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NÚMERO

junho de 2017

Reflexões bocagianas


Bocage

A turma de Literatura Portuguesa de 10º ano, produziu, no âmbito do estudo de Bocage e ao longo deste terceiro período, uma série de textos que aqui partilhamos. A produto final foi este número de Jornalsemnome, organizado pelos alunos a partir dos textos elaborados em aula. Agradecemos particularmente a colaboração da Inês Mendes e da Clara Passarinho, que se encarregaram da edição dos textos. Como complemento do nosso trabalho, apresentamos imagens de produções dos alunos das turmas de Artes e de Educação Visual, retiradas de https:// www.facebook.com/artesemultimedia/.

Alexandra Cabral

Colaboradores Ana Lourenço Ana Rita Lança Alexandra Cabral Beatriz Costa Beatriz Santos Bruno Apresentação Clara Passarinho Cristiana D’Água Inês Mendes Inês Ferreira Margarida Caldeirinha Margarida Carvalho Maria Filipa Costa Maria Inês Santos Mariana Ferreira Matilde Távora Miguel Boullosa Raquel Carmo Robim Mestre Turmas de Artes Turmas de Educação Visual

Equipa responsável Alexandra Cabral Miguel Teixeira

Coordenação Alexandra Cabral

Logotipos André e Joana

jornalsemno-

Associação de Pais e Encarregados de Educação dos Alunos da Escola Secundária du Bocage http://apesbocage.blogspot.pt/ https://sites.google.com/site/apesbocage/ Novo email da associação 2


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A autobiografia em Bocage

Manuel Maria Barbosa du Bocage, poeta português do século XVIII, nasceu na cidade de Setúbal: “ Apenas vi do dia a luz brilhante Lá de Túbal no empório celebrado”. Sabemos, através de pormenores biográficos recolhidos dos seus sonetos, que, com apenas 10 anos, sofreu a morte da sua progenitora: “ Aos dois lustros a morte devorante Me roubou teu doce agrado”. Posteriormente, foi serviu na guerra: “Segui Marte depois, enfim, meu fado” Distanciou-se dos seus entes queridos: “ (…) Meu Fado Dos irmão e do pai me pôs distante”. Esta separação causou-lhe grande sofrimento: “ Longe da pátria, longe da ventura Minhas faces com lágrimas inundo”. No decorrer da sua vida, suportou diversas adversidades, tais como desgostos amorosos: “Suportei de amor a guerra Tive uma certa paixão, E outros males que são próprios de quem sabe amar” Debateu-se com problemas com a Igreja, tendo múltiplas desavenças com os frades que frequentavam a Nova Arcádia: “ Eu aos céus ultrajei”. Para além disso, devemos salientar que, durante o período em que se ausentou do seu país, passando pela Índia e pela China: “ Andei por mar e por terra Pela Índia e pela China “ Passou dificuldades e foi vítima de grandes fomes: “ Aturei fome canina “. Relativamente à descrição física do poeta, constatamos, com base no soneto “ Magro, de olhos azuis, carão moreno”, que este procede à sua autocaracterização de forma caricata, dado que enfatiza de forma extrema as características que o definem. Com efeito, retrata-se como sendo magro, de olhos azuis, moreno, de feições largas, pés de tamanho considerável, estatura média, semblante triste e, por fim, nariz acentuado:

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“ Magro, de olhos azuis, carão moreno Bem servido de pés, meão na altura, Triste de facha, o mesmo de figura, Nariz alto no meio, e não pequeno”. Paralelamente, no que diz respeito ao seu temperamento, podemos afirmar que Bocage era impulsivo: “ Em sanguíneo carácter foi marcado”, inconstante:

“ Incapaz de assistir num só terreno”,

profundamente melancólico, assim como mórbido: “Suspiro pela paz da sepultura” e mulherengo:

“ Devoto incensador de mil deidades (Digo, de moças mil) num só momento”.

