NOVA em Folha | Abril 2020

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Autoria de Magda Migueis Contacto: magdamigueis@hotmail.com

NOTAS A ado(p)ção do acordo ortográfico em vigor é uma decisão individual pel@s membros da equipa, redacção e colaborador@s . Após a revisão completa do material pela equipa editorial, o conteúdo e a versão final dos conteúdos são da responsabilidade e exprimem somente o ponto de vista d@s respectiv@s autor@s.

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nova em folha abril 2020

Equipa Editorial Ana Raquel Alves

Beatriz Cabanilhas Beatriz Mateus Daniel Borges Diana Neves Francisca Oliveira Dias Francisco Nunes Inês Pinheiro João Martins Joana Freitas Liliana Marques Manuel Pinto

Redacção Álvaro Alves

Ana Malheiro Ana Raquel Alves António Castro Bárbara Alves Beatriz Cabanilhas Beatriz Mateus Carolina Ferreira Catarina Aires Daniel Borges Daniel Sardinha Diana Neves Francisca Oliveira Dias Francisco Azevedo Francisco Nunes

Mariana Abreu Pedro Fernandes Rita Serpa Tatiana Matos

Frederico Bernardes Inês Pinheiro João Martins Joana Freitas Julie Neves Liliana Marques Madalena Mafalda Gouveia Baptista Manuel Pinto Marcelo Franca Maria Madeira Mariana Abreu Mariana Baltazar Natacha Rodrigues Paulo Gomes

Paulo Rato Pedro Fernandes Rita Coutinho Rita Serpa Sara Margarida Francisco Tatiana Matos Tomás Girão Tomás Mesquita

Edição Gráfica Beatriz Cabanilhas

Filipa Serpa Francisca Oliveira Dias Joana Freitas Joana Lopes Lourenço Liliana Marques Mariana Abreu Rita Serpa Tatiana Matos

NOTA Gostas de escrever? Queres ver as tuas reviews, receitas, bitaites, histórias, crónicas, etc.. num jornal d@s estudantes para @s estudantes? Envia-nos as tuas propostas até ao dia 20 de cada mês e participa nas nossas edições mensais! Ficamos à tua espera!

Jornal NOVA em Folha | Edição de Abril 2020 Impressão: 50 cópias | Distribuição mensal e gratuita novaemfolha.ae@fcsh.unl.pt

FICHA TÉCNICA

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@novaemfolha.aefcsh

Já se gues NOV o A em Folh no In a stag ram?


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AEFCSH

ae em folha março

julie

neves

Tudo indicava que o mês de Março fosse um mês normal

No

e de continuidade do trabalho habitual da AEFCSH na

estudantes sobre as mudanças e situações causadas pela

Avenida de Berna. De facto, começou assim, mas, na

pandemia, lançámos a campanha do 24 de Março no

segunda semana, confrontados com a chegada do surto

Instagram

do

a

podermos sair à rua e percorrer o caminho Saldanha-

às

DGES no dia Nacional do Estudante, como já era habitual,

COVID-19

nossa

a

segunda

Portugal, casa

e

tivemos

adaptar

que

o

abandonar

nosso

trabalho

novas condições que por agora já todos conhecemos.

dia

17,

e

após

uma

semana

de

(@lutamos_em_unidade).

informações

Apesar

de

aos

não

lutámos a partir das nossas casas. Entre os dias 18 e 24, centenas de estudantes de todo o país, enviaram fotos

A

AEFCSH

lançou,

entre

os

dias

2

a

8

de

Março

a

Semana Feminista. Durante estes dias pudemos contar com

uma

feira

exposição

do

livro,

sessões

de

cinema

e

uma

AE.

o

Ensino

defendendo

mulheres perspetivas históricas e novos horizontes” que

estudantes no seguimento do abandono das residências e

contou com a presença da UMAR, do MDM, do CHAM,

ao regresso às casas devem ser comparticipadas pela

do

Universidade

CGTP-IN,

da

para

Acção Social tendo em conta o plano de contingência,

Nacional

espaço

reivindicações

passando pelo debate intitulado “Lutas e conquistas das

da

no

suas

No dia 20 lançámos um comunicado sobre os Serviços de

Manifestação

Kopke

as

Esta

e

Maria

segurando

Superior.

semana iniciou-se com um workshop de defesa pessoal,

IHC,

de

suas

e

terminou

com

de

Mulheres

do

a

grande

MDM

que

que

e

todas

as

despesas

reiterando

a

nossa

contraídas

posição

pelos

face

às

propinas.

percorreu os restauradores até à Ribeira das Naus. No

dia

21,

no

ensino esteve

da implementação das mesmas, inquérito que contou com

banda Mordo Mia no exterior, e com a actuação de

mais de 400 respostas de estudantes da faculdade.

interior

da

faculdade.

inquérito

ao

disponível até dia 31, para mapear o impacto decorrente

espaço

um

que

um dos famosos churrascos da AE e com a actuação da

no

lançou

alternativas

abertura do festival CINENOVA 2020. Este contou com

djs

AEFCSH

das

presencial,

vários

a

seguimento

No dia 5 de Março a AEFCSH organizou a festa de

A

praticamente um mês do início das aulas, no meio de

O 24 de Março serviu para celebrar, ainda que nas nossas

muitas cervejas música e bifanas quisemos proporcionar

casas,

um momento de diversão aos estudantes!

publicação das fotos de vários estudantes na página do

o

Dia

Nacional

do

Estudante,

dando

término

à

Instagram. O sucesso e amplitude da página e da luta dos Ainda no dia 5 de Março lançámos nas nossas redes

estudantes

sociais

mediática por parte do Jornal Público sobre a iniciativa

o

Manifesto

relativo

ao

24

de

Março,

dia

Nacional do Estudante. O manifesto foi subscrito por

foram

de

notar

tendo

direito

à

cobertura

lançada!

várias AE’s (AEFBAUL, AEFBAUP, AAFDUL, AEESAME e AEFLUL) bem como por vários núcleos estatutários da

O

AEFCSH.

brevemente no jornal (ou ao acompanhar as nossas redes

pensar, também

Sob

o

lema

“Para

queremos

liberdade

criada

página

a

além para

de

de viver

liberdade e

Instagram

para

estudar” que

foi

visava

dinamizar este dia, e que teve mais importância do que

trabalho

sociais

continuou

atualizadas

em

Abril

diariamente)

e

como

deixo

poderás

o

apelo,

ver

por

parte da AEFCSH, que no sábado, dia 25, às 15h vás à janela ou varanda, cantar a Grândola Vila Morena!

o que poderíamos achar nesta altura!

No

dia

9

inaugurámos

o

nosso

canal

do

Youtube

(AEFCSH TV) com um vídeo do primeiro churrasco do semestre (passa lá para matares saudades). A partir do dia 10 de Março, os eventos e iniciativas planeadas pela Associação de Estudantes começaram a ser canceladas

fica atent@ às redes sociais da ae para não perderes nenhum evento!

no seguimento dos planos de contingência do COVID-19 implementados pela Universidade NOVA de Lisboa.

@aefcsh.unl

@aefcsh.nova


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NOTÍCIAS

novidades fcsh NOVA FCSH lança podcast em tempos de quarentena Intitulado de “O meu curso em quarenta segundos”, o podcast que podes ouvir no Spotify, conta com a ajuda de professores e alunos das várias licenciaturas, para apresentar os cursos aos futuros estudantes. São mensagens curtas que possuem a informação essencial acerca de cada licenciatura, que visam substituir, dentro das possibilidades, a informação que estaria disponível na Futurália.

Candidaturas abertas para o prémio de investigação colaborativa Santander/NOVA No valor de 15 mil euros, este prémio visa distinguir Projetos de Investigação interdisciplinares “a desenvolver por Investigadores Juniores da NOVA e que envolvam, pelo menos, duas das Unidades Orgânicas da Universidade.” Este prémio será, este ano, atribuído na área das Ciências Sociais e Humanas, sendo que o prazo de candidatura termina a 30 de junho. Para mais informações consulta o site oficial da faculdade.

envia a tua situação para a aefcsh No seguimento do inquérito sobre o ensino à distância e o impacto do surto de COVID-19 na comunidade estudantil da NOVA FCSH, a AEFCSH reforça de que os seus meios de comunicação estão sempre abertos para receber e dar resposta às situações e denúncias dos estudantes sobre o período actual em que nos encontramos. Envia o teu caso para ae@fcsh.unl.pt.

lembrete Sabias que a AEFCSH ofereceu aos novos estudantes uma garrafa reutilizável no início do ano lectivo 2019-2020? Poupa água e evita resíduos com esta alternativa! Podes adquirir esta garrafa no balcão da AE por 3€.

Todos os serviços da NOVA FCSH a funcionar à distância Com a pandemia que assola o mundo neste momento, todos os serviços da faculdade estão agora a funcionar por vias não presenciais, como telefónicas ou e-mail. Este último é o meio preferencial de contacto, sendo que a linha telefónica, usada sempre como método alternativo e em caso de urgência, está disponível das 14h às 17h.Todos os contactos estão disponíveis na página oficial da faculdade.

2ª fase de acesso a mestrados e doutoramentos na NOVA FCSH Abriu no passado dia 30 de março, a segunda fase de candidaturas aos mestrados e doutoramentos para o ano letivo 2020/2021. Todas as informações estão disponíveis no site da NOVA FCSH.

falta alguma coisa? envia as informativas edição!

tuas propostas para a próxima


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março em resumo 11 de março - COVID-19 elevado a pandemia A OMS reavalia a situação global do coronavírus SARS-CoV-2 e classifica-o com o estatuto de pandemia. À altura, já 126 214 pessoas haviam contraído a doença. Aumentava-se, assim, a pressão para que fossem tomadas medidas pelos vários governos e autoridades nacionais.

18 de março - Estado de Emergência em Portugal Neste dia, foi publicado em Diário da República o decreto que declarou “o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública.” (Decreto do Presidente da República n.º14-A/2020). De imediato, entraram em vigor medidas extraordinárias de confinamento domiciliário e afastamento social, reforçadas temporariamente no fim-de-semana de Páscoa.

20 de março - Decisão Histórica dos Tribunais indianos Passados sete anos, a justiça indiana considerou culpados, ditando a pena capital, os quatro homens que, em 2012 violaram e espancaram uma jovem num autocarro, para depois a atirar para fora do veículo. Fecha-se assim o caso que originou uma onda de protestos nunca antes vista no país.

22 de março - Terramoto em Zagreb A Croácia e Eslovénia acordam para um abalo de 5.5 graus na escala de Richter, com epicentro a sete quilómetros a norte de Zagreb. Mais de 1 900 edifícios ficaram inabitáveis e uma jovem faleceu devido a ferimentos.

