NĂšMERO
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dezembro de 2017
Carolina Ferreira
editorial
Esta edição de Jornalsemnome é dedicada, na sua maior parte, à divulgação de resultados de concursos e outras atividades promovidas pela Biblioteca escolar ao longo do ano letivo de 2016/2017. Assim, apresentamos os resultados dos concursos de fotografia/vídeo, de poesia e de ensaio filosófico, que tiveram como referência o tema aglutinador "Desenvolvimento sustentável", aprovado pelo Conselho Pedagógico. O concurso de fotografia e vídeo realizou-se em articulação com o Clube Foto, da responsabilidade do professor Miguel Boullosa. O júri selecionou os melhores trabalhos com atribuição de prémios e menções honrosas. O concurso de poesia/prosa poética foi um desafio da biblioteca aos alunos, com o apoio de docentes que acompanharam a elaboração de textos e integraram o júri de seleção e atribuição de prémios e menções honrosas. Foi proposto aos alunos que selecionassem uma foto e se inspirassem na mesma para a construção de um texto. Os concursos de "ensaio filosófico" e "o livro da minha vida" foram uma iniciativa do grupo de filosofia e em articulação com a biblioteca. Para além dos concursos, a escola participou ainda em iniciativas diversas, como a atividade "Setúbal , uma baía a ler" , promovida pelo Grupo de Trabalho das Bibliotecas Escolares do Concelho de Setúbal, que decorre no âmbito do Mês da leitura e que congrega todas as escolas do concelho para uma grande festa da leitura aberta à comunidade. Este ano teve lugar no Forum Municipal Luísa Todi. Realçamos ainda a promoção da leitura e dos alunos leitores, a que foi dada visibilidade através das “Turmas leitoras”. Também importa referir o trabalho efetuado na vertente da literacia científica, com envolvimento de alguns docentes, nomeadamente dos grupos 510 e 520. A turma agraciada no Dia Aberto distinguiu-se no 10 e 11º anos pelo seu envolvimento em projetos de âmbito científico. Por último, divulgamos uma reflexão da autoria do professor Carlos Bico que teve como base uma formação em que participaram vários professores ligados à área das ciências experimentais. A equipa do Jornalsemnome deseja a toda a comunidade educativa um santo Natal e um 2018 repleto de sucesso e harmonia.
Colaboradores Equipa responsável Alexandra Cabral Miguel Teixeira Paula Barros
Coordenação Alexandra Cabral
Adriana Abreu Afonso Azevedo Ana Albuquerque Ana Francisca Palma Ana Lourenço Biblioteca escolar Carlos Bico Carla Ramalho Carolina Ferreira Clara Passarinho Inês Gonlaçves Marco Palhano Margarida Gomes Miguel Boullosa Pedro Marrafa Pedro Ribeiro Rosa Duarte Rui Ermitão Tiago Duarte Tiago Simão Tomás Oliveira
Logotipos André e Joana
jornalsemnome@gmail.com
Associação de Pais e Encarregados de Educação dos Alunos da Escola Secundária du Bocage http://apesbocage.blogspot.pt/ https://sites.google.com/site/apesbocage/ Novo email da associação 2
Fotografia e vídeo
Concurso de fotografia/ vídeo e prosa poética
Menção honrosa na modalidade de vídeo — Tomás Oliveira
1º prémio — Ana Francisca Palma
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Fotografia e vídeo
2ª menção honrosa— “Num olhar por ti”, Afonso Azevedo
1ª menção honrosa — “Areia com rodas”, Pedro Ribeiro
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Fotografia e vídeo
2º prémio— “Janeiro 2017”, Inês Gonçalves
1º prémio— “Janelas azuis”, Carolina Ferreira
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poesia
Concurso de poesia e prosa Atividade de articulação com a disciplina de Português Ardente Saudade A saudade é fogo permanente Entra sem pedir autorização Transforma-se em chama ardente Consome o meu coração Eu vivo na escuridão Pelas ruas sigo lentamente Estou destinado à solidão Preciso de seguir em frente! Sou capaz de agarrar o mundo Com a minha determinação Por isso adeus saudade Recuperei a mocidade! Marco Palhano 2ª menção honrosa “Cenário pintado”, Pedro Marrafa
