Jsnome46 junho 2018

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NÚMERO 46

junho de 2018

Aparição ou a inesperada virtude do destino


editorial

No terceiro período do ano letivo 2017/2018, a turma de Literatura Portuguesa do 11º ano, da professora Maria Alexandra Cabral, elaborou, no contexto da obra Aparição de Vergílio Ferreira e da reflexão acerca da temática do destino, esta edição do jornal. Durante o estudo da obra em questão, os alunos realizaram trabalhos sobre as mais variadas temáticas presentes na mesma, nomeadamente o Existencialismo, a caracterização e relação entre personagens, a marginalidade, o espaço social e eventos relevantes. Para além disso, encontram-se presentes nesta edição várias composições livres sobre a perspetiva de cada aluno face ao destino. Gostaríamos ainda de agradecer particularmente aos alunos Ana Cristina Lourenço, Beatriz Santos, Inês Mendes e Raquel Carmo, pela sua contribuição na elaboração do JornalSemNome, assim como aos alunos Clara Passarinho e Robim Mestre, que prestaram contributo na redação do editorial. É ainda de referir que foram utilizadas imagens tiradas em Évora pela aluna Raquel Carmo e de produções dos alunos de Artes e de Educação Visual, retiradas de https://www.facebook.com/pg/artesemultimedia/photos/?ref=page_internal Por fim, gostaríamos de fazer um agradecimento especial à nossa professora, que múltiplas oportunidades nos proporcionou, tais como a introdução à leitura de alguns dos clássicos mais relevantes da literatura da nossa Pátria, bem como debates e reflexões que impulsionaram o alargamento da nossa bagagem cultural e da nossa formação enquanto cidadãos do mundo.

Colaboradores Ana Lourenço Ana Rita Lança Alexandra Cabral Beatriz Santos Bruno Apresentação Clara Passarinho Inês Mendes Inês Ferreira Marco Palhano Margarida Caldeirinha Maria Filipa Costa Maria Margarida Carvalho Mariana Ferreira Matilde Távora Miguel Boullosa Raquel Carmo Robim Mestre Turmas de 8º ano (E.V)

Equipa responsável Alexandra Cabral Miguel Teixeira Paula Barros

Coordenação Alexandra Cabral

Logotipos André e Joana

jornalsemnome@gmail.com

Associação de Pais e Encarregados de Educação dos Alunos da Escola Secundária du Bocage http://apesbocage.blogspot.pt/ https://sites.google.com/site/apesbocage/ Novo email da associação 2


Existencialismo

O existencialismo Tema basilar de Aparição, o existencialismo percorre toda

a obra, sendo o que a torna tão singular. O existencialismo é uma doutrina filosófica que teve início na primeira metade do século XIX, atingindo o seu auge após a Segunda Guerra Mundial. Tem como aspeto central de reflexão o Homem, focando-se na existência metafísica deste e em realidades concretas e individuais. Dado que Vergílio Ferreira sofreu a influência de diversos filósofos existencialistas e suas ideologias, encontramos abordados em Aparição múltiplos assuntos que concernem a esta corrente filosófica. Entre estes, constam a precedência da existência sobre a essência, a oposição do milagre da vida face ao absurdo da morte, a procura do eu, a angústia metafísica e o conflito com Deus. Fortemente ligada à palavra que serve de título à obra, está a procura do eu. Desde criança que Alberto, narrador autodiegético, se mostrou interessado em descobrir mais acerca de si próprio, pelo que chegou a questionar o pai sobre quem era ("Quem sou eu?", p.23). Face a esta pergunta, o seu progenitor dá-lhe uma resposta ao nível biológico; contudo o que Alberto pretendia obter era uma resposta existencial, relativa à pessoa que o habitava, pelo que se demonstra insatisfeito . Posteriormente, ainda em criança, dá-se o episódio do espelho, no qual o narrador, vendo-se ao espelho, alcança pela primeira vez a aparição, momento de iluminação fulgurante, a revelação de si a si próprio, tomando consciência do que o habitava ("súbita presença de alguém que agora sabia ser eu.", p.63). A partir da aparição inicial, Alberto inicia um processo de crescimento pessoal. Tudo isto se encontra relacionado com a conceção existencialista de que a existência precede a essência. Dito de outra forma, é o ato de existir que leva à descoberta da entidade que habita cada ser humano, pelo que primeiro o Homem existe e só depois se define. Alberto mostra advogar esta ideia ao afirmar que "quem nasce é ainda nada"; no entanto, "quem morre é o universo" (p.58), ou seja, o Homem é somente possibilidade, tal como uma folha em branco. Ao agir, vai-se definindo a si mesmo, construindo a sua essência. Logo, ao morrer, o ser humano é muito mais que ao nascer devido à sua experiência, a qual lhe confere uma subjetividade singular e plena de existência, pelo que Alberto declara que é um universo. No que respeita à questão de Deus, o narrador assume-se como ateu ("Deus está morto", p.40), defendendo a ideia de que o Homem possui a condição de deus, dado que é um ser livre e capaz de criar o seu próprio destino e construir a sua identidade. No caso de Alberto, o desaparecimento de Deus liberta-o de forças externas, permitindo que construa o seu próprio destino, sem quaisquer entraves. No entanto, com a morte de Deus e, consequentemente, a instalação da existência sem transcendência, Alberto vê-se obrigado a reconhecer a fragilidade humana e a suportar os problemas que esta ideia traz. O grande problema em Aparição aparece quando Alberto redescobre a morte, após o falecimento do pai, ficando profundamente angustiado. Alberto não consegue perceber a finitude da vida, a necessidade que o Homem tem de morrer, pois considera a vida, o simples facto de existir, um milagre, pelo que a morte não passa de um absurdo. Assim sendo, a perda do pai fá-lo colocar em causa o sentido da vida ("Portanto, eu tinha um problema: justificar a vida em face da inverosimilhança da morte.", p.43), pelo que vai procurar justificá-lo. O narrador acaba por alcançar a conclusão de que a inevitabilidade da morte só acrescenta valor à vida, na medida em que contribui para a sua grandeza ("Um homem só é perfeito, só se realiza até aos seus limites, depois de a morte o não poder surpreender.", p.58). Contudo há outras personagens que têm formas diferentes de lidar com o problema da morte. Exemplificando, Carolino, rapaz perturbado que julga concordar com as ideias de Alberto, interpreta-as de forma errada: consciente do valor da vida, pensa que o facto de poder matar o equipara a Deus, visto que, para ele, a possibilidade de tirar vidas lhe confere um enorme poder ("tenho em mim um poder imenso. Imenso como Deus. Ele construía. Eu posso destruir.", p.190). Paralelamente, Cristina, menina que tocava piano, representa a superação inconsciente do problema mediante a arte, neste caso concreto a música, que exprime a transcendência, o puro, a grandiosidade, representando para Alberto uma revelação. No que concerne a Sofia, contrariamente às restantes personagens, esta aceita que a sua situação não tem resolução possível, pelo que não procura um sentido para a vida nem se ocupa de desejos e ilusões de modo a não sofrer. Por isto mesmo, Sofia encontra-se à espera da sua desaparição. Relativamente a Ana, fica vastamente afetada pela morte de Cristina, sua irmã mais nova. De modo a suportar este acontecimento, vira-se para a religião, procurando na crença da imortalidade uma resposta à questão da morte, que deixa de ser um problema. Robim Mestre

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Alberto Soares

Alberto Soares De facto, estes dois acontecimentos marcaram Alberto (“nesta imóvel radiação do silêncio, nesta vasta suspensão do tempo, a morte do Mondego irmana-se à de meu pai, dissolve-se num imenso apaziguamento (…) A lua vela (…) a profunda surdez que me submerge”), sobretudo o segundo, já que com esta redescoberta da morte, o protagonista voltou a pôr tudo em questão, pensando sobre o significado da vida e tentando também justificá-la face à inverosimilhança da morte (“a morte é o nada de tudo”). É de salientar que, de algum modo, custava imenso a esta personagem aceitar que iria morrer um dia, apesar de ter consciência de que tal acabaria por acontecer (“eu sei que «isto» nasceu para o silêncio sem fim”). Assim, no que concerne à temática da morte, esta está bastante ligada ao facto de que Alberto, como ateu, não acreditava que o seu futuro e destino pudessem estar entregues a uma divindade, pelo que tinha a crença de que enquanto vivesse teria a obrigação de resolver tudo, não deixando nenhum assunto por esclarecer. Deste modo, acreditava que, quando morresse, apenas perduraria na memória das pessoas que o tinham conhecido, o que considerava ser efémero, tendo em conta que, aquando da morte das mesmas, seria como se ele nunca tivesse existido de facto, por isso seria esquecido. Alberto acabou por chegar a estas conclusões sobre a existência e sobre si próprio, enquanto pensava em seu pai: “Que é de ti? (…) Vejo as tuas mãos (…) povoadas de um gesto que eras tu. Não! Quem te habitava não é. Viverás ainda na memória das que te conheceram. Depois essas hão de morrer. Depois serás exatamente um nada, como se não tivesses nascido”. Simultaneamente, enquanto esta personagem foi, ao longo de todo o livro, procurando descobrir-se, acabou por conseguir reforçar algumas conclusões a que já havia chegado, nomeadamente a ideia de aparição (relacionada com o título da obra), isto é, a consciência de que existia (“agora que me descubro vivo, agora que penso, me sinto”; “Quando digo «eu», já estou vivo…”; “A minha presença de mim a mim próprio e a tudo o que me cerca é de dentro de mim que a sei – não do olhar dos outros”), sendo este o primeiro facto, do qual partia para construir tudo o que estava em seu redor, uma vez que pensava que as coisas só existiam porque tinham algum tipo de significado para si: “presente a mim próprio como se fosse o próprio mundo que sou eu”, “os astros, a Terra, esta sala são uma realidade, existem, mas é através de mim que se instalam em vida”.

A obra Aparição, de Vergílio Ferreira, centra-se prin-

cipalmente no seu narrador, Alberto Soares, um homem relativamente novo que se muda para Évora, onde começa a dar aulas no Liceu. Esta personagem é bastante complexa, não só nas relações que estabelece, como também pelo extremo interesse que demonstrava na relação do Homem com a sociedade, com Deus e consigo mesmo. De facto, desde bastante novo, que esta personagem se mostrou bastante curiosa em relação à descoberta de si própria, traço importante relacionado com o existencialismo. Com efeito, é de realçar um momento em que, ainda enquanto criança, interrogou o próprio pai relativamente à pessoa que era: “Havia enfim, essa velha pergunta sobre a descoberta de nós próprios e que eu também fizera um dia a meu pai: (…) - Mas eu, eu o que é que sou?”. Deste modo, a explicação que nesse tempo o pai lhe deu não lhe pareceu suficiente (“alguma coisa ficara por explicar”), considerando que ele próprio era uma “entidade viva” que o habitava e habita, de que se aperceberia melhor mais à frente: “era eu próprio, essa presença obscura e virulenta que me aparecera, como também contarei, quando a vi fitar-me do espelho”. Assim, é de salientar que considero o episódio do espelho particularmente relevante para Alberto, na medida em que foi o instante em que este se apercebeu, de facto, da sua existência. Isto porque, ao notar que quem estava à sua frente não era um ladrão, mas, sim, ele mesmo (“Quem estava diante de mim era eu próprio, refletido no grande espelho do guarda-fatos”), sentiu-se um estranho. Alberto não se identificou, deste modo, com a pessoa que viu diante de si, instaurando-se, portanto, um distanciamento, pois encontravase a ver a representação da sua imagem pela primeira vez, constatando aquilo que era e não apenas um mero reflexo de si. Paralelamente, é de mencionar que Alberto, ao longo dos anos, sofreu com duas mortes, que o abalaram dramaticamente e que, de algum modo, o transformaram. A primeira vez que o narrador se deparou com a morte foi quando o seu cão, Mondego, morreu nas mãos de António, caseiro e criado seu: “eu vi o cão enfim: suspenso de uma trave, enforcado no arame, Mondego recortava-se contra o céu”. A segunda foi a morte traumática de seu pai, quando Alberto já era adulto: “Mas subitamente meu pai teve um arranco, esboçou o gesto de apertar o coração e caiu a todo o peso sobre a mesa (…) Está morto, está morto!” 4


Alberto Soares

Adicionalmente, e de modo a resumir o que referi anteriormente, é de salientar que, na constante procura até à descoberta do eu, existe uma confrontação do eu com o seu destino e a irreversibilidade do mesmo. Assim, esta conclusão está obviamente relacionada com a descoberta da morte e da consciência da condição humana em cuja essência o fim reside, sendo que se pretende realçar que o homem se tem de redescobrir, para que se consiga aperceber que é livre de decidir e construir o seu destino sem que qualquer divindade nisso interfira. Na minha opinião, esta obra é extremamente interessante, não só por a escrita de Vergílio Ferreira ser bastante cativante, como também por a sua história nos fazer pensar. Deste modo, no que toca particularmente ao tema deste trabalho, é de referir que, apesar de a personagem Alberto Soares ser muito peculiar e complexa, este consegue transmitir a sua inquietude face à existência humana, bem como a sua reflexão profunda e filosófica sobre a descoberta de si próprio e a tentativa de tornar o homem visível a si mesmo. Em simultâneo, e para concluir, é de mencionar que, ainda que tenha sentido algumas dificuldades na interpretação das partes de reflexão sobre a vida, no geral gostei bastante de ler este livro. De facto, posso afirmar que me identifiquei, de certo modo, com a personagem principal, na medida em que sinto que a fase da vida em que me encontro, a adolescência, é uma das alturas em que tendemos mais a refletir sobre a nossa existência, questionando tudo, até nos descobrirmos. O falecimento do pai vai moldar

