Trecho cortesia
Marina Cavalli
Organização de Cássia Cavalli
Reino Bambini Chapecó, 2019
“Meu Deus, minha meta e minha perfeição, sou Teu ontem e tu és meu amanhã. Sou tua raiz na terra e Tu és minha flor no céu; e juntos crescemos ante a face do sol.” Khalil Gibran
sumário Prefácio
Ancestrais Reais O legado A pequena Leona A infância
A Chave Lição 1: Aceite seu chamado O Reino de Feldspato Lição 2: Aprenda com o silêncio A grande Araucária Lição 3: Descubra o poder da doação Sob os domínios de Artwa Lição 4: Domine seus instintos A pena de Ouro Lição 5: Treine sua visão de longo alcance Aurora Boreal Lição 6: Desperte seu espírito de luta
Vermelho Escarlate Lição 7: Cure-se pelo amor O Búfalo Plúmbeo Lição 8: Desenvolva sua confiança Luz e Sombra Lição 9: Seja guerreiro de corpo e alma Reino Bambini Lição 10: Viva o seu propósito
P
prefácio
assei um enorme tempo pensando o que escrever nesse prefácio e, agora estou aqui, diante dele, escrevendo o que me vem à mente, e mais ainda, o que me vem ao coração. Eu já compreendi que eu sou um ser bem mais coração que razão e, sempre foi assim, e acredito que assim sempre será. Sinto que faça parte de minha missão falar sobre isso: nem todo mundo é igual, muito pelo contrário, somos todos muitos diferentes, complexos e únicos. Penso, aliás, sinto, que é meu dever despir todos os meus sentimentos e colocá-los em livros, com linguagens simbólicas e personagens fantásticos, porque assim, quem os ler, poderá se identificar com algum fato, relacioná-los com suas vidas e, principalmente, com a mensagem que o livro como deseja passar. Somos seres singulares, e a natureza nos permitiu vir a este mundo para realizar algo por ele e pelas pessoas que aqui habitam; precisamos aceitar isso e cumprir aquilo a que viemos; precisamos nos entregar ao chamado que o universo tem para nós. Eu sei que esse mesmo universo quer algo de mim, mas vejam bem, não é fácil atender às suas exigências. Ele não aceita o “mais ou menos” ou a parcela, ele nos quer inteiros, entregues de corpo e alma. Aliás, a natureza nos presenteou com um corpo para cumprirmos os desígnios de nossa alma. Somos uma alma que carrega um corpo e não o oposto. Ele quer que usemos toda nossa vida e energia para algo maior, sublime, tão único e especial que só nós podemos fazer. Parece loucura, eu sei, e há quem acredite nisso, há quem não. Para quem acredita, vai compreender o quanto escrever essa obra me faz
sentir viva e empolgada, faz eu desejar deixar o melhor de mim aqui. Afinal, foi a isso que eu vim, esse é o meu chamado: escrever! É bonito isso e, poético, não é mesmo? Mas também é difícil. Já parei algumas vezes, olhando para esse documento, com um sentimento gigante de exigência comigo mesma e, de responsabilidade, a de colocar todos os segredos da Rainha menina nesse livro. Admito que sempre peço luz ao divino para escrever tudo o que Ele desejar e permitir, porque eu sei que essa obra terá o poder de impactar muitas vidas. É assim que deve ser e é assim que será. Estou um tanto apreensiva, pois esse é meu segundo livro. Já escrevi o “Jornada de Leona”, que conta como a Rainha menina entendeu que precisava sair de seu Reino em busca das montanhas com picos dourados durante o dia e prateados durante a noite, que escondiam o segredo da felicidade. O ‘Jornada’ é incrível, amo ele de todo coração, inclusive ele está aqui do meu lado nesse momento, me inspirando para escrever mais um. Ah sim, e para quem está curioso, ela encontrou sim coisas extraordinárias nas tais montanhas, e voltou para seu Reino para contar. Bem, antes de mais nada é necessário que vocês saibam que o ‘Jornada’ retrata o caminho para fora, quando Leona partiu de seu Reino na direção de mistérios que estavam muito distantes fisicamente; ela abandona a zona de conforto e sai em busca das lendárias montanhas. Já este, ‘Rainha Leona - A origem’, retrata o caminho para dentro, onde ela viaja dentro em si mesma para encontrar seu verdadeiro eu, a essência de sua alma, o motivo pelo qual ela tornou-se metade leão e metade menina. Não era minha pretensão contar como Leona nasceu, cresceu e se tornou a Rainha de todo o Reino Bambini, mas, de certa forma, fui chamada a fazer isso. Fui questionada sobre o nascimento da Rainha menina, quem são seus ancestrais, como ela criou o Reino Bambini, e mais: qual o motivo dela ser metade leão e metade menina. As perguntas que ouvi foram tão instigantes que não consegui pensar em não contar isso.