27 de março - Boris Johnson infetado O primeiro líder mundial a testar positivo para COVID-19 foi Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, que deu entrada no hospital uma semana e meia depois. Encontrando-se presentemente nos cuidados intensivos, considera-se que está estável e em recuperação.

Avizinha-se crise económica As repercussões do coronavírus na economia já se fazem sentir em todo o mundo, com vários setores a serem afetados e em queda abrupta, aumentos drásticos de desemprego, e empresas a falir, ou a entrarem em regime de lay-off. Os Estados preparam-se para injetar fundos na economia de modo a evitar um maior colapso, com a grande crise financeira de 2008 ainda vívida na memória.

Resposta Europeia Além de um vasto programa de ajuda financeira, coordenada com o Banco Central Europeu, a União Europeia concedeu flexibilidade orçamental aos Estados-membros, para estabilizarem a economia e investirem nos respetivos sistemas de saúde. Criou-se, igualmente, uma reserva de material médico (máscaras, ventiladores, …). Multiplicam-se as ações de solidariedade, com a França a doar um milhão de máscaras a Itália e à Alemanha, e a Áustria e o Luxemburgo a receberem nos seus hospitais doentes franceses e italianos em estado grave.

NOTÍCIAS


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24 de março

marcelo franca • aefcsh A luta estudantil e a reivindicação levada a cabo por esta durante as últimas décadas no Ensino Superior, que celebramos e reafirmamos no dia 24 de Março, nunca deixa de estar presente no quotidiano da comunidade da NOVA FCSH. Durante a nossa estadia como alunos de licenciatura, mestrado ou doutoramento nesta instituição, é improvável que não reparemos nos problemas que se salientam por si próprios e que reflectem o estado do Ensino Superior em Portugal, mesmo que se corporizem em questões hipoteticamente irrelevantes mas que, somadas continuamente, resultam em graves deficiências difíceis de aceitar para a comunidade estudantil desta faculdade. As condições materiais e infraestruturais perfazem o caso mais gritante desta falta de investimento por parte do Estado no Ensino Superior, destacando no caso da NOVA FCSH, a luta permanente por mais espaços e acessos adaptados para estudantes de mobilidade reduzida, sendo que terão especial dificuldade em aceder a certas salas de aula e as condições das casas de banho não são suficientes para estes. Juntamente a esta questão encontra-se a reivindicação por mais locais de estudo onde os alunos possam desenvolver o seu trabalho para além do espaço da biblioteca, que não alberga um número suficiente de estudantes para uma faculdade que abrange cerca de 5 mil alunos, e do ‘Espaço Alunos’ que não oferece as condições mínimas necessárias a nível material para a realização das tarefas essenciais na vida do estudante universitário. Deste modo, é importante salientar que, para que os alunos possam usufruir do espaço da faculdade para o que necessitarem no decurso dos seus estudos, são imprescindíveis mais espaços para estudar no aproveitamento de salas da Torre B e na extensão de horários de funcionamento da sala de informática; bem como a nível de infraestrutura, com a necessidade de renovação dos espaços e condições do edifício B2. Não menos preocupante é a situação de alguns departamentos da faculdade que não dispõem dos materiais nem dos espaços mínimos para que os alunos consigam trabalhar. Especificamente, no caso dos estudantes de Ciências da Comunicação, assiste-se a um número reduzido de estúdios e equipamentos fulcrais para o desenvolvimento de programas estipulados em disciplinas deste curso, bem como no caso de Geografia e Planeamento Regional que necessita de acesso a computadores e softwares atualizados. Por último, a questão da cantina e da gradual subida de preços da refeição social, que não reflecte um aumento de qualidade e sim o oposto disto, tem sido um foco da luta estudantil na FCSH. É urgente o congelamento do preço destas refeições, bem como uma renovação da oferta alimentar através de alternativas mais saudáveis e variadas, incluindo a substituição da refeição vegetariana por uma vegan que permitirá que os estudantes com este regime alimentar possam usufruir dos serviços da cantina, sem ter de optar por alternativas mais caras e fora do seu local de estudo. Os problemas aqui retratados constituem um leque de assuntos que terão de ser resolvidos a curto-prazo, para que a comunidade estudantil da FCSH possa realizar as suas actividades sem falta de condições mínimas. É necessária a reivindicação e coesão por parte de nós, estudantes, para que questões como estas não caiam no esquecimento.


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NÚCLEOS

núcleos da nova fcsh actividades, artigos e divulgação O Uso da História no Discurso Nacionalista Tomás Mesquita (ISCTE-IUL) Membro do NARQ

Renascença Portuguesa é, por si, um movimento que ambiciona a restauração de algo, um período de tempo que se afaste da decadência a que a nação assiste. Recordando atos que conotam a nação com grandiosidade, prestígio e inovação assistimos a uma ideologia nacionalista como veículo de combate à precariedade portuguesa. Nesse sentido, a própria denominação do movimento – Renascença – emana a vontade de erradicar a atualidade, ou os pilares em que esta se mantém, e transformá-la na mesma realidade que outrora foi impulsionada por personagens nacionais, tal como os Descobrimentos. Destarte, há uma valorização da tradição cultural pelos partidários do movimento, assim como um sentido de orgulho por serem descendentes dessas mesmas personagens e, em simultâneo, um sentimento de vergonha por serem contemporâneos à decadência ignóbil que em Portugal se desenvolve. Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos dedicava-se, in lato sensu¸ a contribuir para uma conjuntura político-administrativa e social nacional qualitativamente, e de acordo com a sua visão, melhor que aquela que experienciou durante a sua vida. O caminho que encontrou para verbalizar a sua visão foi pela adoção do Kulturkampf, mas por um veículo fortemente espiritual. (Dias, 2011: 2).

Pascoaes vê uma realidade nacional marcada pela decadência ignóbil e crescente, sem indícios de abrandar, naquele que foi anteriormente palco central da admirável glória e conquista lusitana, palmilhada por D. Dinis, Vasco da Gama e D. Sebastião. Uma realidade a degradar-se e perder o seu valor pois, para Teixeira Pascoaes o povo, seu contemporâneo, era “Um Povo divinamente estúpido, a quem a bacharelice roubou a divindade, deixando-lhe a estupidez” (Pascoaes, 1919 :291, n. 2). O único travão possível à desastrosa espiral de declínio reside, para Teixeira de Pascoaes, na memória. Será a memória que reviverá a nação e o povo, e que salvará estes de um ponto de não retorno e de condenação de toda a identidade nacional, pelo que, a memória enquanto mera recordação ascende ao que é visto pelo poeta como Saudade, uma âncora fenomenológica amplamente mais táctil que a memória, algo que movimenta a iniciativa de preservação e restauro. Esta que “representa o sangue e a terra de que descende a nossa Raça” (Pascoaes, 1920: 99). O sentimento transcende a memória e torna-se em algo mais material, como é adjetiva a poesia de Pascoaes por Maria das Graças Moreira de Sá: “A sua poesia constituise, de preferência, como poesia do desejo, da aspiração, do querer ser” (Sá, 1992: 174).


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Desabrochando-se o que é o Saudosismo, para conceptualizar todo este sentimento de memória e revitalização, mas também de individualização nacionalista. Teixeira de Pascoaes emite variados esforços de isolamento nacional face a Espanha, dividindo ambos os estados como elementos não cooperativos entre si. Sente-se até, o exaltamento de feitos nacionais a partir desse mesmo distanciamento: (Tratando os Descobrimentos) “que não foram uma obra peninsular, mas exclusivamente portuguesa, filha da nossa iniciativa aventureira, do nosso poder de raça em actividade” (Pascoaes, 1920 :28). Em ulterior análise, é inegável que a visão de Teixeira de Pascoaes se constrói em torno de diretrizes do nacionalismo étnico. A verdade é que o autor se dedica apaixonadamente à descrição da génese que constrói o sangue português, ou seja, ao carácter único deste, justificando a existência do Saudosismo com esta mesmo particularidade do povo. Veja-se, “O Povo português criou a Saudade, porque é a única síntese perfeita do sangue ariano e do semita” (Pascoaes, 1912 :10). Em termos de composição genética, o povo português nasce de uma convergência perfeita entre a casta ária e a semita (Pascoaes, 1912 :8), sendo assim uma miscigenação do “Paganismo greco-romano com o Cristianismo judaico” (Pascoaes, 1912 :8), servindo-se assim a base justificativa do porquê da essência portuguesa ser inigualável com qualquer outra nação. (Dias, 2011: 3). Nasce desta visão a comparação previamente feita: Teixeira de Pascoaes reabilita a cultura de Kulturkampf seguindo predominantemente os argumentos de Johann Gottfried Herder e Johann Gottlieb Fichte, aplicando os mesmos argumentos ao contexto nacional. Herder defende a inigualada linguística, isto é, vê a linguagem como unidade fundamental de existência humana, esta é o Volk (o povo), e cada Volk porta consigo as linhas condutoras da mente e o carácter do grupo nacional.

NÚCLEOS

E, tal como Pascoaes, “salvamo-nos em esperança ou em lembrança, que a lembrança também incide sobre o futuro na poesia camoniana. E que é a lembrança incidindo sobre o passado e o futuro? É a alma lusíada, a Saudade” (Pascoaes, 1954 :41), vê na arte, especificamente na poesia, um veículo para a demonstração do carácter da nação: “Em trabalhos de poesia, isto é, da faculdade imaginativa e das sensações, tal como filosofia é mais seguro praticar, sendo que é nestes que a alma inteira da nação se mostra mais livremente” (não sei como referenciar). Vemos uma valorização da poesia como autenticador não só do sentimento e destarte verdade, mas também como testemunho exponencialmente verdadeiro do carácter tanto individual como coletivo da nação e do Homem No entanto, a ótica segregadora de Fichte ligase também ao discurso de Pascoaes, uma vez que este postula o carácter único e a pureza inigualável da língua alemã, algo que, alegadamente, derivava em parte da sua impermeabilidade à influência exterior, especialmente a latina. Este transpõe ainda o plano político inteiramente para a comunidade, retirando-a às elites, sob o argumento que estas possuíam valores culturais importados e assim superficiais, enquanto que os primeiros se regiam por valores “puros” e “autênticos”. A autêntica biblioteca nacional compunha-se de poesia, provérbios, contos, música, danças e artesanato populares. Tangível é que é possível ver uma adaptação deste pensamento em Teixeira de Pascoaes, surgindo similares argumentos dirigidos à nação portuguesa. Sumariamente, Fichte exalta um sentimento nacionalista em função do elogio único à nação onde discursa, ligando o seu discurso a uma posição xenófoba e, assim, instaurando uma face nacionalista mais íntima com o nacionalismo étnico.


