, distancia-se dos mesmos quando defendem a justiça como o equivalente à vantagem do mais forte, mostrando, inclusive, que a efetivação dessa compreensão só continuará a manter a guerra de interesses. Assim, Sócrates põe em relevo o desatino dessa possibilidade e faz ver a sua atitude em face do Estado. 79
A República ou Da Justiça é um dos „diálogos‟ mais lidos de Platão, tendo inspirado obras como De Civitate Dei (de Santo Agostinho) e todo humanismo do Renascimento, como Thomas More, Grotius e os teóricos do direito natural. O humanismo francês foi considerado obra autografada da obra de Platão. A partir de uma discussão preliminar sobre a justiça com sofistas na casa de Polemarco e Lísias, Sócrates passa a dedicar-se nesse diálogo ao tema com Glauco e Adimanto, irmãos de Platão. O „diálogo‟ tem dimensão pedagógica, enquanto que a justiça vai tomando aspecto social em um projeto de cidade de homens justos, governada com justiça. Os governantes são pastores e guardiões mas devem garantir a educação do cidadão justo, por intermédio da educação. A educação tem papel na formação inicial desse cidadão e depois de sua constituição quando deve proporcionar essa formação necessária como também a sua felicidade. Nos livros 2 e 3, debate a música e a poesia; nos livros 5 a 7, destaca o valor das ciências abstratas e também a educação dos governantes da República; nos livros 8 e 9, investiga as formas de governo expressas em diversas atitudes e formas da alma, destacando o tema da justiça fazendo surgir, ainda, a ciência comparada do Estado e no último livro (são 10 livros), é narrado o mito de Er de Panfília, algo semelhante ao juízo final, consistindo no julgamento das almas após a passagem por várias vidas.
193 ... - (Sócrates) Então, Polemarco, fazer mal não é a ação do homem justo, quer seja a um amigo, quer a qualquer outra pessoa, mas, pelo contrário, é a ação de um homem injusto. - Parece-me inteiramente verdade o que dizes, Sócrates. - Portanto, se alguém disser que a justiça consiste em restituir a cada um aquilo que lhe é devido, e com isso quiser significar que o homem justo deve fazer mal aos inimigos, e bem aos amigos, quem assim falar não é sábio, porquanto não disse a verdade. Portanto, em caso algum nos pareceu que fosse justo fazer mal a alguém. -
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Concordo – disse ele. Logo, prossegui eu – lutaremos em conjunto tu e eu, se alguém pretender que tal afirmação foi feita por Simônides, Bias ou Pítaco ou qualquer outro dos bem-aventurados sábios. E eu estou pronto a tomar parte na luta (Rep,335a-e).
Sócrates demonstra a Polemarco que ser justo não é fazer bem aos amigos e mal aos inimigos, como fora apresentado por outros „sábios‟ sofistas, como o belicoso Trasímaco. Justiça, independentemente de sua utilidade social e mesmo do consenso dos cidadãos, é um bem, destacando, nesse „diálogo‟, a forma positiva de exposição do sistema pedagógico platônico. Um diálogo que continua: ... - (Sócrates) Ao passo que o justo não quererá exceder o que lhe é semelhante, mas sim o seu contrário? -
Sim. Logo, o justo assemelha-se ao homem sábio e bom, e o injusto, ao mau e ignorante? É provável. Mas nós concordamos que cada um deles tem as qualidades daquele a quem se assemelha. Concordamos, é verdade. Logo, o justo revela-se-nos como bom e sábio, e o injusto, como ignorante e mau (Rep, 350a-e). ...
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-
(Sócrates) Formular-te-ei, portanto, exatamente a mesma pergunta de há pouco, a fim de levarmos metodicamente ao fim a argumentação: que é a justiça em relação à injustiça. Disse-se a certa altura que a injustiça era mais poderosa e mais forte do que a justiça. Agora – prossegui – se, na verdade a justiça é sabedoria e virtude, julgo que facilmente se demonstrará que é mais forte do que a injustiça, uma vez que a injustiça é ignorância, ninguém deixaria de o reconhecer. Mas não é assim tão simplesmente, Trasímaco, que eu desejo resolver o caso, mas antes examiná-lo por outro lado. Concordarias que seria injusto para um Estado tentar submeter injustamente outros Estados e reduzi-los à escravatura, ou ter diversos, sujeitos ao seu império? Como não? E isso é o que fará, acima de todos, o melhor dos Estados e o mais perfeitamente injusto.
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Compreendo que era esse o teu argumento. Mas relativamente a ele, só quero examinar este ponto: um Estado que se apodera de outro exercerá a sua dominação sem a justiça, ou será forçado a usar dela? (Rep, 351a-e).
Com a concordância de Trasímaco, mesmo a contra-gosto, afirma-se que a justiça é virtude e sabedoria, e a injustiça maldade e ignorância. Tomando como meio para um determinado fim, Platão trata o tema em íntima conexão com o Estado, mas também com a alma do Homem. O seu fim é destacar que a essência e a função da justiça terá sentido na alma humana, considerando que a justiça se faz presente na alma do indivíduo como também no conjunto do Estado, tendo para ele, Estado e alma a mesma essência e estrutura. Para Sócrates, a justiça é tida como um bem. Ser vítima da injustiça é um grande mal, contudo, mal ainda maior é cometê-la. Ele situa a gênese e a essência de um homem justo quando este procura evitar dois extremos. O primeiro é proclamar-se bom e perfeito. O segundo é capitular pela falsa impossibilidade de praticar atos de justiça. Platão passa a tratar, em seguida, da educação, da paideia dos guardiões, defendendo a importância dela. Desenvolve de forma mais extensa a educação das mulheres e do governante do Estado perfeito. Para os guardiões, reserva a orientação de que é importante que a educação seja melhor do que a encontrada nos anos anteriores. Irá defender uma educação que contemple a ginástica para o corpo e a música para a alma. Ora, essa educação adviria pelo Estado ideal. Este é um momento de profunda mudança e com alcance histórico considerável. Estabelece-se o Estado como responsável pela organização do sistema educativo, externando o lado autoritário do próprio Estado, que nem mesmo Atenas mantinha uma educação com tal dimensão, mas apenas Esparta, em um determinado momento. Tanto Platão como Aristóteles, preconizando uma educação estatal, sofriam a influência do modelo espartano. Uma atitude que teve profunda repercussão em toda a história da educação no ocidente. Tanto educação como nutrição, que tiveram, em algum momento, significados quase idênticos, em Platão devem ser efetivadas pelo Estado, em especial a educação. Com isto passa a direcionar o Homem para a comunidade política. Tem clareza do impedimento do crescimento humano de forma isolada mas inserido em um ambiente adequado ao seu ser e destino. Desde a mais tenra idade, é necessário que se respire nesse ambiente propício para o cultivo do alimento espiritual da cultura pela música, como também, as demais profissões. ... - (Sócrates) Não é então por este motivo, Glauco, que a educação pela música é capital, porque o ritmo e a harmonia penetram mais fundo na alma e afetamna mais fortemente, trazendo consigo a perfeição, e tornando aquela perfeita, se se tiver sido educado? E, quando não, o contrário? E porque aquele que foi educado nela, como devia, sentiria mais agudamente as omissões e imperfeições no trabalho ou na conformação natural, e, suportando-as mal, e com razão, honraria as alimentaria e tornar-se-ia um homem perfeito: ao passo que as coisas feias, com razão as censuraria e odiaria desde a infância, antes de ser capaz de raciocinar, e, quando chegasse à idade da razão, haveria de saudá-la e reconhecê-la pela sua afinidade com ela, sobretudo por ter sido assim educado (Rep, 401 a-e). Também a ginástica é exigência na paideia platônica. Assim como a música, que deve acabar no amor do belo, pela ginástica se encontra o corpo perfeito, apesar de não ser pelo corpo perfeito que se tem uma alma boa. ...- (Sócrates) Depois da música, é na ginástica que se devem educar os jovens. -
Sem dúvida.
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Devem pois ser educados nela cuidadosamente desde crianças, e pela vida fora. Será mais ou menos assim, segundo penso. Examina tu também. A mim não me parece ser o corpo, por perfeito que seja, que, pela sua excelência, torne a alma boa, mas, pelo contrário, a alma boa, pela sua excelência, permite ao corpo ser melhor possível (Rep, 403 a – e).
Sem enaltecer como finalidade da ginástica o desenvolvimento da força física de um atleta, o que se busca é o crescimento da coragem do guerreiro. Platão continua pretendendo mostrar como se dará a educação num Estado justo. Dialogando, investiga um guia para o Estado que terá a arte de bem administrá-lo, isto é, a arte dos melhores guardiões, os mais aptos para guardarem a cidade. Mas, o Estado precisa conter um elemento que continue a viver e agir conforme o espírito de seu fundador, conduzindo para a questão central do „diálogo‟: a da educação dos educadores. Este está resolvido pelo governo dos filósofos. Guardiões com a melhor educação e que possuam o maior grau das qualidades de sabedoria prática, de talento e de preocupação com o bem comum. Estes, por sua vez, expressarão o produto máximo da educação, tendo como conseqüência o papel de serem os educadores supremos das cidades. A vida de um governante estará caracterizada pela sobriedade, severidade e pobreza. Situar-se-á, exclusivamente, no âmbito do público, sem direito nem mesmo a refeições ou a uma casa própria às expensas do Estado. O governante estará privado de qualquer tipo de propriedade, a não ser aquela que atenda as suas próprias necessidades. A sua vida será pública e mesmo as suas refeições serão em comunidades. A educação se afirma como um centro para a existência própria do Estado. Só o seu desenvolvimento gerará homens excelentes. Contudo, se há um Estado ideal ele, em si mesmo, é completo, descaracterizando qualquer tipo de mudança. Seu progresso será expresso, unicamente, pelo desejo de sua conservação. O homem justo e a cidade justa são, profundamente, semelhantes. Atingido esse ideal, Platão identifica a estrutura do Estado com a da educação. A realização do Estado estará, assim, condicionada à própria realização da verdadeira justiça. Uma preocupação platônica é a educação da mulher e da criança. Admitia a reação do povo quanto à perspectiva revolucionária para a educação das mulheres e das crianças. Estas não poderiam ser educadas pela violência, mas pelas brincadeiras, a fim de descobrirem as variadas tendências naturais de cada uma. Dialogando, mostra que às mulheres precisam ser ensinadas as mesmas artes dos homens ao se exigir o cumprimento das mesmas tarefas. Sendo as mulheres úteis para os mesmos serviços que os homens, então, estas precisam adquirir as mesmas instruções. Se os homens foram preparados para a música e para a ginástica, também assim, seriam as mulheres. “Portanto, teremos de ministrar às mulheres estas duas artes, e também a da guerra, e de nos servir disso para os mesmos propósitos” (Rep, 452a-e). E mesmo admitindo que nas mais variadas tarefas um sexo supera o outro, há mulheres, também, que são melhores que os homens em numerosas tarefas. Passa, então, a admitir que: (Sócrates) Logo, não há na administração da cidade nenhuma ocupação, meu amigo, própria da mulher, enquanto mulher, nem do homem, enquanto homem, mas as qualidades naturais estão distribuídas de modo semelhante em ambos os seres, e a mulher participa de todas as atividades, de acordo com a natureza, e o homem também, conquanto em todas elas a mulher seja mais débil do que o homem (Rep, 455a-e). Mesmo que possa admitir as diferenciadas formas de participação social das mulheres, mostra que há aquelas que são dotadas para o saber e outras que o detestam. Há mulheres capazes do exercício físico e da milícia, e outras incapazes da luta e, assim, não gostam de
196 ginástica. Nem todos os homens e mulheres devem ser, necessariamente, guardiões ou guardiãs. Todavia, a guarda da cidade não pode ser tarefa reservada apenas ao homem. ... - (Glauco) Exatamente. - (Sócrates) Demos, por conseguinte, uma volta que nos trouxe aonosso ponto de partida e concordamos em que não é contra a natureza atribuir o aprendizado da música e da ginástica às mulheres dos guardiões. ... - (Sócrates) A educação para a mulher, para ser guardiã, não será uma para preparar os homens, e outra para as mulheres, sobretudo porque toma a seu cargo uma natureza idêntica (Rep, 456 a-e). Para Platão, este programa de educação para a mulher é perfeitamente aplicável como também é muito conveniente, pois este processo educativo fortalece o Estado, dando-lhe mais unidade. Uma unidade advinda do estabelecimento de uma só cultura para o homem e para a mulher, reafirmando a superioridade dos que irão governar em relação aos demais. A educação da criança estaria entregue à cidade e seria educada coletivamente e o Estado atenderia às exigências da educação. As mães não teriam acesso direto à educação das crianças e não desenvolveriam o sentimento maternal, considerando a perspectiva coletivizada do seu Estado ideal. Este ideal estava na perspectiva da união das pessoas não pela solidariedade familiar, mas, pensava em uma família como se fora o próprio Estado. A alegria e as dores de cada um seriam as alegrias e as dores de todos, compreendendo que assim se estabeleceria o melhor Estado. A educação tem um papel fundamental na organização do Estado platônico, vinculandoa à alma e ao Bem. Tem-na como um órgão presente na alma pelo qual se aprende. ... - (Sócrates) ... como um olho que não fosse possível voltar das trevas para a luz, senão juntamente com todo o corpo, do mesmo modo esse órgão deve ser desviado, juntamente com a alma toda, das coisas que se alteram, até ser capaz de suportar a contemplação do Ser e da parte mais brilhante do Ser. A isso chamamos o bem. Ou não? -
(Glauco). Chamamos. A educação seria, por conseguinte, a arte desse desejo, a maneira mais fácil e mais eficaz de fazer dar a volta a esse órgão, não a de o fazer obter a visão, pois já a tem, mas, uma vez que ele não está na posição correta e não olha para onde deve, dar-lhe os meios para isso (Rep. 518 a-e).
Ora, se a Paideia grega, anteriormente, se assentava nos conceitos de paradigma e mimesis, isto é, modelo e imitação, na paideia socrática haverá uma nova etapa dentro dessas mesmas perspectivas. Na busca da definição de paradigmas faz brotar os seus novos tipos ideais, voltados às atitudes, às formas morais de vida e à personificação à base desses tipos. É sobre este fundo que será plantado o projeto de Estado ideal ou de “homem verdadeiramente justo”. Modelos que estarão concretizados à medida que são imitados. Para resolver-se o problema de formação do homem grego, Platão não vê esta solução se não ao coincidir o poder político com o espírito filosófico. Daí seriam resolvidos os males da sociedade presente. Cria-se, assim, a sua tese de que não acabará a miséria política do mundo enquanto os filósofos não detiverem o poder político, sendo capazes de governarem o Estado por ele idealizado. Os filósofos deveriam tornar-se reis ou os reis resolverem as questões do Estado de forma filosófica.
197 Do ponto de vista da educação, Platão apresenta condições de vitória em relação a toda a tradição de uma paideia poética, baseada nos traços e marcas dos poetas gregos, com a sua paideia filosófica ao apresentar a construção de um novo ideal de Homem.
O conhecimento Uma das imagens utilizadas por Platão na sua procura ao conhecimento80 está na imagem da caverna81, expressando uma imagem da paideia. Pessoas nas condições de prisioneiras pensariam que a realidade que está sendo apresentada, não passa de sombra dos objetos. Platão analisa a situação de libertos da caverna e curados de sua ignorância, ao terem contatos com a natureza e as coisas que se passavam em torno dos mesmos. ... (Sócrates) Logo que alguém soltasse um deles, e o forçar-se a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objetos cujas sombras via outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém lhe afirmasse que até então ele só vira coisas vãs, ao passo que agora estava mais perto da realidade e via de verdade, voltado para objetos mais reais? E se ainda, mostrando-lhe cada um desses objetos que passavam, o forçassem com perguntas a dizer o que era? Não te parece que ele se veria em dificuldades e suporia que os objetos vistos outrora eram mais reais do que os que agora lhe mostravam? (Rep, 515 a-e). Quase nada interessaria obrigar-lhes a olhar a luz, sendo natural a sua rejeição. Seus olhos não a tolerariam. Os objetos de anterior conhecimento continuariam sendo mais verdadeiros que os propriamente reais. Ao chegarem à luz, não poderiam ver nada daquilo que seria, agora, os verdadeiros objetos. Estariam mais propensos, primeiro, a habituar-se para depois querer ver o mundo superior. O seu olhar estaria mais voltado às sombras e aos seus reflexos. “A partir de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das estrelas e da Lua, mais facilmente do que se fosse o Sol e o seu brilho de dia” (Rep, 516 a-e). Torna evidente, com esse movimento, que seria possível não só olhar o Sol, como ainda, contemplá-lo. Os objetos estariam em seus devidos lugares. Saberia, a partir daí, diferenciar as estações e anos e, enfim, tudo aquilo que dirige o mundo e não apenas o seu arremedo. Caso voltassem à escuridão da caverna, passariam, de novo, a ter os olhos cheios de trevas. A sua chegada, todavia, seria vista com desdém pelos prisioneiros e tratados com desprezo. Para estes, a subida à Luz, lhes havia prejudicado a visão. 80
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No livro Teeteto ou da Ciência, a discussão sobre o conhecimento é desenvolvida com destaque para a definição de Ciência, entre o jovem Teeteto, discípulo do geômetra Teodoro de Cirene, e Sócrates. A ciência é apresentada, neste diálogo, em três definições. A primeira define ciência (conhecimento) como uma percepção (Tee,150d/187e). Na segunda definição, ciência é opinião verdadeira, (Tee, 186a/200c). A terceira consiste em afirmar que a ciência é opinião verdadeira acompanhada por uma explicação, logos (200c/210d). O diálogo conclui pela não aceitação de qualquer definição apresentada, se constituindo em um diálogo aporético. Ver: Teeteto, o de la ciencia. Obras Completas. Pp 885- 941.
No livro VII da República, Platão apresenta uma situação de pessoas prisioneiras que viveram todo tempo em uma caverna, sem o contato com a luz, apenas com sombras, ouvindo vozes que só levavam a crer que, mesmo sendo vozes de sombras, passariam, pelas condições de prisioneiros, a imaginar que seriam expressões da realidade. Um dos prisioneiros que se liberta enquanto busca uma saída para a luz, expressão de um movimento em ascendência (dialética ascendente), mas que após o encontro com a luz, conhecimento da realidade mesma – um movimento dialético de ascese, volta às sombras (dialética descendente) a enfrentar as dificuldades dos que estão naquela situação a aceitarem o conhecimento desvelado. É conhecido, também como o „mito da caverna‟ que bem ilustra o movimento dialético de busca de conhecimento, na perspectiva platônica.
198 A interpretação dessas imagens é dada como sendo a alegoria do Sol e a proporção matemática do Ser. A caverna traduz o mundo visível, sendo invadida pela luz do Sol. A ascensão pela busca do Sol é o movimento para o alto, simbolizando o caminho da alma para o mundo inteligível. Pode-se ver, em Platão, a passagem da alma, da contemplação do mundo superior a outro mundo ou a passagem para uma outra vida.
O conhecimento do verdadeiro Ser representa ainda a passagem do temporal ao eterno. A última coisa que na região do conhecimento puro a alma aprende a ver, “com esforço”, é a ideia do Bem. Mas, uma vez que aprende a vê-la, tem necessariamente de chegar à conclusão de que esta ideia é a causa de tudo o que no mundo existe de belo e de justo, e de que forçosamente deve tê-la contemplado quem quiser agir racionalmente tanto na vida privada como na pública (Jaeger, 1994: 885). Pode-se ver que a paideia se constitui, em Platão, sob o ponto de vista do Homem, como um movimento de purificação da alma que se prepara para a contemplação do Ser supremo. Pelo diálogo, vai expondo toda a sua trajetória metódica, pelo ensino da matemática e da dialética. Um caminho para a procura do Bem que tem na cultura filosófica a expressão maior de cultura e de virtude, pois representa o mais alto grau do Ser. ... (Sócrates) Ora bem. O método da dialética é o único que procede, por meio da destruição das hipóteses, a caminho do autêntico princípio, a fim de tornar seguros os seus resultados, e que realmente arrasta aos poucos os olhos da alma da espécie de lodo bárbaro em que está atolada e eleva-os às alturas, utilizando como auxiliares para ajudar a conduzi-los as artes que analisamos (Rep, 533 ae). .... Acaso também chamas dialético aquele que apreende a essência de cada coisa? E aquele que não a possui, negarás que quanto menos for capaz de prestar contas dela a si mesmo ou aos outros, tanto menos terá o entendimento dessa coisa? (Rep, 534 a-e). Platão, insistindo na essência das coisas, trará para a educação o conhecimento de Deus (visto como o Bem), plantando os fundamentos da teologia como estudo das questões supremas pela inteligência filosófica. Esta é uma criação da audácia do espírito grego. Este se debate contra a tradição helênica da impossibilidade do humano de se chegar ao conhecimento dessas coisas elevadas – a ideia de Bem – apresentado como expressão da ausência da inveja. Mas a chegada ao conhecimento, como o exposto, passa pela organização de um sistema de educação que vai da fase de criança até idade elevada. A formação dos estudos do filósofo para exercer as funções de guardiões do Estado, o rei filósofo ou o filósofo que assume as atividades de governante. O processo educativo deveria voltar-se inteiramente àquilo que constituiria o caminho para o ápice do saber – a dialética. Para se chegar até a esse máximo, urge a definição daqueles em condições para exercerem tal ofício. Terão prioridade os mais firmes, os mais corajosos e, até onde possível, os mais formosos. Acompanhados com os possuidores dessas qualidades, adicionavam-se aqueles de caráter nobre e másculo. Complementava-se com as qualidades da cultura do espírito: a argúcia, a facilidade de compreensão, a memória e a tenacidade. Todas expressavam qualidades fundamentais para que pudessem evitar os cansaços espirituais. Precisam ser homens que detestem a mentira, aguentando com tranquilidade as falsidades inconscientes e involuntárias. Dos governantes serão exigidos corpos sãos e no mesmo nível suas almas. Este é um conjunto de ideias muito
199 novas para aquele tempo. Opunham-se à fé cega estabelecida ao senso comum, uma aprendizagem limitada apenas a partir do trabalho cotidiano. A escola platônica exigia também a associação com a prática. Ora, essa formação exigirá preparo sistemático desde a tenra idade. No Estado ideal, há lugar para honrarias àqueles que se portassem com a máxima retidão. Estes estariam vislumbrando o mais alto dos bens, a justiça, no sentido de fazer crescer a cidade, tendo no diálogo82 o procedimento da democracia. Defende Platão, que:
... - (Sócrates) Todos aqueles que tenham ultrapassado os dez anos, na cidade, a esses mandá-los-ão todos para os campos; tomarão conta dos filhos deles, levando-os para longe dos costumes atuais, que os pais também têm, criá-los-ão segundo a sua maneira de ser e as suas leis, que são as que já analisamos. E assim, da maneira mais rápida e mais simples, se estabelecerá o Estado e a constituição que dizíamos, fazendo com que ele seja feliz e que o povo em que se encontrar valha muito mais (Rep, 541 a-e). Tem-se aqui a necessidade de que o Estado passe a realizar a educação da criança. Parte-se para o deslocamento da cidade para o campo, enquanto este Estado assume a educação das mesmas com a finalidade de superarem os costumes dominantes e serem criados e orientados por essas novas leis. Vai definindo um viver humano voltado para a felicidade, diante de um povo também transformado, valendo „muito mais‟. A escatologia Essa busca pela felicidade conduziu a uma educação pela filosofia, tornando-se a verdadeira educação. Não apareceu outro caminho para se atingir a meta da felicidade como expressão de um Estado fundado na própria alma, sendo o único objetivo proposto. Educação que tem no diálogo a veiculação principal de suas possibilidades. Ao que parece, no desenvolvimento de seus „diálogos‟, o propósito último seria um “Estado perfeito”, governado por poucos, tendo a ética e a educação sujeitadas aos seus fins. Todavia, o que se vê é a edificação da política sobre o fundamento da ética. Dois aspectos são definidores desse trajeto filosófico; um é a perspectiva de que a educação ética do homem parte da renovação política e o outro é que a conduta moral, tanto para o Estado como para a comunidade, vale também para o indivíduo. “Para Platão, o Estado significa apenas o círculo de vida ideal onde a personalidade humana se pode desenvolver livremente, de acordo com a lei moral que lhe é inata, e desse modo realizar ao mesmo tempo dentro de si própria a finalidade do Estado” (Jaeger, 1994: 989). Mas isto não seria possível em nenhum dos estados existentes, considerando a presença de conflitos entre o espírito do Estado e o ethos humano. A alma do homem contém em si mesma o “Estado perfeito”, esforçando para viver segundo ele - a perspectiva do justo. Ora, o Estado platônico está, assim, submetido à formação da personalidade moral e espiritual. A felicidade proposta, em que tudo tende para essa perspectiva, não se pauta por critérios individualistas. Os seus critérios estão voltados à saúde da alma, e isto é a justiça. ... - (Sócrates) Porém, volvendo o olhar para o seu governo, e precavendo-se contra qualquer alteração em si, devida ao excesso de fortuna ou à escassez da mesma, seguindo essa orientação, aumentará e gastará os seus bens, de acordo com a sua capacidade.
82
Mesmo que na democracia platônica o pressuposto do diálogo está presente, isto contudo, não se confunde com a tolerância política (escutar sem repressão) de se chegar, após um diálogo, à conclusão de que: isto que dizes não passa de tua opinião, contudo, a minha é esta. O educador, Estado ideal, admite as tantas possibilidades de vários tipos, mas cada um toma o que está mais de acordo com os seus gostos particulares.
200 - (Glauco) Perfeitamente. - Agora, quanto às honrarias, tendo em vista os mesmos princípios, receberá e saboreará de bom grado umas, aquelas que entender que o tornam melhor; mas das que tiverem um efeito dissolvente sobre o estado da sua alma, fugirá delas em particular e em público (Rep, 591 e; 592 a-b).
Mas, como seria julgado essa atitude de ser justo? Platão cria o tribunal do Hades, sem contudo, apresentar qualquer procedimento tanto para o julgamento por este juiz como a consequente pena. Está garantido, por este tribunal, a sorte ao bem- aventurado e ao injusto. A este reserva-se o caminho da dor. Sendo o número de almas limitadas para esse além, caberá às mesmas, após um certo tempo, o retorno à terra, iniciando uma outra experiência. ... – (Sócrates) Serão assim os prêmios, recompensas e dádivas que o justo recebe, em vida, dos deuses e dos homens, além daqueles bens que a própria justiça lhe proporciona. - (Glauco) E são bens formosos e sólidos. - Ora esses nada são, em número nem em grandeza, em comparação com os que aguardam cada um deles depois da morte. É isso que é preciso escutar, para que cada um receba exatamente aquilo que, por força da argumentação, lhe é devido (Rep, 614 e). Platão está se referindo à sua teoria de transmigração da alma, tradição órfica83, onde externa, em maior profundidade, a responsabilidade moral do Homem, o ideal de vida e o pressuposto de toda a sua ação educativa. Um ideal a realizar-se em um outro mundo, numa outra vida.
Uma síntese Como foi dado a conhecer, Platão tem claro que a estrutura interna do pensamento é dialógica. Passa a ver o pensar como um discurso desenvolvido pela alma ao analisar as coisas em exame. O pensamento, o discurso ou a razão se tornam a mesma coisa, expressos por um diálogo silencioso da alma, exigindo a possibilidade de transição da esfera da subjetividade para a da intersubjetividade. Esta possibilidade se concretiza a partir deste mesmo diálogo da alma com ela própria. O diálogo, se expressando como um agir (dialégesthai) que acontece internamente no pensar. Assim, passa a oferecer as condições de realização de si com o outro, estando incluído na ação concreta do falar. Do ponto de vista hermenêutico, a partir dessa forma literária do diálogo, há uma necessidade de conexão do escrito com o oral. No oral, está presente o contexto e este contém o outro em condição de ouvir, passando a existir uma relação intersubjetiva, estabelecendo uma ética do ouvir. Expressa-se, dessa maneira, uma unidade na obra platônica ao tematizar o diálogo que é concreto e um processo intersubjetivo. Este processo, de forma dialética, significa que o eu remete-se ao outro, e ao se remeter ao outro, volta-se a si mesmo.
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Seita filosófico-religiosa difundida na Grécia, a partir do séc. VI a. C, fundada por Orfeu. Para os seus seguidores, a vida terrena se limitava a preparação para uma vida mais elevada, adquirida por meio de ritos e cerimônias de purificação.
201 Há um diálogo interior, aquele que a alma realiza em si mesma, e um diálogo exterior, em relação ao outro, que são dimensões de um mesmo processo, isto é, o caminho da ascensão da alma em direção ao mundo das Ideias. A ação pelo diálogo exterior abre a perspectiva de surpreender-se de forma dupla, em relação a si e ao outro, enquanto se pergunta ou se responde. Este processo dialógico abre a condição de tornar possível a aprendizagem consigo mesmo através do outro (a maiêutica). Isto também põe em exame a formulação de que “sei que nada sei”, abrindo a condição de se estabelecer como um princípio ético, implicando em uma postura de ouvir. Mas, este pode se apresentar como um princípio epistêmico, enquanto uma ascensão dialógica ao mundo das Ideias. Esta é uma forma de ver essa ascensão com o outro. Abre-se um caminho dialético que se realiza pelo diálogo em direção à verdade. Promove, dessa forma, uma visão do outro não mais como uma sombra do não conhecimento. Considerando a estrutura interna do pensamento como sendo dialógica, esta visão supera a perspectiva da linguagem, entre os sofistas, como um instrumento principal da política. Esta visão reduz a dialética a apenas uma simples forma retórica. Passa a não admitir a validação do argumento do outro pelo diálogo e inviabiliza esta „melhor‟ solução política. Mas, em Platão, a relação dialógica é uma relação intersubjetiva do pensamento e tem como base a dialética. Assim, é que se estabelece o diálogo como a base dos alicerces da razão política. Pode-se interpretar a filosofia de Platão como um „iluminismo ético‟ e, portanto, denunciadora ao considerar uma autoconsciência marcada pelo conflito da ideia de autonomia do sujeito e uma ética do discurso, apoiada no diálogo pela dialética. E esta é uma ética que tem seus fundamentos em princípios da ação comunicativa - da intersubjetividade. Contudo, esta nova época de um reino da intersubjetividade, pautada, agora, em bases ao idealismo alemão, será realizado por Habermas, em sua teoria do agir comunicativo.
Jürgen Habermas Estabelecendo um novo reino da intersubjetividade, Habermas84elabora a teoria do agir comunicativo, mantendo em pauta a discussão entre atores diferentes, tendo o diálogo presente nesta teoria de comunicação. Um pensador que está vinculado ao que se denominou Escola de Frankfurt que tem, como eixos teóricos85 centrais, a dialética da razão iluminista e a crítica da ciência86, a cultura e a discussão da indústria cultural, além da discussão sobre o Estado, em particular, as suas formas de legitimação. Ao fazer parte do que se denominou de segunda geração da Escola, Habermas desenvolve sua obra na perspectiva já iniciada por pensadores como Horkheimer, Adorno, Marcuse, Benjamin e outros. Expressa uma tentativa de atualização do marxismo, buscando dar conta de análises sobre a sociedade do capitalismo avançado. Ao promover o avanço da análise crítica, manterá a Razão como objeto principal do seu pensar filosófico. Continuará a crítica em relação à Razão iluminista, mostrando-a em sua dupla dimensão: técnica e emancipatória. A partir desta perspectiva, irá direcionar a crítica para a sociedade em seu estágio atual, em particular para um tipo de razão predominante que é a razão técnica. Para ele, houve uma redução da dimensão da Razão ao ser dominada pela razão técnica ou razão instrumental. Pela técnica, esta forma de expressão da Razão cresceu, de tal maneira, 84
Jürgen Habermas, filósofo alemão, tido por muitos como o filósofo do „consenso‟, termo que não traduz qualquer atitude de conformação ao status quo, mas que, em uma sociedade ideal de falantes, se apresenta como em condição de se mostrar e mensurar a possibilidade de que os atos de fala sejam atos de entendimento (filosófico) antes de se concretizarem como atos de poder.
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Não é de aceite total, entre os estudiosos, que os pensadores tidos como da Escola de Frankfurt, através de suas teses, teorias e textos constituam uma „teoria crítica‟. Tão pouco há acordo quanto à presença de Habermas, Benjamin e Marcuse em uma mesma Escola de pensamento.
86
Este é o eixo enfocado nesta parte do trabalho.
202 que se tornou prisão para a própria sociedade, além de expressar um controle totalitário sobre a natureza. A manutenção do debate e da possibilidade de avanços sociais, além de seu otimismo para com a humanidade fazem Habermas encontrar na linguagem as condições para tal exercício, formulando uma teoria da intersubjetividade ou da ação comunicativa. Horkheimer87 havia manifestado que a teoria tradicional (conservadora), denominada de positivista, tem suas limitações ao resumir o trabalho teórico à submissão aos princípios lógicos da não contradição e ao procedimento dedutivo e indutivo do pensamento. Manifesta sua crítica ao marxismo, ao observar que teses fundamentais desta teoria não aconteceram como a da proletarização progressiva da sociedade com o avanço do capitalismo, as crises cíclicas do capitalismo e a esperança da realização da justiça e liberdade que se tornou uma ilusão. É marcante o debate, em um segundo momento da Escola, entre Adorno e Popper88, um representante do positivismo, do Círculo de Viena89. A discussão sobre a lógica das ciências sociais irá mostrar duas posições distintas. Com Adorno, a dialética ou a própria crítica adquire a dimensão negativa90, tornando-a seu constituinte. Neste pensador, a crítica-dialética nega à Razão a competência de se pensar a si mesma. Por sua vez, mostra que a dialética e a teoria crítica têm dimensões materiais e existenciais. Para Adorno, o trabalho teórico é um trabalho emancipador que está preso a um juízo existencial, libertador da ignorância e da inconsciência. Contesta, assim, o privilégio do método (Popper) para se chegar à verdade e à objetividade. Essa teoria faz ver, que as teses do positivismo estão em torno do objeto de conhecimento, dimensionado ao aceite de teses como o reconhecimento daquilo que já conhecemos e de que a nossa ignorância é ilimitada. Além do mais, a teoria é um sistema de sentenças e hipóteses gerais que buscam a integração dos casos particulares. Como conclusão, um fato das ciências sociais precisa ser analisado, simplesmente, pela lógica formal e pela lógica situacional. Habermas está situado em um terceiro momento desse debate, presentes Luhmann e 91 Parsons , que defendem uma razão sistêmica, geradora de uma teoria da sociedade ou de uma tecnologia social. Neste debate, Habermas busca a superação do pessimismo em relação à Razão, estabelecido por membros da Escola, tentando uma síntese das formulações de Luhmman com as críticas anteriores, elaborando uma teoria da ação comunicativa, permeada pelo diálogo. As críticas habermasianas se voltam à objetividade e à verdade do conhecimento, indicando que a razão instrumental positivista reduz o conceito de Razão a procedimentos metódicos e lógico-formais. Também, a razão positivista não é aplicada à moral e à prática, aspectos presentes na razão dialógica/comunicativa. A crítica ao sistema cibernético de Luhmman e Parsons continua, considerando-o fechado e sem condição de ser aplicado à análise da sociedade ou ao sistema sócio-cultural que é um sistema aberto. No sistema cibernético, para Habermas, não há distinção entre a realidade e a sua interpretação. Este sistema tem dificuldade de captar as funções de permanência do sistema social, restringindo a sua complexidade pelo aprisionamento, enquanto que reduz a realidade a 87
Ver o artigo, Teoria tradicional e teoria crítica, escrito em 1937 e incluído na coleção “Os pensadores” em seu volume 48.
88
Popper, Karl. Influente filósofo da ciência contemporânea. Nasceu e estudou em Viena, sendo influenciado pelo Círculo de Viena. Sua principal contribuição à lógica e à metodologia da ciência é o princípio da verificabilidade. Em uma de suas obras principais, A sociedade aberta e seus inimigos, acusa o historicismo e o pensamento dialético de Hegel e Marx de precursores do totalitarismo.
89
Associação de lógicos e filósofos da ciência, fundada em 1920, tendo por objetivo a unificação do saber científico. Esta tarefa seria possível de realização, à medida que fossem eliminados os conceitos vazios de sentido e os pseudoproblemas da metafísica. O critério a ser utilizado seria o da verificabilidade que distingue a ciência da metafísica. Rudolf Carnap foi outro expoente deste grupo.
90
Ver livro, Negative Dialectics, em que a realidade se constitui em algo que necessita ser permanentemente negada, devido a sua alienação.
91
Luhmann, Nikolas (aluno de Parsons) são defensores da teoria sistêmica da sociedade. Expressa o contraponto no debate com Habermas: a razão sistêmica e a razão comunicativa.
203 uma visão probabilística. Há, desta forma, uma divergência central que está em torno do surgimento dos significados. Este só aparecerá pelo diálogo entre o ego e o alter, ao atribuir significados às coisas, às pessoas e relações que são, consensualmente, elaboradas e respeitadas. A síntese, buscada por Habermas, expressa a tentativa de substituir a filosofia da consciência, presente em Adorno e Horkheimer, por uma teoria da intersubjetividade comunicativa. Para Freitag (1988: 59), a teoria da ação comunicativa elabora: um novo conceito de razão, que nada tem em comum com a visão instrumental que a modernidade lhe conferiu, mas que também transcende a visão kantiana assimilada por Horkheimer e Adorno, isto é, de uma razão subjetiva, autônoma, capaz de conhecer o mundo e de dirigir o destino dos homens e da humanidade. A razão comunicativa implica em uma mudança de paradigma. Arrasta consigo a perspectiva de que a Razão só será plenamente exercitada pelo processo dialógico dos atores em uma situação dada. A Razão estará expressa pelas interações espontâneas das pessoas, sendo sustentada por um maior rigor no discurso. Não será a Razão, consequentemente, uma mera faculdade abstrata humana, e sim, procedimentos argumentativos quando os falantes se põem em acordo com a verdade, a justiça e a autenticidade. A razão comunicativa busca, em síntese, o consenso pelo diálogo. A verdade será, portanto, erigida pelos pares e, em forma dialógica, seguindo a lógica do melhor argumento. A razão comunicativa preserva a crítica anterior da Escola, presente em Horkheimer e Adorno, quando mantém a crítica à própria realidade e à rejeição dos falsos determinismos. Contudo, supera aquela tradição sem o pessimismo de Adorno e avança com a introdução da competência linguística e cognitiva dos atores, através do diálogo, superando a razão subjetiva, transcendental e inata de Kant92. Ela é transparência intersubjetiva. A razão comunicativa expressa a interseção do mundo objetivo das coisas, do mundo social das normas e do mundo subjetivo dos afetos. Assim, resgata o diálogo exigido na esfera social da cultura. Questiona valores e normas. Torna possível a reconquista do terreno da razão instrumental dominante, ao restabelecer a capacidade da ação comunicativa para todos. É a partir dos conceitos de razão comunicativa e de mundo da vida que Habermas aposta num processo educativo pela comunicação, tendo no diálogo a base que pode conduzir a um mundo melhor, em que as relações humanas e sociais sejam mais transparentes e menos violentadoras.
A razão comunicativa Habermas, além de manter a tradição crítica dos membros da Escola, debate com o pensamento de Weber e outros que não fizeram parte desse movimento teórico. De Weber vem a discussão sobre o conceito de racional, tendo como significado toda a ação referenciada em cálculos, com adequação de meios a um determinado fim. Busca-se, a obtenção de um máximo de benefícios com custos mínimos, procurando evitar ou minimizar efeitos indesejados. Essa concepção de racionalidade e de ação social permeia as análises a respeito das sociedades ocidentais, externando uma organização racional da vida cotidiana. Esta é a racionalidade instrumental que constituirá o mundo econômico, através de planos para a economia e gestão tecnoburocrata, determinada pela burocracia estatal. Esta razão, presente em Weber, será compreendida como a própria razão capitalista que tem a sua base no lucro e na exploração da mais-valia.
92
Ao estabelecer um paralelismo entre Kant e Habermas, Manfredo Araújo de Oliveira, em Dialética e hermenêutica em Jürgen Habermas, in Dialética Hoje, mostra referências de Habermas ao programa de análise transcendental do estilo de Kant. Enquanto Kant busca o conhecimento do objeto pela análise transcendental, em Habermas, através desta mesma análise, o entendimento entre os sujeitos.
204 Esta razão não se confinou, apenas, no Estado ou na economia mas na esfera política. No mundo da economia, estabeleceu-se para assegurar lucros e evitar riscos e, no campo político, ocupou o Estado e os aparelhos de repressão, assegurando aos políticos o cumprimento de suas ordens. A razão instrumental se apresenta fruto dessa combinação, marcada pelo domínio e instituindo a irracionalidade no organismo social. A proposta de Weber para a superação da razão instrumental é pelo aparecimento de grandes lideres – políticos carismáticos - ou empresários sem medo de correr risco, no campo econômico. Imagina, com isso, que esta combinação de razão pode produzir uma grande racionalidade nesta irracionalidade estabelecida. Com Marcuse (1968), todavia, será revelado, ainda mais, o atrofiamento da dimensão científica e existencial, pela razão instrumental, veiculada pela ciência e pela técnica. Destaca um processo de perda da crítica exercida ao status quo e à busca da emancipação humana do mundo de dimensões, exclusivamente, da necessidade. Tanto ciência como técnica estão submetidas ao valor de trocas, da produção de mercadorias, tendo perdido a dimensão de força produtiva. A dimensão da crítica de emancipação e negadora dessa situação está reduzida e desviada. Tem tornado-se o apoio para a legitimação do „progresso‟, um desejo de todos, e se modificado em força legitimadora do sistema capitalista. Para Marcuse, a ciência e a técnica transformaram-se em ideologia. Em Habermas, a ciência e a técnica definem a dominação econômica firmada com a política, no Estado moderno, enfatizando o compromisso dessa situação com as forças das classes dominantes. Defende a superação da sociedade moderna capitalista pela transformação radical da ciência e da técnica, sendo necessária a reformulação de seu conceito. Admite que ambas são responsáveis pelo bem estar e progresso para todos além de assumir um papel determinante na legitimação do moderno Estado capitalista. O sucesso dos seus feitos, sobretudo no campo da economia, legitima, em contrapartida, o poder das elites, sendo aceitas pelos dominados, em nome da competência técnica estabelecida, sem necessidade de qualquer tipo de justificação. Habermas entende que as ciências sociais assumem diversas perspectivas teóricas ao buscar o enfrentamento com os parâmetros postos pela ciência e técnica, caracterizando a razão instrumental. Presentes nas diferenças conceituais estão grandes conflitos que distinguem tanto as concepções de ciências, como também, os interesses desses conhecimentos. Então, a decisão importante tomada por Habermas (1997: 19-20) é assumir o sentido como um conceito fundamental ao desenvolver uma análise da Razão que conduza à perspectiva emancipatória. Por „sentido‟, entendo, paradigmaticamente, o significado de uma palavra ou uma oração. Parto do ponto de que não há intenções previas do falante; o sentido tem ou encontra sempre uma expressão simbólica; as intenções, para cobrar clareza, têm que poder adotar sempre uma forma simbólica e ser expressas ou manifestas. Este sentido só pode se manifestar ao adotar uma forma simbólica, isto é, como um enunciado de linguagem, como uma ação ou em forma de representação visual ou de qualquer outro tipo. Este sentido, em sendo aceito como uma característica do objeto em discussão, passa a definir uma realidade social como uma realidade da estrutura do sentido93. Dar sentido às coisas presentes no mundo, envolve a ação de possíveis realizações. Contudo, torna-se necessária a definição prévia de ação para diferenciá-la do que se denomina de comportamento. Este designa a atividade que qualquer organismo realiza para se adaptar ao seu entorno e reproduzir a sua vida. O material conduzido por certas espécies de animais, para promover o ambiente de reprodução de cada espécie, apresenta-se aos humanos como um exemplo de comportamento. De forma diferente, pode ser visto o trabalho realizado pelos humanos na construção de suas habitações. Este está cheio de sentidos. Esta atividade está orientada por normas ou por regras, regulada por tempo de trabalho, valor do trabalho e relações 93
Ver: Oliveira, Manfredo Araújo de. Dialética e hermenêutica e Jürgen Habermas. In: Dialética Hoje. Org. André Haguete ... ( et. al.). Petrópolis: Vozes, 1990. pp 81-116.
205 com o empregador, possuidora de significados intersubjetivamente reconhecidos. Não é estabelecida meramente pela repetição, de forma empírica, podendo ser ou não descoberta de forma indutiva. As regras só são possíveis de serem entendidas. Elas têm sentido. As regularidades no comportamento do animal podem ocorrer ou não. As regras, diferentemente, possuem um significado intersubjetivamente reconhecido. A atividade humana é uma ação. Em geral, pode-se afirmar que os comportamentos podem ser observados mas as ações só podem ser compreendidas, buscando-se o sentido das regras. A compreensão do sentido também pode ser apoiada por observações, mas não somente. As ações são, portanto, manifestações simbólicas. Pode ser, até, um comportamento dotado de sentido e é também orientado pelos sentidos que os agentes atribuem a suas ações. Uma ação só será apreendida se voltada a uma finalidade e aos valores que a orientam. O sentido, que lhe é atribuído pelo agente responsável pela ação, possibilita um acesso adequado a seu comportamento, orientado por uma determinada situação interpretada pelo próprio agente. Pela observação direta, torna-se impossível a sua captação pois precisa ser compreendida. A compreensão de uma ação só será na observação do processo que está sendo interpretado pelas normas existentes. Um aspecto a destacar na ação é que, muitas vezes, as normas estão ocultas aos agentes que as utilizam. Um sujeito da ação pode explicitar as normas que orientam sua ação. Assim, é possível explicitar se uma ação segue ou não uma norma. Um falante de uma língua qualquer pode não conhecer as normas gramaticais daquela língua, mas apresentar condições suficientes de distinção, se determinadas frases ou palavras têm algum significado. Isto contribuirá para a visão de Habermas voltada ao papel da filosofia quanto à sua pretensão de Razão. A filosofia perde o papel de ser juíza da cultura e da ciência, adquirindo um papel de guardiã da racionalidade, tornando-se intérprete e mediadora das culturas especializadas da ciência, da ética, do direito e da arte. Seu papel passa a ser o pensar a Razão que está corporificada no conhecimento, na linguagem e na ação. Entretanto, de forma enfática, passou a cuidar do tema da Razão corporificado na linguagem, dimensionado pelo interesse da emancipação. Para Habermas (1975: 299-300), “o interesse voltado à emancipação não é uma intuição vaga, pode ser reconhecido a priori. Distingue-se este interesse da natureza mediante um dado fatual, o único possível de conhecimento por sua própria natureza: a linguagem”. Desta forma, é que ao instituir a linguagem e não mais o conhecimento e a ação como guia para a reflexão sobre a Razão, antecipa uma estrutura teleológica e normativa com a possibilidade da existência de situações sem repressão, orientada para o entendimento (verständingung).
A guinada linguística Ocupado com o tema da Razão, voltado à dimensão de Linguagem, Habermas promove uma guinada, tida como linguística – guinada linguística. Rejeita, desta forma, a análise do conhecimento e da ação como os meios mais adequados para refletir a Razão, pois considera que esta análise só tem propiciado uma visão unilateral da Razão. Não considera que são aspectos meramente de fundo metodológico que o conduzem para essa nova reflexão, mas por conceber que uma análise linguística torna mais amplo um conceito de Razão. Entre essas duas possibilidades de reflexão há diferenças profundas, tanto de conteúdo como de método, além da própria dimensão da Razão. Para Habermas, essa reflexão gerada da atividade do sujeito cognoscente (conhecimento) e pelo agente (ação) é denominada de subjetiva e instrumental. Esta reflexão permanece presa à noção de subjetividade, bem como, ao domínio teórico ou prático dos objetos. Por outro lado, a Razão decorrente da análise de agente linguístico é intersubjetiva, pressupondo pelo menos a existência de dois participantes (os sujeitos), tendo como objetivo, pelo diálogo, o entendimento. Na promoção desse diálogo, o falante passa a buscar garantias de sua comunicação. Estas caracterizam a validez dos atos de fala ao fundar as relações intersubjetivas. Habermas (1997: 75-76) define as pretensões do falante, nestes atos de fala, assim apresentadas:
206 1) Inteligibilidade. O falante associa com cada manifestação efetiva a pretensão de que a expressão simbólica empregada na situação dada possa ser entendida. .... 2) Verdade. Constatações, afirmações, explicações, etc., implicam uma pretensão de verdade. Tal pretensão não tem razão de ser quando o estado de coisas afirmado não existe. ... 3) Veracidade e 4) Retidão. Todas as manifestações expressivas em sentido restrito (sentimentos, desejos, manifestações de vontade) implicam uma pretensão de veracidade. Esta resulta fora de lugar quando se comprova que o que o falante expressou não correspondente a suas intenções. Todas as manifestações normativamente orientadas (como os mandatos, os conselhos, as promessas, etc.), implicam uma pretensão de retidão.
Este uso da linguagem será chamado de comunicativa. Todavia, se as normas vigentes geradas dessas manifestações não podem ser justificadas, também não serão legítimas, nem terão valor dialógico intersubjetivo. Esta virada expressa a passagem do „paradigma da consciência‟, que se estrutura na relação do sujeito com o objeto, para o „paradigma da linguagem‟ definido na comunicação e na relação de diálogo entre dois ou mais indivíduos. Habermas, definitivamente, passa a se interessar pela utilização do uso de sentença com uma intenção comunicativa, exigindo outra virada para a continuação da perspectiva dialógica da comunicação que emancipa.
A guinada pragmática A perspectiva linguística da filosofia habermasiana não se centra na semântica da linguagem, a análise formal das frases, ou na sintática, pela semiótica das relações entre os signos, envolta na unidade de linguagem - a proposição. Esta perspectiva se completa com outra dimensão da linguagem que é a pragmática - uma proposição que está inserida num ato de fala. Avança ao destacar as relações que estão ocorrendo entre falantes e ouvintes, quando estes estão em comunicação com algo do mundo. Assumindo a dimensão pragmática da linguagem, esta adquire maior relevância pois se torna um elemento mediador das relações entre os falantes, estabelecido entre si, sobre algo do mundo. Instalado o diálogo, estes assumem o papel do ego e do alter, em que o ego busca a anuência do alter, obtido pelo ato de fala, em relação ao algo do mundo que se firmou como objeto do diálogo. Caberá ao alter o assumir a posição do sim, do não ou do talvez, em relação à pretensão de validade contida no ato de fala do ego. Enquanto a semântica negligencia o conjunto da comunicação, ao perseverar nas análises de frases e orações, permanece no paradigma da filosofia da consciência. Mantém o sujeito e o objeto em seus elementos básicos – a linguagem e o mundo. Habermas, ao admitir a pragmática, alarga o horizonte de análise, considerando que o foco de atenção da linguagem passa a ser a comunicação em seu conjunto. Mas não é um ato de fala sem qualquer intencionalidade. Ao se usar o conjunto qualquer de sentença, está, efetivamente, buscando o entendimento. Torna-se possível, de outra forma, a utilização do ato de fala no sentido de produzir consequências induzidas ou pré-condicionadas, isto é, a utilização não dirigida ao entendimento. Esta utilização pragmática do ato de fala não é o modo original da linguagem. Esta deverá estar voltada para o entendimento. Nesse sentido, com a exigência do uso do ato de fala para a comunicação, haverá um relacionamento, entre sujeitos falantes e agentes, baseado em um sistema de mundos compartilhados – o mundo objetivo, o mundo das leis e normas e um mundo subjetivo. Esta ação comunicativa, dimensionada pela guinada pragmática, supõe uma pretensão de validade, isto é, ao mundo objetivo, pela pretensão de verdade; ao mundo social (normas...) pela correção; e ao mundo subjetivo, à pretensão da sinceridade.
207 Embasada no paradigma da linguagem, torna-se importante a virada linguística e a virada pragmática na ampliação do enfoque da razão comunicativa, na procura do envolvimento de todas as formas de manifestações linguísticas humanas, incluindo os aspectos cognitivoinstrumental, prático-moral e prático-estético. A realização desta perspectiva na comunicação torna importante uma guinada pragmática, também, na teoria do significado. Assim, a linguagem estará superando a sua função de representação (verdade dos fatos), enfocando a dimensão interativa (ego e alter, contraindo relações interpessoais – uma interação) e a função expressiva (intenção ou subjetividade dos falantes). Isto torna possível o acesso a uma forma racional não-instrumental e não-subjetiva da razão – a razão comunicativa. Esta é uma razão intersubjetiva e promotora de um acordo racional que se direciona à superação de qualquer forma de coerção, seja ela interna ou externa. Mas, falar da Razão como comunicação é enfocar os atos de fala, que se apóiam em certa concepção de linguagem e entendimento, presentes nos diferenciados contextos do significado. Habermas (1990) avança no campo das teorias do significado de outros pensadores94, quando considera importante essas teorias para a linguagem e para a ação comunicativa. Mostra que as teorias existentes não levam em conta todas as funções da linguagem. Cada ação de fala, para ele, pode ser inválida ao desconsiderar algum dos três aspectos. O primeiro será uma ação considerada inverídica, em relação a uma asserção feita; incorreta, dadas as relações nos contextos normativos existentes; e insincera, quanto à intenção do falante. Estas três dimensões indicam para uma contribuição teórica, em especial ao nexo existente entre significado e validade, presente na ação de fala. Manifestam-se para além da análise do conhecimento das condições de verdade, atrelada ao nexo linguagem e mundo. Estabelece-se um saber indireto vinculado diretamente ao processo comunicativo, por meio de razões. Em Habermas (ibid), o ouvinte precisa conhecer o tipo de razões que conduz o falante à sua pretensão das condições de verdade. Torna-se possível a compreensão de um enunciado quando, pelo diálogo, se conhecer o tipo de razões que o falante aduz. Essas razões de interesse de convencimento, de um falante para um ouvinte, são necessárias quando se aceitar como verdadeiras as suas frases. Essas condições de compreensão só são preenchidas no diálogo da comunicação cotidiana, além de se admitir que a pretensão de validade pode ser problemática, e por isso, precisa estar mantida a sua justificativa. As pretensões de validade do falante, em relação aos agentes, pressupõem um reconhecimento intersubjetivo por parte de todos envolvidos na ação de convencimento, para além das relações entre a linguagem e o mundo. Muito para além das interpretações no campo das teorias de significado, a guinada pragmática na teoria do significado amplia a verdade proposicional, quando exige as razões de justificação intermediadas pela correção, em nível de normas e da veracidade subjetiva. As razões passam a contribuir na interpretação das condições de validade e se integram, consequentemente, às próprias condições de aceitação de uma expressão. Contudo, esta expressão terá sido compreendida quando for possível a sua utilização, resultado do entendimento do ego com o alter sobre algo. O ouvinte passa a ser desafiado a tomar posição, de forma racional, sobre este algo, considerando ter aceita a oferta contida no ato de fala, assumindo a sua parte em todo o processo decorrente. Todavia, as pretensões da razão comunicativa, estruturada a partir da linguagem, não param nessa dimensão do entendimento. Após a guinada linguística e a guinada pragmática, demanda-se, agora, uma dimensão de universalidade. Lança-se para um novo desafio que é a virada na pragmática universal da linguagem.
A pragmática universal da linguagem
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No debate teórico sobre o significado, três teorias são mais conhecidas. Há a denominada teoria semântica intencionalista de Grice, passando por Bennett e Shiffer. A teoria semântica formal de Grege, passando por Wittgenstein até Dummett, e a teoria do significado enquanto uso, em Wittgenstein).
208 O entendimento ainda carece de universalidade, sendo buscado pela virada na pragmática da linguagem, expressa na tarefa de identificar e reconstruir os condicionantes universais em possibilidade de realização. Habermas (1997: 300) prefere a discussão sobre os pressupostos não da comunicação mas da ação comunicativa, considerando que a perspectiva é a orientação da ação para o entendimento. Isto o faz exprimir que: “A pragmática universal tem como tarefa identificar e construir as condições universais do entendimento possível”. Pode-se perguntar sobre o núcleo que constitui a pragmática universal da linguagem. Nessa direção, indica-se que a sua estruturação acontece com o apoio das pretensões universais de validade. Isto exige tomadas de posição com um sim ou um não, a partir do falante e do ouvinte. Estas pretensões, todavia, levantadas por meio dos atos de fala, estão sempre em condições de serem criticadas ou submetidas a novos questionamentos. A tomada de decisões de sim ou de não se pauta em acordo a pressuposições de que os atos de fala entre ouvintes e falantes possam ser efetivados. Habermas (ibid.: 301), na busca de promover o entendimento, fixa as pretensões universais de validade, considerando que a comunicação transborda as posições de apenas um falante e outro ouvinte. Para ele, são as seguintes: “a necessidade de se estar expressando inteligentemente; de se estar possibilitando a entender algo; de estar contribuindo para ser entendido e de estar entendendo-se com os demais”. Aquele que fala, precisa expressar-se de forma inteligente, de tal maneira que o falante e o ouvinte possam se entender. O falante precisa externar um conteúdo cujas proposições linguísticas sejam verdadeiras e com isto, o ouvinte pode crer nas formulações do falante. Ainda urge que sejam atendidas as normas e valores vigentes, apresentando manifestações de sua correção e possibilitando a ambos concordarem entre si, sendo aquelas normas e valores reconhecidos intersubjetivamente. Pode-se, enfim, restabelecer as funções pragmáticas de exposição, auto-exposição e estabelecimento das relações interpessoais (ibid., 332). Este entendimento, na exposição de Habermas, ocorre se a comunicação entre os agentes estiver orientada pelos vários modos de uso de linguagem, tendo pretensão de validade desses atos de linguagem. Então, os agentes, em primeiro lugar, necessitam tornar compreensível o sentido da relação intersubjetiva como sentido de conteúdo proposicional; em segundo, urge o reconhecimento da verdade naquele ato de fala; em terceiro, urge o reconhecimento da retidão da norma como complemento da qual pode-se considerar ato de fala; e, ainda, se a veracidade, como intenção do falante, não está sendo posta em dúvida. Em qualquer momento da comunicação que o ato de fala estiver submetido à dúvida, estas quatro pretensões de validade – inteligibilidade, verdade, retidão e veracidade – serão possíveis de ser abertas a novas discussões. Isto quer dizer que um falante, que esteja expressando desejo de comunicação para o entendimento, precisa manifestar claramente que aquilo que diz é verdadeiro e que a sua ação seja correta, no que diz respeito às normas. Finalmente, a intenção do eu e do alter precisa coincidir com o que pensam e sentem. Na busca de se alcançar o entendimento („reaching understanding‟), central à problemática da racionalidade, o que se está em jogo pelos participantes é o consenso e que só será possível pelo reconhecimento intersubjetivo destas pretensões de validade. Estas pretensões são lançadas com o próprio ato de fala que está sendo proferido pelo falante. Estar de acordo com a validade, é se abrir à critica quanto aos fundamentos de sua fala, aceitando certos padrões comuns que podem servir aos participantes da comunicação, na decisão do consenso a ser atingido – os aspectos de validade. Assim, é que alcançar o entendimento é chegar a um acordo de forma comunicativa. Ao considerar a sua forma linguística, expressão de uma ação comunicativa, tal entendimento não pode ser alcançado em decorrência de pressões externas e, jamais, pela coerção. O entendimento é um conceito normativo, tendo como pressuposto a não utilização da força. É um processo de ajuda mútua em que o um e o outro interagem num processo de aproximação da verdade sobre o objeto do diálogo. Sua base é racional pois se baseia em convicções comuns. Com esta compreensão do entendimento se dará a chegada ao consenso – uma razão comunicativa. Pela interpretação de Aragão (1992: 43):
209 Apenas por esta razão espera-se obter um conceito de racionalidade, pelo esclarecimento das propriedades formais da ação orientada para alcançar entendimento, que tanto pode ser buscado nas esferas dos valores culturais, nas formas de argumentação diferenciadas, como na prática da vida quotidiana, embora tão distorcida quanto possa ser.
O mundo da vida
O desenvolvimento da argumentação sobre os mundos gerou um tipo de conceito denominado de mundo da vida. Mas que papel tem este conceito na orientação para o entendimento? Ora, os conceitos formais de mundo constituem um sistema de referências para aqueles que buscam o entendimento, e o mundo da vida (lebenswelt) é constitutivo desse entendimento entre falante e ouvinte. Este, a partir do mundo da vida, é comum acerca de algo no mundo objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo. As pessoas, nessa busca de entendimento, instituem um conjunto de sentidos que passam a definir a compreensão, a interpretação e a ação dos ouvintes e falantes sobre o mundo. Sempre os sujeitos se entendem no horizonte de um mundo da vida que está formado por convicções mais ou menos difusas que não se apresentam como problemas fundamentais para o entendimento. Assim, constrói-se um contexto social da vida definida pela criação de objetos simbólicos que contribuem para o entendimento. Esse contexto é representado por expressões como os atos de fala, atividades cooperativas; consolidadas essas expressões por meio de textos, tradições, obras de artes e objetos da produção material bem como por técnicas; e por meio de configurações geradas tais como instituições, sistemas sociais e formação de personalidades. Toda esta configuração é definida de forma anterior a qualquer formulação teórica sobre estes objetos. Essa realidade formada, seja por uma pré-estrutura simbólica ou conjunto de sentidos gramaticalmente pré-determinado, é denominada por Habermas de mundo da vida. A linguagem e a cultura, por sua vez, não coincidem com os conceitos formalizados sobre o mundo do ouvinte e falante, na definição de sua situação. Elas constituem bem mais o mundo da vida. Na atividade de entendimento, portanto, os sujeitos usam um implícito conceito de mundo. A tradição é o acervo desse saber de onde estes sujeitos encontram suas interpretações. Nesse sentido, é o mundo da vida o pano de fundo da ação comunicativa. Ao se referir a algo do mundo, os sujeitos se movem, intersubjetivamente, neste horizonte não temático e não questionado. É nesse sentido, ainda, que Habermas (1987: 179) afirma:
o mundo da vida é, por assim dizer, o lugar transcendental em que falante e ouvinte se encontram; em que podem desejar, de forma recíproca, a pretensão de que suas emissões concordam com o mundo (com o mundo objetivo, com o mundo subjetivo e com o mundo social); podendo criticar e exibir os fundamentos dessas pretensões de validade, resolver suas divergências e chegar a um acordo. O mundo da vida tem as suas características. Sobre ele não há problematização, considerando que é aceito sem questionamento, em nível de senso comum. A divergência profunda pode provocar a eliminação do entendimento. Uma outra característica é a existência de um certo a priori social que está presente na intersubjetividade geradora do entendimento. Isto é, o mundo da vida não pode se tornar controverso mesmo sendo comum a todos, resistindo anteriormente a qualquer desacordo. Em uma comunidade, o mundo da vida traduz a dimensão coletiva do nós, resultante do conhecimento consensual existente, saído desse estoque do conhecimento cultural. Não está presente, na prática comunicativa, a possibilidade permanente
210 de que tudo pode ser diferente. E, ainda, como característica, sobressai-se que, mesmo se as situações estejam em mudança, os limites do mundo da vida não podem ser transcendidos. Compreende Aragão (1992: 45) que: O mundo da vida forma o cenário em que os horizontes situacionais mudam, expandem-se ou se contraem. Ele forma um contexto em que, ele próprio sem limites, delineia limites. Ele circunscreve situações de ações à maneira de um contexto pré-compreendido que não é endereçado. Em sendo um lugar transcendental (o que o homem ou a sociedade ainda não é ou ainda não tem mas, apenas, deseja ser ou ter), o mundo da vida não corresponde, necessariamente, ao mundo real e imanente ao homem ou à sociedade (o que são e o que têm realmente e não, apenas, nos desejos e fantasias), daí resulta que ele escapa de todo aprisionamento teórico, sendo possível seu conhecimento pelas estruturas da cultura, da sociedade e da personalidade, as suas estruturas formadoras. A dificuldade do acesso pela experiência, por parte do analista social, é que a sua chegada exige a compreensão, sendo o seu acesso nada diferente que o de qualquer leigo. O desejo de aceso ao mundo da vida antecede esse desejo próprio que é a sua compreensão. Como entende Habermas (1987: 186): “ o mundo da vida constitui uma rede intuitivamente presente e, portanto, familiar e transparente, sendo, por sua vez, inabarcável, de pressuposições que hão de cumprir-se e a emissão poder ter sentido, para poder ser válida”. Um mundo que delimita as situações de ação à maneira de um contexto que se entende, porém não se discute. Situações de uma realidade que não apresenta problemas, permanecendo numa espécie de penumbra, sem penetrar no processo de entendimento ou o faz de maneira indireta. O processo de entendimento, na verdade, em torno do qual se centra o mundo da vida, exige, conforme Habermas (ibid: 463): “uma tradição cultural em toda sua amplidão”. Para ele, na prática comunicativa cotidiana, precisam ser combinadas e fundidas, entre si, as interpretações cognitivas, as expectativas morais, manifestações de valoração que, assim, através das transferências de validade, constituem um todo racional.
A argumentação Habermas continua a teorização sobre a racionalidade, promovendo a comunicação pelo diálogo, uma teoria crítica que contribui ao resgate da Razão em dimensão emancipadora. Uma teoria crítica que se distancia das teorias científicas, sobretudo no que se refere às opiniões sobre liberdade e coerção expressas na própria teoria. Os objetos da pesquisa, na maioria das teorias científicas, não apresentam a questão da concordância ou não com a teoria. Normalmente, estas questões nem mesmo aparecem. Planetas ou partículas atômicas não podem sentir ou discordar. Neste sentido, Geuss (1988: 132) expõe que: uma teoria crítica é estruturalmente diferente de uma teoria científica, pois é „reflexiva‟ e não „objetificante‟, ou seja, não é apenas uma teoria sobre certos objetos diferentes dela mesma, é também uma teoria a respeito de teorias sociais, como elas surgem, como podem ser aplicadas e as condições em que são aceitáveis. O cerne de uma teoria crítica é o critério da aceitabilidade que ela apresenta para convicções. A teoria crítica externa este critério da forma que a encontra entre os agentes a que se destina. Todavia, não se constitui como mera forma descritiva e desinteressada deste critério. Utiliza-o como verdadeiro ou como melhor aproximação da verdade. Avança quando desenvolve afirmações que podem mostrar equívocos dos critérios que foram se firmando como verdadeiros nas comunidades de falantes e ouvintes. A teoria crítica não se reduz a meras informações sobre a sociedade, seus membros ou sua forma de consciência, como fazem as
211 teorias científicas. Seu desejo passa por fornecer, também, o critério por meio do qual se avalia se a própria crítica e a informação que ela apresenta, são ou não, possíveis de aceitabilidade. A teoria crítica, em Habermas (1975: 298), desenvolve interesses, penetrando no núcleo lógico da pesquisa, mostrando que: a descrição ou a reprodução estão ligados a critérios. A escolha destes critérios exige um nível crítico, uma superação crítica por mediação de argumentos, dados que não podem ser deduzidos logicamente nem demonstrados empiricamente. A teoria da racionalidade habermasiana liga-se diretamente à prática da argumentação. Pela argumentação, torna-se possível a ação comunicativa ao se instalar o desacordo ou mesmo se as práticas cotidianas dificultarem o consenso. A prática da argumentação se institui na fixação de entendimentos pelo diálogo, evitando-se práticas coercitivas. A argumentação desempenha, desta forma, papel importante nos processos de aprendizagem. A teoria crítica pode promover a aprendizagem inclusive pelos erros dos agentes, pela refutação de hipóteses e do insucesso de suas intervenções. Estas falhas ocorridas numa discussão podem ser produtivamente assimiladas por meio dos vários tipos de discurso: o teórico, o prático, o explicativo, a crítica estética e a crítica terapêutica (Habermas, 1989). A rigor, os três primeiros tipos de discursos preenchem os requisitos para serem considerados como discurso, por apresentarem pretensões de validade universal. O discurso teórico, como forma de argumentação, refere-se ao domínio do cognitivoinstrumental em que um sujeito falante é considerado racional quando expressa opiniões fundamentadas e atua com eficiência. O agente deve sempre aprender dos desacertos, da refutação das hipóteses e dos fracassos das intervenções no mundo. O discurso prático tematiza as pretensões de correção de uma norma de ação controvertida. É do domínio prático-moral. Uma pessoa é considerada racional quando pode justificar suas ações, tendo por referência um certo contexto normativo vigente. Essa pessoa, em situação de conflito normativo, não atua levada por paixões e nem por interesses pessoais imediatos. Busca a solução da questão de forma consensual, tendo como horizonte o ponto de vista moral. A crítica estética não reivindica para si a justificação de padrões de valor com validade universal (ibid.: 39-41). Os proferimentos valorativos no mesmo campo cultural não têm aceitação irrestrita. Os valores são, quando muito, candidatos para interpretações e com cuja ajuda um círculo de interessados pode, chegando o caso, descrever um interesse comum e fazer dela uma norma. Mas, o reconhecimento intersubjetivo que se forma em torno dos valores culturais não implica numa pretensão de assentimento universal. Nesse sentido, as argumentações utilizadas na justificação do padrão de valor não preenchem as condições de discurso – não se apresentam em condições de universalidade. Suas pretensões de validade voltam-se à adequação aos „standarts‟ de valor. A crítica terapêutica se considera como uma forma de argumentação que busca elucidar as auto-ilusões, resultantes de experiências vividas por uma subjetividade que levanta pretensões de validade. Assim denominada, por se constituir como um processo de autoreflexão, nos moldes da entrevista terapêutica entre analista e paciente. Racional é então a pessoa que está disposta a se libertar de suas ilusões. Não está baseada em erros mas em auto-
212 enganos de sua própria vivência. É esta a forma de argumentação que serve para explicar e dissipar os auto-enganos ou as auto-ilusões. O discurso explicativo, por sua vez, é a forma de argumentação cuja pretensão de validade é compreender o sistema linguístico que serve de medium à compreensão. Uma pessoa racional é aquela que se dispõe ao entendimento, reagindo às perturbações da comunicação refletidas sobre as regras linguísticas. Analisa se as pretensões simbólicas estão bem formadas ou se estão corretas e se foram produzidas segundo regras. Busca explicar o significado das expressões, a sua compreensibilidade ou a boa formação das construções simbólicas. A ação comunicativa Para a compreensão da ação comunicativa, como descrita, são destacados dois aspectos. Um é aquilo que se diz e o outro, o próprio ato de se dizer. Neste ato, manifesta-se um sujeito que enuncia em condições espaciais e temporais determinadas. É conveniente o destaque de que a separação entre um comportamento e uma ação se pauta pela definição mesma de uma ação sempre voltada ao critério do sentido. Sentido este que está representado de forma visual ou outra qualquer maneira, porém definido por regras linguísticas ou outro tipo de representação, contendo sempre um conteúdo intersubjetivo reconhecido. Um comportamento pode ser observado, mas uma ação exige o entendimento. As ações, todavia, se apresentam de diferenciadas formas. Uma ação de produzir um artefato qualquer exige um conhecimento da natureza e suas regras, expressando um saber sobre a natureza. Este tipo de ação que utiliza regras técnicas é denominado de ação instrumental. Caracteriza-se pela manipulação de objetos orientada a um determinado fim único, definido unilateralmente pelo sujeito. Um outro tipo de ação se caracteriza por estar propriamente voltada a um fim, contudo, o agente produz o estado de coisas desejado a partir de uma escolha de meios para melhor execução do fim almejado. Este tipo de ação de denomina de teleológica. Um educador, em sua aula, visando à aprendizagem, utiliza diferenciados meios para chegar a esse estado, buscando os dispositivos mais eficazes de que dispõe. Estes objetos que visam a maior economia, estando dirigidos para o cumprimento de um fim desejado são ações teleológicas. A utilização desses objetos, causadores de maior eficácia, se voltados aos maiores benefícios do ponto de vista utilitário, se torna uma variante da ação teleológica denominada de ação estratégica. Este tipo de ação tem nas propagandas políticas ou nas vendas de objetos pela publicidade os seus melhores exemplos – desejos utilitários, ações estratégicas. Como se vê, a ação instrumental apresenta um tipo de regra aplicável a objetos manipuláveis; a ação estratégica se aplica a decisões de pessoas que agem de acordo com suas finalidades. Um terceiro tipo de ação define-se pela existência de regras que são reguladas por normas sociais. Essa exprime-se como de interesse à teoria social. Salienta-se outro tipo de ação que busca pôr ordem às interações, considerando as diferenças entre regras aplicáveis à ação. Mas, o de maior interesse à teoria social é aquele tipo de ação que resulta de acordo social. O agente faz parte desse grupo, além de ser um participante de uma situação onde os demais constituem um público para ele. Diante do mesmo, ele se apresenta com sua subjetividade. Esta é a ação dramatúrgica. Neste tipo de ação, o agente revela as suas emoções e motivações íntimas, dando algo de si mesmo a cada um dos seus atos. É este tipo de ação que mais interessa à ação comunicativa. Uma ação que se evidencia quando as atividades dos atores não estão definidas por interesses particulares mas pelo entendimento. Não se orienta por um propósito individual, tão pouco, por um fim individual. Não se guia por mera expressão de uma subjetividade externada pela emoção, desejos ou sentimentos. O seu sucesso não está pautado pela ação individual de um agente mas em operações cooperativas de interpretação. Trata-se de um acordo como condição de continuidade de seus próprios planos. Este acordo é definido racionalmente, isto é, sem coerção de qualquer das partes. Na ação comunicativa, os agentes se orientam para um acordo, para um entendimento e pelo diálogo. Nos demais tipos de ação, está presente a via única expressa pela ação sobre o outro e sem possibilidade de resposta. São monológicas. A ação comunicativa tende ao diálogo e à culminação de um saber coletivo e compartilhado pelos dialogantes. Mas, reclama condição
213 geral de simetria para a realização dessa ação comunicativa. Assim, é que Habermas (1997: 153-154) expõe como exigência as situações ideais de fala com as seguintes características: 1) Todos os participantes potenciais em um discurso têm que ter a mesma oportunidade de usar atos de fala comunicativos, tendo condição de em todo momento, oportunidade de abrir um discurso como de mantê-lo, mediante intervenções e réplicas, perguntas e respostas; 2) Todos os participantes no discurso têm que ter igual oportunidade de fazer interpretações, afirmações, recomendações, dar explicações e justificações e de problematizar, aprovar ou refutar pretensões de validade delas, de tal sorte a não prejudicar o tema e a crítica; ... 3) Para o discurso só são permitidos falantes que como agentes, nos contextos de ação, tenham iguais oportunidades de empregar atos de fala representativos, isto é, de expressar suas atitudes, sentimentos e desejos. .... 4) Para o discurso só se permitem falantes que como agentes tenham a mesma oportunidade de empregar atos de fala regulativos, quer dizer, de mandar e opor-se, de permitir e proibir, de fazer e retirar promessas, de dar razão e exigi-la. ... Estas características dirigem a ação a ser produzida no mundo objetivo. Os atores estão envoltos para ações orientadas ao entendimento. Na realização do ato de fala, o falante emprega a linguagem estandartizada que para Habermas (1987: 171) se apresenta como numa situação limite, ao introduzir o conceito de ação comunicativa. Ela está relacionada com algo no mundo objetivo (como totalidade das entidades sobre as que são possíveis enunciados verdadeiros); ou com algo no mundo social (com totalidade dos mundos das relações interpessoais legitimamente reguladas); ou com algo no mundo subjetivo (como totalidade das próprias vivências tendo um acesso privilegiado e que o falante pode manifestar verdadeiramente ante um público), relação em que os referentes do ato de fala aparecem ao falante como algo objetivo, como algo normativo ou como algo subjetivo. Na realidade, as manifestações comunicativas estão incertas, ao mesmo tempo, em diversas relações com o mundo. A ação comunicativa está, portanto, baseada num processo de cooperação, conduzida pela argumentação, com vistas ao entendimento último quando ouvintes e falantes se referem a algo no mundo objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo. A comunicação indica que em cada situação definida, os participantes podem modificar sua definição inicial da situação, tornando-se parte de novas interpretações que os demais atores deram a ela, instalando a possibilidade do diálogo ilimitado. Inclusive, para a ação educativa regulada pelo diálogo, o educador precisa estar consciente de que no seu campo de intervenção, não lida simplesmente com a realidade objetivada mas com uma realidade simbolicamente estruturada. O aceso a essa realidade não se dá simplesmente pela observação mas precisa avocar para a compreensão. Um analista do fenômeno educativo ou da cultura carece estar atento de que a realidade a ser analisada é simbólica e similar ao de qualquer outro indivíduo desta mesma realidade. A compreensão de uma obra particular requer do analista que o mesmo venha pertencer ao mesmo mundo da vida, onde essa obra circula e se produz. A sua simples descrição pressupõe entendimento e a sua compreensão pressupõe dispor da capacidade de participar em sua produção. Para Habermas, a ação comunicativa torna-se um conceito normativo, um padrão ideal a ser buscado e um critério de evolução social. Uma sociedade organizada com bases neste tipo de
214 ação, referenciada no diálogo, apresenta um alto nível de racionalidade, representando também maior avanço social.
