Out/Nov/Dez 2020 Ano 8 | Edição 53 R$10,00
PONT & VÍR ULA
ANNIBAL AUGUSTO GAMA “Há uma arte de ir embora, de botar o chapéu na cabeça e sair de mansinho”
Foto: Bell Gama
Poema da Espera
O primeiro beijo
Alvim Alvino Barbosa
Anníbal Augusto Gama
Ajuntei sonhos espalhados pelo vento. Recolhi alegrias das conchas marítimas. Enfeitei a casa com rosas vermelhas para te esperar. Espanei a poeira do piano solitário que dormia há muito tempo no abandono. Fiz colares de cristais. De ilusões coloridas. Prendi a alvorada no meu coração. As horas passavam lentas, numa agonia sem fim. E eu a te esperar. Os sonhos foram se transformando em desalento e dor. As alegrias se desalegraram tristemente. Mas as rosas... essas não murcharam. Meus olhos que esperavam tua presença, regaram-nas constantemente...
Foi preciso esperar dois anos para te furtar o primeiro beijo. E foi um beijo tão leve que mal pousou nos teus lábios. Por que então as lágrimas rolaram dos teus olhos e choraste tão desconsoladamente? Na esquina parecias uma pequena árvore trêmula de que um passarinho voara do ninho.
* 07/12/1935 † 01/06/2007
Aquarelas por Evie S.
2 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020
* 14/12/1924 † 26/07/2020
ÍNDICE OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO
EDITORIAL
E chegamos ao final de 2020. Fim do ano, mas não da pandemia Corona Vírus. Nova onda assola países do mundo inteiro e mortes e mais mortes são anunciadas diariamente. Notícias sobre vacinas contra o Coronavírus nos chegam da China, da Rússia, Estados Unidos, Reino Unido, e outros mais. Trarão a cura? Só Deus sabe! As eleições passaram... Mudanças virão? Descrença total! Nós, poetas, escritores e artistas, continuamos na luta para alimentar almas famintas, levando a elas a beleza da poesia e da arte. Infelizmente, em julho deste ano, um de nossos “alimentadores de almas”, o escritor e poeta, Anníbal Augusto Gama, nos deixou. E, como ele mesmo disse em seu poema “A arte de ir embora”, do livro “Herança Jacente”: “Há uma arte de ir embora, de botar o chapéu na cabeça e sair de mansinho”. Foi assim que fez. Saiu de mansinho. A ele nossa gratidão pelas almas que alimentou e continuará alimentando, através das obras que nos deixou. Desejamos a você, leitor/a, uma boa leitura e o convite para juntar-se a nós. Que possamos ser mais espiritualizados, refletir mais sobre a vida e nos tornar pessoas melhores.
Foto: Natan Ferraro
Pág. 1 Capa: Pág. 2 Poetas Inesquecíveis Pág. 3 Índice, Editorial e Expediente Págs. 4 - 7 Matéria de Capa Págs. 8 - 9 Poetas em Destaque Pág. 10 Palavras ao Amado ausente - Ely Vieitez Lisboa Pág. 11 Cantinho Literário de Bridon e Arlete Pág. 12 O coração infarta quando chega a ingratidão José Antônio de Azevedo Pág. 13 Eu revia os cabelos cor de areia... - Perce Polegatto O que nos custa sorrir? - Cecília Figueiredo Pág. 14 Escritor em Destaque: Cezar Augusto da Silva Batista Poeta em Destaque: Idemar de Souza Pág. 15 Então é Natal - Conceição Lima Pág. 16 Natal - Maria Auxiliadora Nogueira Zeoti As estações - Maria Luzia Misuraca Graton Pág. 17 Sonhos de um caminhante sonhador Raul Ramos Neves de Abreu Pág. 18 Mini poemas Artistas Plásticos em Destaque Pág. 19 Artistas Plásticas em Destaque Pág. 20 Ainda sou jovem - Ithamar Vugman A Oração da Mestra - Gabriela Mistral Pág. 21-22 Alma e Peregrino - Irene Coimbra Pág. 19 Publicidade Pág. 20 Foto em Destaque - Aline Cláudio
Irene Coimbra | Editora
EXPEDIENTE Direção Geral: Irene Coimbra de Oliveira Cláudio - irene.pontoevirgula@gmail.com Edição: Ponto & Vírgula Editora e Promotora de Eventos | Diagramação: Aline Cláudio Impressão: Ribergráfica - A Cor da Qualidade | Foto de Capa: Antônio Carlos Augusto Gama Anuncie na Revista Ponto & Vírgula. Associe sua marca à Educação e Cultura! Mídias: Impressa, Digital e Audiovisual. Publicidade e Venda: Irene – (16) 3626-5573 / WhatsApp: (16) 98104-0032 Tiragem: 1 mil exemplares Outubro/Novembro/Dezembro 2020 Revista Ponto & Vírgula 3
Os artigos assinados são de responsabilidade do autor. A opinião da revista é expressa em editorial.