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Enquanto que Herder se declara sob vetores mais aproximados do nacionalismo cívico, pela sua posição parca em xenofobismo. “Cada escritor consciente da nova era, escreverá, como Fichte, o seu pessoal discurso à sua nação, cada um se sentirá profeta ou mesmo messias de destinos pátrios, vividos e concebidos como revelação, manifestação e culto das respectivas almas nacionais” (Lourenço, 1978 :88). Pascoaes não concorda taxativamente com nenhum dos autores, no entanto, mesmo com a distância cronológica entre os autores exibidos e Pascoaes, é inegável que bebe destes dois prismas de nacionalismo, tentando implementar o resultado da sua adaptação e convergência em Portugal. Tal como Fichte e Herder, Pascoaes é visto como Educador do Povo “pondo em prática a teorização brunina de demopedia” (DIAS, 2011:9) e é nesse sentido que deseja operar, não denso detentor de poder político, mas sim orientador de um povo guiado pela Saudade dos pilares da nação rumo à restauração desta pelo patriotismo, principalmente no núcleo do indivíduo. Não se pode corretamente afirmar que a Renascença Portuguesa seja uma réplica do nacionalismo germânico, nem de qualquer outra autoridade nacionalista. O nacionalismo português é um conceito nacionalista emergente por si, à semelhança da realidade político-administrativa europeia. Ainda que se apoiando em várias noções exógenas nacionalistas, o caso português surge por si mesmo e opera de acordo com a sua própria intelligentsia nacional, o seu paralelismo aqui feito com o nacionalismo germânico deve-se ao facto de este um dos locais onde mais amplamente se notou o desenvolvimento da ideologia.

NÚCLEOS

Pelo que, a doutrina de Pascoaes entra na denominação nacionalista de Xavier Rubert de Ventós (1994) que estuda o nacionalismo como a reconstrução da unidade mítica e reivindicação da identidade e diferença perante um mundo anónimo indiferente. (Branco, s/d :12). “Em trabalhos de poesia, isto é, da faculdade imaginativa e das sensações, tal como filosofia é mais seguro praticar, sendo que é nestes que a alma inteira da nação se mostra mais livremente” (Herder, DKV 7 :438). Referências bibliográficas: LOURENÇO, Eduardo (2000) - Da literatura como interpretação de Portugal (De Garrett a Fernando Pessoa) [1975]. In O Labirinto da Saudade, Lisboa, Gradiva. Pp. 80 - 117; MATOS, Sérgio Campos (2008) – Consciência histórica e nacionalismos: Portugal – séculos XIX e XX. Lisboa: Livros Horizonte. Pp. 34-37; SAMUEL, Paulo (1990) - A Renascença Portuguesa - Um Perfil Documental. Porto: Fundação Eng.º António de Almeida, 1990 (contém manifestos, registos históricos, textos de polémicas e índices das revistas do movimento); Herder, J. (1796). DKV Werke. VII; Pascoaes, T, (2008) - Obras completas. Amadora: Livraria Bertrand;


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NÚCLEOS

A Revolução de Abril: um novo olhar à sociologia Mariana Baltazar Pensar em Sociologia, na sua conceção atual,

O país atrasado, quando comparado com a

implica relembrar toda a sua trajetória enquanto ciência social. E para tal é importante recordar o primeiro trabalho empírico sobre a história social portuguesa no séc. XX de âmbito sociológico, sobre um Portugal Ignorado (Poinsard 1912), a instrumentalização desta ciência sob as vontades de Salazar com a abertura da disciplina então na altura

imensidão europeia que emergia, tinha agora o seu aliado de volta para fazer jus às necessidades da população: a sociologia aprontava-se para interpretar as disparidades sociais do regime ditatorial que ofuscou

denominada de Ciência Social, e não Sociologia, na Faculdade de Direito de Coimbra no início dos anos 30, implicada em «princípios corporativistas e social-católicos subjacentes aos trabalhos de Le Play» (Ágoas 2013) e uma disciplina pós 25 de abril, que passa a concretizar-se integralmente na academia portuguesa, onde se reinventa e vinga todo o seu teor ontológico. Posto isto, não se pode negar nem negligenciar a importância da ‘revolução dos cravos’ que igualmente revolucionou todo o panorama das ciências sociais. Não só uma imensidão de trabalhos inundou o período do PREC (Processo Revolucionário em Curso) que procuravam entender toda aquela mobilidade social que culminou dos tempos marcelistas, como, finalmente, as primeiras amarras conservadoras que condicionaram a Sociologia deram lugar ao tratamento dos problemas sócio-culturais, sócio-políticos, que atormentavam a sociedade portuguesa.

Portugal por quase 50 anos. O país estava, então, finalmente, aberto ao progresso generalizado de todas as ciências. A «última revolução de esquerda do século XX no velho continente» (Rosas 2004) permitiu, assim, à Sociologia, a constituição dos seus moldes próprios. Esta ciência social institucionaliza-se, então, no país. Não como fruto implícito da instauração da democracia, mas sim porque se deu a liberdade de pensar e compreender as mudanças que ocorriam na sociedade portuguesa. Assim sendo, a partir dos anos 70, o número de sociólogos e sociólogas tornara-se significativo a par deste novo olhar, desta nova forma de conceber o mundo social. «Por isso é que Madureira Pinto (2004: 16) referia que a revolução de abril acelerou o “regresso a Portugal de um conjunto vasto de intelectuais, entre os quais bastantes sociólogos’’. Ou seja, não foi só a sociologia que mudou com a revolução de 1974, a sociedade como um todo começou a mudar.


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NÚCLEOS

Naturalmente que em áreas científicas como a sociologia se sentiu mais, até porque existe uma diferença significativa entre poder ser e fazer

E é disto que regimes autoritários e monolíticos fogem. E é por isto que esta ciência não deve ser ignorada e/ou menosprezada. Fazer Sociologia é

sociologia e não poder ser e fazer sociologia.»

notar e fazer notar cada constrangimento e

(Neto 2013, 39).

querer ir à sua origem. A Sociologia deve ser e é, para todos os efeitos, uma ciência que visa ser imparcial, no sentido de não coagir a sociedade e a realidade que esta representa.

A regeneração, assim dizendo, da Sociologia pôde contar com a criação de 7 licenciaturas, em 15 anos, e fundação das organizações Associação Portuguesa de Sociologia (APS) e da Associação Portuguesa de Profissionais em Sociologia Industrial, das Organizações e do Trabalho (APSIOT), em 1985, e da Associação Profissional dos Sociólogos Portugueses, em 1986 (Neto 2013, 49,50). Estas permitiram o enraizamento da sociologia e, por conseguinte, a sua afirmação tanto a nível académico, como profissional. Neste sentido, recordar o 25 de abril é recordar o porquê de se fazer sociologia; é lembrar sociólogos como Manuel Braga da Cruz e Adérito Sedas Nunes. É atentar as desigualdades do nosso quotidiano e questionálas da forma mais abrangente possível. Porque a Sociologia de hoje não é a Sociologia pósrevolução, mas a muito lhe devemos todo o património produzido. A maré de agitação social deu espaço à prosperidade desta Ciência Social que tanto nos diz sobre as narrativas que preenchem o presente. Sociologia não é socialismo, como receava Salazar. Mas, Sociologia é um alicerce seguro ao entendimento da realidade social. E quem teme percecionar as múltiplas e simultâneas processualidades sociais não compreende a sua essência.

Referências bibliográficas: Accornero, G. (2014), “O ‘25 de Abril’: uma revolução nas ciências sociais’’. Ler História, 67, pp. 171-177. Àgoas, F. (2013), Ensaio bibliográfico “Narrativas em perspetiva sobre a história da sociologia em Portugal”. Análise Social, 206, XVLIII (1.º), pp. 221-256. Neto, Hernâni V. (2013), “Principais estádios evolutivos da sociologia em Portugal’’ Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXVI, pp. 37-59;


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18 de Abril:

NÚCLEOS

Dia Internacional dos Monumentos e Sítios

Sítios a Visitar Depois da Quarentena NARQ - Núcleo de Estudantes de Arqueologia Daniel Sardinha, Natacha Rodrigues, Paulo Rato

Sítios Arqueológicos a Visitar: Miróbriga

Santiago do Cacém

Antiga cidade romana, com um importante papel comercial, habitada desde os inícios do primeiro século a.C. até cerca do século IV d. C. Neste sítio foram colocados a descoberto ruínas de habitações, uma ponte, o fórum da cidade, as termas, o hipódromo e ruas pavimentadas.

Anta da Lapa da Meruje Vouzela

Anta erguida durante o Neolítico Médio, estrutura típica do megalitismo. Trata-se de um dólmen de grandes dimensões, com câmara e corredor diferenciáveis em planta e alçado. A mamoa, com um diâmetro de 32 metros e uma espessura máxima de 2 metros, conserva uma carapaça pétrea na maior parte da sua extensão. A face interna dos esteios da câmara e do corredor têm gravuras pré-históricas esquemáticas, para além de uma custódia feita em época muito recente (século XX).


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NÚCLEOS

Idanha-a-Velha Idanha-a-Velha

É uma pequena aldeia que pertence ao concelho de Idanha-a-Nova, situada no distrito de Castelo Branco. Faz parte do roteiro de Aldeias Históricas de Portugal devido a conservar umas das maiores e mais representativas coleções epigráficas portuguesas e de ser uma das mais importantes estações arqueológicas no nosso país.

Castelo de Silves Silves

É um dos melhores exemplos de arquitetura militar do período medieval muçulmano. O castelo situa-se no ponto mais alto da colina, estando rodeado por uma imponente muralha em taipa. No ano de 1189, a cidade de Silves foi conquistada aos árabes por D. Sancho I, apoiado pelos Cruzados.

Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros (NARC) Lisboa

Ocupando uma porção do subsolo do atual banco da Fundação Millennium BCP, são aqui visíveis vestígios arqueológicos e urbanísticos. Este sítio exibe um importante valor patrimonial, identitário e simbólico da cidade de Lisboa, demonstrando os permanentes contatos, por via marítima, entre civilizações. O NARC foi classificado como Monumento Nacional, em 2015.

Teatro Romano de Lisboa Lisboa

Espaço museológico, consagrado ao teatro romano de Lisboa, tendo sido construído na época de Augusto (c. 27 a.C. - 14 d.C.), e ocupando a vertente sul da colina do Castelo de São Jorge. O teatro, abandonado no séc. IV d.C. terá permanecido soterrado até aos finais do séc. XVIII, descoberto após o terramoto de 1755.


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Conímbriga Coimbra

NÚCLEOS

Povoação estabelecida desde a Idade do Cobre e, mais tarde, também um importante centro durante a República Romana, com habitação contínua, pelo menos até ao século IX. É um dos mais extensos e diversificados sítios arqueológicos de que há vestígio em Portugal.