Alberto e o seu percurso, não só nos seus tempos em Évora, do Doutor Moura, de Sofia e até do Bexiguinha, mas também através da vida que a família levará após esta perda. Quando Alberto vai visitar a mãe que encontra sozinha no casarão, apercebe-se de que agora, com a sua presença naquela casa, tudo tinha mudado, ”eu era agora mais filho do que qualquer dos outros, visto ser solteiro, porque vinha de longe e porque ela estava só.” Alberto vê esta como a sua oportunidade, pois ama a mãe e agora, ao visitá-la, consegue expressar o seu amor por ela sem fazer grandes esforços. No entanto, os “outros” continuam a visitar a matriarca. Evaristo e Júlia apresentam-se sempre com a sua habitual alegria, que Alberto despreza . Alberto evidencia uma posição lunar junto a Evaristo, já que tenta neutralizar a luz dele com a sua própria escuridão (“a guerra acabara, agora era quanto pudessem produzir”). Este adora mostrar a sua fortuna, chegando ao ridículo de trazer consigo “um livro de faturas, queria mostrar”. Realmente, Evaristo é o lado capitalista da família, e por isso alguém que Alberto despreza. ”Depois falou o Tomás. Mas o que ele contava tinha agora mais verdade - era a terra e o vinho desse ano, as sementeiras e as próximas manhãs de geada e de sol e a paz solene da fecundação (...) os seus olhos desciam sobre si, sobre Isaura e os filhos, como se receasse perder-se de uma comunidade de raízes dessa plenitude fértil onde tudo estava certo: a harmonia da vida e da morte.” A visão que Alberto tem do irmão é a de um pai de família e a de um bom trabalhador, visto que o seu trabalho é mais físi5

co que o de qualquer dos seus irmãos. É como se Tomás, aquele que mais perto do campo se mantém, fosse o mais sério e limpo dos três irmãos, visto que os outros dois se espalharam pelas cidades. Aliás, ao início da obra, Tomás aparenta ser um simples homem do campo, mas acaba por se revelar como alguém preparado para ajudar os irmãos e demonstra ter conhecimento para iso e capacidades reflexivas. Estão todos reunidos à volta da mesa, tal como se fosse Natal. Os irmãos e cunhados vão conversando e, tal como diz o narrador, “Meu pai mal falava. Mas ouvia-nos atento, com a tolerância de sempre. E era como se desejasse que a vida se revelasse espontânea através de nós, dos nossos sonhos, das nossas virtudes e miséria.” O pai tinha orgulho dos seus filhos e daquilo que eles faziam e ansiava que tudo corresse bem nas suas vidas, e o seu olhar atento revelava isso. Já a mãe não se habituava à ideia de os seus filhos terem crescido e se terem tornado homens, tal como é natural numa progenitora. A alegria estava instaurada na mesa, até que o derradeiro desastre aconteceu: “meu pai teve um arranco, esboçou o gesto de apertar o coração e caiu sobre a mesa.” A família quis certificar-se do bemestar de Álvaro, porém a resposta não foi a que desejavam: ele estava morto. Esta condição do pai veio a alvoraçar a família, exceto no caso de Alberto, que, por entre choros e gritos e pedidos de ajuda, só vê como solução trancar-se no quarto, abrir a janela e observar a tranquilidade que a noite tinha para oferecer neste momento de nervosismo. Raquel Carmo


Geografias

Geografias

A ação decorre em Évora, que é descrita como uma cidade fictícia, e fantástica, e na montanha, mística e inspiradora. O primeiro espaço que nos aparece é a pensão, local do qual o Sr. Machado é proprietário. O Sr. Machado liderava a sua pensão de forma estrita, tornando-se maçador: “ó senhor doutor…Em minha casa à uma hora está todo a gente na cama(…) Começava a irritar me aquele tipo, eu tinha de mudar de pensão.” “Está ali uma senhora a procurá-lo (…) O senhor doutor já sabe que eu minha casa…-Nem mais uma palavra, Sr. Machado. Não pode então vir uma senhora a esta casa? é isto um convento?". O quarto da pensão é amplo, paredes pintadas de branco, e possui um terraço. Também o liceu é um espaço referido no livro, com um estilo arquitetónico antigo, com várias arcadas, e um claustro frio, relacionado com a morte pelo narrador. O liceu tem vista para a planície de Évora. O escritório de Sofia, em casa dos Moura, também nos é apresentado. É uma sala pequena, mas de abóbada alta, estantes e alguns quadros. Tinha um ambiente intimo e acolhedor. Com as férias da páscoa, Alberto parte para a Covilhã, durante um nevão. A neve estilizava a cidade, dando lhe um aspeto tranquilo e pacifico "a neve esterilizou a vida numa pureza", e também dava à Covilhã um aspeto artificial, ou surreal "(...) estranho mundo artificial de plástico, de ersatz". Alberto regressa a Évora, porém vê-se obrigado a mudar de pensão, uma vez que o Sr. Machado havia sido preso por acusações de ser comunista. Decide-se pela Eborense. Mais tarde Alberto instala-se na sua casa do Alto, situada perto de uns moinhos. Esta casa é resplandecente de vida. No pátio há plantas a florescer, e dobrinhas a esvoaçar. Possui também um quintal, onde o Alberto planta favas, e uma vista para colinas. Apesar disto, a solidão de Alberto não desaparece. Marco Palhano

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Sofia

Sofia Sofia

é talvez a criação mais extraordinária, por entre um vasto leque de personagens simplesmente arrebatadoras, da obra Aparição. É sobre esta figura que a personagem principal, Alberto Soares, fala de forma mais emocionada nas suas reflexões, à distância de vinte anos, relativamente aos tempos em que estivera a dar aulas no liceu de Évora. Sofia marca a diegese de Aparição pela sua personalidade perfeitamente fora do comum. Toda a sua atuação é marcada pela consciência de uma autonomia que roça o desprezo pelos outros, e pelo seu caráter excessivo, onde sobressaem traços de loucura e de perturbação psicológica: “ Só na tarde do dia seguinte ela reapareceu, absolutamente serena, indiferente à aflição familiar. Tinha estado todo esse tempo empoleirada na chaminé de um forno abandonado, no pátio. De outra vez, e sem questão nenhuma, atou fortemente um nastro num braço, prendendo a circulação. Já tinha a mão roxa quando o pai descobriu. Sofia sentia-se alegre por saber que estivera em risco de perder o braço todo”. Na realidade, através da sua permanente inquietação existencial, Sofia toma consciência da sua solidão no mundo enquanto ser condenado à morte, o que a leva à loucura e a várias tentativas de suicídio: “ Vivia sempre à escuta de uma invisível ameaça ao seu mundo pessoal – mundo de alegrias ou amarguras que só ela sabia. Acontecia assim às vezes – Moura contava – que durante uma conversa ( como quando o pai falava da morte de algum doente ) ela sorria enlevada com o ar distante, separado, de uma louca. Como em situações diversas ( uma vez, por exemplo, numa festa de anos da irmã ) ela fugia de todos, grave de amargura mas raramente chorando. A certa altura houve quem preconizasse o recurso de um colégio. Meteram-na no colégio. Mas não houve outro remédio senão tirar-te de lá, porque duas vezes tentou suicidar-se. “ Sofia rege a sua conduta por critérios éticos que não coincidem com os da moral estabelecida pela sociedade em que se encontra, pelo que não se conforma com o curso de vida estipulado e moldado por esta: “- Porque há de a vida ter razão sobre nós? Porque havemos de ser sempre nós a submeternos? Um curso e um marido e filhos... Tive uma palavra professoral, como era ali da minha obrigação: - Se todos fizéssemos só o que nos apetece... - Sim. Mas porque é que numa vida certa o verbo studeo há de pedir dativo? - Que queria você fazer, Sofia ? - Sei lá, sei lá... E ficava muito séria, olhando ao lado qualquer presença obscura – e ambos nos esquecíamos dos

livros e cadernos. “ Na verdade, todos os gestos e atos de Sofia refletem o seu desassossego interior, até mesmo o seu profundo olhar: “ de uma violência ingénua, secreto e húmido e fulgurante como um primeiro pecado. “, que se destaca em todo o seu esplendor de “ beleza demoníaca”. Sofia é, desde o início da narrativa, uma personagem complexa e contraditória. A violência, o excesso, a atração pela morte e abismo, as suas atitudes extremas confinam-na à loucura. Sofia é, para além do mais, um ser provocador e sedutor, tendo plena confiança na sua pessoa, vestindo-se, por isso, de forma a evidenciar a sua beleza sensual: “ Mas Sofia sabia-se excecional. Por isso se vestia em perfeição, destra e aguda, disparada desde os saltos aos seios agressivos, aos olhos retos e lúcidos. E eu sentia que tudo o que é vivo na terra estava ali presente no seu corpo.” Para além disso, é importante referir que Sofia é um ser que procura unir o que faz ao que sente efetivamente e diz, com ousadia, o que se lhe vai na mente, pelo que podemos depreender que é uma pessoa que se mantém fiel aos seus sentimentos e pensamentos íntimos, não se preocupando com aquilo que os outros esperam de si: “ – Estudou a lição? - Não peguei em livro – disse ela, sorrindo por entre o fumo do cigarro. – Não está contente? - Contente? Porquê? - Ouça, doutor: se alguma coisa me preocupou sempre foi ser consequente, unir o que faço ao que sinto. Porque não faz o mesmo? Oh, não faz... Se o fizesse, já me tinha beijado...” Todavia, e para retomarmos o ponto inicial sobre a forma emocionada com que o narrador personagem recorda Sofia, é importante analisarmos a relação que Alberto e Sofia estabelecem. Apesar das diferenças comportamentais entre estas personagens, visto que a atitude passiva e introspetiva de Alberto contrasta com as atitudes impulsivas e extremistas de Sofia, é de notar que entre eles se verifica uma similitude em relação à permanente introspeção sobre o mistério da vida enquanto “aparição”, sendo que ambos afirmavam ter descoberto “ a vertigem da sua vida, da sua pessoa, da gratuidade desse absurdo milagre, da interrogação para o amanhã”. A atração física que nasce entre os dois acaba por se definir, não no sentido de paixão, mas de compreensão em relação ao que lhes desassossega a alma. De facto, apesar de demonstrar comportamentos diferentes dos de Sofia, Alberto parece compreendê-la melhor do que qualquer outra pessoa. Para ilustrar a situação, devemos atender ao diálogo travado entre Sofia e Alberto a caminho dos festejos de Carnaval. 7


Sofia

Enquanto que Alberto contemplava a beleza dos campos alentejanos em plena primavera, Sofia afirmava preferir a paisagem ardente e destruída dos campos em agosto, que sugere a ideia de morte. Desta forma, Alberto consciencializa-se da fatalidade do destino trágico de Sofia: “ – Lindo dia, lindo campo – digo eu em voz alta. – Deve ser a única oportunidade do Alentejo, esta, da Primavera. - Gosto mais em Agosto – opõe Sofia, olhando em frente. Terra calcinada, deserto estéril – pensei -, a cor dos restos do incêndio, o teu destino de desastre, Sofia. Sim, eu entendo.” Na verdade, Alberto compreendeu que era nesta “terra calcinada” que Sofia se encontrava em comunhão com a natureza e com a sua própria existência. As preferências de Sofia pressupõem, assim, um destino trágico e para o qual ela corre paulatinamente. O destino de Sofia aparece, com efeito, sob a forma de morte. De facto, à semelhança da violenta e excessiva personalidade de Sofia, a sua morte também apresenta as mesmas características, visto que acaba apunhalada por Carolino, uma personalidade igualmente louca, com quem estabelecera uma ligação amorosa. No entanto, é importante notar que as relações amorosas que

Sofia estabelece , primeiro com Alberto e depois com Carolino, são, podemos dizer, completamente inconvencionais. Na verdade, estas não podem ser consideradas como uma verdadeira paixão, funcionam, antes, como uma espécie de jogo de sedução, de intensidade. Sofia gosta de ter poder sobre os outros; no entanto não pretende dar continuidade às relações, são apenas jogos de entretenimento e de limites. Aliás, Sofia não concebe a vida como uma espécie de traço contínuo. Procura nela oscilações constantes, o perigo e o abismo. Porém, no que concerne à relação entre Sofia e Carolino, é de salientar que, à semelhança da relação com Alberto, também esta apresenta traços de similitude entre os dois intervenientes, na medida em que ambos possuem claros traços de loucura. Todavia, enquanto Carolino apresenta comportamentos de violência, visto que se considera como um Deus por ter poder de destruir e acabar com a vida: " Sou livre, sou grande, tenho em mim um poder imenso. Imenso como Deus. Ele construía. Eu posso destruir.", Sofia descarrega toda a sua angústia nela própria. Veja-se a sua disponibilidade para se isolar de tudo o que a rodeia ou as suas tentativas de suicídio, referidas anteriormente. Na verdade, Sofia é a representação da dicotomia entre eros e tanatos, uma teoria da psique, visto que nela se fundem a pulsão de vida e a pulsão de morte, ainda que Sofia esteja mais ligada ao tanatos. O eros promove a ligação entre o sujeito e os objetos necessários às suas vivências. Assim, a pulsão de vida não atua de forma isolada, tem de levar com ela alvos dos quais deve extrair o que lhe pode proporcionar, hipoteticamente, prazer. Note-se, então, a personagem de Sofia enquanto representação a vertente do eros, dado que esta procura arrastar consigo Alberto e Carolino para os limites da sua vivência, brincando, sem consciência, com a vida dos mesmos. Paralelamente, o tanatos, a pulsão de morte, age de forma silenciosa e isolada, relacionan8

do-se com a destrutividade do ser humano, com a consciência que habita um demónio oculto dentro de nós. Veja-se, assim, a disponibilidade de Sofia para pensamentos mórbidos e para o suicídio. A vida é, com efeito, o conflito, a confusão, ao passo que a morte é taciturna, ainda que sempre presente. No entanto, e como já foi referido, no caso de Sofia, a pulsão de morte acaba por se sobrepor à pulsão de vida, visto que a primeira se encontra para além do prazer, além do aparelho psíquico, só se revelando uma vez calcada a pulsão de vida. De facto, Sofia só se consegue sentir viva através de sensações extremas, que a levam ao limiar da morte. Pessoalmente, Sofia foi a personagem que mais me marcou ao longo da leitura desta soberba obra, visto que nos mostra o quão frágil é a condição humana face a este tão complexo universo do qual somos apenas uma ínfima parte. De facto, penso que Sofia poderá representar a angústia humana em relação ao seu sentimento de impotência face a questões que ultrapassam a metafísica, pois o Homem é visto como um ser condenado à morte. Na verdade, o problema de Sofia reside no facto de esta viver completamente submersa nesse mesmo sentimento de impotência face à sua própria condição, pelo que é incapaz de se abstrair dessa problemática e de contemplar as pequenas “ aparições” com que nos deparamos todos os dias. Exemplos desta ideia podem ser, por exemplo, o nascimento de um bebé ou um simples desabrochar de uma flor. Acontecimentos simples mas dotados de uma extrema beleza e, de um certo modo, de perfeição. Desta forma, Sofia mostra-nos o quão difícil é encontrarmos um equilíbrio na vida e aceitarmos que muitas vezes existem coisas inacessíveis ao conhecimento humano. Beatriz Santos