Os meus pés não tocam mais no chão Os meus pés não tocam mais no chão Os meus olhos não veem a minha direção Da minha boca saem coisas sem sentido, Tu eras o meu farol e hoje estou perdida. O sofrimento vem à noite... sem pudor... Somente o sono acalma a minha dor, mas... e depois? E quando o dia amanhecer? Quero viver do teu sorriso, do teu olhar... Eu corro para o mar para não me lembrar de ti E o vento traz-me o que eu quero esquecer, Entre os soluços do meu choro Eu tento explicar que nos teus braços... é o meu lugar Contemplando as estrelas, a minha solidão… Aperta forte o peito! É mais que uma emoção! Esqueci-me do meu orgulho para tu voltares. Permaneço sem o teu amor, sem luz, sem ar….. Perdi o jogo e tive de te ver partir E a minha alma sem motivos para existir. Já não suporto mais este vazio, quero entregar-me. Ter-te para nunca mais nos separarmos. Tu és o encaixe perfeito do meu coração O teu sorriso é a chama da minha paixão. Mas ...a madrugada é fria sem ti aqui, Só, contigo no meu pensamento. Meu ar, meu chão és tu! E mesmo quando fecho os olhos… eu posso ver-te!
Ana Lourenço 1ª menção honrosa
“Pegadas da minha terra”, Ana Albuquerque 6
Poesia e prosa
Quando for grande Quando for grande Quero ser uma estrela Um astro que ilumine e seja iluminado Um astro que ame e seja amado Quando for grande Quero ser a chuva A água que cai e limpa tudo à sua passagem A água que ama e é amada Quando for grande Quero ser como tu Alguém que dá e não é trocado Quando for grande Não quero ser o que sou hoje Pedra que é pisada sem nunca ter pisado
Ana Rita Lança
Quando for grande Quero ser uma estrela Um astro que ilumine e seja iluminado Um astro que ame e seja amado Clara Passarinho e Tiago Duarte 2º prémio
Quase O Amor por ti é o que me corre nas veias. Quando todos me queriam parado, quando eu próprio ousaria parar, é ele que me deixa cair, com a certeza de me levantar. Mas ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase. É o quase que incomoda, que entristece, que mata trazendo tudo o que poderia ter sido e não foi. Curiosamente, quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo e quem quase amou não amou. Ironicamente, dizem que aquele que leva a vida a falar da vida dos outros, quase que vive. São os que valorizam cada êxito que não é seu e que valorizam cada desaire ao ponto de fazerem funerais por acreditarem que aquilo que os ofusca finalmente morreu. Pergunto-me, às vezes, o que os leva a escolher uma vida assim; ou melhor, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abra“Beach and sahdow dog”, Rui Ermitão ços, na indiferença dos "Bom dia" sussurrados. Sobra cobardia e falta coragem até para ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no centro, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris não teria mais que uma cor. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. É por isso que quem sente aquele amor inquantificável por algo ou alguém passa a dizer que, ao contrário de nada, tem tudo. Pode não ser o centro do mundo, mas é a virtude da mudança, da fé, da vontade de fazer história a cada dia que passa. Assim, para os erros há perdão; para os fracassos, mais uma oportunidade e para os amores impossíveis, tempo. De nada adianta defender um coração vazio ou poupar a nossa alma. Um amor cujo fim é instantâneo ou indolor não é amor. Não deixarmos que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo nos impeça de tentar, desconfiar do destino e acreditar em nós, gastar mais horas a lutar do que a sonhar, a fazer do que planear, e a viver do que a esperar é o que nos diferencia daqueles que quase que amam. Porque, embora quem quase morreu esteja vivo, quem quase vive já morreu. Tiago Simão 1º prémio 7
Concursos
Setúbal—”Uma baía a ler”
7º e 10º H
V@MOS LER CIÊNCI@ Atividade de articulação curricular, desenvolvida ao longo do 10º e 11º anos, em biologia e geologia e física e química, em articulação com a BE - 11º B. Participação em atividades com entidades externas à escola.
