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Sociedade Ponto Verde: “precisamos de uma reindustrialização no caminho da economia circular”
Em 25 anos de atividade, a Sociedade Ponto Verde contribuiu para a valorização de nove milhões de toneladas de resíduos de embalagens. O organismo trabalha com 8.200 empresas na estratégia de inovação para a cadeia de valor das embalagens e promove junto dos portugueses a sustentabilidade alicerçada na reciclagem. Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, aponta os desafios que Portugal tem pela frente para alcançar a meta traçada para 2025: reciclar 65% de todas embalagens que forem colocadas no mercado.
Texto Susana Marques smarques@ccile.org Fotos DR
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Que análise faz do percurso e do papel da Sociedade Ponto Verde em Portugal? temos já 25 anos de atividade em Portugal, marco que estamos a celebrar este ano. Enquanto primeira entidade gestora de resíduos de embalagens do país demos início a um processo transformador. Este fluxo de resíduos (que representam 20% a 25% dos resíduos urbanos) que antes tinham como destino as lixeiras, passam a ser geridos e valorizados através de um sistema organizado, o SiGRE - Sistema integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens. Quando olhamos em retrospetiva, vemos que em 1998, nos primeiros anos da nossa existência, foram recicladas 1.495 toneladas de resíduos de embalagem e que em 2020 conseguimos já chegar a quase meio milhão de toneladas. Estes dados mostram o caminho que a SPV tem feito em transformar o conceito de reciclagem como algo desconhecido, numa rotina do dia-a-dia, tornando-o num tema central no contexto da discussão ambiental. O nosso papel foi essencial nesta evolução através da divulgação de conceitos e de simples gestos como colocar as embalagens nos ecopontos corretos. Na altura criação da SPV a reciclagem era pouco expressiva e deficientemente enquadrada nas preocupações dos portugueses. Atualmente, e todos os estudos que temos feito o mostram, os portugueses já reconhecem que é o principal gesto que podem ter para melhorar o ambiente. Aliás, um novo estudo feito pelo instituto de ciências Sociais da universidade Nova de lisboa e Observatório de Ambiente, território e Sociedade, para a Sociedade Ponto Verde mostra-nos que os resíduos urbanos estão no topo das preocupações ambientais dos portugueses.
Como se financia a Sociedade Ponto Verde e quais são as prioridades dos vossos investimentos/ projetos? As empresas que colocam e comercializam as embalagens no mercado português pagam a uma entidade gestora, neste caso a Sociedade Ponto Verde, para garantir que as suas embalagens são valorizadas e seguem para reciclagem. Esse valor é utilizado para financiar a recolha e separação das embalagens usadas que estão nos resíduos urbanos e para garantir a reciclagem dos resíduos separados. Os resíduos são ainda vendidos aos recicladores, por leilão (papel/cartão, vidro, plástico, madeira, aço e alumínio). Fazem parte dos investimentos da SPV os projetos de comunicação, educação e sensibilização junto dos consumidores, através de campanhas nos meios de comunicação social e de apoio aos municípios para que a população adote comportamento de separação das embalagens e as coloque nos ecopontos. temos ainda programas de investigação, desenvolvimento e inovação que estimulam o desenvolvimento do mercado de produtos e materiais reciclados. Neste momento trabalhamos com cerca de 8.200 empresas e, ao longo dos últimos anos, fomos além da nossa missão principal na gestão da reciclagem das embalagens. temos apostado numa estratégia de inovação para a cadeia de valor das embalagens, ao mesmo tempo que procuramos comunicar com os portugueses a importância da reciclagem. temos feito uma forte aposta no incentivo e investimento na criação de melhores soluções de embalagens e processos. Foi por isso que criámos o projeto Ponto Verde lab, um hub de inovação e de conhecimento que pomos ao serviço dos nossos clientes embaladores para que possam fazer escolhas mais conscientes e direcionadas para a melhor criação e utilização possível das embalagens.