Bexiguinha

Bexiguinha Aparição é uma obra que integra diversas personagens que partilham uma discrepância em relação ás suas posições na vida, sendo a personagem que vou analisar, Carolino, mais conhecido por Bexiguinha. Carolino era um rapaz novo, de 17 anos (“Quantos anos tens tu?- dezassete(…)), tinha a alcunha de Bexiguinha, uma vez que a sua cara estava preenchida de borbulhas (“ cara crivada de espinhas (…), por isso os colegas chamavam o Bexiguinha”). Este era caracterizado por ter uma voz aguda, cantada e ridícula ( “voz fina e cantada”, […] “voz ridícula”), era um tonto e sobretudo um louco (“ás vezes lá em casa ponho-me a pensar: o que sentirá um galinha?”). Estas características, não muito positivas, levam Bexiguinha a ser alvo de gozo, o que mais tarde o conduz a atitudes negativas e mórbidas. Como já referido anteriormente, Carolino é um louco. Os primeiros indícios da sua loucura surgem numa conversa estabelecida entre ele e o narrador, Alberto, com quem mantinha uma relação professor/aluno, até desistir da escola. Bexiguinha via a força humana como o poder divino de matar e por isso mostra indícios homicidas (“já não há deuses para criarem o homem , senhor doutor, o homem é que é deus porque pode matar”). Ao logo da história, Carolino cresce no seu pensamento psicopata, matando uma galinha e, inacreditavelmente, tem gosto nisso: “ Carolino baixou-se, apanhou enfim uma pedra, deparou-a como um tiro”, […] “mataste uma galinha” […] , “olhava-a fascinado, olhava-lhe o bico donde o sangue pingava”, […] “e dizia em voz surda : -Matei-a”. Mais tarde, Bexiguinha inicia uma relação amorosa com Sofia. Esta também mantinha uma relação com Alberto, estando assim os dois envolvidos com a mesma mulher, o que conduzirá a estragos posteriores (“Sofia e Carolino[…] unidos secretamente”[…] ,“tomei Sofia nos braços […] aflição como no ultimo amor … “) Sofia tinha uma opinião, acerca de Carolino, diferente de todas as outras personagens (“tem ideias”, “tem valor”, “sedução terrível” ), talvez por ambos partilharem uma visão psicopata da vida , uma visão mórbida e sanguinária. Ao saber desta “relação partilhada”, Carolino começa, de certa forma, a sentir-se aborrecido e ciumento (“encarou-nos aos dois empalecido”) e com más intenções em relação a Alberto (“Carolino mal me olhou, sinistro e hostil”), mas Alberto, como boa pessoa que é, não partilhava de forma alguma o mesmo sentimento: (“sê feliz”). O distúrbio começa a progredir, tornando-se cada vez mais visível no episódio em que Bexiguinha tenta atacar ou mesmo mantar (“apareceu-me a frente de navalha”) Alberto, devido à relação deste com Sofia, o que mostra que o rapaz é completamente obcecado por ela (“ ela foi-se embora”), (“não fale nada, não fale de Sofia”). Deste modo, “Carolino mantinha-se de pé com um ar desgraçado de desespero”, […] “eu posso!”; […]“podia deitar fogo à cidade”, isto é, Carolino, enterrado na sua loucura ameaçadora, afirma mais uma vez o seu poder de destruição: (“imenso como deus. Ele construía. Eu posso destruir”). Alberto acaba com este ataque de uma forma inteligente e calma, tentando explicar-lhe que a culpa não era de ninguém (“Atirei-lhe a mão ao pulso e aparei o golpe”, […]“não fui, nem contigo, nem com ninguém”). Carolino estava completamente destruído, o que mais tarde o levará a extremos (“olhava o chão com um olhar miserável de quem se sente destruído”). Carolino, após toda a humilhação e negação por parte de Sofia, enraivece-se de vez, acabando mesmo por a matar (“Sofia apareceu num caminho que junto ao chafariz de el rei assassinada a punhal” […],“ me considerava responsável pelo crime ”. Concluindo, Bexiguinha era uma personagem completamente marginal, homicida e louca. Alberto, mesmo tentando passar-lhe os melhor princípios e visão sobre a vida, não era bem sucedido, pois Carolino percebia tudo ao contrario, não aproveitando a sua força positiva. Acaba por ser julgado e preso pelo seu crime. Mariana Ferreira

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Professores e alunos

Professores e alunos

Aparição relata-nos a história de vida de Alberto Soares, o protago-

nista e narrador, professor de latim e português num liceu em Évora, que lecionara anteriormente em Coimbra (" tinha feito o serviço de exames desse ano. Em Coimbra"). Podemos considerá-lo como sendo um homem perturbado com a morte, devido a experiências traumáticas que vivera no passado: a morte do seu cão e fiel amigo "Mondego", ainda em criança ("Como podia o cão morrer? Como podia morrer a sua pessoa?") e a de seu pai ("Eis que se me levanta de novo a imagem de meu pai, caído de bruços sobre a mesa, ao jantar"). Por outro lado, Alberto era um indivíduo com uma visão existencialista da existência, isto é, acredita que, ao longo da vida, vamos criando a nossa própria visão do mundo, baseada na experiência adquirimos. O desenvolvimento deste seu interesse começou cedo, ainda na infância (" -Quem sou eu? (...) -Mas eu, eu o que é que sou?"). O narrador é um existencialista ateu, pois acredita que o homem primeiro existe, e só depois sabe quem é; ou seja, é o ato de existir que conduz à descoberta do ser que habita em cada um de nós. O professor crê que o ser humano é livre e responsável por construir o seu próprio destino. Assumindo essa responsabilidade pelas suas ações, tem consciência de que os seus atos irão afetar direta ou indiretamente todos os que o rodeiam. Relativamente a Sofia, esta era uma jovem rapariga a quem Alberto dava explicações de latim ("Latim, latim" ; "Oh!, o latim... […] - Descanse que não serei um professor exemplar"). A menina tinha um grande talento para a poesia ("A minha Sofia? Se ela tivesse tanto jeito para o latim como tem para isso..."). No que concerne à sua personalidade, constatamos que esta é muito forte e vincada ("Um dia, depois de eu lhe explicar não sei que regra sintática, depois de Sofia tentar cumpri-la num exercício, fechou o caderno, cansada, risonha de tolerância"). Sofia tinha certas atitudes algo bizarras: sentia-se bem ao experimentar situações fisicamente dolorosas (" atou fortemente um nastro num braço, prendendo a circulação" ; "sentiu-se alegre por saber que estivera em risco de perder o braço todo"); expressa um gosto particular pela morte e pelo sofrimento alheio ("quando o pai falava na morte de algum doente, ela sorria, […], como uma louca"). Tinha também tendências suicidas bastante acentuadas ("duas vezes tentou suicidar-se"). Podemos caracterizá-la como provocadora, devido à maneira como seduzia e encantava o sexo masculino, usando os seus atributos ("se vestia em perfeição, destra e aguda, disparada desde os saltos aos seios agressivos […]"). Em suma, Sofia é uma personagem mentalmente desequilibrada. No que diz respeito a Bexiguinha, este era primo do Engenheiro Chico, amigo próximo da família Moura. Tornouse aluno de Alberto quando este começou a dar aulas no liceu de Évora. É um indivíduo muito interessante, na medida em que tem um grande fascínio pela morte como forma de criação (" já não há deuses para criarem e assim o homem, senhor doutor, o homem é que é deus porque pode matar" ; "Digo é que matar é igual e criar"). Especificando melhor a relação entre o professor Alberto e Sofia, podemos defini-la como atípica, pouco recomendável e, de certa forma, condenável. O feitio da jovem, como já foi referido anteriormente, é muito instável, o que faz dela alguém que não olha a meios para atingir os seus fins. Por isso, entende a sua relação com Alberto como o jogo em que ela o domina. Através do seu forte poder de sedução ("Sofia então tomou-me bruscamente a cabeça nas mãos e deu-me um beijo rápido na boca. Mas eu senti-me vexado. Tinha, aliás, a certeza de que se tentasse de novo tomá-la, de novo havia de me repelir."; "Uma beleza demoníaca, como de uma criança assassina, fulgurava-lhe nos olhos líquidos, na face branca, na boca ávida e sangrenta."), fazia com que o professor caísse facilmente a seus pés ("E eu sentia que tudo o que é vivo na terra estava ali presente no seu corpo"). Os dois chegaram mesmo a envolver-se eroticamente. Ao experimentar esse tipo de proximidade, Alberto experiencia a paixão, pela qual se considera responsável, apesar de não a dominar. Essa falta de controlo sobre a situação vem pôr em causa tudo aquilo em que acredita, provocando-lhe uma sensação de fracasso ("Será pois vão tudo o que sonho?") Concluindo, posso afirmar que considero a relação de Sofia e Alberto um tanto ou quanto ambígua. 10


Professores e alunos

Professores e alunos Simultaneamente, é de salientar que, do mesmo modo que a relação de Sofia e Alberto era conturbada, também se podia caracterizar dessa maneira a de Bexiguinha e Alberto. E tudo isto por causa da jovem. Tudo se inicia após as férias de verão em que Sofia e Carolino se aproximaram. Posteriormente ao final destas, Sofia envia um bilhete ao professor para que se esclareça o que ocorreu. A rapariga explica-lhe o seu envolvimento com o colega (“O Carolino é um homem como qualquer outro. E é novo. Além disso tem ideias. Mas é extraordinariamente tímido. […] Mas a dele é a daqueles para quem um pecado é mesmo pecado, uma sedução terrível, e que defendem portanto a inocência que detestam ou que amam com um amor infeliz.”), o que deixa Alberto frustrado, pois não entende como Sofia o pôde trocar por alguém inferior a si, um rapaz seu discípulo (“Pobre Bexiguinha- murmurei, tentando valorizar a minha derrota com compaixão”). A partir desse momento, a relação do protagonista com Carolino alterou-se drasticamente, pois o rapaz passou a ver o tutor como seu rival (“Mas de vez em quando eu apanhava-o a observar-me, como se receasse de mim uma surpresa e desejasse estar prevenido.”), tendo adotado uma posição defensiva e bastante agressiva relativamente a ele. (“ […], porém, ele deu um pincho e apareceu-me em frente de navalha aberta. Era uma navalha de ponta que abria de estalo. Erguia-a alto, como uma condenação, um brilho maligno refletia-se dela para os olhos do moço, do clarão da fogueira.”). Esta relação acaba de forma trágica. Um sentimento de raiva acaba por consumir Carolino por completo levando-o a matar Sofia (“Sofia apareceu num caminho que parte de junto do Chafariz de El- Rei, assassinada a punhal”) pois na sua cabeça, apenas a poderia ter por completo se acabasse com ela. Este pensamento deriva da sua obsessão pela posse e pela morte enquanto fonte de poder. Concluindo, posso afirmar que a leitura desta obra me abriu os horizontes para outro tipo de realidades, tais como a do Existencialismo, pois não me encontrava familiarizada com tal conceito. No entanto, considerei o livro extremamente complexo e a sua história apelativa, devido aos vários momentos de reflexão que surgem sobre a nossa existência neste mundo. Apesar de não ter sido a minha primeira escolha, acabei por apreciar bastante a leitura. Inês Mendes

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Ana e Cristina

Ana e Cristina

Ana, sendo assim sempre referida no desenrolar de toda a história, é apresentada a ambos, leitor e narrador, no início da obra, depois da chegada do narrador à cidade de Évora. Ao encontrar-se com o dr. Moura num café, um antigo colega do pai, de quando este estudara em Coimbra, segue para casa do novoamigo, onde conhece Madame, mulher de Moura, e as suas três filhas: Ana, Sofia e Cristina, da mais velha para a mais nova respetivamente. Ana era uma mulher magra de cabelos longos e lisos (“Tinha cabelos longos e lisos, face magra de energia e de ânsia, olhar vivo de estoque… O lábio superior abria-se com irregularidade de um dente.”). Mas, tal como com a maioria das personagens, o narrador não dá particular importância ao seu aspeto físico, limitando sempre as suas descrições a traços gerais e pouco pormenorizados com pequenas exceções de uma ou outra descrição. Já psicologicamente, Ana é, na minha opinião, uma das personagens mais complexas da obra, demonstrando mudanças nos seus pontos de vista e estado emocional, no decorrer da ação, especialmente na sua posição em relação a Alberto. É uma mulher exteriormente calma; no entanto tal como o narrador, demonstra-se interiormente frustrada e incerta, procurando achar resposta para as questões que se coloca a cerca da sua existência. É nesse momento, ainda no início da obra, que se dá uma “conexão” entre Ana e Alberto. Apesar de nunca ter sido romântica, como o narrador proclama várias vezes, as duas personagens encontram uma na outra similaridades nas suas verdades ao partilharem pontos de vistas sobre os mesmos temas filosóficos, discutindo-os. Ana admite seguir as publicações de Soares, assim como sentir-se intrigada pelas suas conclusões, algo que desperta no narrador curiosidade e preocupação para com ela (“ – Li dois livros seus – disse-me ela. – Publicou mais algum? […] – Há uns versos no seu

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livro que me intrigam. Dizem assim, mais ou menos: Dos sangue nascem os deuses/ que as religiões assassinam./ Ao sangue os deuses regressam/ e só aí são eternos.” Esta personagem era, de facto, alguém bastante intelectual, comprovado pelo facto de pertencer ao Comité da Salvação, uma “sociedade secreta” em Évora que se reunia com o propósito de proporcionar aos membros “uma conversa livre” sem tabus, através da leitura de “papeis” e discussão sobe os mesmos. Ao próprio narrador é proposto tornar-se um membro desta associação, mas rapidamente é decidido o contrário, pois o Comité considera que representa exatamente aquilo contro o que procuram lutar (“Quando cheguei a Évora, pôs-se a hipótese de eu ser integrado nessa pequena sociedade secreta. Mas logo se viu que eu «não tinha interesse», que eu era mesmo o «inimigo».”). Entre as mudanças que referi destaca-se, principalmente, a posição religiosa de Ana, sendo que esta muda precisamente após a trágica morte de Cristina, que a abala, criando, assim, uma Ana após a morte da irmã diferente da Ana antes da morte da irmã. Com o falecimento de Cristina, era de esperar que Ana fica-se afetada pelo facto de serem irmãs. No entanto, a posição da irmã mais velha em relação à mais nova é mais do que apenas fraternal. Ana sempre desejara ter filhos e, estando numa relação que aparenta ser saudável com o marido, Alfredo, o leitor questiona, de facto, o porquê de não correrem pequenos pelos corredores e salas da casa do casal. É então que, é revelado que Ana é estéril e, por consequência, incapaz de satisfazer o seu desejo maternal (“Filho único, herdara uma interessante fortuna. Mas Ana, infelizmente, não podia dar-lhe filhos: desarranjo no ventre ao primeiro parto falhado, uma operação eliminatória.”). A perda de um filho e a incapacidade de “dar” a si própria o que procura traz a Ana, tal como a qualquer pessoa na sua situação, uma forte frustração que não parece ser “curável”. É devido a esta situação que Cristina se torna tão importante e especial para a irmã mais velha. Ana vê-a como a filha que não pode ter, acabando por criar uma afeição maternal para com ela (“Lembrava o desastre maternal de Ana, a sua impossibilidade de ter filhos, o modo como, […] a trouxera no colo toda a viagem, se inventara para Cristina, até ao fim, a mãe que o seu ventre sonhava ainda.”), e achando na pequena a maneira de escapar da sua agitação interior. A morte destrói este artifício mental que Ana parecia ter achado, levando ao desencadeamento de uma série de novas mudanças comportamentais e espirituais. Inicialmente, Ana demonstra-se calma, mas abalada em relação ao que haveria acontecido, necessitando de tempo para si e para a sua meditação.