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Ensaio filosófico
Ensaio filosófico “ Desenvolvimento sustentável Introdução Segundo orientações do Professor Doutor Viriato Soromenho Marques: "As alterações climáticas contêm em si mesmas a semente de uma série de possíveis acontecimentos futuros que poderão originar uma tragédia de dimensões globais. […] Quando o “Titanic” se afundou, o luxo das cabines era perfeitamente irrelevante perante o destino de todos os que morreram no naufrágio. A longo prazo há apenas vencidos na questão das alterações climáticas." Assim, tendo estes princípios como fio condutor, tentarei refletir sobre o que pode a cidade de Setúbal fazer para que o caminho que trilha convirja num futuro "verde". Desenvolvimento O Homem, por natureza e sob as amarras da ambição desmedida, é escravo do dinheiro, do poder. E muitíssimo pior que esta desmesura é o método utilizado para a concretizar. Esta carga cai, não raras vezes, sobre a morada permanente na qual coabita com todos os restantes seres, o planeta. O bem comum é colocado, nestas situações, em segundo plano, destacando-se como primado o interesse individualista. Escusado será referir quão insensata é esta atitude face à casa que lhe foi confiada e que, com a sua estadia, feroz para os ecossistemas, ficou danificada. Em circunstâncias normais, o senhorio exigiria ressarcimento pelos estragos causados. A Terra, pelo contrário, sofre, como é hábito, em silêncio. Silêncio melancólico de quem vê alguém querido partir, sabendo que jamais voltará, aquando da extinção de espécies, a cuja evolução assistiu desde os primórdios da sua ancestralidade. Com que direito a espécie que se autoproclama superior, racional, põe termo à existência de outras? Não será esta, pelo contrário, uma atitude pouco racional? Destas questões e da preocupação crescente com a humanidade surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável, modelo que visa suprir as necessidades das gerações atuais de um modo responsável e ordenado, tendo em vista salvaguardar o acesso aos recursos naturais por parte das gerações vindouras. A orientação fundamental passa então por consciencializar os cidadãos e dirigentes de órgãos de poder (já que até o ambiente passou a ser um assunto onde interesses políticos entram em jogo) que, nas suas mãos, está a responsabilidade de cuidar devidamente do chão que pisam, para que a sua descendência tenha a oportunidade de o pisar também, prescrevendo, obviamente, os mesmos cuidados. Algumas das consequências do incumprimento deste dever são a desflorestação, as alterações climáticas, o degelo dos glaciares e a subida do nível médio das águas do mar, o que culmina na inevitável extinção de espécies mais vulneráveis. Vale ressaltar que esta cidade plantada à beira Sado é hospedeira de variadas indústrias transformadoras como a Sapec,
produtora de adubos químicos e fertilizantes, a Secil, fábrica de cimento e a Inapa, onde é produzido papel. Associa-se, imediata e instantaneamente, o conceito "indústria transformadora" a "poluição". Mas não tem de ser assim. Inúmeros têm sido os esforços, principalmente nos últimos anos, nos quais a consciência ambiental tem vindo a aumentar progressivamente, para que esta relação causal provocada pela conjunção constante entre os conceitos diminua. E para que esse esforço se verificasse, algumas medidas foram adotadas em defesa do ambiente, como por exemplo a reflorestação de alguns segmentos da Serra da Arrábida, devastados anteriormente, e a reciclagem de recursos naturais previamente utilizados. A consciência é o meio que faz todo o ser humano agir. A partir do momento em que os dirigentes industriais absorvem a maleficência dos seus atos, a busca de soluções inicia. Nem que seja por temer represálias. É essencial que estas estejam previstas legalmente para servirem de farol iluminador do caminho de quem toma decisões neste âmbito. E que a competência e rigor sejam os nomes do meio de quem fiscaliza. Então e se a Natureza passar a ser vista como ponto de partida e, simultaneamente, meta para o desenvolvimento económico, em Setúbal? E se, para a produção de energia elétrica, for estimulada a instalação de grandes áreas de painéis fotovoltaicos em detrimento de uma valorização de combustíveis fósseis, que resultam num aumento da poluição ambiental? E não será esta forma inovadora de desenvolvimento alternativo geradora de