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É verdade que falar sobre tudo isso mexe muito comigo, porque Leona tem muito de mim, e eu tenho muito dela. Falar da Rainha menina me faz pensar em toda minha vida, em como cheguei até aqui, no meu longo processo de me odiar, até chegar o dia de me aceitar, e fazer aquilo que eu deveria fazer. Mas não é fácil assim, nunca foi, nem ao menos um dia. Confesso que até perto dos meus 30 anos, achei que não servisse para nada nessa vida. Impactante? Mas é a realidade! Eu demorei muito para me aceitar, e mais ainda, para me encontrar, e admito que doeu e ainda dói muitas vezes. Tem dias que me sinto totalmente exposta nesse mundo e, assim como eu absorvo coisas ruins, também entro em contato com muitas coisa boas. Quando sento para escrever, muitas vezes estou triste comigo mesma, mas ao começar a colocar as primeiras palavras no texto, sinto uma luz pulsante em mim, não me vejo mais só, percebo que estou fazendo o que tenho de melhor, transformar experiências de vida em contos de fadas. Percebo-me em plena metamorfose, e em meio à minha confusão interna, sinto-me grata por poder expressar em palavras aquilo que mora em minha alma e, que certamente, mora dentro de muitas pessoas: aceitar o ônus e o bônus de ser quem se é. E então me questiono: como pode uma pessoa que por quase 30 anos se sentiu tão inadequada, escrever um livro? Bem, a resposta é longa, tão longa que poderia ser relatada em dezenas de páginas, mas contar toda minha vida poderia ser meio chato e massante. Então decidi contar a história de Leona, a Rainha menina, desde a origem de seus ancestrais Reais, sua infância, até o dia em que ela, assim como eu, aceitou passar por um processo desafiador, onde teve que ser muito forte e corajosa e deixar para trás suas certezas, aquelas que a faziam acreditar ser alguém que ela não era, para tornar-se de fato o que era em essência: uma Rainha! Metade leão e metade menina, majestade suprema de todo o Reino Bambini! Marina Cavalli Prefácio | 13
ancestrais Reais
o legado
E
ra uma vez, em um povoado bem distante daqui, em uma época remota e longínqua, por meados da primeira metade do século XIX, um Reino conhecido em seus arredores por possuir o formato de uma bota, aliás, uma bela bota de salto alto, bico fino e cano longo, rodeado por belíssimas ilhas, envoltas pelas águas dos mares Mediterrâneo, Jônico, Tirreno e Adriático. Seu território era dotado de um relevo montanhoso e clima diversificado, com invernos rigorosos e verões quentes. Seu povo era muito ligado à família, ao trabalho e a fé e, era conhecido também, pela amistosidade e culinária. Era comum as famílias se reunirem em grandes grupos, falarem alto, se abraçarem, cantarem músicas regionais, realizarem danças típicas, e é claro, sempre acompanhados de grandes quantidade de massa, pizza e um belo vinho, feito de forma artesanal por eles mesmos. Aliás, sobre esse vinho, vale uma ressalva: eles mesmo plantavam suas videiras, geralmente em regiões montanhosas, cultivavam e colhiam suas uvas, cortando os cachos e transportando-os em cestos de vime. A colheita era realizada pelas famílias que geralmente eram grandes, e contavam também com a ajuda de vizinhos. Depois, grandes quantidades de uva eram dispostas em enormes barricas de carvalho onde era realizado o esmagamento. Como o próprio nome diz, é esmagar a uva, romper a casca para liberar a polpa e o suco. Esse processo era realizado com os pés, a chamada ‘pisa a pé’, e tinha a vantagem de não triturar os galhos