Ana e Cristina

procura pessoal. Ana não procura “espalhar” a palavra de Deus e inseri-lo em todas as suas explicações e pensamentos, ou seja, não adota uma posição dogmática (“Eras crente, não eras ainda apóstola.”). Podemos concluir, assim, que Ana encontra na religião o prolongamento da vida, a vida além do corpo que prende a nossa alma. Não acredita na morte completa de Cristina e através da espiritualidade crê que esta ainda vive, uma “ela” mais profunda. De certa forma, parece não aceitar a partida da irmã e prendese a esta ideia de imortalidade, mas a verdade é que lhe traz paz e com paz vem aceitação (“Onde está Cristina, a que era ela, não a que morreu de vestido de holandesa […] Havia outra, outra, profunda ELA, […] eu vejo-a, relembro-a, está aqui comigo, conheço-a, só me não pode falar”). De facto, Ana encontra a estabilidade interior, ou, pelo menos, encontra-se próxima de a alcançar. Ao perder Cristina, ganhou algo mais. O seu problema de não poder ser uma figura maternal é resolvido quando, juntamente com o marido, adota os dois filhos mais novos de Bailote, que se haveria suicidado, concretizando assim, o seu maior desejo. Observamos, deste modo, um contraste entre a Ana após a morte de Cristina e a Ana no final da obra, uma mulher concretizada, calma e serena (“[…] brincando ao pé de Ana, sob o dossel de glicínias, duas crianças fitavamme curiosas. […] –Quero dizer uma coisa, doutor: a minha Aninhas é feliz.”). Apesar de não estar fisicamente presente na maior parte da narração, Cristina é um elemento essencial para o entendimento da simbologia e da filosofia subjacente à obra Aparição. Esta é apresentada ao leitor juntamente com as suas irmãs, no início da história, quando da caracterização de Ana. Era uma rapariguinha de olhos azuis e um bonito cabelo loiro que lhe chegava aos ombros. Sendo a mais nova das filhas de Moura, com sete anos de idade, Cristina é uma rapariga calma e pacífica, o que contrasta com a maioria das crianças da sua idade que, normalmente, são bastante energéticas e barulhentas. Como o narrador a descreve, tem um “arzinho de menina grave” e uma constante postura de seriedade, questionada pelo narrador pelo facto de a educação que recebe por parte de Moura, Madame e os outros membros da família, nomeadamente, Ana, não exigir isso dela (“Vinha seriazinha, com uma gravidade que nela não era imposta pela educação.”). É claro, a partir das descrições do narrador, que este tem uma grande admiração e até devoção por Cristina, não só pela constante utilização de diminutivos quando se refere a ela, como “arzinho” ou “seriazinha”, que remetem exatamente para um sentimento de carinho, como quando a evoca na sua narração através de apóstrofes. Tudo o que ela faz é de alguma forma perfeito e extraordinário para o narrador, chegando mesmo a descrevê-la como a maior perfeição que alguma vira na sua vida (“Falarias dai a pouco, só depois de jantar. E de um modo tão extraordinário, Cristina, que eu te ouço ainda agora como a voz mais perfeita de tudo quanto me aconteceu, esse ano e outro ano, e todos os anos da vida…”).

O marido leva-a para a Covilhã, para a serra, para a praia, numa tentativa de a distrair, e é nessa viagem que a mudança de Ana se inicia. Torna-se silenciosa, discreta, indiferente,… focando-se nos seus pensamentos e no seu “eu” interior uma vez mais (“ […] os silêncios de Ana, as horas sem fim à janela da pensão, suspensa dos horizontes de neve, os passeios solitários pela estrada entre pinheiros […] Depois foram para a Rocha, […] Aí recomeçou a sua meditação.”), o que traz preocupações a ambos Alfredo e Alberto (“ – Aninhas, não precisas de nada? Sentes-te doente? […] Era evidente que Ana sofria de uma «crise». Gostava de estar com ela, Ana sabe as palavras do abismo…”). É na fé e na religião que Ana procurará conforto e a salvação para a sua instabilidade, havendo uma intensificação do significado de Deus na sua mentalidade (“- Mas você «acredita». Em quê? – Não pretenda que eu diga, não pense que eu diga um nome. Sou pequena e sei que a grandeza existe. Existe onde? Existe. Sinto-o em mim como uma pancada no escuro…”). Do ponto de vista do narrador, a maneira que Ana encontrou para resolver os seus conflitos pessoais foi ilógica e absurda, pois este acredita que não é pela crença num Ser Superior, que pode nem existir, que se alcançam respostas para questões tão profundas como as da vida (“Mas Ana fugia, eu pensava dolorosamente, eu o via absurdamente, opacamente, como um muro.”). No entanto, apesar de não acreditar ser esta a solução acertada, Alberto parece aceitar Ana e a sua busca pela paz (“Sei apenas que, por então, tu reagrupavas-te ao teu mundo novo, à maravilha que irradiava de uma paz reencontrada”), pelo facto de ser uma

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Ana e Cristina

Aparição critica, em vários parâmetros a sociedade da época, incluindo os marginais, os religiosos, os racionais, mas, de todas as personagens apresentadas e com as quais Alberto tem contacto, Cristina é, de facto, a única pessoa que não é uma única vez criticada . Podemos então concluir que Cristina simboliza a inocência, a harmonia, a pureza, sendo quase que a representação humana de um Ser Perfeito. O narrador não a vê como uma espécie de Deus, apesar de nela não existir uma imperfeição, mas sim uma espécie de aparição maravilhosa (“E é para mim uma aparição essa alegria que me ignora e sorri da luz para Cristina […]”). O mesmo caso já não se passa com Ana, que, após a tragédia sucedida no Carnaval de Redondo, a vê como um Ser de alguma forma superior e imortal (“Havia outra, outra, profunda, ELA, eu via-A, vinha até o seu olhar, ao seu sorriso, eu via-A, vejo-a, […]”),. A música é, em Cristina, o que mais fascina o narrador. No dia em que a conhece, este sente-se imediatamente hipnotizado pela sua música e talento. De facto, para uma rapariga de sete anos, Cristina era bastante dotada no que toca à técnica. Por exemplo, era capaz de tocar Chopin (“Toca uma vez ainda, Cristina. Agora, só para mim. Eu te escuto, aqui, entre os brados deste vento de Inverno. Chopin, Nocturno n.º 20. Ouço, ouço.”). Os que ouvem a sua música sentem-se emocionados e cativados, razão pela qual era tão amada por todos. Este amor irá tornar a morte Cristina muito mais trágica do que qualquer outra na obra, embora a morte seja um tema bastante presente durante todo o desencadear de eventos. Como referi, Cristina representava a inocência e o facto de até ela ter sido uma vítima do destino, demonstra como a morte é inevitável a todos os seres humanos, até os puros e perfeitos, algo defendido e discutido pelo narrador em vários momentos da narração. Este acontecimento desencadeia um conjunto de outros problemas, quase como se a morte de Cristina tivesse arruinado o equilíbrio e harmonia da Terra. Entre eles, encontramos a indireta expulsão de Alberto do Liceu onde ensina, a «crise» de Ana, que já referi, a zanga entre Chico e Alberto, tal como o acidente vascular do membro do Comité, e o episódio da ameaça e tentativa de homicídio de Carolino, também tratado por Bexiguinha, para com o narrador. A tragédia dá-se no capítulo XVIII, perto do fim da obra, quando da ida de Alberto, da família de Moura e de Chico ao Carnaval do Redondo. O capítulo inicia-se com uma apóstrofe, a evocação de Cristina, o que remete para que algo relativo à personagem irá suceder no decorrer do mesmo. A Natureza encontra-se alegre e em harmonia, com os primeiros sinais de Primavera, “os campos estalam de fecundidade, os homens lavram a terra, […] as cegonhas […] andam na terra”, parecendo quase um dia perfeito livre de maldades (“Está um dia bonito, Cristina. […] Está um dia belo de sol, de luz viva e quente com um assomo de Verão”. Essa alegria da Natureza irá contrastar com o terrível acontecimento que sucede após a visita ao Redondo. Alberto conduz, apesar de ter bebido com fartura, o que resulta no acidente e na morte do ser mais inocente de toda a obra. O seu falecimento dá-se já no hospital e a última interação do narrador com a pequena é, precisamente, no quarto, quando esta parece dormir pacificamente (“Pela madrugada entrei enfim no teu quarto, Cristina”). Apercebemo-nos, então, quão significativa a música de Cristina era, ao lermos como o primeiro e último momento da personagem são similares, ambos conectados com o seu piano. Cristina é introduzida tocando piano para os convidados da casa e aparece uma vez mais tocando também , às portas da sua morte, desta vez apenas para Alberto. É um momento rápido e privado, se calhar até uma alucinação ou fruto da imaginação do narrador, mas tem em si um grande significado, sendo quase que um tributo à música de Cristina, que era também a perfeição (“Na dobra do lençol tu sentias o teu piano, tu tocavas, Cristina, tu tocavas para ti e para mim. Música do fim, da alegria subtil desde o fundo da noite, desde o silêncio da morte. E eu ta ouço ainda agora, Cristina, […]”). Margarida Caldeirinha

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Religião e política

Religião e política A temática religiosa encontra-se fortemente ligada ao existencialismo e à procura do eu abordados em Aparição. De facto, Alberto, como um existencialista, enfrenta a vida distanciado de qualquer ser superior, acreditando que as suas conquistas e vivências pertencem e derivam unicamente de si. Por isso, dizemos que Alberto, assim como todos os outros existencialistas, matou Deus, pois simplesmente entendeu que não existe espaço para uma figura transcendente que nos guia e que nos dita o futuro, quando, na realidade, nós existimos como pessoas e seres capazes de nos projetar e de construir o mundo à nossa volta: "Sei que ele está morto porque não cabe na harmonia do que eu sou". Assim como a problemática religiosa parece sempre surgir nos nossos entendimentos, seja por questões de fé ou não, esta projetou-se igualmente nas personagens da obra de Vergílio Ferreira, na sua generalidade. Na verdade, todos procuramos algo que nos sustente, seja nos nossos momentos de aprazimento ou nos de desânimo, se um dia nos virmos sozinhos sem ninguém a quem pedir auxílio, o mais certo é cairmos em depressão. De facto, é o que ocorre com Alberto, independentemente de ter rejeitado o papel de Deus na sua vida, pois este não conseguiu enjeitar todas as crenças, acabando por se agarrar ao existencialismo. Em oposição ao próprio narrador, temos a personagem Moura, eminentemente religioso, que representa o que se pode caracterizar como uma personagem conformada e de pouco espírito crítico. Efetivamente, este pai de família compraz-se com a sua crença em Deus, mas o que realmente o torna interessante é a sua eficiência em admitir que na verdade nunca se deu realmente ao trabalho de questionar a doutrina. Esta é indubitavelmente a personagem que melhor representa a segurança e a necessidade que o ser humano sente de acreditar em algo: " Eu sou religioso, acredito em Deus, em Cristo, no Papa, no dogma, em tudo o que me ensinaram. Mesmo não tenho tempo para pensar mais no assunto. Tenho um Deus para me tomar conta da vida e da morte. " . Se um dia nos é negada e retirada a nossa maior crença, talvez a nossa vida deixe de fazer sentido —

então, de que vale questionar? Ana é decerto uma personagem que merece ser avaliada minuciosamente, essencialmente a propósito desta temática, pois mostra estar em constante evolução, conforme as alterações da sua vida. Inicialmente, Ana era já um alvo de atenção por parte do narrador, talvez por ser uma das poucas personagens que realmente defendia algumas interpretações semelhantes às do professor. Ao longo do livro, assistimos a vários diálogos entre os dois, em que Alberto tenta persuadir a mulher de Alfredo a fazer algo de diferente da sua vida: "... Diga-me, Ana: nunca pensou em concluir o seu curso? (Um curso de Letras que eu sabia ter interrompido para casar.)". Estas duas personagens acabam frequentemente a refletir sobre a existência de Deus ou de um ser superior a nós. A princípio, Ana mostrava-se seriamente convencida de que tinha achado as suas certezas relativamente a uma figura transcendente: "Resolvi definitivamente os meus problemas com os deuses", ao que Alberto responde com a sua opinião indiscutivelmente existencialista: " A parte de nós que é transacionável, que está regrada para os gestos, o código das ruas, essa poderá mudar-se talvez, porque é postiça quase sempre. Mas a iluminação de dentro, a pura presença de nós próprios é o nosso ser." No entanto, com a morte de Cristina, a sua irmã mais nova, a personagem sofre uma alteração profunda e o seu ceticismo sobre a existência de ser superior e acerca dos mitos desfalece para dar lugar a uma nova crença. De facto, esta mudança pode ter uma ligação com a infertilidade de Ana e com a conexão forte que esta teria criado com a sua irmã, que até podemos supor que pode de alguma forma terse transformado num laço maternal. Nos momentos mais difíceis, todos nós necessitamos de uma salvação e Ana encontrou-a na igreja. "Sou pequena e sei que a grandeza existe. Existe onde? Existe. Sinto-o em mim como uma pancada no escuro...". No entanto, Alberto, como uma personagem que pouco se conformava com o mundo à sua volta, mais uma vez fez o seu papel de "messias", proferindo a sua tese existencialista "Mas essa voz é minha" .