postos de trabalho, que em última instância resultará em equidade social, numa cidade com grandes assimetrias sociais e económicas? E, para terminar, considero que não se pode falar em progresso sem que se estabeleçam objetivos rigorosos. Que se definam metas desafiantes com princípios que não permitam incorrer no erro do conformismo e que a luta para os atingir seja conduzida com seriedade. Referências conclusivas O presente artigo permite-me afirmar que o desenvolvimento sustentável na cidade de Setúbal passa, em suma, essencialmente pela permuta da letra "g" pela letra "c" na palavra ego. Consiste na alteração de um "ego", motivado por um interesse económico, ou mesmo por uma alienação relativamente à mãe Terra, para uma dimensionalidade “eco” sustentável, defendida por uma consciência responsável. Referências bibliográficas Marques, Viriato Soromenho (2012). "Alterações climáticas - a verdadeira crise do século XXI". Notas e Reflexões, JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 3, N.º 2, outono 2012 Adriana Abreu
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O livro da minha vida
Com um último suspiro dei por terminada a leitura que levara a cabo nas últimas semanas, A Rapariga que roubava Livros de Markus Zusak. Porém não estava satisfeita, a personagem principal que era uma ávida e apaixonada leitora, reavivara em mim uma vontade sobrenatural de ler, pelo simples prazer e curiosidade intelectual. Agora ambicionava escalar um pouco mais alto na descumunal montanha de livros que se erguia na minha humilde biblioteca, e deliciar-me com uma obra mais complexa, mais trabalhada, diferente. Repousada na cómoda dos livros, ainda por arrumar, encontrava-se uma obra que não sendo imponente, impunha respeito e até algum receio. Ler um autor premiado com o Nobel da literatura provoca-me uma certa apreensão. Seria eu suficientemente culta para ler e compreender tão grandiosa obra? Talvez, mas na minha cabeça assombrava uma insegurança colossal e uma vontade imensa de pousar o livro que – sem dar por isso – segurava agora com firmeza. Apesar disso, seria o desafio perfeito. Gosto de recordar, com algum orgulho, que foi com audácia que abri o livro e comecei a ler as primeiras páginas de uma das mais proclamadas obras de José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira. Mergulhei nesta aventura sem a menor pista do que a obra tratava. Queria que cada página fosse uma autêntica surpresa, e assim foi. A princípio, o estilo de escrita do autor de renome causou-se estranheza, a estruturação do texto não se assemelhava a nada do que tivesse lido anteriormente. Os parágrafos exageradamente longos, a quase ausência de pontos finais, cada frase, aos meus olhos, era um desafio às regras da língua portuguesa, mas ao contrário do que eu tinha antecipado, Saramago não era difícil de compreender. A sua escrita revelou-se como algo ímpar e espetacularmente fluído. O enredo incentivavame a ler mais, e mais. Todo o mistério que envolvia as personagens desafiava-me a continuar a leitura e a explorar com profundidade o ensaio, e por isso, a história como um todo tornou-se num vício meu. A rapariga que em tempos olhava apreensiva e até temerosa para o “livro dos cegos” – como lhe tinha por hábito chamar –, não existia mais. Agora eu erguia-me confiante com o livro pelo qual me apaixonara nos braços. As páginas voavam nas minhas mãos, mas ao contrário de muitas outras obras, esta eu li devagar. Tomei o tempo de saborear todas e quaisquer palavras, absorver a história escrita por Saramago, e finalmente refletir. Vivi a leitura desta obra muito intensamente. Por diversas vezes fechei o livro bruscamente, indignada com o que estava perante meus olhos. As infelizes semelhanças com a nossa realidade obrigavam-me a perguntar diversas vezes: Porquê? Por que é que nós Homens somos assim? – Não somos. – Insistia eu ingénua – Não podemos ser! A isto seguiam-se longos momentos de introspeção. Ainda hoje por vezes dou por mim a pensar na mais pura concessão de vida, de natureza humana. Como nós Homens podemos ser tão facilmente arrebatados pelo medo, mas ao mesmo tempo pela sede de poder, pela obsessão e pelo controlo? Chego à conclusão de que somos criaturas fracas, marionetas dum sentido de sobrevivência animalesco e desprovido de humanidade. No entanto, ainda hoje me recuso a conformar que sejamos sempre assim, que sejamos todos assim.