Por último, devemos sublinhar que este mostrava sentido crítico, visto que reprovava os comportamentos da Igreja, mostrando-se também apoiante do liberalismo, tendo condenado o despotismo: “ descaia / despotismo feroz”. Quanto às marcas da sua escrita, o poeta combina estilos como o Barroco, o Neoclassicismo e o PréRomantismo. Tomando como exemplo o texto “ Apenas vi do dia a luz brilhante”, são constatáveis estes elementos: “ Em sanguíneo carácter foi marcado Pelos destinos meu primeiro instante” Os seus textos, maioritariamente sonetos, são, no que respeita à forma, marcadamente clássicos. No que toca ao Pré-Romantismo, este é constatável no fascínio pela morte: “ Suspiro pela paz da sepultura “, na prevalência dos sentimentos e das emoções sobre a razão: “ Deixa-me apreciar minha loucura Importuna razão, não me persigas ” e no exagero dos sentimentos, patente, por exemplos, nas comparações: “ Me estão negras paixões n’alma fervendo Como fervem no pego as crespas vagas” nas metáforas: e hipérboles:

“ letal veneno” “ Mil objetos de horror co’a ideia eu corro”.

Finalmente, a existência de elementos pré-românticos na lírica bocagiana relaciona-se também com o egotismo, visível, por exemplo, na constante repetição anafórica da palavra “eu”: “ Mandas-me não amar, eu amo, eu ardo Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro”. Beatriz Santos, Robim Mestre (compilação final dos trabalhos dos alunos)

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Variações a partir do soneto: " Nos campos o vilão sem sustos passa"

Nas lojas o pobre sem dinheiro passa Sossegado na herdade o rico mora; O que é ser infeliz este ignora, Encontra nos campos a graça.

Num gueto o rapaz tranquilo passa, inquieta no condomínio mora; o que é ser infeliz aquele ignora, Esta encontra na luxuria a desgraça.

Aquele chora e soluça; se embaraça Perante as coisas que quer e não abraça; Este (oh, meu rico iphone!) mil vezes sorri, Porque diz “Tenho o que pedi!”

Aquele canta e ri; não se embaraça, com essas coisas vãs que o mundo adora; Esta (oh cega ambição) mil vezes chora, Porque não acha que a satisfaça.

Aquele dorme no carro deitado Este, no seu edredão de avestruz Descansa sem acordar com a luz.

Aquele dorme em paz debaixo de uma árvore deitado, esta, no colchão d'água, nutre, exaspera velador cuidado.,

Alegre! Sai da herdade glamorosa: Se hás de ser pobre e desgraçado Antes ser rico e bem abastado!

Triste: saí do condomínio majestoso, se hás de ser rica, mas desgraçada, entes ser pobre e afortunada.

Clara Passarinho, Inês Mendes, Matilde Távora

No alheamento o ignoto sem sustos passa, Inquieto na proeminência o ilustre mora; O que é ser infeliz aquele ignora, Este encontra nas pompas a desgraça. Aquele canta e ri; não se embaraça Com essa coisas penosas que o mundo adora; Este (oh, cega ambição!) mil vezes chora, Porque não acha bem que o satisfaça Aquele dorme em paz no chão deitado, Este, no ebúrneo leito precioso, Nutre, exaspera, velador cuidado. Triste! Sai da ribalta majestosa: Se hás de ser notório, mas desgraçado, Antes de ser obscuro e venturoso!

Ana Lourenço , Ana Rita Lança, Cristiana D'Água, Margarida Caldeirinha

Nos campos e cidades o povo trabalha arduamente Enquanto que na Assembleia o tirano vive calmamente; O que é ser feliz o povo ignora O outro na luxúria a felicidade devora O povo enganado deixa passar Embora fique a mágoa na memória Este (oh, cega ambição!) mil vezes a celebrar Pois todo o bem roubado adora Aquele dorme preocupado O tirano, por seu lado, na cama de seda preciosa Dorme bem descansado Alegre! Sai da Assembleia orgulhoso: Melhor será ser tirano, mas mal sucedido Que português perdido!