ANNÍBAL AUGUSTO GAMA Por Francisco Alberto Moura Duarte*
F
4 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020
Foto: Guilherme Oliveira
omos apresentados lá pelo ano de 1985 e, desde então, tornamo-nos grandes amigos, tendo ele se tornado advogado e consultor jurídico de nossa Fundação de Pesquisas Científicas de Ribeirão Preto a qual dedicou sua competência e entusiasmo. Com o convívio diário descobrimos que sua competência ia muito além do direito que abraçara como profissão para se transformar num dos maiores escritores de nosso Estado e porque não dizer, de nosso País. Na época já pensávamos agregar à nossa editora, dedicada exclusivamente a textos científicos, algumas obras literárias a fim de tornarem conhecidos autores de nossa região e, em especial de Ribeirão Preto, incluindo-os na literatura nacional. Da nossa conversa descobrimos que Anníbal possuía uma “canastra” que abrigava um grande número de obras preciosas guardadas há anos sem que tivesse disposição de, ao menos, tentar publicá-los. Como estávamos dispostos a iniciar nossa editora na publicação de literatura clássica sugerimos-lhe que nos permitisse torná-lo o nosso primeiro autor. Depois de muita conversa, dele recebemos sua obra literária Manual para Aprendiz de Fantasma. Foi, sem dúvida, o primeiro livro de literatura de nossa editora e, por isso, o mais importante para nossa coleção literária, prefaciada que foi por Gilberto de Mello Kujawski. Quando estávamos preparando e diagramando o Manual, pedimos ao Anníbal dados curriculares seus para constar das orelhas do livro e ele, no seu estilo próprio, foi nos passando seus dados pessoais tal como vou relatar: “Nasci em anos remotos, em Guaxupé/MG e vivi em toda parte, dando com meus costados em Ribeirão Preto onde aposentei-me como promotor de justiça. Fiz o grupo escolar em minha cidade natal e o ginásio em Franca. Cursei Faculdade de Direito na USP, largo de São Francisco, na qual me bacharelei. Fui pro-
motor de justiça em muitas comarcas no interior de São Paulo” Mesmo aposentado continuou advogando e exercendo atividades de escritor muito intensamente, porém, sem cogitar publicar seus livros quardados em sua famosa “canastra”. Dizia ele que acreditava em Deus mas também dialogava com o Diabo. Sua obra literária foi comentada e revisada por inúmeros especialistas que também prefaciaram seus livros. Anníbal viveu quase cem anos e nos deixou num momento difícil durante esta pandemia. Ao recordá-lo queremos homenagear alguém muito importante para a literatura nacional, para nossa Fundação e para Ribeirão Preto. Dr. Annibal, como era conhecido de todos, fará
Francisco Alberto Moura Duarte é presidente da FUNPEC-RP, Fundação de Pesquisas Científicas de Ribeirão Preto
Livros editados pela FUNPEC
"Manual para Aprendiz de Fantasma" foi o primeiro livro de Anníbal Augusto Gama publicado fela FUNPEC-RP no ano de 2001. "Um livro para todas as idades, que nos liberta das convenções intelectuais, morais e políticas que nos aprisionam desde o iluminismo, que tantas vezes confundiu as trevas da ignorância com a magia e os sortilégios da noite. Bendita a lição dos fantasmas, que nos devolvem o direito ao sonho." FUNPEC-RP
Outubro/Novembro/Dezembro 2020 Revista Ponto & Vírgula 5
Foto: Guilherme Oliveira
muita falta para todos os amigos e familiares, deixando muitas saudades aos integrantes da Fundação e, especialmente, ao autor desta homenagem por tudo que representou durante sua convivência. Agradecimentos são devidos à Profa. Irene Coimbra, editora da Revista Ponto & Vírgula, pela publicação deste número, atendendo à solicitação de nossa Fundação que pode assim homenagear seu primeiro autor e amigo. Dr. Annibal, adeus e nossa eterna gratidão.
Mini poemas de Anníbal Augusto Gama Dos livros “50 anos falando sozinho” e “Herança Jacente” Portas a dentro
O trote
A vida, minha querida, a vida, não é portas a fora, a vida é portas a dentro
Viver para quê? A vida é nada... Paraquê-paraquê-paraquê, é o cavalinho trotando na estrada.
Qual é o lado de fora?
O meu relógio
Estou do lado de cá ou do outro lado das grades? Neste mundo relativo tudo é dubitativo e o avesso é o começo onde principia o fim. Na prisão o carcereiro é preso do prisioneiro
O meu relógio de parede só faz o que lhe convém e quando vai, não vem. De dia ele varia e de noite tresvaria. E quando bate o seu tic se nega a bater o tac.
A semente
A balança
Não estou pensando em morrer amanhã como o poeta Álvares de Azevedo. Morro hoje mesmo para ressuscitar no terceiro dia. E enquanto estiver morto serei a semente da manhã depois de amanhã.
A vida é uma balança com dois pesos de cobre. Com um pesa a esperança, com outro, a decepção. Um pesa pouco e vende fiado e confiado. O outro pesa uma arroba e na conta ainda rouba teus dias que lá se vão.
Ziguezagueando
Das coisas que vi
A vida é um ziguezague. Há quem ande de zague e quem ande de zigue. Mas só eu é que ando de zaguezigue.
De todas as coisas que vi e nas quais acreditei as únicas verdadeiras foram aquelas em que não cri.