Uma síntese A teoria desenvolvida por Habermas procura atender ao desenvolvimento investigativo da realidade, através de uma filosofia que reflete o mundo social. É uma crítica transcendental do conhecimento nos moldes kantianos, enquanto separa a razão teórica da razão prática e que continua pela reflexão, atendendo aos pressupostos hegelianos de último esteio de sustentação da racionalidade. E mais, é plena de otimismo filosófico revelado por um explícito interesse emancipatório. E são o confronto teórico com a filosofia tradicional, a crítica metodológica ao sistema social e o interesse na organização racional humana que juntos formam o que se denomina de Teoria Crítica. Nessa reflexão está contida um forte conteúdo político que se transforma em filosofia crítica desenvolvida sobre a realidade. Desta crítica, nasce a ideia de transformar a razão instrumental estabelecida por uma práxis da comunicação dirigida por um especial interesse. Diferentemente de antecessores da Escola de Franckfurt, desenvolve uma postura otimista em relação à reabilitação da esfera pública. Nesta esfera, as pessoas passam a atuar de forma a decidir a sua vida sem qualquer forma de coerção. É a promoção de uma política que tem no diálogo uma forma procedimental, podendo, segundo Habermas (1995: 45), “apoiar-se, precisamente, nas condições de comunicação sob as quais o processo político pode ter a seu favor a presunção de gerar resultados racionais, porque nele o modo e o estilo da política deliberativa realizam-se em toda a sua amplitude”. Uma disposição permanente pela realização de uma concepção procedimental de política deliberativa. Habermas contrapõe à tendência dominante da razão instrumental um outro estilo de construção de razão. Fortalece a tendência para a comunicabilidade, para o diálogo e para o consenso, algo que considera imanente à própria humanidade. Na perspectiva kantiana, a sua contribuição teórica se constitui como um sistema filosófico expresso por um todo do conhecimento sistematizado segundo princípios. Nesse sistema, a ideia é conceito dado pela razão. Mantém a tradição metafísica quando o seu objeto central é a própria razão, além da metodologia que vai empregando no desenvolvimento das formulações teóricas. Também, é de se destacar desse sistema a própria teoria da racionalidade, que buscando elementos em outras formulações não as forma, apenas, somando ao conhecimento estabelecido mas mantêm-nos como elos dessa cadeia. A emancipação é demarcada em relação à natureza exterior e em relação às formas de dominação social. Mostra que na primeira situação esta realiza-se pelo progresso técnico enquanto que na segunda situação consubstancia-se em outros níveis de reflexão pela aceitação ou recusa de normas, leis ou mesmo da tradição. A ação formulada como instrumental e como agir comunicativo. Se no primeiro a referência é o sucesso com a sua efetivação, no segundo destaca-se o entendimento. A busca do consenso vai se apresentar, também, em duas formas, seja pela comunicação do cotidiano como pelo resultado de uma argumentação racional. A este tipo de interesse é denominado de emancipatório, a respeito do qual, Habermas dedica maior interesse para a filosofia comunicativa. Continua buscando a efetivação de sua filosofia teórica nos ambientes da vida do cotidiano. Alerta para a possibilidade, no campo educacional, da manutenção da educação e da cultura como direitos fundamentais, sendo possível desenvolver-se a educação voltada à comunicação pelo diálogo. A família pode ser levada mais a sério quando avançar em suas relações internas a partir da comunicação. Destaca, no campo psicanalítico, as mudanças havidas nas tipologias de doenças em decorrências da dominação de uma racionalidade instrumental, alertando para a importância e necessidade de outra racionalidade. Some-se a esta necessidade a agudização do mundo da adolescência e, mais recentemente, o estabelecimento da violência. A teoria da ação comunicativa oferece um marco para reformulação, inclusive, no modelo do eu, ele e o super-ego.
215 No Campo da educação, propriamente, revela que num procedimento de interações entre falantes e ouvintes promove-se a intersubjetividade pela prática do diálogo. Descerram-se possibilidades para uma pedagogia crítica, sendo possível a elaboração de novas maneiras de orientação para futuras atuações. A teoria habermasiana é mediada com a práxis. Uma práxis de um novo tipo que procura “elevar a humanidade à razão científica universal, de conformidade com normas de verdade, transformando-a numa humanidade renovada a partir de seus fundamentos...” (Habermas, 1975: 294). Uma teoria social que se reafirma por uma reinterpretação das necessidades históricas e práticas, dos fins, dos valores e das normas, orientando-se para uma práxis emancipadora. Contudo, este exercício praxeológico intersubjetivo, presente o diálogo, no campo da educação, será realizado na vasta experiência de Paulo Freire.
Paulo Freire Nas últimas quatro décadas, o pedagogo e humanista Paulo Freire, tratou de temáticas, na sua vasta ação pedagógica, que expressam um caminho delineado por pensadores como Buber, Hegel e Marx, indo para além de uma abordagem ativa no campo da pedagogia. Ao se referir à alfabetização no plano da linguagem e da política, apresenta um profícuo debate de aspectos dialéticos determinantes na experiência educacional. O pensamento de Freire é a sua própria experiência educativa. A sua percepção se inscreve a partir de processos de alfabetização, transparecendo, em toda a obra, a compreensão dialética de uma teoria de educação. Ao retomar a relação originária dialética e diálogo, entende a educação como experiência dialética da libertação humana. Sua teoria e prática pedagógicas estão, inteiramente, seivadas pelo diálogo, possibilitando o seu desenvolvimento crítico entre educador e educando. Seu pensamento dialético na pedagogia exige uma fundamentação também dialética. Isto é, precisa se apresentar na reflexão filosófica de sua relação com a prática e de seu enraizamento, indo para além de formulações proposicionais para a educação, ao demarcar esse fenômeno de apoderamento cultural como fenômeno de libertação humana. O pensamento de Freire se inscreve entre aqueles distanciados da radicalidade existente com a separação da teoria e da prática, caracterizando a ciência como um fruto da produção de conhecimento, voltado apenas ao referencial teórico, resultante de critérios de comprobabilidade e consistência lógica (Círculo de Viena). A sua prática educativa não despreza a prática humana nem os seus mecanismos de decisão. Reconhece as técnicas e a sua importância (razão instrumental). A dimensão técnica é, também, marcante no método de alfabetização. Considera, entretanto, a importância do entendimento, da busca democrática (consenso), permeada pelas dimensões subjetivas dos procedimentos de decisão para a produção de um conhecimento com validade, agindo sob a égide da Razão, na busca da emancipação humana. Inserido numa tradição que empreende a superação da separação teoria e prática, a experiência educativa de Freire atrela-se a uma compreensão de mundo que apreende a teoria e a prática como uma unidade, sob o primado da prática, existencialmente definida por um processo histórico e dialético. Estabelece a dimensão de práxis, como processo social global da afirmação humana da vida, tanto na natureza como na história. A teoria se torna reflexo da realidade material, sendo parte desta realidade. É tanto determinada pela prática como determinante para a práxis humana, em consonância com as leis da realidade. A prática se define como referencial para a verdade teórica, enquanto que a teoria se torna instrumento útil de orientação da práxis. Todavia, a compreensão filosófica fundamental é de que a teoria e a prática são mediatizadas por meio e no plano do homem, manifestando-se como o objeto mesmo da educação. O conceito de homem não o coloca como algo que se faz por si mesmo. Ele está sendo sempre não um ser, mas um vir a ser, permeado de suas intersubjetividades. A teoria adquire contornos de uma crítica à práxis social. Nos conflitos e ações sociais da realidade está sempre presente e, então, se apercebe de que essa atividade prática, contida de si mesma, não se coloca como atividade de reprodução teórica simplesmente ou uma crítica teórica. Ela adquire a tarefa de transformação da práxis social que só se realiza na prática,
216 mostrando toda a dialeticidade existente na práxis social. A práxis social com momento de processos educativos passa a se constituir como o fundamento do desenvolvimento histórico da sociedade, estando sempre presente o diálogo. Nesse sentido é que Schmied-Kowarzik (1983: 44) vê em Freire, a influência de Marx em sua concepção de educação como:
prática que serve à produção e reprodução; isto é, à formação dos indivíduos enquanto portadores da práxis social. A educação é uma função parcial integrante da produção e reprodução da vida social, que é determinada por meio da tarefa natural, e ao mesmo tempo cunhada socialmente, da regeneração dos sujeitos humanos, sem os quais não existiria nenhuma práxis social. Em Freire, mantém-se um otimismo na Razão por meio da ação educativa. Contudo, a práxis social em educação, corre o risco de degeneração, no sentido da não realização de uma práxis ética mas de uma práxis manipuladora. Na busca de superação dessa armadilha, define princípios orientadores que irão se constituir em elementos éticos e ontológicos da construção de seu pensamento pedagógico e realização da experiência educacional. Ele apresenta como mérito, em todo o desenvolvimento dessa construção teóricopratica, segundo Brennand (1999: 134), “a dimensão crítica e criativa aliada à perspectiva epistemológica no processo global de conhecimento e sua relação concreta com experiência cultural e existencial dos educandos”. Mostra, por sua vez, aquilo de fundamental para a definição do pensamento freireano que são as categorias de cultura, homem e mundo, opressão e silêncio, consciência crítica, escola como espaço público e, particularmente, diálogo. Na busca de sentido às categorias, pode-se ver que a definição das mesmas só é possível por intermédio de um método que possibilite a explicação da manifestação existencial do homem desde sua origem, sua formação histórica, tendo como pano de fundo as necessidades vivenciadas nas relações com a natureza que o circunda. Este método estará eivado de explicações formuladas com o desenvolvimento histórico e social, originários da produção social que para o humano constituirá a cultura. Por meio deste método, cultura, em Freire, se identifica com a visão de Pinto (1979: 121-122), compreendida como: “uma criação do homem, resultante da complexidade crescente das operações de que esse animal se mostra capaz no trato com a natureza material, e da luta a que se vê obrigado para manter-se em vida”. Com esta perspectiva, a visão que se tem é a de que o homem é construtor de sua própria existência, diferentemente dos demais animais por mais complexos que estejam do ponto de vista orgânico. Estes não produzem a sua existência. Limitam-se ao uso e conservação daquilo que lhes é assegurado pela própria natureza. Conservam seus abrigos e suas atitudes de defesa que marcam a vivência na natureza. Todavia, esta situação alterou-se nos humanos. Acresceu a capacidade de dar respostas à realidade, em dimensão quantitativa e qualitativa. Em função do crescimento da capacidade ideativa, foi possível inovar as operações que exerce sobre a natureza, diferenciando-se de atitudes outras presentes no passado da espécie. Estes atos foram se acumulando em comunidade e constituindo, também, uma consciência comunitária. Pela hereditariedade social e pela seleção desses atos positivos, desenvolvidos dessa relação com a natureza, estes são conservados e repassados às futuras gerações. A criação da cultura e a criação humana se constituem como indissociáveis, não tendo data de seu começo, condicionando-se reciprocamente. Cultura é um processo de acumulação das experiências do próprio homem. Ele seleciona aquelas que lhe são favoráveis. Suas imagens e lembranças, advindas das realidades sensíveis, são convertidas em ideias. Assim, avança para as generalizações, expressando um processo de diferenciação do mundo material enquanto que adquire contornos no pensamento humano. Em Freire, a cultura assume uma noção teórica central que é a sua indissociabilidade do processo de produção, em seu sentido de produção com sua particularidade histórica. Produção esta que assume dois sentidos. O primeiro onde o homem produz a si mesmo, com sua ação exercida sobre a natureza, voltada à perpetuação da espécie. Ao evoluir, adquire progressivamente a capacidade ideativa. O segundo é o de produção dos meios de sustentação da vida para si e sua prole.
217 Com esta visão de cultura pode-se compreender a dimensão da relação homem e mundo em todo o seu processo de educação. Neste movimento dialético presente na história da cultura, o homem descobre a dimensão do tempo, adquirindo temporalidade ao tomar discernimento do tempo e pela consciência, a sua historicidade. As demais espécies da natureza não apresentam historicidade, diante dessa não compreensão conscienciosa. O homem transcende, discerne e dialoga (pela comunicação e participação) compondo o quadro de sua existência. Em Freire (1983a: 41), só o ser humano liberta-se de um tempo unidimensional, considerando que: “O homem existe – existere – no tempo. Está dentro. Está fora. Herda. Incorpora. Modifica. Porque não está preso a um tempo reduzido a um hoje permanente que o esmaga, emerge dele. Banhase nele. Temporaliza-se” O homem e o mundo estão impregnados de um sentido consequente. Sua presença no mundo não se dá de forma passiva. Não se reduz apenas a uma das dimensões da vida, seja a natural ou a cultural. A sua ingerência não é de expectador. Acontece em ambas as dimensões. Volta-se à realidade na busca de se realizar pela transformação, tanto de si mesmo como da natureza. Herdando a experiência adquirida, criando e recriando, integrando-se às condições de seu contexto, respondendo a seus desafios, objetivando-se a si próprio, discernindo, transcendendo, lança-se o homem num domínio que lhe é exclusivo – o da História e o da Cultura (ibid.: 41). Está externada a compreensão ampla de um mundo que é resultante de um estar no mundo, ao estabelecer relações entre a subjetividade individual e a realidade objetiva, sempre permitindo a condição do indivíduo de viver com a pluralidade, enquanto que transcende sua subjetividade. São estas condições importantes para a possibilidade de tornar real o diálogo. Contudo, Freire constata a existência de uma relação desigual estabelecida pela não realização do diálogo intersubjetivo na sociedade. Mostra como a opressão faz surgir outra dimensão cultural que é a transformação do homem em um ser que não atua no mundo, transformando-o em objeto nesse mesmo mundo, desenvolvendo a cultura do silêncio. A força da opressão enfatiza o processo de dominação e se efetiva pela negação da existência do outro que é dominado, extraindo-lhe o direito à sua própria palavra. Essa negação é a concretização da não existência do outro, a ausência de um outro ser. Com a negação da história ao outro, também lhe é sugado o seu ser mais, provocando a existência de um ser menos, levando-o à alienação de si mesmo. Sem história, o ser humano se transforma em algo não produtor de cultura, desumanizante e passivo diante do mundo. Resta-lhe a superação dessa situação pela sua herança cultural, visando ao aprofundamento da compreensão do mundo. O homem, de posse de sua herança cultural e pela experiência adquirida por meio da linguagem, torna-se capaz de criar e recriar seus novos contextos. Pode responder aos desafios que lhe são apresentados, dominando a sua história e recriando a sua cultura, constituindo a sua própria identidade. Mas, a chegada ao mundo e o movimento de se apoderar desse mundo, no sentido da cultura, não será possível por meio de qualquer mecanismo que não pela consciência crítica. Freire insiste na necessidade de que ao processo da „domesticação‟, desenvolvido pela ausência do diálogo, seja contraposto o processo de „conscientização‟ que significa a aquisição de uma postura crítica, diante dos problemas do mundo. Este processo só se torna possível com a imersão no mundo daqueles que estão fora do processo da produção da cultura. É necessária ajuda para aqueles se inserirem no processo de forma crítica. Um processo que não pode se realizar pela força, pelo engodo, pelo medo ou mesmo pela coerção. Em Freire (1983a), um processo que só se realiza pela educação que propicie a reflexão do seu próprio poder, de desenvolver esse poder em decorrência de sua potencialidade. Esse processo é manifestado em vários níveis de consciência: o da consciência ingênua ou intransitiva que expressa um grau mais elementar de desenvolvimento de consciência, uma perspectiva sem a dimensão histórica do mundo. Uma consciência mágica que se mostra por meio da visão mística do mundo e, mais das vezes, sem força de superação do poder mágico contido nas coisas. A consciência transitiva se expressa pela superação das dimensões de interesses meramente vegetativos, fugindo daquilo que pode ser novo e, sobretudo, da débil
218 argumentação sobre as coisas. Atingindo este nível, o homem inicia o seu percurso de transgressão daquilo que o mantém impermeável às mudanças. O seu existir já se transforma em um existir dinâmico, implicando num diálogo permanente do humano com o outro humano e com o mundo. E ainda, a consciência crítica que possibilita a chegada a uma educação dialógica e ativa, voltada para a responsabilidade social e política. Caracteriza-se pela profundidade na interpretação dos problemas. Este nível de consciência se destaca, segundo Freire (ibid.: 61), por substituir explicações mágicas por princípios causais e: Por procurar testar os „achados‟ e se dispor sempre a revisões. Por despir-se ao máximo de preconceitos na análise dos problemas e, na sua apreensão, esforçarse por evitar deformações. Por negar a transferência de responsabilidade. Pela recusa a posições quietistas. Por segurança na argumentação. Pela prática do diálogo e não da polêmica. Pela receptividade ao novo, não apenas porque novo e pela não-recusa ao velho, só porque velho, mas pela aceitação de ambos, enquanto válidos. Por se inclinar sempre a arguições. Pelo pensar crítico, supera-se aquele pensar ingênuo e nada promotor da ação humana na natureza, pondo fim a todo tipo de mistificação do conhecimento e das explicações do mundo. Consciência crítica que só constrói, pelo processo da conscientização educativa, relações intersubjetivas, possibilitando a aproximação entre dois ou mais indivíduos. Um processo educativo que não se tem receio dos riscos do mundo dos outros, porém, incentiva um consenso construtor da ação subjetiva, por meio do diálogo. O diálogo se torna a concretização do próprio exercício para a liberdade. A ação educativa inicia-se com o „método‟ de alfabetização, avançando para o „círculo de cultura‟ e se apresenta como momento de criação e recriação de mundos pelos falantes e ouvintes presentes. Há coordenadores e orientadores dos processos educativos, tanto na alfabetização como no círculo de cultura, sem haver professores, pois a dinâmica do grupo procura reduzir ao mínimo a sua intervenção, à medida que avança para a intersubjetividade, por meio do diálogo. Pelo diálogo, todos iniciam sua entrada no mundo comum a todos. Adquirem uma característica peculiar que é admitir que cada um constrói seu próprio caminho e com isso, abrem-se às divergências no próprio ato de se comunicar, de dialogar. A tradição dos processos educativos tem sido o monólogo dos sujeitos. A construção da consciência crítica promove não a negação do homem, resultante de processo monológico mas busca a imediatez intersubjetiva das consciências, revigorada pelas condições do diálogo. Os dialogantes avançam para admiração do mesmo mundo. Podem afastar-se desse mundo ou coincidem com o mesmo. Apresentam-se no mundo da vida ou se opõem ao mesmo. O diálogo vai se estabelecendo e se constituindo não como produto histórico. Ele é a própria historicização do mundo, expressão da intersubjetividade, ao conscientizar o dialogante como autor de sua própria história. Há neste processo o ato da fala e esta instaura o mundo do homem, pois ela não é só expressão significante do mundo ou expressão de pensamento, mas é a práxis humana. Práxis que se realiza pela comunicação, sendo esta, o próprio diálogo. Um diálogo que externa palavra de pensamento e ação sobre o mundo. Ação intersubjetiva de busca de autenticidade, de validação assegurada pelo outro e pelo reconhecimento do outro como o reconhecimento de si no outro, colaborando na construção de um mundo comum. Portanto, o reconhecimento da situação de inconsciência pela situação dialógica é o assumir a sua própria palavra, a construção de um mundo novo. A pedagogia de Freire, ao chamar para si a construção do mundo novo pelo indivíduo – o oprimido -, define-se pela dimensão política que atravessa toda a fundamentação social e psico-social de sua ação educativa. A educação e a pedagogia de Freire mantêm a busca permanente pela consciência crítica, sem deixar de priorizar o ato de conhecimento que se realiza via diálogo. Um diálogo entendido como ação entre iguais e os diferentes, admitindo-se, ainda, as relações dialógicas mesmo quando as relações de poder são assimétricas. Quando isto ocorre,
219 o diálogo é um bom ponto de partida e um bom ponto de chegada para recuperar a igualdade. Nas relações face a face – e as relações entre educador e educando o são – a recuperação da democratização reside em poder estabelecer uma ação comunicacional que vise construir a identidade do oprimido e posicioná-lo na luta pela libertação (Russo et al. 2001: 120). Ora, sem identidade, não há condição de libertação por parte do oprimido. Sua identidade é componente do mundo da vida, sua exterioridade, a razão do outro, tendo aí o início do caminho para a liberdade. Liberdade que se constituirá como elemento utópico, pois se afirma num pensamento que virá, sem um receituário definido e sem a inexorabilidade histórica. Assim, é que, na radicalidade de seu diálogo, Freire torna a política um substantivo e a pedagogia um adjetivo. Mesmo a sua concepção primeira de mudança interna no homem, por meio de um caminho conscientizador psico-pedagógico, é superada. Isto se constitui numa virada importante em toda a perspectiva emancipadora para a sociedade.
A pedagogia dialógica Na busca de superação de práticas educativas conservadoras, Freire (1983) desenvolverá uma rigorosa crítica, caracterizando-as, inicialmente, como educação bancária. Neste tipo de educação, o educador é o que educa, é o que sabe, que pensa, que diz as palavras, que disciplina, que escolhe a melhor opção, que atua e define conteúdos programáticos; o educador é, enfim, o sujeito do processo. Por outro lado, há o ouvinte que só escuta, que não sabe, sendo o objeto do pensamento do outro. O educando é o disciplinado, que escuta de forma dócil, que sofre a ação, que é adaptado aos desígnios daquele que se diz educador. Os educandos são meros objetos para o processo educacional. Estes participantes, educados segundo esta visão, fora da práxis, não podem se transformar em seres humanos. O desafio que se apresenta é a superação dessa lógica estabelecida nas práticas educacionais e culturais domesticadoras. O seu trabalho filosófico-educativo direciona-se para a substituição desse tipo de experiência educativa por uma ação cultural humanizadora entre educadores e educandos, entre falantes e ouvintes. A educação não pode transformar-se em uma silenciosa aceitação da opressão. Paulo Freire terá como base para manter a crítica às pedagogias estabelecidas, a promoção da denúncia dessa pedagogia fomentadora da opressão e que aprofunda a contradição entre opressores e oprimidos, defendendo a sua superação. Para realizar tal tarefa, inicia demonstrando a necessidade de que outra ação pedagógica deve ser iniciada a partir da realidade, em que o educando se insere e, pela conscientização, chegar à sua própria situação de oprimido. Com isto, é preciso uma pedagogia que contribua ao educando o desenvolvimento de seu próprio processo de libertação. Uma base ontológica de sua pedagogia tem como esteio a ideia central de que ninguém se educa que não de forma coletiva. Em Freire (ibid.: 58) ninguém se liberta que não através de uma ação cultural coletiva. Assim, é que a ação política junto aos oprimidos é „ação cultural‟ para a liberdade e, por isto mesmo, ação com eles. Esta ação libertadora reconhece a situação de dominação existente e proclama a necessidade de superação dessa situação de opressão. Esta, porém, não é doação que uma liderança, por mais bem intencionada que seja, lhes faça. Não podemos esquecer que a libertação dos oprimidos é libertação de homens e não de „coisas‟. Por isso, se não é autolibertação – ninguém se liberta sozinho, também não é libertação de uns feita por outros. A pedagogia de Freire terá como concepção a perspectiva ontológica de que a educação do homem é algo que só vem pela dimensão social e coletiva, tomando como referência o mundo em que todos estejam inseridos, o mundo de suas vidas. Ele fala da necessidade da mediatização do mundo nesse processo de educação expressando, dessa forma, uma concepção de pedagogia que seja problematizadora do mundo e da situação em que o homem se encontra um estado de opressão. Formulará uma visão de homem expresso na incompletude, na
220 inconclusão. O movimento, na perspectiva de Freire, é no sentido da busca de o homem tornarse um ser mais. Originariamente, a construção de ser mais tem como caminho a ação dialógica, aberta à comunicação e à solidariedade autêntica de educadores e educandos. Precisa estar orientada ao reconhecimento da realidade e à formação da consciência crítica. Ora, “somente o diálogo, que implica num pensar crítico, é capaz, também, de gerá-lo” (ibid.: 98). Sem o diálogo, torna-se impossível a comunicação entre falantes e ouvintes e a educação promotora da construção do ser humano transformador. Para Freire (ibid.: 78): Não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo. Pelo diálogo, o educando pode se preparar para a captação do mundo e intervenção nele, superando a situação de mero espectador, acomodado às prescrições de outros ou mesmo, julgando-as como suas. Todo dia, constata-se a existência de um homem esmagado, diminuído, reduzido à coisa, submetido por forças sociais poderosas e estabelecidas que criam mitos que os dirigem. São mitos que para Freire (1983a: 45) “voltam-se contra ele, o destroem e aniquilam. É o homem tragicamente assustado, temendo a convivência autêntica e até duvidando de sua possibilidade”. Um trabalho educativo crítico, de formação educacional dialógica, problematizador e libertador, conduzido em contraponto a essa situação de vida, não pode, entretanto, degenerar para suas possíveis contradições e se tornar um mero humanismo raivoso, exaltado. Este percurso educativo precisa instaurar uma ética contra a deslealdade, injustiças, desamor e violência. Uma educação ética definida pela necessária indignação diante de tudo isto. Este trabalho educativo ajuda para a descoberta de necessidades e contradições do mundo da vida dos dialogantes, as suas preocupações, esperanças, dúvidas e carências concretas. Este processo não é assegurado pelo diálogo, apenas, nas descobertas dessas situações em que vivem os educandos. Ele instaura um movimento em que os sujeitos, desde o início, são os próprios envolvidos. Para Freire (1983: 82): “A educação problematizadora se faz, assim, um esforço permanente através do qual os homens vão percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo com que e em que se acham”. Entendem, inclusive, que a até mesmo a forma de atuação dos educandos, seja esta ou aquela, é função em grande parte, de como eles estão se apercebendo no mundo. Permeando todo o processo de ação cultural para a liberdade, a dialogicidade torna-se a essência da educação. O diálogo está estabelecido na ação pedagógica de Freire. Passa a estar presente no decorrer de sua experiência, desde a organização dos conteúdos da ação educativa e em qualquer ambiente em que esteja ocorrendo ou em possibilidade de existir. O diálogo se faz presente na metodologia de desenvolvimento dos „temas geradores‟, no momento inicial da investigação e no decorrer de todo processo que conduz à ação cultural para a liberdade. Para Freire (1983: 92): A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. Mas, o estabelecimento da dialogicidade como fundamento, em sua pedagogia, cobra um diálogo „verdadeiro‟ para que haja a promoção de valores éticos no processo educativo. Com isto, admite que a sua existência se dará quando firmada a condição de, também, pensar de forma „verdadeira‟. Para ele (ibid.: 97): “Finalmente, não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-homens, reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade”.
221
A cultura, o poder e o diálogo A pedagogia freireana, a partir de suas primeiras formulações, conduzidas pelo exercício da crítica, está relacionada à cultura e ao poder, sobretudo, do poder de realizar a cultura. A pedagogia está voltada à realidade onde se insere a ação educativa. Com essa exigência, a alfabetização e conscientização se constituem como dois momentos importantes deste processo educativo. Ambos têm implicações marcantes, tanto no âmbito social como político, refletindo um movimento pedagógico exercido, desde a chegada ao poder, de possuir cultura e exercício de poder realizar os sonhos e a utopia. Freire eleva o nível de informações do patamar da alfabetização para o do círculo de cultura com a mesma metodologia de construção da própria cultura e consciência dessa construção – um exercício para a liberdade. Com este exercício de aprendizagem em desenvolvimento no círculo de cultura, baseado no diálogo, os educandos se revelam em primeiro plano, desde o início das atividades. A orientação do educador rege-se para o despertar da consciência do educando, para que ele possa se aperceber e compreender a realidade que o cerca, o mundo em que vive. Giles (1983: 104), compreende, em Freire, que: Educar é firmar-se na prática da liberdade – liberdade que nunca é um dom, mas uma conquista constante. Afasta-se, portanto, como objetivo do processo educativo, a aprendizagem de conceitos ou de técnicas abstratas, irrelevantes para o homem concreto no seu trabalho, na sua luta pela conquista da liberdade.
Liberdade para superar pela crítica todo tipo de permanência de irracionalidade que está presente no nível da consciência ingênua. Esta torna falsa a possibilidade do diálogo, pois o homem fica vencido e dominado, sem saber, mesmo que esteja crente de ser livre. Na verdade, Freire (1983a: 63) mostra que esse indivíduo: Teme a liberdade, mesmo que fale dela. Seu gosto agora é o das fórmulas gerais, das prescrições, que ele segue como se fossem opções suas. É um conduzido. Não se conduz a si mesmo. Perde a direção do amor. Prejudica seu poder criador. É objeto e não sujeito. E para superar a massificação há de fazer, mais uma vez, uma reflexão. E dessa vez, sobre sua própria condição de „massificação‟. Este é um risco concreto, em que, o movimento de conscientização para a liberdade evoluir para uma política massificadora, tornando-se um processo educativo que não avança às mudanças. Um processo permanente de se refazer a pedagogia e as metodologias utilizadas na própria pedagogia crítica. Se isto já preocupou Freire no início de suas formulações educativas, a questão permanece. Cultura e poder acompanharam a pedagogia de Freire, em especial a sua preocupação com a manutenção da atividade dialógica como procedimento, nas metodologias educacionais que punha em prática. Alerta para a necessidade de uma análise atualizada sobre o atual estágio do capitalismo e o papel destinado ao conhecimento, por meio da pedagogia como dispositivo sutil dos sentidos, das linguagens, das imagens e dos valores. Anuncia a existência de uma nova realidade. Alerta, ainda, para que a pedagogia opere em todos os espaços da cultura; construa uma nova base teórica e política, reconstruindo a crítica e buscando novas proposições de metas, através do diálogo. Para Mejía (1999: 61), a riqueza de Freire é que: ele vê a pedagogia como uma prática educativa e política que tem seu espaço e seu tempo na esfera da cultura e, portanto, no mundo das escolas. Ou seja, não
222 nega a escola, mas a constrói como um espaço no qual a exclusão adquire características e processos culturais específicos. É assim que, em sua proposta pedagógica, continua mantendo no diálogo cultural essa busca de acordos permanentes. É possível, desta maneira, a existência de uma visão de pensador interdisciplinar em Freire. Sempre pelo diálogo, avança no sentido de produção cultural e coletiva com as equipes que atua. A pedagogia do oprimido, vivenciada em sua longa experiência, é cortada por dimensões interdisciplinares. Todo o diálogo que permeia a sua obra expressa a interdisciplinaridade em torno do binômio oprimir e libertar, envolto nos processos de um outro binômio que é cultura e poder. Um binômio sempre buscado de forma interdisciplinar e marcante na sua proposta epistemológica.
A ação dialógica O fazer educação de Freire, mesmo quando assumira postos de executivo em gestões de educação, é banhado com dimensões de interdisciplinaridade. Nos postos administrativos sempre revelou as suas atividades de educador. Trazia consigo, como primeira preocupação, a organização de equipes para o desenvolvimento do trabalho. Aquilo que defendia no exercício teórico punha em prática quando em papéis de direção de postos de educação. Iniciava com o convite aos que o cercavam para o exercício de um novo tipo de planejamento, acompanhado de equipes multidisciplinares de físicos, matemáticos, cientistas políticos, sociólogos, lingüistas e literatos, filósofos, arte-educadores, juristas, especialistas em sexualidade, além de outros. As formulações de seus planejamentos envolviam o conhecimento da realidade onde estava inserido juntamente com esses profissionais e estabelecia o diálogo como pressuposto administrativo. Avança nas definições das metas a serem cumpridas, ao estabelecer os mecanismos de avaliação. Para ele (1995: 38), “a intenção é possibilitar um diálogo entre grupos populares e educadores, entre grupos populares, educadores da rede e os cientistas que nos assessoram”. Através de depoimentos de suas equipes, sabe-se que sempre procurava esclarecer o sentido político e pedagógico do trabalho, com a compreensão de que a escola é um espaço público. A vida diária nessas escolas faz ver um mundo de relações afetivas, políticas, pedagógicas e, assim, se constituindo como ambiente, por excelência, para a reflexão e práticas educativas. Para ele, os estudos de gabinetes dos postos de administração só são úteis se tiverem a finalidade de execução daquelas metas, anteriormente definidas, através do entendimento e do diálogo. Também sempre acompanhou a clareza de que a implementação de políticas promotoras do diálogo – democráticas - não seria efetivada a partir de gabinetes mas da escola mesma. Existe, em Freire, toda uma perspectiva de construção e posse do produto dessas relações de construção, que de forma terminante, recusa qualquer tipo de pacote para ser executado. Freire, em sua experiência, conduz para a aprendizagem de si mesmo como de toda a equipe. A necessidade dessa transdisciplinaridade é o caminho para a chegada à objetividade. A sua reflexão, partindo do mundo do concreto, se dirige para a totalidade do real e esta é transdisciplinar. A realidade impõe a subjetividade e não de maneira inversa quando esta se propõe inventar o transdisciplinar. É a realidade que exige do sujeito ou da consciência a necessidade de ser vista por diferenciadas óticas, caso seja este o desejo para o seu entendimento. Este conhecimento da realidade seria impossível se não fosse tentado e buscado com equipes transdisciplinares, com a presença dos setores populares. Não seria possível esta elaboração a partir de gabinetes ou mesmo de uma biblioteca em que fossem definidas prescrições a ser seguidas. Mantém-se, em toda a trajetória freireana, a exigência da manutenção do diálogo e o exercício com os setores populares. Freire (1983a: 102) lembra que:
223 Experimentáramos métodos, técnicas, processos de comunicação. Superamos procedimentos. Nunca, porém, abandonamos a convicção que sempre tivemos, de que só nas bases populares e com elas, poderíamos realizar algo de sério e autêntico para elas. As suas técnicas com os grupos populares foram trazidas para dentro dos gabinetes como a elaboração de programação de debates, as entrevistas com membros dos grupos da administração, a listagem de problemas que seriam os definidores do trabalho de toda sua equipe. Após certo de tempo de aplicação das definições tomadas, sempre de forma dialogal, voltava-se aos processos de avaliação e replanejamento. Tal qual nos círculos de cultura, onde não havia um professor mas um coordenador de debates, também na administração, não havia um executivo exercendo papel na burocracia estatal mas um participante do grupo, com a responsabilidade e autoridade para implementar as políticas. Dos debates com as equipes, havia sempre algo novo surgindo. Buscava, cada vez mais, implementar a ação política mais geral, sempre atento à construção de uma escola que fosse pública, que fosse popular pois, necessariamente, exige-se que seja democrática. Saul (1999: 26) destaca, a partir de sua convivência educativo-administrativa com Freire, a sua expectativa em relação aos novos projetos que apareceriam na administração95, revelando que: toda a sua criação ousada, todavia, era cercada por uma moldura democrática onde o diálogo sempre foi a pedra fundamental. Paulo Freire queria ouvir, ouvir sempre, ouvir muito a posição da equipe sobre as propostas. Ouvia ponderações, recriava suas propostas, estimulava e dava espaço a novas proposições; externava preocupações, colocava parâmetros. Tanto nas atividades com os processos de alfabetização, nos círculos de cultura e na vida administrativa, a pergunta que sempre aparece é como proporcionar, por meio do instrumento estatal, a possibilidade de ser possível a superação de atitudes de ingenuidade e de magia que a vida apresenta. A resposta pareceu estar num método que promova a ação, sendo dialógico e crítico. A promoção de mudanças em procedimentos e conteúdos programáticos da educação adviriam desta postura metodológica. As propostas de Freire como lembra Scocuglia (1999: 32), “foram feitas para serem recriadas, conforme o cotidiano, o imaginário, os interesses e valores, conforme as condições de vida de seus praticantes – educandos e educadores”. Na experiência freireana o diálogo veio sempre se impondo como indispensável no caminho de sua pedagogia e educação. O diálogo permeia a organização e execução do método em todas as suas fases, como mostra Freire (1983a), desde o levantamento do universo vocabular dos grupos, em que se fixam os vocábulos com maior expressão existencial e, conseqüentemente, de maior conteúdo emocional, destacando os falares típicos do povo. Entrevistas realizadas em grupos populares ou de administração que “revelam anseios, frustrações, descrenças, esperanças também, ímpeto de participação, como igualmente certos momentos altamente estéticos da linguagem do povo” (ibid.: 112). A escolha das palavras contidas no universo vocabular pesquisado é definida pela sua riqueza fonêmica e pela dificuldade fonética da palavra que contribua para uma gradação de dificuldades na aprendizagem. Dá-se importância ao teor pragmático da palavra, definida por sua pluralidade quanto ao engajamento numa dada realidade política, social, cultural. O diálogo traspassa a fase da criação de situações existenciais do grupo com quem se vai trabalhar. São as situações-problemas, os desafios lançados ao grupo e o espaço de decodificação dessas situações, ajudado pelo coordenador que tem a clareza de não transformar o processo de educação em outro processo – a domesticação. Um elemento de ajuda é a elaboração das fichasroteiro que compõem o quadro de discussão que segue. O diálogo prossegue pela discussão do papel do sujeito na produção e organização da cultura. De situações localizadas, avança-se em análise para as dimensões regionais e nacionais, abrindo espaço para a alfabetização ou mesmo 95
Relato de Ana Maria Saul quando trabalhou com Paulo Freire, na Secretaria de Educação da cidade de São Paulo, tendo como prefeita Luiza Erundina, na época, do Partido dos Trabalhadores.
224 para a definição de políticas públicas comprometidas por este diálogo. E, finalmente, a elaboração de fichas com a decomposição de suas famílias fonêmicas com os respectivos vocábulos geradores, em que se inicia a parte da escrita, no sentido técnico do processo. Também, na sala de aula, Freire seguia o mesmo itinerário filosófico e pedagógico marcante em toda a sua vivência. Propunha como início de aula, a apresentação de interesses de cada aluno, as suas preocupações de pesquisa, enfim os sonhos de cada um. Um momento de encontro com o mundo daquela realidade da sala de aula, estabelecendo o diálogo como caminho desse aprendizado coletivo. Não importa se os objetivos estão nítidos e rigorosamente definidos. O importante mesmo são os atos de fala de cada participante. Desses interesses, definem-se a seguir as diferenciadas temáticas a serem abordadas. Buscam-se as correlações que, eventualmente, aqueles temas exibem por meio de eixos que se interligam. O aprofundamento dos projetos vem com maior investigação das temáticas sugeridas. O percurso da aprendizagem não pára neste momento. Avança para que cada participante assuma a escrita de textos referentes às aulas como material de posterior utilização. Muitos temas são recorrentes nessas salas de aula e, também, na obra de Freire, que são formas de se realizar novas visões das mesmas temáticas. É comum voltar à discussão os temas como o respeito ao educando, o ponto de partida ser a realidade do aluno, a defesa da autoridade do professor, a politicidade da educação e, sobretudo, o diálogo como fundamento. Um caminho, visto por Freire (1983: 45), como necessidade educativa para a realização da “ontológica e histórica vocação dos homens – a do ser mais”. A maior dificuldade estabelecida entre os participantes é a não cultura do diálogo. O desafio, além de estar na superação dessa atitude antidialógica, continua, sobretudo, durante o exercício de supervisão que seja também dialogal, na perspectiva de não sucumbir aos perigos do não diálogo. Assim, parece ser a construção de uma democracia autêntica, por práticas que despontam, pela conscientização, para a liberdade. Em Freire (1983), no desejo do agir pedagógico, há uma exigência política na própria caracterização do diálogo. Não é qualquer tipo de diálogo que pode ser útil à ação dialógica problematizadora. O eu dialógico freireano tem clareza de que a sua constituição está no tu, o outro. Mas sabe, também, que “esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Desta forma, o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois eu” (ibid.: 196). O diálogo, na ação pedagógica de Freire, é promotor da colaboração entre o eu e o tu, alimentando a possibilidade de que eu e tu se tornem sujeitos de seus próprios mundos. Há um diálogo que pelo ato da fala se torna comunicação, efetivandose como instrumento de colaboração. O diálogo também funda a colaboração. Mas para realizar a colaboração, pela visão de que ninguém se liberta sozinho, o diálogo é orientado para que possa promover a união, na perspectiva da liberdade. O diálogo assume a dimensão de que só será se servir para unir para a libertação. Uma dimensão necessária, pois como mostra Freire (ibid.: 203): A própria situação concreta de opressão, ao dualizar o eu do oprimido, ao fazê-lo ambíguo, emocionalmente instável, temeroso da liberdade, facilita a ação divisória do dominador nas mesmas proporções em que dificulta a ação unificadora indispensável à prática libertadora. União que só terá sentido libertador se inserida na dimensão da ação cultural para a liberdade. Através dessa ação cultural, torna-se possível o desvelamento aos oprimidos de sua situação objetiva em que estão submetidos, seja de forma visível ou não. Mas, o diálogo, na ação cultural, enquanto promove a união entre os oprimidos, não é expressão de um ajuntamento de indivíduos, mas está dirigido à organização das massas populares. Para Freire (ibid.: 207), a organização é promotora da unidade dessas massas populares, lembrando sempre de que a libertação está diretamente voltada à sua unidade. Aliás, ela só será expressão de sua natureza mesma se tiver como objetivo a prática para a liberdade. Finalmente, o diálogo só se impõe como determinante, na ação dialógica freireana, ao expressar uma ação cultural. Mas, a ação cultural, como síntese cultural, poderá revelar uma ação sistematizada e deliberada sobre uma estrutura social, tanto no sentido da conservação como no da
225 transformação. A ação cultural busca, tão somente, a superação das contradições antagônicas resultantes da libertação dos homens. “É um modo de ação cultural, como ação histórica, que se apresenta como instrumento de superação da própria cultura alienada e alienante. Nesse sentido é que toda revolução, se autêntica, tem de ser também revolução cultural” (ibid.: 214). Ação educativa na perspectiva de Rodrigues (2001: 30) cujo fazer popular se referenda à medida que as pessoas não sejam súditas ou subalternas de autoridade qualquer “porque toda autoridade legítima e democrática é que é súdita e subalterna do povo”. Ação cultural cuja realização só será possibilitada no contexto da dimensão dialógica.
Uma síntese A prática e a teoria educativa de Paulo Freire estão associadas a um exercício filosófico e político permanente, embasado pela crítica (dimensões positiva e negativa), alicerçada pelas perspectivas de análise das coisas do mundo. Pela crítica em sua dimensão negativa, a pedagogia torna-se útil na luta contra pré-conceitos, pré-juízos e valores fomentadores de alienação e coerção. Em sua dimensão positiva, a crítica estabelece o seu pensar sobre o agir pedagógico e dá a conhecer um Freire que arrasta a marca de um pensador e pedagogo moderno, otimista com a Razão, apostando nela própria como fundamental na luta permanente de busca de liberdade A ação pedagógica configura-se como um sistemático processo de questionamento de um terreno perdido para a dominação, realizado por um tipo de razão geradora de oprimidos e opressores. Freire busca o estabelecimento de outra dimensão racional, no âmbito da esfera da cultura, cuja tarefa principal é a conquista da liberdade pelo oprimido que só poderá ser efetivada por intermédio do diálogo. Ele não nega a importância e a necessidade da técnica para a solução de necessidades humanas. Contudo, pelo diálogo, no exercício de uma pedagogia voltada à liberdade, define-se por uma outra necessidade que é a superação de novos valores para um mundo da vida das pessoas, elaborados por situações dialógicas. Revela a capacidade crítica de sua pedagogia ao exercê-la nas mais diferenciadas instâncias da vida, seja em movimentos sociais, em ambientes de administração pública e mesmo em sala de aula. Há um itinerário definido que vai desde as análises de programas em educação de adultos, até suas radicais críticas que apontam para a solução, somente possível, por meio de uma „ação cultural libertadora‟. Esta ação se configura como um efetivo programa para a organização dos marginalizados, oprimidos ou dominados para a sua própria libertação. A promoção dialógica dessa ação cultural que liberta se abre para as mais diferenciadas perspectivas filosóficas, gnoseológicas ou mesmo epistemológicas de seu pensar pedagógico, destacando a disposição para a construção de um mundo que contemple a ação coletiva. Neste mundo, homens e mulheres sempre estão em condição de inconclusão, tendo, contudo, consciência desta situação (Freire, 1997). Em Freire, não há espaço para o eu que não seja acompanhado do tu, sempre um eu e um tu em condições de diálogo. A teoria e a prática pedagógicas da ação cultural voltam-se, essencialmente, para a questão da democracia. Esta é uma luta que é mantida na perspectiva de que ajude a contribuir na eliminação de processos de opressão, daqueles que vivem à margem dos produtos culturais da sociedade. O diálogo presente no agir libertador freireano só pode ser entendido se historicamente situado. Não há qualquer tipo de ideologia asséptica em sua obra, e sim uma explícita opção de libertação do oprimido. Tanto na Pedagogia do Oprimido como na Educação como Prática da Liberdade, o diálogo é apresentado como possibilidade de sua realização entre diferenciadas culturas, marcadas, hoje, pela diversidade cultural. Há em Freire, a perspectiva de que homens e mulheres não expresse qualquer produto acabado, marcado pelo destino. Para ele, ninguém vive sem história e a educação é um fenômeno responsável desse processo em que homens e mulheres se fazem gente e constroem o mundo. Uma construção que conduz ao incentivo de produções conflituosas nas relações entre educando e educador. A perspectiva de completude dessas relações parece existir para que não se torne completa. É preciso assegurar a democracia
226 e, nesse sentido, assegurar algo de maior importância para cada geração que é o incentivo à sua capacidade de negar o legado deixado pela geração anterior, assegurando a produção desse novo mundo. Assim, é que o trabalho cultural libertador não pode ser deixado como tarefa a ser realizada só após processos radicais de mudanças. Este trabalho acompanha e é parte desses processos, procurando a eliminação da possibilidade de burocratização das direções dos oprimidos, uma forma de se evitar o empreendimento coletivo da libertação e que dificulta o trabalho dialético e dialógico de homens e mulheres como um movimento de autolibertação. Portanto, a prática pedagógica de Freire contém uma teoria da educação que vislumbra uma permanente e ilimitada experiência dialógica, voltada à tarefa histórica, de que os oprimidos possam não só se libertarem como também libertarem os seus opressores. Considerações O diálogo, ao ser apresentado, como uma condição fundamental para o pensar e o fazer educação, abre a perspectiva de que cada um possa se colocar no mundo da vida, do cotidiano de cada sujeito, sem a intenção de permanecer nele, mas iniciar o exercício da crítica ao objeto, no sentido da denúncia da assimetria estabelecida pelo caudal crescente de desigualdades existentes na realidade. Este exercício pode se estabelecer enquanto parte das vivências dos agentes, das crenças, dos valores, das normas morais que formam o mundo da vida, de forma compartilhada. Portanto, torna-se possível recolocar o problema da educação, em qualquer ambiente em que esteja se realizando, desde que seja um espaço para o diálogo. Este, apresentando-se de forma maiêutico-socrática, por meio de uma pedagogia freireana que exercite a superação da opressão ou pela ação comunicacional habermasiana, pode iniciar o exercício de uma nova racionalidade, definida pela reflexão crítica sobre a realidade, visando à ação transformadora. A perspectiva crítica da ação transformadora é que tem conduzido à instalação, também, de uma ciência crítica, voltada à emancipação e que tem buscado fixar-se a partir de uma integração da ciência social empírica e a hermenêutica. As análises hermenêutica e empírica confluem para uma determinada dialética emancipadora. Mas, isto não basta, se essa combinação de métodos não estivesse marcada por uma clara dialética concreta ou pela ação que é exigida no próprio ato do diálogo. Este projeto civilizatório, pautado pelo diálogo, apresenta-se como aquilo que pode ser feito pela geração que educa e a geração educanda, em processo educativo onde distinções entre educador e educando jamais ultrapassam as formalidades e atribuições dos papéis sociais, porque na realidade, pelo apresentado, cada educador se educa como, também, cada educando educa. Um projeto exigente da ação voltada à própria humanização do homem e que precisa ser construído coletivamente. No exercício educativo dos dias de hoje, a marca dialógica afirma-se, ainda mais, como o eixo do processo educacional. O diálogo, todavia, parece não responder simplesmente pela formulação de uma relação racional de um ato de fala. Os mecanismos educativos existentes, as variadas abordagens fruto de outras racionalidades resultantes dos diferentes estilos de se viver das diversas etnias e de relacionamentos sociais, inclusive religiosos, parecem desejar maior abertura para os processos de entendimento que envolvem as dimensões corpóreas, para além, simplesmente, das já estabelecidas relações racionais. Nesta direção, podem ser apresentadas várias perguntas que mantêm e, talvez, ampliem a dimensão do diálogo. Será que não se está comunicando, estudando, aprendendo, ensinando, dialogando, por meio de formas distintas, como aquelas expressas pelos sentimentos, pelas emoções, pelos desejos, pelos gestos, pelos medos, pelo corpo, pelas paixões e também pela razão crítica, elastecendo a dimensão do diálogo, para além da formulação da fala – perguntar e responder? Será que estas distintas formas de comunicação não poderão compor um quadro da racionalidade emancipadora, do mundo da vida, quando se referem aos mundos objetivos, social e subjetivo, em que o ato de perguntar e responder se amplia para o ato de comunicar-se para o entendimento?
227 Não estará abrindo-se o leque de maior possibilidades de busca da verdade, como expressão de vetor para maior apropriação da própria racionalidade? No insistente desejo de busca da verdade, não seria importante ouvir os poetas, a exemplo da questão de Pessoa (1992: 215): “eu que não tenho certeza alguma, sou mais certo ou menos certo?”. Um desafio irrenunciável, por parte daqueles que fazem educação, é estar atento a muitos que com vestais dialogantes efetivam atitudes nada procedimentais para a promoção da democracia. Neste momento, a ação dialógica parece apontar para a necessidade de reformulação da didática, da avaliação, do planejamento e de processos de decisão participada em instituições escolares básicas, médias, graduação superior, pós-graduação e em gerenciamento de instrumentos de políticas públicas no Estado, ficando estes limitados à mera condição de simples elementos instrumentais. Mas, a cada momento, se torna imperiosa a ampliação da perspectiva dialógica da educação, no sentido de um exercício prático desse fazer educação. Pode-se destacar que para Freire, Habermas e Platão, o diálogo se funda como exercício prático e não como expressão de simples formulação teórica. O diálogo só se torna substantivo quando envolto na ação. Diálogo sem ação não passa de um flatus vocis96, na expressão de Ockham97. Com esta perspectiva, é bom lembrar que esses pensadores conduziram esta dimensão ativa do diálogo à radicalidade última. Todos mantiveram aquilo que constitui o papel da filosofia, isto é, o seu caráter próprio questionador para a busca de conclusões. Eles não toleraram que o diálogo, expresso por suas dimensões psicomotoras, afetivas, racionais ou outras, fosse, meramente, discursivo ou desacompanhado de uma necessária ação eficaz. Paulo Freire, ao estabelecer o agir como determinante para a pedagogia dialógica, atrai para si paixões raivosas que o conduziram para o exílio. Habermas continua apresentando suas posições políticas a partir de sua teoria de ação para a comunicação, fazendo-se presente nas tomadas de posições sobre o comportamento de governos e problemas que tensionam a realidade, no momento, em todo o mundo. Platão, que convidado a apresentar sugestões políticas ao tirano de Siracusa para organização da república, termina perseguido pelo mesmo quando oferece a exame a possibilidade de que o ouro de sua coroa tivesse a utilidade para por fim à miséria do povo. E Sócrates, sempre presente nos diálogos platônicos e expressão de seu pensamento, conduz o agir ao máximo de radicalidade ao tomar a sicuta, sem antes, como seu último desejo, haver praticado uma ação de verdadeiro educando: oferecer um galo a Asclépius, divindade mitológica máxima da medicina. São manifestações concretas de caracterização verdadeira do diálogo. Portanto, para além de um tipo de diálogo que pode ser compreendido como mera atividade contemplativa, Marx lembra a necessidade de superação desse tipo de atitude filosófica diante do mundo. Incentiva o agir emancipador, numa clara alusão de que o mundo mesmo origina a consciência e não o contrário. O diálogo se constitui, em sua essência, num discurso praxeológico, tendo na prática o esteio de sustentação. A importância da dimensão ativa do diálogo se faz presente, ainda mais, diante do quadro político histórico do mundo da vida, nos dias de hoje. Para além da busca de falsos consensos, da promoção do diálogo e de uma pedagogia dialógica, o agir como expressão dialógica se apresenta como fundamental para a análise dos aspectos da vida cotidiana, dominada por um discurso de mundialização (globalização) e liberal, em que políticas vão se encastelando nas mentalidades das pessoas e se pretendendo como dogmas, a serem seguidos por todos. A educação pelo diálogo, presente em Freire, Habermas e Platão, convida à discussão e à ação sobre muitos aspectos da vida cotidiana. A ação exige presença no debate sobre a propalada revolução científico-tecnológica e que se ela expanda a todos. Afinal, o que se tem não é um modelo demonstrador da estagnação da economia e do monopólio de poucos, relativo aos avanços tecnológicos existentes? 96 97
Literalmente, „vento da voz‟. Guilherme de Ockham, filósofo nominalista franciscano do final da Idade Média. Escreveu comentários sobre as principais obras de Aristóteles, sendo perseguido pela Igreja. A ele se atribui a famosa „navalha de Ockham‟, consistindo numa orientação de que não se deve multiplicar os entes existentes além do necessário.
228 Como apenas dialogar, sem a ação, sobre a importância do Estado, considerando que o mesmo tem sido um produto resultante da pilhagem das elites dominantes, para o qual ele não passa de um instrumento mediatizador? Como não dialogar, buscando atitudes sobre um tal fim de história, em que se impede o surgimento de outras possibilidades, diante de um sistema que incita, cada vez mais, a naturalização das relações humanas, elevando o grau de exclusão dos bens materiais de uma maioria, cada dia mais crescente? Assim, é que o diálogo, como atitude própria humana, expressão da capacidade de perguntar e responder ao outro, como igual, não apenas em discurso mas na ação, em fidelidade aos pensadores estudados, apresenta-se como componente fundante da educação. Estando presente na prática maiêutico-socrática (platônica), na ação comunicativa habermasiana e no fazer pedagógico freireano, encontra-se na Razão, que em conjunto, contribuem para a manutenção de um projeto de sociedade possível de superação da dominação, que insiste em conservar-se, nessa odisséia humana para a liberdade.
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230
COLETÂNEA
LIVRO 1.
DIALÉTICA
Geraldo Marques Carneiro Heleno Cesarino José Francisco de Melo Neto
231
João Pessoa 2002
O contrário é convergente e dos
232 divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discรณrdia.
Herรกclito
233
234
235
SUMÁRIO
Dialética - considerações (dos gregos a Kant) Geraldo Marques Carneiro ..................................................................
Dialética hegeliana do mundo às avessas Heleno Cesarino .....................................................................................
Dialética – uma visão marxista José Francisco de Melo Neto ..................................................................
236
APRESENTAÇÃO
Este trabalho pretende apresentar um „olhar‟ para o movimento teórico a respeito de um tema antigo e atual – a dialética -, abarcando diferenciadas formulações e possibilidades. Daí o título: Dialética. A dialética tem sido compreendida como um método de divisão, uma lógica do provável, uma lógica simplesmente ou, ainda, como uma síntese dos opostos. Este texto pretende, de forma muito geral, mostrar essas diferenciadas percepções, iniciando com o percurso desenvolvido dos gregos até Kant, em seguida, a visão do mundo invertido, mostrada em Hegel, e, finalmente, a formulação presente em Hegel e Marx. Os autores buscaram tornar essa discussão algo mais inteligível, sem cair no simplismo discursivo que, muitas vezes, o tema tem proporcionado. Assim, é que apresentam esta temática importante e necessária, sobretudo para a teoria do conhecimento ou, em particular, para as metodologias da produção do conhecimento, tornando este texto de fácil acesso aos estudantes e interessados na compreensão de possibilidades do vir a ser. Este caminho conduz, previamente, a uma reflexão mais pormenorizada da perspectiva da dialética como um método, e mais, como um método que se coloca ao debate, privilegiando a natureza (a realidade) mesma, dando-lhe anterioridade em suas análises. Na parte final, procurando tornar-se aplicável, mantém o debate teórico, porém em torno da pergunta: que dialética pode ser utilizada como constituinte metodológico-analítico de questões sociais?
José Francisco de Melo Neto (org)
237 DIALÉTICA – considerações (dos gregos a Kant) Geraldo Marques Carneiro98 Introdução Este estudo parte da concepção de que ao analisar o conceito de dialética, não é possível precisar uma definição única, muito menos uma explicação definitiva. Por isso, é necessário reconhecer que este breve estudo não pretende esgotar o tema e se constitui como mais uma posição, dentre as diversas posições possíveis. Mesmo assim, este trabalho procurará abordar o conceito de dialética e suas concepções através da História da Filosofia. No entanto, neste percurso, vamos perceber que o que existe é uma variedade de conceitos diferentes e, às vezes parecidos, que não possibilitam a sua definição de forma definitiva e coerente. Vamos tentar, pelo menos neste momento, organizar o debate, começando pelos Gregos, na Filosofia Antiga, e terminando com Kant, na Filosofia Moderna. Talvez, não exista na Filosofia um tema tão controvertido como o debate sobre a dialética. Isto não se deve, apenas, ao caráter político e ideológico que ela recebeu, em cada contexto, mas também quando se considera apenas o seu aspecto conteudístico. Todos os filósofos dialéticos pretendem ter construído uma lógica, uma metodologia ou uma ontologia da dialética. Por isso, diante da dificuldade de se admitir a existência de uma única interpretação para a dialética, devemos estudar suas diversas formas, para podermos emitir uma posição que seja menos dogmática e ideológica possível. É claro que a pretensão de alguns dialéticos de esboçar uma lógica dialética, semelhante à lógica formal, se mostra um tanto impossível ou mesmo ilegítima, devido ao próprio caráter da dialética que exige que a sua lógica não pode pensar de modo abstrato como a lógica formal, mas de forma concreta; que não se pode prescindir das relações dos conceitos com a realidade; que o sujeito não seja determinado apenas por um predicado, mas sim por todos os predicados possíveis. Desta forma, a dialética, enquanto um modo de compreender e explicar o real, surge na Grécia Antiga, e significa, além de uma nova forma de conhecer o mundo, a maneira pela qual os indivíduos puderam discutir e participar da vida pública. Este último aspecto da dialética é de uma importância fundamental para a devida compreensão da vida política grega. Ainda neste sentido, a dialética é o instrumento, por excelência, do exercício pleno da liberdade. Por isso, contribui para o surgimento das constituições livres. É o início do discurso, da comunicação imposta pela necessidade de encontrar o consenso e o acordo geral nos debates sobre um conceito jurídico ou político. A dialética proporciona, então, o deslocamento temático inaugurado pelos fisiólogos que procuravam explicar o mundo por meio do próprio mundo, e converte os negócios humanos no próprio objeto do conhecimento. A dialética reivindica a importância da opinião e conquista para a Filosofia o mundo do homem comum. A figura do homem comum que se agarra à sua razão e que quer firmar as suas razões, que se desenvolve ao lado da retórica até se confundir com ela, há de acompanhar toda a história do homem, das comunidades humanas reunidas na cidade. A relevância desta passagem é tamanha que Aristóteles chega a afirmar que o espírito de vingança se instaura com o advento da dialética, uma vez que, por meio dela, “a plebe domina”. Neste contexto, é na pólis que surge o autêntico debate sobre a dialética. Entretanto, este significado de dialética, mesmo na Filosofia Antiga, não foi único, de tal modo que Platão, nos seus escritos posteriores, a concebe com o sentido de um método para se chegar ao Bem, para melhor se administrar as coisas da cidade. No entanto, na Idade Média, com o assentamento disseminado da doutrina cristã, a dialética passa a ser vista simplesmente como técnica de disputa retórica, perdendo, consideravelmente, seu caráter político que a havia caracterizado no mundo grego. Mas, em todo caso, continua a ser um instrumento da razão que quer se firmar em defesa das pretensões da ciência, frente a uma ordem fundada, ou como uma via para alimentar e reforçar a própria fé. 98
Mestre em Filosofia e Professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, atuando na cidade de Mossoró.
238 Todavia, o Renascimento inaugura uma nova era para a razão e lança os fundamentos da Ciência Moderna. Neste contexto, de um lado, a Física assume a vanguarda das ciências, particularmente quando Newton publica seus Principia; por outro lado, os limites territoriais das nações já estão estabelecidos e a necessidade do exercício das coisas públicas nacionais começa a tomar vulto, especialmente depois da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. Em face disto, surge, então, a necessidade de examinar em quais princípios fundantes a Física está assentada e como os negócios da pólis podem receber um tratamento apoiado em parâmetros científicos. Tais preocupações abalam todas as nações européias e vemos surgir vários pensadores tentando respondê-las de modo apropriado. Na Alemanha, em particular, Kant irá se deter nesta temática. Kant redescobre a dialética e a recoloca no debate filosófico. No entanto, para Kant, a dialética é a própria razão. Neste sentido, Kant introduz a dialética, não no sentido prático, do real, mas a coloca como parte integrante da inteligência humana, como lógica da aparência, ou até mesmo confundindo-a com a razão. Portanto, a análise do conceito de dialética que se pretende aqui, começa os seus primeiros passos na Grécia Antiga e celebra o seu apogeu com Kant. É claro que não podemos descartar as contribuições que lhe foram posteriores, como Hegel e Marx. Todavia, o objetivo específico deste texto não é o estudo desta dialética em particular, traçaremos apenas um quadro da concepção de dialética que, por sua própria natureza, não pode deixar de ser digno de apreciações críticas. Para expor este estudo sobre o conceito de dialética através da História da Filosofia, o dividimos da seguinte maneira: a dialética na Grécia Antiga; a dialética na Idade Média e a dialética em Kant.