Insisto em continuar a leitura, talvez ao longo das páginas que ainda faltam, encontre solução para o meu desespero. Longe estava eu de imaginar que a resposta estaria em mim mesma. Todo este enredo despertou em mim uma explosão de emoções. Momentos de riso, choro, desespero, ansia, eu passei com as personagens que ao longo das semanas se foram tornando também parte de mim. Para mim os personagens eram a minha família, os meus amigos, os meus vizinhos. Transformei personagens em pessoas, pessoas com quem convivia, que compreendia – ou tentava compreender. Um dia também eu acordei cega. Medo. Pela primeira vez em muito tempo senti medo verdadeiramente. A minha garganta apertou-se num grito mudo, os meus olhos inundaram-se de lágrimas impossíveis de derramar. Finalmente tinha-me enredado tanto na história que fazia parte dela. Na tentativa de busca de algo que me iluminasse – ironia que baste dado que a cegueira era branca, luminosa – agarrei o livro que tinha sido a minha companhia nos últimos dias. Folheei as páginas como me habituara a fazer, passei os dedos pelas letras que não mais era capaz de ler, inspirei o cheiro das memórias entranhadas em cada capítulo da história e engoli as lágrimas que teimavam a inundar os meus olhos. Levantei-me e tateei o meu caminho até à janela do quarto. Abri as portadas e senti o vento nos meus cabelos. Não sabia se era de noite ou de dia, o que via lembrava-me uma manhã de nevoeiro denso, nevoeiro que tornava a minha mente nebulosa e me impedia de pensar com clareza. Em breve a única coisa em que pensava era em conseguir libertar-me da prisão que era eu mesma. Fechei os olhos e tapei a cara com as mãos, a diferença era nula. Imaginei-me a saltar do quinto andar para me livrar do fatídico destino, o mesmo das personagens de Saramago. Mas eu não queria, e foi no meio desta insanidade que compreendi. Compreendi que este também era um livro sobre os padrões em vigor, sobre o real e a “normalidade”, com a qual, por vezes, é necessário romper para nos podermos encontrar. Agora não me parecia tão difícil assim chegar à conclusão de que os personagens não tinham medo da cegueira em si, da brancura que substituía o mundo que outrora tinham visto. Os personagens tinham medo do que a cegueira os tornava, monstros. “O medo cega... são palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos.” Acordei destapada pelos lençóis e ainda agarrada ao livro de capa dura. Temerosa permaneci durante longos segundos de olhos fechados. Quando finalmente ganhei coragem para os abrir, os raios de sol matinal cegaramme momentaneamente. Sentada à beira da minha cama estava uma criaturinha reluzente, de olhos bem abertos esperando o meu acordar. Larguei o livro, que caiu com um tombo no chão de madeira do meu quarto, para me agarrar à minha irmã pequena, para a aconchegar. Tinha-a ignorado por completo ultimamente, tinha-me alienado de tal forma que já não sabia como era ter uma irmã, como era tão bom têla. Com a sua doçura natural ela acarinhou os meus cabelos, e eu retribuí o gesto. Este é o livro da minha vida. Não só porque me fez valorizá-la. Este é o livro da minha vida porque mesmo cega
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fez-me ver o que realmente importa.