6 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020
Foto: Bell Gama
Depoimento
Por Antônio Carlos A. Gama
M
eu pai gostava de escrever cartas. Ainda que morando na mesma cidade, de quando em quando, não mais que de repente, chegava-me uma carta dele pelo correio. Essa (cujo excerto abaixo é apenas o início e segue por mais duas laudas), chegou-me poucos dias depois que, estando ambos em São Paulo para o lançamento de um livro do mestre Gilberto Kujawski, na antiga Livraria Cultura, o poeta Paulo Bomfim irrompeu trazendo um exemplar do jornal “O Globo”, em que o crítico Wilson Martins “consagrava” o primeiro livro de poemas que o pai publicara, “50 Anos Falando Sozinho”, equiparando-o a poetas da sua geração, como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e outros (“mas com voz própria”, segundo Wilson Martins). “Ribeirão Preto, 28 de junho de 2005 Antônio-Carlos, meu filho e meu mentor, Parece, graças a Deus, que me foi reservada a sua presença, todas as vezes em que alguma coisa boa me acontece. Não me lembro de nenhuma alegria que não tenha sido compartilhada sem sua proximidade corporal e afetiva. Até nos episódios das minhas pescarias, e lembro-me imediatamente do dia em que estivemos juntos no pesqueiro do Dr. Zequinha, com o Miro, o Caetano e o seu fordinho, e do qual voltamos debaixo de uma chuvarada, você na carroceria do caminhãozinho, encharcando-se a tal ponto, que tive de lhe dar um cálice de cachaça, quando chegamos à nossa casa. (...) Depois, com você me ciceroneando, vejo-me em Portugal, na Espanha, na Itália e na França. Andamos pelas margens do Sena, atravessamos muitas das suas pontes, fomos ao Louvre e à Catedral de Notre Dame, estivemos diante do Quai des Orfèvres, para visitar o Comissário Maigret, estivemos nos Invalides, na Torre Eiffel, e andamos por todos os lugares, você sempre ao meu lado. Mais tarde, foi a Capela Sistina, Veneza, Florença, você indo buscar-me para ver a Porta do Paraí-
so. Sempre você, nos momentos áureos da minha vida.” (...) Ao reler essa carta, numa verdadeira epifania, me dei conta de que um poema meu, “Folha de Rosto”, que pensava descrever minhas vivências, na verdade foi escrito para ele, relembrando a viagem (única dele) que fizemos juntos, apenas nós dois, à Europa, nos idos de 1996. Folha de Rosto Antônio Carlos A. Gama (excerto) Não, este não é o meu rosto, meu verdadeiro rosto. Olhem para mim, é assim que eu sou? Onde está meu verdadeiro rosto? Este rosto parece uma foto descorada descolada do álbum de família. Este rosto é do meu avô, do meu pai, do meu tio. Onde está meu verdadeiro rosto? (...) Quem sabe vagueie mano a mano pelas calles de Buenos Aires com o fantasma de Borges ou se deixou ficar em Alfama, Baixa e Chiado, Óbidos ou Cascais, na Coimbra do Choupal no Escorial, na Plaza de Salamanca numa ponte de Veneza no Batistério de Florença nas colinas de Roma nos cafés da Rive Gauche naquele longo anoitecer em que pouco a pouco o céu se tecia com todos os azuis de Tintoretto. Não, este não é o meu rosto. Este é o rosto que eu terei um dia. *** Outubro/Novembro/Dezembro 2020 Revista Ponto & Vírgula 7
POETAS EM Adriano R. Pelá
Alceu Bigato
Luzia M. Granato
Marly Marchetti
Acontecer
Amor e Humor
Adriano Roberto Pelá
Alceu Bigato
Não sofreu por amor! Nunca amou. Árvore ressequida. Não se submeteu a podas regeneradoras. Nada produz. Apenas hastes estéreis. Árvores devastadas em podas intempestivas, reagem, brotam, florescem, frutificam. Seres que não se entregam ao amor, madeiros secos, inglórios. Amar, viver, transcender, sofrer a dor e o prazer! Pulsar, vibrar, amar! Acontecer...
Amor e humor fazem bem ao Ser humano. Se a tristeza vier, não resistirá à reação espontânea dos meus pés. Se alguém perguntar minha idade, não tenho noventa anos. Tenho quatro vezes vinte e mais dez. Não nasci pra semente. Também irei embora. Mas peço a Deus mais um presente: Prolongar as minhas horas, descarrilando o trem da partida. Porque a morte é uma senhora, com todo respeito, atrevida. Sei que ela me namora, mesmo sabendo que eu amo a vida!
Mensagens do céu
O Criador me fez assim
Luzia Madalena Granato
Marly Marchetti
Vieste anunciando em meu ouvido, para descer do cavalo alado, com a delicadeza do vento. Anunciando para continuar a cultivar a humildade. reacendendo o fogo no coração, sentindo o frescor dos sinais. Somos catedrais! Saboreamos a vida com gosto de uva doce sem sementes. Simples, como a manjedoura.
De tudo que já vi e tudo que vivi, para mim sempre amanheceu, o céu nunca escureceu. Eu sou a manhã de sol, sou a tarde abafada, sou noite enluarada sou madrugada calma. Sou estrela que cintila, sou sol que ilumina, sou lua que acalma, eu sou vida. Diante do Criador, peço cada vez mais amor. Eu sou tudo que escrevi pois sou filha do Senhor.
8 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020
DESTAQUE
Gaiô Gaiofatto
Marlene Cerviglieri
Nely C. de Mello
Níura Rocha
Brotação... Ouça
Surpresas da vida
Gaiô Gaiofatto
Marlene B. Cerviglieri
Silente, escorregara para dentro, fazia um tempo. Susto reunia pesadelos empalhados, espalhados em cada canto, mundo insano. Sem mais vontade de estar por aqui, com a insuportável tv, iphone, redes sociais a não ser o extremamente necessário, só Arte, sem fakes... inúteis. Cuidados de asas. Em despedidas de tanto ruim, embrulha a tristeza, vendo-a de frente, resolvida sem fuga. Aprendiz com ela, ouve, sem perder nutrição espiritual em brotação. Via amorosa, sustenta no espanto, toda dor. Grata a todos com os quais me encontrei com Amor. Barulhinho crepita. Ouça a Primavera, germina gerando o evoluir... Paz, chegando.
Se pudesse voltar no tempo nem mais sei o que faria. Se ficar com a experiência sabida, ou na inocência perdida. As surpresas na vida são tantas! Muitas vezes descabidas num conjunto de alegrias e tristezas. Um desconforto ou, talvez, o sabor de um contentamento todo sem medida. Não saber a razão de tanto, melhor mesmo será uma indiferença, num entendimento diversificado, como uma lembrança contorcida, errada, ancorada no que já foi e não volta mais!