A dialética na Grécia antiga A dialética nos pensadores pré-socráticos Antes de adentrarmos na análise histórica da dialética, como nos propusemos aqui, convém dedicarmos algum instante ao que assumiremos como processo de geração e significação da linguagem. Com efeito, é necessário reconhecermos que a linguagem deve ser considerada historicamente, portanto, o seu significado não tem valor universal e atemporal, pelo contrário, o significado das palavras deve ser contextualizado. Neste sentido, a linguagem é algo vivo e, por isso mesmo, deve ser estudada e explicada levando-se em conta não apenas seu significado etimológico, mas notadamente suas nuanças semânticas. Sob este aspecto, a investigação lingüística deve necessariamente buscar a historicidade contextual da palavra. Deste modo, ficar preso ao significado etimológico de um termo é perder de vista os vários significados que ele recebeu em contextos diferentes, ao ser usado para traduzir uma concepção dada. Assim, ao se analisar uma palavra, por exemplo “dialética”, deve-se analisar o contexto em que ela está inserida. Deste modo, a análise da palavra “dialética”, também deve reconhecer este fato, qual seja, de que a linguagem deve ser pensada de forma contextualizada, de tal modo que uma palavra não tem um significado definitivo e desvinculado do real. A palavra “dialética” parece que foi introduzida na filosofia por Platão, no entanto, não há uma avassaladora comunhão sobre tal fato, tornando-o bastante polêmico. E embora possamos rastrear certos resquícios em filósofos que lhes são anteriores, ainda assim não podemos encontrar acordo com relação ao significado do termo em questão. O mesmo, aliás, se aplica aos filósofos gregos que lhe são posteriores. Deste modo, é fato incontestável a existência de várias concepções sobre a dialética presentes na Antigüidade Clássica. Segundo Xenofonte, entretanto, Sócrates “Ajuntava vir o nome de "dialético" do hábito de dialogar em comum e distribuir os objetos por gêneros; que mister havia, pois, dar-se com afinco a
239 este exercício, de ver a que tal estudo forma os melhores homens, os mais hábeis políticos e os mais fortes dialéticos “(Memoráveis, v; 11). Contudo, a gênese cultural e filosófica da dialética é importante para compreender que a Filosofia não esgota a cultura do século V a.C. na Grécia Antiga. E, ainda, que a difusão cultural da época fosse muito baixa e limitada, sendo acessível apenas à pequena elite intelectual. Mesmo assim, a oratória permite que o debate se dê no nível da consciência comum dos atenienses. É a situação da pólis grega que coloca a oratória como fator determinante à discussão nos tribunais e à participação dos cidadãos nas assembléias populares. Deste modo, a oratória passou a ser ensinada de forma sistemática e metódica, com o objetivo de propiciar aos homens a sua participação na democracia grega. Em Homero, o termo “dialética” recebe sentidos diversos conforme o contexto em que fosse sendo usado. Assim, é que pode ser encontrado na Ilíada (XI, 407; XIX, 97; XXI, 562; XXII, 122 e 385) no sentido de discussão, de pensar, como em XI, 407:“mas porque é que meu coração discute (pensa) tais coisas?”; já na Odisséia (I, 59), ao empregar o termo lógos, no sentido de “pensamento que se exprime”, Homero, ao descrever como Calipso procurou convencer a Ulisses a esquecer Ítaca, faz uso da “dialética” no sentido de “discursos artificiais”; na Ilíada (XV, 393), quando descreve os lamentos de Eurípilo ferido e a intervenção de Pátroclo para fazer seu parceiro esquecer a dor, “dialética” é empregado como “palavras hábeis”. Heródoto, por seu turno, entendia “dialética” como a “compreensão recíproca que se institui entre diversas pessoas através da linguagem” (História, I, 142, 2). Deste modo, o termo quer indicar não tanto o dialogar, ou uma variação do falar, como, sobretudo, a instituição do diálogo, a necessidade do início do diálogo como meio de entendimento, como instrumento para apoiar a união dos cidadãos, para fundar a sua comunidade sobre conceitos, em particular sobre conceitos morais e jurídicos. Já Heráclito, Parmênides e Zenão, cada um a seu modo, dão também suas respectivas contribuições nesta empreitada. Com efeito, Parmênides, vivendo num contexto em que o pensamento é a medida do ser, que as palavras se acoplam às coisas e que pensamos mediante palavras, chega à estarrecedora conclusão de que qualquer predicação destrói a natureza do ser. Assim, dizer “o homem é” seria dizer que o homem é um ser diferente dele mesmo; dizer que “o homem é bom” seria o mesmo que admitir que o homem poderia ser outra coisa que não ele mesmo. Sob este aspecto, Parmênides só poderia dizer que “o ser é”. Por conseguinte, o vir-aser é uma mera ilusão e que o nada, nada é. Zenão, discípulo direto e dileto de Parmênides, procura mostrar, em favor da imobilidade do ser de Parmênides, que a concepção de todo e qualquer movimento é algo inteiramente inconcebível, dada a sua contradição. Zenão argumenta que para se percorrer uma dada distância é necessário antes se atingir a metade do caminho; esta etapa, por seu turno, exige que se alcance, primeiro, a metade da metade e assim por diante, obtendo-se, deste modo, um número infinito de divisões dentro de um espaço, no entanto, finito. Heráclito de Éfeso contrapõe-se a Parmênides e a Zenão. De fato, para Heráclito, estimulado pela visão e pela ação destruidora do fogo, o real é a mudança, o vir-a-ser constante tal qual o movimento das águas de um regato perene. Todavia, o que aparece imediatamente aos sentidos não é ainda o real “porque a natureza adora se esconder” (Frag. 123) e o homem muitas vezes tem erigido uma concepção de mundo apoiada apenas no que se lhe apresentam aos sentidos, tal qual “uma criança” (Frag. 79). É, pois, por confiar em demasia nos sentidos que o homem termina por não perceber que, por trás da máscara da multiplicidade, encontra-se o divergente que consigo mesmo concorda e se harmoniza (Frag. 51). Tampouco compreende que a alma trava consigo mesma um combate constante, segundo a discórdia e a necessidade (Frag. 8 e 80), para vislumbrar, com clareza, no oposto, a natureza do que aí está. Assim, os aspectos benéficos da saúde, só se revelam na doença; os da saciedade, na fome e os do repouso, na fadiga (Frag. 111). Para captar a compreensão destas coisas, Heráclito, propõe, então, a dialética, no sentido da busca, ultrapassando os dados sensíveis, para obtenção da união dos contrários. Ante a esta variedade de concepções de “dialética”, as dificuldades se avolumam consideravelmente. Em face disto, convém, então, lançarmos um olhar na cultura grega, na esperança de vermos surgir ali uma luz para iluminar esta busca. Tudo leva a crer que a
240 concepção devida da “dialética”, na Grécia Antiga, passa pela compreensão do valor que a cultura grega atribuía ao dom do falar bem. Com efeito, uma vez que as atividades do labor e do trabalho eram atributos do homem não-livre, quase que em toda sua totalidade desenvolvida por escravos, os homens livres dedicaram seu tempo aos temas concernentes aos negócios da pólis. De fato, na vida pública, onde se era visto e ouvido, em visível oposição à vida privada, onde não se era visto nem ouvido, a palavra desempenha papel extremamente relevante, posto que se opunha aos atos heróicos, estimulando ou persuadindo alguém a executá-lo ou não. Além disto, haja vista que a vida pública firmava a vida entre pares, as desigualdades só poderiam ocorrer via ação, enquanto atos incomuns e comparados aos atos divinos, os atos heróicos, e via palavra. Ora, são aqueles que se destacam que vão ocupar as mais elevadas posições na vida pública. Logo, a palavra passa a exercer uma função especialmente política, pois falar bem passa a ser sinônimo de possibilidade do galgar altos postos no comando da cidade. Em face disto, um contingente considerável de professores de retórica passa a se deslocar para Atenas e então surge o movimento sofístico. Os Sofistas, os mestres da cultura grega, ensinam aos cidadãos a se comportar na pólis grega. Entretanto, a filosofia tradicional contrapôs Sócrates aos Sofistas, colocando os Sofistas como falseadores da razão. Esta polêmica, no entanto, não foi resolvida, devido aos conflitos de interpretações que ainda surgem sobre o tema. Sócrates nada escreveu, e por isso, tudo que dele sabemos se deu através das testemunhas que lhe interpretaram, sobretudo Platão. As duas mais importantes testemunhas não estão de acordo sobre o essencial da sua personalidade e Aristóteles, que é a testemunha indireta de mais peso, estuda apenas o contributo lógico de Sócrates para a História da Filosofia. O problema está em saber até que ponto são originais os temas “socrático-platônicos” e dentro de que limites os sofistas agem na origem especulativa do platonismo. O que se pretende fazer compreender é que a gênese filosófica da cultura grega não pode prescindir da oratória, a arte dos sofistas, e que, embora estes tenham criado má fama, justamente no debate com Sócrates, isto não invalida a sua prática, que por meio do ensino sistemático contribuía para a ação dos cidadãos atenienses nos tribunais e nas assembléias populares da pólis grega. A grande característica positiva dos sofistas, segundo Cirne-Lima, “foi a elaboração ulterior do jogo dos opostos como uma maneira metódica de pensar e de agir; surge aí, mais e mais nítida, a dialética. O jogo dos opostos, transportado para a trama das relações sociais, significa que cada homem é apenas um pólo da oposição. Para entender um pólo, para saber o que um pólo em realidade é e o que ele significa, é preciso sempre pensar este primeiro pólo em sua relação de oposição ao segundo pólo. Pois, em se tratando do jogo de opostos, cada pólo só pode ser entendido, em si, se e enquanto for pensado em relação ao seu pólo oposto” (1997: 31). Neste sentido, a introdução do pensamento sistemático dos sofistas, admitindo a possibilidade do conhecimento mediante a relação entre pólos opostos, se coloca como os primeiros indícios da dialética do diálogo, que, posteriormente, vai ser desenvolvida por Sócrates e por Platão. Embora se pretenda aqui compreender a retórica na sua estreita relação com o conhecimento verdadeiro, com o aspecto filosófico e dialético do discurso sobre o real, necessário se faz, abordar a sua forma mais elementar e circunstancial e que deu margem para a crítica da tradição. Neste sentido, o objetivo aqui perseguido é fazer uma distinção das duas concepções em pauta, quais sejam, uma posição extremamente utilizada pelos que criticaram os sofistas, de que a retórica não se preocupa com a verdade e se define apenas como técnica das controvérsias, quer seja jurídica ou política, sujeita à ocasião ou aos interesses em jogo no momento; e, por outro lado, a retórica sendo compreendida como arte ou técnica do discurso, com uma capacidade especial de se envolver com o problema da verdade de forma independente, não se limitando aos fatos ocasionais, nem ao simples discurso eventual sobre as coisas. É neste sentido que existiria uma quase identidade entre retórica e dialética, entre o
241 conhecimento do mundo e a Filosofia. No entanto, é impossível precisar quando uma concepção deu lugar à outra. O que podemos lançar como hipótese é a de que nesta passagem existiu um elemento comum, que seria a controvérsia, os vários debates sobre a possibilidade de se ver o mundo mediante um conhecimento comum. Mas este elemento comum iria entrar em conflito posteriormente, devido à necessidade da retórica se firmar como instrumento imprescindível à vida da e na pólis grega. Contudo, o movimento sofístico não é um movimento unívoco. Pelo contrário, há sofistas, como Hípias, por exemplo, que defendiam que por deter o conhecimento da oratória alguém deveria estar apto a discutir com profundidade sobre qualquer tema. Para Hípias, estudar a retórica é relevante para obter o conhecimento das palavras e, conseqüentemente, das coisas. Górgias, por outro lado, assumia sempre uma postura cética quanto ao conhecer, a ponto de duvidar da possibilidade de expressá-lo mediante a palavra. Deste modo, para Górgias, o uso da palavra poderia ser útil para qualquer coisa, menos para fundar a verdade, enquanto algo inatingível pelo homem. Isto justificava a fluidez do valor de verdade do discurso. Assim, tanto para um como para outro, o dom da oratória é algo extremamente valioso, uma vez que por meio dela pode-se negar ou afirmar alguma coisa. Sichirollo, aludindo a um texto anônimo, provavelmente de Hípias criticando Górgias, transcreve: “Creio que é próprio da mesma pessoa e da mesma arte ter a capacidade de discutir com respostas rápidas, conhecer a verdade experimental, saber julgar retamente, ter aptidão para fazer discursos políticos, conhecer a arte da palavra e ensinar sobre a natureza de tudo, quanto às propriedades e quanto à origem. E quem possui conhecimentos quanto à natureza de tudo, não há-de estar em posição de operar retamente frente a qualquer situação? E quem conhece a arte da palavra há-de saber falar retamente de tudo. De fato, é necessário que quem se propõe falar retamente fale daquilo que conhece. Por isso, ele deverá perceber de tudo. Conhece a arte de qualquer discurso e todos os discursos abarcam toda a realidade” (1973: 30). Em face disto, ao contrário do quadro que se pintou da sofística, é possível mostrar e caracterizar a existência de uma dialética que almeja alcançar o aspecto verdadeiro e filosófico, rompendo com uma concepção da retórica que se limitava ao discurso fácil com objetivo único de convencer através da persuasão. Assim, não podemos negar este outro aspecto da retórica sofística, que não abria mão da objetividade e da discussão com base no conhecimento seguro, na verdade. Esta concepção sim, influenciou e contribuiu para o desenvolvimento da dialética e da Filosofia, se confundindo inclusive com ela. Segundo Sichirollo, a retórica sofística, ao tornar-se um instrumento de ação sobre a ordem social vigente, assume um caráter político na pólis grega, pois “Basta refletir sobre a temática dos sofistas para compreender a intenção da sua ação, para compreender o significado último de uma polêmica interna sobre o sentido da retórica - a possibilidade de agir sobre a ordem social e por meio dela. A dialética, ou melhor, aquilo que virá a ser chamado a algumas dezenas de anos depois. Dialética, representa a consciência política, democrática, da retórica. A sua dupla gênese, como se dizia, nasce ao nível da consciência comum, mas desenvolve-se ao mesmo tempo, ou quase, ao nível da consciência filosófica” (1973: 35). Portanto, acrescenta Sichirollo: “Na origem, (...) a teoria da ciência integral (Hípias) e dialética são a mesma coisa; dialética como diálogo, como filosofar no seu mais profundo exercício e dialética como método e ciência particulares, que promovem a consciência
242 comum à consciência filosófica ou que procuram no saber filosófico uma justificação da consciência comum” (1973: 35). Sócrates também corrobora esta posição e afirma que a retórica deve estar condicionada pelo conhecimento da verdade, de tal modo que a primeira só existe na presença da segunda. Dito isto podemos aduzir que a arte dos sofistas, a retórica, não pode prescindir do conhecimento verdadeiro das coisas. O próprio Hípias reconhece esta necessidade e por isto a retórica não pode ser compreendida sem uma fundamentação racional. Neste sentido, diz Sócrates, "Sem a verdade, (...) nunca houve nem poderá haver autêntica arte da palavra” (Fedro, 260 e). Esta afirmação nos permite perceber que a relação entre Sócrates e a sofística não foi resolvida e que parece que a dialética socrática se constitui apenas como um prolongamento da sofística, e que esta teria cultivado, de fato o vigor dialético, enquanto Sócrates teria se limitado ao seu aspecto crítico. Poderíamos, para melhor compreender esta questão, recorrer a uma passagem de P. Wilpert, “Com uma afirmação um pouco mais rigorosa podemos dizer o seguinte: a posição intermédia, própria da dialética, é demonstrada a partir do seu método, que a coloca perto da sofística e da sua intenção, a qual tem em comum com o filósofo” (WILPERT Apud SICHIROLLO, 1973: 73). O que significa dizer que a retórica sem o conhecimento da verdade não é arte nenhuma; é, antes, um discurso vazio de sentido e sem confirmação do real. Ao contrário da concepção construída pela tradição, que afirmava a retórica sofística apenas como uma arma para persuadir e não para esclarecer. Encontramos, aqui, talvez, o ponto principal deste debate, qual seja a possibilidade de se pensar a retórica como fundamento para a dialética e para o correto pensamento do homem através da Filosofia. Isto não significa dizer, contudo, que a retórica sempre tenha representado esta estreita relação com a verdade, pelo contrário, e é aqui que se fundamenta a crítica da tradição, a retórica se caracterizou, durante algum tempo, como uma arte circunstancial, que se limitava aos interesses particulares de seus interlocutores.
A dialética em Sócrates e Platão Devemos, agora, recorrer à concepção dialética de Sócrates, principalmente pelo seu aspecto prático e fundamentado no diálogo. Embora haja inúmeras dificuldades para suscitar a concepção dialética de Sócrates, tomaremos, aqui, as obras socráticas de Platão, como testemunho desta concepção de dialética. É que nos diálogos socráticos de Platão, Sócrates, assumindo a postura de ignorante, de irônico, provoca seu interlocutor a expressar sua concepção acerca do tema em questão, levando-o, depois, de contradição em contradição, até este confessar que apenas pensara antes que conhecia o tema. Sócrates, por sua vez, não apresentava uma definição para o tema, salvo para encorajar ou estimular o outro a se expor, como ocorrera no Mênon (75 b), terminando o diálogo sempre em aporia. Uma vez, porém, o interlocutor ter assumido o seu estado de ignorância, Sócrates cria que aquele se encontrava pronto para adquirir o conhecimento. Todavia, como assumisse sempre o seu “só sei que nada sei”, o interlocutor não poderia aprender nada mais com ele. Mas, para Sócrates, este era o papel mais elevado da discussão dialética, a saber, preparar o outro para receber o conhecimento à medida que reconhecesse sua própria ignorância, estado em que a sensação de vazio de conhecimento iria forçar à busca pelo conhecimento assentado, doravante, em bases críticas. Esta concepção, pois, nem se enquadra na visão teorética da dialética platônica, nem na visão dos sofistas.
243 No entanto, a definição que predominou foi, notadamente, aquela que se encontra nos escritos socráticos de Platão: a arte de interrogar e de responder, através da reflexão, com o objetivo de satisfação dos interlocutores. Neste sentido, a dialética almeja o entendimento, através do diálogo, dos desacordos entre os homens. Assim, afirma Sichirollo: “O mesmo homem não pode saber tudo, mas pode interrogar seja quem for sobre qualquer assunto. Sócrates descobre o único poder legitimamente universal: a pergunta, a única arte com a qual nenhuma outra pode competir em superioridade e prioridade: a arte de pôr perguntas no diálogo, isto é, a dialética” (1973: 75).
Deste modo, sob a ambigüidade genérica da palavra, sob a incerteza abstrata da opinião comum, Sócrates provoca, por assim dizer, a singularidade das opiniões, empenha cada qual na determinação concreta do valor e empenha-o a fundo, com a sua experiência, com a sua vida. Qualquer opinião é vista com toda a seriedade, justamente porque nela deve exprimir-se com o máximo vigor a situação pessoal frente ao problema, é clarificada em qualquer seu pressuposto, em todo o seu desenvolvimento, é relacionada quer com a experiência pessoal quer com a extensão objetiva reconhecida desse valor ético. E em tal processo iluminam-se os seus limites e o não saber da própria pessoa, a sua falta de clareza consigo própria, de coerência interior, a ambigüidade dos próprios princípios, exatamente onde se exigia uma precisão total; e eis que novas opiniões se defrontam, se opõem, são retomadas pela raiz e de novo as pessoas reagem e tomam consciência de si. Este exame, que se processa com continuidade e se desenvolve sob o diálogo, é a dialética socrática. No caso da concepção de dialética em Platão é necessário compreender quais as dificuldades que envolvem o tema em questão. Ao analisar a dialética em Platão surgem algumas dificuldades que devem ser enfrentadas: primeiro a forma literária utilizada por ele para transmitir a sua filosofia, o diálogo, o debate dramático, a invenção de personagens; em seguida a mediação entre o autor, os personagens e o leitor; e por fim uma “dupla verdade” presente nos diálogos, enquanto peça teatral, onde o autor se confunde com as personagens, e nos textos acadêmicos, quando o autor assumiria para si a responsabilidade do que escrevera. Devemos, admitir o conhecimento de sua filosofia, para que em seguida possamos, de fato, compreendê-la. Contudo, a busca por uma definição única de dialética em Platão enfrenta certas dificuldades, posto que nas obras de sua juventude, as chamadas obras socráticas, embora haja já a pretensão de buscar a verdade, as aporias que fecham os diálogos quase os põem no mesmo patamar da dialética da refutação sofística. “Porém, se nossa situação fosse como a em que eu e tu nos encontramos, de amigos que desejam conversar, seria preciso responder com mais brandura e mais de acordo com as normas da conversação. Ora, essas normas não exigem apenas que se responda a verdade, mas também que a fundamentemos com elementos que o interlocutor declare conhecer” (Mênon, 75 d-e). Todavia, se olharmos com um certo cuidado, podemos afirmar que o sentido de dialética empregado por Platão, neste conjunto de diálogos iniciais, refere-se àquele tipo de diálogo que se propõe a discutir objetivamente, recorrendo à verdade e ao esclarecimento dos interlocutores, não simplesmente de refutar através da disputa e de discursos belos e longos para persuadir o outro. Com efeito, o exame da estrutura do termo “dialética”, talvez possa lançar alguma luz a respeito de precisar o sentido que Platão o emprega nestas obras. Se considerarmos que no prefixo, “diá” existe a idéia de separação, de divisão em dois, de estar entre dois, de distribuição, de diferença e também de realização; enquanto que “léctica” parece provir de
244 “lógoi” ou até mesmo de “aletéia”, verdade, então, talvez, o significado mais aproximado pudesse ser “diálogo travado entre dois indivíduos em busca da verdade ou de um lugar comum”. Por outras palavras, significa o concurso de vários sujeitos para uma ação com influência recíproca. O que pode significar também, entender-se, estabelecer-se algo em comum acordo, encorajar-se, exortar-se reciprocamente, fazer frente ao desafio. Em suma, disputar com recíproca compreensão e satisfação, com o objetivo de um melhoramento comum e aprofundado da coisa; conversação, na acepção mais elevada da palavra. Aliás, a contestação de Platão a respeito da dialética apenas como instrumento de refutação é constante, contrapondo-lhe a versão que busca a verdade. “Só depois de esfregarmos, por assim dizer, uns nos outros, e compararmos nomes, definições, visões, sensações e de discuti-los nestes colóquios amistosos em que perguntas e respostas se formulam sem o menor ressaibo de inveja, é que brilham sobre cada objeto a sabedoria e o entendimento (Cartas, 344 b) (...) julgando que não estão a discutir, mas a discorrer, pelo fato de não serem capazes de analisar o que se disse, distinguindo os vários aspectos, mas o seu alvo é a mera contradição verbal do que se afirmou, usando chicana, em vez de dialética (República., 454 a) (...) a falta de lealdade consiste em entabular o diálogo sem fazer a necessária distinção entre o que é discussão propriamente dita e investigação dialética. No primeiro caso, o disputador diverte-se com o adversário e procura lográ-lo o mais possível; no outro, o dialético procede com seriedade e esforça-se por levantar o adversário ou mostrar apenas os erros em que ele incorrera” (Teeteto, 167 e). Assim, é correto afirmar que esta posição, apresentada, aqui, por Platão, se refere explicitamente à dialética socrática. Dialética, que difere da retórica sofista, como esta é vista pela tradição. Desta forma, a dialética vai se libertando da retórica, ao ponto desta não ser considerada nem mais uma arte, mas simplesmente se limitar ao mundo da opinião. Aqui, a dialética entra numa nova fase, justamente pela crítica que faz a esta concepção da retórica. Está claro que a dialética socrática nasce da retórica sofística, no entanto, tende a se libertar e procurar o seu próprio caminho, que se baseia no conhecimento da verdade, no conhecimento filosófico. Da crítica à retórica surge uma nova concepção: a de que a dialética, produzida pelo diálogo, não tem o caráter de discurso para convencer através da opinião, mas o seu objetivo é o conhecimento da verdade. É deste debate entre a sofística, a retórica e a Filosofia que a dialética toma um novo rumo. Assim, a dialética não é mais procurada na retórica, mas na sua crítica, na argumentação de que a retórica não produz saber, e que o saber comum só pode ser encontrado na Filosofia, na dialética, sendo encarada como método e como técnica. Ora, no final do Livro VI da República, Platão nos notifica da existência de um método geométrico composto de dois movimentos, sendo um de natureza ascendente e outro, descendente, tal qual o método dialético (República, VI, 510 a – 511) e, aproveitando a luz do Sol, que a identifica alegoricamente com o Bem, ilustra os passos que a mente deve seguir para alcançar tal princípio. Primeiro, tem acesso às imagens, às sombras; depois, às imagens refletidas nas águas; em seguida, aos seres vivos; por fim, aos modelos que se acham no inteligível. Estes, por sua vez, vão ser divididos em dianóia, que partem de hipótese sem ir aos primeiros princípios, mas para a conclusão, tais como os conhecimentos matemáticos; e em noésis, que partem de hipóteses, mas atingem os primeiros princípios, própria da razão dialética. “O outro segmento do inteligível, daquele que o raciocínio atinge pelo poder da dialética, fazendo das hipóteses não princípios, mas hipóteses de fato, uma espécie de degraus e de pontos de apoio, para ir até àquilo que não admite hipótese, que é o princípio de tudo, atingido o qual desce, fixando-se em todas as conseqüências que daí decorre, até chegar à conclusão, sem servir em nada de qualquer dado sensível, mas passando das idéias umas às outras, e terminando em idéias” (República., 511 b – c)
245 Logo no início do Livro VII, Platão elabora a famosa alegoria da caverna, procurando ilustrar este paralelo e a situação dos homens presos ao conhecimento do mundo sensível. “Suponhamos uns homens numa habitação subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se estende a todo o comprimento desta gruta. Estão lá dentro desde a infância, algemados de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás deles; entre a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do qual se construiu um pequeno muro, no gênero dos tapumes que os homens dos “robertos” colocam diante do público, para mostrarem suas habilidades por cima deles. (...) Visiona, também, ao longo deste muro, homens que transportam toda espécie de objetos, que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de pedra e de madeira, de toda espécie de lavor; como é natural, dos que os transportam, uns falam, outros seguem calados”(República., 514 a – 515 a). Tais prisioneiros, não podendo volver a cabeça, contemplam as sombras projetadas das coisas no fundo da caverna e acreditam que ali reside a verdadeira realidade das coisas. Então, algo extraordinário acontece: um deles consegue se desvencilhar dos grilhões que lhe prende e, voltando-se para a entrada da caverna, gradativamente, imposta pela dificuldade de ver a luz, caminha em direção à saída. Quando, não sem dificuldades, chega à luz do Sol, passa a contemplar, perplexo, os objetos que produziram aquelas sombras no fundo da caverna. Mas, um compromisso político o move de volta à caverna para fazer os seus a verem o que ele mesmo já consegue ver. Contudo, a escuridão da caverna torna-o, momentaneamente, cego e ele chega ao fundo da caverna abalroando nas coisas e nas pessoas. Em face disto, torna-se objeto de escárnio e o descrédito a seu respeito toma conta dos que o cerca. Daí à descrença na possibilidade de cultivar a dialética para atingir o Bem e administrar com justiça a pólis é só um passo. A Filosofia, por sua vez, também cai em descrédito, ficando só o seu arremedo e os seus arremedadores, em detrimento da verdadeira Filosofia e dos verdadeiros dialéticos, os filósofos. Este arremedo da Filosofia, Platão identifica com os jogos dialéticos correntes em seu tempo; e os arremedadores de filósofos, com os cultuadores de tais jogos, pretensos detentores da sabedoria. Platão esclarece, então, que a dialética tomada como simples jogo retórico, que tanto atrai os jovens, não é ainda a dialética, pois, na formação do filósofo, “a parte mais difícil é a dialética” (República., 498 a). Além disso, como as ciências particulares não atingem os primeiros princípios, embora alcancem as essências de seus objetos particulares (República., 533 b), elas não deveriam ser chamadas de “ciência”, mas de algo menos nobre “Demos-lhes, por diversas vezes, o nome de ciências, segundo o costume; porém, na verdade, precisavam de outra designação, mais clara do que a de opinião, mas mais obscura do que a de ciência” (República., 533 d). A alegoria da Caverna ilustra ainda o currículo da educação superior que Platão irá propor para a formação do filósofo ou do dialético genuíno. Deve-se iniciar pelo cultivo da aritmética; depois, estudar geometria plana; em seguida, geometria espacial; a seguir, astronomia; por fim, já aos cinqüentas anos de idade, o candidato a filósofo deve estudar a dialética. Cada passo deve consistir de uma elevação gradativa do grau de abstração da mente até ser capaz, já nos cânones da dialética, de alcançar a idéia do Bem, algo superior a todas as formas de essências e, portanto, não pode ser considerado uma essência. Deste modo podemos afirmar que a dialética se preocupa com o aspecto questionador e crítico da ciência, não se preocupando com a particularidade das argumentações científicas. A universalidade procurada não pode ser a universalidade de um saber particular, real ou aparente, mas a universalidade dos conceitos. Em outras palavras, do gênero supremo, a idéia de Bem. Assim, é necessário compreender, que a dialética e a Filosofia possuem este caráter, o de através do diálogo e da discussão, construir conjuntamente o conhecimento verdadeiro, agora enquanto método e enquanto técnica. Esta nova formulação da dialética possui um duplo
246 aspecto: primeiro, a sinóptica, que consiste em transformar em unidade o que é diverso e múltiplo, através da compreensão da totalidade, isto é, partindo dos aspectos particulares se concebe uma totalidade; segundo, a diarética, que procura explicar a unidade definida, reconhecendo as formas que dependem da natureza da própria unidade, mediante a sua divisão e a articulação de suas espécies. Jaeger explicita que “Estes dois processos que simultaneamente se condicionam, constituem toda a dialética. Platão torna-o claro, ao recapitular resumidamente o desenvolvimento e o resultado das diferenciações conceptuais no segundo dos dois discursos. Esta elucidação das duas funções do método dialético, a sinóptica e a diarética é o que mais claro e penetrante Platão disse sobre este tema” (JAEGER, Apud SICHIROLLO, 1973: 49). Entretanto, é no Banquete (211 b – c), no Fedro (266 b – c), no Sofista (253 d- 268 d) e no Político (260 a – 267 c) que Platão explicita melhor em que consiste o procedimento da divisão. No Banquete, em busca do Belo em si; no Fedro, na orientação para construção dos discursos que termina por fazer coincidir o dialético genuíno com o filósofo genuíno; no Sofista, a procura da caracterização do escorregadio sofista; no Político, na explicitação da política como ciência e do filósofo como genuíno político. Vejamos, à guisa de ilustração, a passagem do Fedro. “Eis aqui, Fedro, o de que me declaro apaixonado: esse processo de divisões e aproximações. Com isso aprendo a falar e a pensar. E, se encontro alguém que se me afigura com a aptidão de dirigir a vista para a unidade e a multiplicidade naturais, segui-lhe o rasto tal como se um deus ele fosse. Quem for capaz de semelhante coisa – só Deus sabe se estou ou não com a razão – mas, até o presente dou-lhe o nome de dialético” (Fedro, 266 b-c). Assim, da retórica do convencimento, passamos à dialética como método, como caminho para atingir a verdade por meio da Filosofia, da totalidade, do conhecimento sistematizado pelo diálogo. Destarte, para Platão, a única forma de transformar o Estado e as instituições da Grécia, seria através da Filosofia e da dialética, da capacidade de educar os cidadãos e da ação. Note-se agora que a dialética assume um novo caráter, não mais simplesmente prático e dialógico, mas a capacidade de se tornar fundamental, pois é através dela que se permite ascender ao Bem, onde está o Belo e a Verdade, porquanto princípios primeiros; partindo, daí, para estabelecer a garantia da justiça na cidade. Diante do que foi exposto acima, é fundamental reconhecer que a dialética em Platão se situa num estágio superior à concepção socrática. Em Sócrates a dialética se processa na cidade, no diálogo entre as consciências comuns, na procura da verdade, na ação na pólis grega. Em Platão, devido ao seu desencanto com as formas vigentes de administração dos negócios públicos e da condenação de Sócrates, ele, já nas obras da maturidade, passa a ver a dialética como uma forma de conversão dos reis para o Bem. Portanto, a dialética de Platão é empregada como um instrumento de caráter político para proporcionar a garantia da administração justa da pólis grega.
A dialética em Aristóteles Neste tratamento da dialética no mundo grego, não poderíamos deixar de nos deter naquele que foi o maior lógico da Antigüidade e que mais influência exerceu à posteridade: Aristóteles. Sua obra lógica, o Órganon, composta Das Interpretações, As Categorias, os Primeiros Analíticos, os Segundo Analíticos, os Tópicos e Dos Argumentos Sofísticos, constitui algo tão monumental que só com Frege, em meados do século XX, recebeu um tratamento
247 diferenciado, embora os trabalhos de Lukasiewicz tenham demonstrado que as figuras silogísticas assumem uma estrutura axiomática de fato. Das Interpretações e As Categorias constituem os preceitos lingüísticos que devem ser estudados necessariamente antes do estudo da silogística. Esta necessidade, apontada por Aristóteles, de iniciar os estudos da Lógica primeiro pela linguagem, ainda perdura em nosso tempo. No estudo da Lógica, os conceitos são subsumidos a outros hierarquicamente, de modo que os indivíduos são agregados sob a égide de uma espécie; esta, de um gênero; este, de um gênero que lhe é mais amplo; e assim por diante, até alcançar-se um gênero supremo, que será elevado à instância de princípio primeiro. Nas Categorias, Aristóteles, visando estabelecer os modos pelos quais o ser se predica das coisas nas proposições, enumera dez categorias das coisas: a substância (homem ou cavalo), quantidade (dois cavalos), qualidade (branco), relação (maior do que), lugar (no pasto), tempo (pela manhã), posição (está deitado), posse (usa ferradura), ação (morde) e paixão (é mordido). A substância coincide com a essência do ser; as demais categorias designam o que é acidental no ser. Nos Primeiros analíticos, encontra-se a Lógica propriamente dita, as figuras silogísticas e as regras para obtenção de argumentos logicamente válidos. Já nos Segundo Analíticos, a lógica material, enquanto espaço próprio da cientificidade, é ali desenvolvida. Todavia, é nos Tópicos que Aristóteles se detém para analisar a dialética, pois “Nosso tratado se propõe encontrar um método de investigação graças ao qual possamos raciocinar, partindo de opiniões geralmente aceitas, sobre qualquer problema que nos seja proposto, e sejamos capazes, quando replicamos a um argumento, de evitar dizer alguma coisa que nos cause embaraço “(Tópicos, I, 100 a, 18-20).
Em Dos Argumentos Sofísticos, Aristóteles ensina como distinguir os argumentos sofísticos dos demais, como evitá-los e como refutá-los. Ora, os argumentos sofísticos são aqueles argumentos que “partem de premissas que parecem ser opiniões geralmente aceitas, mas não o são” (Dos Argumentos Sofísticos : II, 165 b). Em face disto, pois, é necessário, inicialmente, traçar nitidamente a linha demarcatória entre o silogismo e a dialética em Aristóteles, uma vez que a distinção entre um argumento dialético e um argumento sofístico, como se pode ver facilmente acima, consiste no fato de que, enquanto um argumento dialético parte de opiniões geralmente aceitas, um argumento sofístico toma como premissas opiniões que apenas parecem ser geralmente aceitas, mas não o são. O silogismo, por sua vez, parte dos princípios primeiros.
“(a) O raciocínio é uma “demonstração” quando as premissas das quais parte são verdadeiras e primeiras, ou quando o conhecimento que delas temos provém originariamente de premissas primeiras e verdadeiras; e, por outro, lado (b), o raciocínio é “dialético” quando parte de opiniões geralmente aceitas” (Tópicos, I, 100 a, 25-30).
Aristóteles explica, a seguir, o que entende por “primeiras” e “verdadeiras”, distinguindo do “geralmente aceitas”. “São “verdadeiras” e “primeiras” aquelas coisas nas quais acreditamos em virtude de nenhuma outra coisa que não seja elas próprias; pois (...) cada um
248 dos primeiros princípios deve impor a convicção da sua verdade em si mesmo e por si mesmo. São, por outro lado, opiniões“geralmente aceitas” aquelas que todo mundo admite, ou a maioria das pessoas, ou os filósofos – em outras palavras: todos, ou a maioria, ou os mais notáveis e eminentes” (Tópicos, I, 100 b, 18-20). Mas, se Aristóteles tratou no Órganon dos argumentos que partem dos primeiros princípios, nos Primeiros Analíticos, dos argumentos que partem de premissas geralmente aceitas, nos Tópicos, dos argumentos que partem de premissas que apenas parecem ser geralmente aceitas, no Dos Argumentos Sofísticos, qual, então, a finalidade da Retórica e em que ela consiste? Ora, logo no início da Retórica, Aristóteles nos diz que a retórica é a contrapartida da dialética e tem como essência os modos de persuasão, “apelando para o distorcer dos julgamentos recorrendo às emoções” (Retórica, I, 1, 1354 a, 1). Sob este aspecto, a retórica seria a “faculdade de considerar em qualquer caso os meios de persuasão disponíveis” (Retórica, I, 2, 1355 b, 26), lançando mão de entimemas, argumentos que partem de premissas consideradas prováveis e usados não em vista de instruir, mas de persuadir. Assim, a Retórica pressupõe o conhecimento do que está no Órganon, particularmente nos Primeiros Analíticos, nos Tópicos e no Dos Argumentos Sofísticos e, sendo uma ferramenta poderosa para as discussões nos Tribunais, nas Assembléias, nas disputas populares, torna-se, se lembrarmos o papel preponderante do falar bem, a via pela qual a dialética irá assumir o caráter político na pólis grega. Mas é o próprio Aristóteles que enfatiza a importância política da dialética, ao ensinar que a ciência, por seu rigor, não pode, em todos os casos possíveis, não obstante demonstrar a veracidade das proposições e a validade dos argumentos, apresentar uma face convincente do que afirma. Com efeito, o instrumento do convencimento deve ser outro, pois “Ainda que possuíssemos a ciência mais rigorosa de todas, seria difícil persuadir com base nela. O discurso científico é ensino e, neste caso, não poderíamos utilizá-lo; é necessário, de fato, que os discursos e as provas sejam tiradas das noções comuns, como dissemos nos tópicos a propósito dos diálogos com o homem comum”(ARISTÓTELES Apud SICHIROLLO, 1973: 29). Deste modo, surge o espaço próprio da dialética, pois, no Dos Argumentos Sofísticos , Aristóteles explica que “A capacidade de raciocinar em geral a partir de premissas mais prováveis possível, a que nós chamamos dialética (183 a, 37 - 39), (...) deve apoiar-se e exercitar-se não só na direção socrática da interrogação, pois Sócrates, que interrogava e não respondia, reconhecia de fato que não sabia (183 b, 7 - 8), (...), mas também na capacidade de responder e de defender a própria tese, como se se conhecesse o objeto da discussão, e isto em virtude da sua proximidade com a sofística” (183 b1/6).
Neste sentido, a concepção de dialética abraçada por Aristóteles não se identifica com a concepção de Platão, que a concebia como um meio para se elevar até os primeiros princípios, tampouco com a concepção de Sócrates e da sofística, que buscavam a verdade no diálogo, mas com a sofística que cultivava a dialética como arte da refutação e da persuasão.
A dialética nos estóicos
249 Para fecharmos esta visão panorâmica sobre a dialética no mundo antigo grego, convém dedicarmos algumas palavras a um movimento vigoroso que utiliza a dialética, pela influência socrático-platônica recebida, no sentido de Lógica propriamente dita: a contribuição dos Estóicos. Segundo Diógenes Laércio, os estóicos faziam a distinção entre a Retórica, enquanto “ciência de falar bem sobre assuntos clara e unitariamente expostos” e a dialética, enquanto “a ciência de discutir corretamente sobre assuntos mediante perguntas e respostas. Por isso, dão ainda outra definição: a ciência do que é verdadeiro e do que é falso, e do que não é nem verdadeiro nem falso” (Vidas, VII, 42). Assim, só por meio da dialética é que se efetua a distinção entre “o verdadeiro e o falso e se diferencia o que é persuasivo do que é enunciado ambiguamente”. Além disso, a dialética é uma ferramenta poderosa, considerada pelos estóicos como a estrutura do saber e da investigação de modo que “sem a dialética não é possível perguntar e responder metodicamente (...) [pois], de nenhuma outra maneira o sábio se mostrará penetrante e perspicaz e, sobretudo hábil na argumentação” (DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas, VII, 47 - 48). Ora, uma vez que é próprio do sábio saber “falar e pensar retamente, discutir as questões propostas e responder às perguntas, (...) somente com o estudo da Dialética, o sábio poderá raciocinar sem cair em erro" (DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas, VII, 47 – 48). Mas, a dialética é tomada como uma forma de excelência que abrange outras formas de excelências especiais ou particulares. Assim, “a tempestividade nos ensina com segurança científica o momento em que devemos dar ou negar o nosso assentimento; a cautela é a força da razão contra a simples verossimilhança, de modo a não ceder a esta; a irrefutabilidade é o vigor no raciocínio diante do provável, que não nos deixa levar por este; ao contrário, a seriedade ou ausência de frivolidade é a capacidade de submeter à apresentação à reta razão” (DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas, VII, 46 – 47). Neste sentido, o sábio, conhecedor de todas as formas de excelências, é, pelos estóicos, identificado com o dialético, pois “o dialético exímio possui todos esses requisitos" (DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas, VII, 48). Sob este aspecto, podemos apresentar a contribuição da dialética nos Estóicos sobre dois aspectos: por um lado, a situação dialógica e seu espírito competitivo; por outro lado, o seu parentesco com a retórica. Mesmo admitindo uma certa relação da dialética dos Estóicos com as concepções de Platão e Aristóteles, podemos vislumbrar uma certa independência em relação a alguns aspectos, principalmente no que se refere à descoberta de estruturas lógicas nem verdadeiras nem falsas e da independência da estrutura lógica da estrutura metafísica da substância. Embora reconhecendo a dificuldade de se caracterizar de forma consistente a dialética no pensamento dos Estóicos, devido principalmente a fragmentação dos textos que a eles se referem, podemos afirmar que a dialética, para eles, se identifica com a lógica, está ligada a retórica e à teoria da linguagem e àquela procura do critério de verdade que representa uma primeira forma de metodologia filosófico-científica. Esta concepção da dialética, elaborada pelos estóicos, foi mais divulgada no final da Antigüidade e durante a Idade Média.
A dialética na Idade Média A dialética e a teologia
250 Na Idade Média, configura-se uma nova ordem no conhecimento, sobretudo com a instituição das escolas. Estas escolas eram comandadas por clérigos que, muitas vezes, não se identificavam com os padres e monges da época e eram conhecidos como intelectuais. Tinham o seu espaço bem definido, sobretudo nas escolas e universidades dos séculos XII e XIII. O trabalho intelectual se caracterizava pela prática do ensino que se baseava numa reflexão pessoal e na sua difusão no interior das escolas. Basicamente, os currículos escolares ou da escolástica, datando da abertura das escolas carolíngias, em fins do século VIII, pode, „a grosso modo‟, ser dividido em três longos períodos: do séc. IX a XII, o de formação; o séc. XIII, o apogeu; do séc. XIV a XVII, a decadência. A formação escolástica é dividida em dois níveis distintos e complementares, a saber, pelo Trivium, que abrangia estudos de Gramática, Lógica ou Dialética e Retórica; e pelo Quadrivium, que correspondia ao estudo da Geometria, da Aritmética, da Astronomia e da Música. Deste modo, a Lógica ou Dialética pode, assim, ser situada na primeira fase da formação escolástica. A escolástica passa a utilizar um conhecimento mais consistente e sistemático. Utilizase da Gramática, no sentido de melhor compreender as leis da linguagem, as relações entre a palavra, o conceito e o ser. Os pensadores e professores precisam saber o significado do que dizem. Em segundo lugar, se apropriam da dialética, principalmente para problematizar o saber, para lhe dar um caráter questionador e crítico, contribuindo para o debate e a discussão de determinados conteúdos. Um outro aspecto relevante que contribui para a afirmação da escolástica se baseia no acervo intelectual deixado não só pelos intelectuais cristãos e pela Bíblia, mas também por Platão, Aristóteles e pelos árabes. Este acervo serve, em forma de textos, como um método de autoridade a ser utilizado, não simplesmente para a leitura, mas também para a discussão, para orientar os novos alunos na busca de um novo conhecimento, agora baseado na razão. A teologia passa a utilizar a razão para explicar a sua doutrina. Procuram dar à fé uma justificativa racional e científica. Sobre isto nos esclarece Livio Sichirollo: “Não há nada menos obscurantista que a escolástica, para quem a fé deságua na inteligência, cujos lampejos encontram a sua perfeição fazendo-se luz. Assim fundamentada, a escolástica estrutura-se através do trabalho universitário, com métodos próprios de exposição “(1973: 112). A prática universitária mostra bem como procedia o exercício do método na escolástica: inicialmente os textos são comentados e analisados com profundidade, inclusive no seu aspecto gramatical; em seguida procura-se o seu sentido através da análise lógica; e finalmente a compreensão do conteúdo. Este exercício produz alguns detalhes extremamente importantes, notadamente porque o comentário faz nascer a discussão. A análise do texto permite uma compreensão além do próprio texto, a dialética problematiza o tema e o eleva para outros momentos da discussão. Começa a existir uma problematização e uma disputa em torno da discussão entre os mestres e os alunos, que produz o conhecimento de uma nova abordagem do tema em questão. Estas disputas se tornaram freqüentes nas universidades naquele momento, a ponto de se interromper todas as atividades universitárias para que todos pudessem dela participar. As questões em disputa eram definidas previamente e colocadas em lugares determinados para que todos tomassem conhecimento. Com relação a isso, afirma Sichirollo: “Assim se desenvolve a escolástica, senhora rigorosa, estimuladora de um pensamento original, embora obediente às leis da razão. O pensamento ocidental ficou definitivamente marcado por ela devido aos progressos decisivos que nele provocou” (1973: 115). Contudo,
251 “A lógica medieval é-nos ainda mal conhecida. Praticamente só há algumas dezenas de anos, mais precisamente por volta de 1935, é que se começou estudá-la a sério, com um atraso de um bom meio século sobre a renovação de interesse que a filosofia escolástica em geral tinha suscitado nos modernos. Sobre muitos pontos está-se ainda hoje, no período da decifração” (Blanché, 1985: 133).
Isto ocorreu em razão de três pontos básicos. O primeiro diz respeito às dificuldades de acesso aos textos lógicos medievais que ante a inexistência da imprensa, os textos eram legados às gerações futuras por via dos copistas que, muitas vezes, acrescentavam-lhes comentários pessoais que, mais tarde, passavam a fazer parte do texto original como se estivessem sido escritos pelos próprios autores. Este tipo de transfiguração dos textos, freqüentemente não intencionais, criava sérios obstáculos à atribuição de certas passagens consideradas importantes. O segundo ponto básico refere-se à prioridade dos estudos medievais, centrado na Metafísica e na Teologia, relegando a segundo ou a terceiro planos os textos lógicos. O terceiro e último ponto básico concerne à atribuição do estatuto de obra acabada à Lógica de Aristóteles, inibindo a construção de uma visão lógica alternativa, fato que só irá ocorrer, em meados do século XIX. É interessante e até, de certo modo, pitoresco anotar uma determinada descrença e desdém por que passou a dialética na Idade Média, caricaturada como algo negativo e, por vezes, demoníaco. Primeiro, na narração de Marciano Capella (Século V), quando se refere ao encontro de Apolo com uma mulher: a mulher carregava na mão esquerda uma serpente e na mão direita ladrilhos e tabuinhas, podendo significar a sutileza venenosa da dialética e o bem contraposto ao mal; a boa argumentação contra a capciosa. Em segundo lugar, num texto de Alain de Lille (Século XII): “A mão direita segura uma flor como uma dádiva, enquanto um escorpião que avança, ameaça a esquerda com a ponta da cauda. A direita tem o sabor do mel, a esquerda do fel, uma promete sorrisos e a outra convida ao pranto; uma atrai e a outra repele; aquela acaricia e esta fere; uma desencoraja e a outra dá força” (SICHIROLLO, 1973: 100).
Aqui, encontramos a dialética representada por um escorpião que agride e incita em confronto com a flor, que simboliza o bem e a calma. Neste sentido, escorpião e serpente simbolizam a argumentação venenosa da dialética, contrapondo o bem ao mal, representado este pela dialética e, aquele pelo divino. No Victoria and Albert Museum de Londres, a dialética é representada como uma flecha na boca, que ilustra o seu sentido de agudeza na argumentação; um baixo-relevo de Andrea Pisano na Catedral de Florença relaciona a dialética com tesouras. Estes vestígios são numerosos na Idade Média, mas os exemplos citados bastam para mostrar que, mesmo transfigurada, a dialética na Idade Média ainda deixou a sua marca, principalmente no sentido da reflexão questionadora e sutil, capaz de provocar o debate e a dúvida no interior do conhecimento da época. Aliás, mesmo aqueles autores que defendiam, a qualquer custo, a doutrina cristã, não se furtam a se referir à dialética com uma certa importância. Retomando afirmações de dois pensadores do século XI, ilustraremos este ponto. Berengário de Tours, formado no convento de Saint-Martin e discípulo de Fulgerto, tendo sido um professor de grande êxito, criticava as artes liberais e dedicava-se à dialética, pondo-a acima da autoridade. “Baseando-se em Santo Agostinho, considera a dialética como a arte das artes, a ciência das ciências. Recorrer à dialética significa recorrer à razão. E quem não recorre à razão pela qual o homem é a imagem de Deus, abandona a sua dignidade e não renova em si, no dia a dia, a imagem divina” (DE SACRA COENA Apud ABBAGNANO, 1984: 44).
252 Berengário de Tours ilustra mais uma vez esta concepção: “Utilizar argumentos dialéticos para manifestar a verdade não era refugiar-se na Dialética, se bem que se se quiser chamar-lhe refúgio, eu não me arrependo de ter-me refugiado na Dialética, que a própria sabedoria e virtude divina não aborrece, antes dela se serve para confundir os seus inimigos. (...) De bom grado me refugio na Dialética em todas as questões, porque se refugiar na Dialética quer dizer refugiar-se na razão” (BERENGÁRIO DE TOURS Apud SICHIROLLO, 1973: 107). Esta afirmação feita no Século XI, por Berengário, que devia obediência aos Santos Padres, mostra que a tentativa de se negar a razão através da fé, se encontra ainda em questão, não totalmente resolvida, por isso a dialética perturba, mas não pode ser negada. O autor se vê obrigado a utilizá-la, mesmo que de forma camuflada, pois, segundo ele, é a dialética que dá razão ao conhecimento da verdade, e isto inclui também a verdade divina, no entanto, a dialética deve ser um subterfúgio, tendo em vista que a doutrina dos padres é que permite o conhecimento da verdade. Lanfranco99 afirma que a dialética é completamente incapaz de levar o homem a compreender os mistérios divinos. É preferível discutir sobre os mistérios da fé do que os problemas da razão dialética, pois “quem vive da fé, não procura analisá-la com a argumentação nem concebê-la com a razão; prefere prestar fé aos mistérios celestes em vez de se cansar em vão, pondo de lado a fé, para compreender o que não pode ser compreendido” (LANFRANCO DE PAVIA Apud ABBAGNANO, 1984: 44-45). No entanto, mesmo assumindo de forma deliberada a sua aversão pela dialética, Lanfranco de Pavia, admite a sua importância, pelo menos como suporte para a fé, na compreensão da doutrina cristã: “Lanfranco, dialético e arcebispo de Cantuária, expôs as cartas do apóstolo Paulo: e sempre que teve oportunidade, apresentou as suas teses, os seus argumentos e as suas conclusões segundo as regras da dialética” (SIGIBERTO DE GEMBLOU Apud ABBAGNANO, 1984: 45). Pavia, entretanto, acaba por confessar que tem procurado ocultar o valor da dialética, não por reconhecer o valor deste método, mas por receio de ser acusado de confiar mais nas regras da dialética do que nas autoridades sagradas ou na fé “Talvez para alguns pareça jactância e que se discute mais por ostentação do que por necessidade. Mas Deus e a minha consciência são testemunhas de que, ao tratar da verdade divina, eu não quero propor questões dialéticas nem lhes responder ou considerar as suas soluções. Mesmo quando a matéria da discussão se poderia explicar melhor com as regras da Dialética, quando posso, escondo a arte, usando proposições equivalentes, para que não se julgue que eu confio mais na arte do que na verdade dos Santos Padres, muito embora S. Agostinho, em alguns dos seus escritos e especialmente no De doctrina christiana, elogie muito a Dialética e afirme que tem grande valor para nos fazer aprofundar o que se refere à doutrina sagrada” (LANFRANCO DE PAVIA Apud SICHIROLLO, 1973: 106). 99
Pensador que, embora sendo adversário de Berengário se notabilizou, principalmente, ao se confrontar com a dialética - Lanfranco de Pavia. Nasceu em 1010 e estudou em Bolonha. Tinha espírito aventureiro e viajou pela Borgonha e a França, vindo a se instalar na Normandia. Foi nomeado arcebispo de Cantuária e morreu em 1089.
253
Esta passagem mostra que mesmo os teóricos do doutrina cristã se utilizavam da dialética. Berengário de Tours admite a dialética como fundamento para a compreensão racional do mistério de Deus. Lanfranco de Pavia a utilizava mesmo que, aparentemente, a considerasse sem utilidade para a fé.
O sim e o não de Abelardo A necessidade de expor a doutrina cristã com base na razão, levou de certo modo a dialética a se transformar num aspecto importante do conhecimento. Os intelectuais, sobretudo com o advento da indústria literária e o desenvolvimento das universidades, passaram a se utilizar com mais freqüência de um conhecimento impresso e sistematizado. Os livros que eram únicos e exemplares se transformaram em manuais e podiam ser carregados e manuseados. É neste momento que a escolástica experimenta o seu apogeu, sobretudo através do acervo intelectual herdado da filosofia grega e das doutrinas cristãs, constituindo-se enquanto método para os pensadores da época. Abelardo é um dos mais importantes representantes deste período. Nasceu perto de Nantes, em 1079, ensinou dialética e teologia em várias cidades da França. O seu método de ensino se baseava nas discussões e nas polêmicas causadas pela sua brilhante eloqüência e pelo seu vigor dialético. A sua vida é cheia de controvérsias. Rompe a visão tradicional de sábio e santo predominante na Idade Média e coloca a liberdade de pensar como fator primordial da vida humana. Possui uma eloqüência precisa e o poder dialético extraordinário que o torna invencível nas discussões. Seu otimismo no poder da razão é tamanho que procura sempre “resolver em motivos racionais toda a verdade que seja ou queira ser como tal para o homem, de enfrentar com armas dialéticas todos os problemas para levá-los ao plano de uma compreensão humana efetiva. Para Abelardo, a fé no que se não pode entender é uma fé puramente verbal, privada de conteúdo espiritual e humano” (ABBAGNANO, 1984: 77-78). O contexto intelectual, no qual o pensamento de Abelardo se desenvolve, pode ser ilustrado com esta passagem escrita por Kneale: “toda a filosofia e a teologia e mesmo a jurisprudência eram estudadas considerando quaestiones. No princípio de cada quaestio expõem-se as opiniões das autoridades que se opõem ou parecem opor-se, e então o professor mostra o seu domínio do problema elaborando distinções de sentido que são suficientes para resolver o problema e responder a todas as dificuldades. Nas universidades, que foram organizadas pela primeira vez no século XII, pretendia-se que os estudantes adquirissem habilidade a discutir, porque os exames eram controvérsias nas quais os candidatos mostravam a sua capacidade para continuar a obra dos seus mestres” (1962: 207). Abelardo, influenciado por este espírito de debates e controvérsias que se desenvolvia naquele momento, se utiliza melhor do que qualquer outro do poder da oratória para ensinar aos seus discípulos. Com isso consegue uma audiência cativa e numerosa que se empolga com as discussões por ele propostas. Neste sentido, coloca a razão e a Filosofia como principais meios para a compreensão, não só da doutrina cristã, mas do conhecimento humano na sua plenitude. Para isso, utiliza a dialética, que embora sua concepção fosse totalmente diferente da concepção dos gregos, devido principalmente a necessidade de se chegar aos princípios da revelação divina, a verdade sempre era procurada pela palavra e pela disputa de idéias, com o objetivo de se tentar refutar as conseqüências de algumas premissas. Este modo investigativo de proceder, que foi muito bem desenvolvido no pensamento de Abelardo, consistia na exposição e discussão sempre de dois
254 pontos de vista contrários. Para cada questão ele apresentava uma afirmação pró e outra contra, colocando assim as teses em oposição. O mais importante é que para nenhuma apresentava soluções. Desta forma, este método sempre levaria à possibilidade de uma dupla verdade, apresentada sobre duas proposições sempre contrárias. Ou, por outro lado, o surgimento da dúvida, o que levaria o homem a procurar a verdade. Este aspecto cético se constitui como um método, como uma maneira didática de se construir o conhecimento. Neste sentido, “o fato de Abelardo não apresentar solução para as antinomias levou alguns a falarem do seu ceticismo. Interpretação insustentável, se se pensar na fé inabalável de Abelardo no valor da razão e da ciência teológica. A contraposição das sententiae tem, evidentemente, uma finalidade didática, porque suscita no discípulo o problema e estimula a procura da verdade” (SICHIROLLO, 1973: 106). Exposto em sua obra Sic et Non, Sim e Não, que trata das opiniões dos Padres sobre determinados assuntos, Abelardo apresenta este método de tal modo que sua doutrina é criticada ostensivamente pelas autoridades da Igreja. Neste sentido, sua vida e sua obra são brutalmente perseguidas, colocando-o numa situação de total isolamento, em uma abadia, onde morreu em 1142. Apesar de seu infortúnio, Abelardo deixou na Idade Média uma contribuição muito significativa para o não aniquilamento da dialética. A sua prática como professor, utilizando sempre a eloqüência, desenvolvendo em seus discípulos a dúvida, lhes proporcionando a necessidade de sempre procurar à verdade por meio de uma investigação precisa, deixaram sinais de um método eficaz e pertinente para a compreensão do mundo e da Filosofia.
A dialética em Kant O renascimento da razão Com o fim da Idade Média, o aristotelismo perde sua força cedendo lugar ao platonismo. É que as obras de Platão, como as dispomos hoje, acabam de chegar às mãos dos modernos. A leitura das obras de Platão, várias delas desconhecidas ou relegadas aos porões das bibliotecas dos mosteiros e escolas pelos medievais, passa a ser parada obrigatória na nova fase que ora se inaugura. Com efeito, Copérnico, Kepler, Descartes, Galileu, os fundadores da ciência moderna, dizem-se platônicos e continuadores da obra de Platão, interrompida pela “longa noite”, como qualificavam a Idade Média. Em face disto, as críticas de um Bacon e de um Descartes à Lógica aristotélica ecoaram por toda parte e o descrédito tomou conta quase que por completo desta verve. Como alternativa, passou-se a buscar um método seguro que fizesse progredir a investigação científica. Bacon propõe a indução; Descartes, apoiado nos resultados matemáticos, sugere o método geométrico; Galileu, por seu turno, constrói, tomando a experiência e colocando-a como apoio à razão, os rudimentos do método científico moderno. Contudo, poucos lhe dão ouvidos e tal método é posto, provisoriamente, fora das discussões filosófico-científicas, para ser retomado bem mais tarde, já com Newton. Todavia, neste ínterim, Hume critica também a dedução e estende sua crítica à indução, abraçando, assim, um ceticismo metodológico. É justamente a partir da crítica de Hume que Kant irá erigir sua Crítica da Razão Pura, onde os procedimentos dialéticos serão postos ao seu modo. Ora, com o Iluminismo, a troca de informações se dá de forma muito mais intensa, a escolástica se imobiliza nos manuais e com ela a dialética. Surgem os primeiros sinais de uma nova dinâmica social, a realidade das coisas, que o homem ainda não experimentara, e que se
255 traduz no indivíduo, no homem. O Renascimento tem inaugurado uma nova era para a razão e lançado os fundamentos da ciência moderna. Neste contexto, de um lado, a Física assume a vanguarda das ciências, particularmente quando Newton publica seus Principia; por outro lado, os limites territoriais das nações já estão estabelecidos e a necessidade do exercício das coisas públicas nacionais começa a tomar vulto, especialmente depois da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. Em face disto, surge, então, a necessidade de examinar em quais princípios fundantes a Física está assentada e como os negócios da pólis podem receber um tratamento apoiado em parâmetros científicos. É o surgimento da sociedade industrial envolta no trabalho produtor de riquezas. Neste sentido, a ciência política estuda as mediações entre o trabalho e a produção da riqueza. A economia contabiliza o mercado, regulando as suas leis e o filósofo apenas reconhece esta situação. Tais preocupações abalam todas as nações européias e vemos surgir vários pensadores tentando respondê-las de modo apropriado. Na Alemanha, em particular, Kant irá se deter nesta temática. Por isso antes de iniciarmos a exposição da sua concepção se faz necessário situá-lo no contexto cultural da época. Em 1586, com sua obra Opera Logica, Zabarella polemiza com a escolástica, não concordando com a identificação entre dialética e lógica. Além disso, retoma o debate, a partir dos textos de Platão e Aristóteles, sobre a relação entre a dialética, a lógica e a retórica; Filippo Canaye, em sua obra de 1589, introduz no debate a distinção entre analítica e dialética; Bohmer, em 1637, mantém a distinção destes termos, mas detecta a origem matemática do termo analítica e aponta os vários significados que ele pode assumir: forma, matéria e investigação; Darjes afirma ainda que a lógica é uma doutrina do método; a analítica trata dos conceitos, das definições, da sua origem, dos juízos e dos princípios, da equivalência entre as proposições e das provas; a dialética trata da verossimilhança, de como chegar dialeticamente à verdade, das proposições teoréticas, das hipóteses filosóficas, da hermenêutica e da probabilidade da opinião dos outros. No entanto, ainda existiam na Alemanha, tendências, como a corrente católica, representada pelos Padres Jesuítas, que insistia na identificação entre lógica geral e dialética; Wolff, porém, assumindo a posição de Santo Thomás que, preso à metafísica e à teologia, relegava a dialética a segundo plano. Não acreditava que a dialética pudesse ter importância na demonstração da verdade. Kant conhecia todo este contexto cultural e, além disso, estudara a obra de Aristóteles e seu conceito de dialética. Mas, se toda concepção lógica deve pressupor uma teoria do conhecimento que, por sua vez, pressupõe uma ontologia, então “Tanto a pretensão de ter desenvolvido ou ao menos de poder desenvolver uma lógica Dialética específica no quadro da filosofia (...) como a de se ter desenvolvido um método dialético podem ser reduzidas, no fundo, à exigência de que uma lógica e um método adequados deveriam corresponder à ontologia Dialética suposta” (RÖD, 1984: 12). Contudo, a concepção de dialética entre os modernos, tomada como mero jogo retórico, não se baseava, explicitamente, numa ontologia ou numa lógica, mas numa teoria das relações do conhecimento, principalmente na antiga discussão sobre o sujeito e o objeto. Nesta concepção em que o sujeito concebe o objeto do conhecimento como algo estanque e separado de si, fica impossibilitado de se falar em uma recíproca relação entre os vários momentos da realidade e entre estes mesmos momentos e a totalidade a que eles se referem. Mas, em Kant, a explicitação da ontologia não é tarefa facilmente executável, haja vista que a teoria do conhecimento demonstra a impossibilidade de se conhecer, como se verá a seguir, a essência, o nômeno das coisas. Em conseqüência, a concepção de dialética depende da compreensão desta concepção ontológica, que, em última instância, se reduz a uma certa teoria da experiência.
Teoria do conhecimento em Kant
256 Para Kant, todo o nosso conhecimento deriva dos sentidos, dirige-se para o entendimento e em seguida é apreendido pela razão. “Nosso conhecimento surge de duas fontes principais da mente, cuja primeira é receber as representações (a receptividade das impressões) e a segunda a faculdade de conhecer um objeto por estas representações (espontaneidade dos conceitos); pela primeira um objeto nos é dado, pela segunda é pensado em relação com essa representação (como simples determinação da mente)” (KANT, 1980: 57). Assim, a experiência pode ser entendida no sentido amplo e no sentido restrito. No sentido amplo, significa a percepção, a observação de um conteúdo no espaço e no tempo. Refere-se, além disso, aos estados subjetivos da consciência que experimenta e ao seu contexto subjetivo e casual. No sentido restrito, a experiência se dá, quando objetos são apreendidos no tempo e no espaço, e num contexto regido por leis e supõe que, além de termos consciência dos estados da sensação e da percepção e de seu contexto temporal, tenhamos também a possibilidade de relacionar estados de consciência a objetos, que, neste caso, são julgados como diversos e independentes dos conteúdos subjetivos. Mas, se, para Kant, nos é dada apenas uma multiplicidade desordenada de conteúdos precisos, isto é, uma massa de percepções, podemos admitir que a objetividade da experiência é um problema. Para resolver este problema, Kant lança mão de uma hipótese como resultado da experiência, visto que na consciência que se tem do objeto estão presentes dois momentos, um material e o outro formal, a “de que os objetos da experiência são gerados por nós implica o reconhecimento de uma atividade generativa do sujeito, de uma síntese, que Kant, porém não só postula, mas sobretudo afirma poder ser consciente. O conhecimento da experiência supõe um dado, um múltiplo, que é apreendido sinóticamente pela sensibilidade, e cuja síntese é operada pela faculdade imaginativa (Einbildungskraft). A unidade desta síntese na apercepção original é pensada pelo entendimento (Verstand). Sensibilidade e entendimento precisam estar correlacionados mediante a função transcendental da faculdade imaginativa, a fim de que a experiência seja possível. Destarte, a forma da experiência está determinada pela síntese do múltiplo segundo os conceitos do entendimento: „A unidade contínua e sintética das percepções constitui justamente a forma da experiência, e não é nada mais do que a unidade sintética dos fenômenos segundo conceitos‟” (RÖD, 1984: 38). A análise da realidade da experiência fica assim submetida a dois princípios: primeiro, que o objeto da experiência é uma multiplicidade de dados sensíveis desordenados, que partindo das coisas dadas são apreendidas pelo sujeito; e, segundo, que as relações que possibilitam a ordenação dos dados, baseados em princípios a priori das leis, que são constatadas na realidade da experiência pressupõem a unidade da apercepção ou a atuação da espontaneidade, pela qual o sujeito produz a unidade da experiência. A unidade dos objetos da experiência é uma unidade objetiva, embora não possamos saber o que ela é. O que podemos pelos menos admitir é que se caracteriza por um fundamento independente do pensamento. Assim, afirma Wolfgang Röd: “Experiência, neste sentido, é expressa em juízos de experiência (diferente dos juízos de percepção), nos quais a relação das determinações é afirmada como objetiva, isto é, subsistente no objeto. Trata-se de „juízos empíricos, na medida em que têm validez objetiva‟”(1984: 35).
257 Na verdade, é um fenômeno indeterminado, da mesma forma que o eu transcendental. Nesse sentido, a unidade da realidade da experiência possui um aspecto subjetivo e um aspecto objetivo, que indicam um ponto de referência a ser necessariamente pensado: o eu transcendental e o objeto transcendental. Mas, a relação do eu transcendental com o objeto transcendental não pode ser compreendida como uma relação direta, mas como uma condição de possibilidade, como uma indicação de que o objeto existe, mas não se sabe ainda o que é. Assim, a teoria da experiência, abordada por Kant, torna possível formular a filosofia transcendental de duas formas “Ou como pergunta pela possibilidade da regularidade necessária das coisas enquanto objeto da experiência, ou como pergunta pela cognoscibilidade a priori da regularidade necessária da própria experiência em função de seus objetos” (RÖD, 1984: 39). Este problema apresentado de duas formas pode ser resumido a uma só questão, no sentido de que a experiência subjetiva e a natureza experimentada são meros momentos da relação experiencial. É justamente esta relação que alguns pensadores caracterizam como dialética. Mas, Kant não aceitava esta posição, porque, para ele, a ordem e a regularidade dos fenômenos não surgem da relação recíproca entre a experiência subjetiva e a natureza experimentada, mas, ao contrário, os fenômenos ou a natureza possui uma unidade necessária a priori, como se fosse nós mesmos quem a introduzíssemos. “Como é que chegaríamos, no entanto, a montar uma unidade sintética a priori, se os fundamentos subjetivos de uma tal unidade já não existissem nas fontes originais de conhecimento do nosso espírito, e se estas condições subjetivas não fossem, ao mesmo tempo, objetivamente válidas, na medida em que elas constituem o fundamento da possibilidade, pura e simples, de se conhecer um objeto da experiência” (KANT, Apud RÖD, 1984: 39). Contudo, esta experiência deve ser entendida “no sentido próprio (isto é, juízos sintéticos a priori), e de um modo geral qualquer experiência, só é possível se a „natureza‟ experimentada é concebida como „supra-sumo‟ (Inbegriff) dos objetos, que são ordenados por regras a priori” (RÖD, 1984: 39). Estas regras não podem, porém, ser consideradas como relação das coisas em si, nem podem ser entendidas como resultantes de um processo indutivo simplesmente, mas como impostas por nós mesmos aos objetos. Mesmo nestes pressupostos, contudo, aparecem conceitos que não podemos atribuirlhes experiência objetiva, devido ao objeto transcendental e ao sujeito transcendental se situarem, por força da sua própria definição, para além da experiência dos objetos. Estes conceitos, neste sentido, só podem ser interpretados no âmbito de sua própria teoria destes mesmos conceitos, no âmbito de uma filosofia transcendental, ou, mais especificamente, de uma lógica transcendental. Por outras palavras, o conceito “não pertence a uma teoria destinada a explicar fatos objetivos, mas a uma teoria da objetividade enquanto tal. Por conseguinte, ele não serve para a dedução de quaisquer leis naturais, mas exclusivamente para a fundamentação da validez objetiva daqueles princípios que são sempre pressupostos nas explicações das ciências naturais” (RÖD, 1984: 40).
Neste sentido, a filosofia transcendental não possui o objetivo de explicar a relação do eu com o objeto, mas de indicar as condições que este conhecimento é possível. O
258 conhecimento transcendental não se preocupa somente com os objetos, mas a maneira de os conhecer. A teoria da experiência, neste caso, se apresenta com o caráter de uma metateoria. Dialética em Kant Feito isto, passemos, agora, a uma esquematização da dialética em Kant. A definição, apresentada por Kant, para a lógica geral possui duas características básicas: primeiro, define como a doutrina pura do entendimento e da razão, não englobando aí a lógica aplicada, compreendida como as leis do entendimento para pensar os objetos; segundo, a lógica geral é uma abstração dos conteúdos e da diversidade que envolvem o objeto e se apresenta como a simples forma do pensamento, isenta de qualquer conteúdo empírico. No entanto, existe uma lógica que trata da origem do conhecimento dos objetos, é a Lógica Transcendental. Partindo da idéia de que a origem do conhecimento dos objetos não pode ser atribuída aos próprios objetos, Kant afirma que este conhecimento é um conhecimento puro a priori e transcendental, não devendo referência nenhuma ao objeto empírico, mas que conhecemos através de intuições e de conceitos só possíveis, exclusivamente, a priori. Com base na possibilidade de que haja conceitos que se referem à priori a objetos, sem a interferência das intuições ou sensibilidade, determinados apenas pelas funções do pensamento puro e que estes conceitos não possuem sua origem no mundo empírico, afirma Kant a possibilidade de uma ciência pura do entendimento e do conhecimento racional. “Uma tal ciência, que determinasse a origem, o âmbito e a validade objetiva de tais conhecimentos, teria que se denominar lógica transcendental porque só se ocupa com as leis do entendimento e da razão, mas unicamente na medida em que é referida a priori a objetos “(KANT, 1980: 60). Notemos nestas palavras de Kant que a questão central referida se prende à possibilidade de um conhecimento a priori do espírito, que os objetos são representados no entendimento, mas não possuem correspondência ontológica com a realidade. É que a Lógica Geral apresentada por Kant se baseia na investigação das leis próprias do entendimento, mas ela não pode apresentar a verdade como uma relação de concordância entre o conhecimento e o objeto. A Analítica se situa, neste momento, como o elemento negativo de comparação entre a forma e o conteúdo na perspectiva de apresentar um conhecimento verdadeiro e positivo. A mistificação deste limite da Analítica, ou seja, a sua exasperação é, para Kant, a própria dialética. O seu significado se prende à necessidade de dar ao conhecimento a forma do entendimento, independente do seu conteúdo empírico, em suma, uma lógica da aparência. “Era uma arte sofística para dar ares de verdade à sua ignorância e ainda às suas construções ilusórias intencionais, a qual imitava o método da meticulosidade que a Lógica em geral prescreve e utilizava a sua tópica para embelezar todo pretexto vazio. Ora, pode-se observar como advertência segura e útil: considerada como órganon, a lógica geral é sempre uma lógica da ilusão, isto é, Dialética. Com efeito, uma vez que nada nos ensina sobre o conteúdo do conhecimento, mas somente sobre as condições formais da concordância com o entendimento que de resto são completamente indiferentes no que tange aos objetos, em tal caso a pretensão de servir-se dela como um instrumento (órganon) para, ao menos pretensamente, ampliar e alargar os seus conhecimentos tem que desembocar em pura verbosidade, consistindo esta em afirmar com certa plausibilidade ou também contestar a bel-prazer tudo que se quer” (KANT, 1980: 61-62). Assim, podemos entender a divisão da Lógica Transcendental em Analítica e Dialética da seguinte maneira: a Analítica Transcendental é a parte da Lógica Transcendental que expõe os elementos do conhecimento puro do entendimento e os princípios sem os quais nenhum
259 objeto pode absolutamente ser pensado e, ao mesmo tempo, pode ser vista como uma lógica da verdade; por outro lado, na medida em que o entendimento não pode evitar o seu uso para além do mundo da experiência, ultrapassando os limites da matéria e dos objetos, corre o risco de julgar indiferentemente os objetos que existem e os que não existem, desembocando assim numa “aventura metafísica”. É, pois esta luta constante da razão, em confronto com a metafísica, que produz o uso dialético do entendimento puro, ou seja, a crítica desta aparência dialética no uso do entendimento e da razão, chama-se Dialética Transcendental. Na Dialética Transcendental, que trata da aparência ou da ilusão transcendental, Kant distingue inicialmente aparência de verossimilhança. A verossimilhança é verdade, mas conhecida através de princípios insuficientes; a aparência ou verdade não está no objeto (enquanto intuído) dado na sensibilidade, mas no juízo sobre ele, enquanto é pensado. A aparência transcendental deve ligar-se ao transcendente do entendimento. No entanto, mesmo que a Crítica da Razão Pura consiga descobrir a aparência do uso transcendente do entendimento, é também verdade que a aparência transcendental não cessa, mesmo que se tenha descoberto o seu nada mediante a crítica transcendental. E isto é um ponto fundamental da análise kantiana. Mas este fato não pode ser superado, pois “A dialética transcendental contentar-se-á, (...) em descobrir a ilusão dos juízos transcendentes e ao mesmo tempo impedir que ela engane. Porém, a Dialética transcendental jamais poderá conseguir que tal ilusão desapareça (como ilusão lógica) e cesse de ser uma ilusão. Com efeito, temos a ver uma ilusão natural e inevitável que se funda sobre princípios subjetivos, fazendo-os passar por objetivos (...) existe, portanto, uma Dialética natural e inevitável da razão pura” (KANT, 1980: 179). Isto porque o homem é afetado através do entendimento, é condicionado pela sensibilidade, mas dela nada pode deduzir, tendo em vista que o conhecimento se processa através da faculdade intelectiva do homem. Isto significa que Kant defende a imagem do homem como ser finito, imerso e condicionado pela sensibilidade. A lógica transcendental quer ser, pois, a ciência ou a lógica desta finitude. “O homem está exposto ao nada porque é finito. Faz parte da natureza da razão e da finitude do homem trocar regras e máximas subjetivas do uso da razão por princípios objetivos, considerar a necessidade subjetiva de certas conexões dos nossos conceitos, sempre imersos, condicionados e compreensíveis apenas no mundo empírico, como uma necessidade objetiva da determinação da coisa em si” (SICHIROLLO, 1973: 129). Na Analítica Transcendental, Kant investiga a dedução transcendental das categorias, notadamente a construção do mundo da experiência, o mundo da Física, numa tentativa de explicar como os conceitos a priori podem se referir aos objetos. Para tanto retoma as categorias aristotélicas, partindo do quadro dos juízos. Quanto à quantidade dos juízos, eles podem ser “universais, particulares e singulares”; quanto à qualidade: “afirmativos, negativos e infinitos”; quanto à relação: “categóricos, hipotéticos e disjuntivos; quanto à modalidade:" problemáticos, assertórios e apodíticos” (Crítica da Razão Pura, 1980: 69). Mas estas categorias, ao contrário do que ocorre em Aristóteles “são apenas funções do entendimento e são vazias sem as intuições empíricas obtidas pelas sínteses operadas pelas formas puras da sensibilidade (espaço e tempo) (SICHIROLLO, 1973: 131). A unificação da multiplicidade que, aliás, já foi ventilada acima, é feita a partir de uma regra ou de uma categoria, que faz parte de um ato espontâneo do próprio entendimento: de um lado temos a unidade sintética, originária da apercepção, o eu penso, que acompanha todas as minhas representações e que garante a identidade da consciência nestas representações; de outro lado, esta operação precisa de uma mediação, no sentido de possibilitar a aplicação de uma regra pura do entendimento à diversidade das intuições empíricas. Esta mediação é explicada
260 pela doutrina do esquematismo. A ponte entre o entendimento e a sensibilidade se dá através de esquemas e da faculdade, da imaginação. Isto se refere simplesmente às formas pelas quais o entendimento atua na sua relação com o mundo empírico. No entanto, este momento fechado está envolto por “um oceano tempestuoso, reino da própria aparência”. Este oceano precisa ser investigado ou devemos nos contentar com a sua simples aparência? Kant afirma que antes de nos envolvermos na busca de um conhecimento possivelmente seguro “Será útil lançar os olhos sobre o mapa da região que queremos abandonar, e perguntar a nós próprios se não deveríamos contentar-nos com o que ela contém; ou antes, se não deveríamos contentar-nos, por simples necessidade, se acontecesse não haver em qualquer outro lado um lugar para construirmos uma casa; e em segundo lugar, a que título é que nós possuímos esta região e como poderemos defendê-la contra qualquer pretensão inimiga” (KANT Apud SICHIROLLO, 1973: 132). A resposta para esta questão pode ser respondida com base em um único ponto, qual seja a distinção de todos os objetos em geral em fenômenos e nômenos: o uso empírico do entendimento e das suas categorias, a experiência solidamente ancorada dentro dos limites da sensibilidade. Para Kant, pois, os limites do entendimento são “Simplesmente princípios da exposição dos fenômenos, e o orgulhoso nome de Ontologia, que presume dar, numa doutrina sistemática, conhecimentos sintéticos a priori das coisas em geral, deve ceder lugar à modesta posição de simples Analítica do entendimento puro” (KANT Apud SICHIROLLO, 1973: 132).