Bruno Apresentação, Robim Mestre

Beatriz Costa, Beatriz Santos, Inês Ferreira, Margarida Carvalho, Raquel Carmo

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Autorretratos inspirados em Bocage

Um jovem rapaz De tudo capaz Tento construir a minha felicidade Para o pós mocidade Na cabeça muito juízo É tudo o que preciso Para as ciências não tenho fado Descobri-o o ano passado Para o desporto tenho jeito Mas infelizmente não sou perfeito Com o tempo descubro que a vaidade trás falsidade Já perdi muitos amigos que julgava serem de verdade Poucos sabem da minha realidade Bem como do facto que detesto falsidade Com a maldade não me identifico Quem me conhece sabe disso Adversidades não lamento Sei que não passa de um momento Que me torna um soldado Que não abandona o seu cargo. Marco Palhano

Cabelos ruivos quando criança era Com o tempo acastanhados ficaram Rosto pálido no verão e no inverno No sol umas sardas de lá saltaram Olhos claros: Com cor difícil de definir Mar se iluminados Trevo se à sombra observarmos Como qualquer humano, complexa Diferente dos demais Se caísse nesse poço de pensamentos Coitada… de lá não saía mais

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Bocage e Camões Bocage,

poeta setubalense do século XVIII, nalgumas das suas obras, confessa ter sido influenciado pela escrita de Camões. No entanto, apresenta certas diferenças relativamente à representação da figura feminina. No que diz respeito aos textos “Leda serenidade deleitosa” e “Marília, nos teus olhos buliçosos”, da autoria de Camões e de Bocage, respetivamente, são ambos sonetos. Bocage utiliza ao longo do seu poema um discurso de maior proximidade para com a sua amada, expresso através da segunda pessoa do singular (“teus” e “tua”). Já Camões apresenta uma relação mais distante relativamente ao destinatário do poema, visível por meio da utilização da segunda pessoa do plural (“Senhora” “ vossa”). Paralelamente, ambos fazem o uso da apóstrofe (“Marília, nos teus olhos buliçosos” e “(…) enfim, Senhora, vossa”) e da metáfora (“nos teus olhos buliçosos/ Os amores gentis seu facho acendem” e “entre rubis e perlas doce riso”), sendo que esta última pretende sublimar a beleza da destinatária, conferindo uma maior expressividade ao poema. Quanto às características da senhora na poesia camoniana, podemos constatar que esta segue o ideal de beleza da época, sendo loira (“debaixo d’ouro”), possuindo pele clara (“neve”) e face rosada (“cor de rosa”), correspondendo aos padrões comportamentais considerados exemplares (“presença moderada”). Na poesia de Bocage, a figura feminina continua a apresentar uma beleza cativante e sedutora (“Mil vistas cegam, mil vontades prendem”), estando implícito um amor correspondido e a correspondente relação amorosa. É de salientar ainda que a senhora é caracterizada como tendo um comportamento irrequieto e pouco contido (“olhos buliçosos”), bem como uma atitude racional (“A razão com teus risos se mistura”), sendo também uma mulher prendada e com sabedoria (“E em arte aos de Minerva se não rendem”). Em conclusão, apesar de Bocage ter sido influenciado, de algum modo, pela poesia lírica camoniana, a configuração da mulher amada apresenta algumas dissemelhanças. Beatriz Costa, Inês Ferreira, Margarida Carvalho, Raquel Carmo, Robim Mestre