Museus a Visitar: Museu Nacional de Arqueologia Praça do Império. 1400-206 Lisboa

Museu da Farmácia Rua Marechal Saldanha, 1. 1249-069 Lisboa Rua Engº Ferreira Dias, 728. 4100-246 Porto

Museu Nacional do Carmo Largo do Carmo. 1200-092 Lisboa

Museu Nacional de Arte Antiga Rua das Janelas Verdes. 1249-017 Lisboa

Museu Nacional do Azulejo Rua da Madre de Deus, 4. 1900-312 Lisboa

Museu Nacional de Etnologia Avenida da Ilha da Madeira. 1400-203 Lisboa

Centro de Arqueologia de Lisboa Avenida da Índia, 166. 1400-038 Lisboa (visitas sujeitas a marcação)



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ARTIGOS

25 DE ABRIL DE 1974 MADALENA Há 46 anos, o meu avô estava nos Açores a assegurar que ninguém voltava ao Continente para travar a Revolução. Apesar de fazer parte de todos os portugueses, representa algo ainda mais especial para mim, talvez pelas histórias que se guardam sobre este dia, existindo todos os anos um relato novo para eu poder ouvir. Permitiu que os filhos tivessem, na idade dele, a liberdade que não teve, pois lutou por todos e mais alguns! Não gosta de falar sobre a guerra do Ultramar, suponho que seja por lhe lembrar daquilo a que se viu obrigado a fazer ou não, não sei. Mas sei sim, que sinto a alegria dele e da minha avó nesta data. Mentia ao dizer que o meu ego não aumenta quando estou na rua com o meu avô e um conhecido passa por nós e diz: "É a sua neta Sr. Major?", enche-me de orgulho saber que o meu avô fez parte da história do meu país! E como é bom reconhecerem isso! Na verdade, pouco me importa o título (não desvalorizando o seu mérito, porque foi bem merecido) atrás do nome Fernando. Importa-me é ter alguém como referência, e que grande referência de altruísmo! A liberdade que tenho e celebro todos os dias deve-se, literalmente, ao meu avô e a outros tantos capitães de abril! Tal como é costume, a minha avó despediu-se hoje de mim com "Saudações Democráticas" e faço eu o mesmo.

Fotografia: Joana Lopes Lourenço


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Poema sobre um melro ANTÓNIO CASTRO @inflexao Um melro a correr no alcatrão para se sentar num pequeno banco à procura da nota grave e emaranhado nos seus longos cabelos negros, aponta o laranja ao sol e relembra-me do movimento constante do metal, da roda e da carroçaria que assombram as nossas avenidas. Tantas vezes confundi os pássaros com o som do silêncio e o anfiteatro vazio com a solidão. Sento-me noutro alcatrão, alheio às profanidades do banco. Correm pelo meu escalpe fotões distantes convivendo com a minha infantil moleira. Curam lentamente o esgotamento da noite. . Hoje perdi outra vez a cidade. Ainda hei de entender que a cidade não pertence a ninguém, nunca pertenceu nem pertencerá muito menos a mim, que enjoo. Encontrei nas propriedades do ar uma resposta e fi-lo sem respirar. Não deixa de ser resposta insuficiente, débil, corroída. Encontrei no mar o reflexo da montanha à medida que ela se impõe. Encontrei no cimento a visão da morte e absolutamente nada.

POEMAS


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CRÓNICAS

A MÁSCARA INÊS PINHEIRO

Está deitada por entre os livros, à espera de ser utilizada. Tornou-se um adorno mandatório para os dias de hoje. Penso mais nela do que no meu fiel relógio. Detesto-a. Com todas as minhas forças, detesto-a. Simboliza a incerteza, o desespero que me percorrem as veias. Se olhar pela janela vejo que não estou só. As outras pessoas têm as suas. Será que também lhes corrói a alma pensar que há algumas semanas nem em sonhos as teríamos connosco? Tento ignorá-la com os livros que a cercam. Sempre encontrei conforto neles, mas desta vez o desalento é muito grande. São livros de História, de Filosofia, de Política; arranjaram lugar na estante graças à faculdade, mas os dias são impiedosos, nunca abrandam, por isso ainda não os li. A Faculdade. Não esperei sentir tanto a sua falta, no entanto, apercebo-me que encerra em si todo um simbolismo que está a falhar agora. O digital cansa porque está, incessantemente, a pedir e a dar a um ritmo vertiginoso. As notícias dizem-nos que há falta, que vamos precisar de mais. Em casa são quatro e mesmo assim a sua presença é asfixiante. As janelas transformam-se na escapatória de uma pessoa presa. Vejo os vizinhos, qual Janela Indiscreta; passam os homens das obras, a postos para trabalhar mesmo por cima do meu quarto. Não podia ser melhor agora que o prédio inteiro está em casa. Passavam, pois, certamente, não pode durar muito. Acima de tudo, imagino-me muito para além destes muros de tijolo. A Máscara, é dela que estou a falar.

Amedronta-me. Porém, sei que vamos ultrapassar aquilo de que ela nos tenta proteger. É um inimigo poderoso, bem preparado; mas nós também o estamos. O contributo de cada um está em fazer o melhor para os outros e para si próprio, daí esta clausura que o tempo parece deixar durar muito. Temos de ficar em casa, ganhar coragem para ler, mesmo que a cabeça faça tudo menos concentrarse – não é fácil quando sabemos o que está em risco. Envergonho-me de pensar assim quando testemunho o que é delinear o plano de ataque e pô-lo em prática, isso sim parece ser um desafio hercúleo. Paremos. Relembro-me de que todos temos um papel nesta guerra. O meu é este, restame trabalhar para me superar. Leio, estudo, informo-me. Preparo-me para o presente e para o rescaldo do combate. Penso que vou enfrentar uma crise no futuro e recordo a ironia que foi estudá-las no semestre passado… aí vem uma delas, espero ter aprendido alguma coisa. Por enquanto, uma caneta e papel é o melhor remédio. Afinal de contas, estamos a fazer história e quero estar pronta quando puder escrever: conseguimos.



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ARTIGOS

A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO PAULO GOMES Muito se tem ouvido nos dias de hoje termos como “fascista” ou “comunista” a serem utilizados pelos dois lados do espectro político como uma forma fácil e rápida não só de tentar descreditar as crenças de alguém, mas também de demonizá-las, assim como às pessoas que as possuem. Este fenómeno para nada mais tem servido senão duas coisas. Em primeiro lugar, derrubar quaisquer chances de se poder ter discussões saudáveis sobre assuntos pertinentes, e, em segundo lugar, dividir a sociedade em linhas tribais e criar ódio. Esta situação é, no mínimo, preocupante e a sua evolução até ao momento não parece estar a seguir caminhos ideais. Pelo contrário, parece estar a agudizar-se a cada dia que passa. Torna-se então de fulcral importância lembrarmo-nos da utilidade de reverter esta tendência, quer através de diálogos civis entre duas partes discordantes, quer pela tolerância da diversidade intelectual. Ainda que à primeira vista tal afirmação pareça ser de senso comum, na prática ela é sempre mais difícil de se cumprir. O facto é que os ideais que possuímos estão fortemente enraizados nos nossos valores, morais e ética, os quais por sua vez são igualmente influenciados por especificidades da vida de cada um de nós, como por exemplo, a nossa educação, o ambiente e o meio em que crescemos, tal como todas as dificuldades pelas quais passamos, entre várias outras variáveis. Como consequência, tendemos a reagir de forma defensiva quando nos deparamos com opiniões contrárias às nossas, deixando-nos seguir sobretudo pelas nossas emoções. Além disso, isto acaba por nos fazer procurar pessoas e grupos que partilhem das nossas crenças, como uma forma de nos “protegermos” e às nossas visões da realidade, as quais, por nunca serem postas em causa, nos fornecem um sentimento de conforto no momento.

E é assim que se formam as ditas echo chambers, largamente responsáveis a meu ver pela divisão tribal da sociedade a que me referi no início, e que apenas servem para amplificar e reforçar convicções partilhadas pelos seus elementos através da comunicação e da repetição das mesmas ideias dentro de um círculo fechado. Todos nos inserimos, a dado momento, numa destas echo chambers, e o desafio reside em libertarmo-nos das correntes que nos prendem a elas e confrontarmos as nossas realidades com as dos outros. Isto implica que deixemos de identificar aqueles que discordam de nós como os inimigos. Em vez de dividirmos o mundo segundo linhas grupais ou tribais, devemos olhar para cada elemento individualmente e reconhecê-lo como igual entre todos. Necessitamos não de vê-los como representantes dos grupos de que fazem parte, mas sim como indivíduos que, fruto das especificidades das suas vidas, desenvolveram as crenças que possuem. Ao fazê-lo é possível deixarmos de os demonizar, de os vermos como “fascistas” ou “comunistas”, mas, por outro lado, humanizá-los, e compreender que descartar os seus pontos de vista logo à primeira apenas por entrarem em conflito com aqueles aceites dentro do nosso grupo, não passa de um ato irracional e impulsivo.


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Tomemos o exemplo do aborto. Este assunto, devido à sua extrema sensibilidade na sociedade, tende a gerar reações muito fortes, levando a que os dois lados façam rápidos juízos morais sobre cada um. Quantas vezes em todo esse debate não se ouviram as típicas acusações de que os “pró-vida” não se interessam pelos direitos e autonomia da mulher ou que os “pró-escolha” são assassinos? Tais comentários nada mais revelam senão a gritante falta de comunicação existente. Pior do que isso muitos parecem nem querer considerar a posição contrária, por a verem como sendo “imoral”. Em função disto, em vez de entrarem em discussões reais, ficam-se pelo uso de retórica falaciosa, nomeadamente ad hominems, e recusam-se sair das suas echo chambers. Como forma de resolução do problema acima mencionado existe uma imensa necessidade de diálogo, apenas possível quando olharmos para o outro lado como um conjunto de indivíduos não muito diferentes de nós, nas linhas daquilo anteriormente dito. A beleza nesta mera troca de palavras resume-se ao facto de estarmos dispostos a expor a nossa mente a críticas e visões alternativas, de aceitarmos e tolerarmos as diferenças intelectuais de cada um, e de compreendermos melhor as várias perspetivas existentes. Além disso, permite-nos analisar criticamente as nossas posições, alterar ou reformulá-las consoante novas evidências que possam surgir ou ainda apontar erros nos nossos argumentos e aperfeiçoá-los. O diálogo surge ainda como resposta à falta de comunicação assumindo-se como elo de ligação entre duas partes discordantes, pelo que permite fomentar a coesão social. A recusa em dialogar acaba por se refletir num problema de larga escala. Ao sermos incapazes de adotar uma visão menos dogmática daquilo em que acreditamos acabamos sempre por desconsiderar qualquer posição divergente. A mentalidade do “eu estou certo” e do “tu estás errado” nada mais faz além de promover todo o ciclo de formação das echo chambers e de asfixiar quaisquer hipóteses de conversações, exatamente como sucede no exemplo do aborto. Posto isto resta apenas o recurso aos insultos e ao incitamento ao ódio. Não é por acaso que nos últimos tempos as democracias ocidentais têm sido tomadas por populismos e extremismos.