Já o que chamamos de nômeno são “outras coisas possíveis, mas que não são exatamente objeto dos nossos sentidos, como objetos pensados simplesmente pelo entendimento, chamamolhe seres inteligíveis (noumena)” (KANT Apud SICHIROLLO, 1973: 132). No entendimento se dá a unidade dos fenômenos através de regras ou categorias; na razão se processa a unidade das regras do entendimento que estão sujeitas a princípios. Portanto, a razão não se dirige para a experiência, mas para o próprio entendimento, que lhe imprime nos conhecimentos múltiplos uma unidade a priori através de conceitos, que serve para compreender, ou melhor, entender, segundo a terminologia tradicional, através de conceitos do entendimento. Este conceito que parte das noções e que ultrapassa os limites da experiência, chama-se idéia ou conceito da razão. Assim, no desenvolvimento da Dialética Transcendental, Kant a apresenta como sendo o sistema de idéias transcendentais e os próprios raciocínios dialéticos da razão pura. O mundo empírico é um mundo condicionado e por isso as idéias da razão têm a ver com a unidade sintética incondicionada de todas as condições. Com base nisto, Kant define um sujeito, um objeto e um objeto pensado pelo sujeito e afirma que todas as idéias transcendentais se reduzem a três classes. “Ora, todos os conceitos puros em geral têm a ver com a unidade sintética das representações e os conceitos da razão pura (idéias transcendentais), por sua vez, com a unidade sintética incondicionada de todas as condições em geral. Conseqüentemente, todas as idéias transcendentais podem reduzir-se a três classes, cuja primeira contém a unidade absoluta (incondicionada) do sujeito pensante, a segunda, a unidade absoluta da série das condições do fenômeno, a terceira, a unidade absoluta da condição de todos os objetos do pensamento em
261 geral. (...) O sujeito pensante é objeto da Psicologia; o conjunto de todos os fenômenos (o mundo), o objeto da Cosmologia; e a coisa, que contém a condição suprema da possibilidade de tudo o que pode ser pensado (o ente de todos os entes), o objeto da Teologia “(KANT, 1980: 195). Todas estas ciências derivam necessariamente da Razão Pura e não do entendimento, mesmo que ele se situe no mais alto grau do uso lógico da razão, mesmo que ele consiga saltar de um fenômeno para todos os outros através da síntese empírica. Estas idéias transcendentais, por exprimir uma realidade transcendente subjetiva, que possibilitam diversas séries de raciocínios dialéticos coerentes e sistematizados, não possuem nenhuma referência empírica, apesar de sua aparência inevitável, que muitas vezes nos leva a atribuir-lhe uma realidade objetiva. As idéias, além de encaminhar o entendimento para uma certa meta a fim de atingir a maior unidade possível, possui um caráter regulador do conhecimento racional, e isto com a ajuda da razão, que lhe confere uma operação sistemática para o conhecimento com base em princípios. Deste modo, as idéias da razão representam o limite do entendimento, tendo em vista que este não pode alcançar a consciência e nem realizá-la numa experiência. Assim, “A razão pura, que de início parecia prometer-nos nada menos que a extensão dos conhecimentos para lá dos limites da experiência, se a compreendermos bem, não apresenta senão princípios reguladores, que exigem efetivamente uma unidade maior do que aquela que o uso empírico do entendimento pode alcançar, mas, exatamente porque procuram a todo o transe aproximar-se dela, elevam ao mais alto grau, através da unidade sistemática, a concordância dele consigo próprio; mas se se entender mal, se se tiverem por princípios constitutivos de conhecimentos transcendentais, produzem, com um brilho aparente mas enganador, uma convicção e um saber imaginário, e, como conseqüência, contradições e contrastes eternos” (KANT Apud SICHIROLLO, 1973: 136). Agora, fica esclarecido que a função da razão pura não se limita apenas a produzir o conhecimento além dos limites do mundo empírico, mas também se apresenta como princípio regulador, que lhe imprime uma unidade maior do que aquela que a experiência pode permitir, no sentido de lhe dar o mais alto grau de sentido. Neste sentido, é importante reconhecer o esforço de Kant na análise dos raciocínios que nos permitem ter uma idéia do mundo e nos conflitos que dele decorrem, celebrando a dialética como o sistema das antinomias, causados pela idéia transcendental do mundo. Assim, a filosofia kantiana apresenta a dialética como uma necessidade da razão humana. As antinomias e as contradições fazem parte de sua própria estrutura. Considerações Após percorrer a História da Filosofia, dos gregos até Kant, com o objetivo de apresentar uma interpretação do conceito de dialética, podemos afirmar que o significado do termo dialética apresenta algumas dificuldades que não nos permite determinar com precisão uma visão acabada e única. Deste modo, apresentamos aqui mais uma interpretação, que por sua própria característica, não reivindica exclusividade, muito menos põe fim ao debate sobre o tema. Ao contrário, dado que a compreensão deste problema é abrangente e, ao mesmo tempo, suscita várias posições contrastantes, apresentamos uma leitura possível entre outras que se desenvolveram durante toda evolução da História da dialética. Entretanto, pelo fato de não podermos, por um lado, assumir o conceito de dialética de forma dogmática e definitiva, e, por outro, nem cair no relativismo exagerado, optamos por apresentar mais uma interpretação, tentando ser o mais objetivo possível na definição deste tema tão controverso. Além disso, de acordo com as características deste trabalho, apresentamos de forma resumida, não uma concepção de dialética, mas a evolução do termo desde os Gregos da Antigüidade até Kant na Idade Moderna, o que mostra que o seu significado sempre foi
262 controverso e, dificilmente, poderemos assumir um único conceito como melhor para explicitálo. Assim, devemos admitir que o conceito de dialética é um conceito problemático e controvertido, tendo assumido vários significados de acordo com o contexto e com o tipo de compreensão que se tinha do conhecimento filosófico. Na Grécia Antiga, o termo apresentou muitos significados: Zenão de Eléia e Heráclito foram os primeiros a apresentar uma explicação para o mundo com base no que podemos chamar de dialética. Com efeito, Zenão, nos mostra, em sintonia com a imutabilidade do ser em Parmênides, que a concepção de todo e qualquer movimento é algo inteiramente inconcebível, dada a sua contradição; Heráclito, por sua vez contrapõe-se a Zenão, afirmando que o fogo e o seu poder de mudança, é que provoca o vir-a-ser das coisas. De fato, para Heráclito, o real é a mudança, o vir-a-ser constante que impregna todas as coisas. Em outro contexto, encontramos os sofistas, que buscam uma análise mais próxima da cultura grega, tendo em vista que, naquele momento, o dom do falar bem possuía um valor considerável, principalmente pela necessidade dos cidadãos de participar das decisões da pólis. Neste caso, eram os homens livres que podiam dedicar o seu tempo às decisões políticas e aos temas jurídicos. Os sofistas, neste sentido, ensinam aos cidadãos a arte do discurso, com objetivo de encaminhá-los a se comportar na pólis grega. Esta prática sofística que utilizava diálogo, a retórica, como meio para apresentar as suas teses, constitui a primeira forma da dialética, no sentido de que é através da contraposição de idéias que se dá a compreensão do mundo, da política. Sócrates, por outro lado, apesar de se utilizar do mesmo método, do diálogo, não procura convencer o seu interlocutor de que é ele que detém a verdade. Pelo contrário, Sócrates apenas quer fazer o seu interlocutor admitir a sua própria ignorância, sem lhe apresentar tese alguma. De fato Sócrates expõe o seu interlocutor a admitir que nada sabe, para que a partir daí procure a Verdade. Deste modo podemos admitir que a grande contribuição dada por Sócrates à Filosofia foi a instituição do ceticismo como a primeira atitude em busca do conhecimento. Este era o papel mais elevado da discussão dialética: preparar o interlocutor para receber o conhecimento à medida que reconhecesse sua própria ignorância. A definição que predominou, no entanto foi a de que a dialética é a arte de interrogar e de responder, através da reflexão, com o objetivo de satisfação dos interlocutores, contribuindo para o entendimento, através do diálogo, dos desacordos entre os homens. Sócrates descobre o único meio de se chegar à Verdade: reconhecer a ignorância e admitir a pergunta como o único método capaz de elevar o homem para o conhecimento seguro. Em Platão, uma definição precisa de dialética enfrenta algumas dificuldades, tendo em vista que nas suas primeiras obras, ainda sob a influência de Sócrates, as aporias que fecham os diálogos, não apontando para a Verdade, se colocam quase como a dialética da refutação sofística. Entretanto, o diálogo, no sentido empregado por Platão, está comprometido com a Verdade, e não apenas serve de meio para a simples refutação sofística. Este o primeiro sentido da dialética platônica. Mas na República, Platão apresenta um novo conceito para o termo dialética. Este tem por base o método geométrico e afirma que o movimento do pensamento possui dois caminhos um ascendente e um descendente. O primeiro, a dianóia, que parte de hipóteses sem ir aos primeiros princípios, mas para a conclusão, tais como os conhecimentos matemáticos; e a noésis, que partem de hipóteses, mas atingem os primeiros princípios, própria da razão dialética. Assim, Platão nos ensina, que o mais alto grau do currículo da educação superior deve ser a dialética, para que possamos passar da retórica sofística do convencimento para a dialética como método, como um meio para atingir a Verdade, por meio da Filosofia e da sistematização do conhecimento. Segundo Platão, só assim poderíamos transformar o Estado grego num Estado justo.
263 Já em Aristóteles, a dialética vai ser compreendida como a opinião que pode ser aceita, não por todos, mas pelo menos pelos mais eminentes, pelos filósofos. Neste sentido, vai retomar a retórica sofística, no sentido de que, para se conceber a Verdade, deve-se partir de uma premissa, ou de uma tese, para que esta possa ser ou não refutada. Deste modo, devemos distinguir os argumentos sofísticos dos demais, uma vez que a distinção entre um argumento dialético e um argumento sofístico consiste no fato de que, enquanto um argumento dialético parte de opiniões geralmente aceitas, um argumento sofístico toma como premissa opiniões que apenas parecem ser geralmente aceitas, mas não o são. Aristóteles enfatiza, assim, a importância política da dialética e ensina que a ciência, mesmo ao demonstrar a veracidade das proposições e a validade dos argumentos, às vezes não pode apresentar uma face convincente do que afirma. Com isso, teria que recorrer a outro meio e este meio seria os argumentos dialéticos, podendo ser aceitos por todos, ou pelos mais eminentes. Outra concepção que teve uma importância fundamental no mundo antigo foi construída pelos Estóicos. A dialética é apreendida no sentido de Lógica, propriamente dita. Os estóicos faziam a distinção entre a retórica e a dialética. A retórica entendida como a “ciência de falar bem sobre assuntos clara e unitariamente expostos”; e a dialética como “a ciência de discutir corretamente sobre assuntos mediante perguntas e respostas”, ou ainda, “a ciência do que é verdadeiro e do que é falso, e do que não é nem verdadeiro nem falso”. Neste sentido, é só por meio da dialética que se pode distinguir o que é verdadeiro do que é falso, apresentando a dialética como um instrumento poderoso, só possível de se questionar e de se responder quando baseado num método. Embora possamos perceber uma certa aproximação da dialética dos estóicos com as concepções apresentadas por Platão e Aristóteles, podemos ver que ela apresenta uma certa independência, notadamente quando se leva em conta o seu aspecto lógico, principalmente no que se refere à veracidade e a falsidade das proposições. Assim, podemos afirmar que a dialética, para eles, se identifica com a lógica, está ligada a retórica e à teoria da linguagem e àquela procura do critério de verdade que representa uma primeira forma de metodologia filosófico-científica. Na Idade Média, entretanto, configura-se uma nova ordem no conhecimento e na maneira de se compreender a dialética. É no ensino das escolas que vamos encontrar elementos de um método dialético. A prática nas escolas tendia a suscitar o debate, tendo em vista os comentários dos alunos frente à posição assumida pelo professor. Deste modo, a discussão ultrapassava os limites do texto, desembocando numa análise para além do texto. A disputa entre os mestres e os alunos, assim produziria um novo conhecimento, com uma interpretação nova do tema em questão. No entanto, a dialética sempre foi discriminada e até mesmo escamoteada pelos interesses da Igreja, de tal modo que os Padres e intelectuais daquela época a utilizava de forma indireta e desfigurada. Existem, na literatura medieval, inúmeros exemplos de como isto ocorreu. Às vezes, a dialética era comparada a uma serpente ou a uma flecha, sempre no confronto entre o bem e o mal. Outras vezes poderia ser comparada a um escorpião que agride e incita se opondo a uma flor que simboliza o bem e a calma. Entretanto, mesmo os autores mais comprometidos com os interesses da doutrina cristã, não se furtam a se referir à dialética com uma certa importância. Vários pensadores, entre eles Berengário de Tours, criticavam as artes liberais e dedicava-se à dialética, pondo-a acima da autoridade. Outro pensador, Lanfranco de Pavia, apesar de afirmar a incapacidade da dialética na compreensão dos mistérios divinos, e assumindo de forma deliberada a sua aversão pela dialética, admite a sua importância, pelo menos como suporte para a fé, na compreensão da doutrina cristã. No entanto, é só com Abelardo que a dialética assume o seu caráter lógico e serve como método para o conhecimento seguro. Abelardo, na sua prática enquanto professor, sempre acabava a sua exposição com uma proposição a favor e outra contra. Deste modo, o
264 seu método de ensino se baseava nas discussões e nas polêmicas causadas pela sua brilhante eloqüência e pelo seu vigor dialético. Abelardo, movido por este espírito de debates e controvérsias, utiliza o poder da oratória para ensinar aos seus discípulos. Este método sempre levaria à possibilidade de uma dupla verdade, apresentada sobre duas proposições sempre contrárias. Ou, por outro lado, o surgimento da dúvida, o que levaria o homem a procurar a verdade. Este aspecto cético se constitui como um método, como uma maneira didática de se construir o conhecimento. Neste sentido, coloca a razão e a Filosofia como principais meios para a compreensão, não só da doutrina cristã, mas do conhecimento humano na sua plenitude. Mas é só na Idade Moderna, com Kant, que vamos encontrar mais uma vez a dialética de forma sistemática. A dialética no pensamento de Kant deve ser analisada tomando por base a definição que ele apresenta para a lógica geral. Segundo ele, a lógica geral possui duas características: a primeira pode ser definida como a doutrina pura do entendimento e da razão; a segunda como uma abstração dos conteúdos e da diversidade que envolve o objeto, apresentando-se como a simples forma do pensamento, isenta de qualquer conteúdo empírico; e ainda existe uma lógica que trata da origem do conhecimento dos objetos, é a Lógica Transcendental. Para Kant, o conhecimento dos objetos não depende dos próprios objetos. Por isso, o conhecimento só pode se dá por meio de um conhecimento puro a priori e transcendental, sem precisar se referir, de nenhuma forma, ao objeto material. Este conhecimento só pode ser apreendido devido às intuições e aos conceitos exclusivamente a priori. Neste sentido, afirma a necessidade de uma ciência pura para o entendimento e para o conhecimento racional. A possibilidade de um conhecimento a priori do espírito, onde os objetos são representados no entendimento e não possuem correspondência ontológica com a realidade, se apresenta agora como um problema, pois a Lógica Geral, como exposta por Kant, se fundamenta na investigação das leis do entendimento, mas não pode apresentar a verdade como uma relação de concordância entre o pensamento e o objeto. É aqui, entre a possibilidade de apresentar um conhecimento verdadeiro e os limites impostos pelo entendimento pela sua lógica intuitiva a priori, entendida como uma lógica da aparência, que se encontra a dialética. O seu significado fica mais claro, na medida em que se torna necessário dar ao conhecimento a forma do entendimento, independente do seu conteúdo empírico. É esta luta da razão, na procura de um meio para compreender o mundo, que surge a necessidade do uso dialético do entendimento puro, com o objetivo de se fazer uma crítica desta aparência dialética no uso do entendimento e da razão. Kant, neste sentido, passa a distinguir a verdade ou aparência da verossimilhança. Por um lado, a verossimilhança como sendo uma verdade concebida por meio de princípios insuficientes; por outro lado, a aparência ou verdade que não é um objeto intuído e nem é dado pelos sentidos, ao contrário, surge através do juízo sobre ele, enquanto é pensado. Esta concepção se baseia na relação entre o entendimento e o mundo empírico. A análise desta questão deve tomar como ponto fundamental a distinção dos objetos enquanto fenômenos e nômenos, de acordo com o uso empírico do entendimento e das suas categorias, limitados pela sensibilidade. Neste sentido, Kant apresenta a dialética como o sistema das antinomias, causados pela idéia transcendental do mundo, como uma necessidade da razão humana. As antinomias e as contradições fazem parte de sua própria estrutura. Com base nesta discussão sobre o significado da dialética nos diversos períodos da História da Filosofia, podemos concluir que, em primeiro lugar, não podemos admitir uma definição estanque e definitiva para o termo; em segundo lugar as interpretações do conceito de dialética proporcionam uma gama variada de possibilidades para a sua compreensão; e, finalmente, que apesar destas dificuldades, devemos emitir um ponto de vista que nos direcione numa linha de interpretação, para evitarmos cair no relativismo onde todas as posições podem ser válidas e também evitar cair no outro extremo - o dogmatismo. Deste modo, o conceito de dialética que podemos extrair de toda esta exposição, deve tomar por princípio cada contexto em que ele foi apresentado, principalmente pelo fato de que, pela sua própria característica de controvérsia e debate, sempre esteve presente naqueles
265 momentos de crítica de um estado de coisas vigente, em confronto com uma possibilidade estática de se compreender o mundo. E mesmo nos momentos onde podemos perceber um tratamento exclusivamente teórico do termo, o seu aspecto questionador se sobressai, na medida em que a dialética é vista como uma forma de compreender o mundo para além da simples aparência, se constituindo como um instrumento imprescindível na busca da verdade. Entretanto, podemos compreender que o conceito de dialética, extraído de toda esta discussão, se caracteriza pelo seu aspecto dialógico, controvertido e polêmico, sempre se colocando como um problema, como uma pauta para a elaboração do conhecimento da Verdade. Se constitui, portanto, como um desafio à superação do conhecimento dado, numa perspectiva perene da Filosofia em busca do sentido do mundo.
Referências ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. 3. Ed., Lisboa, Editorial Presença, 1984 (v. III). ARISTÓTELES. Tópicos. São Paulo, Abril, 1973 (Os Pensadores, v. IV), p.- 158. _____________.Dos Argumentos Sofísticos. São Paulo, Abril, 1973 (Os Pensadores, v. IV), p. 159203. _____________. Rhetoric. Londres, Oxford University Press, 1952. (Great Books of the Western World, v. II), p. 593-675. BLANCHÉ, Robert. História da Lógica de Aristóteles a Bertrand Russel. Lisboa, Edições 70, 1985. CIRNE-LIMA, Carlos. Dialética para principiantes. Porto Alegre, Edipucrs, 1997. DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Brasília, UNB, 1988. HERÁCLITO. Fragmentos. São Paulo, Abril, 1973 (Os Pensadores, v. I), p. 79-142. HOMERO. Ilíada. Mem Martins, Europa-América, s/d. ________. Odisséia. 2. Ed., São Paulo, Cultrix, 1976. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Abril Cultural, São Paulo, 1980. (Os Pensadores). KNEALE, William et KNEALE, Marta. O Desenvolvimento da Lógica. Lisboa, Fund. Calouste , 1962. PLATÃO. Fedro. Belém, UFPA, 1975 (Col. Diálogos, v. 5), p.31-99. _______ . Mênon. Rio de Janeiro, Ediouro, 1992 (Col. Diálogos), p. 44-74. _______ . Cartas. 2. Ed., Lisboa, Estampa, 1980. _______ . República. 6. Ed., Lisboa, Fund. Calouste, 1989. _______ . Teeteto. Belém, UFPA, 1973 (Col. Diálogos, v. 9), p.17-116. _______ . Banquete. São Paulo, Abril, 1972 (Os Pensadores, v. III), p. 7-59. _______ . Sofista. São Paulo, Abril, 1972 (Os Pensadores, v. III), p.135-203. _______ . Político. São Paulo, Abril, 1972 (Os Pensadores, v. III), p.205-269. ROD, Wolfgang. Filosofia Dialética Moderna. Brasília, UNB, 1984. SICHIROLLO, Livio. Dialéctica. Editorial Presença, Lisboa, 1973. XENOFONTE. Memoráveis. São Paulo, Abril, 1972 (Os Pensadores, v.II), p.34-164.
266 DIALÉTICA HEGELIANA DO MUNDO ÀS AVESSAS Heleno Cesarino100 O mundo às avessas Sem dúvida, o tema “o mundo às avessas”, contido no capítulo “Força e entendimento”, se constitui no tema-eixo da obra a “Fenomenologia do Espírito” de Hegel; tema-eixo, cuja compreensão representa tarefa tortuosa, por isso, árdua, da história da experiência da consciência. Este tema-eixo se desdobra no esforço de mostrar a conexão e unidade dos diversos modos de conhecimento: intuição, entendimento e unidade da apercepção - sem o conhecimento da filosofia crítica de Kant, a compreensão desta imagem hegeliana se torna impossível. Seguindo a trilha de Descartes, como também dos seus antecessores, Fichte e Schelling, Hegel se incumbe de precisar a questão: como a consciência é consciente que é autoconsciência? – No meu entender, esta questão, embutida no tema do “mundo às avessas”, nos põe diante do tema central moderno onto-gnoseológico: da dialética do Saber e Verdade101. Definitivamente, na “Fenomenologia do Espírito”, Hegel estabelece que a identidade Saber (certeza) e Verdade não se dá na mera consciência de si, mas no modo de ser da subjetividade, no Espírito. O resultado da odisséia do Espírito se expressa através da trajetória do saber fenomênico, ancorado no saber natural, que fará a experiência da medida, dada pela própria consciência, revelando, assim, a presença da “absolutidade” do Absoluto - do Espírito na consciência do eu, o qual está e quer estar em nós, o novo objeto da consciência, a consciência real da certeza sensível – a autoconsciência: tarefa que se propõe a primeira parte da “Fenomenologia do Espírito”. Aqui é usado, por Hegel, o mesmo esquema de Kant: intuição, entendimento e autoconsciência. A consciência é autoconsciência: trabalho, portanto, da Fenomenologia --síntese da apercepção pura originária de Kant, não como algo dado, mas como resultado da consciência, enquanto experiência no decorrer das diversas figuras: primeiramente, através das figuras lógicas da consciência e, posteriormente, esta através de suas figuras históricas. Assim, eixotema, no âmbito do sistema hegeliano, o “mundo invertido” se encontra no capítulo “Força e entendimento”102. Como bom sábio, Hegel quer chocar seus leitores ao expor o tema da consciência como “mundo invertido”. Portanto, queremos mostrar, em que sentido, se pode denominar “mundo invertido” o mundo verdadeiro, que se põe por detrás do mundo das aparências. Encontramos tematizada a referida expressão, inicialmente, na pág.110 da obra supracitada; a expressão mesma surge na pág.121. Na pág.111, Hegel trata aí do mundo verdadeiro enquanto verdade; no curso de sua apresentação, ele admite que a consciência natural - ou da percepção – onde se encontra ancorada a consciência filosófica – é saber fenomênico, mas saber cujas exigências de querer ser “saber de algo”, ainda são exigências não levadas a cabo. Saber natural que se colocará a caminho do “saber que surge em cena” já, portanto, a caminho do exame dos pressupostos das exigências de querer ser saber verdadeiro, se desdobra, no percurso dialético, como um jogo de forças. Por ex: a análise química e propriedades da coisa são um conhecimento insuficiente para estabelecer o que ela é; a consciência da percepção é sua exterioridade como procedimento. Hegel diria que a análise química e suas propriedades não são, definitivamente, sua verdadeira realidade; por detrás daquelas, há forças que interagem 100
Doutor em Filosofia e Professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia, da Universidade Federal da Paraíba, Campus I, João Pessoa.
101
Cf. Literatura paralela relativa ao tema, como p.ex a obra de Sinclair, amigo do poeta Hölderlin e de Hegel, intitulada “Wharheit und Gewissheit (Verdade e Certeza). Certamente a obra reflete o conceito do “cogito me cogitare”. 102 Estou usando a edição: G.W.F. Hegel, Phänomenologie dês Geistes, ed.por J. Hopffmeister, Hamburg,1952.
267 entre si. A dialética de forças (tema profundamente estudado tanto na “Fenomenologia” como na “Ciência da Lógica”) crê Hegel, ser tão convincente que está longe de ser fantástica. Uma força, segundo Hegel, não se exterioriza a si mesma quando lhe é solicitada a exteriorizar. É fácil de observar que o que leva uma força à sua exteriorização é isto mesmo uma força: o que temos sempre aqui é um jogo de forças; não há dois procedimentos, dois movimentos, mas um único solicitar de forças. É nisto que consiste o jogo de forças: não há força em potencial, força obstruída, mas força como efeito de si mesma. Esta realidade substancial não deve ser entendida em relação às propriedades acidentais, que nela mudam – conhecimento insuficiente, externo à coisa. A interioridade da coisa, como sabemos, é sua força, que não deve ser entendida, como força em si separada, isolada do campo de outras forças; o que existe são jogos de forças, forças que interagem entre si. Quando as figuras da consciência, consciência fenomênica, se contrapõem à experiência objetiva, isto é, à consciência natural, a percepção comporta-se como conhecimento exterior, enquanto que o entendimento – onde se dá a ciência – penetra aquela, perguntando pelas leis que governam as forças, perguntando pela verdade da realidade. É esta interação que põe a consciência no movimento dialético em direção à realização de sua essência: ser consciência de si como autoconsciência. Perguntar pela verdade significa (a partir da pág.110 adiante) acompanhar as diversas figuras da consciência fenomênica que deve carregar a dupla aparência: aparência da exigência de ser ciência verdadeira e aparência de levar a cabo as diversas figuras; a contradição, portanto, que jaz nos objetos, passa a ser a experiência para a consciência. A filosofia tem que ir mais além desta consciência que se cristaliza numa figura, num objeto – o medo de errar já é o medo da verdade, diz Hegel. Temos que ir além das percepções, o saber fenomênico tem que se por a caminho da ciência, interiorizando as diversas figuras e não contrapondo-as, superficialmente, entre coisas permanentes e as propriedades mutantes. Ao olharmos para o interior do objeto, da coisa, nos perguntaremos que vemos nele? Quem olha para o interior das coisas é o entendimento, não a percepção sensível. Hegel chamará isto, na pág.111, de “o verdadeiro interior” como o “absolutamente universal” . Adiante, na sua exposição, ele falará sobre o aquém que desaparece, o além que permanece – o absolutamente universal. O mundo suprasensível deve ser o mundo verdadeiro; o que permanece no que desaparece. O mundo às avessas deve ser entendido a partir desta expressão: o mais concreto é o mais abstrato e o mais abstrato é o mais concreto – o que permanece é o que é real, onde as coisas estão continuamente desaparecendo. Mundo real é o outro em si mesmo; não há mais oposição à desaparição – não há dois termos, dois mundos – mas é em-si a verdade do que desaparece. Eis a tese do mundo às avessas: ele é a inversão de si enquanto invertido! Não dois mundos que se opõem, como em Platão, mas um só, que é a determinação de si mesmo enquanto indeterminação daquela. Que verdade esta a consciência – o saber (consciência) fenomênico – crê possuir? Há que ter uma “crença racional” para que o processo dialético possa cumprir sua finalidade absoluta: o medo de errar já é o medo diante da verdade! Assim, aquilo no que crê a consciência é um além vazio? Hegel diz, não! O mais além não é vazio, porque procede da aparência, da consciência sensível. O mais além é sua verdade; não uma verdade de algo outro, mas “aparência enquanto aparência”; isto é, a aparência é momento considerado como determinação de si mesma. Esta aparência não se opõe à realidade, mas é ela a realidade mesma. Na pág. 110, Hegel diz: “o Ser...não é somente uma aparência, mas aparição, uma totalidade da aparência” - totalidade da realidade, aparência da essência. Frente à superficialidades das visões como: as coisas têm propriedades, ou então que as forças em seu jogo se mantém em potencialidade, se abre diante de nós o modo de olhar o interior da coisas, que, sem dúvida, nos proporciona melhor conceber a realidade que por meio da superficial percepção. Na pág. 114, Hegel nos diz que o simples no jogo de forças e sua verdade é a lei da força. A suposta diferença das forças que atuam e se exteriorizam, não é outra coisa senão o simples; esta diferença de forças não é a das forças separadas uma das outras, que depois entram em recíproca relação, ela é a aparência da lei simples e idêntica. Por ex: a lei da eletricidade positiva e negativa, que não é outra que a voltagem, que na verdade é a energia elétrica e não duas forças diferentes. A verdade do jogo de forças: a legalidade unitária da realidade103. 103
Cf. Wissenschaft de Logik, II B.pág.124s.
268 Passemos agora a considerar a doutrina hegeliana do mundo às avessas. Na pág.121, Hegel escreve: “... o primeiro mundo supra-sensível, o tranqüilo reino das leis, se torna a imagem imediata do mundo sensível em seu contrário às avessas”. Este não é o caso do mundo da Idéias de Platão: o mundo supra-sensível é a contra-imagem do mundo sensível. Eis a inutilidade do mundo das Idéias: contrapor-se ao mundo percebido; o mesmo diz Aristóteles de Platão, no que se refere a inútil duplicação dos mundos: sendo somente mundo das Idéias o mundo verdadeiro, imutável, para que o mundo percebido, onde se dá a alteração e o movimento? Hegel conclui na pág.121: “...o primeiro Reino das Leis carecia deste, mas o recebe como o mundo às avessas”. O mundo verdadeiro – que contém em si o princípio do movimento - é a inversão do mundo platônico, no qual movimento não existe. Neste mundo supra-sensível as alterações são entendidas como movimento; aqui tudo se move, porque, como foi dito, aquele mundo contém em si a origem do movimento ( Mas em que sentido o mundo às avessas é o mundo verdadeiro? Se voltarmos à crítica de Aristóteles a Platão, veremos que a Idéia é apenas um momento do ; o mesmo que diria Hegel na pág.124: “Assim, o mundo supra-sensível, que é invertido...é ele próprio o invertido de si mesmo...”. A realidade não é somente a Idéia; o que é real é o individual, aquilo que pertence a mesma espécie, e do qual se pode dizer que pertence a esta espécie. Mas, por que Hegel diria que a aparência tem seu contrário em si mesmo como inversão? O mundo verdadeiro não é o supra-sensível do reino tranqüilo das leis (Platão), mas sua trans-versão. Na pág.123, Hegel diz que a inversão é a essência do mundo supra-sensível e adverte que não se deve entender o tema num sentido meramente sensível, isto é, como se houvesse um mundo supra-sensível e logo um segundo às avessas do primeiro. Na pág.123, o inverso é antes ”reflexão em si ou sua inversão” e não oposto a outra coisa. Isto significa que se o mundo invertido é tomado por verdadeiro, então também verdadeiro é sua inversão. O mundo às avessas não só aparece na “Fenomenologia”, como também na “Lógica”: o mundo que existe em e para si mesmo é o inverso do mundo aparente. A “Lógica” trata deste tema diferentemente da “Fenomenologia”. Na “Lógica” o reino tranqüilo das leis não é chamado mundo suprasensível, mas mundo em-si e existente em e para si: “Assim, a aparência, que se reflete em si mesma é agora um mundo que se descobre como existente em e para si sobre o mundo aparente”104. Este também é chamado de “mundo supra-sensível”; enquanto mundo às avessas, este anuncia a inversão do mundo existente. Daí que Hegel pode dizer que este mundo é para si o invertido, isto é, o invertido de si mesmo, visto que não é seu mero contrário. Certamente, o tema do mundo às avessas ou do mundo invertido, na “Fenomenologia”, compreende o bem e o mau, cuja inversão é de conteúdo; na “Lógica”, Hegel exemplifica este mundo invertido: “...o que na existência fenomênica é mau, infelicidade..., em si e por si é bom e uma felicidade”105; o bom é o mau. Não se deve entender aqui como se nestas proposições abstratas subjazesse um sujeito; assim também: a justiça abstrata é a inversão da justiça que não só conduz à injustiça, mas ela mesma é a suma injustiça. Para exemplificar, trazemos aqui um tema que Hegel trabalha desde a juventude; o problema do castigo106. Aqui não se trata de vingar o malfeitor mas de uma violação do direito. O castigo – ação contrária do delito – não é apenas conseqüência da violação mas pertence à ação do delito mesmo; assim, o delito, enquanto demanda castigo, não é mera ação, mas pertence à esfera da universalidade; deste modo, o castigo é a inversão do delito. Nesta inversão, há a reconciliação da lei com o crime, seu oposto. Através dela, o criminoso se torna novamente uno consigo mesmo: o castigo, portanto, não é “algo que humilha e aniquila o homem, mas uma graça que conserva a essência deste”107. O castigo é a inversão que eleva o mundo abstrato à “esfera superior” do destino e sua reconciliação. Assim, no mundo às avessas, o mundo supra-sensível representa apenas um momento daquilo que realmente é. E verdadeira realidade é a da vida. Através das diversas figuras examinadas ao longo da odisséia do Espírito, Hegel passa a analisar o ser do vivente e sua 104
Ibd., pág.131ss. Ibd.pág.,134. 106 Cf. Hegel, Frühe Schriften Vol.I,Shurkamp Verlag,p.342ss. 107 Ibd.p.373s. 105
269 inversão. Ele não é mais entendido como o resultado da interação de forças, mas concebido como o que se volta sobre si mesmo – é um si mesmo. Nós jamais esgotaremos, segundo Hegel, o significado do ser do vivente, por mais que as ciências se desenvolvam, continuaremos a fazer uma inversão quando nos depararmos com aquilo que regula os processos do ser orgânico entendido por nós como o si mesmo do organismo como um vivente. O modo-de-ser do vivente corresponde ao modo-de-ser do saber mesmo, o qual entende o vivente; pois a consciência do ser - si-mesmo, também, possui a mesma estrutura de um diferenciar, que não é nenhum diferenciar. Deste modo, está concluída a passagem para a auto-consciência. Admitindo que o mundo às avessas é o verdadeiro, que nele se dá vida num continuo diferenciar-se de si, ela mantém a unidade do ser-si-mesmo; assim, Hegel resolve a tarefa que se propôs; a mediação da Dialética da consciência. O mundo transcendente do universal apresenta apenas um momento naquele, que realmente é; a verdadeira realidade é a da vida, a qual se movimenta em si mesma. O relacionar-se do vivente sobre si mesmo como saber (Eu = Eu) significa auto-consciência. Até aqui, Hegel conclui a primeira parte da “Fenomenologia do Espírito”: a consciência é autoconsciência; ela é o avesso de si mesma.
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DIALÉTICA: UMA VISÃO MARXISTA José Francisco de Melo Neto108 Introdução Para a análise de uma realidade concreta, têm-se muito presente, os desafios contemporâneos do fazer ciência, como também, uma busca para novos caminhos e, necessariamente, novos encontros com outros tantos desafios. Ao se estudar uma realidade, através de um „olhar‟ crítico, faz-se necessária uma maior exigência metodológica. Não pode ser uma metodologia fixa, determinada e sem abertura para as tantas possibilidades novas que surgem, a cada momento, na procura de se produzir conhecimento. Carvalho (1995: 25), na busca de caminhos/descaminhos para a razão, procura estar atento aos caminhos que se descortinam quando perscruta as trilhas do “fragmento, do particular e do sentido”. Em que bases fundamenta-se a análise de práticas educativas que busquem as suas dimensões voltadas para processos de construção de hegemonia de setores sociais não burgueses? Que elementos compartilhar, quanto à metodologia, na busca de constituintes que possam contribuir para a superação de concepções que não atendam às necessidades políticas de liberdade de setores sociais subalternos? Como analisar a realidade na “sua essência contraditória e em permanente transformação”? (Melo Neto, 1996: 12). É nessa perspectiva que se colocam, como contribuinte à realização de pesquisas, nessa área, os constituintes da análise dialética. Como escapar das críticas à Ciência Moderna, consideradas pertinentes e fecundas? Segundo Fausto (1987: 15), esta fechou-se numa perspectiva instrumental, perdendo-se em modelos universais abstratos, definidos a priori, acrescentando que “desconsiderou a riqueza e multiplicidade da experiência humana e mais: vulgarizou a dialética”. Nesse sentido, a questão a ser respondida é: Que dialética pode ser utilizada como constituinte metodológico- analítico de questões sociais?
Elementos teóricos da dialética Para se iniciar a tentativa de apresentação dos constituintes da dialética, é necessário buscar-se a resposta à questão: O que é dialética? Essa resposta exige um debruçar-se sobre a história da filosofia, onde se pode encontrar a utilização da noção de dialética de várias maneiras e, dessa forma, nada passível de ser determinada ou explicada de uma vez por todas. Um conceito que tem recebido diferenciados conceitos que têm sido formulados, no decorrer do tempo, mesmo que diferentes, apresentam pontos de identificação entre si. Com isso, surge a dificuldade de uma compreensão em um único significado. De forma sintética, com base em considerações etimológicas, podem ser consideradas, pelo menos, algumas fases dos quatro conceitos principais da dialética: a dialética como um método de divisão, vista por Platão; a dialética como lógica do provável, presente em Aristóteles; a dialética como lógica, segundo Kant; a dialética como síntese dos opostos, a partir das formulações de Hegel/Marx. São quatro conceitos pautados em quatro doutrinas que exerceram „forte‟ influência na história da dialética, respectivamente: a doutrina platônica, a doutrina aristotélica, a doutrina estóica e a doutrina hegeliana. A discussão será conduzida na tentativa de chegar-se a uma síntese conceitual. Entretanto, será mantida a sua generalidade, em virtude da impossibilidade de se englobarem todas essas formulações em um só conceito. 108
Doutor em Educação e Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação – Educação popular, comunicação e cultura, da Universidade Federal da Paraíba, Campus I, João Pessoa. Coordena o Grupo de Pesquisa em Extensão Popular.
271 A resposta à questão acerca do conceito de dialética apresenta grande dificuldade, considerando-se que os autores a definem e a interpretam de várias maneiras. Parece que cada procedimento nessa direção se apresenta como insatisfatório. Para vários autores e intérpretes, a dialética “é a arte do diálogo, ou que ela é uma lei” (Bornheim, 1983: 153). Esta definição, que parece elucidativa, apresenta-se, porém, com nuanças que abrem outros tipos de questões fundamentais, como a discussão sobre o sentido do diálogo, por exemplo. Há, para o autor, uma certeza, ou uma clareza, de base de que a dialética, em seu ser, é a arte do diálogo, é lei. Ainda, segundo esse intérprete, não tem sentido a defesa de uma determinação ou uma definição como mecanismo de exclusão das demais, acrescentando (ibid.: 154): “Nada prova que diversas determinações não possam corresponder de algum modo à índole interna da dialética. Vimos que, do ponto de vista histórico, a dialética metafísica não só se justifica como foi necessária. Assim também, a dialética pode ser a arte do diálogo, ou a lei do real, ou de certos setores do real. Talvez a dialética seja ainda outras coisas”. Mesmo diante dessas dificuldades, pode-se ver, contudo, que a dialética é uma das expressões filosóficas muito usadas e que a sua universalidade tem sido, segundo Azevedo (l996: 2), “muito estudada, no sentido de individuar na gênese da palavra o seu significado profundo”. O autor encontra, no seu estudo etimológico, a expressão dialegein para significar, entre outras coisas, “escolher”, “selecionar”; e a sua forma derivada “dialesgesthai” com a significação de “conversar com”, “raciocinar com”. Muito importante ainda é o advérbio “dia” que, entre outras, assume valores espaço - temporais (através, entre, durante), causais, modais (com), bem como de estado ou condição. Como prefixo verbal, o autor destaca que “dia” também adquire uma variedade de significados, entre os quais “divisão” e “separação”. Como exemplo, ele apresenta “diápempo” “estou em desarmonia”; “diagonizomai” “luto com”, “contendo com”. Aponta também o verbo “légein”, que é rico de significados, muitos convergindo para a concepção de dialética, como exemplo: “escolher cuidadosamente, contar”. Mostra, por fim, a expressão “dialégein“„ que significa “desenvolver (de forma completa) um discurso”. Do ponto de vista filológico, o vocábulo abriga um grande número de significados que vêm sendo mantidos ao longo da história, demonstrando, talvez, a vivacidade do real que a dialética expressa. Para Azevedo (ibid.: 3), “a tradição homérica já toma o verbo, o termo, no sentido de tomar uma deliberação/discussão e pensamento sobre uma situação em que se apresenta a negatividade do risco e do perigo da morte”. Para Sichirolo (1980: 20), “... dialética e persuasão - uma das poucas razões válidas a operar dentro da chamada civilização ocidental”. Essa multiplicidade e ambigüidade lingüística repercutem nas concepções filosóficas fundamentais da dialética. Historicamente, foi entendida, quer como lei, quer como suprema ciência da realidade e como arte do debate, sem ser, necessariamente, relacionada com a busca da verdade. Assim é que a dialética, tem se apresentado como arte entre os sofistas, em Sócrates e, às vezes, em Platão. Entretanto, em Platão109, a dialética terá significado de método da divisão, de busca de uma definição verdadeira, mediante divisão de gêneros, espécies e sua conexão: “Dividir assim por gêneros, e não tomar por outra, uma forma que é a mesma, nem pela mesma uma forma que é outra, não é essa, como diríamos, a obra da ciência dialética? (...) Sim, assim diríamos” (Platão, Sofista, 253c-d). Este é o conceito que estabeleceu para a dialética. A dialética como técnica/arte, como instrumento da busca associada que se efetiva através da colaboração de duas ou mais pessoas, por meio do procedimento socrático da pergunta e da resposta - um procedimento processual. Um procedimento que se realiza em duplo movimento:
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Utilizou-se a tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa (Fédon, Sofista, Político) da coleção Os Pensadores. Abril Cultural, São Paulo, 1979.
272 “O primeiro, a sinóptica, consiste em conduzir à unidade de uma forma, de uma idéia, diremos nós, o que é diverso e múltiplo, por meio de uma instituição, de uma visão, de uma compreensão da totalidade; o segundo, a diarética, procura, por seu lado, especificar a unidade precedentemente definida, isto é, reconhecer quais as formas que dependem da natureza daquela unidade, mediante uma divisão dela segundo as suas articulações naturais, isto é, as suas espécies” (Sichirollo, 1980: 49).
São dois processos que, juntos, se condicionam e constituem toda a dialética. Platão deixará mais claro esse movimento sinóptico e diarético, ao explicitar 110: “Amo, Fedro, estas operações de dividir e unificar a fim de se ser possível falar e pensar. Se descortinar alguém capaz de lançar o seu olhar sobre o uno e sobre a unidade natural de um múltiplo, seguí-lo-ei, não largarei as suas pegadas como se fossem as de um deus. Aqueles que sabem fazer isto - se é justo ou não, só Deus o sabe - dou-lhes o nome de dialécticos...” (Fedro, 266 b-c). Dois momentos que constituem tanto uma unicidade como uma totalidade, designados por Platão de ascendente e descendente. Dois momentos que fazem coincidir, tanto o especulativo da inteligência como o ciclo da educação do filósofo, que deve descer à caverna buscando a justiça do Estado (Fedro, 516, c). O dialético é aquele que vai ao fundamento da essência - e por isso pode dar tanto razão a si como aos outros (ibid.: 534, b-c), sendo esta a sua lei. Pode ainda “... dedicar sobretudo àquele tipo de educação que confira capacidade de interrogar e responder o mais cientificamente possível” (ibid.: 534, d-e). Finalmente, as quatro possibilidades que se apresentam nesses dois momentos indicados na passagem do Sofista (253,d) são: a) a existência de uma idéia única e que dela surjam outras tantas idéias, existindo cada uma separadamente; b) a existência de uma única idéia que englobe, desde o exterior, outras idéias distintas entre si; c) a união da totalidade dessa multiplicidade de idéias para se chegar a uma única idéia; d) a existência de muitas idéias diferenciadas, divididas, entre si. Já Aristóteles apresenta uma diferenciação, em relação aos seus predecessores, ao tratar a dialética. É comum, para fins de estudo dessa temática, começar-se pela parte final do Órganon. É neste livro que o filósofo vai elaborar a sua concepção de dialética como a lógica do provável. A dialética, assim concebida, é entendida como o procedimento racional sem necessidade de demonstração. O silogismo é dialético em Aristóteles111 que, ao invés de partir de premissas verdadeiras, parte de premissas prováveis/plausíveis. Premissas sempre colocadas de forma genérica e geralmente admitidas. “São, por outro lado, opiniões „geralmente aceitas‟, aquelas que todo mundo admite, ou a maioria das pessoas, ou os filósofos - em outras palavras: todos, ou a maioria, ou os mais notáveis e eminentes” (Tópicos, I, 1,100b, 20 ). A capacidade de colocar as premissas, as mais prováveis possíveis, - a dialética precisa apoiar-se em duas dimensões principais. Essa prática não deverá guiar-se apenas pela exercício socrático de sempre perguntar sem, contudo, “dar” alguma resposta, “mas também na capacidade de responder e de defender a própria tese, como se se conhecesse o objeto da discussão. E isto em virtude de sua proximidade com a sofística” (Sichirollo, 1980: 65). Aristóteles, além disso, num esforço para sustentar a própria tese, associa, no seu Órganon, uma relação da crítica com a dialética. A argumentação ou o raciocínio crítico se objetivam na interrogação. Mas, nem a crítica nem a dialética são ciências de um objeto determinado. Ambas se interessam por tudo e se aproximam da arte do sofista, mas não se confundem, pois este o faz de forma apenas aparente, enquanto o dialeta desenvolve a crítica por meio da arte silogística. 110 111
Utilizou-se a tradução de Jorge Paleikat, da Ediouro, s/d. Ver Aristóteles, Dos Argumentos Sofísticos, sobretudo a partir de 4, 166 a, 5.
273 Assim, a dialética é entendida, por Aristóteles, como a arte da discussão ou disputa retórica e da disputa e do exercício da lógica. É uma arte que se serve de premissas prováveis. É também um instrumento com o qual se pode chegar aos princípios das ciências possibilitando, normalmente, a sua discussão. Entretanto, um dos eventos importantes da história da dialética se dá com o advento da obra de Kant. Sichirollo (l980: 139), ao interpretar a razão, a historia e a dialética de Kant até Hegel, conclui que, independentemente dos resultados e interpretações de cada um dos historiadores da filosofia, o idealismo alemão, expressado por Fichte112, Schelling113, Reinhold, Jacobi ..., portanto os seus representantes mais “ilustres”, e até Schopenhauer, “escreveram as suas obras mais significativas como resposta aos problemas que a filosofia de Kant pôs ao seu tempo”. Mesmo Hegel, segundo o autor, iniciara seus estudos como kantiano, ao comentar a Metafísica dos Costumes e escrevendo uma Vida de Jesus, inspirado na moral de Kant. O ponto de partida de seus estudos, ao contrário de se pautar pelas dimensões positivas da dialética, segundo seus antecessores, se impõe, contudo, a partir de uma desvalorização da dialética enquanto instrumento cognitivo. Nesse aspecto, ressalta que na dialética kantiana, “as teses são apresentadas como resultantes da imposição de uma situação humana: a razão exposta ao erro da ilusão” (ibid.: 140). Mas, em que consiste essa dimensão negativa da dialética? Ao discorrer sobre a divisão da lógica transcendental, em A analítica transcendental e dialética transcendental, Kant mostra que a lógica transcendental deveria tornar-se apenas um cânone para a avaliação do uso empírico. Para ele, a lógica vem sendo mal utilizada ao se deixar valer como órganon ”de uso geral e ilimitado e se ousa, apenas com o entendimento puro, julgar, afirmar e decidir sinteticamente sobre objetos em geral. Neste caso, o uso do entendimento puro seria dialético” (Crítica da Razão Pura, /4, & 88). Kant, contudo, vai mostrar a necessidade de uma segunda parte de sua lógica transcendental que deverá, segundo ele, ser crítica dessa ilusão dialética não como arte de alimentar tal ilusão: “Mas como uma crítica do entendimento e da razão no tocante ao seu uso hiperfísico, para que se possa descobrir a falsa aparência de tais presunções infundadas e reduzir as suas pretensões de descoberta e ampliação, que ela supõe alcançar unicamente através de princípios transcendentais, à mera avaliação do entendimento puro e sua proteção contra ilusões sofísticas” (ibid.: / 4, & 88).
A dimensão negativa da dialética em Kant é vista por Durant, em seu estudo sobre a Filosofia de Kant (p, 56), como uma função considerada „cruel‟ para a „dialética transcendental‟, que é o exame da “validade das tentativas da razão de se evadir do círculo de sensações e aparências para o mundo, que não se pode conhecer, das „coisas em si‟ “. Esta é uma busca constante do filósofo para se evitar não só as sensações como as aparências. Contudo, para Reale (1990: 695), mesmo desmascarando os sofismas erístico-dialéticos e as aparências sofístico-dialéticas e, assim, eliminando-as, contudo, “as ilusões e aparências transcendentais permanecem”. A ilusão permanece, exatamente, por se tratar de uma ilusão que é natural. Para Kant, tudo isto é dialética. Esses erros, essas ilusões da razão, bem como o seu estudo crítico, constituem a dialética das aparências. Kant exemplifica com algumas espécies de afirmações dialéticas da razão pura que demonstram, por seu caráter dialético, que a cada uma delas se opõe também um princípio contraditório, que são da razão pura e igualmente aparentes. E mais, essas antinomias estão radicadas, segundo o filósofo, “na natureza da razão
112
Ver Fischte. A doutrina da ciência e o saber absoluto. Coleção os Pensadores. Abril Cultura, São Paulo, 1980. 113 Ver Schelling. Bruno ou do princípio divino e natural das coisas, em particular o item B) exposição da filosofia mesma (porém “não tanto dela mesma, quanto do solo e fundamento sobre o qual ela tem de ser construída”). Coleção os Pensadores, Abril Cultural, São Paulo, 1984.
274 humana, sendo, por conseguinte, inevitável e jamais tendo um fim”. São as seguintes suas teses 114 : “Tese 1 - O mundo, segundo o tempo e o espaço, tem um começo (limite). Antítese - O mundo, segundo o tempo e o espaço, é infinito. Tese 2 - Tudo, no mundo, é constituído pelo simples. Antítese - Nada é simples, mas tudo é composto. Tese 3 - Há no mundo causas através da liberdade. Antítese - Não há liberdade, mas tudo é natureza. Tese 4 - Na série das causas do mundo, existe um ser necessário. Antítese - Nesta série, nada é necessário, mas tudo é aí contingente” (Prolegómenos, /144, & 51). A revolução, trazida por Kant, libertou o espírito do controle exercido sobre ele pelas coisas ou pela realidade extramental. Esse controle ou regulação, segundo Maritain (1964:143), foi substituído por um universo de fenômenos unificados, sob as formas a priori da estrutura cognoscitiva do sujeito. Porém, em Kant, tem-se o dualismo dos fenômenos e da coisa em si, coisa essa que, mesmo em sua incognoscibilidade, continuava a pertencer ao mundo do ser extramental. Ainda para o autor, o objetivo de Kant era limitar o campo do nosso saber e restringir as ambições da razão. Segundo Maritain (ibid.: 144), foram os idealistas alemães que, partindo da „revolução copernicana‟, inaugurada por Kant no campo da filosofia, no intuito de levá-la a termo, conseguiram destruir toda e qualquer barreira que limitasse as ambições da razão e do saber filosófico. Conseqüentemente, ultrapassaram o dualismo kantiano dos fenômenos e da coisa em si, libertando-o da regulação das coisas extramentais exercida sobre ele. Assim é que a filosofia idealista caminhou no seu intento de levar o universo a conhecer a suprema unidade, abraçandoo em sua e por sua unidade. A filosofia identifica-se, a partir desse intento, com o próprio absoluto e suas automanifestações, já que o espírito era esse mesmo princípio da unidade absoluta, gerador de suas diferenciações. Ainda para Maritain (ibid.: l45), o traço genial de Hegel foi o de fazer dessa idéia de absoluto, pensamento ou espírito, o universo real que é apreendido, não por possuir uma existência fora do pensamento, mas no sentido de que o real passa a ser uma manifestação do pensamento no seio de si próprio. Na introdução da Fenomenologia do Espírito, Hegel destaca a impossibilidade do conhecimento formulado por Kant, seja através de um instrumento com o qual dominaria o absoluto, seja como meio com o qual seria possível a sua contemplação. Hegel (1974: 47) explicita sua crítica com o seguinte raciocínio: “Essa precaução deve até transformar-se na convicção de que toda a tarefa de conquistar para a consciência, por meio do conhecimento, o que é em si é, na sua conceituação mesma, um contra-senso, e de que o conhecimento e o absoluto sejam separados por uma nítida linha de fronteira”. Se, para Kant, existia, entre o sujeito e o objeto, o entendimento, uma separação da coisa em si, e se, agora, o real é manifestação do pensamento no seio de si próprio, a coisa em si está superada. O pensamento, sendo o absoluto em movimento, passa a encerrar sobre si mesmo tudo enquanto de si surge, bem como as suas auto-diferenciações. A crítica de Hegel (ibid.: 48) continua: “As representações do conhecimento entendido como instrumento e meio e, bem assim, uma diferença entre nós mesmos e esse conhecimento; pressupõe, sobretudo, que o Absoluto esteja de uma parte e o conhecimento, mesmo sendo algo de real, esteja de outra parte, para si e separado do absoluto”. Isso é algo inadmissível para ele, pois no seu sistema não há separação entre o sujeito e objeto. E mais, não se conhece nada, senão o que já está conhecido em nós mesmos. Para 114
Os grifos das teses aparecem no texto de Kant.
275 Hegel, o Absoluto não pode utilizar-se de qualquer „astúcia‟ para se chegar ao conhecimento, já que Ele está e quer estar “em nós tal como é em si mesmo e para si mesmo” (ibid.: 48). Não só não há separação, como também o seu fazer história “é a história do pensamento que a si próprio se encontra” (Hegel, l974: 329). Um movimento dialético se instala como a síntese dos opostos. Trata-se de uma síntese, já posta por Fichte (Doutrina da Ciência, & 4e), como “síntese dos opostos por meio da determinação recíproca”. Os opostos de que fala o autor são o “eu” e o “não eu”, e a conciliação se dá pela oposição do “eu“ ao “não eu” e pela determinação que, por sua vez, “não eu” reflete no “eu”, produzindo nela a representação. Pode-se perguntar, agora: Como é que se apresenta o movimento dialético de Hegel na Fenomenologia do Espírito? Ou como o absoluto faz sua odisséia na história, tornando-se saber absoluto? Na busca do conhecimento verdadeiro ou saber absoluto, a consciência, para ter essa certeza de que esse conhecimento é verdadeiro, precisa de “ferramenta” para parametrá-lo. É como se a consciência precisasse de algo para “cientificizar” o seu conhecimento e tê-lo como verdadeiro, como científico. Hegel, na Fenomenologia do Espírito, desenvolve uma crítica à ciência, na medida em que esta se reivindica verdadeira. No desenvolvimento dessa crítica, mostra o percurso da consciência e a sua dialética. As ciências, em verdade, apontam para diferentes absolutos e, „ousadamente‟, se assumem enquanto conhecimento verdadeiro. Ora, quando a ciência vai em busca do conhecimento, deve partir de deduções, pressuposições e até de precauções. No entanto, ela vai com desconfiança, não atingindo o que em verdade é. A exigência colocada é que da ciência precisam ser examinados, à „exaustão‟, os seus próprios pressupostos. Essa desconfiança é um temor de errar. Este temor é eregido sobre a própria verdade que busca. Exige-se, dessa forma, uma crítica sobre sua desconfiança. Além do mais, a ciência faz uma divisão entre o conhecimento e o absoluto (essência). Hegel pergunta, na Fenomenologia do Espírito: Como algo pode ser verdadeiro se está, como nas ciências, fora do absoluto? Sua resposta, para esta questão, vem após formular a crítica ao saber da consciência surgente (de algo). O saber surgente é saber de algo. O que se deseja é que a ciência, que entra em cena, leve isto à crítica. O caminho da dúvida é entendido como procedimento da ciência com a consciência (saber surgente). Surge a necessidade de uma medida, e esta não pode vir do exterior da consciência. Ora, a ciência, que entra em cena, deve dar a medida à consciência surgente (de algo), o critério de verdade. Este entrar em cena é pôrse a caminho da crítica. Hegel busca o absoluto único, a que as ciências não respondem. Nesse sentido é que a filosofia torna-se ciência porque ela quer o querer do absoluto, ser ciência da totalidade. Busca um absoluto que está em nós e sem nós não pode ser. Um percurso em que o indeterminado determina-se como determinado fora dessa determinação. Para mostrar esse movimento de busca do saber absoluto, Hegel parte da consciência natural, do saber natural, aquela que tem por base a sabedoria popular, o senso comum, os ditos populares. É o nível da formação de um discurso que não se pretende científico. Cada momento histórico tem uma forma de discurso, de sabedoria popular, isto é, modos de vida que formarão os tipos de saberes. É o campo da aparência que não está em oposição ao supra-sensível. Não há oposição entre a aparência e a idéia, pois ambas são um só mundo. A aparência envolve o saber verdadeiro. Mas existe, agora, o desejo de exame desse saber, uma exigência do saber que conduz imediatamente à descoberta da estrutura da própria coisa como uma dupla aparência. A aparência desse saber que se arvora em ser ciência e a aparência enquanto pretensa totalidade de um processo de conhecimento. O conhecimento da ciência não passa de uma aparência e não conduz à busca da verdade ou conhecimento verdadeiro. E na busca da coisa como em verdade é, a consciência submete a consciência natural ou saber natural para dirimir a dupla aparência. Com isso, gera o saber surgente ou ciência surgente que, contendo a exigência de saber algo, se põe a caminho da crítica, agora como ciência que entra em cena. Entrar em cena é pôr-se a caminho da crítica que descobre o ser em si, o saber. O ser em si é objeto (essência). O objeto não é material e está na consciência. O saber está na consciência. O para sí é o movimento da essência para a consciência.
276 Hegel descobre, assim, o outro critério, que é a verdade ou a consciência do para si, que é o caminho do algo para a consciência. A consciência tem, dentro de si, o em si do objeto tornando-se para si. É a passagem da ciência que entra em cena, chegando ao „conceito‟ - a ciência verdadeira. É nessa direção a afirmativa de Cezarino (l996: 3): “A ciência verdadeira é o sistema de conhecimentos em razão da crítica levada a cabo, que contém também o saber das determinações (momentos), o qual é somente acessível, quando a crítica é levada à exaustão e a conexão de tipos de saber são vistos como conexão. O saber é então saber em e para si”. A verdade e o saber estão na consciência e são os parâmetros de chegada de Hegel ao absoluto, o saber verdadeiro. É o próprio processo. Ainda para o citado intérprete de Hegel, esse processo de negação pode ser tomado como o “caminho da consciência natural, que penetra no verdadeiro saber” (ibid.: 3). É como se tratasse de um processo de progresso, o qual a consciência natural percorre como uma necessidade, com uma direção de finalidade para o saber absoluto. Só assim se chega à totalidade e a totalidade é todo esse processo. Um processo que não é a soma dos distintos momentos, pois não existe oposição entre esses momentos. Assim é que a partir de qualquer momento, pode-se iniciar esse movimento da dialética. Dialética como a essência mesma da coisa. Para Azevedo (1996: 7), a dialética em Hegel consiste: “1 - na colocação, no propor de um conceito “abstrato e limitado”; 2 - na supressão deste conceito como algo “finito” e no passar a seu oposto; 3 - na síntese das duas determinações anteriores, síntese que conserva o que há de afirmativo em sua solução e em sua transferência”. Hegel denomina esses três momentos, respectivamente, como: momento intelectual, momento dialético e momento especulativo ou positivo racional. Todavia, a dialética não é apenas o segundo momento, mas o conjunto do movimento, principalmente em seu resultado positivo e em sua realidade substancial. O princípio da identidade do racional com o real, presente em Hegel, implica que a natureza do pensamento seja a mesma natureza da realidade. Assim, a dialética não é apenas a lei do pensamento, mas é a lei da realidade. Os seus resultados não são meros conceitos puros ou conceitos abstratos, mas „pensamento concreto‟. A realidade, dialeticamente em movimento, está em permanente devir. A filosofia hegeliana vê, em todos os lugares, tríades do tipo: tese, antítese e síntese, segundo intérpretes, como Azevedo, Bornheim, Thadeu Weber, Lima Vaz, Llanos, em que a síntese representa a „negação‟ ou o „oposto‟, ou o „ser outro‟ da tese. A síntese constitui a unidade, no seu próprio tempo, a verificação, tanto de uma como de outra. Para Llanos (1988: 94), “uma vez alcançada a síntese, esta se põe a si mesma como uma nova tese, isto é, como uma categoria afirmativa que se há de converter na base de uma nova tríade”. Ao analisar esse movimento triádico da dialética, Weber (l993: 41) coloca que “em cada síntese, os momentos anteriores estão suprimidos (negados), mas, ao mesmo tempo, integrados numa forma superior”. A condição de possibilidade da dialética, em Hegel, se revela como sendo a transcendência da consciência sobre o dado, manifestada pela negatividade. Isto confere à filosofia o papel de instância, tanto doadora como reveladora de sentido. É esta lição primordial da dialética hegeliana, tanto na forma como no conteúdo. Coube a Feuerbach, segundo Llanos (1988: 109), a crítica às formulações idealistas de seu tempo, que mostrara ser o espírito absoluto hegeliano “ o espírito finito - humano - mas abstraído e separado do homem”. Toda a crítica formulada (ibid.: 110) se constituía num materialismo, ao contrapor-se à idéia da transcendência sobre o dado no pensamento de Hegel, embora esse materialismo fosse limitado, ostentando um “caráter contemplativo, metafísico e antropológico, combinando-se com uma concepção idealista de sociedade”. Feuerbach, segundo o autor, não via a passagem do homem abstrato para um homem que atuasse, necessariamente, na história. A passagem do culto desse homem abstrato, centro da formulação
277 feurbachiana, pela ciência do real e de seu desenvolvimento histórico, seria possível ser efetivada por Marx. Marx vai realizar a inversão da dialética, colocando o objeto ou „dado‟ como primeiro, o natural imediato antes da consciência. Assegura, portanto, a primazia dos conteúdos materiais ou históricos - as formas finitas da consciência - sobre as formas infinitas da mesma consciência. Na evolução do pensamento de Marx, o confronto definitivo com Hegel é exposto em várias obras115. Marx incorpora o postulado materialista feuerbachiano e o método dialético, de Hegel. A inversão vai se constituir na adequação do método dialético a um conteúdo material inicial, da crítica ao idealismo, ao método hegeliano e a um reconhecimento da contribuição de Feuerbach. Deste, segundo Dantas (1996: 11), assume teses, sobretudo a análise de que a filosofia não passa de religião transportada para o pensamento e desenvolvida em pensamento. Sua crítica ao idealismo ”consiste na denúncia do processo dialético no âmbito da consciência, de modo que a disjunção se faça entre o objeto como ser ideal e o sujeito como autoconsciência”. Essa crítica exige de Marx uma adequação rigorosa entre o sujeito e sua esfera objetiva ou o mundo material. Impossibilita também qualquer transcendência do sujeito sobre o mundo. Define, além disso, como relação fundamental a relação econômica da produção. Para Markus (1974: 81), o ponto de partida das análises filosóficas de Marx, freqüentemente omitido, é “uma situação de fato empírica e concreta, uma situação histórica, cujo alcance decisivo sobre sua época foi esclarecido, etapa por etapa, por Marx, revolucionário e pensador, durante sua evolução precedente”. Esta situação empírica, concreta, está presente em várias passagens nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, quando Marx mostra a pobreza crescente do operário, à medida que maior for sua produção de riqueza. Será cada vez mercadoria de pouco valor quanto mais criar mercadorias. Assim, “o homem torna-se cada vez mais pobre enquanto homem, precisa cada vez mais do dinheiro para apossar-se do seu inimigo, e o poder do seu dinheiro diminui em relação inversa à massa da produção” (Marx, 1978: 16). Marx continua a sua análise sobre o pensamento de Hegel, encontrando, na Fenomenologia do Espírito, a fonte originária de sua filosofia. Descobre erros nas formulações hegelianas, sobretudo aquela que concebe a riqueza, o poder estatal, etc., como “essências alienadas para o ser humano, isto só acontece na sua forma de pensamento (...). São seres de pensamento e por isso simplesmente uma alienação do pensamento filosófico puro, isto é, abstrato. Todo movimento termina assim como o saber Absoluto. É justamente do pensamento abstrato que estes objetos se alienam, e é justamente ao pensamento abstrato que se opõem com sua pretensão à efetividade” (ibid.: 36).
Marx reconhece, contudo, a grandeza do pensamento hegeliano na obra referida e, particularmente, no seu resultado final: “A dialética da negatividade na qualidade de princípio motor e gerador consistindo de uma parte que Hegel compreenda a autogeração do homem como processo, a objetivação como desobjetivação, alienação e superação dessa alienação; em que compreenda então a essência do trabalho e conceba o homem objetivado, verdadeiro, pois esse é o homem efetivo como o resultado de seu próprio trabalho” (ibid.: 37).
115
Ver Karl Marx, em suas obras: Crítica da Filosofia Hegeliana do Direito Público (1844), Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844), Teses contra Feuerbach (1845), Ideologia Alemã (1845-46) e Sagrada Família (1845).