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Bocage e Camões A escrita de Bocage apresenta diversas similitudes com a escrita de Camões. No entanto, vários são os pontos de divergência presentes nas suas obras poéticas, como podemos verificar através da leitura do poema: " Marília, nos teus olhos buliçosos ",da autoria de Bocage, e : " Leda serenidade deleitosa ", de Camões. Primeiramente, no que diz respeito à estrutura externa, ambos os poemas referidos são sonetos, o que nos remete para uma marca do estilo literário clássico. Porém, devemos salientar que o soneto de Bocage apresenta influência de diversas correntes literárias, nomeadamente o romantismo e o neoclassicismo. Relativamente ao assunto dos poemas, podemos afirmar que ambos apresentam o conceito idealizado de beleza feminina: " Teus cabelos subtis e luminosos ",em Bocage, e : " debaixo d'ouro e neve, cor de rosa ", no poema de Camões. Contudo, apesar de ambas as amadas serem descritas de forma semelhante, apresentam personalidades distintas. Enquanto que em Camões a senhora tem uma presença contida e moderada: "presença moderada e graciosa ", Bocage apresenta uma mulher mais irreverente e repleta de inquietude: "Marília, nos teus olhos buliçosos ". Por outro lado, a forma como o sujeito poético expressa o seu amor não se assemelha. De facto, em Camões, o "eu" poético exprime uma paixão comedida, algo espiritual: " repouso nela alegre e comedido ", ao passo que Bocage exprime desejos carnais em relação à sua amada: " A teus lábios, voando, os ares fendem / Terníssimos desejos sequiosos ". Por último, devemos referir que em Bocage existe uma relação mais íntima e próxima entre o sujeito poético e a sua amada, em grande parte devido à forma de como a evoca: " Marília, nos teus olhos buliçosos ", ao passo que em Camões a mulher revela-se inatingível e, portanto, o amor geralmente não é correspondido: " e me cativa Amor; mas não que possa/ despojar-me da glória de rendido" . Em suma, podemos afirmar que Bocage, apesar de ter em Camões um modelo de influência, criou as suas próprias marcas literárias. Beatriz Santos, Clara Passarinho, Inês Mendes, Matilde Távora

Bocage e Camões são dois poetas de épocas diferentes, mas apesar disso, é possível encontrar algo que os assemelha e algo que os distingue. Os poemas "Marília, nos teus olhos buliçosos" e "Leda serenidade deleitosa", são exemplos disso. Bocage e Camões seguem padrões semelhantes quando descrevem fisicamente a figura feminina, tornando-a num ser belo, perfeito e inatingível . Ambos se referem à senhora como tendo belos cabelos louros." Teus os cabelos subtis e luminosos" (Bocage) , "debaixo d'ouro "(Camões) ; “pele clara"; “Teus alvos, curtos dedos melindrosos " ( Bocage).; “neve" (Camões) ; faces rosadas e lábios que o sujeito poético deseja. " A teus lábios, voando , os ares fendem " “terníssimos desejos sequiosos" (Bocage). Como podemos constatar com os exemplos dados, ambos descrevem fisicamente as senhoras de forma similar, mas Camões tende a salientar mais pormenores, como a cor dos cabelos e dos olhos. Já quanto ao retrato psicológico , os poetas apresentam diferenças significativas na sua descrição. Camões salienta características como a serenidade e a descrição , ou seja, uma senhora calma, sossegada que chama a atenção por essas mesmas qualidades e não pelo contrário :"Leda serenidade deleitosa / que representa em tema um paraíso ". Bocage, embora , seguindo alguns destes padrões, já apresenta uma senhora que ri em público "A razão com teus risos se mistura" ou seja não tão rígida como a de Camões. Salienta, também, qualidades da senhora, como o facto de ser prendada , algo nunca referido na lírica camoniana, tanto como ser capaz de amar “Mora a firmeza no seu peito amante". Concluindo, Camões e Bocage não variam muito na sua descrição física da amada , mas, ao descreverem a sua parte psicológica, já se diferenciam. Ana Rita Lança, Cristiana Água , Margarida Caldeirinha

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Sobre “Ânsias terríveis”, de Bocage Ânsias terríveis, íntimos tormentos, Negras imagens, hórridas lembranças, Amargosas, mortais desconfianças, Deixai-me sossegar alguns momentos: Sofrei que logre os vãos contentamentos Que sonham minhas doidas esperanças; A posse de alvo rosto, e loiras tranças, Onde presos estão meus pensamentos: Deixai-me confiar na formosura, Cruéis! Deixai-me crer num doce engano, Blasonar de fantástica ventura. Que mais mal me quereis, que maior dano Do que vagar nas trevas da loucura, Aborrecendo a luz do desengano?