ARTIGOS

Claro que existem vários fatores distintos para explicar este fenómeno, mas certamente não podemos excluir o papel que a progressiva deterioração da comunicação teve em todo o processo. Perante semelhante cenário, partidos populistas e extremistas habilmente exploraram toda a divisão existente, exacerbando-a a seu favor, e tornando-se eles mesmos em verdadeiras echo chambers, conseguindo desse feito atrair para si uma enorme base de apoio extremamente fiel e constituírem uma real força política, colocando a própria estrutura democrática em risco. Existe assim uma enorme responsabilidade de todos nós de prezarmos e almejarmos o diálogo, mas também de garantir a sua preservação, especialmente em tempos tão divididos e conturbados como os atuais. A cura para este mau estar muito provavelmente centra-se exatamente na disposição de cada indivíduo em ouvir e compreender os outros, força fundamental para garantir a união, pelo que o desvio de tal caminho apenas servirá para agudizar todos os problemas já aqui mencionados levando, consequentemente, à deterioração e destruição da sociedade como a conhecemos.


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O choro é um grito silencioso LILIANA MARQUES

O choro é um grito silencioso, cuja voz são as gotas de água, gotas, tão delicadas, salgadas, que escorrem pela face, outrora rosada, agora triste e manchada...

Olhos tão grandes, assustados, cabelos escuros, despenteados.

Sem voz, somente lágrimas. Lágrimas e um olhar cansado, atormentado. Olhar de quem cede ao fado sem saber o que tece o diabo, e sem jamais olhar para trás.

Ah, as lágrimas de uma alma cansada...

POEMAS


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SUGESTÕES

sugestões para o 25 de abril DIANA

NEVES

O 25 de abril de 1974 é das datas mais marcantes na memória de todos os portugueses. Admirada internacionalmente, a Revolução dos Cravos rompeu o território nacional e foi exemplo para outras nações. Ainda hoje celebrada, todos os anos, pelas escolas e cidades do país, o 25 de abril é um dos motivos de orgulho nacional. E assim o permanecerá, pela nossa História.

Aqui vão listas de obras (filmes e livros), cujos autores se sentiram responsáveis por manter viva esta data e a sua importância!

filmes LES GRANDES ONDES AS ONDAS DE ABRIL (2013) Comédia/Drama/História

Dirigido por: Lionel Baier Argumento por: Lionel Baier e Julien Bouissoux Elenco: Valérie Donzelli, Michel Vuillermoz, Patrick Lapp

Em

abril

de

convivência

1974, e

Julie

relação

e

Cauvin,

tensas,

são

dois

jornalistas

enviados

a

com

Portugal

uma para

investigar a ajuda da Suíça aos países pobres, quando se veem no meio da instância da Revolução dos Cravos.

CAPITÃES DE ABRIL (2000) Drama/História/Guerra

Dirigido por: Maria de Medeiros Argumento por: Maria de Medeiros e Ève Deboise Elenco:

Stefano

Accorsi,

Maria

de

Medeiros,

Joaquim

de

Almeida

Contando a história de dois jovens militares, na noite de 25 de abril de 1974, ergue-se a união de civis e militares, para derrotar o

regime

salazarista,

Revolução dos Cravos.

em

Portugal.

Ficou

conhecida

como

a


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SUGESTÕES

«Non», ou A Vã Glória de Mandar (1990) Drama/História/Guerra

Dirigido por Manoel de Oliveira Argumento por Manoel de Oliveira e P. João Marques Elenco: Luís Miguel Cintra, Diogo Dória, Miguel Guilherme

Com o Prémio Especial do Júri no Festival de Cannes, Manoel de Oliveira cria um filme que conta a história de Portugal, pela voz de Alferes Cabrita, na Guerra Colonial.

livros

Esquecidos em Abril- Os mortos da revolução sem sangue, de Fábio Monteiro Edição: Livros Horizonte, abril de 2019

Pela primeira vez, em quarenta e cinco anos, uma investigação

«Revolução

jornalística

sem Sangue

desmascara

»,

o

mito

da

expondo os mortos do

25 de abril.

Homossexuais no Estado Novo, de São José Almeida

A Noite, de José Saramago Edição: Porto Editora, maio 2014

Dedicado

a

Luiza

Maria

Martins,

Edição: Sextante Editora, maio de 2010

Saramago

Esta

é

a

realidade

dos

homossexuais

em

descreve a noite de 24 para 25 de abril de 1974,

Portugal, durante quase todo o século XX. Desde

a

o

partir

dos

acontecimentos

no

seio

de

uma

«crime

contra

identidade

redação de um jornal em Lisboa.

e

a

natureza

sexualidade

»

ao

viver

numa

clandestinas,

viver

escondido da sociedade.

Vinte e Zinco, de Mia Couto Edição: Editorial Caminho, abril de 2014

Em

Moçambique,

violência,

até

que

terra na

colonial, capital

vive-se

do

na

Império,

a

No Limite da Dor, de Ana Aranha e Carlos Ademar Edição: Parsifal PT, abril de 2014 Quarenta anos após a Revolução do 25 de abril, os

presos

passado

revolução surge.

e

políticos revivem,

trazem

à

contando,

tona o

mágoas

que

do

passaram

nas cadeias do Estado Novo. É uma homenagem àqueles que foram humilhados e torturados, mas que lutaram contra as políticas e as polícias de Salazar.

As Longas Noites de Caxias, de Ana Cristina Silva Edição: Editorial Planeta, abril de 2019

A Guerra dos Cartazes - 25 Abril 1974, de Gualberto Freitas Edição: Edição do Autor, abril de 2009

Uma

foi

torturar.

torturada. Duas

A

mulheres

outra que

tinha

prazer

ficaram

na

em

história

da PIDE.

páginas

deste

livro

contêm

cartazes

e

autocolantes do período pós 25 de abril de 1974!

Capitãs de Abril- A revolução dos cravos vivida pelas mulheres dos militares, de Ana Sofia Fonseca Edição: A Esfera dos Livros, fevereiro de 2014 As

99

mulheres

dos

militares

ou

de

todos

aqueles

Os Rapazes dos Tanques, de Adelino Gomes e Alfredo Cunha Edição: Porto Editora, junho de 2017 Esta

obra

oferece

imagens

e

testemunhos

dos

homens que estiveram na frente da revolução de 25

de

abril,

no

Terreiro

do

Paço

e

do

Carmo,

que contribuíram para a revolução do 25 de abril

através das entrevistas de Adelino Gomes e das

fizeram

liberdade

fotografias

a

visão destes homens sobre o país, quarenta anos

chegasse

o a

seu

papel

Portugal.

dessas mulheres.

para

Este

que

livro

a

conta

história

de

Alfredo

depois deste dia.

Cunha.

Ainda

dando

a


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As estrelas MAFALDA GOUVEIA BAPTISTA

Vim ver as estrelas só mais uma vez pergunto-me se foi alguém que as fez, um ponto de luz tão longe e bonito com quem muitas vezes desabafo o que sinto.

E aquelas que caem e me fazem sonhar, penso sempre em algo para desejar, dizem que não é por isso que se vai realizar mas o truque aqui é acreditar.

A lua faz de vela, pode iluminar, em algumas das noites vai-se apagar, mas gosto especialmente quando reflete no mar.

Isto sou eu mais uma vez a pensar, a olhar as estrelas e falar para o ar.

POEMAS


P 22

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Este é para ti ANA SOFIA MARINHO MALHEIRO

A ti, que me tocas no corpo, mas não me tocas na alma. Ao teu corpo que sempre me agita, mas que nunca me acalma. A ti, que me acordas de noite, mas nunca me acordas de dia. A esta quase relação que nem chegou à monotomia. A ti, que me dizias bonita (Mesmo de pijama...). Aos nossos beijos no sofá que já não chegarão à cama. A ti, que pareço conhecer melhor nos pensamentos que na realidade. A este amor que não me serve, para o qual já não tenho idade. Este é para ti. Dou-to para que o leias... Para que o leias enquanto vou embora, enquanto o outro não vem: outro amor que não demora.

POEMAS


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P 23

ARTIGOS

A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS POR OUTROS OLHOS UMA REFLEXÃO EM TEMPO DE CLAUSURA INÊS PINHEIRO

Este ano vivemos o 25 de Abril de uma forma verdadeiramente inaudita. Celebramos a Liberdade quando esta nos parece faltar.

No entanto, é a Democracia que permite construir as ferramentas para levar a cabo todas as medidas necessárias para combater a disseminação da pandemia de COVID-19, e não devemos esquecer que as nossas Liberdades não estão em falta, mas que estamos, isso sim, a trabalhar em conjunto para podermos usufruir delas em pleno quando a tempestade passar. Esta reflexão prende-se com uma descoberta feita no início do ano e que o longo período em casa permite aprofundar. Como é sabido, os livros que encontramos em feiras de antiguidades podem ser verdadeiras relíquias. Por entre as páginas d’A Holanda, de Ramalho Ortigão estava um recorte de jornal que, não sendo possível datar com toda a precisão, será de uma publicação feita após a morte de Salazar (Julho de 1970). Estamos, portanto, a 4 anos da Revolução que quebrou as amarras da Ditadura em Portugal. O artigo foi guardado pelo anterior dono deste livro, quem sabe se não estaria até a ser utilizado como marcador, e remete o leitor para o momento da transição de poder - de Salazar para Marcello Caetano.

Não é de todo imparcial, caracterizando o exílio de Mário Soares como “not only unjust but also unnecessary in the political context”. O mote da reflexão advém desta descoberta: propomos um debruçar sobre o marco do 25 de Abril através de duas vertentes: uma perspetiva externa e outra interna, sendo que esta última é indelevelmente marcada pelo cenário “dantesco” que vivemos. O 25 de Abril visto de fora

O movimento democrático em Portugal deu início à Terceira Vaga de Democratização que atravessou a Europa, seguido pelo fim das ditaduras na Grécia e em Espanha. O Presidente da República, António de Spínola, encarregou Mário Soares de percorrer a Europa depois da Revolução, temendo que, a nível internacional, o novo regime político não fosse devidamente reconhecido. A mensagem de Soares consistia em explicar aos líderes (tanto europeus como norte-americanos) que em Portugal a Democracia era plena, não sendo subjugada pelos militares, nem pelos comunistas.