278 Mas, após a explicitação de sua crítica ao movimento dialético no campo das idéias, em Hegel, pode-se perguntar qual é a dialética ou o método de Marx. Em lugar de explicitar o seu método dialético, Marx prefere aceitar como suas as palavras de comentador: “Assim, ao se propor a tarefa de analisar e explicar a organização econômica capitalista, Marx não faz senão formular de um modo rigorosamente científico e objetivo que deve ser perseguido por toda investigação exata da vida econômica... O valor científico de semelhante pesquisa consiste em esclarecer as leis especiais que regem o surgimento, a existência, o desenvolvimento e a morte de um organismo social dada a sua substituição por outro organismo mais elevado. E esse é o valor que tem realmente a obra de Marx” (Marx, Prefácio, 15, apud Haguete, 1990:163). Após a citação do texto, Marx vai concordar com o comentário e também se perguntar se não é esta a definição do método dialético. Mostra o processo de exposição que deve diferenciar-se pela forma do processo de pesquisa. “A pesquisa deve captar com todas as minúcias o material, analisar as suas diversas formas de desenvolvimento e descobrir a sua ligação interna. Só depois de cumprida esta tarefa pode-se expor adequadamente o movimento geral” (ibid.: 15). Ao estudar o método de análise da economia política, Marx descobre que esse método inicia-se sempre pelo real e pelo concreto, parecendo esta a forma correta. No estudo de um país, parece ser correto iniciar-se pela população que se constitui na base e no sujeito social da produção. Porém, uma observação mais atenta, segundo ele, mostra que a população, mesmo sendo tão concreta, é, na verdade, uma abstração. Por conseguinte, esse método é falso. “A população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem. Por seu lado, estas classes são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos em que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital, etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços, etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço, etc., não é nada. Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações as mais simples. Chegados a este ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma representação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas” (Marx, l978: 116). Para Marx, este é o método cientificamente exato. Este é o seu método dialético. Essa formulação viabiliza uma visão de que o universo vai se tornando possível revelar-se tal qual é. O pensamento pode mover-se por dentro de suas partes, apreender as suas interconexões e o conjunto no qual elas se fundem. Para Prado Junior (1980: 513), Marx, “... aproveitando-se das comportas abertas por Hegel e do terreno desembaraçado que se estendia à sua frente, empurra o pensamento filosófico para fora do seu isolamento idealista e introspectivo”. O mundo das idéias, agora, passa a ter o sentido de mundo material, “transposto e traduzido no espírito humano”. Fausto (l993: 49), ao estudar o lugar da forma e o do conteúdo na dialética, observa que em Marx, “o sistema de formas permanece sempre inscrito na matéria. Assim, a matéria é em Marx o lugar da inscrição das formas, não mais mas não menos do que isto”. Contudo, é em Limoeiro Cardoso (1990: 19) que se verifica um acompanhamento mais explícito sobre o desenvolvimento do método de Marx, entendendo-o subdividido em seis partes:
279 “A primeira trata do método em geral e indica um movimento que é exclusivamente teórico, passando-se totalmente no abstrato. A segunda afirma a anterioridade do concreto. A terceira propõe e resolve uma relação específica entre o real e o teórico, desdobrando as relações entre as categorias mais simples e as mais concretas. A quarta precisa a condição da produção das abstrações mais gerais a partir do desenvolvimento concreto mais rico. A quinta indica que é no último modo de produção já estabelecido, porque o mais complexo, rico e variado, que se torna possível a inteligibilidade não só dele mesmo, como também de todas as sociedades anteriores. A sexta retorna ao método, estabelecendo que a ordem das categorias deve seguir uma hierarquia teórica, em função da sua importância correlativa dentro da sociedade mais complexa, base das abstrações mais gerais e categorias mais simples, e não em função do seu aparecimento histórico”. Esta divisão vai possibilitar, para a autora, uma segunda apreensão do método, que está assim exposta: 1 - Do abstrato para o concreto pensado. Na crítica ao método da economia clássica, considera-se que esta inicia sua análise a partir do „concreto‟ A autora citada vai entender que tal „concreto‟ só tem sentido à medida que se vão descobrindo as suas determinações. A realidade social é determinada, e assim é não por obra natural. Há relações específicas que a determinam, respondendo a uma certa causalidade. Neste sentido, a realidade social é determinada e só é possível a sua explicação, quando também se apreender a sua determinação. Na não existência das determinações, o mundo seria fenômenos completos em si mesmos. Não existindo as relações entre os fenômenos, seria possível apenas o estudo de suas descrições e, jamais, de suas explicações. Na verdade, as explicações precisarão melhor o próprio fenômeno e a sua completude nas relações (de superfície) que mantêm uns com os outros. O concreto real, de que partem os economistas clássicos, apresenta um sentido que não é já dado, mas sim “adquirido pela ação do pensamento, na abstração” (ibid.: 21). Este concreto real é uma abstração. “Assim, um procedimento como este não parte do concreto, como se supõe, e sim da abstração, e não pode sequer procurar condições para re-encontrar o concreto, porque supõe, enganosamente, que já o incorpora à analise desde o início” (ibid.: 21). O real, nesse sentido, se apresenta com um caráter caótico. Em havendo uma ordem no real, essa ordem não está dada e não transparece, só podendo ser atingida pelo pensamento que a investiga, aprofundando-se no mesmo. Esta investigação, contudo, não terá respostas imediatas dos dados ou contatos do real, mas será produto da reflexão que, informada pela teoria, vai em busca da realidade externa. Em sendo esta realidade determinada, é que se torna possível conhecê-la e explicá-la racionalmente. Isto só é possível, todavia, ao se atingir os seus determinantes fundamentais. “E isto acontece no mundo dos conceitos, no plano teórico, no abstrato. Abstrato que tem a pretensão de reproduzir o concreto, não na sua realidade imediata e sim na sua totalidade real” (ibid.: 22). Possibilita-se, assim, a compreensão da formulação de Marx, em que “o concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações”. A totalidade real se constitui, portanto, do conjunto das determinações, juntamente com o que elas determinam. Ao tempo da produção de Marx, onde dominavam as perspectivas empíricas, não se poderia atingir essa totalidade real, valendo-se do estilo daquele método. Não será a partir de toda uma análise procedente do real. Este traz, em si mesmo, um impeditivo para tal conhecimento. Em Marx, segundo a autora, há uma proposta de procedimento novo - “do abstrato (determinações e relações simples e gerais) ao concreto (que então não é mais „uma representação caótica de um todo‟ e sim „uma rica totalidade de determinações e de relações diversas‟)”. O método de Marx vai do abstrato ao concreto. “E o mais importante, este
280 concreto é um concreto novo, porque pensado. É um concreto produzido no pensamento, para reproduzir o concreto real („as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento‟)” (ibid.: 23). 2 - Anterioridade do concreto. O movimento produção/reprodução do concreto, no caminho de volta, bem como o que constitui esse concreto a que se chega, precisam ser explicitados, segundo a autora. A resposta para isto está, conforme sua interpretação, na formulação do texto de Marx, já apresentado, em que o concreto é concreto porque ele se constitui como síntese de múltiplas determinações. Esta concepção estabelece que o fato de se ter realidade não garante ser concreto. “O caráter de concreto está estreitamente vinculado ao de determinação. O que conta de fato são as determinações. Atinge-se o concreto quando se compreende o real pelas determinações que o fazem ser como é” (ibid.: 24). O concreto é síntese de muitas determinações e, assim, é uma totalidade: „unidade determinante/determinado‟ ou unidade de múltiplas determinações. Esse processo ainda aparece no pensamento como expressão de uma síntese, pois unidade do diverso, como resultado e não como ponto de partida. Ele não se constitui de um dado simplesmente, mas é o resultado de um elaborado processo de pensamento. “E se esse processo começa cientificamente no abstrato, seu verdadeiro ponto de partida é o real. Está dito, explicitamente, que o verdadeiro ponto de partida do pensamento é o real, que é o ponto de partida da percepção e da representação. O papel do real para o pensamento e para o conhecimento não é, pois, eliminado como se, por ser o abstrato o campo próprio do teórico (em que se move o pensamento para produzir conhecimento) para ele, teórico, o real não existisse senão sob a forma pensada. Uma coisa é afirmar que o concreto só faz parte do teórico como concreto pensado (acentua-se aí o fazer parte de ); outra coisa diferente é afirmar que o concreto real não se relaciona com o teórico (abstrato), sob a alegação de que o teórico só pode afirmar do concreto o que sabe dele, isto é, o que tem precisado sobre ele. A perspectiva seguida por Marx é a que ele explicita, de que o concreto aparece no pensamento como resultado, embora seja o verdadeiro ponto de partida. O pensamento parte do concreto (real), ainda que só se torne verdadeiramente científico quando retoma o concreto, pensando-o, a partir do abstrato (suas determinações atingidas pelo pensamento originado no concreto” (ibid.: 25). Nesse momento, observa-se em Marx, segundo Limoeiro Cardoso, um triplo movimento. O primeiro, onde se parte do real, porém afastando-se cada vez mais dessa realidade, através da abstração, atingindo conceitos mais simples desse real. O segundo movimento é o início da atividade científica propriamente dita, onde se tem como caótica a representação do real. Nesse movimento não se parte do real ou de sua representação imediata caótica e abstrata. Parte-se dos conceitos mais simples produzidos pelo movimento anterior. Esse movimento seria a busca pela especificação das determinações gerais e simples, configurando um movimento de reconstrução teórica. Finalmente, o terceiro movimento será de construção teórica de reprodução do concreto. De forma simplificada, os movimentos são colocados, através dos seguintes vetores básicos: 1o)
real (concreto)
--------------------
abstrato
2o)
abstrato
--------------------. . (concreto)
abstrato
281
3o)
abstrato
---------------------
concreto (pensado)
Para a autora, “com o segundo movimento, se iniciaria o que Marx aponta como „método cientificamente correto “(ibid.: 27). Dessa forma, pode ser entendido que o „caminho de volta‟ não se torna nada simples. Não significa apenas a troca do ponto de saída pelo de chegada ou o „começo pelo resultado‟. Também não pode ser apenas uma troca de sentidos ou inversão de uma rota. Além do mais, esse ponto de partida do método de Marx é outro ponto diferente daquele de chegada do primeiro método - o da economia política de seu tempo. “Não só porque é abstrato, e não concreto. Sendo abstrato, é outro abstrato, diferente do abstrato a que o método anterior permitia chegar. É um abstrato reconstruído criticamente a partir deste” (ibid.: 28). Esclarece ainda a autora que, por um lado, o real está presente e alimentando a percepção e a representação e, por outro, também, “não esquece que o concreto produzido pelo pensamento é apenas pensamento, não real. É neste ponto que contesta Hegel, ou a relação que este propõe entre abstrato e concreto” (ibid.: 28). Esta compreensão traduz, de forma explícita, uma negação, presente em Marx, de que o real seja resultado do pensamento. Na contestação marxista de que o pensamento seja a gênese do concreto, segundo Limoeiro Cardoso, “Marx argumenta que mesmo o pensamento mais simples só existe como relação unilateral e abstrata de um todo concreto, vivo, já dado. É neste sentido que para ele o real é anterior ao pensamento” (ibid.: 29). Contesta dessa forma a possibilidade de um movimento de categorias autônomas e produtoras do real, bem como a concepção de que o pensamento se basta a si mesmo e se movimenta por si mesmo. Em Marx, diz a autora, “a realidade concreta preexiste, subjaz e subsiste ao pensamento. É este que de algum modo depende dela, e não ao contrário” (ibid.: 30). O conhecimento científico do real, dessa forma, tem início com a produção crítica das suas determinações. Esta produção se dá ao nível do teórico, ao nível das categorias. Porém, constituindo-se como crítica da produção anterior, ela só se realiza quando da existência de um desenvolvimento teórico „razoável e disponível‟. “É daí que o método para produzir este conhecimento se eleva do abstrato ao concreto” (ibid.: 32). 3) - Relação categorias/real. Foi analisada até agora, na interpretação de Limoeiro Cardoso, a afirmativa de Marx de que os conceitos mais simples permitem chegar a uma inteligibilidade do real. Supõe também a exposição desses conceitos a partir de uma abordagem que parta do próprio real. Acrescenta que esse real, como ponto de partida, também é uma abstração, abstração das determinações que se expressam naqueles conceitos simples. Além disso, afirma a existência do real fora do pensamento, que é anterior a ele. Estabelecido o conceito do método, na primeira parte da discussão, e, na segunda, do real, busca-se a relação existente entre ambos, na terceira. Nesse sentido, salienta a autora, ”para produção teórica, o pressuposto básico é que ela seja comandada pelos conceitos mais simples, para ser possível a reprodução do concreto no pensamento” (ibid.: 32). Dando sustentação a esse pressuposto, tem-se o mais geral - o da exterioridade e independência da realidade - a tese materialista fundamental116. As categorias mais simples não se apresentam em Marx com existência independente sem nenhuma característica histórica ou natural. A exigência fundamental de sua existência está 116
Salientam-se, então, algumas questões suscitadas, tais como: 1) o porquê das determinações do real são formuladas através de conceitos simples; 2) a da simplicidade originária dessas categorias; 3) as categorias simples terem ou não existência independente e anterior às das mais concretas; 4) a evolução histórica do real. Tais questões são formulações postas e melhor analisadas por Limoeiro Cardoso, Mirian. Op. cit., 1990, pp. 32-44.
282 na admissão do concreto vivo, isto é, expressando-se como relação unilateral e abstrata de um todo concreto já dado. “É sobre ele que se erigem as categorias, mesmo categorias as mais simples, que não são capazes de captá-lo no plano do teórico a não ser parcialmente, unilateralmente” (ibid.: 33). Quanto à discussão do simples originário, empreendida por Marx, Limoeiro Cardoso vê um movimento em três dimensões. A discussão passa por uma análise de que as categorias simples têm ou não existência independente e anterior às categorias mais concretas. Para a autora, o primeiro momento desse movimento consiste em que “as relações mais simples sempre pressupõem relações mais concretas - relações estas expressas em categorias mais concretas, no sentido de que se referem a um grau mais baixo de abstração” (ibid.: 34). As categorias simples expressam, assim, relações simples, e estas não existem antes de relações mais concretas, expressadas também em categorias mais concretas. Uma análise que convém salientar não se dá apenas no campo de categorias teóricas. O segundo movimento se dá de forma mais complexa a partir da exemplificação de Marx, em que a posse se torna a relação jurídica mais simples. Acontece que não há posse sem a família, superada apenas quando inicia com a distinção que é feita entre posse e propriedade. “A posse é uma relação simples, que exige uma relação mais concreta, como a família”. Aí também se insere, para superação dos questionamentos, a questão da evolução histórica real, influenciando tanto na diferenciação como na produção das categorias. É importante, portanto, entender-se que “a categoria mais simples exige um certo grau mínimo de desenvolvimento para que possa seguir a relação mais simples que ela exprime” (ibid.: 37). Apresenta-se, até agora, uma contradição. No primeiro momento, o mais concreto é anterior ao mais simples; no segundo, o mais simples se torna anterior ao mais concreto117. Ao colocar e discutir a questão, a autora mostra que esta é uma contradição, mas que não é produzida por pura negação. O segundo momento não é pura negação do primeiro. Ele é outro momento. No primeiro, o concreto é real, é o dado. “As categorias mais simples são as mais abstratas(abstrações simples). A relação proposta é uma relação real, com sua contrapartida pensada: família posse; comunidade de famílias - propriedade. No segundo momento, o concreto pertence ao plano do pensamento. A relação dinheiro e capital é uma relação entre categorias pensadas. O real aparece relacionado com cada uma destas categorias através dos diferentes graus do seu desenvolvimento e da sua complexidade” (ibid.: 39). Dessa forma, pode se entender que é numa sociedade mais complexa, em que a categoria mais simples se apresenta com maior desenvolvimento. Em sociedades com grau de desenvolvimento menor, a categoria mais simples também existe, porém, é parcial no sentido de não impregnar “todas as relações do setor a que se refere”. Este também se constitui como o terceiro momento, onde se analisa a categoria simples, como o dinheiro. Tais exemplos mostram a sua existência como categoria simples, mesmo que haja sociedades, bem desenvolvidas e não historicamente maduras, como o Peru pré-colombiano, onde não existia qualquer forma de moeda. O mesmo ocorre com os povos eslavos, em que a existência do dinheiro limitava-se às atividades comerciais nas suas fronteiras. De forma sintética, a autora sistematiza esses três momentos da seguinte forma: “1) concreto ------------simples - relações mais concretas são anteriores a categorias mais simples. - fundamento: relação concreto/abstrato (abstração simples). 2) simples
concreto ( complexo) - categorias mais simples são anteriores a relações mais complexas
117
-------------
Esta aparente aporia é resolvida em Limoeiro Cardoso, Miriam. Op. cit., 1990, pp 38-41.
283 (expressas em categorias mais concretas). - fundamento: relação simples/complexo (concreto) 3) complexo (concreto)
-------------
simples
- a categoria mais simples só tem seu desenvolvimento completo numa sociedade complexa, enquanto que as categorias mais concretas podem ter seu desenvolvimento completo anteriormente”(ibid.: 42). Desses movimentos resultantes da relação entre categorias e real, surge a constatação de que o simples não é a origem. As categorias mais simples exigem um substrato mais concreto, isto é, uma certa organização social, um todo vivo. Observa-se também que o processo histórico real vai do mais simples ao mais complexo. Aqui, e neste sentido, o mais simples pode preceder o mais complexo. Contudo, é no mais complexo (completo) que o simples pode estar mais desenvolvido. Agora, ele pode ser pensado de forma teórica e mais completa. 4) - A Produção das abstrações mais gerais. A autora identifica uma quarta parte no texto e descobre que é na sociedade mais complexa que a categoria mais simples se completa. É aí também onde se alcança o elo específico entre o real e o conceito: “O abstrato de que se deve partir para começar a produção do conhecimento, que se fará no concreto pensado, já não depende só da produção teórica anterior, que se utilizará, criticando. Estas produções teóricas e o movimento que as produz despontam numa íntima conexão com o real e o seu movimento próprio” (ibid.: 44). Pode-se entender como a categoria trabalho é uma categoria simples. Ora, a idéia de trabalho é bastante antiga, contudo, como categoria econômica, é recente. O trabalho é a relação daquele que produz com o produto. Então, analisa a autora que a categoria, entendida como trabalho em geral, já está presente em A. Smith. O trabalho em geral, gerador de riqueza, segundo o economista, retira deste qualquer determinação possível que possa conter. Tem-se, desde aí, o trabalho em geral, indo além da formulação anterior, econômica, de trabalho manufatureiro, comercial e agrícola. Como trabalho em geral, deixa-se de pensar nas particularidades da relação entre produtor e produto, mas nas formas de trabalho no seu caráter comum. Para Limoeiro Cardoso (ibid.: 45), “aparece aqui a primeira especificação precisa da categoria simples: a sua generalidade. O trabalho é uma categoria simples quando ele é pensado como trabalho em geral, como trabalho sem determinações, como trabalho, simplesmente”. É no atual estágio de sociedade em que se vive com a diversidade de formas de trabalho, uma sociedade mais complexa, onde a categoria simples completa o seu desenvolvimento. A categoria trabalho, em sendo mais simples, se torna, pela diversidade de formas de realização, mais geral, e isso só é possível em uma sociedade mais complexa. A sociedade que possibilita a existência da categoria mais simples, no caso, o trabalho em geral, é aquela em que concretamente existe o trabalho em geral. A sociedade mais complexa possibilita o deslocamento do trabalhador, mesmo especializado, para outro ofício. Neste tipo de sociedade, tem-se o trabalho em geral, a categoria mais simples, mais abstrata, criada na sociedade mais complexa. Este desenvolvimento teórico “não depende exclusivamente da capacidade e da disponibilidade teórica. Em última instância, a produção teórica deriva de condições reais” (ibid.: 46). As categorias mais simples detêm as abstrações mais gerais. São definidas pela simplicidade, pelo alto grau de abstração, pois são úteis a todas as „épocas‟ e, portanto, pela sua generalidade. 5) - A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. Análise feita até agora tem mostrado o método como um caminho, o papel do abstrato (conceito simples, determinação) na reprodução do concreto no pensamento, a relação da abstração com a
284 realidade e a importância da fase do desenvolvimento da realidade social para a produção das abstrações mais gerais. Esta última incorpora, em si mesma, a própria história. A teoria desenvolvida aponta para a economia numa perspectiva histórica, residindo nela também a determinação, em última instância, da totalidade social, que é uma totalidade histórica. A análise desta totalidade remete, por sua vez e necessariamente, para o conhecimento da economia, considerando a história um estudo do determinante da totalidade social. Convém destacar que a sociedade, em estudo, é a sociedade burguesa. O presente significa não o contemporâneo ou o que está ocorrendo, mas “o último modo de produção completo, o modo de produção capitalista” (ibid.: 53). Portanto, é neste tipo de sociedade, mais complexa, que se torna possível a criação de categorias as mais simples e, conseqüentemente, mais complexas e mais abrangentes, possíveis de serem utilizadas em análises de sociedades menos desenvolvidas. Segundo Limoeiro Cardoso, “a análise da história deve ser conduzida por categorias simples e gerais produzidas no estado mais avançado da própria história” (ibid.: 48). No entanto, a autora levanta a questão do risco que se corre, ao se fazer uma análise com categorias geradas na sociedade mais complexa; questiona também se o olhar do presente não deformará o passado. Esta é uma preocupação para que não venham se perder as especificidades de cada momento histórico, uma vez que cada um deles se define por suas peculiaridades, diferenciando-se, assim, um do outro. Com esse cuidado de não perder a própria história, a autora vai mostrar que há em Marx uma concepção de história evolutiva, em que laços orgânicos ligam os diferentes momentos históricos. Em Marx, contudo, não há a possibilidade de ocorrer a perda da especificidade dos distintos momentos históricos. Para a autora, a análise entre esses diferentes momentos exige que não se perca a diferença essencial entre eles, acrescentando: “A lição dada é no sentido de que se disponha de categorias gerais que na sua generalidade abranjam todo o desenvolvimento desde o ponto em que foram produzidas. A sua generalidade, apoiada numa abstração que é condicionada historicamente, lhes dá validade para todos os momentos anteriores ao da sua produção, inclusive e principalmente para este” (ibid.: 50). Ora, a demarcação das diferenças essenciais de cada momento histórico exige uma definição de onde devem incidir os cortes na história ou a periodização. A autora levanta novo questionamento: como realizar a periodização? Respondendo, ela destaca, que a sociedade tem dificuldade de se ver criticamente. Em condições bem determinadas, um momento histórico consegue fazer sua crítica. Em sendo assim, para a sociedade mais desenvolvida socialmente, mais complexa, isso também é verdadeiro. Ela vê no texto de Marx a condição de possibilidade de relativizar os outros modos de produção, quando tem condições de relativizar a si próprio. Como solução, aponta a crítica ou particularmente a autocrítica. Mas quando isso se torna possível? “Somente quando uma sociedade deixa de se absolutizar e passa a ser, portanto, capaz de assumir sua própria particularidade e especificidade, é capaz de atingir, reconhecendo-as e conhecendo-as, outras particularidades e especificidades diferentes da sua, ainda que lhe sejam anteriores” (ibid.: 51).
A autocrítica de uma sociedade, contudo, está na capacidade dessa própria sociedade para se aperceber na sua singularidade no tempo, na sua historicidade. Isto ocorre quando esta não mais se identifica com o passado, conseguindo se ver como diferente. Limoeiro Cardoso, contudo, continua seu questionamento, buscando as conseqüências importantes dessa argumentação. Esta análise conduz, necessariamente, para um estudo do desenvolvimento social
285 mais complexo na sua especificidade histórica, em que a autora vê várias conseqüências118. A primeira nega a possibilidade de explicação genética da história. Dizer, por exemplo, que a produção é histórica é dizer que ela surge num determinado momento da história e se extingue em outro. Isto supera a possibilidade de uma visão genética que vê o desenvolvimento da história de modo linear. A segunda é que se busquem ver, antes de tudo, as diferenças essenciais. É preciso respeitar as especificidades históricas, “tanto as do presente como as do passado”. A terceira é que “tanto „presente‟ como „passado‟ sejam entendidos (argumentos) em termos de „organização histórica da produção‟. Toda esta discussão é travada no nível teórico do modo de produção” (ibid.: 53). 6) - A ordem das categorias. Esta é a última parte do texto do método. Trata-se do momento no qual se estabelece o plano de análise e a ordem das categorias nesse mesmo plano. As questões levantadas, agora, são como montar essa análise e por onde começá-la. Convém destacar que a realidade concreta existe independentemente de estar sendo pensada ou mesmo depois de ser pensada. Sua independência a localiza fora do espírito, caracterizado por atividades apenas teóricas. Todas as categorias criadas têm, como base, o pressuposto da anterioridade da realidade, mas destas “não são mais que parciais em relação a ela”. As categorias não conseguem, a não ser de forma unilateral, dar conta do real em toda sua completude. Isto exige organização dessas categorias para que se possa chegar ao conhecimento mais abrangente e mais profundo da realidade. E aí de novo surge a questão: qual é o princípio organizador dessas categorias? Busca-se resposta para a questão apresentando-se os diferentes modos de produção, tentando mostrar como a agricultura, num determinado modo de produção, se constituiu como principal atividade. Conseqüentemente, a renda fundiária e a propriedade vão se constituir como categorias que expressam essas dominâncias. Na sociedade burguesa, por sua vez, o capital é ponto de partida e de chegada de tudo, e se constitui, no capitalismo, como categoria principal diante da renda fundiária. Finalmente, afirma a autora: “A ordem das categorias, portanto, responde à ordem de importância relativa das relações que expressam, importância que é relativa à capacidade das relações em determinar a organização da produção. Tem precedência teórica a categoria que expressa as relações mais determinantes” (ibid.: 54). Considerações É com este método que Marx busca analisar a sociedade burguesa. Como método geral, tem início no campo das abstrações (as determinações mais simples), reproduzindo essa sociedade no pensamento. Chega às determinações, teoricamente, ao realizar a análise crítica de conceitos gerados na empiria da economia clássica. Esta crítica vem sob o confronto destes conceitos com a realidade. Uma suposição primeira, presa à exterioridade e anterioridade do real, e uma outra que é a mutabilidade histórica. Sob o manto da mutabilidade, conseqüentemente das condições históricas, é que são produzidos determinados conceitos. Conceitos simples - os mais abstratos - só são possíveis em sociedades mais complexas aquelas que se quer estudar. Além disso, a ordem dos conceitos trabalhados não é a do seu aparecimento histórico, mas sim uma ordem significativa para a sociedade em estudo. O princípio que rege essa ordem é o da hierarquia teórica. Assim, pode-se apresentar a dialética, como um método, em condições „razoáveis‟ de se poder analisar, de forma crítica, as condições de existência que estão sendo definidas para a realização da vida humana. Para os dias atuais, este método, em particular a perspectiva em Marx, continua atual e aberto, podendo realizar abstrações suficientes e contributivas ao exame das possibilidades prospectivas de trabalhos acadêmicos e para análises de políticas no campo social. 118
Um desenvolvimento teórico mais elaborado encontra-se em Limoeiro Cardoso, Miriam. op, cit., 1990. pp 52-53.
286
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288
8. RELATÓRIOS
RELATÓRIO 1 CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO
GOVERNO
Secretaria de Estado da Educação
DA PARAÍBA
Conselho Estadual de Educação
ANO 2011
289
RELATÓRIO DAS ATIVIDADES
JOÃO PESSOA, JANEIRO DE 2012
290
APRESENTAÇÃO
Este relato de atividades do Conselho Estadual de Educação (CEE), durante o ano de 2011, espelha o tamanho do empenho de seus 16(dezesseis) membros para fazerem cumprir as suas atividades normativas para a educação paraibana. Para além dessa importante e constitucional atividade, o CEE tem procurado interpretar e entender as demandas da sociedade num momento de mudanças de práticas políticas que procuram tornar-se permanentes, em busca de transparência das atividades de quaisquer setor de Estado, atendimento e respeito a todos e todas que vêem neste Conselho o `locus´ de apoio e soluções de problemas em suas vidas, voltados à educação. Destaca-se, também, o relacionamento deste Conselho com a sociedade, quando deseja tornar rotina a promoção de reuniões em escolas da rede pública e a realização de audiências públicas sobre definições de resoluções ou expondo, por meio de artigos à imprensa local, uma visão sobre as mais variadas temáticas educativas surgentes neste Estado e no País, elaborando pensamento e pontos de vista para as suas deliberações. Este Conselho entende que vem cumprindo valores éticos determinantes para o atendimento às pessoas, quais sejam: respeito às mesmas, solidariedade e busca de soluções aos seus problemas e, sobretudo, pautando-se pela defesa intransigente da justiça. Justiça a todos e todas que pouco buscam-na e, em geral, muito pouco encontram-na, apesar de que tenham dela tanta necessidade. Este relatório não expressa, tão somente, um amontoado de dados quantitativos, mas, mostra, ainda, atividades outras que estão fazendo um necessário relacionamento entre um setor de Estado, o Conselho, e a Sociedade, realizando, assim, o exercício daqueles valores apregoados.
Janeiro de 2012. José Francisco de Melo Neto Presidente
GOVERNO
291
DA PARAÍBA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 01. COMPOSIÇÃO DO CEE, CÂMARAS E COMISSÕES PERMANENTES 02. ATIVIDADES LEGISLATIVAS: - RESOLUÇÕES NORMATIVAS - MUDANÇA DE DENOMINAÇÃO - PARECERES QUE NÃO RESULTARAM EM RESOLUÇÕES - RESOLUÇÕES REVOGADAS 03. RELACIONAMENTO DO CONSELHO E A SOCIEDADE:
- EVENTOS - COMISSÕES, FÓRUNS E OUTROS - ARTIGOS (úteis à discussão interna e divulgados pela imprensa - Jornal a União, Jornal o Norte e o Jornal Correio da Paraíba): 04. CONSIDERAÇÕES
292
01. COMPOSIÇÃO DO CEE119, CÂMARAS E COMISSÕES PERMANENTES 01-Ana Célia Lisboa da Costa 02-Antônio Guedes Rangel Júnior (Vice-Presidente de 09/12/2010 até abril de 2012) 03- Aparecida de Fátima Uchoa Rangel 04- Bartolomeu José de Araújo Pontes 05- Cássio Cabral Santos 06- Damião Ramos Cavalcanti 07- Dina Amanda Salgado da Luz 08- Flávio Romero Guimarães (Vice-Presidente a partir de abril de 2011) 09- Janine Marta Coelho Rodrigues 10- José Carlos Belarmino da Silva 11- José Francisco de Melo Neto (Presidente a partir de abril de 2011) 12- José Rômulo Gondim de Oliveira 13- Júlio Rafael Jardelino da Costa 14- Maria América Assis de Castro 15- Maria de Fátima Rocha Quirino 16- Maria Josana Cavalcante Veras 17- Pedro Lobo dos Santos 18- Roberson Ramos de Vasconcelos 19- Rômulo de Araújo Lima 20- Rosa Maria Godoy Silveira (Presidente de 09/12/2010 até janeiro 2012)
119
Este Conselho tem, regimentalmente, o número de 16 (dezesseis) Conselheiros, por um mandato de três anos. Durante o ano 2010, ocorreram mudanças na sua composição, como se pode verificar nas cópias dos Diários Oficiais do Estado - DOE, anexas. A Lei nº 7.653/2004, o Decreto nº 25.344/2004 e a Portaria nº 1666/2004 definem e explicitam a composição do CEE/PB.
293 21- Sitônio Henrique da Cruz 22- Terezinha Alves Fernandes 23- Vera Lúcia Alencar de Lira 24- Vera Lúcia Azevedo de Medeiros
CONSELHO ATUAL 01. Ana Célia Lisboa da Costa 02. Aparecida de Fátima Uchoa Rangel 03. Bartolomeu José de Araújo Pontes 04. Cássio Cabral Santos 05. Flávio Romero Guimarães (Vice-Presidente) 06. Janine Marta Coelho Rodrigues 07. José Carlos Belarmino da Silva 08. José Francisco de Melo Neto (Presidente) 09. José Rômulo Gondim de Oliveira 10. Júlio Rafael Jardelino da Costa 11. Maria de Fátima Rocha Quirino 12. Pedro Lôbo dos Santos 13. Roberson Ramos de Vasconcelos 14. Rômulo de Araújo Lima 15. Sitônio Henrique da Cruz 16. Terezinha Alves Fernandes
CÂMARA DE EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO FUNDAMENTAL 01- Aparecida de Fátima Uchoa Rangel 02- Dina Amanda Salgado da Luz 03- Flávio Romero Guimarães 04- Janine Marta Coelho Rodrigues (Vice-Presidente de abril de 2011 até fevereiro de 2012) / (Presidente a partir de fevereiro de 2012) 05- José Carlos Belarmino da Silva 06- José Francisco de Melo Neto 07- José Rômulo Gondim de Oliveira 08- Maria América Assis de Castro
294 09- Maria de Fátima Rocha Quirino (Presidente de abril de 2011 até fevereiro de 2012) / (Vice-Presidente a partir de fevereiro de 2012) 10- Maria Josana Cavalcante Veras 11- Pedro Lobo dos Santos 12- Roberson Ramos de Vasconcelos 13- Rosa Maria Godoy Silveira
CÂMARA DE ENSINO MÉDIO, EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E ENSINO SUPERIOR 01 - Ana Célia Lisboa da Costa 02- Antônio Guedes Rangel Júnior 03- Bartolomeu José de Araújo Pontes (Vice-Presidente de ----------------até-------------) 04- Cassio Cabral Santos (Presidente a partir de---------------) 05- Damião Ramos Cavalcanti 06- José Francisco de Melo Neto 07- José Rômulo Gondim de Oliveira 08- Júlio Rafael Jardelino da Costa 09- Rômulo de Araújo Lima 10- Sitônio Henrique da Cruz (Vice-Presidente a partir de---------------) 11- Terezinha Alves Fernandes (Presidente de ---------------------até ----------) 12- Vera Lúcia Alencar de Lira 13- Vera Lúcia Azevedo de Medeiros
COMISSÕES PERMANENTES (períodos de mandatos – 16/12/2010 a 16/12/2011) Comissão Permanente de Planejamento/CEE: 01
ANTÔNIO GUEDES RANGEL JUNIOR
GOVERNO DA PARAÍBA
02
BARTOLOMEU JOSÉ DE ARAÚJO PONTES
03
JÚLIO RAFAEL JARDELINO DA COSTA
04
JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO
Composição da Comissão Permanente de Legislação/CEE:
01 02 03
FLÁVIO ROMERO GUIMARÃES ROBERSON RAMOS DE VASCONCELOS SITÔNIO HENRIQUE DA CRUZ
295
296
02. QUANTITATIVO DE RESOLUÇÕES E PARECERES RESOLUÇÕES NORMATIVAS
DATA DA PUBLICAÇÃO Nº DA RESOLUÇÃO
EMENTA
026
ESTABELECE NORMAS PARA CERTIFICAÇÃO DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO ATRAVÉS DO ENEM.
15/03/2011
052
DISPÕE SOBRE PROCEDIMENTOS A SEREM APLICADOS AOS PROCESSOS ENCAMINHADOS AO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO QUE TRATAREM DE ASSUNTOS DE COMPETÊNCIA DOS SISTEMAS MUNICIPAIS DE ENSINO.
07/04/2011
118
DISPÕE SOBRE A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO ÂMBITO DO SISTEMA ESTADUAL DE ENSINO DA PARAÍBA.
12/06/2011
209
FIXA NORMAS E PROCEDIMENTOS PARA EQUIVALÊNCIA DE ESTUDOS E REVALIDAÇÃO DE CERTIFICADOS OU DIPLOMAS EXPEDIDOS NO EXTERIOR, NO NÍVEL DA EDUCAÇÃO BÁSICA. (ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO MÉDIO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL).
19/10/2011
225
DÁ NOVA REDAÇÃO AOS ARTIGOS 1° E SEU PARÁGRAFO ÚNICO, 7° E 14 E SEU PARÁGRAFO ÚNICO DA RESOLUÇÃO N° 340 DE 20 DE DEZEMBRO DE 2006.
09/10/2011
325
DÁ NOVA REDAÇÃO AO ART. 29, DA RESOLUÇÃO Nº 229, DE 25 DE JULHO DE 2002, QUE ESTABELECE NORMAS PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, NO
15/12/2011
NO DIÁRIO OFICIAL
297 SISTEMA ESTADUAL DE OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
ENSINO,
E
ASSUNTO - APROVA ALTERAÇÕES DE MATRIZES CURRICULARES -APROVA CALENDÁRIO – EXAMES SUPLETIVOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL
DÁ
QUANTIDADE DE RESOLUÇÕES 03 02
-APROVA MUDANÇAS EM REGIMENTO ESCOLAR
-AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO
01 115
Educação Infantil
16
Ensino Fundamental (1º ao 5º ano)
18
Ensino Fundamental (6º ao 9º ano)
10
Ensino Fundamental
08
Implantação do Ensino de nove anos
02
Ensino Médio Curso Profissionalizante
05 42
Curso EJA- Educação de Jovens e Adultos
03
Exames Supletivos (Fundamental e Médio)
05
Curso de Especialização – Nível Técnico
06
ASSUNTO -ENCERRAMENTO DE ATIVIDADES
QUANTIDADE DE 298 RESOLUÇÕES 03
- EQUIVALÊNCIA DE ESTUDOS REALIZADOS NO EXTERIOR
53
- HOMOLOGAÇÃO - MUDANÇA DE ENDEREÇO DE ESCOLA
01
- HOMOLOGAÇÃO - MUDANÇA DE DENOMINAÇÃO (APENAS)
02
- HOMOLOGAÇÃO - MUDANÇA DE MANTENEDORA (APENAS)
03
- HOMOLOGAÇÃO - MUDANÇA DE DENOMINAÇÃO E DE MANTENEDOR - INDEFERIMENTO DE AUTORIZAÇÃO PARA FUNCIONAMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL DO 1º AO 5º ANO
01
- PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE INSCRIÇÃO DOS EXAMES SUPLETIVOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL
01
-RENOVA A APROVAÇÃO DA PROPOSTA DE REDIMENSIONAMENTO COM A IMPLANTAÇÃO DA EJA – EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - 1º SEGMENTO - RECONHECIMENTO
01
01
59
Ensino Fundamental (1º ao 5º ano)
18
Ensino Fundamental (6º ao 9º ano)
01
Ensino Fundamental
09
Ensino Médio
07
Curso Profissionalizante
24
ASSUNTO - RENOVAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO
QUANTIDADE DE RESOLUÇÕES 30
Educação Infantil
24
Ensino Fundamental
01
Ensino Médio Curso Profissionalizante
03 02
- RENOVAÇÃO DE RECONHECIMENTO
47
Ensino Fundamental (1º ao 5º ano)
07
Ensino Fundamental (6º ao 9º ano)
02
Ensino Fundamental
15
Ensino Médio Curso Profissionalizante
10 11
Curso EJA – Educação de Jovens e Adultos (Fundamental e Médio)
02
299 - RESOLUÇÕES NORMATIVAS
06
- REVOGA RESOLUÇÃO
01
TOTAL DE RESOLUÇÕES (ANO 2011)
333
MUDANÇA DE DENOMINAÇÃO
CIDADE ESCOLA E/OU CURSO
NOVA DENOMINAÇÃO Escola Nossa Senhora da Consolação
Campina Grande
CDF SUL Colégio e Curso
CDF MASTER Colégio e Curso
João Pessoa
Escola Técnica de Enfermagem Drª Miriam Nóbrega
Escola Técnica de Saúde Drª Miriam Nóbrega
Santa Luzia
PARECERES QUE NÃO RESULTARAM EM RESOLUÇÕES
ASSUNTO
Abertura de Polos de Apoio Presencial na Paraíba
Certificação (Ensino Fundamental e Médio)
Consulta sobre Legislação da EJA
Consulta sobre Registros Escolares
300 Criação de Grupo de Trabalho para Implantação do Ensino da Música na Educação Básica
Equivalência de Estudos
Homologação- Mudança de Endereço de Escola
GOVERNO
301
DA PARAÍBA ASSUNTO
Nº DE PARECER
DATA DE APROVAÇÃO
(SEM RESOLUÇÃO) 272
15/12/2011
053
24/03/2011
62
07/04/2011
154
11/08/2011
157
18/08/2011
020
17/02/2011
Informações sobre Funcionamento de Curso/Escola
047
24/03/2011
Regularização de Vida Escolar
117
30/06/2011
Renovação de Convênio
137
21/07/2011
Reprovação Escolar
036
03/03/2011
086
05/05/2011
146
04/08/2011
Indeferimento - Reconsideração de Parecer
Indeferimento – Revalidação de Estudos
Indeferimento – Sugestão de Alteração do Art.19 da Res. 340/2001
302
RESOLUÇÕES REVOGADAS
Nº DA RESOLUÇÃO 196/2005
123/2009
055/2010
074/2010
316/2010
022/2011
116/2011
EMENTA
REVOGADA PELA RESOLUÇÃO Nº (DATA DIÁRIO OFICIAL) FIXA NORMAS PARA A 209/2011 (19/10/2011) DECLARAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA DE ESTUDOS REALIZADOS EM PAÍS ESTRANGEIRO, PARA FINS DE MATRÍCULA EM ESTABELECIMENTO DO SISTEMA ESTADUAL DE ENSINO. ALTERA A RESOLUÇÃO DE Nº 325/2011(15/12/2011) 229/2002 DO CEE-PB QUE ESTABELECE NORMAS PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, NO SISTEMA ESTADUAL DE ENSINO, REVOGA AS RESOLUÇÕES 101/2003 E 270/2004 DO CEE-PB, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. RENOVA A AUTORIZAÇÃO PARA 173/2011 (31/07/2011) OFERTA DOS EXAMES SUPLETIVOS NOS NÍVEIS DE ENSINO FUNDAMENTAL (ANOS FINAIS) E DO ENSINO MÉDIO, NO COFRAG – COLÉGIO DR. FRANCISCO AGUIAR, LOCALIZADO NA RUA EURICO DUTRA, 64 - POPULAR, NA CIDADE DE SANTA RITA - PB, MANTIDO POR FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR - CNPJ Nº. 09.231.457/0001-81 ESTABELECE NORMAS PARA 026/2011 (15/03/2011) CERTIFICAÇÃO DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO ATRAVÉS DO ENEM – 2009. TORNA EQUIVALENTES, POR 90 DIAS, 095/2011 (05/05/2011) OS ESTUDOS REALIZADOS POR FELIPE DE SOUSA MASCARENHAS, NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. TORNA EQUIVALENTE, POR 90 DIAS, 333/2011 (18/01/2012) OS ESTUDOS REALIZADOS POR ADO FELIPE DA COSTA MELO, NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E AUTORIZA O PROSSEGUIMENTO DOS SEUS ESTUDOS. APROVA O CALENDÁRIO 2011 DE 119/2011 (28/05/2011) REALIZAÇÃO DOS EXAMES SUPLETIVOS, EM NÍVEL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO, COM O
303 PERÍODO DE INSCRIÇÃO DE 02 DE JUNHO A 01 DE JULHO E A REALIZAÇÃO DAS PROVAS PARA OS DIAS 22 E 23 DE OUTUBRO DO ANO EM CURSO, NA REDE PÚBLICA ESTADUAL.
03. RELACIONAMENTO DO CONSELHO E A SOCIEDADE Neste item, mostra-se a presença deste Conselho, por meio de seus conselheiros, nos mais variados eventos da sociedade, além de sua participação em comissões, fóruns e outras representações. É importante o esforço que o mesmo tem feito, na perspectiva de apresentar à sociedade a sua visão, a respeito das mais variadas temáticas educacionais, em cena no Estado da Paraíba, bem como, a sua visão política sobre algumas dessas questões. Esta apresentação tem sido realizada por meio de divulgação de artigos, na imprensa local - EVENTOS:
EVENTOS LANÇAMENTO DO PARLAMENTO JOVEM BRASILEIRO – PIB/2011 01
CONSE ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA
LOCAL: BRASÍLIA – DF
DATA: 24/03/2011 CONFERÊNCIA MAIS MULHERES NO PODER: UM OLHAR JANINE MARTA COELHO RODRIG SOBRE A MULHER NEGRA LOCAL: JOÃO PESSOA – PB 02 DATA: 24/03/2011 I CONFERÊNCIA ESTADUAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO REFERÊNCIA PARA ELABORAÇÃO DO PLANO PLURIANUAL – PPA
JÚLIO RAFAEL JARDELINO DA C
LOCAL: JOÃO PESSOA – PB 03 DATA: 24/03/2011 REINAUGURAÇÃO DO TEATRO MUNICIPAL SEVERINO CABRAL
FLÁVIO ROMERO GUIMARÃES
LOCAL: CAMPINA GRANDE – PB 04 DATA: 28/04/2011 AUDIÊNCIA SOBRE O ENSINO MÉDIO NO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO LOCAL: BRASÍLIA - DF 05 DATA: 05/05/2011
ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA
304 PROJETO CAMINHOS DA GESTÃO PARTICIPATIVA
ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA
LOCAIS E DATAS: PATOS E MOTEIRO-PB (12/05/2011), C. GRANDE E ESPERANÇA-PB (19/05/2011), GUARABIRA E CUITÉ-PB (26/05/2011),
06 SANTA RITA E PRINCESA ISABEL- PB (02 E 09/06/2011) XXXVI REUNIÃO PLENÁRIA DO FÓRUM NACIONAL DOS JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO CONSELHOS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO – FNCEE LOCAL: SÃO PAULO - SP 07 DATA: 09/06/2011 SEMINÁRIO TEMÁTICO VOLTADO À EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
PEDRO LOBO DOS SANTOS
LOCAL: BAÍA DA TRAIÇÃO - PB 08 DATA: 28/07/2011 ATIVIDADES CULTURAIS DA COMUNIDADE INDÍGENA
PEDRO LOBO DOS SANTOS
LOCAL: BAÍA DA TRAIÇÃO - PB 09 DATA: 29/09/2011 VIDEOCONFERÊNCIA COM A TEMÁTICA ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA DESENVOLVIMENTO DO ENSINO MÉDIO E SUA ARTICULAÇÃO COM O MUNDO DO TRABALHO LOCAL: JOÃO PESSOA - PB 10 DATA: 06/10/2011 ENCONTRO TÉCNICO PARA IMPLANTAÇÃO DAS ESCOLAS TÉCNICAS NO ESTADO DA PARAÍBA
ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA
LOCAL: BRASÍLIA - DF
11 DATA: 20/10/2011 PROJETO DE PESQUISA SOBRE A ESCOLARIZAÇÃO DE JANINE MARTA COELHO RODRIG CIGANOS COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DE CIDADANIA LOCAL: SOUZA -PB 12
DATA: 27/10/2011
305 SEMINÁRIO REGIONAL “A SASE E A ARTICULAÇÃO COM OS SISTEMAS DE ENSINO”
FLÁVIO ROMERO GUIMARÃES
LOCAL: RECIFE -PE 13 DATA: 09/11/2011 I ENCONTRO NACIONAL DO CENSO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
TEREZINHA ALVES FERNANDES
LOCAL: BELO HORIZONTE -MG 14 DATA: 08 E 09/11/2011 REUNIÃO TÉCNICA DO PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO E ENSINO MÉDIO INOVADOR
ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA
LOCAL: BRASÍLIA -DF 15
DATA: 15/12/2011 COLAÇÃO DE GRAU DOS ALUNOS DA ESCOLA PEDRO LOBO DOS SANTOS MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL ANTONIO MADEIRO DA COSTA LOCAL: MATARACA -PB
16
DATA: 15/12/2011
- COMISSÕES, FORUNS E OUTROS
COMISSÕES, FÓRUNS E OUTROS
CONSELHEIR -- BARTOLOMEU JOSÉ DE ARAÚJO PONTES (TI
01 CONFUNDEB COMITÊ GESTOR ESTADUAL PROFISSIONAL DO ESTADO DA PARAÍBA
- JOSÉ CARLOS BELARMINO DA SILVA (SUPLE - JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA (TITUL - CASSIO CABRAL SANTOS (SUPLENTE)
02 GRUPO DE TRABALHO PARA DISCUSSÃO DO PROJETO DE ATUALIZAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS 03 PARA O ENSINO MÉDIO
- CASSIO CABRAL SANTOS
- MARIA DE FÁTIMA ROCHA QUIRINO (TITULA COMITÊ ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO 04 CAMPO FÓRUM ESTADUAL DE EDUCAÇÃO E 05 DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL
- FLÁVIO ROMERO GUIMARÃES (SUPLENTE) - JANINE MARTA COELHO RODRIGUES (TITUL - PEDRO LÔBO DOS SANTOS (SUPLENTE)
306 - JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA CEAEJA/PB – COMISSÃO ESTADUAL DE ALFABETIZAÇÃO E EDUCAÇÃO DE 06 JOVENS E ADULTOS DA PARAÍBA FÓRUM ESTADUAL PERMANENTE DE APOIO A FORMAÇÃO DOCENTE
- JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO (SUPLENTE
- TEREZINHA ALVES FERNANDES (TITULAR)
- ROBERSON RAMOS DE VASCONCELOS (SUPL 07 - ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA (TITULAR) 08 FÓRUM ESTADUAL DE EDUCAÇÃO
- CASSIO CABRAL SANTOS (SUPLENTE) - JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO (TITULAR)
09 PAR – PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS
-FLÁVIO ROMERO GUIMARÃES (SUPLENTE) - ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA - APARECIDA DE FÁTIMA UCHOA RANGEL - FLÁVIO ROMERO GUIMARÃES - JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO - MARIA DE FÁTIMA ROCHA QUIRINO
10 COMITÊ DO PAR2011/2014 COMISSÃO ORGANIZADORA ESTADUAL DA 1ª CONFERÊNCIA ESTADUAL SOBRE TRANSPARÊNCIA E PARTICIPAÇÃO 11 SOCIAL – CONSOCIAL 12 CALENDÁRIO ESCOLAR 2012 COMISSÃO DO PRÊMIO EDUCAÇÃO 13 EXEMPLAR GRUPO DE TRABALHO DE PRÁTICAS 14 PEDAGÓGICAS COMISSÃO TÉCNICA RESPONSÁVEL PELA EXECUÇÃO DO PROCESSO SELETVO SIMPLIFICADO, CONCURSO DE GERENTES 15 REGIONAIS DE EDUCAÇÃO
- TEREZINHA ALVES FERNANDES - JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA
- JOSÉ CARLOS BELARMINO DA SILVA - APARECIDA DE FÁTIMA UCHOA RANGEL - RÔMULO DE ARAÚJO LIMA - JANINE MARTA COELHO RODRIGUES
307
- ARTIGOS
De um total de 19 artigos produzidos, foram selecionados estes, como amostra, apresentando pontos de vista presentes no Conselho, sobre os mais variados assuntos educacionais e enviados à imprensa: Jornal a União, Jornal o Norte e o Jornal Correio da Paraíba, no percorrer do ano. 01 - CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO UM DISCURSO DE CONSELHEIRO Caríssimas e caríssimos: O Conselho Estadual de Educação foi criado, com este nome, a partir de junho de 1962, portanto, completará 50 anos no próximo ano. Ele já teve outras denominações: Conselho Provincial da Instrução Pública, Conselho Superior da Instrução Pública, Conselho Estadual da Educação, nos idos de 1935, que não chegou a se instalar, pois instalado fora a ditadura do Estado Novo, e hoje, Conselho Estadual de Educação. Foi convocado para preparar uma reforma educacional com a finalidade de colocar a Paraíba em plano de destaque na cultura nacional, na década de 1930, e apresentou-se na década de 1950 como um defensor público da importância e necessidade do concurso público para profissionais da educação. Isso tudo inspirado em práticas políticas de gestão, de organização curricular e educativa como produtos da política geral desses momentos históricos. O momento político atual que passa o país e a Paraíba parece reivindicar a implantação de novas práticas inspiradas em outros conceitos de gerenciamento, demandando outra organização curricular para a escola e, também, novas práticas docentes, residindo aí a maior dificuldade da instalação de reformas, entre outros aspectos não menos importantes. Como se não bastasse, convive-se com um quadro escolar no Estado em que quase a metade de seus profissionais não tem diploma superior para exercício da atividade. Soma-se uma estrondosa massa de profissionais120 que atinge quase 30 mil, sem regularização de sua função na educação, chamados de `provisórios´, mesmo sendo permanentes, chamados de `demitidos´, para nova admissão, chamados de `substitutos´, sem que haja alguém a ser substituído, e, em outros tempos, de forma mais elegante e latina, chamados de ´pro tempore`, apesar de longo o ´tempus` de sua permanência na escola. Não se pode deixar de lembrar o baixo salário que historicamente tem campeado essa categoria de trabalhadores e trabalhadoras. Como se não bastasse, insiste-se em se harmonizar a esse quadro educacional a inaceitável cifra em torno de meio milhão de analfabetos, em uma população de aproximadamente 3,3 milhões de habitantes, apenas. É no atual quadro político, cheio de desejos e necessidades de mudanças, permeado de todos os percalços, que os atuais membros deste Conselho, segundo o seu regimento, estão convocados a elaborar, em primeira instância, atendendo à Constituição Estadual, em seu artigo 212, o Plano Estadual de Educação; colaborar com a Secretaria de Educação, no diagnóstico das questões educacionais; contribuir na definição de políticas públicas de educação; normatizar matérias de educação; realizar, acompanhar e avaliar a execução dessas políticas; e, ainda, ao que parece 120
Os dados aqui apresentados foram obtidos dos jornais da cidade, em especial Correio da Paraíba.
308 mais importante, contribuir para o estabelecimento de mecanismos de participação da comunidade escolar e da sociedade na elaboração desse Plano e demais diretrizes para o setor, contribuindo ao exercício dos direitos educacionais de cidadania. Portanto, educação para tornar o outro um cidadão. Mas, para que garanta a sua existência e com tais finalidades, será preciso que este Conselho se torne um ambiente de reflexão (debates e ações), mesmo cumprindo o seu papel elaborador e fiscalizador de regras (papel cartorial); que tenha o apoio do Secretário naquilo que diz respeito ao cumprimento do Plano de Educação, inclusive com orçamento próprio; que se tenha presença social do Conselho; que garanta a sua autonomia, estabelecida em lei estadual, desde 1986. Alias, no livro Conselho Estadual de Educação da Paraíba (1962 a 2002), do Professor e Expresidente do órgão Severino Elias, ele a destaca como lacuna a ser conquistada pelo Conselho, observando que “o órgão nunca foi unidade orçamentária, recebendo da Secretaria de Educação da Paraíba os recursos necessários para o seu funcionamento” (2008: 104). E, ainda, este Conselho terá importância na educação, ao assumir um papel propositivo – um elaborador de proposituras. Basta de se ver, permanentemente, governantes de Estado de mãos estendidas a pedir políticas públicas de Brasília. Estas precisam ser efetivadas. A Paraíba, todavia, tem problemas que não são nacionais. É da competência intelectual instalada no Estado a obrigação de apresentar propostas (programas e projetos) para qualificar-se na lista dos ganhadores de recursos. Aliás, uma questão para todos os setores da gestão estadual. Mas afinal, quais são os desafios imediatos ao Conselho Estadual de Educação para um desempenho razoável? Inicia-se pela necessidade de insumos para o seu funcionamento: condições de materiais como papel, tinta, computadores, rede de internet...; informativo eletrônico do CEE (já se teve revista para a edição dos atos do Conselho, mesmo que não se encontre nenhum número dela); auditório; garantia de rubrica financeira própria para o exercício da autonomia com dotação orçamentária própria; pauta para eventos educativos; existência de lista de comunicação direta com a imprensa; lista eletrônica com as escolas de toda a rede estadual (gerentes; diretores e escolas estadual, municipal e particular); e rotina de contatos com outros conselhos estaduais e municipais. E para início de conversa, o que fazer? Penso ser importante interiorizar a sua agenda nas 12 regionais de ensino, atendendo deliberação sobre isto desde décadas passadas e mantendo o contato com a sociedade em todo o Estado (como anda a educação e suas sugestões); pautar o evento de comemoração dos 50 anos do Conselho com temática do tipo ENEM, como exemplo – já que é um algo que parece estar mais mobilizando a sociedade, no momento, em termos de democratização de acesso aos Cursos Superiores. E para já, já? Vejo que urge organizar-se um mutirão de atividades para solução de processos pendentes e legislar (resoluções) sobre os assuntos: educação à distância, transformação de escolas de alunos especiais em Centros Educacionais; supletivo em presídios; autorização para professores de língua estrangeira (autorização temporária); equivalência de estudos; termo de cooperação com o Ministério Público; escolas rurais; organização das entradas de processos e entrosamento com a GEADE, antiga Inspetoria Técnica, em especial no interior do Estado. E mais: assegurar bolsas a 10 pesquisadores/as, pelo menos, que tratem da educação paraibana ou sobre a existência do CEE, em seus 50 anos; Estudos da LDB /96; sessão com os 3 últimos presidentes para estudarmos as suas visões sobre o papel do CEE, nos tempos atuais; implantação de biblioteca sobre a educação paraibana e legislação da educação do estado e do país. Como se vê, na educação não cabe retórica político-educativa ou de qualquer outra ordem, mesmo que a retórica esteja tão presente no discurso educacional. Também penso que não tenho mais o direito, de como conselheiro, ser um ingênuo da situação da educação paraibana. Tudo isso me desloca para longe do pensamento da existência de um único responsável por tal
309 qualidade de educação, mirando um conselho, uma secretaria, um governo, uma categoria e muito menos o estudante. Um Conselho não substitui o executivo e nem a sociedade em seus papéis de também educar. É evidente que todos têm suas parcelas de contribuição, sejam positivas ou negativas. Não se aceita, portanto, quem quer que seja, querer esconder-se em um manto conselhista, para não ver as profundas carências educativas do Estado. Claro fica que as soluções da educação paraibana, muito menos ainda, serão aquelas únicas que emanarem deste Conselho, mesmo que estudadas de melhor forma e rigor. Caríssimas e caríssimos: este discurso não tem a finalidade de desanimar ou estabelecer pessimismo diante do quadro educacional do Estado, mas, tão somente, de se ter uma radical clareza dessa realidade e do papel de toda esta Equipe, neste Conselho. Intimamente, quero externar o meu desejo de, ao findar o meu mandato, poder ter acrescido o número de meus amigos e amigas que aqui começo a conhecer e renovar minhas outras velhas amizades. Encerrando, quero garantir que, em sendo para tal trabalho, em prol do maior envolvimento com a educação desses setores ou atores sociais com maior carência de cidadania, EU TOPO. OBRIGADO. João Pessoa, fevereiro de 2011. Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto Professor Titular – UFPB e Membro do Conselho
02 - CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO – para que serve? Entre os vários conselhos que permeiam uma sociedade em processo de organização e de democratização, está o Conselho Estadual de Educação. Um Conselho, que diferentemente de outros, foi criado com este nome, a partir de junho de 1962 - portanto, completará 50 anos no próximo ano. Já teve outras denominações: Conselho Provincial da Instrução Pública, no século XIX; Conselho Superior da Instrução Pública, Conselho Estadual da Educação, nos idos de 1935 - que não chegou a se estabelecer, pois instalada fora a ditadura do Estado Novo; hoje, Conselho Estadual de Educação. Mas, afinal, para que serve um conselho dessa natureza? Este conselho é um órgão colegiado, num total de 16 membros, significando que a sua metade é representação de setores da sociedade. A outra metade é indicação direta do Executivo Estadual, e todos têm a nomeação desse executivo. Em princípio, pode-se pensar que um conselho dessa natureza esteja necessariamente voltado às questões de educação. Ora! É exatamente isto: é um conselho para atuar nesse campo. Ele é um órgão colegiado com atribuições de elaboração de normas, de deliberação sobre questões de educação - necessariamente assumindo uma perspectiva de propor soluções para a educação do Estado - e, também, consultiva, quando contribui na execução de atividades em apoio à Secretaria de Educação. Também adquiriu um papel de promotor da democratização do país, à medida que assegura a participação da sociedade na melhoria da educação do Estado. Tem ainda as suas finalidades regimentais como por exemplo: 1) cuidar da elaboração do plano da
310 educação, a ser aprovado pelo poder legislativo, em consonância com o Plano Nacional de Educação. Participando de sua elaboração, precisa, também, acompanhar a sua realização e promover a sua avaliação; 2) é um órgão que colabora com a Secretaria nas questões de educação; 3) estabelece medidas de aperfeiçoamento dos diferenciados níveis de educação no Estado; d) também legisla naquilo que complementa os ditames do ensino estadual; e) elabora as diretrizes curriculares no âmbito estadual, respeitando as nuances regionais; f) e estabelece formas de como a sociedade participar nas questões da educação, em especial na elaboração do Plano Estadual de Educação e demais diretrizes. Como se vê, é um conselho que muito pode contribuir para a melhor organização da escola e da educação no Estado, na detecção de problemas escolares e contribuição com propostas para a efetivação das políticas públicas no campo educacional. O Conselho Estadual da Educação precisa, finalmente, sinalizar para a sociedade, por meio dos canais de comunicação existentes, suas sugestões, seu desempenho como órgão público, na perspectiva de uma cidadania crítica e ativa. Crítica quando analisa as questões educacionais buscando as suas positividades e negatividades para, em seguida, tomar posição política ou técnica sobre as mesmas. Se for assim, então, vale à pena. Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto
03 - CULTURA E EDUCAÇÃO A participação nas discussões sobre educação em um Conselho Estadual de Educação possibilita apresentar aos interessados pela temática algumas reflexões que, eventualmente, aparecem naquela instância institucional, onde se examina a educação do nosso Estado. Iniciamos com uma conversa sobre a Cultura e a Educação, considerando que são duas grandes categorias teóricas que, enquanto explicam, também geram argumentos entusiastas a respeito de suas compreensões. Quando falamos sobre Cultura e Educação, estamos falando sobre o quê, afinal? Parece que todos sabem do que se trata. Ao menor exame, vamos ver que não é tão simples assim. O que existe é um cipoal de concepções que mais expressam um “ninho de casaca de couro”, na acepção viva de Jackson do Pandeiro, ícone da música nordestina e paraibana. Mesmo assim, podemos observar que a multiplicidade conceitual de cultura e educação traduz e expressa, do ponto de vista político, a visão alicerçada nas bases explicativas e dominantes de cada sociedade, em cada tempo de variados modos de produção. Já entre os gregos, temos uma visão de cultura cheia de atributos religiosos, em que tornaram a beleza o ideal educativo e dominante, presente até os dias de hoje. Contudo, é Hesíodo, outro poeta grego, que, sem negar aquele ideal homérico, apresenta a perspectiva do trabalho como base para se ter cultura por meio da educação. A cultura passa a abranger o mundo dos artefatos produzidos, concretos, e aqueles gerados pelo mundo espiritual, as ideias, os sonhos. A cultura, vista assim, nos informa sobre as capacidades intelectivas e manuais dos humanos que possibilitam à humanidade o crescimento e intensidade desses fazeres para sua sobrevivência. Os produtos daí gerados se constituem todos como produtos culturais e possíveis de serem apreendidos por meio da educação. Muitos deles são modificados e outros são conservados de geração em geração. Apoderar-se desses bens é adquirir cultura, inclusive por meio de diferenciados processos educativos. Desde o início da evolução humana, a relação do humano com a natureza, buscando suas melhores condições de vida – o trabalho – manteve educação, trabalho e cultura intrinsecamente atados. A escola é produto cultural, um brinco é produto cultural, uma música,
311 um quadro, um tipo de governo, eleições, ideias, a bomba atômica, as ciências... tudo, enfim, inventado pelo trabalho da humanidade faz parte do grande arsenal cultural que precisa estar à disposição também de toda a humanidade, e daí a importância da Educação para Todos. Mas, nos últimos tempos, em especial, com a modernidade, aprofundou-se grande divisão entre essas categorias. Como produto primeiro e mais visível, resultado dessa divisão, temos a separação da cidade e do campo. Isso terá reflexos os mais variados, derivando para a educação, gerando, hoje, inclusive, cursos universitários de pedagogia e de pedagogia do campo. Parece que os moradores do campo apropriam-se do solo e os da cidade de seu ofício, sendo ambos apropriados pelo solo e pelo ofício, todavia. A produção dos bens culturais passou a ser mais dominada por um grupo social, e a grande maioria passou a não ter acesso a esses bens. Discutimos cultura por um lado, educação por outro e trabalho por outro, e assim se estabeleceu o caos a que estamos assistindo; todos embasbacados diante das profundas dificuldades que estão sendo postas aos gerentes da educação no país e aos governos em geral, isto é, àqueles que desejam alguma mudança. A busca por conectar a educação ao mundo do trabalho é, deveras, uma importante necessidade diante do cenário estabelecido na Paraíba, em que mais da metade dos jovens, entre 15 e 17 anos, não está estudando nas séries adequadas. Programas de governo voltados a esse esforço de juntar à educação também uma profissão são mais do que bem vindos para, talvez, ajudarem às nossas tantas aulas enfadonhas e empobrecidas de motivação, em todos os níveis da educação. E, assim, educação e trabalho como constituintes da cultura contribuirão, sobremaneira, para uma comprometida cultura daquelas maiorias. Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto
04 - EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL O governo estadual promoveu recentemente um seminário sobre o desenvolvimento sustentável, com as distintas representações da sociedade civil. Esse movimento de busca de propostas para um desenvolvimento, dito sustentável, para a Paraíba, mostrou o interesse de boa parte da sociedade sobre questões do Estado e um importante diferencial no tratamento do governo para com a sociedade civil. Sem entrar na dimensão conceitual do sustentável para o substantivo desenvolvimento, neste texto destacamos a conexão feita pelo conferencista principal, Sérgio Buarque, da educação e desenvolvimento sustentável. Para ele, não haverá desenvolvimento sustentável sem a educação, algo mais que sabido em todo o mundo. Lembra, contudo, que a Paraíba detém uma das melhores relações entre o número de doutores em instituições no Estado e a população – em torno de 720 doutores para cada milhão de habitantes, muito próximo do Estado de São Paulo, que detém a melhor relação. Ora, contraditoriamente, temos uma das mais deteriorada educação pública, isto é, educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, em relação aos demais estados federativos. Para aquele economista, a saída será “... pagando melhor ao professor, o que pode ocorrer no dia seguinte, agora melhorar a qualificação do professor leva cinco anos”. Podemos compreender de sua tese uma separação entre salário de docentes e qualificação profissional, com tal distanciamento. Avançando na formulação alertada naquele evento, tentamos superar essa separação que parece ter nos acompanhado em toda a história da educação do país, notadamente quando a educação volta-se para as maiorias. Algo entranhado e fugidio tanto no pensamento de gestores públicos como de líderes sindicais. Em geral, os sindicatos de educação têm pautado suas reivindicações, mais que justas, quase que exclusivamente pelos salários. E os governos têm também andado nesse diapasão, esquecendo-se todos de que é possível e, até necessária, a interligação entre
312 melhorias sensíveis salariais e a qualificação de todo o pessoal das escolas. Todavia, como seria a superação dessa tradição? Bem, podemos pensar ajustes salariais para toda a categoria de trabalhadores em educação, acompanhados de corretivos salariais recorrentes do empenho do profissional em busca de maior qualificação: 1) Cursos de aperfeiçoamento de 200 horas-aula, acrescido de 30% do salário quando de seu término. Este curso seria assegurado pela própria secretaria de educação, com o seu pessoal técnico, em todas as regiões de ensino. Valeria também qualquer outro aperfeiçoamento realizado em instituições reconhecidas pelo MEC. 2) Cursos de especialização de 400 horas-aula, com acréscimo de 50% do salário quando de seu término, aproveitando-se disciplinas do curso realizado anteriormente. Para isto, seria necessário acionar todas as instituições de ensino superior do Estado, sendo os cursos realizados em todas as regiões de ensino. 3) Assegurar a liberação no semestre seguinte ao da aprovação do docente para cursos de mestrado e/ou doutorado, garantindo-se 100% e 200% do salário, respectivamente, quando de sua conclusão, tudo tendo como referência o piso nacional docente. 4) As monografias exigidas nesses cursos precisariam abordar temáticas da educação paraibana. 5) Assegurar a socialização desse conhecimento gerado nos cursos, por parte da Secretaria da Educação, nas escolas da rede estadual. Seguem alguns encaminhamentos para a execução desse grande movimento de qualificação profissional docente e de melhorias salariais: 1) Organizar uma equipe da Secretaria de Educação para elaboração do projeto e produção de material didático para os cursos de aperfeiçoamento. 2) Conveniar o Estado com instituições de ensino superior para os cursos de especialização. 3) O governo assumir pagamento às instituições. 4) Bolsa de estudos para todos/as participantes dos cursos. 5) A devolução da bolsa pelos não concluintes, sem uma razão aceitável pelos seus superiores. 6) Os cursos ocorreriam (aperfeiçoamento e especialização) às sextas-feiras e sábados. Parece que, dessa maneira, poderemos contribuir juntos, Estado e Trabalhadores da Educação, para o desenvolvimento sustentável paraibano pela educação, com garantida qualidade docente. Restaria, então, enfrentarmos os demais desafios educativos de curto e médio prazos, assegurando a melhoria da escola, com um esperado acréscimo nos nossos indicadores educacionais. Enfim, uma educação também sustentável. Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto
05 - GREVE NA EDUCAÇÃO PÚBLICA: para quem os sinos dobram? Os sinos voltam a ribombar os sons da greve no campo da educação. Não escapa, sequer, a educação da rede privada, mesmo que haja, ainda, uma certa compreensão de que algumas dessas escolas vêm dando conta do recado, apesar de seus limites didático-pedagógicos. São ventos dos problemas da educação universitária, ajuntados às questões da educação fundamental e média da escola pública, sobretudo. E, qual é a reivindicação básica desses trabalhadores da educação: salário. No campo da democratização da escola, apresentam a necessidade das eleições diretas nas escolas públicas estaduais e realização de concurso público para os cargos da educação. Todavia, os sindicatos não podem perder de vista a dimensão social de seu papel reivindicador. As categorias herdam para suas representações a atribuição sagrada de defesa intransigente de sua própria situação financeira. Portanto, o magistério se protege no ambiente social, por meio de suas entidades classistas. Suas reivindicações resvalam para a dimensão patronal que, no caso da educação pública, são os governos – federal, estadual ou municipal. Por sua vez, os governos se protegem com as regras estabelecidas, em situações indefinidas de
313 finanças, e, em última instância, com vários aparelhos policiais de repressão e, até, com as forças convencionais. Mas a educação tem como invólucro não só o magistério, não só o governo, mas, sobretudo, o grande número de alunos. Filosofia há proclamando educação sem professores, porém não existe filosofia alguma que a anuncie sem alunos e alunas. Então, diante desse movimento de forças políticas, sindicais e governo, quem toca o sino dos alunos e alunas? Como essas crianças menores, da educação fundamental, praticamente sem representação, e aqueles maiores do ensino médio, com baixa representatividade estudantil e com pouca experiência na arte da política, conseguirão melhorias para a sua educação? A escola, em sua maioria, é feia e com cadeiras quebradas; sem a legalização oficial, sequer; com currículos defasados; seus gestores com parco dinheiro para compra de pequenas coisas urgentes para o seu funcionamento; o pouco preparo e a falta de atualização de profissionais incapazes de ensinarem e desenvolverem a aprendizagem. Escolas sem laboratórios e com uma leva de servidores que não serve à escola e nem ao atendimento humanizado das pessoas; com docentes fora de suas disciplinas; com dificuldades de atender à própria lei, pois a desarrumação é histórica e de tamanho estonteante. Um número expressivo de escolas não se harmoniza, assegurando acessibilidade aos alunos com deficiências específicas. Estão sem qualquer atrativo estético e, sobretudo, sem a merenda. Uma escola como um lugar difícil para se ensinar, pondo mais e mais distante a aprendizagem. Essa escola é o lugar para se ficar longe dele. Contudo, não há soluções fáceis e rápidas, mesmo para os profissionais do ramo. Os estudantes, elo mais fraco nessas relações, não conhecem a maioria desses problemas. E nenhum deles jamais calculará o tamanho do prejuízo em suas vidas, pelo tempo que, mesmo assim, passou por tal escola. A luta por uma educação de qualidade melhor, necessidade para todos alunos(as), passa por um governo comprometido com a superação dessas dificuldades escolares históricas. Uma luta que cabe, singularmente, aos profissionais da educação que estão diretamente ligados aos invisíveis da escola – alunos e alunas. Assim, o estrondo dos sinos que dobram pode alcançar as mais que justas reivindicações classistas, todavia, sem abandonar o brado qualitativo pela educação desses filhos esquecidos da sociedade. Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto 06 - EDUCAÇÃO – escola boa não tem segredo. Educadores e educadoras do mundo inteiro sabemos que uma boa escola não tem segredos. Mas, como não tem, se uma banda inteira do País não atende as exigências mínimas de um exame nacional, como a Prova Brasil, aplicada no segundo ano, e a no final do nono ano (SAEB), conformando os Indicadores de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB? Se não há segredos, então, como torná-la realidade? Uma escola de qualidade muito superior à existente, no país inteiro, sem entrar no campo da ética e da moral, nem da metodologia de aprendizagem, precisa ter início no primeiro ano: o ano da alfabetização. Para isto, propomos: 1) ambientar as salas de aulas para as crianças, transformando-as em ambiente para crianças, e não depósito de crianças; 2) Garantir bebedouro apropriado com água condicionada; 3) assegurar iluminação adequada para o exercício da alfabetização; 4) exagerar na limpeza do entorno da escola e de seu ambiente interno; 5) examinar a saúde de todas as crianças, quando do início do ano letivo; 6) examinar a visão de todas as crianças; 7) garantir a merenda na entrada e na saída da escola; 8) deslocar para o primeiro ano, aqueles profissionais que se identificam melhor com a atividade de alfabetizar e com melhor preparo técnico; 9) assegurar, no município, escola só para a alfabetização e as demais para os anos seguintes (isto não valeria para currículos que funcionam por ciclos escolares); 10) garantir, já no segundo semestre, um novo docente na turma, para maior e
314 melhor assistência às que estão com dificuldades de alfabetizarem-se; 11) aproveitar o tempo pedagógico ou de planejamento, para assegurar assistência pedagógica e psicológica ao pessoal docente, desse primeiro ano de escola, por meio de equipes pedagógicas; 12) realizar encontro semestral com todos docentes que fazem alfabetização, promovendo uma maior troca de suas experiências profissionais; 13) incentivar a escrita de livros sobre as experiências desses profissionais, premiando os melhores trabalhos, sem qualquer classificação numérica, assegurando a sua edição, para distribuição em eventos locais, estaduais e nacionais; 14) promover encontro anual, até o final do 1º. semestre, com os pais das crianças, para conhecerem formas de como poderão e deverão ajudar seus filhos na alfabetização; 15) iniciar o turno integral na escola, a partir do primeiro ano, alcançando progressivamente, na escola municipal, o nono ano; 16) criar seu próprio sistema de avaliação municipal da alfabetização; 17) trabalhar com meta ZERO de evasão escolar; 18) destacar uma equipe, de pelo menos dois profissionais, para ir em busca dos/as estudantes que estão faltando às aulas; 18) garantir o piso salarial nacional da categoria; 19) definir uma gratificação especial pela docência para esse nível escolar. Implantadas essas medidas, os anos seguintes cobrarão outro conjunto de propostas semelhantes, até atingirmos o nono ano, antiga oitava série, sem perder o foco da aprendizagem. É muito? Não! Não é muito. E, não é um sonho irrealizável. Uma pequena cidade do interior pernambucano, Carnaíba, já implantou algumas dessas sugestões e, hoje, apresenta a maior nota do IDEB do Estado, 5, estando acima da média nacional e, já superando a sua meta para o ano de 2017. Não é preciso remetermo-nos a exemplos de mundos ditos `desenvolvidos´. Aqui mesmo, pertinho de nós, estão soluções. Não há segredos. Precisamos mesmo, somente, de decisão política. Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto
07- EXCLUSÃO NO INTERIOR DA ESCOLA A exclusão educacional sempre é posta a partir da existência de analfabetismo existente, relacionando-se com àqueles que não adquiriram o instrumental cultural da leitura – característica esta que atravanca muito mais a sua condição de viver. Mas, será mesmo esta a única forma de exclusão no campo educacional? A resposta à pergunta é negativa, acrescendo a sua existência no interior da própria escola. Ora, a simples condição de se ter acesso à escola é uma condição necessária para escapar da exclusão escolar, mas não é suficiente para impedir a de que pessoas existam nas sombras, no atravessado modo de ver o mundo, deixando a escola de cumprir o seu papel de promover a crítica ou a aprendizagem do pensamento crítico. Se estabelece, dessa forma, um processo excludente, no próprio interior da instituição educativa. Uma educação cujo papel central da aprendizagem esteja na mera repetição de conteúdos e dos instrumentos da dominação, como a prática vertical da sociedade, promove, permanentemente, a reprodução das explicações de mundo e da forma de organização da sociedade mercantil. Uma educação que contribui para espalhar o estilo de relação entre as pessoas, dando ênfase à filosofia do “meu pirão primeiro”: a prática do pensamento e do agir de forma individualista, promotora de valores da propriedade privada e do incentivo à acumulação de bens materiais, exacerba a exclusão não pelo fato de se estar fora da escola e, lastimadamente, ocorre no interior da instituição da educação formal. Não está em jogo a mudança de métodos políticos tão somente, mas a reprodução de estruturas de valores de uma sociedade incentivadora da opressão, da fome e do medo -
315 sociedade norteada só pela pecúnia. Com a ausência do pensamento crítico, isto é, um olhar sobre os fenômenos com análises das suas dimensões de positividade e negatividade para decisões sobre como se agir, cristaliza-se uma exclusão no interior da escola em que só se ensina, até a exaustão, a visão única da sociedade dominante. Uma educação que apenas faz transferência de conhecimento, fechando um campo inteiro de alternativas, não é educação. O aluno priva-se de exercícios de outras possibilidades e olhares de mundo, firmando-se, mais e mais, a mentalidade fatalista da impossibilidade de outros modos de vida estabelecidos, fato que solidifica e reduplica ainda mais a exclusão. Esta é a exclusão mais brutal: a que está arraigada ao próprio aparelho reprodutor escolar. Isso não elimina, todavia, as suas contradições em que, mesmo com tudo isto, também ocorre resistências internas à reprodução. Educação é um fenômeno para a criação. Daí ter significado a concepção de Freire de uma educação que promova a liberdade das pessoas, uma educação como prática para a liberdade, superadora da alienação no próprio interior escolar. Sem a crítica, não se estabelece uma educação como uma prática com o oprimido; não se estabelece uma educação permanentemente voltada à superação de todo tipo de exclusão e de impedimentos da emancipação humana. Uma exclusão, talvez, mais profunda do que aquela de estar fora da escola. Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto
08. INCLUSÃO NÃO É PRIVILÉGIO. Introduzindo a discussão: o que é inclusão? Antes de tudo é atitude, assim sendo, não pode ser imposta. É construída a partir da interiorização da aceitação, da ação colaborativa e da convivência com as diferenças. É a nossa capacidade de entender e reconhecer o outro,partilhando e acolhendo todas as pessoas sem exceção. Inclusão no respeito à diversidade: para inclusão das minorias, dos(as) meninos(as) de rua, dos afrodescendentes, dos(as) com orientação sexual diferente, dos ciganos, dos índios, dos idosos, das mulheres violentadas, enfim de todos(as) que representam um grupo vitima de opressão ou discriminação por qualquer motivo e de preconceitos construídos. A escola deve ser o reflexo da vida da sociedade e como tal, deve viver e ensinar a experiência de conviver com as diferenças. É para ela que os olhares se voltam, com o desejo pedagógico e educativo de formar cidadãos. No Brasil a inclusão vem caminhando a passos muitos lentos. Incluir não é só remover barreiras arquitetônicas, criar rampas e/ou adaptar os espaços, realizar encontros que ao final ... infelizmente, só o discurso! A Constituição de 1988 garante o acesso de todos(as) à escola mas, por que tanta evasão, por que tantos problemas na escola? Por que tanta indisciplina? Montoan, 2005:25 diz: As práticas pedagógicas precisam ser também revistas, deve-se discutir os motivos dos fracassos, os pais precisam estar presentes é necessário um projeto que valorize a cultura, a história, as experiências anteriores da turma. A escola é o reflexo da vida lá fora e viver a experiência da diferença, é possibilitar aos(as) alunos(as) desenvolverem-se de acordo com suas condições socioculturais , emocionais e políticas. O atendimento educacional especializado oferecido pela escola paralelamente às aulas, ajuda na integração de todos(as) os(as) alunos(as) que tornam-se capazes de analisar sua atuação e seus comportamentos sociais,de forma crítica e autônoma.