Bocage

A composição poética “Ânsias Terríveis” da autoria de Bocage, apresenta características neoclássicas e préromânticas já que este é um poeta de transição. Neste poema é notória a excessividade das emoções sentidas pelo sujeito poético, característica do préromantismo, sendo o amor o responsável pelas suas falsas esperanças (“Que sonham minhas doidas esperanças”), “ânsias terríveis”, “íntimos tormentos” e “mortais desconfianças”, que o impedem de alcançar a felicidade (“Deixai-me confiar na formosura”) e o levam a um aparente desassossego (“Deixai-me sossegar alguns momentos”). Podemos conferir nestes excertos, uma certa dramaticidade, bem como um caráter confessional, na medida em que o “eu” poético se dirige aos seus sentimentos (“Cruéis! Deixai-me crer num doce engano”), através da apóstrofe. No que diz respeito a outros recursos expressivos, podemos encontrar uma enumeração hiperbólica, juntamente com uma adjetivação vocabular, nos primeiros três versos da primeira estrofe (“Ânsias terríveis, íntimos tormentos, / Negras imagens, hórridas lembranças, / Amargosas, mortais desconfianças”), que servem para exemplificar e intensificar as emoções do sujeito poético. Por outro lado, existem juntos no mesmo verso, um hipérbato e uma metáfora (“onde presos estão meus pensamentos”), onde podemos constatar que a sua amada (“loiras tranças”) está constantemente presente nos seus pensamentos. Ainda é de salientar a utilização da antítese no décimo verso (“doce engano”), que se refere a uma falsa felicidade. Por fim, na última estrofe, encontramos a presença de uma pergunta retórica (“Que mais mal me quereis, que maior dano / Do que vagar nas trevas da loucura, / Aborrecendo a luz do desengano?”) que estabelece uma dúvida, relativamente, a se estes sentimentos alguma vez o deixarão feliz. Em suma, através da análise deste poema, chegamos à conclusão que as obras de Bocage, devido à influência desta época, contém características, que se concentravam muito na transmissão de emoções excessivas. Inês Ferreira, Margarida Carvalho, Raquel Carmo

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Sobre “Minh’ alma se reparte em pensamentos”, de Bocage

Minh'alma se reparte em pensamentos Todos escuros, todos pavorosos; Pondero quão terríveis, quão penosos São, existência minha, os teus momentos: Dos males que sofri, cruéis, violentos, A Amor, e aos Fados contra mim teimosos, Outro inda mais tristes, mais custosos Deduzo com fatais pressentimentos. Rasgo o véu do futuro, e lá diviso Novos danos urdindo Amor e aos Fados, Para roubar-me a vida após do siso. Ah! Vem, Marília, vem com teus agrados, Com teu sereno olhar, teu brando riso Furtar-me a fantasia a mil cuidados.