Angústia
Punição
Nely Cyrino de Mello
Níura Rocha
Como é terrível sentir esvair-se a esperança acalentada e, desmascarada, ver a ilusão. A dor, sufocada, rompe a barreira do silêncio e, então, o pranto reprimido transborda incontido. A angústia, que se avoluma e se avoluma e explode, rompendo diques, invadindo a estrada na ânsia de se diluir no chão. E eu, no desespero dos que se sentem morrer aos poucos, liberto a fúria desse grito louco de solidão.
Por que é que estão me punindo? Por que é que estou me punindo? Tudo que me impuseram sempre procurei fazer porque todos me disseram que é assim que deve ser. Nunca ousei questionar conceitos tão radicais; pude até neles pensar, mas contestá-los, jamais. Revendo a minha vida, eis a incoerência comum: sei que estou sendo punida, por não ter feito crime algum. Outubro/Novembro/Dezembro 2020 Revista Ponto & Vírgula 9
PALAVRAS AO AMADO AUSENTE Por Ely Vieitez Lisboa Foto: Guilherme Oliveira
O
conselho veio da amiga querida: Não ficar na falta, mas no que se teve. Quando se viveu um grande amor, durante dezesseis anos, tudo foi ganho, tudo valeu a pena. Ele se foi, assim, como um sopro, sem dizer adeus. Como se atendesse a uma chamada lá de cima. E aí a saudade veio forte, sufocante, insuportável. Nada alivia, nada diminui. Ao contrário, são os pesadelos que sufocam, nas noites mal dormidas. Apego-me às orações, mas elas não consolam. As lembranças vêm dolorosas.Toco em objetos que eram dele, com doçura, com carinho. Nada remedeia.As fotos ajudam.A que está no computador, ele alegre, sorridente. Deslizo a mão sobre o rosto querido, querendo a magia de senti-lo vivo ainda. Tudo ilusão. A casa é alívio e castigo. Tudo o relembra, ele, o Amado. As primaveras que plantou, tão coloridas, os ipês do jardim, os pássaros, até o sol, quando o tomávamos juntos, pela manhã, em suas pernas roliças, jovens ainda. As juras de amor trocadas à noite, os beijos do até amanhã... Tudo "Ah, meu amor, tudo é tão vivo! De repente, cenas amargas do velório (ele estava tão bonito, tão tranquitão vazio sem sua presença, lo) as mãos cruzadas no peito. Quando a noite chega, tudo sem sentido, amargo, tenho medo, diante da cama vazia. Procuro não pensar. Pego o pequeno travesseiro cruel. Apego-me à ideia de do qual ele gostava, aliso-o e a saudade aperta. Procuro distrair-me com notícias que voltaremos estar juntos. jornalísticas, mas é pior. A televisão só fala de coisas ruins. Onde está meu munMas quando?" do? Procuro imaginar meu doce companheiro em lugar melhor, ao redor de pessoas amadas, que já se foram. A ilusão dura pouco, não alivia. Agarro-me à frase da amiga: Não ficar na falta, mas no ganho. Foram dezesseis anos felizes, perfeitos. Prêmio ou castigo? Se prêmio, por que acabaram? A separação repentina é um castigo? Ah, meu amor, tudo é tão vazio sem sua presença, tudo sem sentido, amargo, cruel. Apego-me à ideia de que voltaremos estar juntos. Mas quando? E minha partida será doce e breve, como a sua, sem dor, sem desespero? Por que histórias de amor sempre têm final triste? Não ficar na perda, ficar no ganho. O conselho é lindo, profundo, mas o coração não acredita muito. Ele quer o impossível. Ele quer o não acontecido. Ele o quer de volta aos meus braços vazios. Ele o quer junto a mim, para sempre, sem nunca dizer adeus. ***
Foto: Lucas Silva Pinheiro Santos
10 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020
CANTINHO LITERÁRIO Por JC
Bridon & Arlete Trentini Studio Cine Foto Mary
Só por hoje JC Bridon Só por hoje eliminarei meus anseios, apagarei as mágoas, as tristezas, e serei uma pessoa feliz em todos os aspectos. Só por hoje tentarei mostrar que ainda tenho forças para vencer o desânimo, as frustrações e o mal-estar encravados dentro de mim.
A vida me ensinou Arlete Trentini dos Santos
Só por hoje buscarei, dentro do meu próprio eu, as verdades escondidas que me foram ensinadas.
A vida me ensinou a esconder minhas dores e os meus dissabores... E quando o coração se ressente, ou quando ele te sente ausente, eu finjo sempre estar contente. Não permito que me vejam parecendo estar doente.
Só por hoje realizarei aquilo que é do meu anseio, para poder superar tudo aquilo que me torna triste. Só por hoje sonharei com a felicidade e que ela traga paz de espírito e muita serenidade para alcançar meus objetivos.