316 Um professor precisa ser capacitado para ensinar, não precisa ser especialista em determinada deficiência, quando a escola cumpre seu papel dando ao professor suporte pedagógico adequado: interprete de sinais, tradutores Braille e construindo parcerias profissionais muito produtivas. A quantidade de alunos(as) com algum tipo de deficiência, na rede regular de ensino, cresce a cada ano nas escolas, segundo dados do INEP, em 1989 eram 43,9 mil matriculados e em 2003 eram 144 mil e em 2009,153 mil. A inclusão que havia conseguido espaço com a Declaração de Salamanca(UNESCO) em 1998 ganha ainda mais destaque com a Convenção da Guatemala(UNESCO) em 2001, onde o documento gerado neste encontro, preconiza a proibição de qualquer tipo de discriminação, exclusão ou restrições baseadas na deficiência ou nas diferenças entre as pessoas. A escola precisa começar a atender aquele aluno que não é considerado o ideal.Os alunos e os professores não podem ser reféns de um currículo mal organizado, incoerente, que não abre espaço para o talento das crianças, reforçando a idéia de que, quem não acompanha o conteúdo está fadado à exclusão e ao fracasso. Inclusão não atende apenas as crianças com deficiências mas, todas aquelas excluídas e discriminadas. Trabalhar a igualdade reconhecendo as diferenças e compreender as diferenças dentro da igualdade, parece ser um caminho educativo e pedagógico que pode começar no ambiente escolar. As avaliações também são muitas vezes escrudentes. A escola não valoriza a diversidade, não potencializa seus alunos no oferecimento de meios pedagógicos adequados. Cavalcanti (2005:43) diz : A Educação especial tem entre outros o objetivo de quebrar as barreiras que impedem a criança de exercer a sua cidadania. Nesta perspectiva entendemos que o atendimento especializado, deve ser visto como um complemento não como um substituto da escola regular. As salas de multimeios, as salas de recursos, servem para atender aos alunos juntos, em parceria com a professora de sala de aula regular. Na escola inclusiva crianças e adolescentes aprendem a ser solidários e os alunos com deficiência tem mais chances de desenvolvimento e todos ganham a exercitar a tolerância e o respeito.
Prof.ª Dr.ª Janine Marta Coelho Rodrigues
04.CONSIDERAÇÕES A educação no Estado da Paraíba iniciou o ano com um novo governo, comprometendose em promover melhorias profundas no quadro precário da educação do Estado. Este Conselho acompanha os esforços da Secretaria de Educação em definir como vetor principal da educação paraibana os problemas do analfabetismo e a qualificação profissional.
317 Para isto, tem feito um levantamento geral das precárias condições da escola, promovendo uma reorganização nas escolas, com um reordenamento de 210 escolas, quanto às condições físicas e de recursos humanos, como mecanismos de maior racionalização desses equipamento educacionais. Também, organiza uma ação geral, com a apresentação neste Conselho de um Plano de Ações, ações essas imediatas para fazer funcionar, minimamente, as escolas de todo Estado, destacando questões salariais pendentes com a categoria do magistério. Este Conselho espera que bons ventos, para o ano de 2012, soprem à educação com a sua melhoria em todos os aspectos. Para isto, prepara-se para a promoção de debates profícuos em suas reuniões, assim como, a construção de rotinas que contribuam à participação das pessoas em suas deliberações. As atividades deste Conselho, neste ano de 2012, convidam a novos e profundos compromissos para com a educação de jovens e adultos, em especial o combate ao analfabetismo, assim como, a profissionalização dos jovens paraibanos/as, discutindo e quiçá apresentando propostas. Finalmente, este ano de 2012 é um ano em que será necessário o empenho de todos/as Conselheiros/as para a atualização do Plano Estadual de Educação, além da preparação de seu novo planejamento, contemplando, também, a comemoração de seus 50 anos de atividades.
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GOVERNO DA PARAÍBA
Secretaria de Estado da Educação Conselho Estadual de Educação
RELATÓRIO 2
ANO 2012 RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO JOÃO PESSOA, JANEIRO DE 2013
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APRESENTAÇÃO
Este relato das atividades do Conselho Estadual de Educação (CEE), durante o ano de 2012, é produto de um grande esforço de seus 16(dezesseis) membros, na busca de contribuir para a melhor organização da educação paraibana. Para além desta importante e constitucional atividade, o CEE tem procurado interpretar e entender as demandas da sociedade num momento de mudanças de práticas políticas que se procuram tornar permanentes, visando a transparência das atividades de qualquer setor do Estado, atendimento e respeito a todos os que vêem, neste Conselho o locus de apoio e soluções a problemas em suas vidas, voltados à Educação. Destaca-se, também, o relacionamento deste Conselho com a sociedade, quando efetivou um conjunto de Reuniões em Escolas da rede pública, além de promoções de Audiências Públicas sobre definições de resoluções ou expondo, por meio de artigos à imprensa local, uma visão sobre as mais variadas temáticas educativas que surgem neste Estado e no País. Tem sido uma contribuição com novos pensamentos e pontos de vista. Este Conselho entende que vem seguindo a sua perspectiva de atendimento ao público, norteado por valores éticos determinantes do bom atendimento às pessoas, quais sejam: respeito às mesmas, solidariedade e busca de soluções aos seus problemas e, sobretudo, pautando-se pela defesa intransigente da justiça, em especial àqueles que mais necessitam da ajuda do Estado para a solução de seus problemas. Neste ano, apresenta-se este relatório, mostrando dados bem como atividades outras que se fazem necessárias a um relacionamento entre o setor de Estado, o Conselho e a Sociedade, realizando, assim, o exercício daqueles valores apregoados.
Janeiro de 2013. José Francisco de Melo Neto Presidente
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................................................
1 – COMPOSIÇÃO DO CEE, CÂMARAS E COMISSÕES PERMANENTES ...............................................................................
2 – PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO .................................................................................................................................
3 – QUANTITATIVO DE REUNIÕES, RESOLUÇÕES E PARECERES .................................................................................
3.1 – Reuniões ..............................................................................................................................................
3.2 – Resoluções ........................................................................................................................................
3.3 – Pareceres que não resultaram em Resoluções ...................................................................................
3.4 – Mudanças de Denominação ................................................................................................................
3.5 – Encerramentos de Atividades .........................................................................................................
4 – RELACIONAMENTO DO CONSELHO COM A SOCIEDADE..............................................................................................
4.1 – Eventos promovidos pelo CEE .............................................................................................................
4.2 – Participação do CEE em eventos promovidos por outros órgãos .......................................................
4.3 – Audiências que foram realizadas com o CEE, por ocasião de suas reuniões ordinárias ...........................................................................................................................................................................
4.4 – Participação do CEE na composição de Fóruns, Comissões e Grupos de Trabalho .............................................................................................................................................................................
4.5 – Artigos .................................................................................................................................................
4.5.1 – QUALIDADE DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA ............................................................................
4.5.2 – PL 220/2010. ATENÇÃO! .........................................................................................................
4.5.3 – EDUCAÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO.............................................................................................
4.5.4 – SUPLETIVO RELÂMPAGO ..........................................................................................................
4.5.5 – SHOPPING CENTERS EDUCACIONAIS .......................................................................................
4.5.6 – EXCLUSÃO NO INTERIOR DA ESCOLA .......................................................................................
4.5.7 – ENEM CHRISTUS AMÉM ...........................................................................................................
5 – Considerações ..............................................................................................................................................................
Anexo: Planejamento Participativo do CEE 2012 - 2013 ...................................................................................................
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1- COMPOSIÇÃO DO CEE, CÂMARAS E COMISSÕES PERMANENTES
Nome do Conselheiro Ana Célia Lisboa da Costa Aparecida de Fátima Uchoa Rangel Bartolomeu José de Araújo Pontes Cassio Cabral Santos Flávio Romero Guimarães (Vice-Presidente) Janine Marta Coelho Rodrigues José Carlos Belarmino da Silva
Segmento de Representação Poder Público (Secretaria de Estado da Educação) Poder Público (Secretaria de Estado da Educação) Associação dos Professores de Licenciatura Plena – APLP Poder Público União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME/PB Poder Público
José Francisco de Melo Neto (Presidente)
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Estado da Paraíba – SINTEP-PB Poder Público
José Rômulo Gondim de Oliveira
Poder Público
Júlio Rafael Jardelino da Costa
Serviço Estadual de Apoio à Pequena e Micro-Empresa-SEBRAE Poder Público
Maria de Fátima Rocha Quirino Pedro Lôbo dos Santos
Sitônio Henrique da Cruz
Organização dos Professores Indígenas Potiguaras - OPIP Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino Privado da Paraíba – SINEPE/PB Universidade Estadual da Paraíba UEPB Entidades Estudantis
Terezinha Alves Fernandes
Poder Público
Roberson Ramos de Vasconcelos
Rômulo de Araújo Lima
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COMPOSIÇÃO ATUAL DO CEE
01. Ana Célia Lisboa da Costa 02. Aparecida de Fátima Uchoa Rangel 03. Bartolomeu José de Araújo Pontes 04. Cassio Cabral Santos 05. Flávio Romero Guimarães (Vice-Presidente) 06. Janine Marta Coelho Rodrigues 07. José Carlos Belarmino da Silva 08. José Francisco de Melo Neto (Presidente) 09. Júlio Rafael Jardelino da Costa 10. Maria de Fátima Rocha Quirino 11. Pedro Lôbo dos Santos 12. Roberson Ramos de Vasconcelos 13. Rômulo de Araújo Lima 14. Sitônio Henrique da Cruz 15. Terezinha Alves Fernandes
CÂMARA DE EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO FUNDAMENTAL - CEIEF 01 - Aparecida de Fátima Uchoa Rangel 02 - Flávio Romero Guimarães 03 - Janine Marta Coelho Rodrigues (Vice-Presidente de abril de 2011 até fevereiro de 2012) / (Presidente a partir de fevereiro de 2012) 04 - José Carlos Belarmino da Silva 05 - José Francisco de Melo Neto 06 - Maria de Fátima Rocha Quirino (Presidente de abril de 2011 até fevereiro de 2012)/(Vice-Presidente a partir de fevereiro de 2012) 07 - Pedro Lôbo dos Santos 08 - Roberson Ramos de Vasconcelos CÂMARA DE ENSINO MÉDIO, EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E ENSINO SUPERIOR – CEMES 01 - Ana Célia Lisboa da Costa 02 - Bartolomeu José de Araújo Pontes 03 - Cassio Cabral Santos (Presidente) 04 - José Rômulo Gondim de Oliveira 05 - Júlio Rafael Jardelino da Costa 06 - Rômulo de Araújo Lima 07 - Sitônio Henrique da Cruz (Vice-Presidente) 08 - Terezinha Alves Fernandes
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COMISSÕES PERMANENTES (períodos de mandatos – 26/01/2012 a 26/01/2013) Comissão Permanente de Planejamento/CEE: 01 BARTOLOMEU JOSÉ DE ARAÚJO PONTES 02 JÚLIO RAFAEL JARDELINO DA COSTA 03 JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO
Composição da Comissão Permanente de Legislação/CEE:
01 FLÁVIO ROMERO GUIMARÃES 02 ROBERSON RAMOS DE VASCONCELOS 03 RÔMULO DE ARAÚJO LIMA 2 – Planejamento Participativo Planejamento Participativo do Conselho Estadual de Educação – Agenda 2020, tendo como moderador o Senhor Sérgio Cordioli, realizado, na reunião do Plenário, em 02 e 03 de fevereiro de 2012, na Escola de Serviço Público do Estado da Paraíba ESPEP. (Ver anexo - página 38).
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3 - Quantitativo de Reuniões, Resoluções e Pareceres 3.1 - Reuniões No ano de 2012, o CEE realizou 138 reuniões, distribuídas da seguinte maneira: 46 reuniões da Câmara de Educação Infantil e Ensino Fundamental – CEIEF, 46 reuniões da Câmara de Ensino Médio, Educação Profissional e Ensino Superior – CEMES e 46 do Plenário.
REUNIÕES 2012 Mês Data
Janeiro 26 e 31
Fevereiro 02,03, 09 e 28
Março 08, 15, 22 e 29
Abril 03, 12, 19 e 26
Mês Data
Julho 05, 12, 19 e 26
Agosto 02, 09, 16 e 23
Setembro 06, 13, 25 e 27
Outubro 04, 11, 18 e 25
Maio 10, 17, 24 e 31
Novembro 01, 08, 21 e 29
Nestas reuniões foram apreciados processos que geraram discussões em torno de assuntos diversos, tais como: Plano Estadual de Educação, Plano Nacional de Educação, Regime de Colaboração entre os Sistemas de Ensino, Educação a Distância e outros. Ressaltamos que, em 2012, o Conselho aprovou 291 Pareceres, 372 Resoluções e 17 Pareceres que não resultaram em Resolução. Foram realizadas reuniões ordinárias fora das instalações do Conselho, nos dias: - 29 de março de 2012, no Centro de Tecnologia do Couro e do Calçado Albano Franco, em Campina Grande/PB, nesse mesmo dia visitaram a Secretaria de Educação deste Município; participaram da reinauguração da Escola Municipal Liliosa Barreto; visitaram a 3ª Gerência Executiva de Acompanhamento da Gestão Escolar da Secretaria de Estado da Educação da Paraíba e visitaram a Escola Estadual de Bodocongó; -19 de abril de 2012, na Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e Médio Pedro Poti, no município de Baía da Traição/PB; -26 de abril de 2012, na Escola Estadual de Ensino Fundamental Otávio Novais, em João Pessoa; -24 de maio de 2012, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB, em João Pessoa; -31 de maio de 2012, na Escola Estadual de Ensino Médio Professor Matheus Augusto de Oliveira, em João Pessoa; -05 e 06 de junho de 2012, no Quality Hotel, em João Pessoa; -21 de novembro de 2012, na Universidade Estadual da Paraíba – UEPB – Campus I, em Campina Grande.
Junho 05, 06, 14 e
Dezembro 04, 06, 11 e
327
3.2 – Resoluções por assunto
ASSUNTO - APROVAÇÕES DE MATRIZES CURRICULARES -APROVA CALENDÁRIO – EXAMES SUPLETIVOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL -APROVA MUDANÇAS EM REGIMENTO ESCOLAR -AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO Educação Infantil Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) Ensino Fundamental Ensino Médio Curso Profissionalizante Curso EJA- Educação de Jovens e Adultos (Educação à distância) Ensino Superior Curso de Especialização – Nível Técnico TOTAL DE AUTORIZAÇÕES DE FUNCIONAMENTO - RECONHECIMENTO Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) Ensino Fundamental Ensino Médio Curso Profissionalizante TOTAL DE RECONHECIMENTOS - RENOVAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO Educação Infantil Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) Curso de Especialização – Nível Técnico Curso Profissionalizante TOTAL DE RENOVAÇÕES DE AUTORIZAÇÃO - RENOVAÇÃO DE RECONHECIMENTO Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) Ensino Fundamental Ensino Médio Curso Profissionalizante Curso EJA – Educação de Jovens e Adultos (Fundamental e Médio) Curso EJA – Educação de Jovens e Adultos (Fundamental) Curso EJA – Educação de Jovens e Adultos (Médio) TOTAL DE RENOVAÇÕES DE RECONHECIMENTO - ENCERRAMENTO DE ATIVIDADES - APROVAÇÃO DE REGIMENTO ESCOLAR - MUDANÇA DE ENDEREÇO
QUANTIDADE DE RESOLUÇÕE 2 1 4 30 21 11 6 8 29 1 1 3 113 20 4 9 5 36 78 35 1 1 5 42 12 1 10 8 9 1 1 1 43 5 4 3
328 - TRANFERÊNCIA DE ENTIDADE MANTENEDORA E MUDANÇA DE DENOMINAÇÃO - MUDANÇA DE ENTIDADE MANTENEDORA - MUDANÇA DE DENOMINAÇÃO - CONVALIDAÇÃO DE ESTUDOS - REVOGAÇÃO DE ATO NORMATIVO - CREDENCIAMENTO DE INSTITUIÇÃO - EQUIVALÊNCIA DE ESTUDOS TOTAL DE RESOLUÇÕES (ANO 2012)
3.3 – Pareceres que não resultaram em Resoluções: Nº DE PARECER (SEM RESOLUÇÃO)
DATA DE APROVAÇÃO
285/2012
17/12/2012
280/2012
17/12/2012
118/2012
21/06/2012
Certificação – Curso EJA
226/2012
11/10/2012
Consulta sobre Legislação Educacional
092/2012
26/04/2012
Denúncia
119/2012
21/06/2012
Exigência de Registro em Conselho
249/2012
08/11/2012
113/2012
Câmara: 05/06/2012 Plenário: 14/06/2012
005/2012
31/01/2012
006/2012
31/01/2012
157/2012
26/07/2012
291/2012
17/12/2012
250/2012
08/11/2012
093/2012
26/04/2012
009/2012
31/01/2012
Solução para o caso
140/2012
19/07/2012
Validade de Exames Supletivos TOTAL
235/2012 17
25/10/2012
ASSUNTO
Alteração do ano letivo/do calendário escolar Antecipação de Avaliações Autorização para concluir o ano letivo de 2012
Indeferido - Autorização de funcionamento
Indeferido - Equivalência de Estudos
Indeferido - Renovação de Autorização Reconsideração de Decisão Reconsideração do Parecer Nº 259/2011
2 3 3 3 1 2 70 372
329
3.4 – Mudanças de Denominação
ESCOLA E/OU CURSO
NOVA DENOMINAÇÃO
CIDADE
Nº DA RESOLUÇÃO
DATA DA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO OFICIAL
Genius Treinamento em Informática
Infogenius Escola Técnica
Campina Grande
022/2012
02/03/2012
Centro de Educação Infantil e Ensino Fundamental do Betel Brasileiro
Colégio do Betel Brasileiro - CBB
João Pessoa
089/2012
14/04/2012
Educandário Castelinho do Saber Ltda
Colégio Modelo Tradição
Campina Grande
090/2012
02/06/2012
Centro Educacional Nossa Senhora da Luz.
Colégio da Luz.
Guarabira
199/2012
14/08/2012
IE - Inteligência Emocional
IE - Colégio e Curso
João Pessoa
368/2012
23/01/2013
330
3.5 – Encerramentos de Atividades
ESCOLA
MUNICÍPIO
Nº DA RESOLUÇÃO
DATA DA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO OFICIAL
Escola Maria Francisca
Santa Rita
002/2012
12/02/2012
Colégio Cacildiva
Campina Grande
111/2012
21/04/2012
Instituto Educacional Clodomiro Leal
Bayeux
178/2012
04/08/2012
Centro Educacional Liberato Salgado
João Pessoa
231/2012
11/09/2012
Curso EJA/Alfabetização da Escola de Educação Básica e Profissional Fundação Bradesco
João Pessoa
299/2012
13/11/2012
4 – RELACIONAMENTO DO CONSELHO COM A SOCIEDADE Neste item, mostra-se a presença deste Conselho, por meio de seus conselheiros, nos mais variados eventos da sociedade, além de sua participação em comissões, fóruns e outras representações. É importante o esforço que o mesmo tem feito, na perspectiva de apresentar à sociedade a sua visão, a respeito das mais variadas temáticas educacionais, em cena no Estado da Paraíba, bem como, a sua visão política sobre algumas dessas questões. Esta apresentação tem sido realizada por meio de divulgação de artigos, na imprensa local. 4.1 – Eventos promovidos pelo CEE a- Palestra da Professora Flávia Nogueira, Diretora de Articulação com os Sistemas de Ensino – SASE/MEC na reunião do Plenário, realizada, em 03 de abril de 2012, sobre o tema: A Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino – SASE e as aproximações com os Conselhos Estaduais de Educação, contando com a presença do Senhor Walisson Araújo, Coordenador Geral de Apoio à Gestão Democrática dos Sistemas de Ensino – SASE/MEC.
331
b- Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação – XXXVIII Reunião Plenária Nacional do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação, realizado nos dias 04 a 06 de junho de 2012, no Quality Hotel, em João Pessoa-PB. c- Palestra do Professor Harrison Alexandre Targino, Secretário de Estado da Educação da Paraíba - SEE/PB na reunião do Plenário, realizada, em 06 de setembro de 2012, sobre o tema: Resultado do Índice de Desenvolvimento de Educação Básica – IDEB – 2011, contando com a presença da Professora Márcia de Figueiredo Lucena Lira, Secretária Executiva da SEE/PB e da Professora Iára Andrade de Lima, Gerente do Programa de Avaliação – GEEIEF/SEE/PB. d- Palestra do Professor Luiz de Souza Junior, Secretário de Educação do Município de João Pessoa, na reunião de Plenário, realizada, em 27 de setembro de 2012, sobre o tema: Resultado do Índice de Desenvolvimento de Educação Básica – IDEB – 2011.
4.2 – Participação do CEE em eventos promovidos por outros órgãos: EVENTOS
CONSELHEIRO
PROGRAMA PROFUNCIONÁRIO 01
LOCAL: INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA PARAÍBA - JOÃO PESSOA – PB
JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA
DATA: 05/03/2012 02
03
FÓRUM ESTADUAL DATA: 07/03/2012
DE
FORMAÇÃO
FÓRUM ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DA PARAÍBA – FEE-PB – TEMA: QUALIDADE DA EDUCAÇÃO E AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. LOCAL: JOÃO PESSOA-PB DATA: 15/03/2012
TEREZINHA ALVES FERNANDES
JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO
332
VI FÓRUM INTERNACIONAL DE CIÊNCIA, CULTURA E DIVERSIDADE. 04
JANINE MARTA COELHO RODRIGUES
LOCAL: NORUEGA. DATA: 19 A 27/04/2012 II SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE DIRETRIZES PARA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA.
05
PEDRO LÔBO DOS SANTOS
LOCAL: BRASÍLIA – DF DATA: 26 E 27/04/2012 REUNIÃO TÉCNICA EDUCAÇÃO BÁSICA
06
SOBRE
AVALIAÇÃO
DA
LOCAL: CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO BRASÍLIA – DF
APARECIDA DE FÁTIMA UCHOA RANGEL
DATA 07/05/2012 I SEMINÁRIO DE GESTORES DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA. 07
LOCAL: BRASÍLIA – DF
ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA
DATA: 24/05/2012 IV SEMINÁRIO NACIONAL DO PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO/EDUCAÇÃO INTEGRAL. 08
LOCAL: BRASÍLIA – DF
APARECIDA DE FÁTIMA UCHOA RANGEL
DATA: 31/05/2012 I SEMINÁRIO PARAIBANO DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA 09
LOCAL: AUDITÓRIO DA ESCOLA SUPERIOR DE MAGISTRATURA DESEMBARGADOR ALMIR CARNEIRO DA FONSECA - JOÃO PESSOA – PB
JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO
DATA: 13/06/2012
10
- ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES LETIVAS DO 1º SEMESTRE DO ANO DE 2012 DA EE INDÍGENA DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO PEDRO POTÍ. LOCAL: BAÍA DA TRAIÇÃO - PB DATA: 21/06/2012
PEDRO LÔBO DOS SANTOS
333
11
FÓRUM ESTADUAL DE FORMAÇÃO DATA: 27/06/2012
TEREZINHA ALVES FERNANDES
I SEMINÁRIO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO DA PARAÍBA 12
LOCAL: JOÃO PESSOA – PB
MARIA DE FÁTIMA ROCHA QUIRINO
DATA: 19/07/2012
13
CURSO SOBRE ABORDAGENS METODOLÓGICAS DOS MACRO CAMPOS DO ENSINO MÉDIO INOVADOR NAS ESCOLAS ESTADUAIS QUE OFERTAM O PROGRAMA.
ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA
LOCAL: SUMÉ - PB DATA: 26/07/2012 REUNIÃO DA COMISSÃO DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL E RELIGIOSA DA OAB 14
LOCAL: JOÃO PESSOA – PB
JANINE MARTA COELHO RODRIGUES
DATA: 02/08/2012 PROJETO CAMINHO DA GESTÃO PARTICIPATIVA. 15
LOCAL: CAMPINA GRANDE – PB DATA: 16/08/2012 REUNIÃO DA UNIÃO DOS CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO - UNCME
16
ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA APARECIDA DE FÁTIMA UCHOA RANGEL
JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA
LOCAL: JOÃO PESSOA – PB DATA: 16/08/2012 REUNIÃO DA UNIÃO DOS CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO - UNCME
17
18
LOCAL: JOÃO PESSOA – PB
JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO TEREZINHA ALVES FERNANDES
DATA: 17/08/2012
MARIA DE FÁTIMA ROCHA QUIRINO
REUNIÃO ORDINÁRIA DO CÔMITE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO – PB
MARIA DE FÁTIMA ROCHA QUIRINO
DATA: 21/09/2012
334
XXXIX REUNIÃO PLENÁRIA DO FÓRUM NACIONAL DOS CONSELHOS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO 19
JANINE MARTA COELHO RODRIGUES
LOCAL: FLORIANÓPOLIS – SC DATA: 21 E 24/10/2012 II ENCONTRO POTIGUARAS
20
DE
PROFESSORES
INDÍGENAS PEDRO LÔBO DOS SANTOS
LOCAL: BAÍA DA TRAIÇÃO – PB DATA: 08/11/2012 I ENCONTRO PROEMI – PROGRAMA ENSINO MÉDIO INOVADOR
21
ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA
LOCAL: MONTEIRO – PB DATA: 29/11/2012 II SEMINÁRIO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA EDUCAÇÃO: PROBLEMAS E DESAFIOS DA PARAÍBA
22
LOCAL: JOÃO PESSOA – PB
APARECIDA DE FÁTIMA UCHOA RANGEL MARIA DE FÁTIMA ROCHA QUIRINO
DATA: 06 E 07/12/2012 II ENCONTRO DO FÓRUM ESTADUAL EDUCAÇÃO DA PARAÍBA – FEEPB 23
DE APARECIDA DE FÁTIMA UCHOA RANGEL
LOCAL: CAMPINA GRANDE – PB DATA: 17/12/2012
4.3 – Audiências que foram realizadas com o CEE, por ocasião de suas reuniões ordinárias: a- Professora Marlene Alves Souza Luna, Reitora da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, e o Professor Antônio Guedes Rangel Júnior, Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento da UEPB, em 09 de fevereiro de 2012.
b- Professor Harrison Alexandre Targino, Secretário de Estado da Educação da Paraíba - SEE/PB e a Professora Márcia de Figueiredo Lucena Lira, Secretária Executiva da SEE/PB, em 12 de abril de 2012.
335 c- Técnicos da Gerência Executiva de Acompanhamento da Gestão Escolar – GEAGE/SEE, em 17 de maio de 2012.
d- Professora Eliane Maria Bandeira Coutinho, representante do SESC/PB em 12 de julho de 2012;
e- Representantes do Conselho Municipal de Educação de Sumé-PB, em 09 de agosto de 2012;
f- Representantes do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Educação Física e Esporte e Lazer da Paraíba – LEPELPB, em 09 de agosto de 2012;
g- Professor Dr. Alexandre Pereira de Bakker, em 21 de novembro de 2012;
h- Representantes da UEPB, em 21 de novembro de 2012.
4.4 – Participação do CEE na composição de Fóruns, Comissões e Grupos de Trabalho: COMISSÕES, FÓRUNS E OUTROS
01 CONFUNDEB
CONSELHEIROS - BARTOLOMEU JOSÉ DE ARAÚJO PONTES (TITULAR) - JOSÉ CARLOS BELARMINO DA SILVA (SUPLENTE)
COORDENAÇÃO EST. DO PROGRAMA DE FORMAÇÃO INICIAL EM SERVIÇO DOS 02 PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO – PROFUNCIONÁRIO
- JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA
COMITÊ GESTOR ESTADUAL PROFISSIONAL - JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA (TITULAR) 03 DO ESTADO DA PARAÍBA - CASSIO CABRAL SANTOS (SUPLENTE)
336
GRUPO DE TRABALHO PARA DISCUSSÃO DO - CASSIO CABRAL SANTOS PROJETO DE ATUALIZAÇÃO DAS DIRETRIZES 04 CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO
05
COMITÊ CAMPO
ESTADUAL DE
- MARIA DE FÁTIMA ROCHA QUIRINO (TITULAR – ATÉ 21/11/2012) / JANINE MARTA COELHO EDUCAÇÃO DO RODRIGUES (TITULAR, EM SUBSTITUIÇÃO À CONS. MARIA DE FÁTIMA ROCHA QUIRINO) FLÁVIO ROMERO GUIMARÃES (SUPLENTE)
06
CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CMAS
- JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA
FÓRUM ESTADUAL DE EDUCAÇÃO 07 DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL
FÓRUM ESTADUAL PARAÍBA – FEEPB
DE
EDUCAÇÃO
E - JANINE MARTA COELHO RODRIGUES (TITULAR) - PEDRO LÔBO DOS SANTOS (SUPLENTE) DA - ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA (TITULAR) SUBSTITUÍDA POR TEREZINHA ALVES FERNANDES
08
- CASSIO CABRAL SANTOS (SUPLENTE) SUBSTITUÍDO POR MARIA DE FÁTIMA ROCHA QUIRINO
CEAEJA/PB – COMISSÃO ESTADUAL DE - JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA (TITULAR) 09 ALFABETIZAÇÃO E EDUCAÇÃO DE JOVENS E - JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO (SUPLENTE) ADULTOS DA PARAÍBA COMISSÃO DE ELABORAÇÃO DO PLANO ESTADUAL DE ENFRENTAMENTO AO TRABALHO INFANTIL E PROTEÇÃO AO - JANINE MARTA COELHO RODRIGUES (TITULAR) 10 TRABALHADOR ADOLESCENTE – COMPETI – PB DO CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DOS - JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA (SUPLENTE) DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – CEDCA/PB FÓRUM ESTADUAL PERMANENTE DE APOIO 11 A FORMAÇÃO DOCENTE
- TEREZINHA ALVES FERNANDES (TITULAR)
COMISSÃO QUE IRÁ ELABORAR O CALENDÁRIO ESCOLAR E AS DIRETRIZES 12 OPERACIONAIS PARA O FUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS DA REDE ESTADUAL DE ENSINO/PB.
- BARTOLOMEU JOSÉ DE ARAÚJO PONTES
- ROBERSON RAMOS DE VASCONCELOS (SUPLENTE)
337
13 PAR – PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS
- JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO (TITULAR) -FLÁVIO ROMERO GUIMARÃES (SUPLENTE) - ANA CÉLIA LISBOA DA COSTA - APARECIDA DE FÁTIMA UCHOA RANGEL
14 COMITÊ DO PAR 2011/2014
- FLÁVIO ROMERO GUIMARÃES - JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO - MARIA DE FÁTIMA ROCHA QUIRINO - TEREZINHA ALVES FERNANDES
COMISSÃO ORGANIZADORA ESTADUAL DA 1ª - JOSÉ RÔMULO GONDIM DE OLIVEIRA CONFERÊNCIA ESTADUAL SOBRE 15 TRANSPARÊNCIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL – CONSOCIAL 16 COMISSÃO DO PRÊMIO EDUCAÇÃO EXEMPLAR 17
GRUPO DE TRABALHO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
COMITÊ INSTITUCIONAL ESTADUAL DO 18 PACTO NACIONAL PELA EDUCAÇÃO NA IDADE CERTA - PNAIC
- APARECIDA DE FÁTIMA UCHOA RANGEL - JANINE MARTA COELHO RODRIGUES - RÔMULO DE ARAÚJO LIMA - JANINE MARTA COELHO RODRIGUES
4.5 Artigos São artigos que foram apresentados à imprensa paraibana, expressando uma amostra dos mesmos, sendo outros divulgados e outros com algumas discussões com membros do Conselho. Afinal, o ambiente do Conselho, também, se presta para escritas sobre a própria educação. Jornais como Jornal a União, Jornal o Norte e o Jornal Correio da Paraíba foram os principais órgãos de divulgação. Mas, detalhe-se o conhecimento dos mesmos por parte dos Conselheiros, GEAGE (Gerência Executiva de Acompanhamento da Gestão Escolar), bem como, servidores com disponibilidade com a rede de computadores.
338
4.5.1 - QUALIDADE DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA
A discussão da qualidade da educação, da escola e também da universidade é tema do momento, pois sempre precisa estar em pauta. Em recente artigo, o professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e físico, Rogério Cezar Cerqueira Leite, destaca a baixa qualidade das nossas universidades em relação às demais existentes no mundo. Para ele, a universidade no Brasil apresenta quatro aspectos que a desqualificam: o primeiro é a composição endógena de seu conselho máximo, o conselho universitário, inexistente dessa forma nas demais universidades estrangeiras; o segundo é a escolha do Reitor, que nas universidades brasileiras, segundo o professor, é realizada por “grupelhos da corporação interna, desnaturando a atividade acadêmica” - em outras universidades, o conselho apenas escolhe um comitê que passa a buscar reitores e diretores, em geral, fora da instituição; o terceiro é que os professores titulares daquelas universidades são escolhidos fora da mesma, e, até, por vezes, os associados, enquanto que por aqui são por concurso público; e o quarto aspecto é o de que a estabilidade, aqui, é alcançada logo no início de carreira, enquanto que lá, “assim mesmo precária”, só ocorre no final. O que se pode ver, todavia, é que os conselhos superiores de várias universidades brasileiras já vêm contemplando, com suas presenças, várias representações da sociedade. Mas, com certeza, bem que poder-se-ia ampliar essa representação. O olhar de Cerqueira Leite, contudo, parece estar voltado para o incentivo à presença de empresários e, talvez, doadores de patrimônio às instituições, como acontece em universidades dos Estados Unidos, em especial. Quanto às eleições, se lá é um conselho que escolhe o reitor, não será esse conselho um “grupelho”, também? Para além de “grupelhos”, lá ou aqui, bem que é possível e necessária a ampliação dessa população de eleitores, como por exemplo, os pais e mães dos alunos e das alunas. É verdade que universidades há, no Brasil, em que os concursos para titulares, particularmente, são “amarrados” em sua própria origem, os departamentos. Mesmo assim, todo e qualquer concurso para titular é público, isto significa aberto a qualquer
339 docente do país. Mas, é importante que novas sugestões para esses procedimentos sejam avaliadas, na perspectiva de melhor qualificação do mérito dos mesmos. Quanto à estabilidade dos profissionais americanos que “praticamente” não ocorre, é algo a ser discutido no serviço público por inteiro e na universidade. Cabe saber como ficaria a autonomia do pensar e do dizer dos acadêmicos, o exercício da crítica, diante de dirigentes universitários e governos autoritários, mesmo que propalando-se democráticos, aqui pelas bandas de cá. Todavia, a questão da qualidade de educação, em especial da universidade, bem pontuada pelo tão especial professor e cientista Cerqueira Leite, principalmente no campo da física, não poderá ser debatida sem dois outros elementos não reportados por ele: o processo histórico da formação da universidade, tanto lá como cá, e os mecanismos de financiamento das mesmas. No geral, Cerqueira Leite mostra, claramente, a presença do autoritarismo naquelas culturas, mesmo que se autodenominando pátrias da liberdade. De forma elementar, basta ver o formalismo das defesas de teses doutorais naqueles países. O esforço eleitoral e de maior participação da sociedade, das bandas de cá, em qualquer organização social, têm sido esforços de muita valia na caminhada para a democratização de toda a sociedade. A universidade e sua qualidade são temáticas de tal importância que não podem ser tratadas, simplesmente, por universitários ou acadêmicos. Também, não se pode estar preso a modelos do lado de lá, mesmo que sejam inspiradores. Precisa-se, mesmo, é radicalizar em modelos que expressem superação de necessidades e sonhos de uma sociedade - uma qualidade social, podendo, perfeitamente, associar componentes da sociedade e padrões acadêmicos.
José Francisco de Melo Neto Presidente do CEE e Professor titular da UFPB
340
4.5.2- PL 220/2010. ATENÇÃO! PL 220/2010 não é o nome de nenhuma estrela dessas que os astrônomos nomeiam a partir dos seus códigos de identificação, na imensidão do universo. Está bem perto de nós, pois é um projeto de lei, do ano passado, em pauta para ser votado este ano, podendo abalroar todo o esforço de melhoria da educação brasileira. E de que se trata? Neste projeto, preveem-se mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), anulando as atuais exigências da docência em universidades, e autorizando professores sem pós-graduação a lecionar nas mesmas. A defesa do projeto centra-se na argumentação de que há excelentes profissionais que não realizaram sua pós-graduação, mestrado ou doutorado, e são bons docentes. O curso de pós-graduação não assegura melhor qualificação didática, pois esta tem sido da habilidade própria de cada um. Ademais, esses profissionais, em geral, detêm experiência de seu mundo profissional que poderiam enriquecer a dimensão prática dos alunos nas universidades. Parece que os motivos são nobres e verdadeiros, à primeira vista. É certo que há excelentes profissionais sem pós-graduação. É bom ver, contudo, que em sua maioria, esses podem ter feito curso em alguma boa universidade, com docentes pósgraduados. Com a pós-graduação com melhores condições de estudo, esses serão ainda melhores. O segundo argumento merece mais detalhes, considerando que há pessoas com habilidades didático-pedagógicas maiores do que outras. Mas, isso não elimina a pós, pois com atualizados conteúdos, esses docentes melhorariam ainda mais os seus recursos biológicos intrínsecos à sua natureza. E o terceiro argumento defende um exagero na formação discente universitária, passando quase a entender que esse processo de ensino-aprendizagem é algo definido somente pela prática profissional na universidade. Ora, esse processo é permeado de teoria também, e nisso, a pós-graduação qualifica melhor aquela prática, além de o docente com a titulação acadêmica completa não estar desprovido de experiência. Esse projeto surge no momento em que os índices de produtividade acadêmica do país, mundialmente, têm crescido exatamente por conta das exigências da LDB que vêm sendo feitas às instituições de nível superior públicas e privadas. A política de
341 produção científico-acadêmica, ultimamente, tem sido incentivada por meio de diferenciados apoios financeiros que trespassam os limites do imaginário dos ministérios, inclusive, em menor monta, pelo setor privado da economia. Não só os ministérios da educação e o da ciências e tecnologia participam dessa política, por meio de seus instrumentos e comissões de aperfeiçoamento da pós-graduação e da pesquisa. Tal projeto aparece em um momento em que a política educacional, no mundo inteiro, demonstra que a melhoria da educação de um povo passa pela especial qualificação de seus docentes e pesquisadores. Para as regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, agora, foram aceitos pelo governo vários projetos de cursos de mestrado e doutorado, na busca incessante pela formação de docentes, pesquisadores e, sobretudo, pensadores para essas regiões. O estudante nordestino, particularmente, na maioria das áreas de conhecimento, não precisará emigrar para o aprimoramento de seus estudos. O interesse mesmo que parece se esconder não é a melhoria didática ou a riqueza experiencial docente, mas o lobby junto ao Congresso Nacional de empresários da educação inescrupulosos que defendem, tão somente, a desqualificação de seus docentes, promovendo a precarização da educação, de olho apenas no lucro fácil e nada mais. Aos parlamentares representantes paraibanos, resta votarem contra esse projeto em pauta. A sua aprovação é um tiro no pé e em confronto com todo o esforço político de melhoramento da educação no país.
José Francisco de Melo Neto
4.5.3 - EDUCAÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO
As grandes reivindicações no mundo de hoje estão passando por desejos de participação nas decisões políticas gerais. O movimento que alguns denominam de primavera árabe arrasta consigo intrincados desejos, além de aproveitadores fomentados por potências ocidentais, de busca de participação da vida política
342 daqueles países. Movimentos da sociedade, particularmente jovens, há em toda a Ásia, cuja aspiração maior é participar das decisões das coisas públicas. No ocidente, isto se repete na Grécia, Espanha, Irlanda e na conservadora Inglaterra, que veem as pilastras de suas políticas liberais serem abaladas, enquanto tentam camuflar as mais radicais razões dessas gentes, retirando-lhes, inclusive, as suas bolsas de sobrevivência, bem ao modelo da bolsa família, aqui no Brasil. E na sede do império, os Estados Unidos, jovens acampam e agudizam, ainda mais, esse desejo geral por um outro coração para se viver que não Wall Street, o coração do capitalismo (ocupe Wall Street). No Brasil, o movimento, ainda incipiente, de combate à corrupção toma corpo. Mesmo sem a presença de partidos e sindicatos, está voltado à caça de políticos corruptos, esquecendo que há, também, um corruptor, não podendo esconder que esse tipo de mazela é intrínseco à vida capitalista, sobretudo. Mas, se por um lado movimentos cheios de esperanças por mudanças há, promovendo-se a participação das pessoas, de forma direta, este é um conceito que não se resume, tão somente, a fornecimento de dados para elaboração de políticas públicas. A participação só se completa quando envolvendo três movimentos em sua realização: o primeiro se expressa pelo fornecimento de dados; o segundo acompanha a decisão sobre o que fazer com esses dados e respectivos acompanhamentos e, em terceiro lugar, a avaliação daquilo que se propôs realizar – dados (propostas), desenvolvimento dessas propostas e a avaliação. Também não só se funda a partir de brutais necessidades materiais, mesmo que em todos esses lugares citados estas estejam presentes. Um aspecto importante é que, participar, mesmo nesses ambientes, pode ser ensinado. A necessidade só não basta. Contribuir para a sua facilitação, em todos os escalões da sociedade, é uma atitude popular, isto é, promotora do outro, animando o outro a tornar-se sujeito de sua própria história. Uma atitude popular (humana) é toda aquela que é útil à promoção do outro para que atue em seu próprio ambiente, na perspectiva de mudanças para melhores situações de vida. Recentemente, na Paraíba, dando continuidade ao que já vem acontecendo em João Pessoa e em Campina Grande, promoveu-se uma série de assembleias impulsionadas pelo governo estadual, na perspectiva de motivação para um
343 orçamento democrático. O que se constata é que das catorze regiões onde tal ocorrera, nem foi nas maiores regiões do Estado que houve maior expressividade da presença das pessoas. A região de Itabaiana apresentou o maior número desses participantes, um total de 2.071 presentes. Se não foi motivação político-financeiropartidária, pode ter sido a contribuição da educação. Campina Grande e João Pessoa, há tempos vivenciando um processo educativo para a participação, vêm a seguir, com 1.788 e 1.652 participantes, respectivamente. Contudo, aqueles que passaram pelo credenciamento e votaram são em sua maioria de João Pessoa e de Campina Grande, não devido à sua maior popular, mas expressam a tradição desse processo educativo em ambas as cidades. Mas, na Paraíba, vivem aproximadamente 3,6 milhões de pessoas. O total de 13.462 participantes está muito longe à aprendizagem da importância da participação para o orçamento democrático e para qualquer outra política. Um número, portanto, muito inexpressivo, quando se tem um apelo do governante principal. Contudo, este é um avanço importante, considerando a ausência histórica de uma educação fundada na participação. O aumento desse aprendizado poderá ocorrer, contudo, quando em todas as instâncias da vida do Estado, estiver presente uma educação da promoção do outro para a participação. O seu exercício passa pela escola com o incentivo à criação de grêmios estudantis onde não os houver. É urgente na formulação dos planos de secretarias de Estado, nas prefeituras, nas igrejas, nos conselhos, nos sindicatos e partidos políticos, enfim, em todas as instituições da sociedade civil e da sociedade política, despertando esse desejo de aprendizagem em todos os indivíduos. Assim, a necessidade da participação pode se estabelecer, eliminando-se as expressões autoritárias, também aprendidas e ensinadas, que ainda insistem em permanecer na sociedade. A educação para a participação pode ajudar na morte do ditador que existe no interior de cada pessoa.
José Francisco de Melo Neto
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4.5.4 - SUPLETIVO RELÂMPAGO
Mais recentemente, o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Educação, e o Ministério Público de Defesa da Educação, suspenderam a realização de provas de exames supletivos de escolas de João Pessoa. O motivo de tal atitude é que essas escolas estavam irregulares e sem autorização para a aplicação desses exames, segundo análise jurídica para o Conselho Estadual de Educação – CEE. É de se perguntar: qual a razão mesmo desta intervenção? Parece ter sido a propaganda em outros Estados de que escolas da Paraíba estavam a realizar provas aligeiradas, e como não dizer: supletivo relâmpago. Isso alertou a Secretaria de Educação do Rio Grande do Norte e o seu Conselho Estadual de Educação, a imprensa de Campina Grande e de Recife, solicitando informações ao Conselho da Paraíba. Talvez, a razão principal possa cair no campo da moral, pois feriu profundamente os brios da educação deste Estado, desqualificando todo o esforço de melhoria de sua educação. Pode ser, ainda, o fato de terem divulgado inverdades, outra questão também moral, quando a propaganda em internet assegurava um reconhecimento dessas escolas para aplicação desses exames, que inexiste. Além disso, garantia os exames devido a “boa” política incentivadora a essa modalidade de educação por parte do Conselho Estadual de Educação do Estado da Paraíba. Mas, o que está em jogo é a desqualificação da educação por parte desses empresários da educação, com desejos de lucros fáceis, que insistem na defesa de que a educação é mera mercadoria, como as outras quaisquer produzidas, segundo a lógica dominante do mercado. A educação deve preparar para o mercado. Para o atual modo de produção que se vive, o capitalismo, tudo é mercadoria e tem seu preço. A saúde entra nessa lógica e a educação dela não escapa. Assumindo-se essa visão, a educação tem seu preço sim, e mais: quem pode pagar mais, tem melhor educação, e quem não pode, fica com a educação que “merece”. Assim, podem justificar, sem qualquer purismo, que um exame supletivo pode ser relâmpago para poder qualificar as pessoas para o trabalho produtivo capitalista, assegurando aos seus realizadores e clientes o sucesso fácil.
345 Ora, o exame supletivo nunca teve esse papel de aligeiramento do processo educativo. Sua marca tem sido a valorização do processo educativo informal que ocorre na vida de cada pessoa. Por exemplo, os exames inseridos no campo da educação de jovens e adultos, assim como todo o processo educativo, não são um negócio e nem mera mercadoria. A educação é um fenômeno humano de ensino e aprendizagem, pautado pelo ato da criação, o trabalho humano, em sua visão filosófica mais ampla. A educação, assim, não é formadora do homo faber, tão somente. Também não é o fenômeno de formação do homo sapiens, apenas. Educação não é expressão dessa dicotomia, mas a sua simbiose: enquanto se educa o homem para o trabalho, também se educa para sua sabedoria. Educação, em sua forma estrutural de relação com o trabalho, é expressão das potencialidades humanas criativas e emancipadoras. Com essa compreensão, pode-se afirmar que a educação, muito para além de qualificar a pessoa para o trabalho, é a sua qualificação para a vida. Só, assim, haverá sentido e luz aos exames supletivos e, jamais, a sua velocidade. Exames supletivos não podem ser uma mera aplicação de uma prova. É preciso que a escola assuma o exercício desses cursos.
José Francisco de Melo Neto
4.5.5 – SHOPPING CENTERS EDUCACIONAIS
Exposta em vitrina, tal qual num shopping Center, a educação é vista como uma mercadoria qualquer nesta sociedade mercantil, vendável ao preço das condições do comprador. Pode-se perguntar: como a educação pode se realizar sem esse apelo mercadológico? A educação tem sido vendida e comprada pelos mais variados preços, em atendimento às demandas de mercado. Aqueles com maior poder aquisitivo podem demandar exigências várias como: escolas com condicionadores de ar em salas de aula; limpeza rigorosa em todo o seu interior; arquitetura escolar que dê prazer à primeira vista; condições de aulas em computadores ou utilização dos atuais tabletes
346 ou congêneres; um conjunto de livros vendidos pela própria escola, mesmo que não sejam livrarias; professores e professoras sempre jovens e com estética agradável, sendo preferencialmente brancos, com baixa oferta de discussão propedêutica e muito menos com uma orientação pedagógica, além da não explicitação aos pais e mães dos valores humanos que veiculam. A prática da escola precisa ser também conhecida. A educação se expõe no mostruário para ser comprada e vendida nos shopping centers das mercadorias em geral. No reino do capital, a educação se torna uma mera mercadoria. Já aqueles de menor poder aquisitivo ficam sem opção. Hoje, vive-se um acúmulo de massa de informações que joga o papel central da educação para a busca de sua compreensão, de seu entendimento. Chega-se ao nível de se saber explicar um fenômeno, mas ao mesmo tempo, sem condição de se poder entendê-lo. Por meio de técnicas didáticas, cobram-se exercícios escolares em que os alunos/as até explicam o que estão a fazer no cumprimento dessas tarefas, mas sem a menor condição de compreensão dos fenômenos estudados. A educação se transforma em mecanismos meramente reprodutores do conhecimento e das explicações de mundo estabelecidas. Se assim o é, os computadores e tantas outras máquinas fazem isto de forma muito mais rápida e segura que toda a docência de uma escola. Todavia, a superação dessa perspectiva passa pela essência da educação entendida como um fenômeno humano de criação. É um exercício permanente para o aprimoramento da capacidade intelectiva, na perspectiva de caracterização dos dados que se apresentam, a sua análise e, posteriormente, ações com os novos dados. Um exercício para se detectar ações, caracterizar reações e definir novos rumos com novas ações, constituindo-se como movimento e processo de interiorização de cada estudante. Educação, dessa forma, assume a sua dimensão política muito para além da reprodução de valores que estão em profundo questionamento nos dias atuais. Esse fenômeno humano de ensino e aprendizagem carece trazer consigo esses valores que vêm sendo perseguidos pela humanidade como a justiça, a liberdade, a solidariedade e, necessariamente, a dimensão emancipadora da vida. Assim, é possível a superação da visão mercadológica da educação dominante, bem como, pela aprendizagem da
347 análise, remover a sua alienação inerente muito para além da fascinação dos shopping centers.
José Francisco de Melo Neto
4.5.6 - EXCLUSÃO NO INTERIOR DA ESCOLA
A exclusão educacional sempre é posta a partir da existência de analfabetismo existente, relacionando-se com àqueles que não adquiriram o instrumental cultural da leitura – característica esta que atravanca muito mais a sua condição de viver. Mas, será mesmo esta a única forma de exclusão no campo educacional? A resposta à pergunta é negativa, acrescendo a sua existência no interior da própria escola. Ora, a simples condição de se ter acesso à escola é uma condição necessária para escapar da exclusão escolar, mas não é suficiente para impedir a de que pessoas existam nas sombras, no atravessado modo de ver o mundo, deixando a escola de cumprir o seu papel de promover a crítica ou a aprendizagem do pensamento crítico. Se estabelece, dessa forma, um processo excludente, no próprio interior da instituição educativa. Uma educação cujo papel central da aprendizagem esteja na mera repetição de conteúdos e dos instrumentos da dominação, como a prática vertical da sociedade, promove, permanentemente, a reprodução das explicações de mundo e da forma de organização da sociedade mercantil. Uma educação que contribui para espalhar o estilo de relação entre as pessoas, dando ênfase à filosofia do “meu pirão primeiro”: a prática do pensamento e do agir de forma individualista, promotora de valores da propriedade privada e do incentivo à acumulação de bens materiais, exacerba a exclusão não pelo fato de se estar fora da escola e, lastimadamente, ocorre no interior da instituição da educação formal. Não está em jogo a mudança de métodos políticos tão somente, mas a reprodução de estruturas de valores de uma sociedade incentivadora da opressão, da fome e do medo - sociedade norteada só pela pecúnia. Com a
348 ausência do pensamento crítico, isto é, um olhar sobre os fenômenos com análises das suas dimensões de positividade e negatividade para decisões sobre como se agir, cristaliza-se uma exclusão no interior da escola em que só se ensina, até a exaustão, a visão única da sociedade dominante. Uma educação que apenas faz transferência de conhecimento, fechando um campo inteiro de alternativas, não é educação. O aluno priva-se de exercícios de outras possibilidades e olhares de mundo, firmando-se, mais e mais, a mentalidade fatalista da impossibilidade de outros modos de vida estabelecidos, fato que solidifica e reduplica ainda mais a exclusão. Esta é a exclusão mais brutal: a que está arraigada ao próprio aparelho reprodutor escolar. Isso não elimina, todavia, as suas contradições em que, mesmo com tudo isto, também ocorre resistências internas à reprodução. Educação é um fenômeno para a criação. Daí ter significado a concepção de Freire de uma educação que promova a liberdade das pessoas, uma educação como prática para a liberdade, superadora da alienação no próprio interior escolar. Sem a crítica, não se estabelece uma educação como uma
prática
com
o
oprimido;
não
se
estabelece
uma
educação
permanentemente voltada à superação de todo tipo de exclusão e de impedimentos da emancipação humana. Uma exclusão, talvez, mais profunda do que aquela de estar fora da escola.
José Francisco de Melo Neto
4.5.7 ENEM CHRISTUS AMÉM
A cultura da avaliação vem se implantando paulatinamente em todos os ambientes de vida da sociedade. Mas, essa ainda não tem sido um costume estabelecido. Mesmo na educação, enquanto muito se aplicam e se impõem avaliações, as famosas provas ao sistema de educação e às escolas, essa prática inexistira em todo sistema de educação do país.
349 As escolas privadas bem que poderiam se encaixar como boas escolas, pois eram elas mesmas que se qualificavam assim. A escola pública, o patinho feio do sistema educacional do país, nada podia reclamar. O que devemos fazer? Punir os políticos? Talvez, quanto ao seu histórico esquecimento. Pouco a pouco, foi se incrustando nas mentes de todos e todas que atuam na escola pública, que essa seria para não se prestar mesmo. A sociedade passou a aceitar isso como algo natural. Acontece que não havia qualquer parâmetro de qualidade, pois apenas o indicador de qualidade vinha sendo a aprovação no vestibular. A avaliação começou a se firmar, inicialmente, na pós-graduação, com um potente sistema com mais de uma centena de indicadores para essa aferição, definindo para o mestrado e o doutorado as suas respectivas notas. Um sistema acompanhado anualmente. No final de três anos, tem-se, então, a nota do curso. Também já se está implantando na graduação e, finalmente, passa a abranger todo o sistema de ensino – educação fundamental, ensino médio e educação superior. Particularmente, no ensino médio, começam a ser feitas listas do posicionamento das escolas entre as demais. Mês passado, o ENEM, a prova para o final do ensino médio, iniciara a apresentação do quadro do resultado nacional. Todo o sistema de educação do país foi posto à nudez. Escolas particulares também não apresentaram a qualidade propagandeada que sempre pregaram. As mentes elitistas dessas escolas, agora, com um sistema que avalia o país inteiro, começam a estrebuchar diante da qualidade de seus intentos, quando comparada sua educação com a de todo o país. Não vale mais a comparação com escolas periféricas e feias do sistema público. O visual educacional espraia-se por todo o país, assim como deve ser a educação. Não pode haver uma educação só para um lugar. A educação é universal, mesmo que se estabeleça a partir do local. A demonstração em dados mostrou que as escolas públicas ou privadas precisam ser repensadas. Aqui na Paraíba, movimentos de escolas contra o ENEM, inclusive desejosos de manterem a Paraíba como seus feudos, apenas têm aprovação sofrível quando comparadas com as escolas de resto do país, apesar de que eram tidas como muito boas. Na verdade, nunca tiveram a qualidade que apregoavam antigamente. O ENEM está mostrando que todo o sistema de educação carece de readequações, em especial,
350 na sua pedagogia, suas metodologias, suas didáticas, seus valores éticos e seus conteúdos. Parece necessário a escola manter-se com o olhar no futuro, com os pés em valores que caracterizam a educação e a vida. Educação, afinal, é criação. A preparação não pode ser profissional apenas. A preparação pela educação é para a vida. Da escola, exige-se outro diapasão, novas adequações, atualizações e clareza de princípios que definam o seu tipo de educação. Ao ENEM cabe, tão somente, a crítica de que ainda não se tornou universal, pois falcultativo. Não se têm duvidas que Cristo, Buda, Maomé e outros com menor expressão se postaram com princípios éticos que marcam a humanidade já há algumas centenas de anos. Mas, foi, contraditoramente, da Escola Christus, de onde veio a negação ética de seu marketing escolar. Este, contudo, é um problema da própria escola e de sua educação. Muito menos é problema do Cristo e, menos ainda, do mérito da prova aplicada. Concluindo: enem, christus, amém.
José Francisco de Melo Neto
5 - CONSIDERAÇÕES
Este Conselho continua acompanhando os esforços da Secretaria de Educação em definir todo o seu campo de atuação que é a busca de soluções aos problemas mais graves da Educação no Estado. Duas questões básicas têm sido apontadas como vetores dessas ações: o analfabetismo e a qualificação profissional. O Conselho segue as ações quanto à reordenação das escolas, à implantação de um Instrumento de Avaliação da Educação, próprio do Estado, além de reforço ao quadro de recursos humanos da Secretaria, com a realização e contratação de pessoal, por meio do Concurso Público. O CEE atuou na articulação dos demais Conselhos Estaduais, promovendo, aqui no Estado, dois importantes encontros, um Regional e o outro Nacional, Encontros de
351 Conselhos de Educação. Assim, é que espera bons ventos soprarem à Educação do Estado, diante de tantos problemas históricos da Educação. Finalmente, neste ano de 2013, continua a exigência de, por empenho de todos/as Conselheiros/as, atualização do Plano Estadual de Educação, o que se torna mais importante, nestes tempos, quando se prepara um Plano Nacional para, pelo menos, mais uma década, em todo o País. As atividades de todo o ano de 2012 foram atividades comemorativas dos 50 anos do Conselho, mantendo todos num plantão permanente por melhores condições de Educação do Estado.
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RELATÓRIO 3
SEMINÁRIO INTERNACIONAL
Socioeconomia solidária para o desenvolvimento integral, democrático e sustentável
3 a 6 de fevereiro, Rio de Janeiro, Brasil.
Rio de Janeiro, 2003
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APRESENTAÇÃO Este texto expressa o relato do Seminário Internacional sobre Socioeconomia solidária para o desenvolvimento integral, democrático e sustentável, realizado no Rio de Janeiro, no período de 3 a 6 de fevereiro, do corrente ano. Um relato que buscou captar o máximo do conteúdo das palestras, das técnicas utilizadas e da metodologia desenvolvida durante o evento. É um material que poderá ser utilizado para futuras pesquisas ou trabalhos, no campo da economia solidária, da metodologia e, sobretudo, no campo da educação popular, sendo orientador de ações sociais para as organizações promotoras, considerando as variadas temáticas abordadas. Discutira-se a Socioeconomia solidária, promovendo o debate sobre o desenvolvimento integral, democrático e sustentável, na primeira mesa redonda. No segundo e terceiro dias, discutiram as cadeias produtivas e o crédito solidário, na perspectiva de construção de elementos para a composição de idéias e práticas que possam compor uma proposta de um desenvolvimento que, efetivamente, seja integral, democrático e sustentável. Este seminário se insere no conjunto geral de um movimento de Economia Solidária que vem se fortalecendo em todo mundo, tendo um importante espaço de discussão quando da realização do III Forum Social Mundial, realizado em Porto Alegre. Este seminário também adquiriu um importante papel político. Foi possível formar-se com várias entidades do Rio de Janeiro, que trabalham no campo popular, um conjunto tal que possibilitou a participação de pessoal de vários países, da rede de incubadoras tecnológicas populares, e sobretudo, do secretário da futura Secretaria de Economia Solidária, vinculada ao Ministério do Trabalho, o Prof. Paul Singer. Concluiu-se o evento com uma formulação geral sobre questões da economia solidária e do desenvolvimento, conforme era seu objetivo, e também com uma carta de sugestões que fora entregue ao Secretário da Economia Solidária. E, ainda, uma forte convicção entre os mais de duzentos participantes, representantes de entidades vinculadas à experiências em economia solidária, de que um outro desenvolvimento é necessário e, reiteradamente, é possível.
Rio de Janeiro, 7 de fevereiro de 2003.
Entidades promotoras:
CAPINA
- Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa
CEDAC
- Centro de Ação Comunitária
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- Centro de Estudos e Pesquisas sobre a Leopoldina
COOPOP
- Cooperativa dos Produtores Populares e Trabalhadores Sociais
PACS
- Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul
UNITRABALHO- (UFF, UNIRIO e PUC-RIO)
Entidades de apoio: ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais - Regional Sudeste ENTRAIDE ET FRATERNITÉ - Bélgica
Comissão de síntese: José Francisco de Melo Neto, Henrique Delrio, Henryanne Chaponay
SUMÁRIO
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APRESENTAÇÃO
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MESA 1 – Socioeconomia solidária para o desenvolvimento integral, democrático e sustentável ..................... MESA 2 – Cadeias produtivas e crédito solidário ..................... MESA 3 - Desenvolvimento integral, democrático e sustentável.................... MESA 4 – Que desenvolvimento queremos? .................... DOCUMENTO SÍNTESE AVALIAÇÃO – síntese dos grupos .................... ANEXOS:
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1. Programa do Seminário Internacional 2. Release para imprensa 3. Intervenção escrita de Rafael Caldera 4. Carta ao Secretário de Economia Solidária 5. Avaliação de cada participante (a decidir )
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ABERTURA
DIA 3 SEGUNDA-FEIRA
MESA 1
Socioeconomia solidária para o desenvolvimento integral, democrático e sustentável
TARDE Iniciou-se com uma apresentação de dança jongo (dança negra) e depois com forró (música popular do nordeste do Brasil). Continuou-se com a organização dos participantes em grupos, por meio da distribuição de bolas de sopro de diversas cores, elaborando-se targetas a partir das expectativas dos participantes (um total de 220 pessoas). Essas expectativas foram projetadas no telão.
Após as atividades de abertura, houve informações do seminário e as apresentações das expectativas dos grupos. Projetaram-se, a seguir, as targetas dos grupos. Expectativa 1: troca de experiências e aprendizado “resistir é preciso”. (Grupo verde claro) Expectativa 2: construir uma rede mundial mais justa, participativa solidária. (Grupo vermelho) Expectativa 3: paz, integração, aprendizado, solidariedade, formação, união, experiência, responsabilidade, troca, sabedoria para agir, prudência, colaboração, processo e trabalho. grupo .... Expectativa 4: fortalecimento e ação na construção da rede de solidariedade nacional e internacional. (Grupo amarelo) Expectativa 5: prosperidade – ser a mudança que queremos. Grupo ... Expectativa 6: troca de experiências concretas, articulando-as e construindo uma rede alternativa. (Grupo laranja)
389 Expectativa 7: buscar conhecimentos e respostas aos desafios apontados na prática da economia popular e solidária – Grupo...
Prosseguiu-se o trabalho com a explanação geral do programa do seminário para que todos os participantes pudessem compreendê-lo como algo inserido no contexto do Forum Social Mundial, do movimento da economia solidária e sua continuidade. E, ainda, que este seminário se tornasse um exercício de produção de um conhecimento coletivo.
Início das apresentações sobre a temática do seminário :Composição da mesa 1) Foi composta a mesa com as entidades promotoras do Seminário. Iniciou-se pela Angelina, do CEDAC, destacando o envolvimento de tantos em economia solidária, em produção comercialização ou de outras formas na economia solidária. Destacou a presença dos visitantes estrangeiros e também presentes no Forum Social Mundial, acreditando que o momento pode ajudar a contribuição teórica no campo da economia solidária. Sejam todos bem vindos. 2) Chico Lara frisou a palavra trabalho e fez referência ao Forum Social e, sobretudo, que o seminário é expressão de um pouco de sua energia, aqui, para o Rio de Janeiro. Destacou o trabalho como elemento fundante de um mundo solidário. A superação do trabalho escravo com a perspectiva do solidário e um necessário repensar o conceito de trabalho, dentro de outra lógica de mundo, na busca de uma sociedade alternativa. 3) Antonia, representante da Unitrabalho, rede de pesquisadores das universidades brasileiras destacou os grupos de ações e a pesquisa, mostrando a possibilidade de se poder desenvolver com os demais grupos a produção técnica e de conhecimento. É a busca de um trabalho com honra. 4) Ruth Spinola, representante do PACS, diz que é um prazer sempre trabalhar em espírito de construção de políticas públicas populares. Destacou a conquista de uma Secretaria de Economia Solidária, no atual governo. A esperança está no ar. Venceu o medo. Estamos juntos. 5) Carla Moura, representante do Centro de Estudos – CEPELL, Leopoldina, no Rio de Janeiro, se diz animada com a presença de todos os grupos com que trabalha na região da Leopoldina. Todos os grupos que estamos atuando, estão presentes neste seminário e isto é uma alegria. Todos como expressão de um pessoal de luta e também com uma preocupação conceitual sobre a sua relação com a prática em economia solidária. 6) Mário Costa, da Cooperativa de Trabalhadores, baseada em Majé, deseja trocar com todos as suas experiências, juntamente com os presentes que vieram de outros países ou Estados e que estão conosco. Desejamos felicidades a todos.
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Desenvolvimento da temática Expositores: Chilo – Altagracia Villarreal (Coalición Rural – México) Jean – Pierre Leroy (FASE) Coordenação – Cláudia Affonso (CEDAC)
A Coordenadora, Cláudia Affonso, destacou o movimento histórico amplo que se desenrola no campo da economia solidária. Este Seminário se insere nessa lógica do não egoísmo e da não exploração, disputando espaços através da economia solidária. Há uma grande expectativa em torno de todo esse movimento, sendo suas maiores expressões as realizações do Forum Mundial Social. Enfim, viver o produto de nosso trabalho de forma coletiva. Esta é tarefa histórica e heróica, sendo tudo isto encarado com muita valentia. O Forum Social Mundial é uma enorme fogueira para realização de tudo isto. Enfim, este Seminário se insere nessa luta geral, buscando a superação da forma capitalista de organização social.
JEAN PIERRE LEROY – FASE - Brasil O conceito de desenvolvimento - Desenvolvimento é falar do estado, do país e do mundo. Estamos com as duas pontas. O mundo está aqui. Desenvolvimento, não sei o que quer dizer. Mas, para cem anos atrás, havia a escravidão – o escravo e o dono de escravo. Não se podia pensar a passagem de escravo para tornar-se dono de escravo. Não daria para passar, tampouco, de colonizado para colonizador. No século passado já falava-se de desenvolvimento. O modelo proposto - Na Europa, todo mundo vive bem. Propagava-se que era possível de que os de fora chegariam lá, isto é, naquele tipo de desenvolvimento. Era como que se todos pudéssemos chegar lá. Chegar lá, significaria ver tudo aquilo pela janela. Isto não se pode aceitar. Esta é a idéia de desenvolvimento. Este é apenas um desejo. Vamos seguindo a vida e em um dia qualquer chegaremos ao desenvolvimento. Desenvolvimento é uma ideologia, portanto. Não se apresentava qualquer tipo de abismo e, assim, seria possível de se chegar lá. O PIB como medida? - Ora, o desenvolvimento voltou-se para ser definido pelo PIB. Por este tipo de medida, até que não estaríamos tão miseráveis. Afinal, isto expressa uma média. Mas a vida não se expressa por qualquer tipo de média. Esta idéia, portanto, não funciona bem. Aí vem o IDH, índice de desenvolvimento humano. O desenvolvimento não é só riqueza e sim, saúde ... O mercado condiciona as pessoas mas que deveria ser o contrário, isto é, a serviço das pessoas.
391 Conceito de mercado - O PNUD dizia que o mercado deve está a serviço das pessoas. O mercado se preocupa mesmo com as pessoas? Não. Ora, para o PNUD é preciso crescer o mercado que os demais indicadores seriam melhores. Desenvolvimeto sustentável - A partir de 92, vem o desenvolvimento sustentável. Surge um conceito ecologista sobre o desenvolvimento. “Transcende as necessidades do presente para atender às necessidades do futuro” (Agende 21). O que é o sustentável? Malabarismo? Algo que não vai desmoronar? O Desenvolvimento Sustentável deveria ser um desenvolvimento que iria durar por muito tempo. É aquele desenvolvimento em que as gerações do presente garantam o futuro para atender as necessidades do futuro. Mas, a ECO 92 cola este tipo de desenvolvimento ao mercado, também. Portanto, desde as formulações de desenvolvimento e sub-desenvolvimento, a mesma forma continua. Este tipo de desenvolvimento tem a marca seguinte: -
produção de massa de bens duráveis (geladeira, carro ...) (um mercado de minorias); certo sistema de previdência social (aparece um sistema para os trabalhadores com carteira de trabalho assinada); A produção exportadora de bens primários (laranja, ferro...), se apresenta a exportação como um instrumento de desenvolvimento.