Quais são os principais desafios e a estratégia futura da Sociedade Ponto Verde? Os investimentos na inovação, na reindustrialização verde, na digitalização e na economia circular são os nossos grandes desafios atualmente. temos de trabalhar afincadamente com um grande conjunto de parceiros, cidadãos, entidades municipais e Governo. temos de continuar a comunicar diariamente com o cidadão sobre as vantagens da reciclagem e as atitudes que devemos ter neste campo, bem como os resultados que os seus esforços estão a permitir alcançar. Por outro lado, o nosso objetivo é trazer transparência à reciclagem e mostrar o que acontece depois do ecoponto e como funciona o mundo da reciclagem das embalagens. Os consumidores precisam de saber quanto custa e quanto pagam pela gestão de resíduos. Precisamos de convocar a ciência e a academia, porque necessitamos de novas soluções e de que a indústria as acompanhe para encontrarmos formas de recolher mais embalagens, tratar melhor os materiais, obter matérias-primas secundárias, que possam ser valorizadas no mercado e voltar a entrar no circuito da produção, promovendo a Economia circular.
Como tem evoluído a recolha de resíduos e da reciclagem em Portugal (em volume e valor)? Há 25 anos, o reconhecimento de que a gestão de resíduos era um problema que poderia ser transformado numa oportunidade tornou-se num ponto de viragem na mentalidade dos portugueses. E os dados são claros nesta afirmação. Em 1998, foram enviadas para reciclagem cerca de 1.500 toneladas de embalagens, em 2005 já foram quase 197 mil toneladas e em 2020 ultrapassaram-se as 409 mil toneladas. No total deste último quarto de século, a SPV contribuiu para a reciclagem de nove milhões de toneladas de resíduos de embalagens. Os dados do ano passado mostram-nos que nove em cada 10 portugueses afirmam fazer separação de embalagens e veem neste comportamento o seu maior contributo para a proteção ambiental. E estes dados revelam que os comportamentos de reciclagem continuam a fazer parte do dia-a-dia dos portugueses, mesmo num ano em que os seus estilos de vida foram inevitavelmente alterados. Aliás, a recolha seletiva de embalagens em Portugal em 2020 aumentou 13% face a 2019.
Em que domínios da recolha e reciclagem de resíduos estamos mais avançados? como referido anteriormente, em
2020 foram encaminhadas para reciclagem mais de 409 mil toneladas de embalagens. dos resultados obtidos o destaque vai para a recolha de 132 mil toneladas de papel e cartão, que equivale a um aumento de 39,7% face ao ano anterior. Já as embalagens de plástico ultrapassaram as 68 mil toneladas recolhidas e o vidro atingiu quase a 192 mil toneladas recolhidas. concretamente no campo das embalagens, Portugal tem feito um caminho consistente na reciclagem, tendo alargado a “rede” de stakeholders e apostado no caminho da inovação, tendo como horizonte o cumprimento das metas europeias, agora ainda mais relevantes tendo em conta que a recuperação da sociedade europeia vai assentar no Pacto Ecológico e numa transição verde e digital. Em alguns materiais, como o papel-cartão e o plástico, até ultrapassa o cumprimento da meta. Apesar dos resultados positivos que a recolha seletiva de embalagens tem apresentado em Portugal, as exigentes metas a nível nacional e europeu obrigam-nos a continuar a fazer mais e melhor para aumentar os números da reciclagem. Na SPV temos trabalhado para garantir que empresas e embaladores conseguem desenvolver melhores embalagens, através de melhores indústrias e técnicas de reciclagem, sem esquecer uma regulação do setor mais simplificada, equitativa e integradora de todos os seus agentes.