Do livro: Alinhavando Poesia
Só por hoje, apenas hoje, sentirei brotar dentro de mim, um sentimento de harmonia e muito amor. Do livro: “O Poeta e a Vida - No trilhar sereno da saudade
Foto: Masaaki Komori
Outubro/Novembro/Dezembro 2020 Revista Ponto & Vírgula 11
Por José Antônio de Azevedo
N
Foto: Natan Ferraro
O CORAÇÃO INFARTA QUANDO CHEGA A INGRATIDÃO
este mundo moderno, já tecnologicamente desenvolvido e dentro da economia do mercado globalizado, existiu uma prole encravada em Tapiranga, uma cidadezinha de 21 mil habitantes, no Sul de Minas Gerais. Sua população era constituída, na maioria, por caboclos. Assim, naquele município mineiro, brotou essa família bem constituída de pai, mãe e um filho. Keye, ainda criança, era um garotão forte e sadio, nascido no signo dos empreendedores. Maicro, um matuto vistoso, resistente, com aparência simpática, foi trabalhador e compromissado com o bom caráter. Margarida, a mãe, mulher prestativa e boa dona de casa, fez jus ao nome que lhe emprestava uma bela flor. Esse triunvirato familiar foi o modelo de trabalhadores rurais para a gente sofrida da roça. Nas relações sociais, os pais de Keye adotaram a máxima de amar os outros como eram na realidade, e não como gostariam que fossem, aceitando os defeitos e cultivando as virtudes. Naquele comportamento, pediam a Deus que apreciassem o lado bom dos outros, a fim de não sentir a traição dos malfeitores. [...] Portanto, no dia a dia de labuta, a família de Keye ia vivendo ao sabor do tempo e consumindo-se no benfazejo. E, assim, em uma noite enluarada, estando os três apreciando a aragem noturna debaixo da mangueira no quintal, Maicro disse contemplando a lua: - Quando nos injuriarem com a incompreensão dos nossos semelhantes, peçamos a Deus para perdoá-los e assim ficarmos em paz com nós mesmos, pois toda ofensa é resultado do egoísmo e da fraqueza dos que estão do outro lado. Estando assim concordes, Keye começou a vida de estudante e trabalhador aos oito anos de idade, primeiramente como morador na roça. Depois que começou a entender como era a vida, já aos 15 anos, pressionava os pais para residir na cidade. Tanto ele pediu que Maicro, formulando um pitaco de que “o melhor investimento que se pode fazer é nos filhos” cedeu ao pedido e mudou-se com a família para Tapiranga, cidade pequena, com poucos recursos para evoluir. Na cidade começou a trabalhar como boia-fria, não demorando a encontrar emprego com carteira assinada, que lhe deu um pouco de estabilidade. Margarida tomava conta da casa e lavava roupa pra fora, ganhando também um dinheirinho para o próprio sustento. Enquanto isso, Keye estudava com afinco chegando ao primeiro grau escolar. Não tendo nenhuma escola para que avançasse nos estudos, o pai conseguiu uma moradia para o garoto numa cidade grande, perto, a fim de completar seus estudos. Enquanto Maicro e Margarida davam duro no trabalho para formar Keye, este progredia, não só nos estudos como também na vida. Casou-se com uma moça rica, tornando-se um grande empresário de laticínio, em pouco tempo. Assim chegou ao auge do poder, enquanto o pai ainda residia sozinho na mesma casa humilde de Tapiranga, pois Margarida tinha sido despetalada por uma pneumonia, em casa, sem receber sequer um recurso médico ou uma internação hospitalar. Desfaleceu no completo esquecimento filial. Na pequena cidade, não havia proteção aos doentes e, na metrópole, onde morava o filho, ele sequer sabia do endereço dos pais. Keye, com a burra abarrotada, vivia na opulência com muitas contas bancárias, e Maicro mirrava no abandono com proventos de salário mínimo decorrentes da aposentadoria e definhava num letárgico descaso. Dessa feita, estremunhou na ingratidão até a morte por um fulminante infarto do miocárdio. Trechos do livro “O coração infarta quando chega a ingratidão” de José Antônio de Azevedo 12 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020
Eu revia os cabelos cor de areia... Por Perce Polegatto
E
u revia os cabelos cor de areia da Josie e punha em seus lábios as palavras da feiticeira nórdica, dizendo que a noite caía, que não havia mais luz e que eu não saberia mais como voltar. Que ônibus é o seu? O Jardim Zara. O único que passa aqui. Ah... sei. Ela quase sorriu. Eu não sabia nada de ônibus. Naquele momento, parecia evidente que nos olhávamos de alto a baixo. No mundo adulto, as paixões conduzem a destinos complicados, quase ilustrando uma jogada de má sorte, como há muito nos ensinam os contos de fadas e as sagas estendidas, até o momento em que algum ser mítico generosamente se propõe a quebrar o encanto. Só que, na realidade, nunca se viram essas entidades benfeitoras, e os encantamentos podem romper-se por força do costume, do tédio ou do crime. Era um dia cinzento, sob a frente fria. Tarde de claridade holandesa. Um dia extenso, horizontal, abrangente, orientado por nuvens. Ela seguia ao meu lado nas escadas, um pouco à frente, atitude impensada de anfitriã orgulhosa, querendo apresentar os lugares novos ao visitante. A cada passo, eu vivia o encantamento do impossível, uma realidade que pouco diferia de um sonho nítido, tarde alheia aos ofícios externos, um lapso de tempo em que meu coração se traía, longe do alcance de quem quer que me conhecesse. Acompanhando as pernas bonitas da Josie, eu me orgulhava de minha pequena coragem. Associando situações reais com minha memória de livros, revia involuntariamente trechos de narrativas míticas, especialmente aquela em que a jovem conduzia o forasteiro perdido. “É ali o meu castelo. Venha, vou lhe dar abrigo. Está frio, e você pode se perder na floresta.” O viajante percebe que a jovem está mudada: ela agora é uma feiticeira. Só que ele não sabe mesmo o caminho de volta. “É ali o meu castelo”, ela repete. “Venha, vou lhe dar abrigo. Veja, a noite caiu. Não há mais luz. E você não tem como voltar. Está frio, e você pode se perder na floresta. Venha. Você não sabe mais como voltar.” Do romance “Projeto esvanecendo-se”. ***
O que nos custa sorrir? Por Cecília Figueiredo
O
que nos custa sorrir? Para sorrir seria necessário montar-se em cena, emplumar-se, resistir? Nada! Sorrir, é para nós, humanos, um ato inteligente da alma, um pouco de brisa fresca de reação àquilo que nos agrada, pura reação ao prazer. Igualmente, quanto custaria a uma alma simples, chorar? Nada nos custa. O choro melodramático sobre uma tragédia que nos abate é natural. Contudo, as grandes tragédias são raras, pontuais, tantas vezes coletivas! Por isso, seria primordial saber chorar pequeno diante de coisas pequenas; um vaso que se quebrou, tão estimado, pode para mim ser motivo de um choro profundo por sobre aquilo que foi e nunca mais será. Do livro: “A Casa da Instabilidade” – Pág. 115