Com isto, temos as novas exclusões, desempregos e degradação do meio ambiente. Ele é explorado e se torna invisível ao capital. Quem definiu este modelo? As elites vêm fazendo isto durante 500 anos. E no mundo? As elites também vêm definindo este planejamento durante os tempos. Ora, outros também podem definir desenvolvimento de uma outra forma. Desenvolvimento é, portanto, ideologia, ditado pelas elites e de forma nada democrático. Então, podemos pensar diferente? Claro, que sim. Desenvolvimento pode ser algo definido pelas pessoas. Ele é uma construção e nesses três dias vamos definir isto. Assim, aqueles definidores dizem, agora, que é preciso consumir menos energia, mais recursos naturais para exportação e tudo isto deve ser feito com muita eficiência. A questão é que tipo de desenvolvimento que queremos? Produzir o que? Para quem? E qual é a utilidade? Ex: O mogno brasileiro (tipo de madeira) que vai para as embarcações inglesas; a produção do alumínio poderia ser para aqui mesmo; o ferro poderia ser para o resgate de nosso desenvolvimento. Há um outro tipo de desenvolvimento que seria para as populações, sendo preciso os povos definirem. O desenvolvimento é questão de ideologia, poder, economia e também ética (valores). Queremos avançar juntos e pensar o futuro. Demos um salto para um outro modelo de desenvolvimento, embasado na economia solidária – uma outra forma de ver a economia que recupera a dignidade, solidariedade e cidadania das pessoas. Para concluir, apresento a bibliografia de muitas organizações, destacando o artigo - Tem de dar o salto para a idade solar. Isto é, um salto para outro desenvolvimento. Não se dá destaque à quantidade do produto mas uma produção de um desenvolvimento que tenha origem na nossa vida. O ponto de partida é onde temos os nossos pés. Aí, cabe o desenvolvimento local, agenda local. Devemos usar e valorizar o produto local. No local, está o nacional e internacional. Promover a diversificação dos produtos e não, necessariamente, em larga escala. Realizar a reciclagem e a manutenção da mão de obra. Construir um outro mundo – questionando o mundo dominando, construindo o outro mundo. Um desafio cujo desenvolvimento deve ser sustentável e ser democrático. Construindo uma
392 nação de pessoas que possam pensar diferente. Vamos construir um conhecimento coletivo ao final deste seminário.
CHILO-ALTAGRACIA VILLARREAL – Coalición Rural - México Conceitos de desenvolvimento a partir da cultura indígena: a apresentadora se baseia na população mexicana, em que 20% dessa população está repartida em 56 povos distintos com a sua própria cultura. O destaque se faz, aqui, para a cultura dos povos “ Mixe ” (Oaxaca). a) consciência experimental de qual o modelo de desenvolvimento baseado no mercado de recursos naturais tem fracassado, pelas razões: -
há esgotamento dos recursos naturais não há gerado riqueza e sim pobreza das famílias
b) tem-se pensado na elaboração de novos conceitos como o desenvolvimento sustentável e sustenido (para a possibilidade de ser continuado e aceito pela sociedade) Três enfoques: - econômico e tecnológico - enfoque social e de qualidade de vida - equilíbrio ecológico c ) a partir da cultura indígena caracterizou-se o desenvolvimento por uma economia comunitária e recíproca, assim definida: -
uma visão integral de desenvolvimento, afetando todos os nossos aspectos da vida (família, tradição, educação, saúde, cooperação, reciprocidade, política, e tradições religiosas; uma noção que contemple a utilização da ciência e as tecnologias modernas
Assim, é que os índios lutam contra a pobreza, buscando vida digna da comunidade, incluindo os direitos fundamentais: terra, território, comunidade, cultura e tradições religiosas; Eles têm formas próprias de administrar-se, justiça e suas próprias formas normativas. Demarca, assim princípios estratégicas: a) organização do nosso povo b) autocapacitação permanente c) impulsão voltada à vida comunitária d) promoção do planejamento comunitário, formulações a longo prazo. Objetivos imediatos: -
promover produção organizada: satisfazer as suas necessidades de consumo pela diversificação das atividades econômica, intensificando os intercâmbios entre as comunidades, povos indígenas, atendendo as necessidades dessas comunidades.
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Caminho da economia solidária : Ênfase nos conceitos indígenas que envolvem conceitos básicos voltados ao ser humano, tradição e natureza. a) o conceito de homem entre os índios tem dimensão não individual mas dimensão universalista; b) o trabalho é energia do ser humano, permitindo a transformação da natureza; c) este conceito de trabalho coletivo é promotor de modificações da natureza, sendo, portanto, a natureza ativa, indiretamente, agindo sobre o ser humano e sua valorização sempre mais; d) Supera, dessa forma o conceito de desenvolvimento econômico que domina a sociedade ocidental; Outro exemplo de comunidade campesina e que não significa a mesma coisa que comunidade indígena é o modelo de habitação campesina sustentável, desenvolvimento sustentável em zonas áridas, baseada em quatro ecotécnicas: - irrigação por gotas para a plantação de hortaliças; - conservação da água da chuva; -
reciclagem de águas residuais; latrinas sempre secas.
Com este programa tem-se conseguido a organização da família, pois, assim reúnem-se para planejar as diversas tarefas. Antes emigravam aos Estados Unidos e, agora, isto não acontece pois em suas mesas há comida. Desde os 9 anos, temos tidos encontros com organizações de camponeses dos Estados Unidos, e desde este tempo estamos coordenando organizações do México e dos Estados Unidos, formando a Coalición Rural del Campo y da Ciudad. Questões: Relação entre produtores e consumidores – campo e cidade. O processo de conscientização. A comparação entre a comunidade indígena brasileira(folclórica) e a mexicana. As experiências de cadeias produtivas se formam rapidamente pois não funciona quando se parte ao consumo, pois a população não acredita nos produtos da cadeia. 5. Como não cair nos mecanismos da economia clássica com as experiências de economia solidária, ao nível micro e macro? 6. Apresentar números da economia solidária. 1. 2. 3. 4.
7. A afirmação da cultura nos processos de economia solidária. 8. A democracia representativa nas relações de consumo e produtor na economia solidária. 9. Existe nessa temática a centralidade do trabalho? 10. Algo mais sobre a secretaria de economia solidária.
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OBS: Na Venezuela, há uma visão idílica de que estas comunidades têm valores que não existem na nossa sociedade. Mas, ao se ir ao mercado se encontram com todo tipo de distorções e são absorvidas pelo mercado. Como haver recuperação dos mesmos e quais os impactos sobre esses mercados?
RESPOSTAS Comentários e respostas, em bloco, apresentados por JEAN PIERRE A economia solidária não é internacional. Ela tem outras formas de funcionar, produzir, comercializar; é mais perto do local. O ideal é chegar que o nível local se produza às necessidades de consumo. Montar a relação campo cidade, nas grandes cidades é muito difícil. Pode-se também pressionar para que as políticas públicas passem a comprar, também, das cooperativas. Por que não apoiar pequenas fontes comunitárias, de maneira que não esteja sempre recebendo ajuda, utilizando ao máximo os recursos do locais. É preciso a construção de pequenas experiências, construindo assim os variados caminhos . Não se trata de fazer uma economia dos pobres para os pobres, mas uma economia diferente. Os pobres que saíram do mercado de trabalho tem possibilidade maior de construção de alternativas. Lembramos a existência do IDEC, em São Paulo, que tem organizado em torno de 450 mil consumidores alternativos. É importante haver agricultura sadia para todos e não só para os setores médios da sociedade, pois todos têm direito a uma vida sadia. Não se faz economia solidária simplesmente devido a falta de trabalho. Faz-se isto para a construção de uma outra economia, na busca de uma outra sociedade. CHILO A Coalizón Rural tem uma página na internet para realizar a troca de produtos saídos dessa economia, além da definição dos preços definidos por eles mesmos. São produtos frescos que só podem ser trocados nas zonas locais e, também, não se ganha muito. Os produtos acompanham a história do grupo que produz aquele produto, bem como, a sua receita. Quanto aos indígenas no Brasil, afirma que não conhece bem, mas sabe que as comunidades indígenas brasileiras são bastante pequenas, tendo menos relações com outras culturas, diferentemente dos indígenas mexicanos. No Forum Social Mundial, os indígenas organizaram as suas próprias oficinas.
395 Avançar para a economia solidária, precisamos: difundir as experiências; trocar essas experiências e os bens econômicos; além de conhecer a lógica do mercado. Lembrou ainda que na Argentina, as respostas às necessidades são dadas após 3 milhões de pessoas que realizaram trocas e que, agora, está consolidando essas trocas com 1 milhão de pessoas. A cultura é a maneira de como um grupo humano responde às suas necessidades de vida. Observações de CHILO: Cada mês se paga um certo valor e quem vende recebe uma certa porção. Há um equilíbrio entre as ofertas e procura. Temos vendido por rede de correios. Os produtos, muitos são definidos os seus preços pelos produtores. O consumidor paga o frete. Observações de JEAN PIERRE: 1. Economia solidária é outro forma de produzir, de revender, de intercambiar. A cidade sempre depende do campo. Mas é preciso que haja pessoas, lá, que conservem partes da mata, as fontes etc. 2. As compras públicas precisam ser pressionadas para que as associações rurais ou urbanas possam oferecer material para as prefeituras; 3. É preciso receber o dinheiro, Fome Zero, mas promover também exercício de solidariedade. É preciso provocar o movimento dessas pessoas. (Para encerrar, comemorou-se o aniversário de várias pessoas presentes, entre elas, Chilo, cantando-se além do parabéns para você, uma ciranda de Lia de Itamaracá, expressão mais solidária de danças, considerando que a dança se realiza em círculo, estando todos segurados em suas próprias mãos).
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DIA 4 TERÇA-FEIRA MESA 2 Cadeias produtivas e crédito solidário MANHÃ Início Houve um conjunto de exercício com música para despertar o nosso relacionamento com o mundo, gerando muita alegria entre os participantes. É a integração com os quatro pontos do planeta. Chilo, indígena mexicana, segue apresentando os seus ensinamentos. A casa da Luz que simboliza o verão com a Luz. Volta-se ao poente, onde se esconde o sol. É o entardecer. Temos de morrer para que haja vida. A noite é o momento do encontro de Deus e a Terra. Outono é o silêncio, são as perdas e a sabedoria. A grande sábia que temos em nós. A sabedoria orienta para que façamos aquilo que temos de fazer, promover o amor, aqui no Planeta Terra. Volta-se, ainda, ao Sul que representa a fecundidade das flores, da mulher e da terra. O Sul é a primavera, o bem estar. A energia da cura. A ação correta que nós dá toda a colheita. Volta-se ao Norte que tem cor branca. Simboliza os nossos antepassados. Estamos vivos por que eles existiram. O norte representa o frio, o gelo. Traz as nossas sombras. Mas só há sombras quando se há luz. Em seguida, volta-se ao coração da terra. Este representa o pulsar do coração que nos abençoa com suas energias, acabando com as guerras. Em seguida, ouviu-se a música do quinteto armorial, acompanhado de um balanço em roda, em estilo indígena.
Continuou-se com os avisos gerais do seminário, como a ocupação dos espaços e outros. Desenvolvimento da temática Expositores: 1 - Sandra Magalhães (Banco Palmas - Ceará) 2 - Giovanni Acquatti ( MAG2 – Itália) 3 - Euclides Mance (IFIL – Instituto de Filosofia da Libertação - Curitiba) Coordenação -- Xico Lara (CAPINA) A cada ponto que sobe a temperatura, estoura uma bola, afirma Xico.
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SANDRA MAGALHÃES
Experiência do Conjunto Palmeiras – Fortaleza(CE)
Um pouco de história Apresentaram-se algumas transparências sobre a realidade organizativa de trabalhadores do Conjunto Palmeiras. Dentro desta realidade, destacou a experiência do Banco Palmas. Este banco tem seis anos, sendo fruto da história dos moradores do conjunto Palmeiras, em Fortaleza, já tem 30 anos. Foram as seguintes transparência contando alago sobre a história do conjunto: 1. O Mapa da Fome na Cidade de Fortaleza. Há mais de 600 favelas com mais de 20 áreas de risco. O bairro de Palmeiras fica na Região Sul da cidade. Com a criação de um programa para resolver a questão das favelas e na região das praias, essas favelas „enfeiavam‟ a cidade, segundo o olhar das autoridades. Assim, para liberar a área das praias, criaram o conjunto Palmeiras; 2. Umas fotos do conjunto, mostrando as palafitas e a lama do conjunto; 3. As famílias começam a se organizar, em 1980; Evolução 4. Em 1981, inicia-se a luta com a criação da Associação de Moradores; 5. Em 1991, a gente organiza um plano estratégico para 10 anos. Realiza-se O seminário habitando o inabitado - gerou-se um pacto entre os moradores por meio de vários grupos da comunidade – jovens, alcoólicos anônimos,...e outros, promovendo-se uma maior união desses grupos; e, definiu-se com meta de que em 10 deveria haver a urbanização do bairro; 6. Canal de drenagem, considerando que o bairro estava em uma região de alagados; 7. Uma praça – e hoje, há serviço de esgotamento sanitário, e praticamente todas as suas ruas são pavimentadas; tem-se duas escolas fundamentais, 1 escola secundária e dois centros de saúde; 8. Habitando o inabitado 2 – em 1997. Havia muita coisa feita mas a situação econômica do povo era ainda muito triste, sem acesso a emprego, a crédito. Tirou-se o desafio, que em cinco anos, haveria a realização de algo para conseguir emprego e renda. Sendo, assim, criado Banco Palmas;
398 Criação do Banco Palmas 9. Palmas – Banco Popular do Conjunto Palmeira. Havia grande desestímulo e assim aquele povo não poderia saber movimentar o dinheiro. Criou-se assim, o banco com 2.000 reais. Mas, esse grupo não sabia que não se podia usar o nome de Banco. Foi quando se teve a visita do Banco Central. O Banco Palmas não tem qualquer institucionalidade. O primeiro empréstimo para consumo no Bairro Assim, emprestou-se os dois mil e esperou-se os seis meses, o tempo de empréstimo, para manter uma rotina de banco. Filosofia do Banco Rede de solidariedade: prosumidores (todos somos produtores e consumidores), produção, trabalho e renda e consumo, conforme Paul Singer. Com o pouco dinheiro do bairro, inicia-se a fomentar um consumo no próprio bairro. Faz-se assim a riqueza girar no próprio local, no bairro. Critérios para se ter acesso ao crédito: ser sócio da associação de moradores; ser pessoa reconhecidamente responsável(os vizinhos dão as dicas); assinar contrato social com o Banco (ênfase ao consumo local e solidariedade). Aceitar as regras da Rede de Solidariedade. Diversas formas de crédito evolutivo O crédito é um sistema de empréstimo evolutivo e está de acordo com o valor tomado. Isto é: o juro vai variando de 2 a 3%, depende do volume retirado. Há empréstimo para a reforma de moradia mas voltado a alguma mecanismo de produção; outro trabalho é o balcão de emprego em parceria com o SINE. Há o PALMA FASHION, uma grife do próprio Banco, chegando a bolar um desfile, dando destaque aos problemas surgidos por falta de treinamento das pessoas. Há um projeto voltado ao trabalho artesanal – Palma Art - considerando essa possibilidade rica na região. Mesmo em um lugar pobre, circula uma grande riqueza. Criou-se a Palmalimpe que trata de material de limpeza, a Feira do Banco Palma e a criação do cartão – PalmaCard. Escola do Banco Há, também, a loja solidária no próprio bairro, a Escola do Banco, considerando que os cursos dados para operacionalidade do mesmo. Nós temos a convicção que há espaços para todos e podem ser conquistados coletivamente. A escola tem como objetivo fortalecer os conceitos de sócio economia como o da solidariedade. Além disso há a Incubadora feminina. Atende mulheres em situação de risco e não tem como viver de seus trabalhos. Na incubadora, elas passam nove meses, tendo atendimento médico, segurança alimentar ... e no final, elas têm crédito e mudando as suas próprias vidas. Trocas e moedas sociais
399 Criou-se o clube de troca com moeda social, dando funcionalidade com a criação da moeda Palmares. Elas só funcionam no clube de troca, utilizando as moedas. Criou-se outra moeda, o Palmas. Essa moeda foi decorrente da ajuda de uma organização holandesa, dando um maior valor a essa moeda, à medida que foram emprestados. Os trabalhadores recebem aquela moeda pois podem comprar com a mesma e os comerciantes, por sua vez, pagam seus empréstimos à associação com os próprios Palmas. Agricultura urbana Também criaram um laboratório de Agricultura Urbana onde se ensina a gente a plantar em pequenos espaços vazios em suas casas. Tudo isto já se desenvolve em 18 bairros de Fortaleza. Contatos com o Banco Palma – Fone/fax – 269.3800 - bancopalmas @uol.com.br
GIOVANNI ACQUATTI - Mutua Autogestionária MAG2, Itália Apresentação Eu venho do norte da Itália, rico em dinheiro mas não de coração, de sentimentos e de valores. Eu prefiro, é claro, um ambiente que seja rico por dentro, e não apenas rico em dinheiro. Finanças como um tema Chave Há três grandes poderes importantes para as questões públicas. Uma é a política, outro é a economia e outro as finanças. Normalmente, a política é mais importante, mas realmente o poder mais importante é o das finanças. Podemos dizer que o equivalente em dinheiro do câmbio em nível mundial dos bens e serviços de um ano é muito elevado, porém é superado pelas finanças do câmbio puramente financeiro (títulos, ações, moedas, e outros valores) que chegam àqueles volumes em menos de uma semana. Na Itália, isto também é grave. Imagine a força do dinheiro em um país que tem para exportação, sobretudo, cana, cacau, etc, este pode ficar apenas sendo jogado com a finança desse tipo de país. Na Itália, os políticos são sustentados pelas empresas capitalistas e assim, as finanças ajudam a economia. Os sistemas financeiros adequados A economia solidária é outra que existe na Itália, mas há o problema grande que é ter o dinheiro para financiar esse tipo de iniciativa. Para um tipo de desenvolvimento faz falta um tipo de sistema financeiro. Assim, também é preciso ter um sistema particular para a economia solidária, um sistema adequado. O Banco Palmas de Fortaleza também assim foi. Organizou o local. Uma questão fundamental Onde temos o nosso dinheiro? Que fazemos com o nosso dinheiro? O que os Bancos fazem com o nosso dinheiro? Que tipo de investimento eles fazem. Responder a isto é importante. Como ex-bancário, constato que o dinheiro já chegava apenas aonde se tinha dinheiro. Como sempre trabalhei com o social, era evidente que não daria mais para trabalhar nesse ambiente. O dinheiro não é e nem foi o mais importante, para mim. Eu troquei o trabalho do Banco e busquei
400 organizar outra forma local e fazer que o povo pudesse financiar projetos locais, concretos. Faz falta outra forma de utilizar o dinheiro para apoiar projetos concretos. Ora fazer isto tudo, é preciso formar as pessoas. Este foi o desafio. E disto, gostei muito. A Mutua Autogestonária: a construção de um novo modelo cultural Faz vinte anos que fizemos a primeira experiência de Mutua Autogestionária – MAG em Verona, 1988. Eu conheci esta experiência somente em 1980 e em seguida foi criada a MAG 2, em Milão. Nós autogestionávamos o nosso dinheiro. De fato, em relação ao dinheiro: não quero seu dinheiro, dos bancos, mas quero usar de maneira diferente o meu dinheiro. Começei com uma cooperativa que editava jornais, uma gráfica. Cinco pessoas jovens e três delas atuavam fora do povoado. Houve a compra de peças e avançou-se, assim. Essa gráfica existe e a cooperativa financia, ainda hoje, mesmo depois de 22 anos. Construía-se um novo modelo cultural. Orientava-se a intervenção para aspectos da ecologia, teatro, cultura sendo um grande fermento em Milão (especial no campo do teatro). No final de 80, ninguém falava de música ou cultura e sim de dinheiro. Quando um território não está vivo, sem criatividade, ele não é bom. Em Milão, o ambiente é cinzento. Está muito frio. Tudo está vinculado a economia, moda e as finanças. O apresentado indica que há uma coisa recomeçando. Hoje, melhora-se a intervenção. Atualmente, a cooperativa tem 1.050 pessoa, utilizando o dinheiro das pessoas voltados e projetos sociais. O sistema financeiro europeu Em 91 ou 92, adaptava-se o sistema financeiro italiano ao europeu. Avança-se para o controle total e, também, precisa controlar o dinheiro em todo o mundo. Não poderia mais existir bancos éticos com estatuto particulares. Em 2005, todos os bancos, mesmos os éticos, estarão centralizados no ideário dominante mundial. Na Itália, a lei exige também adaptação ao Banco Central. Mas tais organizações cooperativas não poderia assim continuar. É importante funcionar com uma certa legalidade. Começamos a estudar a lei, em 1990, e pensamos criar um banco mas sem acabar com essas experiências. „Banca Populare Ética‟ Os 5 MAG existentes na Itália e outras organizações sociais nacionais, temos lançado a campanha para recolher o capital necessário para obter a autorização para abrir um “Banca Popular Ética”, com cerca de 6 milhões e meio de Euros. O capital necessário foi conseguido em cinco anos e em 1999, foi aberto aquele banco, com sede em Pádova. Hoje existe uma sede local em várias cidades da Itália. As MAG têm podido continuar as suas atividades de acordo com o estatuto jurídico da nova lei, mas já não recolhendo dinheiro em forma de cadernetas de poupança com juros fixos, mas em forma de capital social com retribuição ao final do ano. Isto, entretanto, só ocorre quando o balanço dê benefícios. Mas, nunca distribuindo benefícios superiores às taxas de inflação. Atualmente, na Itália, há um sistema bastante integrado entre um banco com mais dinheiro – Banca Ética - e as cooperativas. A Mag 2 está mais perto das pessoas. Dessa forma, uma chega aonde não chega a outra. Uma deve, necessariamente, ter um mínimo de garantias, enquanto que a outra a pode financiar, sem garantias, alguns microprojetos locais.
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Princípios da MAG2 a) Direito ao crédito para financiar alguma idéia, b) o segundo é que sempre que não existem garantias e sim boas idéias, precisa-se haver crédito. Estamos, portanto, falando da prática. Penso que está na hora de começar a dizer que as palavras se não são concretas não são nada. Nada como o dinheiro dá essa sensação. O dinheiro e a transformação cultural Quando uma pessoa compreende que com sua pequena poupança pode investir em outro lugar que não seja um banco, está realizando uma transformação cultural muito importante. Aí já está uma escolha e um ato concreto, importante. O fato de se ter um produto financeiro nos leva ao banco tradicional ou um banco ético. A importância de ser cidadãos poupadores para criar instrumentos financeiros capazes de financiar projetos cooperativos de economia solidária. Isto destaca a importância das pessoas e a responsabilidade das pessoas. Como se vê, há bastante dinheiro que é doado para atividade religiosa (os prédios muito interessantes são de igreja, como assembléias de deus). Ora, como não pensar que um pouco desse dinheiro, poderia ser investido e não doado para as iniciativas que favorecem o desenvolvimento local? Pensamos encontrar um instrumento importante e válido, sobretudo sabendo-se que o dinheiro é claro e transparente. Em um banco formal o sigilo é mais importante. A responsabilidade de ser cidadão é que somos consumidores, cidadãos, poupadores e consumidores.
Um projeto: criação de um circuito financeiro solidário Outro aspecto importante é que em Porto Alegre, foi lançado a idéia do circuito financeiro solidário mundial. O que é isto? Vejo a seguinte situação: a) o microcrédito ou a microfinanças, b) a outra são as finanças locais e c) a outra em bancos. A micro finança não é empréstimo. Existem bancos de microcrédito. A sua maior intervenção é voltado para fundações européias e o dinheiro em crédito pequenos e locais. Essa organização, em Geral, passa por problemas, considerando que ao não receber dinheiro, também, não pode investir. A atividade financeira é entrada e saída. Buscar entrada e buscar investimento. As demais instituições são voltadas à organizações voltadas ao povo. Essas três formas: microcréditos, bancos e instrumentos financeiros alternativos são importantes e existem no mundo. São isoladas e precisam contactar-se, mas isto eles não fazem, como seria necessário. Estas precisam se encontrar. Por que não deveria existir uma organização mundial solidária? Mesmo sendo importante o local, também o é o geral. Mas, pode haver o local sem se isolar. É preciso contatos uns com os outros. Em nível local este é mais importante mas é bom estar em contato com as pessoas. É bom manter as relações solidárias. Este circuito mundial social tem a tarefa de ajudar projetos onde estes não existam, desenvolvendo outro tipo de economia. Com outros tipos de princípios. Quando se fala de dinheiro, parece que só se fala de coisa prática mas, na realidade, quando se faz um uso do dinheiro de forma diferente, está-se fazendo uma mudança cultural muito grande. Praticar essa mudança, é uma das mudanças mais duras que existem. É importante para o sistema esse apoio ao dinheiro. O dinheiro é assim, sustenta o sistema. Obrigado.
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EUCLIDES MANCE – IFIL (Instituto de Filosofia da Libertação) – Curitiba, Brasil É importante a construção desse aprendizado. Pelas práticas dos vários grupos muito se pode aprender com os demais. Cadeias produtivas O que são as cadeias? Elas contemplam todas atividades que envolvem aquele produto. O comércio, o preparo das coisas, os produtos, a produção, o comercio e o financiamento. Ela é, hoje, produzido pela lógica do lucro. Na economia solidária ela é organizada na perspectiva de uma vida para o povo. As redes Há redes em comércio, serviços, finanças mas estamos isolados. Há a proposta de integrar todos em rede. O consumo ético A primeira etapa a ser analisada é o consumo. Este consumo dá impacto na sociedade. Quando nós compramos somos coresponsáveis da exploração e a destruiçào do meio ambiente. Nosso consumo tem a capacidade de reproduzir a cadeia produtiva em uma direção ou em outra. Um produto que foi produzido atacando o ecosistema, estamos ajudando assim. A compra de produto solidário é diferente. Colabora-se com melhores condições de vida. O hábito de consumo tem uma dimensão ética e dimensão política. Quem aqui está usando produto da economia solidária? No nosso dia a dia, quantos vendem o produto solidário ou de economia solidária. Não adianta combater o capital apenas pelo discurso. O comércio solidário Como se faz para comprar os produtos solidários? Onde estão? É preciso que sejam criadas formas de comércio solidário – as feiras, as lojas da economia solidária, a entrega em domicílios. Já há livros orientando como o produzido pelo IFIL (em Curitiba). As práticas solidárias também ajudam e há sites www.redesolidaria.com.br. É possível comprar por bairro, etc. Há catálogos que facilitam a compra de insumos. Exemplo – o cachorro quente, os insumos podem ser comprados solidariamente. Comprar as coisas juntas, são mais baratas e sozinho ficam mais caros. Esta é a lógica das cadeias produtivas. A produção É também ver os insumos que estão sendo produzidos. Se esses insumos não ajudam aos produtos solidários então não posso combater o sistema capitalista. Temos de produzir de maneira solidária, para produzir toda a cadeia produtiva para, efetivamente, ser em outra lógica, o produto final. Ora, o lucro estará sendo voltado para outra cooperativa, e assim, por diante. Primeira coisa para organizar a produção: a) o que vai produzir? O que as comunidades compram? É preciso fazer levantamento para isto. Organizar cooperativas na comunidade e que em média fica a 20% mais barato. 10% vão a um fundo solidário e 10 fica para cada um associado. Assim, pode-se comprar mais e ter maiores rendimentos, atendendo à organização do produto comunitário. Assim, evita-se que o dinheiro da comunidade saia da comunidade. Uma compra de uma multinacional, boa parte vai até para fora do país.
403 Essas empresas da comunidade não pode ter qualquer tipo de opressão; segunda – a preocupação com o meio ambiente e a terceira é a autogestão da rede. Finança De onde sai o dinheiro? O financiamento vem de várias formas como o Banco de Palmas. A produção e venda e os recursos vêm aos bancos. O bem viver das pessoas Finalizando – a coisa mais importante é a solidariedade. É garantir o bem viver das pessoas. Sem ela nada funciona nessa perspectiva. Não é só pensar a economia, pois enquanto houver discriminação, de qualquer forma, não existe bem viver. Sem solidariedade não existe bem viver. É viver uma outra cultura, construir uma outra economia, e isto é a economia solidária.
PARTICIPAÇÃO DA PLENÁRIA Questões: 1. Como nós, assumindo a secretaria de projetos especiais, podemos estabelecer parcerias com o pessoal da rede de economia e o município de Duque de Caxias? 2. No processo de criação de alternativas, frutos da criatividade local, e há a posse dessas idéias através das patentes, como lidar com essas questões? 3. Não seria uma deformação do financeiro uma espécie de especialização para o aspecto financeiro, destacando funções? 4. a) Que elementos consideram importantes ou não, em uma experiência solidária? b) em relação ao mercado. A economia será construída fora do mercado capitalista, ou vamos construí-la a partir do seu interior, transformando-o? c) Os atores. É possível fazer essa articulação, ao invés de usar o conceito de cadeia, pois é produção, consumo e comércio e são integrados. Há alguma economia solidária só pela economia ou é preciso vincular a economia e política (atores políticos).
COMENTÁRIOS SANDRA MAGALHÃES Para Samuel de Duque de Caixas, temos disponibilidade para qualquer iniciativa nesse sentido de trabalho em parceria com as prefeituras. A economia solidária, como diz Marcos Arruda, estamos construindo o novo dentro do velho. Estamos no sistema capitalista e estamos criando outros espaços, baseados no conceito de desenvolvimento e sustentabilidade. Traz desafios, sim. Para nós do Banco Palmas, somos um barco navegando nas águas do capitalismo. Estamos querendo construir esse novo. Não é uma coisa paralela, tendo confiança na construção de outra economia. Exemplos são os do Forum Social, e estamos discutindo essa economia em vários lugares do país.
404 Com relação as ações políticas, consideramos como fundamental. Existem no Banco Palmas os nossos parceiros nacionais e internacionais, mas com pouca relação com o governo local(Prefeitura). Sabemos da importância das políticas públicas. Temos 30 mil habitantes com um dinheiro de 40 mil apenas. O Governo é importante nisso.
GIOVANNI ACQUATTI Sobre a idéia de trocar as palavras, acho mais importante é que quando se fala de finanças solidárias deve-se falar de organização controlada no local. No local tudo deve ser controlado e todos podem melhor estar juntos. No nível macro, a forma de apresentação de projetos devem ser mais organizados, separando de forma esquemática e especificamente. É verdade que o desafio é ligar tudo isso. E isso só é possível em local. O dinheiro local deve ser organizado em nível local para que a gente, os cidadãos entendam que o dinheiro está sendo utilizado para o seu próprio desenvolvimento. A nível local é possível conhecer as pessoas, portanto, não é necessário cobra-se mais garantia. Isto só é possível em nível local. O mais importante é fazer as coisas e, depois, a gente como vamos nos conduzindo. Assim, a economia solidária pode se desenvolver. Ora, o dinheiro local deve ser organizado de forma local. É preciso pensar que o dinheiro deve se usado, como poupança, e ser mais usado no local. Eu colaboro com a prefeitura mas depois de 15 anos de experiência própria. Na Itália, quando recebo pedido de financiamento, eu vou até o local para analisar o conhecimento das pessoas sobre as questões ligadas ao empreendimento. Financiar as pessoas, exige reuniões com as pessoas. Mais importante é a confiança nas pessoas e não as garantias administrativas. Fora de meu território, eu não faço nada. Sem esse contato não se pode investir. Sobre o mercado – se está dentro ou não da economia capitalista. Não me questiono sobre isto. Penso que é possível fazer coisas e depois buscar contatos. É importante realizar algo. Os contatos com o pessoal político só foram feitos após 15 anos de trabalho. A autoridade local é que depois buscou a nós. Acho que se estamos dentro ou fora da economia capitalista é difícil saber isso. Acho mais importante fazer e buscar formas de as pessoas criarem seus negócios e os contatos vão vindo naturalmente.
EUCLIDES MANCE Já há políticas nessa direção, no livro sobre Redes, mostrando políticas com troca de vários formas e no atual governo isto vai aumentar. Há bastante coisa já em andamento. Há um conjunto de políticas públicas e é possível realizar seminários sobre isto. Sobre as patentes, destacamos o Santo Daime. Hoje, o chá está patenteado por uma multi americana. Há outros como a polpa do cupuaçu, sendo patenteado por um grupo japonês. Há uma luta política para se respeitar esse saber do povo e dos índios, ressaltando um conjunto de tecnologia e conhecimento que precisam ser compartilhados de comunidades várias. Há uma pirataria que precisa ser combatida. Elementos que identificam a economia solidária: autogestão, democracia, participação na produção e consumo, compromisso com o bem viver e colaborar com outros empreendimentos. Há um acúmulo nessa perspectiva, havendo vários livros. O fundamental é o compromisso com a democracia, compromisso, em combater qualquer forma de opressão.
405 Em relação ao mercado, sabe-se que funciona sob a escassez. Ora, a economia é a ciência que cuida da escassez. Havendo excesso de produção, na lógica da economia, deve haver a queima desse excesso. Quem tem dinheiro para pagar paga e outros não. Mas a solução pode ser outra. Como em Santo Rei, no RS, os produtores de cebolas ligaram à cooperativa solidária que fizeram outras ações e não chegou ao prejuízo. O dito mercado da economia solidária não é mercado. É algo outro. Na Europa há marca de produtos solidários. Mesmo dentro do capitalismo é importante valorizarmos os produtos solidários. Os processos e outros atores. Acho importante voltar-se aos sindicatos, Estado .... e por isso que é preciso termos de avançar na economia. Mesmo nesse governo, isto ainda não está muito claro.
QUESTÕES 1. Em todo o processo há a questão da mais valia. Como é que a mais valia é socializada se é pela via da distribuição ou outra forma. Estamos socializando a mais ou reproduzindo o capitalismo? 2. Como enfrentar o problema da valorização do dinheiro e o real. Quando se imprime dinheiro, há um lastro com o dinheiro real. 3. O que a economia solidária está fazendo ao nível da conscientização para que essa economia ou os seus produtores não resvalem para o mercado capitalista. 4. Como envolver os parlamentares na discussão da economia solidária? 5. Pensar politicamente e agir politicamente, devemos entrar nos governos para oferecer nossas sugestões ou esperar mais como aponta o Giovanni? 6. Qual o índice de inadimplência nos empréstimos do Banco Palmas e qual o nível de autonomia do Banco e entidades em relação ao governo? 7. Qual a autonomia da economia solidária dentro das leis e não, necessariamente, do governo? COMENTÁRIOS SANDRA Quanto à paridade da moeda do banco e real. Temos os Palmares e Palmas. Nossa moeda só funciona nos clubes de troca, realizado semanalmente. Ela não tem lastro em reais mas em produtos. Às sextas-feiras, os produtos das pessoas são apresentados e fixam o valor do produto. No clube a paridade é de 1 para 1, Palmares. Com um Palma, há um lastro em reais. Tomamos 50 mil reais e fizemos 51 mil Palmas. Houve muitas dificuldades para a aceitação do Palma. Temos a discussão, de continuarmos ou não com diferentes moedas. A discussão continua. Envolver parlamentares é um desafio, além de outras organizações. Temos no Ceará, a rede de economia solidária, produção, comércio .... e assim aprovou-se um projeto de lei pelos parlamentares, carecendo, agora, de regulamentação. Mas a nossa comunicação é também feita de forma capenga. Às vezes, as pessoas não apoiam porque não conhecem.
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Precisamos ter claro o que estamos trabalhando e fazendo, pois assim, entramos em contatos com todos que desejarem nos ajudar. Vamos tentar parceiras e furar esquemas, construindo o processo que queremos, utilizando poderes instituídos.A nossa inadimplência é de 3%. Os maiores índices foram com os cartões de crédito que chegou a 5% . Mas o nosso desejo é todo mundo viver bem e não propriamente o dinheiro. Este é um instrumento capaz de tornar as pessoas mais responsáveis para com a sua vida. Há pessoas que mesmo inadimplentes, nós emprestamos.
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Quanto a autonomia, temos parcerias com a incubadora da Prefeitura. Mas nas eleições eles estão lá, pedindo votos. Na última eleição, eles estiveram pedindo nossos votos para o Serra e nós votávamos em Lula. Estamos para construir juntos, conversando com todos eles, com o Sebrae, para desenvolver o nosso projeto. É importante ter a clareza de aonde se quer chegar.
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Sobre a questão política. Na Itália, participo de uma rede de economia solidária existente e assim na Itália, também. Esta rede, em outro nível, existe uma organização chamada de LILIPUT. São pessoas que organizam pessoas que buscam organizar-se localmente. Há grupos de aquisições vários e é possível se ver que a solidariedade é importante para juntar essas pessoas. Os políticos estão levando em conta essa rede. Os políticos estão em qualquer reunião. Nessas, eles também aparecem. Há um confronto constante no que diz respeito à autonomia desses grupos. A pergunta é: como fazer que as nossas idéias cheguem ao parlamento italiano, sem se comprometer com esses políticos e garantindo que as nossas idéias cheguem até o parlamento. Construir um partido? A resposta é não. É preciso que as idéias estejam mais abertas para que se busquem alternativas de sociedade. Ora, a base precisa estar mais e mais organizada para se ter força interna. Precisam estas bases se tornarem referenciais a esses políticos.
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Hoje, no Brasil, avança-se com a criação de uma economia solidária. Na Itália está difícil chegar-se a este nível. Mas, se estas organizações começam a se fortalecerem, como 2 milhões de pessoas que foram até Roma para se opor à lei da emigração. O importante, contudo, é manter-se na força da idéia, fazendo-as chegar até ao parlamento.
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Na economia solidária não há mais valia. Os saldos, entretanto, podem ser reinvestidos para empreendimentos outros solidários. A distribuição de riqueza se dá pela remuneração do trabalho e cada rede tem sua autonomia. De maneira autônoma e democrático, urge a decisão por sua própria organização local. De forma mais geral, é importante aumentar ao máximo essas experiências de rede de economia solidária. Se numa cidade aumenta-se um só produto, isto é um risco estratégico. Para a rede, é mais importante montar várias empresas para desconcentrar riqueza e não concentrar riquezas. O importante é a consciência solidária. Diante do Estado, é necessário manter-se autonomia. No estado se mudam os governos mas a economia solidária precisa manter-se autonomia. É importante que haja legislação específica e que se dê suporte à essa economia.Dianto à ação política e outros atores, é importante que ela se transforme em projeto estratégico com uma visão específica de educação, cultura ... Há necessidade de uma visão estratégica, tal como pensa Paulo Freire. A economia é política enquanto que cada um seja sujeito de sua libertação.
TARDE Relatório das oficinas por questões METODOLOGIA OFICINA PRODUÇÃO 1- De que maneira se dá todo o processo de produção em uma empresa tradicional?
A experiência relatada é a de um processo de produção em uma metalúrgica e destaca que os trabalhadores conhecem as partes da produção e não conhecem o produto integralmente. Outra experiência relata que na produção de peças para o uso em hospitais (vestimentas dos médicos, enfermeiras e pacientes) conhecia a peça pronta mas a produção era também “partida”.
As experiências de grandes e pequenas empresas apresentam as mesmas limitações – o trabalhador é “apen uma parte da produção.
OFICINA CONSUMO 1- De que maneira se dá o consumo no mercado capitalista que hoje vivenciamos?
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No mercado capitalista as coisas custam caro. Então a gente se guia pelo mais barato. A moradia e alimentos são mais caros.
Há inflação dos preços. Os produtos são industrializados e favorecem muito a embalagem. “O barato sai ca (refrigerantes, produtos com tóxicos fazem mal à saúde – então a gente os paga duas vezes). As pessoas estão prisioneiras da publicidade. Ela cria obrigações ( Ter TV, computador, etc) Em geral, a informação dos produtos existe, mas é insuficiente: os produtos da alimentação tem mais informação, os produtos como a roupa tem menos informação.
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 1- De que maneira se dá a comercialização no mercado capitalista que hoje vivenciamos?
O mercado é voltado inteiramente para o lucro, para o acúmulo de capital sem se preocupar com o consumidor qu marginalizado do processo de produção e induzido ao consumo do produto rotulado como bom ou ruim.
Sem nenhuma condição de avaliar a veracidade desta informação. A propaganda enganosa é a arma mais usada assim como subterfugios a metodologia cruel da cultura da indução. Na variedade dos produtos que oferece a preocupação é com a quantidade a ser consumida e não com a qualidade do que é oferecido.
OFICINA CRÉDITO 1- De que maneira se dá o crédito no mercado capitalista que hoje vivenciamos?
O grupo fez uma reflexão a respeito das experiências pessoais e coletivas na busca de aquisição de crédito n mercado capitalista. -
Há uma grande dificuldade de acesso ao sistema fnanceiro em função das exigências legais; O sistema financeiro provoca uma grande dependência, quando se chega até ele, em função da política juros altos, promovendo assim a escravização das pessoas e do coletivo que a ele acessam; Isso prejudica o processo produtivo; O crédito é dada a quem, a princípio, tem o capital, ou seja, não existe crédito para quem não tem capita inicial.
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METODOLOGIA OFICINA PRODUÇÃO
2 - De que maneira acreditamos que esse processo se daria em uma proposta da socioeconomia solidária? Esse processo é expresso pelos participantes como “difícil” – ou seja a passagem do processo de trabalho num empresa tradicional para uma empreendimento de economia solidária. Debateu-se questões sobre uma cooperativa e uma empresa e sua diferenças. O grupo revela que empreendimentos solidários devem adotar alguns aspectos de empresas tradicionais. Acrescentam que em uma empresa o lucro é para o empresário e nos EES o “lucro” (as sobras) é dividido.
OFICINA CONSUMO 2 - De que maneira acreditamos que o consumo se daria em uma proposta da socioeconomia solidária?
Consumo de produtos de qualidade, produzir localmente. Produtos limpos – a informação pode se dar pela relação pessoal entre consumidores e produtores. Se diminuir o consumo de produtos inúteis como os refrigerantes.
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 2 - De que maneira acreditamos que a comercialização se daria em uma proposta da socioeconomia solidária?
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Dar-se-ia com uma distribuição mais justa na cadeia produtiva. Preocupando-se em abranger maior número consumidores oferecendo produtos que se destaquem mais pela qualidade que variedade.
Pela conscientização desde o produtor originário até o consumidor sem que o lucro seja o objetivo maior. O trabalho não é calcado sobre o lucro, mas sobre o seu resultado, tendo a ética como base de todo o processo onde a propaganda é feita dentro de critérios de informações verdadeiras.
É importante conhecer bem as armas usadas pelo mercado capitalista para poder se defender dele. Preocupa se em substituir a sua lógica.
OFICINA CRÉDITO 2 - De que maneira acreditamos que o crédito se daria em uma proposta da socioeconomia solidária?
Há uma ideologia embutida no agente credor.
Geralmente fora do sistema oficial, temos por exemplo, as Igrejas, outras instituições que possuem recursos possuem sensibilidade para que sejam socializados com grupos populares que desejam investir na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Investimento com retorno social; Há que se buscar esses agentes com sensibilidade social foram do circuito oficial;
Há uma responsabilidade pessoal e coletiva de quem recebe o crédito. Entendendo que o recurso que recebe fruto de cooperação: Há um valor maior do recursos recebido.
O crédito objetiva a autonomia e humanização das pessoas. Será investido na melhoria da qualidade de vida Contrário a escravidão
METODOLOGIA OFICINA PRODUÇÃO 3 - Como se dá hoje o processo produtivo nas organizações econômicas populares das quais fazemos parte?
421 Falta conscientização para questões coletivas;
Há pouca responsabilidade pois alguns trabalham muito e outros trabalham pouco ou não cumprem os acor combinados; Há dificuldade em realizar ações verdadeiramente cooperativas – “muitas de cooperativa só tem o nome”;
Há “vícios” que os trabalhadores carregam em função da experiência em processos tradicionais de produção
OFICINA CONSUMO 3 - Como funciona hoje o consumo nas organizações econômicas populares das quais fazemos parte?
Uma cooperativa habitacional mixta pesquisa valores e preços antes de comprar. Pesquisa no mercado capitalista porque não há cooperativa de produção solidária de materiais de construção localmente. Outra cooperativa de artesanato não tem escolha para comprar os materiais, os preços também são iguais. A oferta para o consumo ainda para as organizações e (...) populares é muito estreita. Por exemplo: existe cooperativas de produção de materiais para casas, mas só em São Paulo.
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 3 - Como funciona hoje a comercialização nas organizações econômicas populares das quais fazemos parte?
No grupo foram relatadas 4 experiências: Tecelagem manual, hortaliças, cooperativa de pães e radio comunitária.
Para tecelagem reconhece-se ainda a necessidade de comercialização via intermediário para garantir colocaçã do produto no mercado.
A horta comunitária foi usada como eco limite para deter a favelização da área e se transformou em forma de ajuda a jovens de risco. Estes jovens são os donos da roça. A comercialização se dá com a venda do produto para a comunidade local. O produto excedente é doado ao que não têm condição de comprá-lo. Há ainda a Feira de Trocas, onde as barracas são administradas pelos jovens em recuperação.
Cooperativa de pães – 30 pessoas são beneficiadas. A dificuldade maior se deu no início do empreendimento Foi preciso contar com a Prefeitura que deu o suporte maquinário. O resultado foi a oferta de pão a menor preço e de boa qualidade.
A rádio comunitária não calca seu trabalho no lucro e sim na prestação de serviços. Para sua manutenção util recursos como: permuta de produtos – comercialização baseada em valores diferenciados – espaço de divulgação de atividades da comunidade e de promoção de artistas locais.
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OFICINA CRÉDITO
3 - De que maneira se dá hoje o acesso ao crédito para as organizações econômicas populares das quais fazemos parte? Consideramos que as organizações adquirem recursos com iniciativas internas e no estabelecimento de parcer da sociedade civil organizada.
Temos poucas experiências de organizações da socioeconomia que atuam na linha de crédito e que os grupos poss Ter acesso a exemplo do Banco Palmas. A nosso ver as experiências estão mais voltadas para o campo da produção e não do crédito, dificultando o acesso .
Assim temos fundo criados no interior das organizações que são alimentadas com a contribuição dos próprios cooperados.
METODOLOGIA OFICINA PRODUÇÃO 4 - Como sair do estado em que nos encontramos para chegar ao que apontamos como processo produtivo em uma proposta de sócioeconomia solidária? (ver questão dois)
Reeducação para todos os cooperativados ou envolvidos nas EES; Processo educativo através da prática;
Elaboração de um regimento interno, discutido por todos, para conscientização das regras de funcionamento Debate permanente e reflexão sobre o funcionamento do EES;
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Comprometimento individual para coletivo; Criação de um fundo para o financiamento básico das produções.
OFICINA CONSUMO 4 - Como podemos transforma a nossa lógica de consumo para o que apontamos como consumo em uma proposta de sócioeconomia solidária? (ver questão dois) Como contribuir para que esta transformação também se dê na sociedade como um todo?
Podemos comprar mais casas de cooperativas , ou seja, investir mais em cooperativas. A presença da cooperativa obriga o mercado capitalista a melhorar a qualidade de seus produtos. Melhorando a nossa auto-estima através de mais atos econômicos. Produzindo nós mesmos produtos que precisamos para produzir. Ter uma cooperativa que desse crédito para comprar produtos que precisamos para produzir.
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 4 - Como podemos transformar nossos processos de comercialização para o que apontamos como o que seria a comercialização em uma proposta de sócioeconomia solidária? (ver questão dois)
Acredita o grupo que a transformação só será possível se a preocupação com a ética for uma constante. Deve-s procurar por todos os meios integrar os diversos setores da produção de forma a garantir a criação de uma rede solidári
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OFICINA CRÉDITO 4 - De que maneira sair da situação em que nos encontramos para chegar ao que seria o crédito em uma proposta de sócioeconomia solidária? (ver questão dois)
Há princípios humanitários e éticos a serem reafirmados: É preciso uma ação pautada mais no amor. É preciso uma ação pautada mais na cooperação. É preciso uma nova sensibilidade para também se construir o crédito humanizador. É preciso construir iniciativas micro de uma nova cultura da solidariedade: pessoal, no ambiente familiar, comunitário, local para se construir a economia solidária. O melhor exemplo é o Banco de Palmas. Necessidade de fomentar experiências nesta linha: crédito solidário
POLÍTICAS PÚBLICAS OFICINA PRODUÇÃO 1 - De que maneira as políticas públicas hoje existentes interferem positiva ou negativamente na produção das organizações econômicas populares?
Dificuldades de obter financiamento para iniciativas populares. Protecionismo político para definir que projetos serão apoiados. Excesso de burocracia.
A Concorrência para o serviço público (licitação) envolve burocracia e dificulta a participação das cooperativa A taxa de ISS é alta para as cooperativas em fase de incubação. Há necessidade de mudanças na legislação municipal, estadual e federal que diminuam as exigências para cooperativas e grupos populares. Necessidade de ter documento autorizando exposição e venda de produtos.
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Positivos: Programa público da Prefeitura que pensa a inclusão de pessoas apoiando diversas iniciativas (ABC paulista); Cessão de espaços públicos e parceria entre Prefeitura e cooperativas de reciclagem – realização dos trabalhos grupos.
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 1 - De que maneira as políticas públicas hoje existentes interferem positiva ou negativamente nos processos de comercialização realizados pelas organizações econômicas populares?
As políticas públicas para a área das crianças / adolescentes na linha da socioeconomia solidária não respondem por são criadas de cima para baixo, geralmente por quem não tem envolvimento direto com os grupos. As leis atuais colocadas não permitem aos grupos produzir e comercializar, o que faz com que muitos não se fortaleçam. Há um contrasenso entre a legalidade e a realidade em matéria de políticas públicas na maioria dos casos a população ainda depende do poder legislativo em matéria de elaboração de leis, por isso é importante trabalhar com aqueles políticos que estão comprometidos com as OEPs.
Na Comissão Municipal de Emprego (CME) de Itaguaí, após um processo de enfrentamento de conflitos e desafios se priorizou a capacitação da comissão como um todo: poder público, trabalhadores e empresários. Pelas características do município, meio rural / urbano e banhado pelo litoral, os desafios são: inserir os pequenos produtores rurais, trabalhadores urbanos e empresários. As iniciativas atuais permitiram a inserção dos artesãos, das doceiras etc., partindo dos cursos de capacitação anual.
Muitos trabalhadores, principalmente os homens, não conseguem persistir nos empreendimentos, porque existe uma cobrança da sociedade (família) para que trabalhem com carteira assinada.
Falta de organização de base e de uma consciência cidadã dificulta a intervenção e a participação na formulaçã de políticas públicas.
A maioria dos poderes públicos nas várias instâncias apresentam programas sociais imediatistas , muitas vezes sem continuidade, a população recebe o pacote pronto e quase sempre não questiona, devido as mas condições de vida (famílias assistidas). A tendência dos trabalhadores é ouvir os que dizem “saber”mais (técnicos / acadêmicos) e não participar da formulação e elaboração de políticas públicas que partam de suas realidades. Mas há exceções, os exemplos estão nas administrações populares – orçamento participativo e o próprio exemplo de organização do Conjunto Palmeiras em Fortaleza / CE
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OFICINA CRÉDITO 1 - De que maneira as políticas públicas hoje existentes interferem positiva ou negativamente no acesso das organizações econômicas populares ao crédito?
É impossível operar créditos se não for por meio de políticas públicas. Há camadas da população que não necessitam somente de crédito, pois necessitam de muito mais. É necessário um processo de inclusão social. Eles não são considerados economicamente ativos. Como fazer ? Formular propostas e encaminhar para os nossos governantes, parlamentares , vereadores. Faltam políticas públicas para atender às camadas “ abaixo da linha da pobreza” (excluídos). Faltam elos nesta cadeia, fazer uma corrente de propostas. Os fóruns trazem os problemas da ponta para que se faça uma discussão. É o lugar adequado.
O crédito é discriminatório. Política pública é outra coisa. Um contraponto é trazido. Se existem políticas públicas que possibilitam a formação, mas não existem
Recursos, não adianta saber fazer se não houver meios materiais para isto. Tem que ser feito com todos os elos da cade até a comercialização. Há um projeto integrado em Santo André que trabalha numa perspectiva que prepara o cidadão em seus diversos âmbitos , desde a educação até a geração de trabalho e renda.
No crédito também é necessário haver solidariedade. O que o crédito dá tem que retornar para todos. Há um gargalo. Mesmo para montar uma cooperativa, existem tantas exigências que se forma uma barreira, apesar de se ter condições materiais para realizar a cooperativa. As cooperativas tem um ICMS de 18%. Esse dinheiro é geralmente levado pelos corruptos. Na prática, não se consegue chegar aos recursos destinados para as cooperativas. Os gargalos não permitem.
Na Venezuela, em 2000, foi criado o Banco do Povo e em 2001 o Banco da Mulher. Isso se deu em nível federal. Hoje esses bancos estão fazendo um trabalho social antes de dar os créditos. Se não é o “papai governo” sem que haja uma cultura para tal. Pode se ter acesso ao crédito, mas há um processo muito lento de educação.
Um outro aspecto levantado é o fato de que as cooperativas só podem trabalhar com crédito, sem poder trabalhar com poupança. É necessário integrar o crédito às políticas sociais, que também devem ser integradas. Propomos que se adot termo Política Integrada de Inclusão Social, que tem o crédito como uma de suas pernas. Não queremos nos limitar ao crédito. Ao se pensar em verbas, é preciso pensar uma política de inclusão total para que o cidadão possa chegar ao crédito.
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POLÍTICAS PÚBLICAS OFICINA PRODUÇÃO 2 - Que políticas públicas desenharíamos para área de produção em uma proposta de sócioeconomia solidária?
Quebrar barreiras na lei de licitação para empreendimentos populares. Cobrar programas de qualificação profissional com tecnologia moderna.
Criar lei para destinar prédios de empresas falidas para projetos sociais prédios públicos para abrigar os grupo de produção.
Fornecer bolsa de estudo durante o período de qualificação, para que os empreendedores possam se qualificar. Definição de programas de apoio permanentes, sistemáticos para iniciativas de economia solidária. Que recursos do FAT e do BNDES possam ser reservados para programas de economia solidária. Que os recursos do FAT e do BNDES possam ser reservados para programas de economia solidária. Que os recursos do FAT e do BNDES possam ser reservados para programas de economia solidária. Redução dos impostos sobre cooperativas. Agilizar a liberação de verbas para projetos de qualificação profissional.
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 2 - Que políticas públicas desenharíamos para área de comercialização em uma proposta de sócioeconomia solidária? Política participativa de discussão dos orçamentos municipais envolvendo quem está trabalhando em OEPs.
Apresentar a proposta da socioeconomia solidária ao poder público e pressiona-los para que se comprometam com projeto. (Re)formular a legislação existente partindo da visão de quem está inserido neste contexto. Discutir nos grupos a democracia participativa, integrada ao econômico que permitam o exercício pleno da cidadania. Fortalecer a comunicação como elemento de integração da cadeia produtiva. Desenvolver um projeto de marketing agressivo para divulgação do projeto da cadeia produtiva, dentro da
428 socioeconomia solidária.
Comunidades (grupos organizados), Poder público, Universidades e ONGs sérias, em conjunto, desenvolverem a formação técnica e política que permitam a participação cidadã.
Elaborar e apresentar um projeto de políticas públicas de curto, médio e longo prazo para a cadeia produtiva que tenha claro a comercialização justa e solidária.
OFICINA CRÉDITO 2 - Que políticas públicas desenharíamos para área de crédito em uma proposta de sócioeconomia solidária?
Participamos do curso Pequenos Empreendedores do SEBRAE. Existem negócios que nos colocavam um gran risco. Como saber se conseguiríamos vender nosso produto? Existem políticas públicas que excluem as cooperativas.
Para trabalhar com a diversidade é preciso acreditar na diversidade, dentro de políticas integradas. É important lembrar que há um novo governo no Brasil. Temos uma Secretaria de Economia Solidária. Temos que interferir para ampliar o repasse dos fundos públicos para a economia solidária, ampliar a oferta de créditos do Banco Popular. A Secretaria de Economia Solidária deverá disponibilizar assessoria jurídica para nos ajudar na criação de novas instituiç de crédito popular, buscando democratizá-las, dentro de uma visão social da Economia solidária.
429 POLÍTICAS PÚBLICAS OFICINA PRODUÇÃO 3 - Como as organizações econômicas populares se organizam hoje para estarem presentes na elaboração, monitoramento e avaliação de políticas públicas voltadas para produção?
Tem se organizado através de Fóruns e Redes de Sócioeconomia solidária para viabilizar propostas coletivas c intercâmbios de experiência que fortalecem as cadeias produtivas.
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 3 - Como as organizações econômicas populares se organizam hoje para estarem presentes na elaboração, monitoramento e avaliação de políticas públicas voltadas para comercialização?
CMEs, fóruns de cooperativismo, associações, redes, nas formações permanentes para cidadania, nos vários conselhos direitos...
OFICINA CRÉDITO 3 - Como as organizações econômicas populares se organizam hoje para estarem presentes na elaboração, monitoramento e avaliação de políticas públicas voltadas para o crédito?
Fazemos seminários, fóruns. Foi constituído um Fórum de economia Solidária. Faltou divulgação, falta a gente se conhecer melhor. Se tivéssemos esta gama de conhecimentos de outros empreendimentos solidários, seria diferente. O Fórum Nacional de Economia Solidária deveria ser aberto e agregar estas diferentes experiências. Este Fórum Naciona deveria promover encontros regulares, semestrais, para que possamos ter interferência nas políticas públicas, inclusive crédito.
A rede precisa ser mais aberta, a informação tem que ser socializada, e nós temos que nos organizar para participarmos
POLÍTICAS PÚBLICAS OFICINA PRODUÇÃO 4 - Como podemos avançar na organização das OEPs para alcançar as propostas de políticas públicas que desenhamos para produção no âmbito sócioeconomia solidária?
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Criação de um controle social de fiscalização de funcionamento e acompanhamento para ONGs, Cooperativas, Associações “Sem fins lucrativos” e similares.
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 4 - Como podemos avançar na organização das OEPs para alcançar as propostas de políticas públicas que desenhamos para comercialização no âmbito sócioeconomia solidária?
Fortalecer o FCP, etc; Priorizar a organização comunitária; Criar espaços de participação e socialização de conhecimento sobre economia solidária, nos conselhos municipais: emprego, educação, assistência social, crianças e adolescentes, etc. Divulgando e incentivando o consumo dos produtos da sócioeconomia solidária.
OFICINA CRÉDITO 4 - Como podemos avançar na organização das OEPs para alcançar as propostas de políticas públicas que desenhamos para crédito no âmbito sócioeconomia solidária?
O grupo não respondeu essa questão.
PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 1 - Como se dá hoje a participação das sociedade civil e qual sua interferência (positiva ou negativa) nos processos de comercialização das organizações econômicas populares? A participação da sociedade civil retrata sua forma fragmentada de ser, de se organizar segundo princípios capitalistas. Acreditamos que, dessa forma a relação é positiva pela permissão e encorajamento na consolidação do processo comercial com OEP. No entanto é negativa por abarcar os parâmetros de inclusão do usufruto da parcela excluída da população (que são resultado do atual aspecto da sociedade atual. A sociedade civil não é um todo homogêneo. Em seu interior coexistem grupos de interesses e marginalizados e excluídos do sistema, influenciados pela propaganda e a educação consumista.
431 Por isso setores majoritários têm uma relação distante com as oeps expressada em: desconfiança, descrédito, desconhecimento e não valorizaçào. Preferem produtos de marca e de exportação com “qualidade”, preço e desenho.
OFICINA PRODUÇÃO 1 - Como se dá hoje a participação das sociedade civil e qual sua interferência (positiva ou negativa) nos processos produtivos das organizações econômicas populares?
Numa organização em que se presta serviço, há interferência negativa do narcotráfico na direção da entidade, pois os cooperativados vão se queixar com o narcotráfico quanto às decisões tomadas. Por outro lado, conseguiram resgatar pessoas que estavam envolvidas com atividades ilegais.
Na Pastoral de Favelas há também interferência do narcotráfico, mas ainda são respeitados, pois tentam apoia grupos de produção. Além de instituições religiosas, contam com o apoio de pessoas mas não conseguem financiame para a produção. Há contribuição de ongs para grupos de produção. Uma questão precisa ser refletida: Há um olhar diferenciado pela sociedade civil quando a produção é mais solidária , ou a sociedade trata de maneira diferente?
Na experiência da COOPERCOM, com venda de jalecos, percebemos que as pessoas olham de forma diferen muitas compram porque sabem que são grupos de mulheres que estão produzindo. Já a Cajcoop teve uma experiência negativa com a Globo que não queria pagar pelo serviço, porque achava que deveria baixar o preço e retirar o 13, férias, etc. Não vimos nenhuma sensibilidade. Na Seop, neste momento, a produção é financiada por entidade da sociedade civil no exterior, mas precisam incrementar a comercialização para garantir a sustentabilidade do projeto.
A experiência de produção das casas em mutirão teve início através da iniciativa de um sacerdote , de uma o , da PUC e de uma pessoa. Já possuem 22 casas inauguradas. Contaram no início com a interferência negativa de um fazendeiro vizinho. Também Ipiiba contribuiu para o desenvolvimento do bairro. Sempre há interferência da sociedad civil. Quando as comunidade são organizadas, as interferências tendem a ser mais positivas.
OFICINA CONSUMO 1 - Como se dá hoje a participação das sociedade civil e qual sua interferência (positiva ou negativa) nas políticas de consumo? (definição do que, quando e como consumir)
432 Não há uma organização dos consumidores para resistir à lógica do consumismo, influenciados pela pressa, pelo imediatismo e pelo baixo poder aquisitivo e pela influência da propaganda que é muito grande e entretanto, existem pequenas iniciativas que privilegiam produtos de pequenos produtores (supermercado cristal, por exemplo), alcançando reconhecimento. O exemplo da Venezuela que com a retirada dos produtos americanos trouxe o crescimento (criação) de 2000 cooperativas em 1 ano. Inverteram o hábito cultural de importar 80% do que consomem. Outro exemplo é o surgimento de algumas empresas que valorizam a produção nacional, como a pasta de dentes “ contente” ou 1 pilha feita com tecnologia brasileira.
PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 2 - De que maneira acreditamos deveria ser a participação da sociedade civil no que tange a comercialização dentro de uma proposta de sócioeconomia solidária? É preciso integrar os setores da sociedade a partir da solidariedade única de cada indivíduo. É preciso ser solidário para conversar sobre as necessidades, conscientizar sobre como o processo deve ser conduzido, a partir da realidade de cada indivíduo. Prioriza-se então educação, adaptação, aproximação entre produtores e consumidores. Devemos desenvolver campanhas de conscientização através de meios de comunicação comunitários. É necessário levantar a auto-estima e identidade sobre si próprio. Organizar cooperativas, associações e comunidades de produtores, comerciantes e consumidores, buscando suas interelações e articulações de projetos comuns. Promover a formação de consumidores críticos e solidários.
OFICINA PRODUÇÃO 2 - De que maneira acreditamos deveria ser a participação da sociedade civil no que tange a produção dentro de uma proposta de sócioeconomia solidária?
A sociedade civil em muitos casos apoia, as vezes financia. O mutirão da amizade, em Nova Iguaçu, atende a várias demandas: botijão de gás, remédio, etc. Pessoas que antes se aproveitavam disso hoje contribuem. É um “banc uma referência. Quem está apertado vai lá. Quebra de tabus: preconceito, pobreza, etc. Agora estão batizando de “mutirão da caridade”. O dinheiro vem de coletas das igrejas e eventos comunitários.
Há necessidade de maior articulação em rede do que é produzido. Todos os grupos deveriam ter um cadastro onde se encontram os produtos. Houve também a idéia de um caminhão com produtos e serviços circulando nas comunidades.
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OFICINA CONSUMO 2 - De que maneira acreditamos deveria ser a participação da sociedade civil no que tange ao consumo dentro de uma proposta de sócioeconomia solidária?
A sociedade civil deveria se organizar para levar este tema através de associações de moradores, igrejas, escolas, entre outras. Isto exige um processo educativo no qual as escolas públicas e privadas possam reformular práticas de desperdício e adesão ao sistema de mercado, tendo um papel essencial para as mudanças. Neste sentido, a sociedade civil deve apresentar propostas para a modificação do próprio currículo escolar. Boicotar certos produtos que envolvem exploração social. Como exemplo: a boneca Barbie denunciado por uma representante do movimento de mulheres da Indonésia em um encontro. Exploração infantil na produção das bonecas e a destruição realizada pela Aracruz Celulose tendo haver com o consumidor de papel.
PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 3 - De que maneira as organizações econômicas populares procuram envolver a sociedade civil na discussão / ação sobre os limites e avanços da comercialização em empreendimentos populares? Através da comunicação, processos de divulgação por meio de rádio (comunitárias ou não) a fim de divulgar e chamar a sociedade para o conhecimento do que se está fazendo. Outro meio seria mostrar o “porquê” da razão daquela organização econômica. Principal é a organização e formação de produtores e consumidores deste processo. As oep devem promover os produtos locais e os benefícios para a saúde e geração de emprego que possibilitam. Construir identidade local, mostrando porque é importante comprar nas oeps. - Dinamizar a economia local. - Oferecer produtos e serviços de qualidade. - Reinvestir na comunidade.
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OFICINA PRODUÇÃO E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL 3 - De que maneira as organizações econômicas populares procuram envolver a sociedade civil na discussão / ação sobre os limites e avanços da produção em empreendimentos populares? A CAJCOOP conseguiu financiamento da Comunidade Solidária para um curso de marcenaria para jovens a partir de 16 anos. Gostaram do efeito gerado nesses jovens. Em Ipiiba há abertura para a produção de outros produtos como: farmácia viva, multimistura (pastoral da criança). O Centro Comunitário, situado em Parque Paulista, Duque de Caxias, conseguiu, com ONGs e articulação com a prefeitura, tratamento de pessoas com necessidades especiais
OFICINA CONSUMO 3 - De que maneira as organizações econômicas populares procuram envolver a sociedade civil na discussão / ação sobre consumo ético e equitável em empreendimentos populares e na sociedade como um todo? Estão fazendo pouco, ou parte pela pressão da luta pela sobrevivência, preocupando-se com a venda mas sem a divulgação ideológica. Há necessidade de solidariedade dentro e entre os grupos assim como da divisão de tarefas. Necessidade de lançar uma campanha nacional e internacional a respeito da economia solidária.
435 PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 4 - De que forma poderíamos envolver a sociedade civil na discussão / ação sobre os limites e avanços da comercialização em empreendimentos populares de maneira a alcançarmos o nível e tipo de participação que apontamos como ideal em uma proposta de sócioeconomia solidária?
Despertar a confiança no trabalho do grupo da economia solidária, mudar os conceitos de consumo da sociedade, capacitação na comercialização de produtos oferecidos. Desenvolver a confiança na relação entre oeps e a sociedade. Não só pelas oportunidades que dão, ingresso em empregos, dinamizam a economia local, contribuem para o desenvolvimento.
OFICINA PRODUÇÃO E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL 4 - De que forma poderíamos envolver a sociedade civil na discussão / ação sobre os limites e avanços da produção em empreendimentos populares de maneira a alcançarmos o nível e tipo de participação que apontamos como ideal em uma proposta de sócioeconomia solidária?
Chamando para conhecer as formas associadas de produção. Dizer qual é a proposta. Produtos de boa qualidade. Bonitos, bem embalados. Criação de um selo de qualidade e campanhas esclarecedoras sobre o significado deste selo. Necessidade de articulação de vários segmentos da sociedade civil. Envolver quem nunca ouviu falar. Criação de um jornalzinho que corra em todas as comunidades. Tentativa de articulação de grupos de produção local.
OFICINA CONSUMO 4 - De que forma poderíamos envolver a sociedade civil na discussão / ação sobre consumo ético e equitável em empreendimentos populares e na sociedade como um todo, de maneira a alcançarmos o nível e tipo de participação que apontamos como ideal em uma proposta de sócioeconomia solidária?
436 Desenvolvendo a coerência nas nossas próprias práticas. Foi levantado um exemplo concreto de que poucos dos integrantes deste seminário praticam consumo solidário neste encontro. O copo descartável, neste tipo de encontro, fica como uma incoerência. Se dar conta deste tipo de situação e modificá-la é um dos caminhos possíveis. Será que podemos mexer com esta questão dos copos plásticos ainda neste seminário? Cada carioca trazer 3 a 4 copos para distribuir aos participantes.
RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA OFICINA CONSUMO 1 - Como avaliamos nossa prática cotidiana de consumo sob o olhar da sócioeconomia solidária? É dito inicialmente que a avaliação é zero, pois temos muita dificuldade em produzir e para quem escoar essa produção. Na questão dos produtos orgânicos muitas vezes eles não são solidários, por o preço deles é caro e as nossas comunidades não têm condições de comprá-los. Há pouca consciência sobre o que são produtos solidários. Se tem pouca visibilidade sobre eles. Há muitos empreendimentos que podem ser considerados solidários na nossa comunidade, mas há necessidade de identificá-los e lhes dar visibilidade. Pela falta de conhecimento desses empreendimentos solidários os acabamos consumindo produtos dos supermercados, mesmo na falta de opções. Vista a necessidade de termos insumos compartilhados mais e comprar em empreendimentos solidários também. Na Europa organizaram-se e fizeram uma marca. Já se fez isso no Brasil. No Encontro Nacional de 2000 em Mendes, saiu a proposta de construirmos uma logomarca que ainda não aconteceu. Já existem selos em algumas regiões, mas não existe um geral. Ainda temos dificuldades em nos unirmos para a aquisição de insumos coletivamente. Não adianta comprarmos quiabo orgânico e o preço é mais caro e o povo não pode comprar. Há formas de competir com os preços da economia formal? Há dificuldades de comercializar produtos medicinais caseiros, pois esbarramos na fiscalização e na vigilância sanitária. Tem que ser de responsabilidade do governo pesquisas como: propriedades vitamínicas do pão, trazendo a Embrapa e a Embraer para o meio urbano. Em relação a produção de chás e remédios, é preciso Ter um farmacêutico que analise a produção por causa da comercialização.
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OFICINA CRÉDITO
1 - Como avaliamos as experiências de micro-crédito que conhecemos sob olhar da socioeconomia solidária?
Avaliação Não se pode pegar o crédito sem um planejamento prévio de como se vai gastar para assim se atingir o sustentabilidade. Na prefeitura existem fundos para projetos populares que não saem do papel. As pessoas fazem os projetos e são esquecidos em arquivos, desta forma acontece uma frustração geral.
OFICINA PRODUÇÃO
1 - Como avaliamos nossa prática cotidiana na produção sob o olhar da sócioeconomia solidária?
Nas experiências relatadas, pode-se observar a presença de princípios tais como a solidasriedade, participaç promoção da democracia e exercícios de princípios éticos, longe da lógica capitalista. Estes princípios, contudo, são uma corrente única e nem se realiza com a mesma intensidade. A partir da produção dessas experiências – mãe crianças em processos de apadrinhamentro, cooperativas de construtores civis e demais experiências tem-se a prese desses princípios de forma tênue. Está presente o início coletivo de todos esses processos e em destaque, par economia solidãria, a necessidade da organização em rede. Em cada experiência, nem todos prinípios estão presentes e sim, embriões de um exercício para uma sociedade autogestionada..
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 1 - Como avaliamos nossa prática cotidiana de comercialização sob o olhar da sócioeconomia solidária?