Considera que tem sido positiva a evolução da consciência ambiental dos consumidores, das autarquias e das empresas? O que tem sido mais desafiante a este nível? Percebemos continuamente que os resíduos urbanos são considerados essenciais no quadro das preocupações dos portugueses, desde a escala nacional à local. Aliás, quando a questão se põe à escala próxima do bairro, surge muito vincadamente identificado o problema dos resíduos e o da falta de limpeza nas ruas. Até porque são questões com uma expressão direta no dia a dia dos portugueses, na sua qualidade de vida e bem-estar. E para fazer aumentar a reciclagem em Portugal, a ação das autarquias, desde as câmaras até às juntas de freguesia, é fundamental. Esta é outra das conclusões que conseguimos retirar do estudo promovido pela SPV para analisar as práticas e atitudes dos portugueses face à gestão de resíduos urbanos, em especial no campo das embalagens. É essencial prestar um melhor serviço para que as pessoas possam reciclar mais e, aqui, a abordagem digital poderá ser o caminho, até para que se tenha um melhor conhecimento de como se faz a reciclagem. Em 2025, Portugal terá de reciclar 65% de todas embalagens que forem colocadas no mercado. Neste momento, a meta é cumprida com 55%, mas o desafio é conjugar o calendário dos compromissos assumidos pelo país com a capacidade de modernizar e trazer a inovação para encontrar novos processos para os atingir. Há 25 anos, que a SPV estuda o comportamento dos consumidores, para poder adequar quer a sua estratégia de sensibilização, quer a sua atuação, juntamente com os parceiros que operacionalizam a gestão do sistema e percebemos que quem não recicla não o faz por falta de ecopontos. E, nesses casos, talvez o caminho seja uma comunicação de proximidade, através das juntas de freguesia e das câmaras municipais. A evolução do sistema, no sentido de se fazerem recolhas porta a porta, na casa dos consumidores e mais perto dos locais de consumo, poderá permitir inverter esta situação.
Ainda se comercializam embalagens maiores do que seria necessário para o produto que contêm. Como pode ser resolvida essa questão? É preciso olhar para as embalagens aplicando conceitos de ecodesign, essencial para melhorar o impacto ambiental das embalagens e o desempenho da gestão de resíduos no país. O design sustentável deve ser uma prática obrigatória nas políticas de sustentabilidade das empresas que trabalham as embalagens. As crescentes exigências no campo da reciclagem de embalagens levam a que muito tenha de ser feito e pensado no sentido de desenvolver e gerir embalagens que estejam em linha com as necessidades ambientais, mas que também correspondam às necessidades de conservação, transporte e segurança para as quais foram criadas. claramente, temos que evitar o overpackaging e adequar as embalagens ao produto, mas também à sua dimensão e reciclabilidade. Políticas de prevenção para a redução de resíduos, pode passar por redesenhar uma embalagem, otimizá-la para reciclagem ou encontrar uma opção de recarga. Princípios que podem ser explorados no conteúdo disponível em www.pontoverdelab.pt
Que desafios e oportunidades tem Portugal pela frente no domínio da exploração económica dos resíduos? Estamos a saber tirar partido da matéria-prima lixo? No nosso ponto de vista, precisamos de uma reindustrialização verde, que é também uma oportunidade para a nossa economia. A SPV tem dado o seu contributo para que se faça, em Portugal, uma verdadeira agenda para esta reindustrialização no caminho da economia circular e participou ativamente no debate sobre o Plano de Recuperação e Resiliência. É essencial que deste financiamento sejam alocados recursos de investimento e de incentivo para que essa reindustrialização aconteça. Atualmente, os temas ligados ao setor dos resíduos não estão apenas relacionados com política ambiental, mas também com a política económica e fiscal. É a combinação destas políticas que levam ao desenvolvimento da bioeconomia, ou seja, a gestão e utilização de recursos de uma forma mais sustentável. A Sociedade Ponto Verde está comprometida e empenhada em contribuir, nos termos da sua licença, para os novos desígnios prosseguidos pela legislação aplicável, designadamente no alcance das metas de reciclagem de embalagens, e em colocar o seu conhecimento e experiência ao serviço da construção de uma economia verdadeiramente circular. Para este fim, o equilíbrio económico-financeiro do sistema, na extensão da sua cadeia de valor, é fundamental.