Outubro/Novembro/Dezembro 2020 Revista Ponto & Vírgula 13
Foto: Cristina Rodrigues
ESCRITOR EM DESTAQUE Cezar Augusto da Silva Batista Trecho do livro “Sangue e Sedução”
"Era uma noite fria, com uma chuva fraca, mas intermitente e, na ausência da lua, as ruas ficavam ainda mais desertas e escuras. Um vulto caminhava sozinho, usando calça preta, camisa de mangas compridas cinza-escuro, um pulôver azul-escuro e um sobretudo preto. Protegendo os sapatos tinha galochas e, na cabeça, um chapéu de feltro, também escuro. Com a mão esquerda carregava o guarda-chuva e a direita dentro do bolso do casaco." Trecho do livro “A Herança” "Quando era pequenino, por volta de quatro, cinco anos, Sólon ia à missa com a mãe e as irmãs mais velhas, mas não ficava quieto de jeito nenhum. Costumava dar tapa na bunda de quem quer que estivesse sentado no banco da frente, principalmente se fossem meninas." Adquira as obras do autor: saintgermain246@hotmail.com / Contato: (16)98174-8032
POETA EM DESTAQUE Nossas Vidas - IV Idemar de Souza Faz anos! Tu me vinhas tão feliz... mas sem jamais imaginar que o tempo, tão fugaz, não teria o tempo todo a manter tamanho amor. Nós corríamos, daqui para acolá, sem saber que um dia partirias e eu perderia minha parceira de brincar. Tu voltaste, já moça, arredia... parece que jamais foras cativa, mas as lembranças recobradas te propunham um recomeço, todavia inseguro: os teus olhos denotavam algum tropeço ao confirmá-lo... faltava, em nós, uma só cariciosa iniciativa. Venha, pois! quero sentir o teu fascínio de perfumosas flores; esqueça, lá de fora, os diz que diz que se insinuam sulfurosos contra todos, porque eles, injuriosos, à toda pressa, se irão. Cuidemos só de nós, de promissões, de sentimentos amorosos. Nosso tempo é hoje, enquanto houver nossos lábios que se dão nessas serenadas noites de colóquio entre aconchegos sedutores!
14 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020
ENTÃO É NATAL... Por Conceição Lima
D
ezembro chegou e a eterna canção dos eternos Beatles vem nos alertar de que, em dezembro, é imperdoável não se falar em Natal. Pensando nisso, ocorreram-me algumas ideias que poderiam servir para compor um Auto de Natal mais afinado com os tempos pós-modernos. Assim, proponho situar Belém não na Palestina, mas no Brasil mesmo, quem sabe numa favela do Rio de Janeiro. Maria não seria mais aquela doce e esguia jovem de pele e cabelos claros, olhos azuis etc. etc., conforme manda o figurino cinematográfico de Hollywood. Seria uma mulata robusta, a própria Maria Aparecida do Brasil. José, de há muito que deixou a profissão de carpinteiro. Agora está cursando o Ensino Supletivo, planeja entrar na Faculdade e, enquanto isso, engajou-se num serviço de delivery por aí. Até mesmo o Anjo Gabriel não viria pessoalmente fazer a Anunciação: mandaria uma mensagem holográfica em 3D, via smartphone. A “viagem a Belém” não seria em função do recenseamento, como nos idos do Império Romano. Agora, seria bem mais penosa e estressante, para cumprir a via-sacra de se conseguir uma vaga numa maternidade brasileira da rede pública, onde se supõe que os nascimentos devam acontecer. A estrela de Belém seria identificada como um antigo satélite da NASA que, misteriosamente, deixou sua órbita e veio iluminar o barraco do (re)nascimento. Os anjos entoariam “funk music”, composta (quem sabe?) com os recursos da Internet, ou mesmo um pagode incrementado recém-lançado pelo Zeca Pagodinho. Mas, de qualquer forma, a noite continuaria feliz, como nos velhos tempos de dois mil e vários anos atrás. Os poderosíssimos Reis Magos não viriam (pelo menos todos) do Oriente, mas também do Ocidente. Penso que o Trump e até o Putin seriam descartados. Mas Angela Merkel, com certeza, seria um (melhor dizer “uma”) deles e traria não
ouro, mas Euro (que, aliás, é negociado a peso de ouro). O segundo poderia ser o riquinho do Facebook ou, quem sabe, um novo-rico chinês ou até um executivo sul-coreano. O certo é que traria, em vez de mirra, uma parafernália eletrônica made in China, evidentemente, copiada dos americanos ou japoneses, embora com um precinho bem mais em conta. Tudo isso para lembrar a nossa humilde (mas preocupante) dependência tecnológica. O terceiro Mago (para prestigiar o povo brasileiro) seria um conterrâneo nosso. A bem da verdade, eu não teria qualquer nome a propor, mas quem sabe dá tempo de antecipar 2022 e propor um plebiscito pela Internet. Este tentaria “incensar” o Deus-Menino com alguma propina e se apresentaria como o “Salvador da Pátria”, fosse ele de “direita”, de “esquerda” ou de “centro” (excluindo o “Centrão”, é claro: o Menino não ia aprovar isso não!) O Menino, ah! O Menino... Este, sim, continuaria o mesmo em essência e aparência. Eu o imagino sempre sorrindo, aquele sorriso de ternura, de amor incondicional, de divindade, de esperança, de paz, de renovação e tantas outras coisas boas mais, para as quais somente o Natal consegue nos sensibilizar. Afinal, somente Ele, o Menino, é quem pode corporificar a essência de todos os Natais, é quem consegue revivificar, a cada ano, a promessa de transformação e renovação dos seres humanos, a fim de que a esperança não se afogue neste vale de lágrimas! Por último, faço a recomendação de que este Auto de Natal seja representado não nas igrejas, praças ou teatros, mas em cada família onde, normalmente, a troca de presentes e uma farta ceia regada a excesso de álcool têm sido a única motivação para se celebrar o Natal. *** Outubro/Novembro/Dezembro 2020 Revista Ponto & Vírgula 15
POETAS EM DESTAQUE
Natal
Maria Auxiliadora Nogueira Zeoti Artificial expectativa de estômagos anômalos. Luzem vitrines, bolas, velas, no acrílico e plástico banal. Natal! Em convulsão da multidão, desce de helicóptero o Papai Noel... Cartões! Mal dizem do AMOR... Cores idas de Natais na neve. Leve... É o pensamento dos Reis. Buscam a estrela de brocado, encravada na ponta dos pinheiros. Ofuscante brilho, o comércio! Confundem o sentido da LUZ... JESUS... Redundantes, presentes, pivetes e indigentes. Presépios vivos margeiam sarjetas, insanos, débeis, coxos, nos porquês da vida.