Bocage

“Minh’ alma se reparte em pensamentos”, de Manuel Maria Barbosa du Bocage, retrata o estado de sofrimento do sujeito poético provocado pelos danos que assombram a sua vida e mostra como este acredita ser tudo obra do Destino. Pode constatar-se que o “eu” poético se encontra em sofrimento e perdido em diversos pensamentos negativos acerca de si mesmo e do seu futuro; “Pondero quão terríveis, quão penosos / São, existência minha, os teus momentos” (vv. 3-4, est. 1). Sente-se, também, injustiçado pela forma como o Destino o tem tratado e pelos desgostos que o amor lhe trouxe, culpando-os pelos seus males “Dos males que sofri, cruéis, violentos / A Amor e aos Fados, contra mim teimosos” (vv. 1-2, est. 2). Por ter essa noção e consciência de que a sua vida é controlada pelos Fados, o sujeito toma uma atitude de rendição, cedendo à tristeza e ao sofrimento trazidos pelo Destino (características das obras de Bocage). Por outro lado, Marília, a amada do sujeito poético “Ah, vem Marília” (v.1, est. 4), aparece na quarta e última estrofe, como o único “raio” de esperança para o salvar daquela ansiedade que um dia o matará: “Para roubar-me a vida, após o siso.” (v.3, est. 3). No decorrer do texto são vários os recursos expressivos utilizados para o enriquecimento do mesmo. Entre eles, a presença da personificação do Amor e dos Fados “A Amor e aos Fados, contra mim teimosos” (v.2, est. 2), dando a ideia que está, realmente, a ser perseguido por alguém real, intensificando o sofrimento do sujeito poético e as razões deste; Com a utilização da metáfora “Rasgo o véu do futuro” (v1, est. 3) demonstra-se quão pessimistas são os pensamentos do “eu” poético, chegando ao ponto de se sentir perseguido pelos Fados até ao fim dos seus tempos. Através da apóstrofe, o poeta invoca-se a si mesmo “existência minha” (v.4, est. 1) e ao seu destinatário, “Marília”, sua amada; Utilizando a enumeração “vem com teus agrados, / Com teu sereno olhar, teu brando riso” (vv. 1-2, est. 4), enriquece a descrição da amada e demonstra o efeito desta sobre ele através da hipérbole: “Furtar-me a fantasia a mil cuidados” (v.4, est. 4). Por último, de modo a dar dramaticidade ao texto, o poeta faz do seu poema uma espécie de peça de teatro, onde declama os seus sentimentos dirigindo-se a alguém, neste caso, a Marília. Ana Rita Lança, Cristiana Água, Margarida Caldeirinha

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Sobre “ estas duras, cavernosas fragas”, de Bocage

Sobre estas duras, cavernosas fragas, Que o marinho furor vai carcomendo, Me estão negras paixões n'alma fervendo Como fervem no pego as crespas vagas; Razão feroz, o coração me indagas. De meus erros a sombra esclarecendo, E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo De agudas ânsias venenosas chagas. Cego a meus males, surdo a teu reclamo, Mil objetos de horror co'a ideia eu corro, Solto gemidos, lágrimas derramo. Razão, de que me serve o teu socorro? Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo; Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.

Bocage

Da autoria de Bocage, o soneto "Sobre estas duras, cavernosas e fragas" expres-

sa a oposição entre a razão e os sentimentos vividos pelo sujeito poético, os quais são originados pelas paixões do mesmo. A paixão caracterizadora do estado do espírito do “eu” espelha-se na natureza, descrita como um locus horrendus. Relativamente ao sujeito poético, este mostra-se apaixonado ("Me estão negras paixões n'alma fervendo"), razão que o leva a sofrer ("eu peno, eu morro"). No entanto, o sujeito lírico demonstra comprazer-se com a dor causada pela paixão, característica pré-romântica. Ao longo do texto, a razão mostra-se contrária aos sentimentos experimentados pelo sujeito poético, apontando-lhe os seus erros ("De meus erros a sombra esclarecendo") e mostrando-lhe a negatividade das suas emoções ("palpando e vendo / De agudas ânsias venenosas chagas"). Ainda assim, o sujeito lírico mostra não querer ouvir a voz da razão ("Cego a meus males, surdo a teu reclamo"), uma vez que se compraz com o seu sofrimento. Quanto às figuras de estilo presentes no poema, é constatável a personificação da razão, que contribui para iluminar o sujeito poético, mostrando-lhe a causa da sua angústia. Paralelamente, as comparações e as metáforas usadas no poema têm o intuito de realçar o sofrimento pelo qual o sujeito passa. Por outro lado, a interrogação retórica ("Razão, de que me serve o teu socorro?) serve para evidenciar o comprazimento do sujeito lírico face aos seus sentimentos e emoções, pondo de parte a tazão. Por fim, o emprego da anáfora, com a repetição da palavra "eu", demonstra o egotismo e o confessionalismo por parte do sujeito poético. No que toca à dramaticidade do poema, esta é conferida, em parte, por meio do ambiente descrito na primeira estrofe, sendo este obscuro, bem como agitado. Também o ritmo do poema, o qual vai acelerando ao longo do mesmo, contribui para a sua dramaticidade. Finalmente, esta é reforçada pelas figuras de estilo referidas anteriormente. Bruno Apresentação, Maria Filipa Costa, Maria Inês Santos, Mariana Ferreira, Robim Mestre