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Religião e politica

É interessante como, ao longo de todo o livro, nos deparamos com a insegurança experienciada pelo narrador, maioritariamente causada por Chico. Esta personagem é predominantemente um reflexo de uma visão política ocorrente no livro, sendo o responsável pelo Comité da Salvação, grupo de debate secreto, criado com o propósito de se discutirem os assuntos políticos da cidade de Évora: "Aliás, o Comité não "existia": dava apenas a oportunidade de uma conversa livre, de uma leitura e comentário de papéis clandestinos, de um revigoramento de esperanças para o futuro político do País, esperanças boas para um fim-de-semana e uma noite tranquila." Alberto e Chico manifestavam uma relação de malgrado entre si, motivada pela competição que existia entre ambos na disputa da atenção da família Moura e de Ana. Estes sinais são evidentes quando Chico, depois de ter convidado Alberto para fazer parte do Comité, o excluiu sem qualquer razão evidente: "Quando cheguei a Évora, pôs-se a hipótese de eu ser integrado nessa pequena sociedade secreta. Mas logo se viu que eu "não tinha interesse"". Depois de se fazer a avaliação de todas as personagens, mesmo não sendo evidente, Chico seria o responsável pelo pensamento referido acima pelo narrador. Alguns dos excertos que demonstram esta animosidade são os seguintes: "Chico aperta-me a mão, na sua mão quadrada, com um ar evidente de desprezo." ; "Há tipos que só são felizes quando podem humilhar os outros." De facto, as conversas de Alberto e Ana não agradam de forma nenhuma a Chico, que não consente que esta defenda os ideais do narrador. Pauta-se por princípios políticos que não se compaginavam com uma visão pessoal e subjetiva da existência. Relativamente à questão religiosa, Chico não se mostra uma personagem relevante. Na verdade, a única informação que temos é que este sempre se viu e considerou um ateu: "Ele criarase em puro ateísmo, nada anti. [...] Ele fora sempre puramente ateu." De certa forma, ainda interligado com esta temática mais ligada à política, temos o Reitor, uma personagem que espelha a mentalidade da população de Évora, do ponto de vista do narrador: " O peso da Idade Média enegrecia ainda as almas, e os mouros também. Ter meia dúzia de amantes era para aqueles sultões um sinal de abundância. E havia damas que durante anos não saíam à rua, ou saíam apenas pela Semana Santa." Efetivamente, o Reitor passa por uma personagem de caráter fraco e de mentalidade antiquada, opondo-se ao método de ensino de Alberto, que trabalhava muito no intuito de fazer os seus alunos questionarem assuntos um pouco fora da temática de sala de aula. Assim, muito indiretamente, o Reitor pediu para que o professor mudasse o seu método de ensino - " Esta cidade... é preciso cuidado, muito cuidado. Essas redações, é claro, são curiosas, são muito curiosas. Mas dê outras, dê outras..." - garantindo que os seus alunos não cultivassem um espírito crítico e começassem a questionar o seu papel no mundo e os planos para os quais tinham sido formatados: "Aliás, julgo-o hoje, bom reitor, o que tu me proibias não era bem que os alunos sentissem a pessoa flagrante do moço de fretes, do operário; era que eles criassem outro ser, à margem da lei dos homens e talvez dos deuses.". De facto, seria difícil controlar as mentes de adolescentes que cresceram e sabem que vão viver a sua vida comandada por uma ditadura (referência ao salazarismo). Para além disso, a igreja católica romana encontrava-se enraizada na sociedade, não havendo espaço para qualquer crítica ou questão relativamente à temática religiosa, quanto mais haver uma fonte de informação que pudesse “levar as pessoas a pensar”. Em suma, é de salientar a importância que uma crença tem na vida de uma pessoa, mesmo nos dias de hoje. O mundo encontra-se coberto de factos inexplicáveis, os quais, nós como seres pensantes que reúnem certas condições, temos o impulso de desvendar e de entender. Foi desta necessidade de explicar que nasceram a ciência, os mitos e mesmo o hábito. Até mesmo o Reitor, apesar da sua mente fechada, tem as suas crenças, seja no Regime ou mesmo no seu próprio entendimento de que o espírito crítico representa um perigo para a sociedade. Inês Ferreira

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A morte em aparição

A morte

A presente reflexão aborda Aparição, de Vergílio Ferreira, com especial foco na morte do pai e do cão de Alberto Soares. Deste modo, passaremos à descrição de ambas as mortes e respetivos impactos em Alberto, na procura de uma interpretação do sentido das mesmas. Ao longo deste texto, surgirão breves apontamentos resultantes de uma apreciação pessoal sobre o romance e sobre o tema da morte. A MORTE DO PAI "Sim, agora ainda vives para mim porque te sei." Efetivamente, o capítulo I termina com a morte rápida e sufocante do pai de Alberto Soares. A cena passa-se à hora de jantar, enquanto toda a família se encontra à mesa. De súbito, enquanto Álvaro, o pai, discursava para a família, "teve um arranco" que o levou a cair morto sobre a mesa - "(...) e caiu a todo o peso sobre a mesa". Por ter sido um acontecimento tão rápido e traumatizante, a primeira reação de todos os presentes foi ficarem estáticos - "Fulminados, não nos movemos". Seguidamente, o pânico instalou-se e correram todos em socorro do pai -" Até que, aturdidos de pânico, nos levantámos todos em tropel, correndo para meu pai" - tentando acudir-lhe no que podiam. Num grito sufocante e aterrado, Júlia exclama "Está morto!". Consequentemente, nem todas as personagem tomam a mesma atitude face ao ocorrido. Por um lado, a mãe, Susana, optou por debruçar-se sobre Álvaro, sentindo o seu corpo, agora imóvel, e tentando obrigá-lo a voltar à vida - " [...] minha mãe abraçava-se a meu pai, tateando-lhe a face, as mãos, o peito, intimando-o a viver". Já o narrador, Alberto, a pedido da mãe, corre até à vila, juntamente com Tomás, para pedir socorro a um médico. Evaristo, pelo contrário, perde os sentido ao ver aquela tragédia - " depois de Evaristo, que desmaiara [...]". Esta passagem é acompanhada por uma metáfora com simbologia que merece destaque: após a perda de sentidos do pai e morte deste, que o leva a cair sobre a mesa, por consequência, um prato parte-se no chão e um copo derrama o vinho. Eu creio que a queda do prato e o seu estilhaçar - "Um prato saltou, estilhaçando-se no chão [...]" - representam o choque e o drama da perda repentina daquela vida. Já o vinho completa ideia do prato, pois, se considerarmos que o vinho representa a vida e a energia, o seu derrame simboliza a perda da mesma, "[...] um copo, tombou, derramando o vinho na toalha". Não só, mas também, o facto de este ser vermelho acrescenta tragédia à cena. Num episódio mais à frente, Alberto decide ser ele a vestir o pai para a celebração fúnebre - "Que mãos profanas para te tocarem, meu velho? Que outras mãos senão estas da piedade, de um coração despedaçado?" . Repentinamente, uma vasta lista de questões ocupa a cabeça do narrador - " Então bruscamente ataca-me todo o corpo, as vísceras, a garganta, o absurdo negro, o absurdo córneo, a estúpida inverosimilhança da morte". Alberto estranha a realidade de o pai estar morto e interroga-se sobre como tal seria possível, se Álvaro estava ainda tão vivo na sua memória - "Mas o que me estrangula de pânico, me sufoca de vertigens é teres sido vivo, é tu estares ainda todo uno para mim, na memória do teu riso, no tom da tua voz, que era lenta, sossegada, nas ideias que punhas a viver entre nós, na realidade fulgurante de seres uma pessoa". O narrador observa apenas a imagem do pai, o seu corpo, a sua carne, e interroga-se sobre onde estará o verdadeiro eu do pai, onde estará a sua alma e a sua pessoa?: "Mas tu agora és apenas a tua imagem? Que é de ti?". Não é novidade para Alberto Soares que o pai não voltará à vida e será esquecido, “como se nunca tivesse nascido”. Todavia, o narrador arranja forma de se manter positivo face a esta realidade: o filho de Álvaro sabe que o pai viverá enquanto for lembrado – “Viverás ainda na memória dos que te conheceram”. Contudo, após a morte dos que o conheciam, Álvaro ficará para sempre no esquecimento – “Eis que começa a tua longa viagem para a vertigem das eras, para a desaparição do silêncio dos milénios”. É então, no capítulo IV, que se encontra a minha frase predileta da obra: “Sim, agora ainda vives para mim porque te sei”, a qual comparo com a famosa afirmação de Mia Couto: “Não morre quem se ausenta, morre quem é esquecido”. Porque, efetivamente, enquanto algo viver na nossa memória e na nossa mente, nunca desaparecerá por completo, nunca morrerá de todo, mesmo que, por exemplo, já não esteja cá fisicamente. Alberto Soares recorda a tia Dulce. Esta personagem tinha o hábito de guardar retratos num álbum, pois acreditava que dessa forma guardava o tempo (“[...] é esse teu velho álbum de fotografias [...] eu conhecia já a vertigem do tempo e me legaste depois “para o guardar” [...]”). Considero que era quase uma vingança da pobre tia contra a idade, pois, não podendo voltar atrás no tempo, tentava “congelar” alguns momentos. Tal como a tia de Alberto pretendia imortalizar certas pessoas através de retratos, também Luís de Camões pretendeu imortalizar os feitos portugueses na sua obra, Os Lusíadas. 17


A morte em aparição

A morte do cão “Viveu, tem de morrer”. Começo agora a segunda parte da minha reflexão com uma frase que me impressionou e que me parece adequada para introduzir a morte de Mondego, o cão: “ Viveu, tem de morrer”. Esta afirmação não é nova para nós, mas é, sim, uma verdade que por vezes nos assusta. De facto, a única condição para morrermos é estarmos vivos, mas às vezes é-nos difícil aceitar que pessoas tão vivas para nós um dia deixem de respirar e desapareçam para sempre. Para Alberto Soares, a morte do cão, tal como a do seu pai, parecia-lhe impossível até acontecer. Mondego fora um cão com que um dia, após regressar da escola com os seus irmãos, o narrador se deparou. Tinha um aspeto leproso e parecia ser velho – “ [...] reparo que atrás de nós vinha um cão lazarento”. O narrador nomeou o cão abandonado de “Mondego” e pediu à mãe e à tia para ficar com o animal. “O cão ficou”. Para Alberto, Mondego era quase como um ser humano – “ Ora no cão eu pude sentir obscuramente uma “pessoa””- pois ouvia-o e olhava-o tal como tal: “tinha a sua personalidade definida, com simpatias e antipatias [...] ”. “Ora um dia”, o animal adoecera ainda mais e, mesmo com medicamentos, não havia sombras de melhoras. A esperança começava a escassear, até que Álvaro admite ao narrador que não faltava muito para o cão partir e dá-lhe até um prazo (“[...] o cão não passa este Inverno”. Face a esta afirmação do pai, o narrador, aflito, nega-a: “Não morre!”. Seguidamente, Álvaro profere a expressão: “Viveu, tem de morrer”. Alberto reconhece essa possibilidade. Todavia, para ele o que era evidente era a vida do cão e parecia-lhe inverosímil a sua partida – “ Como podia o cão morrer?”. Contudo, um dia, o inevitável aconteceu. Alberto encontra Mondego entregue a uma morte horrenda que me deixou perplexa – “Mas eis que, ao voltar-me para sair, eu vi o cão enfim: suspenso de uma trave, enforcado no arame, Mondego recortava-se contra o céu, iluminado de lua e de estrelas”. A primeira impressão do narrador face à tragedia foi o racionalismo, pois manteve-se estático e calmo (“ Dominei-me, não gritei”). Consequentemente, como se nada se tivesse passado, correu para a família e seguiu para a Igreja não partilhando a sua dor com ninguém. Contudo, a tristeza e o choque transpareceram nas lágrimas que deslizaram pela sua cara (“[...] e segui para a Igreja, chorando duramente”). No dia seguinte, tal como vestira o seu pai, foi também Alberto quem enterrou o animal (“Levantei-me apenas e fui eu enterrar o animal, para que fosse amortalhado com ternura, para que a última voz da terra a falar-lhe fosse uma voz de aliança”).

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A morte em aparição

O impacto da morte no narrador “Não porque a tivesse decorado como um gato-pingado, não porque a tivesse esquecido, mas por tê-la incorporado na plenitude da vida”. A obra Aparição, de Vergílio Ferreira, é marcada pela presença de sete mortes. Destas sete, algumas são humanas, outras são de animais; umas são violentas, outras naturais. Todavia, todas convergem num ponto: na clara oposição morte/vida. Por um lado, a morte do cão, morte animal violenta, é provocada por António - nesse sentido, diverge da morte do pai de Alberto, por não ser natural. Para o narrador, uma pessoa não pode morrer. Deste modo, como o cão se equipara aos homens, o seu desaparecimento, bem como o do pai parecem-lhe inverosímeis. Consequentemente, as duas mortes irmanam-se por parecerem impossíveis aos olhos do narrador. Atentando agora na morte de Álvaro, o pai de Alberto, é possível concluir que esta trouxe repercussões maiores para o narrador, talvez porque, por um lado, foi apresentada em primeiro lugar. Sem dúvida que a situação que desencadeia o desequilíbrio no narrador é a morte do pai. O fim da vida de Álvaro não é provocado por nenhum ser humano, mas sim por uma entidade abstrata que priva Álvaro de viver e Alberto de estar com ele. Contudo, a morte do pai não é, inicialmente, vista pelo narrador como algo natural, o que provoca a quebra no equilíbrio interior do filho. A partir daí Alberto, acredita que a questão vida/morte se torna um problema a resolver, por considerar absurda a morte do pai. Não só depois da partida de Álvaro, mas também após todas as outras mortes, Alberto questiona-se: como é que um ser vivo, uma pessoa, pode morrer? Porém, e para mim, a mensagem e função principal da obra é mostrar-nos que não devemos ver esta entidade abstrata, que é a morte, como um temor ou como uma ameaça, mas incorporá-la na realidade da vida através da lucidez da dimensão humana. Infelizmente, a meu ver, aceitar esta realidade é improvável, porque, mais do que seres racionais, somos seres emocionais e o egoísmo irá, pelo menos para mim, sobrepor-se sempre à razão. “Adequar a vida […] com a morte”. Posto isto, e após a análise das várias mortes ao longo do romance e respetivos impacto no narrador, é possível retirar a principal função da morte, enquanto entidade abstrata: sensibilizar para o sentimento de falta e saudade que a perda de uma vida querida deixa. Por este último motivo, esta não é só mais uma obra, mas sim uma reflexão que põe também o leitor a pensar e a interrogar-se sobre o valor que se deverá atribuir à vida e às pessoas que nos rodeiam. Desta forma, Alberto interroga-se sobre como conseguirá vencer ou evitar a morte, sabendo que esta é uma evidência biológica. Irrefutavelmente, a morte não pode ser evitada. Não obstante, pode evitar-se o choque e a angústia que esta causa. Como? Tomando consciência dela e aceitando-a nas nossas vidas. Culminamos, deste modo, com a principal missão do herói do romance: a divulgação da evidente harmonia entre a vida e a morte – “Era absolutamente necessário que a vida se iluminasse na evidência da morte. Viriam a chamar-me mórbido, doentio. Porque? Mais real do que o nascer era o morrer”. Após uma reflexão profunda sobre Aparição, com focalização na morte do pai e do cão, é possível concluir que, para nós, enquanto seres sumamente imperfeitos e mortais, a morte será sempre incontornável. Clara Passarinho