As estações
Maria Luzia Misuraca Graton Naquele vale sem fim, sobre a serra a florada, abre uma simples flor, como florido jardim aqui perto de mim. Primavera linda! Na sua floração, coloriu nossas vidas, brotou a trepadeira, esparramou no chão. Despediu-se a primavera, com olhos de solidão. Contente e iludido, acostou-se o verão. O sol tinindo... Uma trovoada... O gado sumindo na estrada. Respingos d’água, chuva caindo, terra molhada. Outono reveste de beleza, os prados, os pomares, toda natureza, todos os lugares. Acinzelado está o céu de um lado avermelhado. Inverno outro alvorecer. Migram as andorinhas. Outro lidar, outro viver. Minha saudade! Saudade minha!
16 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020
Sonhos de um caminhante sonhador! Por Raul Ramos Neves de Abreu
Naquela tarde, no trabalho, pensativo diante da janela, lá fora, a garoa do inverno, prendia meu olhar. Gotículas deslizavam pela rua, vagarosamente, e meu olhar, emotivo, com elas ia distante, fantasiando um exército imperial, marchando, com seus lindos uniformes coloridos. Soldadinhos de chumbo em perfeita formação, paralisando tudo e todos durante o desfile. E enquanto, por momentos, tudo parecia estático, como se apenas uma fotografia da multidão fosse, somente ela, majestosa, de cabelos longos e claros, como sutil imagem sobreposta, meiga, caminhava, sorrindo, olhando-me distante, como límpidos raios de sol, radiantes. Meu coração retumbando até perder de vista o seu caminhar. Em segundos, tudo se desfazendo, como passe de mágica. Pássaros revoando felizes, a brisa acordando aquele sonho acordado. Pessoas caminhando, novamente, sorrindo, amigas, felizes. Estaria sonhando? Vários dias tentando entender o que havia acontecido. De onde teria surgido tão encantadora imagem? Debruçado na mesma janela, à espera de uma nova visão, como se espera o mais lindo acontecimento, a vida, de repente, transformou-se em cores divinas! Ela, novamente, sorrindo tão suave! Aproximamo-nos, silenciosa e ansiosamente. Nada precisaria ser dito! Nossos corações sentiam a mesma emoção. Era mês de Julho, 1968, um pouco frio... Nossos corações aquecidos de amor! Os dias se passando e nosso bem querer aumentando cada vez mais. Não sabíamos como agradar, mais e mais, um ao outro. Um amor tão suave, verdadeiro, puro, inocente! Chegou o Natal! Felizes, nossos primeiros presentes! A ela, uma linda caixa de Bombons Kopenhagen. A mim um lindo vidro de Colônia 4711! Inesquecível! Muito apaixonados, casamos poucos anos depois. Foram 35 anos, juntos e felizes! Uma filha e um filho! A vida, todavia, reserva surpresas... De repente, caminhos diferentes... Aquele lindo vidro de perfume ainda me acompanha. Hoje, como naquele dia, estou ansioso. Sinto que daqui a pouco estaremos juntos novamente e seguiremos, juntos, até o lugar que sempre desejamos! Outubro/Novembro/Dezembro 2020 Revista Ponto & Vírgula 17
MINI POEMAS
Olhar Camilo Xavier
Abrigo Maris Ester A. Souza
Momentos de hoje Fátima Moreira Mello
Junco sou, querendo na umidade de um abraço, ter só o contato de sentir-me, nem que, por um momento, em um abrigo!
Preciso apagar o ontem recheado de sonhos e desejos. Preciso ser eu mesma, descobrir e entender que o amor é que responde por mim.
Jogue fora a preocupação, espante a crise, levante-se, suba. Alcance logo a cumeeira, e veja a dificuldade de outra maneira.
Na máquina da vida Simone Neves
Meus jardins Elisa Alderani
Libertar Fernanda R. Mesquita
Na máquina da vida costuro sonhos lindos de amor e ternura. Sonhos esses que embalam o meu sonhar!
Meus jardins, são os grupos dos amigos, onde os rego, com amor, todos os dias, com minhas simples poesias.