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Dificuldades:
Divulgação: Expressão/formação/capacitação; Credibilidade na apresentação dos produtos; Local para a comercialização; Trabalhar as indiferenças (foco do produto x comunidade); Escolaridade dos grupos (produção exigida maior que a capacidade dos produtores; De comercializar: Preço, qualidade; Nível social da população/grupos; Custo da matéria prima.
Avanços:
Consquistas de espaços para a comercialização Formação jurídica (Institucional) Auto gestão dos empreendimentos Reuniões Sistemas de redes Realização das feiras em períodos específicos Contatos para exposição dos produtos em feiras 50% matéria prima e 50% valor trabalho Produtos já conseguem entrar no mercado Conquista de novos espaços (Ex: Universidades) Apoios institucionais/produção Apresentação dos produtos em catálogo Vivências dos grupos com tempo de vida longo Exilste o sentimento de auto-gestão dos grupos Auto estima valorizada.
Ponto de partida:
Capacitação dos grupos e apoios externos; Aumento da matéria prima do mercado formal; Somos treinados para produzir, neste caso a comercialização é um grande problema; Quem comercializa não é sintonizado com a produção solidária; Transporte.
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RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA OFICINA CONSUMO 2 - Em que ponto estamos no debate teórico sobre consumo e sócioeconomia solidária? O PACS produziu uma fita de vídeo sobre essa questão e isso ainda é uma questão que se fala muito pouco, a concepção capitalista e a solidária. Antes as pessoas faziam vinhos (por exemplo) na sua terra e mandavam isso para uma central a fim de ser distribuído pelo Brasil. Por que não resgatar isso? Pelo poder executivo a gente vai mal, pois essa discussão praticamente não existe e quando se fala no assunto é de forma voluntarista e não se tem nenhuma formação e uma análise sobre o que está acontecendo. Visto o debate teórico com bons olhos, pois tudo parte dos grupos. Estamos juntos numa formação de diferentes práticas que já conhecemos. Há uma inversão dessa lógica dominante. Não zeramos nossa avaliação, pois bons frutos foram desenvolvidos pelos acadêmicos. O que temos que fazer agora é desenvolver um material informativo mais sintético para chegar até a base. Pois todo o conhecimento de SES ainda é muito elitizado. Nessa visão, a apropriação do conhecimento popular pela academia é muito rica. Hoje se vê claramente embutida no 3o setor a lógica capitalista... Estão faltando encontros como esse, direcionados para a base. Considerando que a base popular tem que em um primeiro momento se preparar para asse tipo de governo, prefeitura... Então propomos que os órgãos públicos criem materiais de fácil acesso como: cartilhas, fitas de vídeo, etc, a fim de Ter uma comunicação mais estreita com a base enfocando o termo SES. Desde 1998 prá cá tivemos um avanço fantástico no Brasil sobre o assunto, pois essa discussão nem existia no país... Tudo está saindo da prática concreta dos grupos. Então a teoria está brotando da prática.
OFICINA CRÉDITO 2 - Em que ponto estamos no debate teórico sobre crédito e socioeconomia solidária?
Levar a reflexão de finanças da economia solidária para as comunidades
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Ë só a partir da prática que a teoria pode ser confirmada e construída e ao mesmo tempo, as necessidades que a gente coloca, permitem melhorar a prática, e a criatividade dos teóricos.
OFICINA PRODUÇÃO 2 - Em que ponto estamos no debate teórico sobre produção e sócioeconomia solidária?
Estamos bastante no início do nosso debate, no nosso meio. Esta discussão, contudo, não é nova. Ela está presente desde que os trabalhadores buscaram formas diferentes de viver melhor. Em economia solidária há bastante material produzido, no campo da sócio economia. Aqui destacamos os trabalhos do Paul Singer, do Marcos Arruda, do Manc outros, além de uma variada produção como as do IDAC, CEDAC, FASE E IBASE, sÓ para ficar aqui no Rio de Janeiro.
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO
2 - Em que ponto estamos no debate teórico sobre comercialização e sócioeconomia solidária?
Dificuldades:
Falta interesse para cursos Ex: Gestão; Participação pequena nos cursos; Falta estimulo; Visão imediatista (aqui e agora); Grupos acham que sabem tudos; Baixa escolaridade dificulata a presença dos grupos para a capacitação; Existência da visâo assistencialista: Vale transporte, etc. Expectativas – Público/produtor
Interesses
Assessoria
441 Diferenciados
Avanços: Existência dos cursos.
Exigências: A valorização das pessoas é fundamental no processo de capacitação.
RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA
OFICINA CONSUMO
3 - Que relações podemos estabelecer entre o debate teórico e a construção cotidiana do consumo no âmbito da sócioeconomia solidária?
Iniciamos com duas perguntas: o que é que a gente vai fazer e como vamos fazer. É muito maior o número de pessoas que fazem remédios naturais do que grupos, ou cooperativas que os produz. Então, como juntar essas pessoas e esses grupos e esses a um grupo ainda maior? Como iremos Ter um controle da qualidade daquilo que produzimos, para que a legislação não nos impeça de produzir? Há alternativas tirando como exemplo os remédios: podemos procurar o conselho farmacêutico que sensibilizado pela SES, nos mande uma farmacêutico para manter o controle da qualidade da produção. É preciso um banco de dados dinâmico com informações que facilitem as pessoas a aprenderem a produzir suas coisas de forma prática e ética.
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OFICINA CRÉDITO
3
Que relação podemos estabelecer entre o debate teórico e a construção cotidiana do crédito no âmbito da Socioeconomia solidária?
Relação entre o debate teórico e a construção cotidiana.
O crédito é de pessoas para pessoas, se as pessoas não participam não há crédito na economia solidária. As pessoas que estão envolvidas no trabalho da economia solidária que conhecem as necessidades, a filosofia, e a lógica própria Não vão ser os bancos nem os teóricos do capitalismo que construirão a teoria e a prática das finanças solidárias.
Dentro de cada comunidade tem de haver pessoas que façam a difusão do crédito solidário, avaliação dos projetos, a assistência técnica, reflexão teórica a serviço dos grupos de produção solidária. Para que haja crédito é preciso profissionalização e a teoria refletida e também a participação e um movimento popular grande. A comunidade tem de Ter responsabilidade pelo dinheiro que investe.
OFICINA PRODUÇÃO
3 - Que relações podemos estabelecer entre o debate teórico e a construção cotidiana da sócioeconomia solidária?
A teoria e a prática estão, necessariamente, juntas. A teoria precisa está perto da prática para poder contrib com a própria teoria e para a prática. Esta, por sua vez, precisa estar colada à teoria para melhorar as próp formulações práticas.
A construção da teoria da economia solidária só pode ser melhorada a medida que mais e mais práti alimentem as teorias.
As teorias em economia solidária ainda estão poucas mas já uma importante contribuição inicial. Por ou lado, as práticas em economia solidária estão , hoje, presente em todo o país, esperando uma melhoria das teorias economia solidária.
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Estas ligações das teorias e das práticas serão fundamentais para as futuras análises na economia solidá Enfim, é preciso avançar com a pesquisa, no sentido de que esta esteja voltada também à pratica e à ação.
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO 3 - Que relações podemos estabelecer entre o debate teórico e a construção cotidiana da comercialização no âmbito da sócioeconomia solidária?
Andar juntas; Adequar a teoria a prática; Cada experiência é uma nova teoria; Teoria – prática – teoria – Nova prática – nova teoria. Sistematizar as experiências como intercâmbio das teorias e práticas.
Ex: Autogestão gota a gota, publicação popular;
Prática referenda a teoria.
RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA 4 - A partir desta reflexão que novos caminhos podemos trilhar para chegar a uma proposta de desenvolvimento integral, democrático e sustentável? OFICINA CONSUMO -
-
Buscar auto-suficiência Mais capacitações sobre SES a pequenos produtores. Incluir nas capacitações profissionais a SES. Ter mais sensibilidade para perceber onde estão nascendo essas experiências nos meios populares e relatar o que o povo acha sobre esses conceitos, e sobre isso: pois o povo em contato com esse momento que estamos vivendo concentrados aqui! A interligação em rede das organizações produtivas, associativas, grupos de consumo e etc... com as organizações educativas a fim de construir a SES como um sistema multifacetado.
444 OFICINA CRÉDITO
Já falamos de algumas questões nos pontos 1, 2, 3. Colocar na frente de nossas prioridades uma afirmação e uma ação. AfirmaçãoSem as finanças a economia solidária não vai dar certo. Ação. Fazer a formação e a sustentabilidade do povo para eles trocarem medo por confiança nas finanças populares. A estratégia é ver para crer. Temos que caminhar um pouco e convencer pelos fatos. Refletir e seguir caminhando com mais gente. Temos que fazer um uma difusão coletiva dos princípios e os slogans da finança solidária, para que todo o mundo comece a conhecer a possibilidade, o que existe, e com o tempo e chegar a ser expertos na matéria.
OFICINA PRODUÇÃO
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
Enfatizar as práticas e as teorias, mantendo encontros dessa natureza; Promover a organização em redes; Envolver as escolas e os currículos escolares apresentando os valores da economia solidária; Produção de livros para a divulgação das experiências, das técnicas e metodologias nesse campo popular; Resgatar as produções já existentes no campo solidário e da autogestão; Organizar grupos de discussão nas redes; Promover a organização das comunidades, em suas diversidades, mantendo o respeito às pessoas;
A necessidade da abertura das universidades às questões sociais.
OFICINA COMERCIALIZAÇÃO Propostas:
Criação de uma rede solidária para aquisição de matérias primas; Na questão dos transportes criação de uma rede solidária de pessoas como caminhoneiros, padre da paróquia, o amigo que vai viajar com o objetivo de comprar a matéria prima daquele determinado local; Fortalecer e divulgar a secretaria da sócioeconomia solidária com crédito, tecnologia, etc; Fortalecer as redes existentes (Grupo de produção); Formar crianças, jovens e adolescentes, no plano estratégico, uma nova visão de produzir e consumir; Colocar na grade curricular, a sócioeconomia solidária (Ministério de Educação). Alfabetização da sócioeconomia solidária.
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Ampliar as feiras da rede de economia solidária e cooperativas; Formar uma rede do fórum para a venda dos produtos das cooperativas.
DIA 5 QUARTA-FEIRA MESA 3 Desenvolvimento integra, democrático e sustentável Iniciou-se com exercício de dança, trabalhando mente e corpo, com novas formas de linguagem. Buscou-se o fim da preguiça e Chilo foi desenvolvendo a abundância, no estilo de vida da tribo indígena mexicana. São expressões da humanidade, expressas em movimentos de corpo e pensamento. Chilo desenvolve uma intervenção sobre a abundância. Temos uma cesta que nos mostra o que necessitamos para a nossa alimentação. Isto é base, mas preferimos comprar coisas diferentes. Estas são os recursos naturais. Na cesta está o que se usa no Brasil, mas no México há alguma pequena mudança desses produtos. Com música, foi se desenvolvendo a dança expressando, também, o gosto, o prazer, a ternura e o amor às coisas da natureza, inclusive o próprio humano. Depois, em continuidade, todos de mãos dadas, foram chegando aos seus locais.
Passaram-se, a seguir, os informes do seminário.
Início das apresentações sobre a temática da mesa Expositores: 1. Sérgio Schlesinger - (FASE) 2. Rafael Calderas - (EFIP – Venezuela) 3. Sônia Kruppa - (Rede de ITCPs)
Coordenadora – Carla Moura
446 Bom dia. Mesmo que mais cansadas com os exercícios mas isto é importante para a nossa concentração neste início dos nossos trabalhos. É importante o trato com o nosso ser. Na verdade, modelos de desenvolvimento e trabalho solidários são vividos pelas pessoas. Podemos ser diferentes por assumir novos valores, pelo corpo, pelos pés, a energia circulando diferente, pela alma, enfim. O calor e as cadeiras não estão ajudando, mas vamos lá. Convido o Sérgio para a sua intervenção:
SÉRGIO SCHLESINGER Trabalho no projeto Brasil Democrático e Sustentável. Não vou repetir o Pierre Leroy, considerando que trabalhamos juntos. Vou levar em conta o apresentado pelo Pierre, abordando, com maior ênfase, as alternativas. Começando com o democrático, como participação da sociedade, e o bem estar que se pretende dirigido para todos. Projetos alternativos pressupõem começar pelo modelo atual e contribuindo com algumas alternativas. Enfim, vamos pensar em um modelo novo que dê conta da vida nova. Qual o modelo? Em todo mundo, na imprensa, mostra-se que só é possível acesso a uma qualidade de vida com o crescimento da economia. Para haver crescimento econômico precisa uma certa concentração de renda (mínima ou máxima). Ora, a desigualdade de renda não é um acidente no mundo e no Brasil. Para Delfim Neto, por exemplo, é preciso crescer o bolo para depois dividi-lo. Assim, crescido o bolo, todo mundo teria uma casa, saúde, tv .... até automóvel. Isto é uma grande mentira. Para se ter concentração de renda e então crescer, só tem provocado desigualdade. Uma parte vive e a outra não sobrevive. Não se tem tido acesso aos recursos naturais, como água. 80% dos problemas no Brasil, é água, saneamento, uso do solo. Outro é problema urbano, qualidade de água. Aí, vem o modelo, prometendo automóvel para todos. Hoje, o Lula, promete três refeições por dia. Ora, o automóvel náo é essencial mas a alimentação sim. O segundo problema é que o modelo mente, pois o que ele promete, a natureza não tem como responder àquela promessa. Aquilo náo pode ser para todos. A exclusão é uma parte integrante desse modelo. No Brasil, do ponto de vista interno, a destruição do ambiente compromete o futuro. A democracia significa acesso aos bens, tendo todos uma vida digna. Acrescento, agora, mais duas questões. O Brasil está em um mundo que é desigual. Temos dois instrumentos que contribuem para isso. O primeiro é a dívida externa. O país tem de exportar de maneira crescente os seus recursos naturais. Um exemplo, é o problema que a soja causa no meio ambiente, as energias gastas na produção do aço e do alumínio, exigindo construções de hidreléticas que expulsaram mais de 1 milhão de pessoas de seus lugares. Destaca-se a energia atômica em Angra 1, 2 e 3, mesmo que o Brasil exporte energia. Mas, em torno de 10% não tem energia em suas casas. Não há uma cesta básica de energia para se viver com qualidade. A divisão internacional da produção e do trabalho é bem mais ingrata para países como o nosso. Exportamos os recursos naturais com mão de obra barata, constituindo mais elementos para a desigualdade. Esse modelo não é mágico e todos esses problemas se articulam.
447 Passemos a falar, então, em um desenvolvimento solidário e sustentável. E eles funcionam de maneira combinada. Este modelo novo, temos de pensar em primeiro lugar que a sociedade, como funciona, tem esses pilares e que não é possível se construir a casa da sustentabilidade (qualidade de vida) com aqueles pilares. Precisaremos construir um novo modelo e parece até que temos receitas mas não temos. Vamos começar com a questão – para onde vai o recurso do BNDES? Nos últimos anos, vem passando dinheiro para a celulose, para automóveis, um dinheiro com baixo juro. Claro que se investe, argumentam, em emprego e qualidade de vida também. Mas, na verdade, fomentam previlégios. Esse dinheiro pode ir em outra direção. Pode ser dirigido a compra de alimentos básicos e não para soja, destinada à exportação. Cada mil reais investido na indústria de confecção de roupa gera mais emprego que a indústria automobilística. O automóvel é um bem individual. Agride o meio ambiente quanto à qualidade do ar. Ataca, sobretudo, as crianças com a poluição do ar. Ele é o símbolo da discriminação, do ataque ao meio ambiente. Veja os problemas com o efeito estufa. Um outro modelo é preciso para que gere trabalho e gere renda. Precisamos mudar a lógica desse modelo. O modelo existente, em nome da produtividade, demite empregados, pois também venderá mais barato. Mas, o desempregado não compra nada. Uma outra questão (parte externa da economia), os subsídios são palavrões e devem ser retirados para atuar na competitividade. Ora, a produção em pequena escala, precisa de subsídios para poder enfrentar a grande produção. Precisa sim de subsídios e estes são dados, contudo, para grandes empresas. Uma outra questão é a dívida externa que precisa ser enfrentada. Esta força o Brasil a exportar mais e mais. Outro aspecto, é que junto com o automóvel, vende-se a idéia de que é preciso automóvel e este dá qualidade de vida, um equívoco. Precisamos pensar em solidariedade, em vida para todos e tudo isto fomentando outros valores. Dizem, contudo, que trabalhando se vai chegar lá, o que não traduz bem a realidade. Esta é uma noção de mundo que ser feliz é consumir tais produtos. Consumir, simplesmente, não traz uma vida de qualidade. A felicidade vem quando cada um tem a possibilidade de ter produtos como saúde, educação .... e estes fazem a nossa felicidade.
RAFAEL CALDERA Nossos laços com o CEDAC são de muito longe. O meu relato insere em uma realidade construída há várias décadas e por jovens estudantes. Eram pessoas simples e trabalhadoras e sempre é difícil acreditar em pessoas que vêm do povo. Isto foi em Maracaíbo. Hoje, com a greve geral, esta experiência passa, também, por grandes problemas. Surgiu de trabalhadores, de uma associação de uma comunidade, nas lutas da fábrica de cerveja e das lutas de bairro. Por volta de 89, começamos a partir de uma experiência coletiva, com brasileiros, chilenos, espanhóis e venezuelanos. Uma experiência de base. Aqui está Henryanne Chaponay, sendo importante nessa pesquisa coletiva de base. Depois da continuação dessa pesquisa coletiva de base, continuamos comprometidos com o bairro. Assim, fomos realizando atividades com jovens e crianças. Em 1996, decidimos assumir com compromisso. A situação dos desempregados da comunidade e fomos encontrando os que não tinham trabalho e estudo. Tínhamos em torno de 200.000 desempregados, o que se constitui como uma bomba de efeito retardado. Não faziam nada o dia inteiro. Começaram a se analisar as fontes de emprego ou que aprendessem ofícios na própria
448 comunidade. Conversamos com mecânicas, automóvel, oficinas, e com pessoas que faziam a refrigeração, etc. Fomos entendendo que tínhamos uma capacidade instalada que poderíamos aproveitar a potencialidade da própria comunidade. Assim, fomos incorporando grupos evangélicos, católicos, cultural e esportivo. Assim começo o CJM (Capacitación Juvenil de Maracaibo). Capacitação de ofício por meio do trabalho. Esta foi uma parceria com a família, pequenos empresários. A família deles mesmos não sabiam disso. Tentamos incorporar os governos locais, as prefeituras e vereadores e membros das paróquias. Fomos nos organizando pelos conjuntos, naquele município. Eles são responsáveis perante a juventude. O problema do desemprego que é grande na Venezuela mas não só é um problema de um bairro venezuelano e sim, um problema mundial. O problema dos jovens é mundial. Todos somos responsáveis, por isso devemos ver como que podemos ajudar. Atuamos em um raio de 30 bairros e as pessoas desse projeto têm de fazer de tudo. Temos de estudar e ensinar a matemática...etc. As organizações sindicais só defendem o privilégio de se ter emprego fixo. Os jovens e trabalhadores desempregados não fazem parte das políticas sindicais. Os sindicatos também foram convidados a agir com esse problema. Assim, foi possibilitado que eles pudessem conhecer a realidade do país. É uma exclusáo total. Temos de chegar a inclusão. Há pessoas que dizem que vamos incluir no capitalismo e nós dizemos que vamos integrar na classe trabalhadora. Um outro mundo é possível se coisas são realizadas no dia-a-dia. Desenvolvemos uma rede e sabemos que nem tudo funciona às mil maravilhas. Mas o importante é que precisamos fazer acordos para isso. Isto é fundamental para que os jovens assumam o seu papel de protagonista. Certa vez, com o governador, falou-se da capacitação e um jovem Victor, falou sobre isto, daquilo que o governador nem sabia. Empolgou o governador, pois o garoto falou e não ficou em silêncio como é a nossa educação. Desenvolvemos, ainda, em rede. O fórum foi realizado sobre a capacidade juvenil. E dez organizações que fazem parte da rede foram nos encontrando com maior freqüência. Estamos, assim, enfrentando esse problema com esses jovens. Como instituição fazemos parte da equipe, do grupo, ou comitê nacional que decidiu impulsionar esse Fórum nacional. Mas o princípio é penoso mas estamos melhor organizados. Alguns participaram em Porto Alegre e assumimos divulgar esse fórum. Sobre o resultado do Programa, destacamos: a) vários jovens já estão se inserindo no mercado do trabalho; b) outros estão se integrando nas atividades do bairro ou do núcleo habitacional; c) avança-se com a parceria entre os pequenos empresários, constituindo a Rede de Empresários do Sul, d) os jovens, portanto, precisam ser considerados. Para concluir: todo esse processo avança. È importante ter em mente a visão nacional e internacional, sem a qual não avançaremos. Neste seminário, aqui, permite dar uma maior dimensão nesse nosso trabalho. Isto ajuda ao trabalhador como protagonista, ajuda a acreditar nas pessoas, nas capacidades de fazer avançar com elas. Os fóruns, hoje, mostram o avanço dessas expectativas. Isto é um sonho, como o Banco Palmas na experiência de Fortaleza (Ceará). No passado falou-se do progresso, da aliança para o progresso. Hoje fala-se de desenvolvimento. O povo é bombardeado pela mídia, pela desesperança. Onde está este desenvolvimento? Mas poderá haver outro tipo de desenvolvimento se houver a possibilidade de se viver com dignidade.
449 Para terminar, outro mundo será possível com a construção de espaços, a partir do cotidiano de nossa vida de alegria, cheia de mistérios e sonhos. Baseada, sim, no valor da solidariedade e da justiça. Penso que aí está o segredo. SÔNIA KRUPPA Agradeço o convite do CEDAC, para falar de algo sobre o modelo de desenvolvimento. Um modelo existente que é para alguns e não para todos. Um expositor fala da experiência de desenvolvimento, outro destaca a juventude, na exposição fala de mundo das mulheres (exposição de trabalhos artesanais). Que mundo é este que coloca a abundância? Como será o conhecimento e em que a universidade possa contribuir? Que papel tem, hoje, a universidade em uma outra chave para o desenvolvimento? Antes vamos falar das dificuldades e o avanço técnico que não pode ser deixado para eles. Uma mesa que fala dos automóveis. Tem-se uma tecnologia, hoje, que precisamos socializá-la como os recursos da informática e analisar o papel da universidade. Como desafio, convido vocês para realizarem essa dança no Conselho Universitário da USP. Na universidade, a razão se separou da emoção. Houve uma fragmentação e o conhecimento se destacou mais que a emoção. Será que a nossa conversa será no sentido de manter os nossos valores e técnicas? Eu posso incluir dois milhões de jovens? Será que a saída é a produção do automóvel ou será outros esquemas que envolvam muitas pessoas? Será que se pode jogar fora essa forma de produção? Será que esse conhecimernto só pela razão não está, apenas, a serviço do capital? Há muitos alunos na USP, que tem dores de estômago não só porque comem em Mcdonalds, mas porque não tem garantia de emprego. A minha universidade começa a questionar, em pequenos ciclos, um conhecimento que separa a razão da emoção. Acho importante essa capacidade de razão, mas há dois aspectos inadequados. Ela precisa destacar a quem ela quer servir, isto é, a sua finalidade. O conhecimento produzido serve a quem? Um segundo aspecto é saber se a forma está adequada a este mundo que se vive. Exemplo: A engenharia de São Paulo servia para fazer estradas, a Engenharia de produção servia para a indústria para esse modelo que já foi criticado. Mas há um conhecimento que foi produzido para as décadas de 30 ou 40. Hoje. ela precisa produzir conhecimento e tecnologia para um tipo de conhecimento para os dias de hoje, para recuperarmos as estradas de ferro, outras formas de energias e os transportes coletivos. Produzir e reproduzir para atender milhões de jovens com direito a universidade. Pensar dentro da universidade, um modelo de universidade para milhões de jovens com qualidade de vida. Mas, como fazer, se estamos presos em conselho e sendo muito chamado pelo Capital. Ela atende a esse segmento que está lá pedindo. Como vamos mudar? Se todos aqueles que estão em movimentos sociais e se aqueles que fazem os movimentos sociais ocuparem a universidade com as suas reivindicações. Uma parte da universidade é sensível à mudança. Hoje, somos 14 universidades, formando a rede de incubadoras que se envolve com geração de trabalho e renda. Amanhã temos o Paul Singer, que pensa a formação de jovens, pensando um outro desenvolvimento. A universidade sempre atendeu a quem tem dinheiro, o capital. A USP tem uma incubadora de empresas de alta tecnologia. Nós quisemos fazer outra incubadora, dentro da universidade, voltada à população. Problemas daquela incubadora é de uma ordem e lá não havia trabalho em alfabetização. Mas lá há grupos para melhorias de tecnologias para o capitalismo. Com as incubadoras populares, propomos outros modelos e começamos a mostrar que esse conhecimento isolado não resolve. É
450 preciso integrar. Ora, ao se pensar uma outra sociedade, o conhecimento da universidade está fragmentado e não atende. Assim, não dá para trabalhar com aquela incubadora. Este é um rompimento com aquela forma de ser. Na incubadora popular, não queremos jogar fora esse conhecimentos mas promover a conversa daquele conhecimento com os demais tipos de saberes e buscando a ousadia para a promoção de um conhecimento integrado. Segunda dificuldade é que trabalhamos com grupos, buscando a autogestão interna na incubadora e radicalizando no exercício democrático. Assim, estamos tentando um empreendimento que não tenha chefes, promovendo a autogestão. O grupo está vivendo com as especialidades várias mas um advogado nosso precisa estar em contatos com demais profissionais das várias áreas mas é preciso que possa resolver as questões jurídicas. É preciso que as pessoas, por exemplo, aprendam as coisas dos resultados econômicos do empreendimentos. Precisamos do entrosamento do conhecimento. Precisamos gerar trabalho para muitas pessoas, com alta tecnologia, com outra perspectiva de vida. Será a construção de espaços coletivos? Ontem, discutiu-se o dia todo sobre o lixo. Precisamos pensar o lixo e a vida dos catadores de lixo. Eu não quero que os catadores sejam para a vida toda. Mas, afirmo que aprendi muito com essa discussão. A universidade e o sindicato precisam mudar também. A universidade precisa mudar para outro tipo de conhecimento. Mudar o Estado e as Políticas públicas. Não posso pensar as políticas sociais como linhas e sim em forma de redes entrelaçadas. Precisa-se rever a relação da população com o Estado. É urgente dar-se um salto nas políticas públicas de forma integradas. A integração Estado, Universidade, e Sociedade podem estar em parcerias. Mas não se trata de eliminar determinadas formulações mas avançar para outras expectativas. A universidade precisa ser chamada na chincha. Dizer para que veio, nos dias de hoje. Precisa integrar os seus conhecimentos. Não estamos formando economistas e demais profissionais, na incubadora, para reforço daquilo que existe. Passo a pensar um movimento dos sem universidade com as seguintes bandeiras: buscar vagas e produzir outro conhecimento para um outro tipo de sociedade. Antes, houve um exercício de melhor uso do corpo para melhor respiração. O ar é a primeira exigência para se viver. É bom estar bem com a coluna para podermos respirar bem. Em seguida, um momento de olhos fechados. Inspira azul celeste e expira azul escuro.
QUESTÕES DOS GRUPOS 1. 2. 3. 4. 5. 6.
As incubadoras é uma iniciativa da universidade ou da sociedade? Comentar sobe iniciativas de ONGs, diante da conjuntura local. Discutir a cultura como um meio para se chegar a essa nova sociedade. Como se financia os projetos dos jovens na Venezuela? E a questão racial, como se insere nas questões apresentadas? Como fazer para que a universidade volte a sua produção de produzir conhecimento, voltado ao social? 7. Como trabalhar a questão do consumo? 8. Fala-se muito da produção do conhecimento. Mas como será isto de forma coletiva e que este chegue ao povo? 9. O retorno de pesquisa feita por universitários pouco chegou à Angra dos Reis, mesmo que muitas pesquisas tenham sido feitas neste município. A universidade precisa, também, ajudar para a socialização digital. O seu orçamento e a aplicação de verbas precisam ser socializadas, também, para toda a sociedade.
451 COMENTÁRIOS SÔNIA KRUPPA Na USP, na incubadora, cada um tem seu copo. Mas vivemos em tempo dos descartáveis. A incubadora volta-se a si em suas demandas de ensino e pesquisa, mas também de demandas da sociedade. A incubadora da USP, radicalizamos a democracia, quando cada um é um voto. A coordenação é feita por alunos e professores. A radicalização não é voto por segmento mas que cada um seja um voto, princípio do cooperativismo. A universidade rejeita esta forma de trabalho. O seu conselho deliberativo, que decide os rumos da incubadora, é constituído de alunos de professores, assegurando perspectivas autogestionárias. Os alunos, assim, também se transformam, voltando as suas unidades levando aqueles princípios. Só agora, vivemos com verba própria da universidade. Mas, conseguimos também organizar o nosso espaço. Em abril, estamos lançando um núcleo de extensão solidária e um programa de pós-graduação em economia solidária. Temos 70 alunos formadores em vários campos da universidade. A questão racial é importante tanto quanto o da economia e da mulher. Eu sou favorável a cota para a escola pública mas não de cota para alunos negros. Penso na ampliação do público. A discussão com a máquina estatal não é moleza. Há uma lógica específica. Tenho experiência durante o governo da Luiza Erundina, em São Paulo. Quanto ao uso indevido de conhecimento, temos de pensar o papel da universidade, o seu conteúdo e sua finalidade. Essa manifestação ainda é insuficiente. A comunidade também precisa colocar para os pesquisadores os termos de seu compromisso. Este pacto precisa ser feito. A universidade se acha no direito de ser pesquisadora mas ela precisa aprender com a comunidade. A universidade pública é parte do Estado. Sou funcionária pública. Sou custeada pelo fundo público. A transparência é urgente e ser questionada. Os problemas como fome, ambiente, economia, conhecimento... são questões a serem enfrentadas pela universidade. A responsabilidade da universidade é maior, pois os governos passam. É preciso a universidade ser chamada. Ora, é preciso cobrar e ajudar a universidade. As incubadoras não podem gerar extensão universitária como uma ação da universidade voltada para pobres. Assim, contribuímos para a construção de um país mais justo. Muito obrigada.
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SÉRGIO Como fazer para mudar? O outro lado é ver o que estar mudando. Veja o seminário e o tema. Tenho certeza que vinte anos atrás não seria possível. Estamos fazendo a mudança. O Lula chegou lá, a partir de um jogo de aliança com compromisso de não romper os contratos. Temos de ter, portanto, uma ampla rede de negociação. Este momento nos estimula para a participação. Agora, precisamos continuar cavando espaços, apelar para a criatividade, criar canais, promover a participação simples das pessoas. A questão cultural é chave, tendo como destaque os meios de comunicação. Temos de destacar a radicalidade de nossas falas com o nosso fazer. A universidade precisa estar integrada com as questões sociais, mas, por outro lado precisamos saber que sem mexer na dívida, fica tudo mais difícil. A questão racial precisa integrar-se à todas as questões. Falando de meio ambiente, vem à tona o conceito de trabalho.... As pessoas sofrem com os problemas ambientais de diferenciadas formas. O ambiente no Rio também arrasta a questão racial e a questão da mulher. As questões devem ser tratadas integralmente. A questão cultural que passa por todas as outras questões, é que temos de ser exemplares. A questão do copo de plástico também é um aspecto, levantado neste seminário. Quanto a globalização, temos muitos mitos. Este é um movimento de séculos. Na última década isto não mudou de rumo. Há altos e baixo nisto tudo. Mas, somos levados para aumentar as exportações, mas para que isto? Podemos perguntar: aumentando as exportações o que contribui para os nossos problemas? Podemos ver como as relações dos nossos países podem nos ajudar no combate aos nossos problemas. Ver as relações do Brasil com os demais países, mas nessa perspectiva de mudança. 47% do capital no Brasil, já é controlado por agentes externos. Um sapatinho nosso pode estar sendo superado em preços por sapatinhos chineses, feitos por crianças. Nesse sentido, temos de nos posicionarmos.
RAFAEL CALDERA O financiamento vem de dois caminhos na Espanha. Um de uma organização não governamental e outra de um prefeito que conheceu a nossa experiência. Também há alguma verba de um projeto da campanha de petróleo da Venezuela e também campanhas outras pela nossa organização. No nosso município há manifestações de que não há recursos, contudo fazem muito carnaval e campanha de beleza. Um comentário final considera que estamos preocupados com a ecologia, gênero, jovens, mulheres e com drogas, e gostaríamos que nossas ações fossem a solução. Sabemos que não há solução mágica. Temos de abrir espaços e promover a nossa integração. O educativo nãoavança
453 sem ecologia, etc. Enfim, todos integrados. Enfim, o problema de fundo é o enfrentamento ao capitalismo e esta é uma busca final. Sobre os resultados do Programa que realizamos, em primeiro lugar o jovem se insere na vida do trabalho, aprendendo um ofício. Inicia-se no exercício da participação; sua família começa a compreender que tem tesouros em casa; iniciou um rede de contatos com demais movimentos; a questão da juventude começa a ser enfrentado pela Prefeitura. O importante, portanto é não ficarmos isolados. Precisamos construir tantos grupos mas cada um respeitando os seus espaços.
DIA – 6 QUINTA-FEIRA MESA 4 Que desenvolvimento queremos? MANHÃ Iniciaram-se as atividades com as danças e as canções como desde o primeiro dia. A base central de toda animação da economia solidária deve ser a amorosidade. EXPOSITORES: Henryanne Chaponay - (CEDAL – França ) Enrique Delrio
- (Pro Empleo – Espanha)
José Francisco de Melo Neto - ( Universidade Federal da Paraíba - UFPB) Apresentação da síntese do material de todo seminário, apresentado pela comissão de síntese. Este documento a ser entregue a todos, à tarde, se chama Síntese Provisória. Todos seguiram a sua apresentação pelo telão.
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SÍNTESE PROVIRSÓRIA
Seminário Internacional - Socioeconomia Solidária Desenvolvimento Integral, Democrático e Sustentável
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o
QUESTÕES GERADAS DO CONJUNTO DO SEMINÁRIO A) As técnicas de animação A animação que tem permeado este seminário é algo que merece destaque. A maneira de organizar cada momento, forma, metodologicamente, uma parte muito importante das reuniões, e isto contribui para que todo os participantes se sintam protagonistas das mesmas, em pé de igualdade. - As ações, as cores, os símbolos, os cantos, as expressões da cultura local são uma constante; - a explicação completa do programa, bem como, de cada uma de suas partes mantém todos informados, em cada momento; - a presença e o envolvimento dos grupos de produção mostram aquilo que produzem e que elaboram, constituindo a matéria prima do próprio encontro. B) O conteúdo 1. O modelo de desenvolvimento que nos tem sido imposto, durante toda a nossa vida, evidentemente não tem respondido às necessidades das pessoas e dos povos. Ao longo dos anos, foram produzidos argumentos sobre esse mesmo modelo sem mudar a sua lógica que está baseada no crescimento econômico em função do mercado. Este mercado é regulador das relações econômicas, estando alicerçado por um conceito tendencioso e parcial de riqueza (consumismo). 1.1. A humanização do desenvolvimento - Diante deste modelo de desenvolvimento, se apresenta a necessidade imperiosa de mudar o enfoque da economia para que ela seja útil à qualidade de vida, à dignidade humana e à solidariedade. Uma mudança que tenha o seu início no local onde vivem as pessoas. Contrapondo-se às teses racionalistas sobre o desenvolvimento, impõe-se a necessidade de humanizar esses enfoques, considerando que a pessoa é seu próprio sujeito de desenvolvimento. 1.2. Há experiências locais que demonstram as imensas possibilidades de
455 se utilizar nosso dinheiro de outras maneiras: consumidores organizados, com critérios éticos e responsáveis, produção a serviço da população local e tecnologias adaptadas à cada circunstância e contexto; 1.3. Experiências de comunidades indígenas também mostram caminhos de como podem ser atendidas as necessidades, baseadas em valores que, agora, precisamos recuperar, tais como: a relação entre povo, trabalho e natureza. Isto demonstra que outros sistemas são possíveis; 1.4. Estas experiências ainda demonstram que é possível contemplar outros processos produtivos, da produção até o consumo. Inclui a criação de moeda social como instrumento de intercâmbio à margem do valor da moeda oficial. Nestes casos, mostram como superar as contradições e a força centrífuga do mercado capitalista que pode absorvê-los para a sua lógica. 2. Os sistemas financeiros
Temos constatado a riqueza criativa e organizativa das pessoas na criação de sistemas financeiros alternativos ao circuito oficial. Destacamos duas experiências: uma em um contexto muito desfavorecido, promotor de grande exclusão (a experiência do Banco Palmas, Fortaleza, Ceará) e a outra em um diferente contexto, numa área industrializada com alto nível econômico (MAG2, Milão, Itália). Em ambos os casos, temos um longo processo de tomada de consciência, cada vez mais ampla e profunda de organização autogestionária. A constatação de que o sistema financeiro estrangula qualquer alternativa de mudança da lógica do funcionamento da sociedade tem gerado, em muitos lugares e grupos humanos, motivação para irmos mais longe na busca de alternativas àquele sistema. Também, nos leva a como usar o nosso dinheiro de outra maneira, de se apoderar do próprio dinheiro, promovendo novos instrumentos financeiros, à margem do valor do dinheiro oficial. Estas experiências nos questionam e evidenciam várias de nossas carências: - nos falta mais decisão para o compromisso de usarmos o nosso dinheiro de outra maneira; - nos falta aprofundar os intercâmbios de experiências sobre moeda social e sobre troca de bens com medidas distintas das do mercado vigente; - nos falta criar mais instrumentos financeiros para podermos apoiar projetos de produção em economia solidária; Ao mesmo tempo, estas experiências nos abrem um enorme horizonte cheio de esperanças que conduzem à afirmação: se queremos, então, podemos. Outros sistemas financeiros são necessários e possíveis com o nosso dinheiro. 3 - As redes e suas dimensões Ao longo dessas experiências, temos constatado ainda que a forma essencial de unir forças, de criar circuitos sustentáveis é a criação das redes com conteúdos solidários no econômico, financeiro, social, político e cultural. Redes que abrangem tanto o consumidor como o produtor. Redes que vão do campo à cidade e entre os próprios consumidores ou entre os produtores.
456 Redes que captem nosso potencial de consumo e de dinheiro para crescer a nossa capacidade financeira, evitando a doação desse dinheiro - os nossos recursos - ao circuito financeiro dos bancos das empresas multinacionais. Outra vez, as experiências nos cobram o compromisso prático: Onde compramos? Que consumimos? A quem beneficiamos? De que adianta, estarmos nos opondo, de forma teórica e ideológica, ao sistema econômico capitalista, se dia após dia, estamos alimentando os seus benefícios e os reforçando com o nosso consumo e dinheiro? Por outro lado, é evidente que os projetos locais precisam ser conectados à dimensões mais amplas. Têm de ir além do local e se articular aos níveis regional, nacional e internacional. 4 – A criatividade As diversas experiências nos mostram a capacidade criadora das pessoas ao enfrentar o seu dia-a-dia. A sua riqueza é tal que também apresenta a seguinte questão: até que ponto a população é consciente dessa sua capacidade? Hoje, vivemos momentos que propiciam oportunidades para buscarmos alternativas criadoras, construirmos novas formas de entender o consumo, os processos da produção, a finança, as relações comerciais, a política da democracia, etc. Por isto, é muito importante consolidar a auto-confiança que devemos ter em nossas próprias capacidades para criar alternativas voltadas às maiorias. 5 – A identificação dos conceitos A coerência conceitual - Neste momento, muitos conceitos estão sendo usados por todo mundo, dando a impressão que apresentam o mesmo significado. Assim, se utilizam conceitos como cidadania, participação, democracia, etc. Estes conceitos adquirem compreensões distintas a depender de quem está pronunciando-as. São diferentes para a compreensão da população que enfrenta as lutas de seu cotidiano ou entre aqueles que promovem a sua opressão. Por isto, é importante a definição dos indicadores que apontem com precisão esses termos ou conceitos, para que não sejam apenas palavras vazias de conteúdo político nas mãos de quem não deseja mudanças sociais. Especialmente, é necessário maior rigor nessas definições desses termos, que nos são próprios, como é o caso da economia solidária. A diversidade – Ao mesmo tempo que reinterpretamos a coerência dos termos, defendemos o pluralismo e a diversidade como proposta e atitude contra o pensamento único. 6 – Sobre o modelo de empresa em economia solidária A empresa clássica delega aos trabalhadores uma visão muito parcializada do processo produtivo. Seu único objetivo é obter o benefício financeiro. Os trabalhadores participam dessa lógica como se fosse algo natural. As experiências das cooperativas demonstram uma qualidade na participação da gestão das empresas, apesar de que ainda temos muito caminho a percorrer, mesmo porque nem todas as cooperativas participam a autogestão. Existe um desafio que emerge de nossas práticas e este desafio vão no sentido de como podemos chegar em outra forma de gestão, outra forma de situarmos no mercado e depois como influir no processo produtivo global.
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C – As novas alianças O momento histórico que estamos vivendo em vários países, especialmente no Brasil, Venezuela e Argentina, propicia um clima favorável para se avançar nas alianças com aqueles que se aproximam de nossas mesmas motivações. Assim, por exemplo, alianças entre o mundo popular e o mundo intelectual, a educação popular e a universidade, a economia solidária e o mundo dos conhecimentos tecnológicos, os saberes populares e demais conhecimentos são uma necessidade. Este Seminário tem sido um exemplo desta forma de aproximação.
INTERVENÇÕES HENRYANE CHAPONAY Temos muita alegria de estar vivendo este momento excepcional da Historia do Brasil. Mais que nunca é necessário aos cidadãos continuar a luta e a invenção do novo nas relações sociais e econômicas... É um grande estímulo também para nós na França e em outros lugares do mundo. Gostei muito do encaminhamento do seminário que ligava a expressão de alegria, do emocional, do espiritual e do corpo com as reflexões e contribuições mais intelectuais, no esforço de construir, todos juntos, novos conhecimentos... É essencial, também, ligar as diferentes dimensões da nossa vivência, percepção e inteligência para o desenvolvimento humano. Acho que várias expectativas expressadas no primeiro dia foram em parte cumpridas. Houve insistência sobre novos conhecimentos e aprendizados, a partir da troca de experiências e do fortalecimento das redes... Neste sentido, estamos tod@s continuando uma caminhada iniciada anos atrás e os jovens retomam e reinventam os caminhos iniciados... Emociono-me escutar Rafael falando do papel da Investigação Coletiva de Base (ICB) na experiência de Maracaibo. Também, me parece muito importante, a referencia ao processo do Fórum Social Mundial (FSM) de Porto Alegre porque as vezes não percebemos bem a ligação entre diferentes processos que se reforçam mutuamente no tempo e no espaço e a nossa própria capacidade de conectar entre eles nossos saberes, experiências e conhecimentos... Essa sucessão de eventos e iniciativas contribuem para a criação de novas energias e conhecimentos... Da minha própria experiência, descubro e tomo consciência de como todo tempo estamos condicionados pelas "representações" fixas nas nossas cabeças. Tudo o que o sistema vigente nos faz pensar como normal, natural... mas que são construções humanas. Ora, um caminho para a construção de um "outro mundo" passa por uma mudança de olhar que nos permite entender melhor essas construções impostas ou não questionadas. Mas isso toma tempo, já é uma "revoluçao cultural", um processo lento e as vezes penoso. Está ligada com a nossa própria capacidade de transformação pessoal e essa é diretamente interactiva com a transformação social e vice versa. Muitas coisas nesse sentido foram tocadas durante esse seminário e merecem ser trabalhadas mais, a partir da prática e da elaboração teórica. A partir das representações que temos da Riqueza, do Trabalho, da Moeda, do dinheiro, da Divida, do PIB e do Crescimento, da própria Economia.
458 Isso é o que podemos tod@s continuar fazendo no lugar onde estivermos, seja aqui no Brasil ou em outros lugares do mundo, com nossos grupos e nossos parceiros, nas redes as quais pertencemos. Na França, por exemplo, participo de um grupo que trabalha essas questões com um compamheiro (Patrick Viveret) autor de um informe para o ex-Ministro da Economia Solidaria sobre a necessidade de reconsiderar a Riqueza e muitos outros aspectos da Economia. Informe muito rico na maneira como situa a Economia em toda sua dimensão humana e histórica. Critica os indicadores do PIB, a maneira de contar ou não contar ou não qualificar atividades, etc... Abre novos caminhos. Esse informe é, agora, objeto de um debate publico, presente em outros países com iniciativas e reflexões que coincidem. Estamos, assim, madurecendo idéias novas e construtivas para repensar a lógica da economia que não pode ser separada do social. Estamos tentando reunir as peças de um "quebra cabeça", identificando, pouco a pouco, experiênçcias que contribuam à elaboração de novas lógicas e socializando tudo isso. Entre elas, há uma experiência em Qubec, no Canadá, que eu queria trazer para esse seminario. Ela junta dois aspectos interessantes: a) a mobilização do cidadão para elaborar e fazer adotar uma lei que elimine a Pobreza; b) uma oficina de saberes sobre as finanças públicas que através da interlocução de pessoas, em situação de pobreza e os funcionários do Ministério das Finanças, procuram buscar novos conceitos. Tudo isso mostra a importância da questão humana, da troca, da confiança...
HENRIQUE DELRIO Treze questões chaves para avançar...
1- Debate cultural e de conceitos Necessitamos de espaços próximos e cotidianos onde possamos debater a fundo todos os conceitos que nos afetam: O que significa desenvolver-se? O que entendemos por rentabilidade? O que entendemos por economia? Qual é o verdadeiro poder? Ao mesmo tempo existem conceitos que não se podem definir separadamente, como por exemplo o desenvolvimento, os processos produtivos, a economia, a rentabilidade, o emprego/trabalho e a formação, porque estes conceitos são parte de uma mesma coisa. Também é necessário acabar com a cultura da reivindicação com o eixo cultural e trabalhar com a cultura da gestão.
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2- Um conceito integral de desenvolvimento, local e comunitário As pessoas, individuais e em grupo, são os sujeitos protagonistas indiscutíveis do desenvolvimento. As cidadãs e os cidadãos são o centro de qualquer planejamento do desenvolvimento Planificar e gerenciar o desenvolvimento de todos os setores e aspectos que nos concernem: - Urbanismo, moradias, transporte, vias de comunicação aérea, terrestre e marítima, sistema de informação e comunicação... - Alimentação, agricultura, pesca, recursos florestais, aquáticos, minerais, energias limpas e renováveis, eólica, solar, hidráulica... - Indústria, serviços, comércio, tecnologia limpa, turismo equilibrado e social - Prevenção e atenção a saúde, cultura, arte, ensino, educação, formação, meio ambiente... Um território abrangente a nível humano e quantitativamente suficiente para a auto-satisfação das necessidades básicas 3- Novos conceitos de trabalho Trabalho é a atividade que realizamos para satisfazer nossas necessidades e as da comunidade cidadã que nos rodeia. Tem uma função social que vai além da economia. E isso não é o mesmo que o emprego. Emprego é uma forma jurídica/administrativa. Através do trabalho temos que desenvolver nossas capacidades O Direito e o dever de trabalhar para dar nossa pequena contribuição à evolução e ao avanço da humanidade. 4- Outro conceito de empresa e economia Como asseguramos que não estamos reproduzindo empresas capitalistas clássicas? Necessidade de alguns indicadores: Empresas concebidas como um processo independente para o lucro particular...
produtivo completo e não como um negócio
Avaliar a rentabilidade integral, não só financeira... Crescimento das pessoas em suas capacidades Participação dos trabalhadores na gestão da empresa... Envolvimento dos trabalhadores no sistema financeiro... Conduta ética a respeito da qualidade do que se produz...
460 Compromisso com as tecnologias limpas e respeito ao meio ambiente... Não aceitar que alguma parte do processo a nível local, nacional ou internacional desrespeite estes princípios...
5- Novo conceito de mercado Utilizar o mercado como espaço de troca honesta e justa. Não pode haver comércio justo senão existir preço justo para cada uma das partes que intervém no processo produtivo desde o produtor até o consumidor. É necessário ampliar o marco do mercado “latente” para a satisfação das necessidades das pessoas em todas as suas dimensões: Materiais e fisiológicas, espirituais, intelectuais e culturais... Hoje muitas destas necessidades não encontram resposta satisfatória porque não são financeiramente rentáveis no mercado “clássico”. Um mercado assim seria a articulação lógica dos planos de desenvolvimento local.
6- Nov@s empreendedor@s Econômicos, Sociais e Solidários Necessitamos de novos gestores da atividade socioeconomica que substituam aos atuais, gerenciando o seu trabalho, suas empresas, na mesma linha do desenvolvimento local que queremos Tem-se que estimular às cidadãs e cidadãos a assumir a responsabilidade de gerenciar as empresas , o conjunto do processo produtivo e desenvolver a cultura da auto-gestão compartilhada. Necessitamos escolas de formação de empreendedores mais na prática do que nas aulas com acompanhamento porém praticando e acostumando-se a optar, arriscar e decidir.
7- Novas formas de financiamento Necessitamos instrumentos e circuitos financeiros alternativos. Para o desenvolvimento local e das empresas de economia solidária faz-se necessário captar recursos dos cidadãos e dos membros das próprias empresas. O dinheiro é como a água que flui e rega nossa sociedade e não pode estar represada. Ele é um meio para trocar. O dinheiro serve para medir o valor que damos às coisas. No entanto ele está represado nos bancos que o estancam. É necessário evitar passar pelo circuito do monopólio dos bancos sobre o dinheiro. O dinheiro precisa ser usado de três maneiras: Para o consumo dos bens e serviços que trocamos com outros através dele.
461 Para a poupança: para investir (como capital ou como crédito), ou para doar.
8- Desenvolver capacidades básicas para a vida e para o trabalho Capacidade de pensar: observar, identificar e relacionar Capacidade de assumir responsabilidade: assumir decisões, cumprir os compromissos adquiridos e medir as consquencias dos atos (prudência) Capacidade de comunicação: saber escutar, saber formular, expressar sentimentos e estar perto do outro Capacidade de gestão: saber planejar e programar, ter visão de conjunto, rigor com os objetivos previstos, saber avaliar e ponderar, saber aproximar-se e aglutinar, dividir tarefas e responsabilidades. Capacidade de iniciativa: audácia, genialidade e imaginação, criatividade prática realista, observação para melhorar e inovar Capacidade de arriscar: aceitar desafios e incertezas, assumir cooperação mais que competitividade. Auto-domínio pessoal: Conhecimento de todas as suas dimensões (físicas, intelectuais, emocionais e espirituais). Metodologia de relaxamento e sentir-se em paz consigo mesmo.
9- Desenvolver atitudes chaves Atitude realista: assumir o contexto próximo e o mais amplo. Assumir a diversidade, a pluralidade e a proporcionalidade Atitude aberta e pesquisadora: anti-determinista, curiosidade e constância, rigor, verificar, contrastar, escutar, aceitar a possibilidade e a probabilidade de várias explicações, aprendizagem e desejo de saber mais. Atitude de envolvimento: tomada de consciência e de postura, ativa e positiva, serena e confiada, comprometida. Atitude audaciosa: confiança no êxito, confiança em nós mesmos, no grupo e no projeto. Atitude de diálogo: escuta, admiração, comunicativa Atitude respeituosa: pluralista e tolerante, universal, consigo mesmo e com os demais. 10- Novo enfoque da globalização como cooperação O desafio que temos é como articular planos de desenvolvimento mais amplos que o nível local. Necessitamos experimentar articulações de produção e comercialização a nível internacional para acostumarmo-nos a planejar numa escala planetária e que todo mundo saia ganhando.
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Somos “vasos comunicantes” e se alguém fica com muito é por que alguém fica com pouco. Se há riqueza e abundância é porque ha concentração de riquezas nas mãos de uns poucos e pobreza nas mãos de muitos. 11- Um tipo de formação coerente com os pontos anteriores A formação é um processo permanente ao longo de toda a vida baseado em três pilares inseparáveis: a- A informação rigorosa e plural b-Envolvimento pessoal que supõe tomar consciência da situação e tomar postura frente a realidade. c-A atuação coerente com a tomada de consciência e de postura
Por isso ninguém forma ninguém, porque ninguém pode substituir a autoformação
12- Uma metodologia adequada Participar não é o mesmo que assistir. A participação consciente baseada na metodologia das festas onde todos decidem onde e como celebra-la e não a metodologia das “bodas” onde só os noivos decidem tudo e convidam os demais a “participar” ou seja assistir a boda. A metodologia da auto-gestão na qual todos assumem a responsabilidade de gerenciar sua vida. Divide-se tarefas e não cargos. Assim se desenvolve as capacidades e atitudes de todos. A metodologia de formação através da ação. A metodologia de planejamento e avaliação. 13- Uma organização coerente Organizações autônomas e independentes em sua capacidade de decisão. Muitas pequenas organizações auto-gestionárias articuladas são melhores do que grandes organizações hierarquizadas e com grandes orçamentos.
JOSÉ FRANCISCO DE MELO NETO Esquema telegráfico da intervenção:
463 Alguns elementos para a discussão em Educação Popular na economia solidária
1. A importância de se promover uma política de soberania nacional alinhada à propostas universais de um desenvolvimento ecológico e sustentável, em bases à economia solidária; 2. A importância das energias animadoras com o atual quadro político do Brasil, com a eleição de Lula, e a necessidade da autonomia dos movimentos sociais; 3. O sequestro dos conceitos da esquerda e das classes populares e a necessidade de seu resgate, como os seguintes: a) b) c) d) e)
crítica, cidadania, trabalho, cultura, economia solidária (conceitos econômicos, políticos e éticos ..).
4. Questões para a economia solidária: Anibal Quijano: estes sistemasa alternativos de produção já constituem, hoje, uma economia solidária? Paul Singer: A economia solidária no Brasil é apenas uma resposta à crise do trabalho ou projeta uma transformação sistêmica voltada ao socialismo? José Francisco de Melo Neto – A experiëncia em análise busca alternativas econômicas viáveis e promove a emancipação das pessoas? (uma questão que se posiciona contrária à idéia de que a História acabou e a visão que mostra o desenvolvimento, apenas, pautado na perspectiva econômica (bases do desenvolvimento capitalista liberal). 5. Resgate dos conceitos do campo da economia solidária e educação popualar: solidariedade, autonomia, sem laissez-faire ...), autogestáo, participação, aversão ao lucro, diálogo. 6. O que pode ser a educação popular, hoje? a) b) c) d) e)
uma teoria do conhecimento; com um conjunto de metodologias produtores de conhecimento, com conteúdos específicos e rigorosamente planejados, com técnicas de avaliação, com uma sustentação essencialmente política.,
Em seguida, seguido a metodologia do Seminário, apresentaram-se questões e promoveram as discussões.
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TARDE O início da tarde aconteceu com a apresentação de peça teatral, sendo assistida pelo Secretário da Economia Solidária – PAUL SINGER. Terminada a peça, Angra das Rainhas, a coordenadora Adriana apresentou o professor Singer, agradecendo a sua presença.
INTERVENÇAO DO PROFESSOR SINGER Depois dessa peça, fica difícil falar sobre um assunto burocrático, a criação de uma Secretaria. Esta é resultado da pressão do GT Brasil em Economia Solidária. Ela se formou a partir da organização em debate sobre economia solidária, a partir de exposições nos “forum”, em Porto Alegre. Este forum propôs ao Lula a criação dessa Secretaria de Economia Solidária no Ministério do Trabalho. Isto foi atendido e o Lula me convidou para ser o secretário. Meu nome, contudo, foi indicato pelo GT. Esta secretaria foi assim constituída. Ela não está funcionando, pois precisa ser criada. Vou dizer três coisas: a) o primeiro GT que era só para os “forum”, está se tornando um Forum Brasileiro de Economia Solidária. Ele está maior que aquele de início. Isto só funcionará se estivermos em parceira com as entidades. Enquanto o governo está constituindo a secretaria, nós estamos formando o Forum Brasileiro de Economia Solidária. Ele foi lançado em Porto Alegre .........
QUESTÓES 1. Se a secretaria pretende os princípios da economia solidária? R : Há alguns princípios que servirão para definir algumas normas, aqueles da economia solidária; 2. As coopergatos R : devemos escolher o joio do trigo. 3. A divulgação de crédito. R: Vou contar como sugestão 4. Os pequenos grupos. R: As pequenos grupos, se através de organizações como as diversas ONGS. 5. Os supermercados capitalistas que querem formar cooperativas
465 R: Há exemplos e exemplos de que é possível contatos com os pequenos comerciantes(agricultores, farmácias ... Mas isto só será feita por deliberação de nós todos. 6. O número 20 atual para as cooperativas. R: penso o número 2 como o mínimo. Na Europa tem chegado a 3. Haverá problemas com o parlamento e já há vários projetos nessa direção. Não será resolvido lá em Brasília mas com a realização de muitos encontros nossos. 7. O crédito para pequenas cooperativas e comercialização. R: Criar rede de cooperativas e sobretudo comercialização, sim. 8. O Fórum nacional ser nacional, estadual e municipal. R: Não é órgão de secretaria, a sua forma em nível estadual e municipal me parece que é bom. Não respondo a todas as questões porque não sei. Levarei todas elas para serem estudadas e como sugestão. Em seguida, lhes foram entregues uma carta das entidades promotoras do Seminário e o Documento Síntese do mesmo.
AVALIAÇÃO Do coordenador: Ricardo Agradecimentos às equipes de todo o Seminário. Dando continuidade: distribuíram fitas de papel de variadas cores constituindo diferenciados grupos que dançaram ao som de músicas previamente escolhidas. Juntaram-se em seguidas em grupos de mesma cor, para responder a pergunta: 1) O que mais achou importante no seminário, e 2) que sugestões apresenta, cada grupo. Houve, também, uma avaliação individual, apresentada à coordenação do evento por escrito para futuras pesquisas. (Síntese dos grupos) 1. O seminário foi um bom momento de produção de conhecimento: -
conhecer melhor a economia solidária, descomplicar o complicado, importante aprofundar a filosofia da prática cooperativista, a solidariedade do povo brasileiro e aprender com as suas lutas, as informações recebidas nas palestras, os relatos das experiências, descobrimento da economia solidária que já faz parte do Brasil, resgate das raízes, valorização do local e do internacional
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2. Houve uma boa troca de experiências: -
constata-se na realidade a existência da economia solidária, muito gratificante as trocas de experiências, intercâmbio entre as instituições e as pessoas, respeito à sabedoria das bases
3. Boa metodologia: -
razão e emoção tratadas juntas, permitiu conhecimento e intercâmbio entre as experiências, liberdade de expressão, prática combinada à teoria, participação coletiva como estímulo para continuar, oportunidade de envolver outros para também aprender, favorecimento do coletivo, participação real das bases, boa organização das oficinas de trabalho,
4. Convivência muito rica:
-
- alegria, - comunicação, - força da diversidade, - autenticidade, - dinâmica diária de integração muito positiva, - a constante preocupação da integração de todos os presentes, - solidariedade sem limites, troca de energia positiva,
AS ESPERANÇAS CONTINUAM VIVAS
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ANEXOS:
4. Carta ao Secretário da Economia Solidária
Seminário Internacional - Socioeconomia Solidária para o Desenvolvimento Integral, Democrático e Sustentável 3 a 6 de Fevereiro/2003
Rio de Janeiro, 6 de fevereiro de 2003.
CARTA AO PROF. PAUL SINGER As instituições promotoras do Seminário Internacional “Socioeconomia Solidária para o Desenvolvimento Integral, Democrático e Sustentável”, realizado no Rio de Janeiro, do dia 3 ao dia 6 de fevereiro de 2003, têm a grande satisfação de contar com sua presença no dia do encerramento deste evento que, certamente, marcará nossas trajetórias institucionais e a compreensão do público participante, em sua grande maioria composto por pessoas inseridas na economia popular, frente ao tema da Socioeconomia solidária. No Estado do Rio de Janeiro, tem sido notório o crescimento das práticas solidárias nas atividades de organização autogestionária da produção, consumo e comercialização por parte de uma série de grupos de produção e cooperativas efetivamente populares. Neste sentido, o Seminário é peça-chave para o fortalecimento da Socioeconomia solidária no Estado, representando a consolidação da Rede Estadual de Socioeconomia Solidária no Rio de Janeiro, concebida como espaço de desenvolvimento de intercâmbio solidário de bens e serviços, de edificação de um sistema socioeconômico solidário no interior mesmo do sistema dominante e de desabrochamento dos valores, atitudes e comportamentos que configuram a integralidade do ser humano. Embora este evento tenha sido concebido antes mesmo que nosso sonho se tornasse realidade, é enorme nosso contentamento com a proximidade da criação oficial da Secretaria Nacional de Economia Solidária, da qual, com muita propriedade de escolha, lhe será destinada a titularidade. Neste momento, então, vimos sugerir enfaticamente que o Fórum de Cooperativismo Popular do Estado do Rio de Janeiro, com sete anos de existência, e a Rede
468 Estadual de Socioeconomia Solidária, ambas partes integrantes da RBSES, sejam identificados como interlocutores da Secretaria Nacional. Nesta interlocução, caro prof. Paul Singer, estaremos sempre compreendendo a economia solidária como, no mínimo, um instrumento poderoso de transformação social; em franca oposição, portanto, a qualquer conotação que a enquadre apenas como política compensatória. O que, temos certeza, se articula inteiramente às diretrizes propostas pelo governo Lula com relação às políticas públicas, notadamente, àquelas de cunho emancipatório para as classes populares e assim capazes de ensejar um novo tipo de desenvolvimento, o que se encontra no cerne da construção da Socioeconomia solidária.
Cordialmente, Entidades promotoras: Cedac, Cepel, Coopop, Capina, Pacs e Unitrabalho.
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8.POESIAS121
artesanato paraibano
121
(boa parte dessas poucas poesias foram editadas no Diรกrio da Borborema, em Campina Grande, na parte do jornal REVISTA TUDO)
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POESIA 1 A VOLTA
O lar. A casa. O mar. De um homem teu, ontem, Cuidar. Matéria, Comodidade, buscar. Os anos tua monotonia bateu. Às campinas, convite se foi. Um projeto político viver. Meu aceite, tua família assustar. Sair de mim, não ofender. Não há princípios a te cobrar. A volta ao lar, tudo ao ar. Ciúmes, de amor floresceu.
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Não fomos nós, foram eles. Eles e só. Teu olhar. Ao lado estar. Mas não podemos se amar.
POESIA 2 CIDADE DESERTA. Palavras, olhares. Palavras, valores. Valores, coração. Entendimento, poesia. Encontros, conversas. Desencontros, desentendimentos. Conversas nossas tão poucas. Conversas nossas nas brigas. Falações gregas. Expressões latinas. Nada em guarani. Vontade, gestos teus de ri. Expressões permanentes de ir. Necessidades de ir. O tempo como fundamento, decisões. Tentativas minhas de ficar. Expressões minhas de ficar. Necessidades minhas de ficar. Teu canto, teu trabalho, teu som. Meu som, meu trabalho, meu canto. Tua visão, teu mundo, amenidades. Minha visão, meu mundo, meus materiais não respondem aos teus e nem aos meus. Meus ciúmes escondidos e profundos não aceitam teu mundo. Talvez nos queiramos para nós. Não entendes, é minha mata. A cidade foi ferindo a mata. São meus ciúmes. Agora, onde estás?
POESIA 3 EU DISSE: NÃO.
Não vim por você. Não estou prá amá-lo. Não amo você
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E nos amamos ao mar. Eis seus escritos, Já, por tantas vezes. Eles causariam perigo. E nos amamos ao mar. Vamos morar nas campinas? Vamos fugir? Brincadeiras. Prisão e o teu medo de amar. E nos amamos ao mar. Mesmo querendo demais. Não mais podia te amar. Pois o vento da rede levara um sonho, do sétimo andar.
POESIA 4 FLOR DO SERRADO. Abril. Ciência-Hoje. Livraria. Bolsa azul. Vermelho. Defesa da vida. Supernova. Superquadra. CPG. E eu sem você! Ética. Arquitetura. Agronomia. Produção. Sistemas. Química. Semiótica. Política. Ogum Megê. E eu sem você! Computação. Simulação. Ergonomia. Sessão especial. Discurso. Festa e painel. Produtos naturais. Coca-cola. Tv. E eu sem você! Simpósio multidisciplinar. Psicologia. La dance de l`univers – je ne suis pas. PCB. SQS. QNO. Viplan. UnB. E eu sem você! Anticorpos monoclonais. Cronobiologia. Terapia sexual. Tabagismo. CPF. RMN. Vacina antifeto. Show de química. LDB. E eu sem você! Hidráulica, recombinantes. Fisiologia. Sociedade: Brasil ano dois mil. Como assim dar parecer, eu sem você? Funk. Punk. Jung. Alegoria.
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ConSciência. Pos-moderno. Yang. In. Anarquismo. Social. Eu. Mais o quê, eu sem você?
POESIA 5 INTIMISMO. Superar a matéria, o comentário. Fugir da imprensa. Não resposta ao público. Fim da família. Não conservar o nome. Não cuidar de filhos. O cultural. De lado o preconcieto. Nem fazer orações. Nem fazer caridade. Ser profundamente apolítica. Um choro de amada. Um amor possessivo e deminador. E tal conflito superado Com amor que quero compartilhado. De lado o machismo. Além do feminismo. Crise de sentimentos Como não teres medo? Como é difícil! Ir além do próprio ego. Fazer viver o próprio eu. É possível ser capaz de ser feliz: Se se amar, removendo tudo mais.
POESIA 6 JÁ NE PAS. De repente, silêncio no mundo. Um beijo que cala tudo. Um ar, de respirar. Um mar, de te beber.
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O ar, o mar de amar. Jane pas.
POESIA 7 NON SENSE. O sonho, a imagem, a fantasia, o real. E eu caçando a cidade sumida, letreiros, lanchonetes, motéis, móveis padronizados, lojas, nova vida. Estranha história de um amor filmada. Estradas como video-games gigantes. Cidades como puro out-doors. E se tudo transfigura o simulacro, e na busca de tua representação. Concreto mesmo só a contradição. Prédios de vidro descartável vejo, e sua efemeridade me fascina desde a unidade socrática já perdida. E é na falta da consistência de si mesmo, Construindo o novo, motivo da vida. Que amor novo? Há velho amor em ti? Qual agora o belo e qual a razão? E há a razão e o belo que queres? Fórmulas de vida há infinitas e candentes mas a totalidade e o nada em ti, em mim, são presentes. Procuro a trilha escondida da tua dúvida e o arrebento do discurso e do preceito. Surrealismo, confusão, o preconceito, a irreverência, a violência, o sexo, teu ser, o humor, o mutável, tudo é risível em teu viver. É a tua estranheza maquínica, talvez, tua superadação da velocidade a laser. Estranho conceito do teu estranho novo mundo. Fim de tua crise como regra e sim exceção. Teu discurso conflitante pulsa meu coração. Mas se o todo cicundante é de dúvida, Onde buscar o teu mapa incompleto? Não me devorarás pois a dúvida é minha certeza. É a epistemologia discordante da tua contemporaneidade. Como não viver efêmero e gratuitamente a atual eternidade?
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Que resta a ti, a mim esta realidade? Como explicação? Desespero? Nihilismo? É preciso se viver com a falta. Após as chuvas vem a brancura da névoa do inverno. Amo-te, este teu amor pós-moderno.
POESIA 8 PERTO E DISTANTE
Olho a chuva, a noite, vem o dia. Bate papo, estudo, alegria. Bate o sino, tua lembrança bate o coração. Granizo, teu calor, onde estás? Na distância, senti, beijei o ódio. No concreto, beijei minha dor. No jardim, ví, beijei a rosa.
Na mata. Ah! beija-flor. No teu corpo, beijo teu beijo, amor.
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POESIA 9 SIM E NÃO EM VOCÊ. Não mais escreverei sobre saudade, não, não há saudade. Não mais direi sobre ternura, não, não há ternura. Não mostrarei afeto, não há sangue nas veias. Não, não buscarei carinho, pois futilidade. Não falarei de amor, Disseram não existir. que mais dissera? Que os astros não combinam? Aprendi? Escutei? Vivo? Elas, conversas, versões pelo fim dos sentimentos e sonhos. Ah! Ney /deys! Que bom! Lí dela carta de amor. Todo diferente meu coração. Volto correndo a escrever, então. De amor, de escrever, de energia, com força ama. Ah! Há, sim, lugar para se amar e sonhos.
POESIA 10 AMO. Te quero amada, te amando mais. Te quero companheira, vivendo ao meu lado. Te quero amiga, te confidenciando mais. Te quero amante, fervente de amor. Te quero mais, pois te quero na luta, estando ao lado. Saúde, pois, sim. Trabalho, pois não aliena. Amor,
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pois te quero. Emoções, pois corações. Busco as coisas, tornando-as possíveis, te elevando aos céus do prelúdio, querendo o querer do pirata azul. Ser feliz.
POESIA 11 VIANDANDO. Chega a noite, fora o vento. No parabrisa, água escorre. Eu busco luz e o dia morre. Com braços meus te afagar. Lábios meus corpos beijar. Vejo-te aqui e não estás. Chuva insistentemente cai. Em mim, canto vazio soa. Se eu contigo o tempo voa. Mãos, lábios, cabelos teus, Mas em vão. Onde estarás? Se mais te amo. Amo-te mais.
POESIA 12 poema carioca noite alta, cama, quarto de hotel. luzes apagadas, afago o ar. da varanda vejo o cristo redentor. noite escura e seu brilho no corcovado das serras cariocas. estou cansado dos fazeres do dia e meus pensamentos passeiam pelos canaviais. não se limitam pensamentos avoantes. continuo vagando e, veja, vejo da cidade vagalumes. me enrosco na cama e voam meus sonhos. penso em você. mas não tenho você! sozinho, ventos, nuvens vagueiam. solto as mãos mas não toco em você. não há você. minhas mãos soltas em teu corpo, em todo corpo teu de branca cor. sinto o meu corpo no teu corpo sob o brilho da benção do cristo redentor.
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POESIA 13 poema das águas do guaíba águas do guaíba, porto alegre, cair do sol, brilho de mar mas, não é o mar. canta, prenuncia, inspira o verbo mas não o amar. voam pássaros, velejam barcos sem alegria. arcos, farrapos, retratos. aqui, eu te queria. longe, bem longe, saudade aperta um coração sedento que enviveceu. um porto alegre será somente tu nos braços meus. beijos
POESIA 13 Apresentação: Às crianças, aos jovens para nunca esquecerem que houve uma madrugada de abril em 1964
escravidão república tenentismo resgate histórico sessenta e quatro constituinte reforma de base medos poder do cgt quartelada passeata dos cem mil tfp movimentação de tropas maranhão rio grande Bahia bandeiras trincheiras quase nada salário educação bolsa escola plano nacional estatutos da terra da serra magistério bnh fgts inps conquistas desenvolvimento cupulismo duas décadas autoritarismo reacionarismo pseudorevolução para onde talvez mal quisto
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relatos de prisão tortura luta pau de arara foguete telefone fotos dramáticas radiografia elizabeth Teixeira julião cabra marcado onde está João Pedro nego fubá anistia conduta moralidade trabalhadores pequena burguesia que querias que querias alforria ao lado contra ao contra violência solidária inter“in” inter”soft” interüp” inter”net percepções de curso e dissolução leveza surrealismo repressão liberdade tragédia invasão à faculdades de concreto de massa de saber o medo congela o pensamento tristeza assasinos sabotagem flor candelabro reluzente divisão árabe belfast Israel leste oeste apartação gás letal muro artificial liberalismo plus valia busca de liberdade com toda angústia modelo mexicano latino americano carnaval augrúrios periferia compra-se modernidade rouba-se pósmoderno 100mb memória superação de oposição alternativas ave Maria patente de vida genoma mágica por trás da ciência top models topquarks topless até nunca madrugada de abril tope o combate à opressão
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9. CURRICULUM LATTES - endereรงo: http://lattes.cnpq.br/5514042389040539