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Marginalidade em aparição

Marginalidade em

Aparição Aparição, de Vergílio Ferreira, é uma obra do século XX, onde a personagem principal é Alberto , um narrador-personagem que relata também a sua viagem interior na busca de respostas a questões pessoais. É na procura dessas respostas que surge uma pragmática filosófica que percorre toda a história desde a introdução até ao seu epílogo. Temas como a religião (a crença em Deus), a identidade, a morte, o materialismo e o propósito da vida humana atravessam a obra e interligam-se com a narração dos acontecimentos. Assim, o leitor vê-se obrigado a refletir sobre o livro e os acontecimentos. A história do livro Aparição começa com a ida de Alberto para Évora, depois de o pai falecer. Seguidamente relata a sua adaptação à cidade, ao Liceu onde dá aulas e às relações que vai estabelecendo com as várias personagens desta obra e, claro, com os habitantes de Évora. Alberto entra em conflito com várias personagens, como Sofia, Carolino, Chico e Ana, por motivos morais, amorosos e políticos, mas, ao mesmo tempo cria boas relações com Alfredo e com a pequena Cristina, uma menina de sete anos. A marginalidade em Aparição Em Aparição surgem personagens, como Sofia e Bexiguinha, com um perfil marcadamente marginal. Esta marginalidade patenteia-se, por exemplo, em comportamentos limite e em formas de ver a realidade como: “[…] Sofia sentou-se alegre por saber que estivera em risco de perder todo o braço […]”. Através desta citação podemos ver que este comportamento de Sofia é diferente, pois ninguém fica feliz por saber que vai perder todo o braço. Bailote enforcou-se, por não ter mão para semear, como antes. Esta personagem também demonstra um comportamento marginal, pois enforca-se só por não ter uma mão capaz de lançar a semente à terra como tinha antes. Marginal também será o comportamento de Carolino, que se congratula quando mata uma galinha, pois considera que o poder de matar o diviniza: “Carolino baixou-se, apanhou, enfim uma pedra, disparou-a como um tiro[…]”; “[…] Mas a pedra não o atingiu [não atingiu o cão], voou sobre ele e foi apanhar em cheio, incrivelmente , a cabeça de uma galinha[…]”. Movido pelas suas convicções, Bexiguinha acaba por matar Sofia, tornando-se num homicida: “Sofia apareceu num caminho que junto ao chafariz de el-rei assassinada a punhal” Ana Cristina Lourenço

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Sofia e de Cristina

Sofia e Cristina

Sofia era uma jovem, filha do doutor Moura e de Madame, a quem o narrador, Alberto, dava explicações de latim (“latim, latim”; “-Oh! O latim…[…] – descanse que não serei um professor exemplar”). A rapariga tinha um grande talento para a poesia (“A minha Sofia? Se ela tivesse tanto jeito para latim como tem para isso…”). Em relação à personalidade de Sofia, a personagem manifestava alguns distúrbios mentais, devido ao facto de se sentir bem com a sua própria dor física: “atou fortemente um nastro num braço, prendendo a circulação”; “sentiu-se alegre por saber que estivera em risco de perder o braço todo”. Esta personagem é considerada forte, pelo que mostra um gosto peculiar pela morte: “quando o pai falava na morte de algum doente, ela sorria, […] , como uma louca”. Considero esta personagem algo de provocadora, bem como manipuladora, dado que seduzia o sexo masculino, Alberto e Bexiguinha: “se vestia em perfeição, destra e aguda, disparada desde os saltos aos seios agressivos”. A relação intima com Alberto Soares levou-o a ser marginalizado não só na sociedade, como também no seu local de trabalho. Depois de umas férias, Alberto ficou a saber da relação de Sofia com Carolino. Os ciúmes deste acabaram por se traduzir em atos de loucura. Carolino tentou matar Alberto (“Admiti mais fortemente que o moço endoidecera”), e num ato de amor e de violência, acabou por assassinar Sofia (“[…] no dia seguinte, […] Sofia apareceu […], assassinada a punhal”), por considerá-la superior, enorme, grandiosa. Logo, esta personagem pagou com a vida a sua ousadia. Em suma, esta personagem era de facto desequilibrada. Cristina era uma menina de sete anos admirável, de cabelos loiros. Tocava piano e cantava (“eu te ouço ainda agora como a voz mais perfeita de tudo“). Era criança e ainda não questionava a vida , revelando, com a sua música, um mundo maravilhoso de harmonia. Esta personagem era uma aparição maravilhosa. A sua música tinha, para o narrador, o dom da revelação. Viria a morrer tragicamente num acidente de carro a voltar de Redondo (“Travo afundo, o carro rabeia pela estrada, estaca enfim ao pé deles. Têm sangue na face e nas mãos”). A sua imagem, a sua música e o silêncio da morte seriam para sempre uma amargura, presente na memória do narrador. Através da morte de Cristina, Alberto teve a possibilidade de mostrar a condição humana nas suas vidas. Maria Filipa Costa

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O Carnaval do Redondo

O carnaval no Redondo

Cristina, personagem infantil da obra Aparição, de 7 anos e filha mais nova do Dr. Moura, é apresentada como a encarnação da arte, tema de grande importância para o narrador. Efetivamente, é visível desde o início o fascínio que Alberto sente pela música de Cristina e o carinho que nutre pela criança. Assim, podemos depreender o porquê do sentimento profundo, refletido no mesmo, ao ouvi-la tocar piano de forma tão especial. Tais momentos ficam gravados na sua mente: “E de um modo tão extraordinário, Cristina, que eu te ouço ainda agora como a voz mais perfeita de tudo quanto me aconteceu, esse ano e outro ano, e todos os anos da vida...”. De facto, chega a considerar a música executada por Cristina como uma revelação (“E então eu vi, eu vi abrir-se à nossa frente o dom da revelação. [...] Tudo o que era verdadeiro e inextinguível, tudo quanto se realizava em grandeza e plenitude, tudo quanto era pureza e interrogação, perfeito e sem excesso, começava e acabava ali, entre as mãos indefesas de uma criança. [...] E de ver assim presente a uma inocência o mundo do prodígio e da grandeza, de ver que uma criança era bastante para erguer o

mundo nas mãos e que alguma coisa, no entanto, a transcendia, abusava dela como de uma vítima, angustiava-me quase até às lágrimas.” Certo dia, Alberto, Alfredo, Ana, Cristina, Sofia, Chico e Madame Moura, após terem passado o dia a passear no Carnaval do Redondo, tiveram um acidente de automóvel. Alfredo, que dirigia ligeiramente embriagado, perde a controlo do automóvel, batendo numa árvore. Devido à violência do embate, a pequena Cristina morre. Repare-se que o capítulo XVIII se inicia com um quadro alegre e agradável, ao evocar o quão belo o dia está, o mesmo da morte de Cristina, opondo-se este aspeto ao trágico acontecimento, que ocorreria (“Está uma tarde bonita, Cristina, toda azul e rosa, os campos recolhem-se para o sono da noite”). Após a morte da Cristina, Alberto retém na sua mente a memória desta, a sua imagem, a sua música e o silêncio da sua morte que para sempre lhe trará tristeza. Porém, é fundamentalmente a essência da pequena e a força da sua música que farão com que a memória desta se mantenha viva (“neste instante fugidio e apaziguado eu me esqueço à quietude desta lua irreal sobre a terra realizada em dádiva e fertilidade, à memória de uma inocência de outrora e para sempre reinventada em música a uma hora gravada de cansaço entre uns dedos indefesos e uns cabelos louros...”) A morte da menina teve um impacto traumático para a irmã mais velha, Ana, que, impossibilitada de ter filhos, redirecionava o seu amor materno para a irmã, considerando-a uma espécie de filha. Esta demonstra uma angústia evidente e, ainda, integridade, com o regresso ao equilíbrio interior, passando a acreditar na existência de uma grandeza face à pequenez do homem: (“De súbito vê-se que não é possível morrer. Que não é possível! Onde está Cristina, que ela era, não a que morreu de vestido de holandesa, não a que tocava, ela tocava tão bem… Havia outra, outra, profunda. 22

Ela, eu vi-a, vinha até ao seu olhar, ao seu sorriso, eu vi-a eu vejo-a, relembro-a, está aqui comigo, conheço-a, só me não pode falar. Sou irmã dela, não eu, que você vê, sou irmã dela eu, que estou comigo, que me sinto ser, eu... Então e eu poderia lá morrer? Sou irmã dela e de você e disto que anda aqui neste silêncio grande, no eco da chuva, dos relâmpagos, dos trovões que ressoam com uma voz que não vem nos livros, que é uma voz dos grandes céus desertos. Como diz você? A voz inicial... Ouço-a, sei-a... Mas isto é muito maior que nós, muito maior, muito maior... Reduzir essa voz à «dimensão humana»? Da dimensão humana são só os ouvidos para a ouvirem. E é preciso não estar distraído. Então a gente assustase, a gente sabe que tudo isso existe...”) Com a adoção dos filhos do Bailote, que se suicidara, e ao tornar-se crente, consegue encontrar a paz de espírito. (“Quero-lhe dizer uma coisa, doutor: a minha Aninhas é feliz.” / “Ana olhava tudo, ouvia tudo, quase desinteressada. Mais tarde, já eu não estava em Évora, disseram-me que tu, Ana, te tornaras «fanática». Verdade? Não sei. Sei apenas que, por então, tu reagrupavas-te ao teu mundo novo, à maravilha que irradiava de uma paz reencontrada. Eras crente, não eras ainda apóstola.”) Na verdade, ao ponderar realmente a forma como o autor retira a vida a Cristina, que representa não só fragilidade, como inocência e, de certo modo, a perfeição, devido pedes, tal em que é colocada, chego à conclusão de que, apesar da sua morte não ser evidente, também não é completamente descabida. O cenário em que as personagens foram colocadas, ao entardecer, após um dia fascinante, e a própria descrição de Cristina, indiciava logo à partida que algo trágico iria acontecer, não a qualquer personagem, mas à mais frágil, dócil e perfeita, deixando na memória de todos a essência que emanava através da sua música. Maria Margarida Carvalho, 11ºH


Uma obra circular

Aparição, uma obra circular Efetivamente, é notado, desde o início da obra até ao seu fim, a presença de um fio condutor, fio este que não possui um fim, dado que o seu início- introdução- se interliga com o seu fim- epílogo-, evidenciando a circularidade da obra. Este caráter circular, verificado na introdução e no epílogo, surge, na medida em que ambos partilham, entre outros aspetos que irão posteriormente ser abordados, o mesmo teor: o tomde desabafo, e de confissão, visto que, para Alberto Soares, a escrita é o seu choro e a sua mais nua forma de lamentação. Ao considerar a escrita o seu choro aliviador, esta constitui, deste modo, uma catarse, através da qual o narrador atinge a sua purificação psicológica. Entenda-se por catarse o ato que Aristóteles designa como “a purificação” sentida, por exemplo, pelos espectadores durante e após uma representação dramática, na qual libertam emoções ou sentimentos que sofreram, ou têm sofrido, repressão. Alberto Soares considera o ato de escrever catártico, pois é através dele que atinge a purificação. Esta purificação é alcançada por meio do reviver do passado, tal como sucede na introdução e no epílogo, nos quais Alberto Soares revive, ao escrever e, consequentemente, atinge, no epílogo, a purificação. Na obra Aparição, da autoria de Virgílio Ferreira, é notada a existência de dois planos distintos, contudo relacionados: o plano no qual o narrador aparenta ser puro e próximo do leitor e, por outro lado, o plano no qual o narrador é narrador personagem da história que se propôs a narrar enquanto escrevia no primeiro plano, sendo que este segunda vertente do narrador evidencia um distanciamento psicológico, comparativamente ao primeiro, no qual esta intrínseca a transparência psicológica. Este distanciamento sentido ao longo da obra surge, na medida em que, enquanto narrador personagem, Alberto Soares se limita a narrar a história, sem deixar transparecer o teor de desabafo e transparência psicológica para com o leitor inerente à sua escrita no primeiro plano - introdução e epílogo. O primeiro plano é, deste modo, constituído pela introdução e pelo epílogo e diferencia-se não só pelo conteúdo que o engloba, previamente abordado, como por estes se encontrarem escritos em itálico- como se um diário se tratasse. No que diz respeito ao segundo plano, este é composto pela restante obra, na qual Alberto Soares surge como narrador personagem e sujeita o leitor a um distanciamento relativamente aos sentimentos e memórias que o possuem. Neste primeiro plano, formado pela introdução e pelo epílogo, é predominante, como previamente referido, o caráter circular da obra. Primeiramente, ambas as partes do livro têm o mesmo início, na medida em que o narrador as inicia com a mesma frase: (“ Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro [...]”). Seguidamente, não só começam de igual forma, como terminam com a utilização da mesma palavra: (“ [...] comunhão”). Paralelamente ao facto de o seu início e o seu fim serem iguais, a introdução e o epílogo possuem ainda como traço de equivalência a presença de elementos comuns. Tomemos como exemplo a lua, que se encontra referida em ambas, e ainda se interliga com o conteúdo das duas partes da obra em questão. Simbolicamente, representa as fases da vida e o próprio ritmo biológico, dado que se encontra sujeita à lei universal do nascimento e da morte, tal como acontece com Alberto Soares, se bem que estar sujeito à lei da morte é algo que o narrador pouco valoriza, devido a ser um apologista da vida e nunca do seu fim, tal como é verificado na introdução: ( “ E, todavia, sei-o hoje, só há um problema para a vida, que é o saber, saber a minha condição, e de restaurar a partir daí a plenitude e a autenticidade de tudo - da alegria, do heroísmo, da amargura, de cada gesto”).