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P 24

Os Soviéticos afastaram a hipótese de um domínio comunista em Portugal. O período da détente – apaziguamento nas relações com os EUA, durante a Guerra Fria - estava prestes a começar e interessava à URSS manter-se longe de radicalismos.

Os franceses estavam de olhos postos em Portugal. Numa conferência realizada pela Fundação Mário Soares e pela Fundação Oriente, em Abril de 2014, Dominique Pouchin – jornalista francês que participou na revolta estudantil de Maio de 68 – realçou a importância do Portugal pós-revolucionário para a democratização europeia, afirmando mesmo que “Portugal esteve no coração da política europeia durante dois anos, tornou-se um assunto de política interna na Itália e com repercussões fortes em Espanha”. Chico Buarque assinalou a mudança: «Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal Ainda vai tornar-se um imenso Portugal (…) Ainda vai tornar-se um Império Colonial» Fado Tropical

Com todos estes testemunhos e analepses conseguimos perceber o quão inegável é que o 25 de Abril extrapolou o seu significado para o mundo, mas como o vivem os portugueses num ano tão singular? O 25 de Abril visto de fora

Ao escrever este texto ainda estamos longe da data em questão. Paira no ar uma incógnita monumental no que diz respeito ao caminho a tomar e qual será a nossa situação no futuro. Mas nem esta calamidade, que entra em nossas casas todos os dias, quer seja pelas notícias, ou mais grave ainda, por nós próprios, nos irá demover.

ARTIGOS

Ao escrever este texto ainda estamos longe da data em questão. Paira no ar uma incógnita monumental no que diz respeito ao caminho a tomar e qual será a nossa situação no futuro. Mas nem esta calamidade, que entra em nossas casas todos os dias, quer seja pelas notícias, ou mais grave ainda, por nós próprios, nos irá demover. Pensemos que a União e a Solidariedade conseguirão ultrapassá-la. Pensemos que as notícias que nos chegam a cada momento são um espelho das conquistas de Abril; temos liberdade para nos expressar e para pensar, para ler tudo o que quisermos, conhecer filmes dos quatro cantos do mundo; ouvir as músicas que nos ajudam a começar de novo o dia. Somos Livres. Entre as quatro paredes das nossas casas, somos livres. Faço parte de uma geração que não sabe o que é a Ditadura, apenas conheço a memória coletiva que perdura e vai sendo (re)construída. No entanto, vivo e assinalo todos os anos esta data como se tivesse saído à rua – e como isso nos faria falta agora… Não saindo, podemos celebrar através de fotografias, músicas e filmes (as recomendações já estão feitas nesta edição!) e conversando com aqueles que viveram a Revolução na pele: os nossos avós têm sempre algo mais para contar! Terminamos, assim, com uma nota positiva e de esperança. Mesmo não saindo à rua, Abril sempre!


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SUGESTÕES

♫♫♫

playlist do mês AEFCSH

A cantiga é uma arma José Mário Branco

Trova do vento que passa Adriano Correia de Oliveira

Venceremos Samuel

Cravo Vermelho ao Peito Só o Povo Unido José Barata Moura

Chão Nosso Trovante

Um Homem na Cidade Carlos do Carmo

O que Faz Falta Grândola, Vila Morena Zeca Afonso

Só de Punho Erguido José Jorge Letria

Abril74 Lluis Llache

Portugal Ressuscitado Fernando Tordo

Somos Livres Ermelinda Duarte

Liberdade Sérgio Godinho

Hino do MFA As portas que Abril abriu José Carlos Ary dos Santos


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VI, "Mios Phoemas" SARA MARGARIDA FRANCISCO @arckeysa

Escrevo. Escrevo freneticamente a cada segundo, sempre que a minha fúria toma conta dos meus dedos. Leio. Leio todas as palavras do meu mundo, em busca de desvendar o universo de todos os meus segredos. Releio. Releio as vezes que forem necessárias, engolindo a pontuação como se ela nem sequer existisse. Paro. Penso. Porquê? Para quê? Porquê e para quê tanto esforço em tentar compreender-me?

POEMAS



P 27

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CRÓNICAS

Mais uma viagem CEE @romanceeada Estou numa viagem e todos os lugares estão ocupados. Cada um ocupado por uma parte de mim. Agimos como se não nos conhecêssemos, cada parte a lutar pelo seu isolamento. Mas eu conheço-me, não conheço? Olhos castanhos familiares observam-me do lugar à frente do meu, piscando lentamente, analisando-me, reconhecendo-me. Também eu analiso. Sei que por trás daqueles olhos algo se quebra constantemente, mas nada estremece à superfície. Em vez de a reconfortar, viro a cara para o lado. Mais uma parte me devolve o olhar, espremida contra janela. Pequena, tão frágil. Se não nos conhecêssemos, gostaria de a abraçar, suavizar a rigidez do seu corpo, o esforço de tentar não chorar. Mas conhecendo, fecho os olhos e viro a cara.

Não sei para onde vou, ou para onde quero ir. Não sei quando deixei que outros escolhessem por mim, mas encontro-me constantemente em viagem, constantemente a ponderar se é isto que quero. Mas deixo-me levar; deixo sempre que me levem. Deixo-me embalar pelo movimento monótono de um comboio que segue caminho em linhas de ferro fundido em diversos tipos de dor. Finjo que não estou rodeada dos pedaços mais feios de mim, ou os mais frágeis, aqueles que me envergonham, que me quebram, aqueles que eu quero tão desesperadamente deixar partir. Fecho os olhos e cruzo os braços e aguardo pela minha paragem. Anseio por mais um fim, pelo alívio nos meus ombros que nunca chega a aparecer. Anseio

Há também partes que não me observam. Reconheço-as de as encontrar nos cantos mais escuros da minha alma, quando dou por mim a vaguear pelo abismo. Nenhuma repara na minha presença, nenhuma parece aperceber-se da situação. Sei que não se devem lembrar de como chegaram aqui, sei que pouco importa, sei que o à vontade com este tipo de solidão veio naturalmente. Sei que por vezes dou por mim na beira do precipício e que são estes olhos inexpressivos que me recebem lá debaixo. Fecho os olhos e viro a cara. É demasiado fácil habituarmonos a este tipo de vazio.

pelo momento de mais uma despedida, mais uma parte que não sairá desta carruagem comigo. Mais uma parte que deixarei para trás. Sorrio de mim para mim e finjo que não as ouço perguntar quando é que comecei a ansiar por me sentir mais despida de quem eu sou.


P 28

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FICÇÃO

Apneia CAROLINA FERREIRA - Viver dói. Cansa. - Pois, é verdade. Mas há coisas bem piores… - Devíamos poder pedir para morrer e para nos levarem logo daqui embora, como quem pede a um taxista que nos leve ali à próxima esquina porque andamos a transbordar de cansaço de caminhar. Só que ao taxista paga-se-lhe o serviço e ficamos satisfeitos. Sinto-me fútil, egoísta e cobarde por desejar ter uma doença que acabe de vez comigo porque não tenho coragem de fazê-lo com as minhas próprias mãos. Desejar que os males de todas as gentes inocentes se evaporem delas e se concentrem apenas em mim para me ir mais depressa deste mundo. É que elas têm amor pela vida, sabes? E eu não. Elas são inocentes. E eu não. Elas não merecem o sofrimento e a morte daquela forma tão cruel. Mas eu mereço. É injusto. - Entendes a barbaridade que estás a dizer? – responde Joana, sentindo-se incomodada. - Não é barbaridade nenhuma. - Ai não? - Não. Livrava-se o mundo de muita dor. Os doentes por ficarem sãos e eu por matar a minha dor com a morte. - Não digas isso, vá lá, Leonor! - Porquê, Joana? Estamos só a conversar, caramba! - São conversas sem jeito nenhum, Leonor! Coisas impensáveis e impossíveis. - Impossíveis, por enquanto, sim. Mas impensáveis? - Onde é que isso já se viu? Dizes que pôr na tua vida o sofrimento do mundo e depois morrer era o que farias, se pudesses, é isso? - Uma pessoa que só quer acabar com a dor e ter paz na alma só vai consegui-lo com a morte, é o que quero dizer. E talvez seja melhor mudar de assunto. - Não digas essas coisas. Sais-te com cada uma. Joana e Leonor não se conheciam suficientemente bem e, por isso, Joana não dava importância e pensava que Leonor dizia estas coisas mórbidas sem intenção, sem ponderar bem no seu verdadeiro significado. Leonor não tocou mais no assunto. Joana, para cortar o desconforto do silêncio que se instalara, pega na Somersby e ergue-a bem alto:


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FICÇÃO

- Brindemos à vida. Ou ao que dela resta. Tilintam os copos, ouvem-se os últimos goles e arrastam-se as cadeiras num adeus. Ambas se afastam em direções opostas, cada uma a caminho de um hoje tão distante como de um amanhã.

*** Leonor pega, a tremer, numa tesoura fria, toda ela de um metal reluzente, que estava pousada na secretária do escritório e leva-a consigo, assustada, para a casa de banho, onde se esconde do espelho todos os dias. Está descalça e o chão está duro e frio. Tem os olhos fechados e o coração semicerrado. Fecha a porta apesar de estar sozinha em casa porque é uma sensação de segurança diferente. Senta-se, por segundos eternos, no tapete cinzento em frente ao chuveiro e fica ali curvada, com a cabeça entre os joelhos, de olhos abertos, mas sem ver nada. Levanta-se. Respira fundo e olha para o espelho sem vontade, com medo e de olhos molhados. Vê uma desconhecida que está à sua frente. Agarra numa volumosa madeixa de cabelo de avelã ondulado com uma mão e com a outra pega na tesoura, de repente tão pesada, abrindo-a por cima dessa madeixa. Apneia. Sem respirar, aperta os seus dedos contra a tesoura e ouve os cortes minúsculos a darem à luz mechas de cabelo perdido. Sente dentro de si um silêncio absoluto como se todo o ruído deixasse de existir. Não se ouve mais nada até ao próximo corte. Agarra noutro par de ondas e aperta a sua mão, desta vez confiante, contra a tesoura. E mais uma vez. E outra, e outra. Até esquecer quem foi, até esquecer quem é. Como se o cabelo cortado morresse e com ele levasse o passado, o sofrimento e a culpa. Que loucura lúcida! *** - Quando eu morri, vi os meus olhos a perderem um brilho que já não tinham, ouvi a minha voz que já não falava, nem gritava, libertei aquele suspiro encurralado na garganta que não me deixava respirar e ouvi o meu coração que já não batia. O que tinha acontecido era óbvio. Eu tinha morrido. Sem movimento, sem vida, sem nada – era eu. E aquilo era a Morte. Mas eu continuava a pensar e a ver-me. Estava deitada no chão da casa-de-banho. Era eu!Havia lágrimas dentro de mim que eu não conseguia chorar e, em pouco tempo, essa melancolia sem nome desapareceu, tal como todo o barulho do mundo. Ninguém é tão forte a ponto de nunca deixar de sê-lo. Dias assim, como o de hoje, são sempre muito confusos. Hoje foi o último dia de Leonor.