Margarida Gomes
IV ENCONTRO INTERNACIONAL DA CASA DAS CIÊNCIAS - 10/11/12 DE JULHO DE 2017
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA A dimensão formativa deste encontro/a motivação dos professores… Nesta pequena reflexão vou destacar a dimensão formativa das atividades que constituíram este encontro, subdividindo-a em doze pontos (alíneas a) a l)), que me parecem essenciais referir: a) na primeira comunicação da Conferência de abertura, proferida pelo Professor Doutor Daniel Bessa, confirmei que a educação tem, neste momento em Portugal, um investimento a montante relativamente elevado e resultados a jusante que, apesar de, nos últimos anos, evidenciarem alguma melhoria, ainda deixam antever algum trabalho. Este trabalho deve centrar-se, em sua opinião, nos processos que ocorrem entre montante e jusante. Esta excelente comunicação que conseguiu ligar desenvolvimento e crescimento com a educação lançou a todos os professores presentes, de forma implícita, o desafio de perceber se a melhoria dos resultados passa, por exemplo, pelos programas, pelas estratégias utilizadas, pelos atores do sistema educativo – professores, alunos, encarregados de educação - em articulação eficaz com as opções do poder político. Recorrendo a vários exemplos de sucesso no mundo deixou, de forma muito clara, a mensagem de que devemos desenvolver o país apostando na formação integral dos jovens, não ficando satisfeitos com o ligeiro aumento de determinados indicadores que poderão mostrar crescimento, mas não mostrarão necessariamente desenvolvimento; b) na segunda comunicação da Conferência de abertura, proferida pela Professora Doutora Isabel Alçada, foi lançado um novo desafio a todos os presentes: a necessidade da melhoria de processos. A Fundação Belmiro de Azevedo e um conjunto de estruturas/ entidades, poderão, através da observação imparcial, de estudos e mecanismos de regulação, fazer surgir propostas de melhoria que, num futuro próximo, possam promover um ensino de maior qualidade, que crie no aluno o gosto pela aprendizagem. Quem sabe se… muito em breve… voltará a fazer-se ouvir a frase extraordinária para qualquer professor(a): “Quero ser como o(a) meu(minha) professor(a)!”, aspeto abordado pelo vídeo produzido pelo EDULOG (projeto que pretende fazer a ponte entre os mundos da educação, da política e toda a sociedade, para adequar o que se ensina ao que o país precisa, de forma rigorosa e duradoura fomentando a desenvolvimento social, económico e cultural) reforçado pela oradora quando salientou a importância do professor e da sua imagem no desenvolvimento dos alunos, aspetos também enfatizados pelo Professor Doutor Daniel Bessa. O papel do professor na motivação encontra-se intrinsecamente ligado à relação que este estabelece com os seus alunos deixando que, na maioria das vezes, a recordação “daquele professor” se centre muito mais na sua atitude enquanto formador do que nas suas valências técnicas que, naturalmente, são fundamentais, mas que, por si só, não chegam para que o aluno se recorde do “excelente professor”. Por vezes, essa atitude “deixa marcas”, pois o professor-formador (integral) tem de ser dinâmico,
firme, determinado e convicto da sua missão, assumindo que, por vezes, a aprendizagem implica trabalho, esforço, empenhamento, persistência, não podendo ser, apenas e só, um processo lúdico e /ou alicerçado num conjunto de temáticas que são sempre agradáveis para o jovem estudante; c) na sessão plenária, proferida pelo Professor Doutor Henrique Leitão, surgiu a valorização do papel do investigador português que tem tido, desde a antiguidade, um reconhecimento internacional. Com vários exemplos concretos, desconhecidos dos presentes, abordou a temática: “História na Ciência, ciência na história”. Através da sua excelente capacidade de comunicação, compreendi que esta vertente epistemológica pode ser altamente motivante para o aluno português que tem de aceitar que somos tão capazes de atingir níveis de excelência, como os nossos congéneres europeus/mundiais. Aliás, já o Professor Doutor Daniel Bessa tinha referido o recrutamento de jovens engenheiros para empresas de