Quais são as mais recentes inovações e as perspetivas de evolução no setor da recolha e da reciclagem de resíduos? Que projetos podem destacar neste contexto? Podemos falar num exemplo simples relacionado com a recolha dos resíduos. Atualmente muitas das rotas de recolha de resíduos baseiam-se num conhecimento meramente baseado na experiência sobre o nível de enchimento dos contentores. Mas este conceito, por não ser comprovado, pode resultar em alocação de viaturas para recolher contentores que afinal não estão assim tão cheios ou a recolha de contentores que estavam demasiado cheios e até a transbordar, o que significa uma má qualidade de serviço ao cidadão. Esta situação pode ser ultrapassada através da sensorização. Apesar de já estar a ser utilizada por algumas
câmaras do país, há ainda muito a desenvolver num projeto que, aplicado às cidades, tornaria todo o sistema bastante mais eficiente e com melhores níveis de serviço prestado, contribuindo para desenvolver ainda mais o conceito de smart city. Outros dos aspetos inovadores da sensorização é o dos ganhos nos processos de triagem e reciclagem. Por exemplo, numa estação de triagem, se existir uma melhor monitorização nas quantidades processadas (quantidades triadas por triador, gestão de recursos humanos alocados, tempos de pausa) será possível otimizar os processos com ganhos de aumento de quantidades processadas, melhorando-se, assim, a eficiência de toda a estação e o rendimento dos turnos. A SPV já investiu mais de 11,5 milhões de euros na área da inovação e tem estimulado o aparecimento de novas soluções de embalagens mais sustentáveis e em linha com as exigências da economia circular, tendo estado ligada a mais de 40 projetos inovadores. Os resultados nesta área tiveram impacto, tanto ao nível das novas soluções de reciclagem e tecnologias de recolha e tratamento, como nas competências criadas e nas redes e sinergias obtidas. Existem muitas oportunidades de inovação e o caminho é procurar a melhor tecnologia para podermos transformar melhor estes resíduos e otimizar a eficiência desta cadeia de valor.
Que soluções de remuneração a quem recicla podemos esperar? Existem já várias soluções a serem implementadas e outras em estudo. A partir de 1 de janeiro de 2022 será obrigatória a existência do sistema de depósito e reembolso (SdR) de embalagens de bebidas em plástico, vidro, metais ferrosos e alumínio com depósito não reutilizáveis. Já em fase-piloto, encontra-se um sistema de incentivo para embalagens de plástico de bebidas em 23 localidades do país, além de experiências anteriores em alguns municípios. Por outro lado, podemos verificar a implementação de sistemas PAYt – pay-as-you-throw –, em que os consumidores são taxados em função da quantidade de lixo não separado, sistemas que já estão em fase de experimentação em alguns municípios do país. Ainda assim, apesar dos incentivos financeiros colherem opiniões positivas na generalidade, o fator crítico será sempre a conveniência, por exemplo através da acessibilidade às máquinas de depósitos.
Que lugar ocupa Portugal no mundo, no que se refere ao aproveitamento económico de resíduos? Quando olhamos para as metas globais em termos de reciclagem, Portugal ainda tem um caminho a percorrer. Mas, quando olhamos para o setor das embalagens, onde o grande consumo tem um grande peso no encaminhamento para reciclagem, Portugal cumpre as metas de reciclagem. Nos próximos dez anos, as opções políticas ao nível europeu, nomeadamente as enquadradas pelo Pacto Ecológico Europeu e pelo novo Plano de Ação para a Economia circular, vão ser determinantes e exigirão um compromisso de todos os envolvidos na cadeia de valor das embalagens. Na Sociedade Ponto Verde temos a forte convicção de que o setor dos resíduos é uma efetiva oportunidade para potenciar recursos e levar Portugal na liderança da transformação ambiental e economia circular.