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Uma obra circular

São, de facto, irrefutáveis as semelhanças existentes entre ambos- introdução e epílogo - em diversos aspetos, porém é impossível não ser feita referência à evolução psicológica de Alberto Soares, sentida, pelo leitor, entre a introdução e o epílogo. Todavia, a que é que se deveu esta evolução psicológica? A melhor resposta é, certamente, que o que separa ambas as partes da obra Aparição vai muito para além de 200 páginas e meras palavras. No plano da narrativa propriamente dita, ou seja, em toda a obra, excetuando a introdução e o epílogo, Alberto Soares relata o ano que passou em Évora e tudo o que lhe sucedeu nesse preciso ano e ainda acontecimentos prévios que o marcaram , na sua maioria trágicos, tal como a morte do pai e do seu cão, Mondego, que o atormentam incessantemente: (“ Mas a angústia que me habita, a violenta redescoberta da morte, que eu acabo de fazer, tornaram-me estranha esta cidade branca, separam-ma dos meus olhos vazios. Venho de luto, o meu pai morreu.”) e (“[...] abre-se-me um obscuro labirinto onde julgo repercutirem-se, como ecos de uma gruta, os ecos do tempo e da morte”). Deve ser associada, deste modo, a evolução psicológica sentida em Alberto Soares, com tudo a que o narrador foi sujeito no decorrer da narrativa. Desta forma, tudo o que foi narrado contribuiu, indubitavelmente, para a mudança e evolução psicológica do narrador, tendo esta culminando num apaziguamento, alcançado no epílogo, perante inúmeros aspetos que na introdução o perturbavam espiritualmente. Este progresso psicológico culmina, no epilogo da obra, com o apaziguamento do narrador e, simultaneamente, com a profundidade psicológica que conseguiu alcançar, através do seu método catártico, a escrita, e de todo o reviver que efetuou no decorrer da obra. Este apaziguamento é verificado através de certos pormenores e diferenças constatadas através da comparação da introdução com o epilogo, como, por exemplo, a forma como o narrador encara a “ comunhão”: primeiramente, na introdução ( “ [...] abre-se, angustiada, a flor da comunhão…”) e, seguidamente, no epílogo ( “ [...] à luz da lua, na flor breve e miraculosa de uma profunda comunhão…”). Outro exemplo é a questão de como o narrador vive e encara o presente: na introdução ( “ E, todavia, sei-o hoje, só há um problema para a vida, que é o saber, saber a minha condição, e de restaurar a partir daí a plenitude e a autenticidade de tudo - da alegria, do heroísmo, da amargura, de cada gesto”) e no epílogo ( “ Quantos ano ainda à espera? Que caminhos desertos ou de estalagens à espera? Mas o tempo não existe senão no instante em que estou [...] a vida do homem é cada instante - eternidade onde tudo se reabsorve, que não cresce nem envelhece”). Como conclusão, Aparição, de Vergílio Ferreira, possui, através da análise da introdução e do respetivo epilogo, um caráter incontestavelmente circular, na medida em que ambos são iniciados e concluídos de forma exatamente igual, e o mesmo sucede com a obra, ao ser iniciada com a introdução e terminada com o epilogo, cujas semelhanças são irrefutáveis. Todavia, coexiste com a circularidade da obra, um narrador não tão circular, dado que sofre uma evolução psicológica, iniciando a obra de uma certa forma e terminando-a de outra, que culmina, no epílogo, com o apaziguamento do narrador e o alcance de uma maior profundidade psicológica. Matilde Távora

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O Destino

O destino em o ponto de vista de Alice Alice entende o destino como algo que começa no dia que nascemos e que termina no dia da nossa morte. Este assemelha-se a uma sombra, persegue-nos, assusta-nos, reconforta-nos. De facto, Alice acredita que é a única responsável pelo seu destino, no entanto; sabe que é uma afortunada por ter essa oportunidade, pois acredita que nem todos a têm. Ela nasceu numa família que ,apesar de não ser abastada, lhe deu possibilidades de estudar, ter uma vida confortável e, felizmente, nunca sofreu nenhum trauma significativo. Uma criança com dez anos, que foi raptada, nunca mais voltou a ver a sua família e que provavelmente a sua última visão foi o raptor, será que alguma vez poderá dizer que foi responsável pelo seu destino? Ou mesmo um ser humano, que nasceu com uma doença incurável, que tudo o que faça será determinado por essa condição? A cleptomania pode ser um dos exemplos. Sabendo que uma vitima desta doença não tem qualquer controlo sobre si mesmo, poderemos dizer que se ela for parar a um hospital psiquiátrico ou a um estabelecimento prisional terá sido realmente a responsável pelo seu destino ou será que tal foi ditado pela sua doença? Depois de refletir sobre estas questões, mesmo sabendo que qualquer tentativa de resposta será sempre uma tentativa, esta concluiu que nem sempre temos controlo sobre o nosso destino, sempre haverá acontecimentos que irão mudar as circunstâncias, só que a alguns ser-lhes-á permitido controlar e continuar, enquanto que, para outros, a vida podesimplesmente terminar ali. No entanto, para quem tem essa oportunidade, como Alice, ela entende que terá um trabalho árduo para conseguir chegar aos seus objetivos, pois sabe que a qualquer momento poderá ser-lhe diagnosticada uma doença grave, que a impedirá de continuar o seu caminho como havia previsto, ou pode mesmo ter a infelicidade de ficar sem pais e ter que conquistar de novo tudo o que perdeu. Por certo, não há quem responda melhor à nossa tão popular pergunta "Quem sou eu?" do que nós próprios. Afinal, é a forma como respondemos a todos os episódios da nossa vida que dita quem realmente somos. Muitos dos acontecimentos com que nos deparamos no dia a dia são globais, toda a gente os vive, mas o que nos distingue uns dos outros é a forma como respondemos a esses eventos. É desta forma que ditamos o nosso destino. Como efeito de alguns minutos a ponderar sobre a verdade atrás do destino, Alice chegou a uma conclusão: não existe qualquer verdade. Para mim, existe uma verdade, para a pessoa ao meu lado existe outra, e, na opinião de Alice, esse é o grande motivo pelo qual ainda continuamos vivos, pois, como seres humanos, precisamos de nos questionarmos para vivermos bem connosco próprios. Assim, mesmo que houvesse uma verdade comprovada, haveria sempre alguém que a refutaria. Inês Ferreira

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O Destino

A Grécia Antiga é tida como uma das civilizações mais marcantes de todos os tempos. Na realidade, vários foram os fatores que contribuíram para a grandiosidade desta civilização; contudo, os pensamentos desta época destacamse em relação a todos os restantes. O facto dos seus pensadores se terem dedicado à reflexão de temáticas intemporais conferiu-lhes um estatuto de imortalidade, porque as suas reflexões tornaram-se imunes à passagem do tempo. Perduram de geração em geração sem perder a atualidade. Entre as muitas correntes filosóficas desenvolvidas na Antiga Grécia, o estoicismo foi uma das que mais se destacou pela perspetiva de vida que propunha. O estoicismo procura orientar a conduta das pessoas para o caminho da felicidade, da paz interior. Desta forma, o domínio das paixões é um dos conceitos nucleares da ética estoica, dado que esta considera que os vícios e as paixões possuem a principal responsabilidade por conduzir o homem à infelicidade e à ruína moral. De acordo com o estoicismo, a felicidade plena apenas pode ser atingida por meio da prática das virtudes e no amor ao próprio destino. De facto, uma vez que esta perspetiva acredita que todos os acontecimentos são determinados por uma causa superior a nós e a qual não temos o poder de mudar, a nossa atitude perante as mais diversas adversidades, e até mesmo sobre a morte, deve ser de absoluta resignação. Nada podemos fazer para mudar o destino, devemos aceitá-lo e vivê-lo da melhor forma possível, seguindo sempre a honra e a virtude. Todavia, face a condições extremas, o estoicismo toma o suicídio como a opção mais racional . Não se trata de lutar contra o destino, mas antes de se entregar de forma plena a este. A meu ver, tenho certas dificuldades em aceitar esta perspetiva, pois acredito que é função do ser humano lutar por aquilo em que acredita, construindo o seu próprio destino, independentemente de qualquer fator externo. Assim, a opção do suicídio parece-me algo degradante para a própria condição humana. A vida é demasiado milagrosa para ser terminada em abrupto, em plena agonia. Devemos procurar vivê-la intensamente e, mesmo quando as coisas correm da pior maneira possível, devemos procurar caminhos alternativos para sair de energias negativas. Desistir nunca é solução. Pessoalmente, enquanto verdadeira apaixonada do pensamento clássico, esta perspetiva fascina-me imenso, pois parece-me uma postura extremamente sensata em relação à condição humana. Na realidade, apesar de acreditar que cabe ao homem construir o seu destino, reconheço que existem fatores externos determinados pela natureza e sobre os quais não podemos interferir, até porque ta está cientificamente comprovado. Desta forma, considero que devemos dar importância àquilo que nos é permitido ter influência. Claro que com isto não digo que nos devemos abster de pensar sobre temáticas como o destino, mas devemos chegar a um ponto de equilíbrio. Devemos aceitar a sua existência, encarando-a, não como um fator impeditivo de realizar grandes feitos, mas como uma oportunidade para procurarmos aproveitar o dia a dia da melhor forma possível. Beatriz Santos Destino. Uma palavra tão simples com um significa- contra outra pessoa (que lhe faz sentir como que um do tão complexo! O que é o destino? Por definição, o friozinho na barriga) que nunca tinha encontrado, destino é alguém ou algo (uma força) superior e so- pois vai sempre mais cedo. Na minha opinião, isso brenatural que pré-define o que vai acontecer nas estava destinado, destinado a encontrarem-se nanossas vidas. quele dia, naquela hora, naquele segundo. O destino, por ser algo complexo, torna-se difícil de Existem outros acontecimentos que só acontecem perceber se se acredita ou não. Eu acho que acredito porque nós os provocamos. Certas vezes sabemos o no destino. As pessoas que conhecemos é um dos que temos de fazer, por isso temos opções, provamotivos para eu acreditar no destino. Como é que velmente é o destino que nos leva a escolher a opcertas pessoas se cruzam connosco e por vezes mu- ção porque já estava decidido assim: podemo-nos dam a nossa vida por completo? E cada pessoa que arrepender, mas nada iria mudar essa intuição. conhecemos deixa-nos uma lição de vida, seja por A maioria das pessoas que acreditam no destino nos ter feito bem ou mal. Acredito que tudo isso seja são religiosas, acreditam que Deus, um ser superior planeado para nos tornar pessoas melhores e mais às mesmas, constrói os seus caminhos. conscientes das nossas decisões e das consequênEu acredito que nós nascemos já com um percurso cias que advêm. para seguir e com esse caminho vamos construindo Por exemplo, imaginemos que alguém adormece de a nossa personalidade com todas as lições que manhã porque o despertador não tocou, por essa aprendemos. razão essa pessoa vai tomar o café mais tarde e enAna Rita Lança 26


O Destino

Encontrava-me sentada mais uma vez no comboio, durante a viagem

de regresso a casa, após mais um dia de trabalho. Tinha o livro de Vergílio Ferreira, a Aparição, nas minhas mãos, que se encontravam pousadas no meu colo, quando, de súbito, a minha mente começou a voar e descobri-me a pensar sobre a minha vida e sobre o rumo que esta tinha tomado. De facto, ler aquela obra literária tinha-me transformado, de algum modo, na medida em que toda a perspetiva existencialista do seu protagonista, o professor Alberto, era muitíssimo interessante e algo com que particularmente me identificava ou julgava que sim. Na realidade, eu tinha acabado de passar por um período da minha existência em que tinha posto tudo o que me rodeava e tudo em que outrora acreditara em causa. “Existiria um Deus cujo poder seria tão grandioso e absoluto que o destino de cada indivíduo estaria nas suas mãos?” – perguntava de mim para mim própria. Honestamente aquela era sem dúvida uma das questões que mais havia abalado o meu ser, uma vez que desde pequena tinha tido uma educação religiosa e fora habituada a acreditar que existia um Deus que guiava multidões e ditava o futuro de cada pessoa. No entanto, à medida que fora crescendo, as minhas próprias opiniões haviamse formado e deixara de acreditar em tal ideia e, naquele momento, enquanto estava ali sentada a ver a paisagem a passar diante de mim do lado de fora da janela, tomava ainda mais consciência de que a ideia de destino era bastante ambígua. Eu acreditava realmente que ninguém nem nenhum ser transcendente e divino tinha o poder de decidir o meu futuro, para além de mim mesma. Eu era eu própria, um ser com total capacidade para tomar decisões e escolher que caminhos seguir na minha vida, sendo que nem o destino nem Deus eram, portanto, os verdadeiros responsáveis pelas minhas ações, nem pelas consequências que daí poderiam surgir. “Mas, afinal, o que é que para a maioria das pessoas o destino poderia simbolizar?” Eu apercebera-me de que geralmente o destino era concebido como uma sequência inevitável de acontecimentos, da qual nada que existisse poderia eventualmente escapar. Assim, muitas pessoas tinham a crença de que tudo o que acontecia nas suas vidas estava destinado a que acontecesse, pelo que nada nem ninguém tinha a capacidade de alterá-lo. Na minha sincera opinião, a crença de que a nossa vida já estaria traçada desde o momento do nosso nascimento, seria, de algum modo, algo absurdo, pois, apesar do meio condicionar obviamente a vida de cada indivíduo e de que há situações cujo controlo nos ultrapassa, a maioria da nossa existência é fruto das nossas próprias decisões. Assim, continuava naquela reflexão profunda, que começara apenas com o pensamento sobre um livro que acabara de ler e passara a muito mais do que isso: a uma total introspeção sobre a vida, de como esta poderia ser complexa e de como, de facto, dali em diante a queria viver. Senti os olhos cansados e a pesarem. Olhei para o relógio que tinha no braço esquerdo e notei que ainda faltava bastante tempo para chegar ao meu destino. Recostei-me no banco daquele transporte público habitual em que me encontrava e acabei por fechar os olhos e adormecer… Raquel Carmo, O destino é, das coisas da vida a mais traiçoeira para o homem. A maior parte das pessoas desculpam-se com "tu é que crias o teu próprio destino, nós, seres humanos é que definimos o nosso próprio destino". No entanto, as pessoas estão enganadas, pois o destino é como uma borbulha na nossa cara; ninguém sabe quando vai aparecer, simplesmente acordamos e vemos que temos algo diferente em nós. O destino... o destino na vida do homem por vezes é tão cruel, tão frustrante porque em algumas situações ficamos a pensar: "porquê a mim? porque é que não foi diferente se eu fiz tudo certo?". Nós não conseguimos escolher totalmente o nosso destino. O destino é cruel, incerto de próximos reencontros, por exemplo. O destino apenas nos permite viver no passado; no presente e apenas pensar no futuro vivendo apenas encontros e despedidas, sonhos realizados e muitas vezes frustrados. O destino é completamente incerto como o tempo em que as coisas acontecem, o destino vai e vem, como por exemplo, pessoas que entram nas nossas vidas, mas logo têm de seguir o seu caminho, tomando direções totalmente fora do nosso alcance, incerto de um próximo reencontro, Eu, pessoalmente não acredito no meu destino, ou destino algum, apenas quero viver o presente à procura dos sonhos perdidos sem ter que vêlos pintados com as cores dos desânimo ou as cores do impossível. O destino torna-nos mais fortes, pois dános dores insuportáveis e dessa dor hei de "regressar" mais forte , pronta para outra "chapada" ou surpresa do destino, procurando novos sonhos e novos caminhos. O destino traz-nos sensações e as sensações são o que dão ao ser humano as suas experiências, as suas emoções, a realidade onde se encontra, a sua sensibilidade, o toque da imaginação e ambição. O destino é muito relativo, o destino e o tempo são aliados, por isso o tempo é amigo, o tempo é companheiro, deste modo só é preciso dar tempo ao tempo e se existir algum destino ele virá ao nosso encontro, ou ao encontro de quem acredita. Ana Cristina Lourenço 27


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Dirigi-me para o hospital, como de costume. Para a ala de oncologia

infantil, mais precisamente. Entrei na sala de quimioterapia e dei por mim à porta, parado, a pensar sobre o destino que Deus reservou a estas crianças. Sou católico, daí a minha crença em que o nosso destino está traçado logo à nascença. É Deus nosso Senhor quem nos "escolhe", quer para sermos felizes e pessoas realizadas, quer para sofrer desde que abrimos os olhos pela primeira vez até que os fechamos pela última. Aproximei-me da cama de uma criança, uma menina. -Sou a Maria- disse, a sorrir. Um sorriso terno. Um sorriso de quem não faz ideia do destino que a espera... Um sorriso de quem não tem a mais pequena noção do que se passa à sua volta... de quem não sabe de nada. De quem apenas sente a dor que nenhuma criança deveria experimentar. Realizei o meu trabalho. Li-lhe uma história e mantive-a entretida durante o tempo da sessão. Estes nossos encontros repetiram-se diariamente. Numa das nossas conversas mais profundas, Maria confessou-me que já tinha sete anos. Na sua cabecinha, já era praticamente uma adulta! Confesso-me surpreendido pela sua maturidade. Contoume acerca dos seus amigos e da impressão que tem de que foi a última que os viu. Apresentou-me, também, ao seu mais-que-tudo, Óscar, o Pinguim, e explicou-me o quão importante ele iria ser no seu futuro. -A mamã disse-me que o podia levar quando os anjinhos me vierem buscar! - exclamou animada. Partiu-se-me o coração ao ouvir aquelas palavras. Eu, como ser humano e, principalmente como pai, sentime destroçado. Maria era, sem dúvida, uma menina (quase adulta!) muito especial. Numa chuvosa manhã de Inverno, daquelas que nos faz querer não sair da cama, levantei-me e dirigi-me ao hospital. Fui informado de que Maria tinha partido. De que estava num sítio melhor. Milhares de pensamentos se passaram pela minha cabeça: se tinha sofrido, se tinha partido sozinha... Voltei para casa. Fiz café e sentei-me à secretária. Por mais cruel que seja, a vida tem de continuar. Quem sofre mais são os que ficam, não os que já não estão neste mundo. Decidi escrever sobre o destino. Sobre o quão injusto e desumano pode ser o nosso destino. Revoltei-me contra Deus e contra a Igreja. Como pode um Ser Supremo ser tão cruel para com crianças tão puras, tão como a Maria? Esta minha reflexão funciona como o grito de desespero. Contra a injustiça e maldade, ainda que fruto do destino.