referência, como por exemplo, a alemã Siemens ou jovens enfermeiros para países, como, por exemplo, a Inglaterra. A descoberta de grandes referências portuguesas na produção do conhecimento no passado e no presente poderá alavancar o próprio sistema de ensino, aumentando os níveis motivacionais de alunos e professores. Há também um grande trabalho a fazer na sociedade em geral que, ainda hoje, não privilegia o papel do investigador e esse aspeto pode e deve ser, em minha opinião, abordado de forma mais explícita na escola, com a profundidade possível, adequada a cada ciclo de ensino. Neste sentido, convirá não esquecer que o sucesso das estratégias relacionadas com a proteção ambiental do planeta aumentou “exponencialmente”, quando se percebeu que a escola “educava os alunos para esta temática” e estes, em seguida, “educavam os seus pais” fazendo uma “publicidade e consequente adesão à causa”, muito mais eficaz do que a dos media. Não poderemos conseguir algo semelhante com este reconhecimento da participação dos portugueses na história da ciência?; d) os workshops em que participei vieram reforçar a minha ideia de que a formação inicial de qualidade de cada professor é fundamental, mas… se não for “alimentada” pela formação contínua fará com que fiquemos completamente “obsoletos”, isto é, incapazes de corresponder às necessidades de um mundo em mudança, de um conhecimento científico mutável a cada instante. Urge assim, aceitar a articulação com as fontes de produção do conhecimento – as instituições de investigação e/ou ensino superior - que, nos últimos anos, têm desenvolvido um esforço contínuo de aproximação ao ensino secundário através da realização de “Dias abertos”, “Estágios de Verão para alunos”, “Cursos de Formação de professores”, etc; e) o reforço da “cultura da partilha/trabalho em equipa” como um novo paradigma dos grupos profissionais atuais, evidenciada através da utilização de grupos multi/ 11
interdisciplinares, deverá estender-se, de forma global, ao sistema de ensino no mais breve espaço de tempo. Esta ideia, bem execuível através do site da Casa das Ciências, opõe-se claramente à dimensão de um sistema de ensino em que “o espaço sala de aula e os materiais produzidos por cada professor eram sagrados”, isto é, exclusivos de cada professor. Nessa conceção, experiências e materiais não tinham de ser partilhados, pois não parecia que essa partilha trouxesse benefícios, uma vez que poderiam emergir algumas fragilidades que, naturalmente, todos tinham, mas ninguém queria expor. No meu Grupo Disciplinar – Biologia e Geologia - esta troca de recursos e de experiências já funciona há quase três décadas, com grande sucesso; f) a importância da formalização de projetos de articulação horizontal e vertical que estabeleçam parcerias entre as escolas e as comunidades locais e/ou estruturas nacionais/internacionais de defesa do meio ambiente, entre outras, numa perspetiva de interligação permanente “entre o que se aprende e o que se aplica”. Este último aspeto encontra-se bem visível em todos os programas do 7º ao 12º ano de escolaridade na área das ciências, através das componentes programáticas: Ciência Tecnologia Sociedade e Ambiente (CTSA). Um “exemplo que me ficou na retina” foi o da GEONATURTEJO que, para além de tudo o que realiza com os alunos, ainda consegue uma revitalização socio-económica da área envolvente deste GEOPARQUE, traduzida no aumento do emprego para as populações locais e consequente oposição à desertificação tão falada hoje em dia (as visitas ao parque… os geocakes… casos de sucesso… deram uma “pequena” ajuda…); g) a apresentação, nos workshops, de ideias sempre originais e motivadoras, com indicação de pistas muito concretas para a sua exploração, como por exemplo, a geodiversidade urbana, as aplicações de processos naturais efetuados por microrganismos na produção industrial de alimentos, a abordagem do esgotamento dos recursos naturais numa perspetiva menos catastrofista (apesar de realista e suportada no conceito de sustentabilidade), a importância do estudo dos solos no equilíbrio dos ecossistemas (com propostas de componente prática altamente