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ARTIGOS

PRYA’S SHAKTI: A BANDA-DESENHADA QUE LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA SEXUAL NA ÍNDIA E TODA UMA CULTURA DE DESIGUALDADE DE GÉNERO… BÁRBARA ALVES Esta não é só mais uma história banal que se arruma numa estante. De facto, esta é a distinta e deveras única banda-desenhada do seu género que brinca com um tema recorrente da atualidade indiana, arrastando o problema da violência sexual para o tempo de antena de todas as gerações. Até ao momento, composta por três edições, a história de Prya já tocou os corações de milhões de pessoas além-fronteiras. Estando disponível em suporte digital ou físico, já se encontram exemplares em várias escolas indianas, podendo também se encontrar diversos murais em sua honra espalhados por Mumbai, New Delhi e Bengaluru. Tudo começou a… 16 de dezembro de 2012

Este dia serviu de alavanca para que algo de brilhante nascesse. Considerado como o ponto de viragem na discussão sobre violência sexual na Índia, a história verídica de uma jovem rapariga de 23 anos, brutalmente espancada, violada e torturada num autocarro a caminho de casa serviu de inspiração para que a personagem Prya surgisse nos livros de animação infantil. O ataque que vitimizou desumanamente a jovem estagiária fisioterapeuta, rapidamente gerou uma onda de revolta nas ruas de New Delhi, tocando numa ferida que lateja em cada mulher indiana.

Fazendo jus a esta história e a todas as outras que por vergonha ou desprezo não foram contadas, Prya’s Shakti é uma banda-desenhada que não só homenageia as vítimas de violência sexual como, sobretudo, denuncia um problema cultural, incentivando à mudança. Que melhor do que a educação para mudar mentalidades, não é verdade?


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Prya, a personagem principal da sequela, é uma jovem rapariga que, sendo vítima de abuso sexual, salva outras mulheres escravas da desigualdade de género do país. Assim, com Saha, o seu tigre voador (não descurando a obra da sua vertente infantil) e o apoio da Deusa Parvati, Deusa Mãe no hinduísmo, luta por uma sociedade mais informada onde homens e mulheres têm os mesmos direitos. No entanto, Prya não é a única heroína da história. E se me permitem, isto é o que torna a saga, simplesmente, GENIAL. Juntamente com ela, também o são todas as personagens que, vítimas da realidade esmagadora que as sufoca, não só procuram sobreviver, mas sobretudo, reintegrar-se na comunidade e refazer as suas vidas. Assim, desde a história de Anjali, uma rapariga recém-licenciada em Direito, sobrevivente a um ataque de ácido que lhe desfigurou a cara, até à história de Lakshmi, levada para o norte do país sob as promessas de melhores condições de vida e um emprego na área da limpeza que, rapidamente, se revelou num esquema de tráfico sexual, esta bandadesenhada é o espelho de uma sociedade onde, segundo a Thomson Reuters Foundation, há um abuso sexual de 15 em 15 minutos, tendo sido a Índia considerada o pior país do mundo para as mulheres viverem em 2018. No entanto, o poder de Prya mostra que mudança é possível. Revela que com a palavra há esperança por um mundo diferente onde as mulheres podem sair à rua sem medo e onde podem seguir os seus sonhos sem limites nas entrelinhas. Prya mostra a todas as gerações que para se ser herói, apenas é preciso acreditar.

ARTIGOS


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Quarentena RITA SERPA Há uma semana que estou fechada em casa. Se fosse de livre vontade era divertido, mas tudo é aborrecido quando é obrigação. Eu, que rosnava constantemente que precisava de tempo, e agora que o tenho, não o quero. Reclamei tantas vezes com os comboios cheios em hora de ponta. Com a correria de me levantar,

vestir

à

pressa

e

sair

desenfreadamente porta fora. E agora, bom, agora dava tudo por essa pressa, por essa falta de tempo. Dava tudo ara apanhar o comboio e voltar a essa rotina. Porém, só me resta sonhar com a sua hora de chegada.

ILUSTRAÇÃO DE FILIPA SERPA

CRÓNICAS


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CRÓNICAS

O amor que não é digno de Instagram Texto de Rita Coutinho Ilustração de Francisca Dias Eu sei que o dia dos namorados já passou, mas eu, Rita, também conhecida como a romântica incurável, sensível, casamenteira e chorona, tinha de vir falar com vocês sobre amor (favor ler amor da forma linda como ele merece). De todas as coisas que temos conversado nos últimos meses, não sei se isso foi sentido desse lado, mas todas elas se baseiam em amor. Seja o amor à vida que nos faz lutar pelos nossos sonhos, seja o amor aos amigos, que são um dos melhores amores que alguma vez teremos, ou o amor ao próximo, como seres humanos que somos e temos obrigação de fazer jus a isso. Desculpem, mas em relação ao amor daqueles em que damos as mãos e chamamos de xuxu não vos vou falar, que esse a mim ainda não me tocou. Mas se estás a ler isto num intervalo de um beijo na boca com o teu mais-que-tudo ou se neste momento é um coração partido com quem converso, este amor de que quero falar também te diz respeito. Este amor não magoa. Parece impossível, mas juro que não. Ele é daqueles que quando vem, nós nem damos conta como foi, mas já não vivemos sem ele. Falemos de amor próprio, sem clichés ou frases politicamente corretas.


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Hoje em dia é muito usual vermos todo o tipo de pessoas com todo o tipo de discursos associados a como temos de “aceitar o nosso corpo” e como “se não gostarmos de nós ninguém vai gostar”… A intenção é boa, mas é tudo dito de uma forma tão simples e linear que às vezes enerva ler determinadas coisas. O amor próprio não é algo simples. Aceitarmo-nos não é algo que temos de fazer porque caso contrário ninguém o faz. Não. Aceitarmo-nos é saber que vamos falhar, vezes e vezes sem conta. Mas que em cada um das vezes em que isso acontecer, existe algo que muda, que melhora. Porque falharmos e aprendemos é o caminho para nos tornarmos na melhor versão de nós mesmos. Vocês não sabem quem eu sou. Não sabem se eu tenho uma voz rouca e grossa, cabelo corde-rosa e um piercing na língua. Se sou tão bonita quanto a Kelly Bailey, se todos os dias vou vestida como se fosse desfilar numa passerele ou se ando com a confiança da Shakira e da Jennifer Lopez no Super Bowl. Não sou nada disso. Talvez só a voz seja verdade, depois de me entusiasmar a cantar uma musiquinha no arraial. Eu sou a Rita, aquela que numa semana, decido vestir-me como uma mulher usual, e noutros dias sinto-me demasiado cansada para sair de umas calças de ganga e uns ténis.

CRÓNICAS

Adoro uma cara lavada, estou sempre despenteada e caio mais vezes do que aquelas que a minha vergonha me permite dizer. Sou um ser humano complicado, como somos todos, e todos os dias tenho um compromisso comigo mesma de saber que estou a tentar fazer o melhor. Todos os dias tenho um compromisso de respeitar o meu corpo e os meus sentimentos, querendo isso dizer que numa hora me sinto horrível e na outra estar a chorar a rir. Tenho dias em que quero vestir a camisola mais larga para me esconder, e noutro em que se pudesse andava de biquíni um dia inteiro. Isto parecem coisas tão pequeninas, mas foi a partir delas que eu ganhei a noção do que é, para mim, amor próprio. O meu amor próprio chegou a partir do momento em que decidi dar-me tempo e espaço para tentar fazer o melhor por mim e pela minha felicidade. E foi a partir desse momento que passei também a ter a capacidade de dar o melhor de mim aos outros . Um beijinho a todas as pessoas bonitas que chegaram até aqui.


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Escondidas ALEXANDRE CALAPEZ

Cresceram força ininterrupta, as crianças que comigo na rua brincavam, escondendo-se de beco em beco. Hoje são gigantes, só desmesura nos rasgados elogios, a esses, que de mim se escondiam. Eu? Eu sou apenas eu, nunca crescendo para me fazer gigante, para sempre miúdo, para sempre pequeno. Sou apenas eu, ainda escondido no beco, à espera de ser encontrado.

POEMAS



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ARTIGOS

CORONA EXPOSED JOÃO MARTINS O alarmismo é a mais contagiosa das pandemias. Por forma a impedir que alastre, é do interesse de todos informar-se e proteger-se de acordo com indicações viáveis e fundamentadas. Recentemente, esta doença, cujos principais sintomas são a incerteza, a desconfiança e o medo, partilha as preocupações da comunidade médica e científica com o COVID-19, comumente designado coronavírus. Se as manchetes dos media proclamam um estado de emergência global, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e as diversas entidades de saúde nacionais procuram desincentivar comportamentos excessivos e até discriminatórios, desculpados como “medidas preventivas”, e refrear as consequências nocivas da desinformação. Em acordo com este propósito, expor-se-ão dados factuais que permitem uma melhor compreensão do fenómeno patogénico COVID-19, enquanto problema real a enfrentar com foco e racionalidade. Afinal, no passado, só assim puderam ser eliminados outros semelhantes. Não é forçoso comparar extensivamente esta epidemia a outras que a precederam, focando as diferenças e semelhanças - cada caso é um caso e é o presente que requer destaque. Por isso mesmo, a única comparação digna de aqui ser exposta talvez seja entre o coronavírus e outra virose que continua a alastrar, não mundialmente, mas pela República Democrática do Congo. Mais de 250000 congoleses contraíram, até agora, sarampo, tendo sucumbido para cima de 6000 (a maioria crianças abaixo dos 5 anos de idade), embora já há muito existam as vacinas que o podem erradicar. Contrariamente ao que possa parecer, o surto de sarampo na RDC é a epidemia mais mortífera do presente - e o facto de não receber a atenção que se dá ao COVID-19 diz muito sobre a compaixão do ser humano face aos grandes problemas de que se sabe a salvo.