e as sementes. Depois, era necessário que essa mistura de polpa e cascas, chamada de ‘mosto’, fermentasse e virasse vinho, o que demorava em torno de 5 a 8 dias e era realizado em tambores ainda maiores. Após esse período ele era novamente transferido para grandes barris de madeira fechados, onde permanecia maturando por até 8 meses, dando origem ao vinho, armazenado deitado em garrafões de vidro, em porões escuros em temperaturas amenas. A época de safra e pisa de uvas, era também uma das preferidas das crianças. As mais tímidas só ajudavam os pais a colher, e no meio do processo, disfarçadamente, sempre roubavam alguns grãos, enchendo a boca com a fruta. As mais ousadas, faziam desse período uma verdadeira aventura, assim como Francisco, um menino curioso e esperto, um típico morador do Reino da Bota, no alto de seus 9 anos. Ele adorava um desafio, sentir a adrenalina correndo pelo seu corpo, destemido, encarava qualquer impasse, fazia de todo acontecimento rotineiro um prato cheio para suas peripécias. Francisco possuía olhos castanho amendoados, usava cabelo quase raspado para evitar piolhos, e andava sempre com a mesma roupa: calças cáqui arremangadas, suspensórios, camisa de manga longa, antes branca e agora encardida e, sempre, com os pés descalços. Ele jamais se separava de uma chave dourada, entalhada com uma estrela de seis pontas e uma pedra azul ao centro, sempre muito bem guardada em seu bolso, dentro de um lenço bordado com seu nome. Nunca a mostrou para ninguém e nunca soube de quem era, pois a achou de maneira misteriosa, aos pés da porta de entrada de sua casa, em um corriqueiro sábado de manhã. Como sua beleza o extasiou e o possível dono nunca a requisitou, decidiu que carregaria consigo, como um presente enigmático do universo, e que se tornou seu amuleto de sorte. Francisco estava sempre de prontidão para ajudar seus pais no tempo de uvas maduras, desde a colheita até o feitio dos vinhos. Mas é claro que ele sempre tirava um proveito da situação, fazia
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dessa atividade um celeiro de diversão. De três cachos colhidos, comia um, muito sutilmente enchia a boca o máximo que podia e engolia os grãos com uma rapidez admirável. As outras crianças o olhavam com olhos estalados, pois não tinham essa coragem. O máximo que faziam era roubar alguns grãos. As uvas eram destinadas ao vinho, por isso, comê-las deliberadamente não era permitido aos adultos e nem as crianças, mas o ousado Francisco sempre quebrava as regras, e ainda se divertia provocando seus amigos e atirando grãos nas suas cabeças. Todos riam baixinho, disfarçados, e quando um adulto percebia os risos e pedia o que estava acontecendo, se entreolhavam com uma expressão de peraltice e diziam que não era nada. A hora da pisa então, era um banquete para Francisco. Ele insistia em ajudar e, quando se percebia, já estava pulando e dançando dentro das barricas de carvalho, atirando a rubra calda, chamada de ‘mosto’, para todos os lados. Seus pais sempre lhe chamavam a atenção, mas o sorriso de Francisco se divertindo era tão contagiante, que logo todos entravam no clima e, com grande entusiasmo, riam e cantavam, fazendo desse manejo, desde a colheita até a finalização da bebida, um motivo de festa. E em coro todos entoavam canções típicas do Reino da Bota, como: “El vin l'è bon, l'è un bel bicer, ze meio na serva che un cavalier.” No entanto, mesmo o povo sendo animado e festivo, nessa época, o Reino da Bota passava por um período de muita dificuldade, seu povoado estava dividido, a situação econômica era delicada e as guerras eram constantes, movendo-os a miséria e desesperança. Apesar da vastidão e das belezas deste Reinado, os moradores desafortunados, não viam mais como manter sua vida ali. A situação da região norte da Bota era ainda mais circunspecta, levando-os a pensar em tomar atitudes extremas. (continua....)
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