motivantes para os alunos), entre muitas outras; h) a disponibilidade permanente demonstrada pelos professores universitários, comprovada alguns dias depois, quando solicitei materiais sobre as temáticas abordadas nos worshops e tive a agradável surpresa de os ter recebido poucas horas depois da realização do encontro; i) a possibilidade de aplicação direta do que aprendi nas aulas, melhorando assim a minha prática letiva, de forma direta, através do aumento do conhecimento científico, mas também do estabelecimento de parcerias a curto/médio prazo. Posso referir que há, neste momento, fortes possibilidades do estabelecimento de uma ligação formal entra a nossa escola e a Universidade do Porto, na sequência da apresentação do projeto BIOINFORMÁTICA. Mostrámos interesse na adesão a esta iniciativa, tendo o feedback dos docentes da Universidade do Porto sido extremamente positivo. Poderá ser assim um “fruto visível” destas atividades formativas propostas neste encontro;
j) a possibilidade de reflexão “mediada pelas Ciências da Educação” sobre os recursos disponíveis no mundo atual para os nossos jovens – “manuais versus internet” - numa perspetiva crítica, que nos permita a utilização destes recursos na melhoria dos processos ensino/aprendizagem K) o reconhecimento/ reforço positivo, na sessão de encerramento, no sentido de que “os melhores professores” são capazes de despender tempo (numa fase de interrupção de correção de exames) e dinheiro (inscrição no encontro, transportes, alimentação, alojamento…) para evoluir sob o ponto de vista científicopedagógico e, dessa forma, servir melhor os seus alunos, sem pensar exclusivamente na atribuição de créditos, que permitam a ascensão no seio de uma carreira, que parece “muito mais congelada” do que as calotes polares no nosso planeta; l) a possibilidade de estarmos em contacto com “colegas da nossa esfera de ação”, mas também com investigadores com excelentes currículos nacionais e internacionais, deixando-nos a ideia de que, pela persistência, pelo acreditar, pela convicção com que realizamos a nossa missão podemos levar os nossos alunos mais longe e, consequentemente, o nosso país também. Com este entusiasmo contagiante destaco o Professor Doutor Daniel Bessa, o Professor Doutor Henrique Leitão e o Professor Doutor Pedro Ferreira, não esquecendo todos os responsáveis pela organização deste encontro, particularmente, os da Casa das Ciências, bem como todos os que animaram as dezenas de workshops, uma vez que, sem eles, nada disto teria sido possível. Esta reflexão poderá incluir também aspetos menos positivos… Assim sendo, destaco, apenas e só, a componente financeira. Apesar de ter dado por muito bem empregue a verba que disponibilizei, acredito que alguns colegas não vieram por questões económicas, particularmente, os que vivem a grande distância da cidade de Lisboa. Deixo assim uma sugestão: “Será que, no futuro, se poderiam arranjar patrocínios/apoio(s) de Fundação(ções)/empresas que suavizem estas despesas para os participantes? Por último… um pequeno sonho… será que, anualmente, a Casa das Ciências em articulação com outras entidades não poderia oferecer uma pósgraduação/mestrado a alguns professores que se vão destacando no seu trabalho? Se pensarmos, muitas das empresas privadas apostam na formação dos seus funcionários (sem custo para os mesmos), para que os resultados sejam melhores. Não poderá ser essa uma forma de resolver alguns dos processos entre montante e jusante e, dessa forma, trocar o “simples crescimento” pelo “complexo desenvolvimento”? Espero ter conseguido demonstrar, com exemplos muito concretos, (“à boa maneira das ciências experimentais”), de forma inequívoca, o papel formativo deste encontro que foi, até ao momento, um dos melhores de todos aqueles em que participei em quase trinta anos de serviço, pelo que terá contribuído seguramente para o aumento dos níveis motivacionais dos participantes. No caso da nossa escola… sete professores presentes (quatro – Grupo 510 – Físico-Química e três – Grupo 520 – Biologia e Geologia). Carlos Manuel Santos Bico
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