Tentando não soar repetitivo, é essencial clarificar que mais de 140000 pessoas foram já tocadas diretamente pelo coronavírus. À data (13/03, 16:00), mais de 5120 faleceram, 63777 ainda estão infetadas, das quais 5790 em estado preocupante, e 70733 recuperaram. Muito poucas crianças contraíram a doença, que vitima essencialmente a população mais idosa e com problemas prévios 80% das vítimas mortais tinham mais de 60 anos; 75% sofriam de complicações cardiovasculares, diabetes, ... A evolução do número de recuperados é positiva, ultrapassando, na grande maioria dos dias desde o pico de contágio (12 de fevereiro >14153) o número de novos casos, ou seja, apesar do crescente alastrar internacional, cada vez mais pacientes têm alta, superando os que são diagnosticados. Desde inícios de fevereiro, mais de 1000 novos casos têm sido reportados todos os dias, mas, a partir de 25 desse mês, o número de casos identificados na China, epicentro do surto, é inferior aos valores do resto do mundo - o que traduz uma situação otimista que pode ser interpretada como indicador de um paradigma cíclico, aliás comum a epidemias semelhantes: primeiros casos; contágio galopante; pico de novos casos e consequente pico de infeção (e hospitalização); aumento das recuperações; abrandamento de novos casos; pico de recuperações e queda do contágio - visível no gráfico. É expectável que este ciclo se reflita, com o passar do tempo, nos restantes países recentemente afetados. A imparável subida da mortalidade explica-se pela falta de uma vacina preventiva e pela ocorrência dos óbitos dos pacientes mais vulneráveis ou em estado mais grave - o intervalo entre a contração dos sintomas e a morte varia entre 6 e 41 dias, abrindo a hipótese de elevada mortalidade mesmo depois de controlada a expansão do vírus.


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ARTIGOS

A China, epicentro do coronavírus, demonstra um cenário otimista em que a infeção foi controlada e o número de novos casos decresce a cada dia. Hoje, dia 13 de março, registaram-se apenas 8 novas ocorrências em todo o país.

Não obstante, as medidas preventivas de muitos Estados - quarentenas, recolher obrigatório, desinfeção de aeroportos e estações de comboio, fecho de escolas e espaços públicos, despiste compulsivo, - têm ajudado a conter o progresso do COVID-19, a manter os níveis de contágio muito reduzidos e a prevenir o agravamento da situação dos novos infetados, assistidos e/ou isolados prontamente.

Recomenda-se, portanto, a lavagem regular das mãos, cobrir as vias respiratórias ao espirrar, tossir e assoarse, evitar contacto próximo com indivíduos que expressem sintomas, tentar não mexer nos olhos, boca e nariz frequentemente. Ao notar sintomas concordantes com o descrito, o indivíduo deve permanecer em casa e avisar as autoridades médicas se o seu estado se agravar, podendo utilizar máscara protetora (que não evita a contração, só a propagação).

Embora a probabilidade de contrair a doença seja ínfima - basta dizer que na China, país mais afetado, com uma população de 1427647786, registaramse 80815 ocorrências (0.005%) -, cada um partilha a responsabilidade de auxiliar na sua prevenção e combate. O primeiro passo prende-se com a consciencialização do risco: deixando de fora a hipótese de se ter contactado com alguém infetado, encontra-se em posição de risco quem tiver viajado para zonas com casos ativos dentro dos últimos 14 dias. A sintomatologia habitual inclui febre, tosse e falta de ar, mas também fadiga, dores musculares, produção de muco ou garganta seca. A transmissão opera-se via gotículas respiratórias expelidas quando o portador tosse ou se assoa, que ficam suspensas no ar ou se alojam nas superfícies em redor, podendo o vírus aí subsistir por nove dias, à temperatura ambiente.

O caso de estudo em que se transformou o navio Diamond Princess apresenta resultados esclarecedores acerca do risco que o coronavírus representa para a população à escala mundial, na medida em que simula em ambiente fechado vários cenários de propagação e a eficácia das medidas de prevenção, pois foi submetido a quarentena, ao teste e monitorização de todos os embarcados, tendo sido evacuados os indivíduos que acusaram positivo. Assim, este caso merece a atenção dos que quiserem perceber melhor a situação. Para melhor esclarecimento de quaisquer pontos não aprofundados ou dúvidas possíveis, recomenda-se a consulta dos Situation Reports da OMS, que já numeram 52, das fontes citadas abaixo e/ou do site: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019 Análise ao Diamond Princess: https://academic.oup.com/jtm/advance-article/doi/10.1093/jtm/taaa030/5766334 Fontes: https://www.who.int/health-topics/coronavirus https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019 https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public https://en.wikipedia.org/wiki/2019%E2%80%9320_coronavirus_outbreak https://gisanddata.maps.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6 https://www.worldometers.info/coronavirus/


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POEMAS

Amar Também é Assim MARIA INÊS TEIXEIRA MADEIRA

Seja o Amor cego, Tão cego que nos deixa ver com clareza, Pois se é no coração que guardamos o ódio, Também é nele que temos toda a riqueza. E mesmo que os meus olhos vejam Aquilo que o meu coração não quer saber, Deixo a minha mente esvoaçar, Lembrando o que tento esquecer. E seja o amor a maior loucura, Ou um enigma para alguém perspicaz. O amor é jogador batoteiro Mente e ilude como mais ninguém faz. Amar é isso mesmo, E é diferente de paixão. Quem se apaixona será sempre mendigo, Quem ama torna em ouro as pedras do chão. Mas amar também é sofrer, É ser sacrifício e ser magoado; É uma felicidade disforme Como o sol num dia nublado. E paixão é mais que amor? (Quem o disse mentiu!) A paixão volta sempre, O Amor nunca fugiu.

E é tão celestial quanto inóspito Que contra ti até se vira. E se é no amor que está a virtude Também é nele que guardamos a ira. O amor é assim, Pronunciado a mentir. É libertar um animal selvagem Vê-lo correr e deixá-lo ir. E porque amar é isso mesmo: É cuidar e ser-se voraz, É oferecer todos os Mundos E no fim ser deixado p’ra trás.


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NOVA EM FOLHA

Sou Aquele FREDERICO BERNARDES

Sou aquele que cura a dor com lirismo, pois saturado estou da racionalidade.

Ela que com dor, trespassou-me o ser! Dolorosamente doloroso estou, errantemente errante é o passo com que caminho.

Sou aquele que nunca existiu, porque não foi o que deveria ter sido.

POEMAS


P 40

NOVA EM FOLHA

Corações de Menina TOMÁS GIRÃO

Que neste dia hajam flores a colorir quem gosta de viver como a poesia escondida ao pôr do sol. O dia em que todas as mulheres sejam em todos os meses livres e capitães dos seus sonhos de menina que suavemente embarcam. Navegam pelas ruas alegria porque são felizes e independentes, caminham e conduzem a magia de artista ou futebolista. Mulher é a flor que se volta para o sol e como o gira-sol é livre de sonhar e viver sem dor. Que todas as mulheres possam ser felizes e serem pequenas crianças balançando no baloiço ou enrolando as tranças.

POEMAS


P 41

NOVA EM FOLHA

Flor(c)rescer TATIANA MATOS

Louca, exagerada, apaixonada, Ridicularizada, instrumentalizada, precária, Sentimental, fraca, morta. Quantas somos? Quantas pedem socorro? Quantas mais serão precisas? Sinto-me aprisionada numa rua, de onde me expulsam quando quiserem. Totalmente reduzida àquilo que aparento, Avaliada pelo muito ou pouco que tenho. Transformada para agradar, Transformada em nada quando decidem. Usada como arquétipo de beleza, Sou-o à força. Sou o corte, Sou o choro de tantas, Sou a luta de muitas, Sou a coragem de poucas, Sou o silêncio de milhões, Sou. Sou flor e vontade de florescer. Sem canteiro, sem cortes. Sou a raiz firme. Sou-o tão firmemente. Quiseram interromper-nos, Quiseram cortar-nos, Quiseram ridicularizar-nos, Quiseram instrumentalizar-nos, Quiseram enterrar-nos vivas, Mas “esqueceram-se que éramos sementes”.

POEMAS


NOVA EM FOLHA

P 42

RECEITAS

RECEITA DE BISCOITOS DE AVEIA, COCO E LARANJA MARIANA ABREU

Ingredientes: 100g de margarina à temperatura ambiente; 150g de açúcar amarelo; 1 ovo; Raspa da casca de uma laranja; 200g de farinha; 1 colher de café de fermento em pó; 135 g de flocos de aveia; 50g de coco ralado (quantidade consoante preferência);

Preparação: 1. Bater a manteiga com o açúcar até obter um creme regular. Adicionar a raspa de laranja e ovo e mexer novamente. 2. Juntar todos os ingredientes secos e misturar bem. 3. Com uma colher de chá ou sobremesa, retirar pequenas porções da mistura e colocar no tabuleiro forrado com papel vegetal. 4. Levar ao forno (pré-aquecido a 180ºC) até as pontas começarem a corar. 5. Retirar do forno e colocar sobre uma rede para arrefecerem. Depois de frios, guardar num recipiente hermético.

RECEITA DE BIFINHOS C/ NATAS E COGUMELOS DAVID LOPES

Ingredientes: 4 bifes frango/peru, cortados em tiras; 2 embalagens de cogumelos laminados; 1 pacote de natas 200mL; Mostarda q.b.; Azeite q.b.; 6 dentes de alho; Sumo de 2 limões; Sal q.b.; Pimenta q.b.;

Preparação: 1. 2. 3. 4. 5.

Dose para 4 pessoas!

Temperar os bifes com sumo de limão, sal, pimenta e os seis dentes de alho. Reservar com película aderente ou papel de alumínio, guardando no frigorífico durante pelo menos 12h. Fritar os bifes numa frigideira com um pouco de azeite por 30s de cada lado. Tirar os bifes para uma prato e juntar os cogumelos, deixando-os cozinhar em lume médio/alto durante 5 min. Juntar de novo os bifes aos cogumelos, as natas, a mostarda q.b. e deixar cozinhar até levantar fervura. Acompanhar c/ massa, arroz branco ou batata frita.

Dica: Podem substituir a carne por Seitan e as natas por natas de soja, por exemplo.


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para passares o tempo...

1. Movimento artístico ao qual é associado Henri de Toulouse Lautrec. 2. Museu parisiense que detém uma vasta coleção de originais deVincent Van Gogh. 3. Nome da pintura original restaurada por Elías García Martínez no Santuário da Misericórdia de Borja. 4. A par de Maria Helena Vieira da Silva, é a pintora portuguesa mais aclamada a nível internacional. 5. Arquiteto de origem suíça, naturalizado francês, responsável pela projeção da Villa Savoye. 6. Cidade na qual nasceu o Dadaísmo. 7. Movimento Artístico no qual se destacaram essencialmente Roy Lichtenstein e Andy Wharol. 8. Escultor francês do século XIX, criador de “O Pensador” e o “Beijo”. 9. Uma das obras mais importantes de Tarsila do Amaral e do período antropofágico do Modernismo Brasileiro. 10. Movimento artístico que caracteriza pela representação irracional e do subconsciente.

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