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Sobre “Importuna Razão, não me persigas ”, de Bocage

Importuna Razão, não me persigas; Cesse a ríspida voz que em vão murmura; Se a lei do Amor, se a força da ternura Nem domas, nem contrastas, nem mitigas: Se acusas os mortais, e os não abrigas, Se (conhecendo o mal) não dás a cura, Deixa-me apreciar minha loucura, Importuna Razão, não me persigas, É teu fim, seu projeto encher de pejo Esta alma, frágil vítima daquela Que, injusta e vária, noutros laços vejo: Queres que fuga de Marília bela, Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo É carpir, delirar, morrer por ela.

Bocage

A partir da leitura do soneto: “Importuna Razão, não me persigas”, da autoria de Bocage, podemos chegar a diversas conclusões sobre o mesmo. Primeiramente, no que é relativo aos sentimentos expressos pelo sujeito poético, este sente-se atormentado pela razão - “Importuna Razão, não me persigas” - devido ao facto de preferir regular-se por inclinações sensíveis, e não racionais. Para além disso, devemos salientar que o “eu” poético está pleno de ciúmes: “Esta alma, frágil vítima daquela/ Que, injusta e vária, noutros laços vejo”, provocados pela paixão que o domina. Todos estes sentimentos contribuem para o comprazimento do sujeito poético com o seu sofrimento amoroso. No que diz respeito ao conflito existente entre a razão e os sentimentos do sujeito poético, sabe-se que, embora reconheça que esta possa, efetivamente, proporcionar-lhe lucidez e apontar-lhe a forma de resolver o seu problema amoroso: “Queres que fuja de Marília bela,/ Que a maldiga, a desdenhe;”, perante o seu livre arbítrio, opta por se regular pelos seus sentimentos, apesar de, desta forma, se render ao sofrimento amoroso: “e o meu desejo/ É carpir, delirar, morrer por ela”. Relativamente aos recursos expressivos predominantes no poema, podemos notar a presença de uma apóstrofe: “Importuna Razão, não me persigas”, que salienta o facto de a razão ser o destinatário do poema; a anáfora: “Se acusas os mortais, e os não obrigas,/ Se, conhecendo o mal, não dás a cura”; a adjetivação: “Que, injusta e vária, noutros laços vejo”, na qual se dá ênfase à maneira como o “eu” poético se sente em relação à situação amorosa em que se encontra; verifica-se, ainda, a presença de uma enumeração gradativa: “É carpir, delirar, morrer por ela”, que reforça o seu amor pela amada, assistindo-se a uma evolução dos seus sentimentos. Por outro lado, no que é referente ao meio que proporciona a obtenção de dramaticidade no poema, podemos afirmar que esta é essencialmente conseguida através da interpelação direta do sujeito poético à razão: “Importuna Razão, não me persigas”. Para além do mais, devemos sublinhar que o “eu” poético evoca a razão por meio da segunda pessoa do singular: “Importuna Razão, não me persigas”, o que aumenta a dramaticidade do poema. Por último, importa referir que esta composição poética contribui para a classificação da produção poética de Bocage como “obra de transição”, visto que nela se encontram presentes características da corrente literária pré-romântica, clássica e neoclássica. De facto, no que diz respeito ao estilo préromântico, este é evidenciado através do comprazimento do poeta com o seu sofrimento amoroso, e pela forma como se foca no seu “eu” , enquanto o estilo clássico está presente somente na forma do poema, uma vez que é um soneto. Para além disso, podemos ainda verificar o estilo neoclássico através da consciencialização do poeta da existência e da importância da razão, embora não a tenha em conta. Beatriz Santos, Clara Passarinho, Inês Mendes, Matilde Távora

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