Inês Mendes

Muitos acreditam e descrevem o destino como uma força misteriosa que vai para além do controlo do ser humano e predestina os acontecimentos que ocorrem na vida das pessoas, porém também são muitos os que renegam a sua existência, nomeadamente o Cristianismo. Ora, um dos argumentos utilizados por quem acredita no destino passa pela renúncia, isto é, se não podemos alterar o destino e o percurso da nossa vida, nem sequer vale a pena tentar fazê-lo. Contudo, é evidente, que o ser humano foi criado com a liberdade de tomar as suas próprias decisões e fazer as suas escolhas, tendo a consciência das consequências dos seus atos. De facto, segundo a perspetiva cristã, recorrendo ao episódio da queda do homem no início dos tempos descrito na Bíblia, tanto Adão como Eva tiveram livre arbítrio para escolher entre obedecer, recebendo assim a benção de Deus, e desobedecer, acarretando com a sua consequente maldição (“Mas do fato da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais.” Gên. 3:3). Ambos sabiam quais seriam as repercussões dos seus atos; no entanto , decidiram enveredar pelo caminho da desobediência e foram responsabilizados. Por esta lógica, podemos concluir que somos responsáveis pelas nossas ações e que é inútil culparmos o destino, a predestinação, ou mesmo Deus, pelas nossas más escolhas e pelas desgraças que nos acontecem, apenas para não nos sentirmos mal com os resultados negativos nossas ações. Se um homem destruir a sua vida totalmente, insistir em incriminar o destino, sem assumir as culpas em qualquer momento, estará apenas a persistir numa loucura, a enganar-se a ele próprio e a esconder-se por detrás da ignorância. Maria Margarida Carvalho

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Desde o início dos tempos, o Homem acreditou que nem todas as suas ações eram definidas por ele próprio, mas sim pelo destino, e no poder que este tinha na sua vida. Há quem não defenda que o destino é incontornável, daí existirem tantas opiniões divergentes quanto a este tópico. Para uns, o destino é uma força desconhecida que define todo o nosso percurso desde o nascimento. Para estes nada que possam fazer irá influenciar o seu futuro, pois trata-se de algo que já está destinado a acontecer. Defendem, assim, a predestinação. Um caso de uma cultura que defende a predestinação é o cristianismo, pois acredita que esta força misteriosa é a vontade de Deus e que as coisas acontecem de acordo com ela. Se levarmos avante a teoria do destino e considerarmos que existe mesmo algo superior a nós ao qual não podemos escapar, então surge-nos a ideia de que nada acontece por acaso, mas tudo tem uma causa já predestinada. Contudo, se a teoria do destino for aceite, por consequência perdemos o nosso livre-arbítrio. Neste seguimento, outras perspetivas surgem no sentido em que defendem que nada está definido. Acreditam que são as próprias pessoas que constroem o seu caminho ao longo da vida. Não só, mas também, tudo o que acontece será consequência das suas ações e escolhas. Para mim, nenhuma destas teorias está totalmente correta, pois considero-as muito extremistas. A meu ver e o que uso para guiar as minhas decisões é um meio-termo entre estas duas perspetivas. Defendo que nem tudo está completamente destinado a acontecer e que muitas das nossas ações são a causa de quase tudo, isto é, que dispomos de livre-arbítrio. Contudo, é -me difícil eliminar de todo a hipóteses de nada estar predestinado e que tudo o que achamos que estava não passar de meros acasos. Se calhar, numa perspetiva mais egotista, quero acreditar que independentemente da época em que nasci e da pessoas com quem cresci, alguns traços da minha personalidade e carácter seriam os mesmos, pois estava destinada a ser assim.

Clara Passarinho

O destino é um caminho traçado, que temos obrigatoriamente de percorrer; por mais que tentemos escapar dele, tal não é possível. Será que nós nascemos com o caminho traçado? Eu não sei se acredito no destino, embora ache que tudo tem uma explicação para acontecer. Mas, caso me digam que a nossa vida está toda pré-definida, e que desde que nascemos temos a nossa vida planeada, como se esta fosse simplesmente um livro, nisso eu não acredito! Acredito que nós somos os donos da nossa alma, mesmo que às vezes aconteça algo que nós não planeámos, como por exemplo, deixar cair um prato e parti-lo.... na minha opinião isso não é o destino, é simplesmente a vida. Seguindo o mesmo ponto de vista, acho que nada acontece por acaso, mas existem situações ou circunstâncias, por vezes inesperadas ou não, que põem de parte o conceito do destino, que consiste em "está tudo programado". Não acredito nesta hipótese, todos os acontecimentos são originados por diversos fatores, nomeadamente, as pessoas que nos rodeiam, a nossa liberdade e vontade de fazer algo, etc. Em suma, acredito na nossa própria liberdade, por isso deixo de acreditar na predestinação, mas, caso o destino exista, eu defendo que nós, seres humanos, somos fortes o suficiente para lutar contra este e mudar a direção da nossa existência. Maria Filipa Costa

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O Destino

A questão do destino será sempre uma discussão aberta e in-

conclusiva, pelo facto de ser uma ideia vaga, mas ao mesmo tempo, bastante complexa. Na verdade, o significado de destino irá divergir de pessoa para pessoa, dependendo da maneira como cada um pensa, “vê” a vida e a existência do ser humano, ou das crenças que tem. Um dos fatores que, de acordo com a minha experiência de vida, influencia mais a opinião das pessoas acerca deste particular assunto é a sua espiritualidade ou religiosidade. A religião tem um forte controlo nos seus crentes, especialmente na forma como estes se veem em relação ao mundo, à vida humana, à morte, às decisões e acontecimentos que os perseguem,… Como uma pessoa que rejeita a existência de Deus ou de qualquer outra identidade superior ao Homem, o meu ponto de vista sobre todos estes assuntos irá divergir do de alguém que é extremamente ou apenas um pouco religioso. Admito que quando paro para refletir sobre o meu próprio ser, vejo a vida de qualquer ser vivo como pouco significante em relação ao vasto “Tudo” que existe. Sendo duramente direta, esta é a observação que faço: vivo num planeta que em relação ao universo é insignificante, num país que em relação ao universo é ainda mais insignificante, logo Eu em relação ao Tudo sou o máximo da insignificância. Por este raciocínio que não consigo evitar ter, éme difícil acreditar que no meio de tanta insignificância exista um Deus ou qualquer outro Ser Superior que se vá importar em olhar por mim e ditar o meu destino do dia em que nasci até ao dia que morrerei. No entanto, sendo uma numerosa percentagem dos seres humanos religiosos, a maioria discordaria de mim. Seja no cristianismo, no islão ou outra religião semelhante, faz parte da crença em Deus acreditar que Este dá valor à vida do Homem e o guia no seu caminho. De facto, a própria religião impõe que para se ser aceite como um crente, é necessário aceitar o destino que Deus nos concebeu. Ao questionar uma conhecida minha sobre este assunto, sendo ela muçulmana, apercebi-me de quão importante o destino é para pessoas como ela, pois considerava que até a espiritualidade de cada um é definida pelo destino , ao dizer –me “Quando me sinto em baixo eu rezo, porque me dá um sentimento de alívio. Apesar de não ser alguém muito religiosa, sinto mesmo que fazia parte do meu destino ser muçulmana”. Todavia, acrescentou também que, apesar de acreditar no destino, crê, simultaneamente, que cada indivíduo pode e tem completa liberdade de mudar o seu próprio destino, o que me intrigou bastante pelo seu carácter contraditório. E é nesse contexto que se insere a questão do livre-arbítrio. Muitos crentes nunca irão negar a liberdade do Homem de tomar as suas decisões no percurso da sua vida, ou seja, não se consideram “marionetas” nas mãos de Deus ou outro Ser Superior. A meu ver, não existe situação alguma em que destino e livre-arbítrio possam coexistir; se coexistissem, um deles nunca seria real. Para explicar este meu raciocínio irei fazer uma analogia com as antigas redes de estradas construídas pelos Romanos durante a altura do seu Império e a expressão “Todos os caminhos vão dar a Roma”: Se eu procurasse o caminho até Roma seguindo esta rede de estradas teria sempre a hipótese de virar à esquerda ou à direita, e eu, como ser livre que sou, teria a possibilidade de fazer a escolha de qual das direções seguir e ,assim, criar o meu caminho. No entanto, independentemente do caminho que se traçasse, o meu destino final seria sempre Roma. Este é o raciocínio que muita gente faz quando diz que acredita ter um destino ditado, mas que tem plena liberdade nas suas escolhas. Ora aí cria-se uma ideia falsa de livre arbítrio, pois é uma liberdade restrita pelo destino, e que consequentemente não é liberdade. A verdade é que, seguindo as definições destes dois conceitos, um anula o outro. Esta é das poucas situações em que me deparei com a impossibilidade de existir um meio-termo: ou se acredita na predefinição da vida (destino) ou na capacidade de o ser humano de livremente escolher o rumo (livre arbítrio). Não existe um “O próprio Homem define o seu destino”, a isso chama-se viver e definir a nossa própria vida. De modo a concluir, acredito ter uma opinião, até bastante bem definida acerca deste assunto. Pessoalmente, não necessito da ideia de que o que tem que acontecer, acontece para viver a minha vida tranquilamente e sem o sentimento de inquietação de que uma força superior ditou todos os meus bons e maus momentos. Todavia, compreendo e aceito que muitos precisem desse mesmo conforto de saber que “tudo acontece por um motivo”, apesar de existir um lado negativo nessa mentalidade, especialmente quando alguém usa o destino como justificação para todas as suas ações. Margarida Caldeirinha

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O destino em Aparição O destino é, por definição, um encadeamento de acontecimentos que ocorrem de forma inevitável, independentemente da vontade de alguém. Já desde a Antiguidade Clássica que são apresentados pontos de vista relativos ao destino. Na mitologia grega, por exemplo, as Moiras, três irmãs, determinavam o destino dos seres humanos através do fio da vida, o qual fabricavam, teciam e, por fim, cortavam. Na mitologia romana, eram as Parcas, semelhantes às Moiras, que controlavam o destino do Homem. Ao longo dos séculos, foram continuando a surgir ideias acerca deste assunto. Em Aparição, o tema do destino aparece abordado por Alberto, narrador autodiegético da obra. Alberto advoga a ideia de que o Homem constrói o seu próprio destino, identificando-se assim com a perspetiva da doutrina existencialista. Esta defende que a existência precede a essência, logo o ser humano começa por somente ser e só depois, mediante as suas ações, concebe a sua identidade. Por outro lado, advoga também que o Homem é responsável pelas suas ações, visto este não se encontrar predeterminado. Por isto mesmo, o Homem está condenado a ser livre, afirma Sartre, escritor e filósofo existencialista. Isto dito, podemos inferir que, em Aparição, o destino é visto como algo não existente. A meu ver, o o conceito de predestinação implica uma visão muito redutora do ser humano, pois se tivéssemos o nosso caminho traçado à nascença de nada valeria tomar decisões e esforçarmo-nos para moldar a nossa vida. Penso que a ideia do destino é fruto, em grande parte, de pessoas indolentes e insatisfeitas com a vida, que usam esta conceção para justificar o que de negativo lhes acontece. Assim sendo, estou de acordo com a ideia apresentada por Alberto, de que cada um de nós é responsável por conceber o nosso próprio futuro. Robim Mestre

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O destino está presente na vida de qualquer ser vivo. Desde que nasce, o homem encontra-se "assombrado" pelo destino. Das pequenas coisas que acontecem no dia a dia do homem, às grandes, algumas são incontroláveis, enquanto que outras podem ser alteradas. A nossa vida está, portanto, repleta de altos e baixos. As dificuldades que atravessamos devem-se muitas das vezes ao destino. Apesar disto, todos os seres vivos estão destinados à morte, e não têm maneira de escapar desta. Ao nascer, o ser humano herda determinados genes, que, de certa forma, determinam a sua personalidade e saúde física. Isto têm impacto no nosso futuro, e pode-se chamar de destino. Em suma, o destino, a meu ver, influencia em parte a vida do individuo. Em parte, pois há acontecimentos que podem ser alterados pelo ser humano. Marco Palhano

Muitos falam sobre o destino , muitos desses guiam também a sua vida consoante esta coisa indeterminável a que chamamos destino , mas o que é realmente o destino ? O destino ? O destino é como um limite que se mete na nossas vidas, um caminho que não podemos contrariar. O destino é como um plano , um plano que seguimos sem dar por isso , o plano ao qual os crentes do destino acreditam não poder fugir. Para mim, o destino existe , de uma forma diferente, mas existe. Cada um é alvo das suas influências e entre as influências há as boas e as más , negativas e positivas. A minha fase, a adolescência, resume-se a escolhas, caminhos, entre estes, escola, festas, droga, álcool, irresponsabilidade ,desrespeito ou respeito , sexo… Talvez ao livre arbítrio se sobreponha o destino, algo incontrolável, algo desvanecido que por vezes se traduz num frio surrealismo. Destino traduz-se numa luta entre o ser e o universo, cuja conclusão nunca se conclui mas nasce sabida. E agora? Como viver uma vida cujo início fora partilhado e o fim já adivinhado? Mariana Ferreira

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