Liberto-me da sombra que lanças sobre mim Liberta-te da sombra que lanço sobre ti, e livres de laçadas, encontrar-nos-emos nos laços do amor
ARTISTAS PLÁSTICOS EM DESTAQUE
Waldomiro Abbondanza Moderna Mona Acrílica sobre painel Contato: +55 016 981110548 18 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020
Yara Delafiori Vejo flores em você - Óleo sobre tela Contato: +55 014 99762 4770 Facebook:Yara Delafiori
ARTISTAS PLÁSTICAS EM DESTAQUE Luciane Yahweh Foto: Bruno Lanzone
"E de repente tudo mudou... A rotina foi alterada, a campanha do abraço apertado enfraqueceu, o sorriso foi coberto por máscaras. O ficar em casa virou necessidade. Contudo, em tempos de pandemia, a visão do olhar pela janela da vida se tornou relativo. Cada um de nós nos tornamos responsáveis por aquilo que queremos enxergar. Nosso olhar nos define." Luciane Yahweh Luciane Yahweh Tempo de Pandemia Técnica: AST
Instagram: @atelie_lucianeyahweh
Leila Castellan
Artista plástica por natureza, bióloga, professora, artesã dentre outras, é natural de Uberaba e reside em Uberlândia/ MG. Artisticamente tem preferência pela arte clássica figurativa realista. Realiza trabalhos em consultoria e curadoria para novos artistas e ateliês. Tem participado de inúmeras atividades e cursos virtuais ligados a desenho e pintura realista, inclusive com lápis de cor, além de diversas exposições virtuais nacionais e internacionais. E-mail: lpelizer@gmail.com Instagram: @leilacastellanpelizer / @castellanpelizer Contato: (34) 991144653 - Uberlândia/MG/ Brasil
Leila Castellan Anjo Consolador Óleo sobre tela Outubro/Novembro/Dezembro 2020 Revista Ponto & Vírgula 19
Ainda sou jovem Por Ithamar Vugman
H
umanos são jovens ou velhos. Jovens são infantes, meninos, adolescentes e adultos.Velhos são somente velhos. Faço 92 anos em agosto. Nonagenário, arrogo-me o direito de me declarar jovem. Com desprazer reconheço os sinais implacáveis denunciadores de minha velhice. Não os nego. Cabelos grisalhos. Pele flácida, enrugada. Caminhar lento, incerto.Visão muito reduzida pela degeneração macular relacionada com a idade. Visitas regulares à farmácia. Remédios é o tema preferido das conversas de idosos. Sim, sou forçado a confessar, meu corpo está envelhecido. A mente não. Minha mente recusa-se acompanhar a deterioração do corpo. Fisicamente estou velho. Mentalmente ainda sou jovem. Mais jovem do que muitos jovens que saracoteiam por aí. Não me dedico à atividade predileta dos idosos. O fazer nada.Ver o tempo passar. Trabalho. Escrevo croniketas. Pequenos comentários sobre a vida. Escrevo Memórias Imemoriais, uma autobiografia não autorizada. Fotografo. Não sou fotógrafo. Sou imagista. Crio imagens. Preparo foto livro, com a inestimável colaboração de Thor Amêndola e Eder Ribeiro, curador. Faço psicanálise com Mércia Maranhão Fagundes. Exorcizo antigos fantasmas amedrontadores. Reduzo-os a espantalhos. Mudo minha maneira de ser. Sou o mesmo e sou outro ao mesmo tempo. Estranha sensação. Minha visão é limitada. Aguda é minha percepção do comportamento humano, por vezes incompreensível. Meu e dos outros. Observo a grandeza e a miséria da alma humana. Muitas são as batalhas travadas. Saboreio vitórias. Choro derrotas. Minha ação ou inação determinam vitórias ou derrotas. Destino, sorte, acaso, determinam vitórias ou derrotas. Perdido, choro em desespero em meio à tempestade. Envelheço. Aprendo. Tempestade e bonança, choro e riso se sucedem. Fazem parte da vida. Até o fim. Quando jovem, morre um idoso penso: Viveu bastante. Não morreu jovem. Nonagenário, mudo de opinião. Ainda não vivi o suficiente. Necessito viver muito mais.Tenho muito para aprender, fazer e amar. ***
A oração da mestra
Por Gabriela Mistral | Tradução de Maria Teresa Almeida Pina
S
enhor! Tu que ensinaste, perdoa que eu ensine; que leve o nome de mestra, que Tu levaste pela Terra. Dá-me o amor único de minha escola; que nem a queimadura da beleza seja capaz de roubar-lhe minha ternura de todos os instantes. Mestre, faz-me perdurável o fervor e passageiro o desencanto. Arranca de mim este impuro desejo de justiça que ainda me perturba, a mesquinha insinuação de protesto que sobe de mim quando me ferem. Não me doa a incompreensão nem me entristeça o esquecimento das que ensine. Dá-me o ser mais mãe que as mães, para poder amar e defender como elas o que não é carne de minha carne. Dá-me que alcance a fazer de uma de minhas crianças meu verso perfeito e a deixar-lhe cravada minha mais penetrante melodia, para quando meus lábios não cantem mais. Mostra-me possível teu Evangelho em meu tempo, para que não renuncie à batalha de cada dia e de cada hora por ele. Põe em minha escola democrática o resplendor que se discernia sobre tua roda de meninos descalços. Faz-me forte, ainda em meu desvalimento de mulher, e de mulher pobre; faz-me desprezadora de todo poder que não seja puro, de toda pressão que não seja a de tua vontade ardente sobre minha vida. 20 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020
ALMA E PEREGRINO Por Irene Coimbra
E
la o encontrou, sentado num banco do jardim, lendo. - O que está lendo, Peregrino? - Provérbios de Salomão. - Gosta de provérbios? - Muito. Ouça este: “Do homem são as preparações do coração, mas do Senhor a resposta da boca.” Uma grande verdade, não acha? - Sim. Às vezes nos preparamos tanto pra falar com alguém e quando chega o momento de falar, não falamos nada do que preparamos. - Veja este: “O Senhor reserva a verdadeira sabedoria para os retos: escudo é para os que andam em sinceridade.” O que me diz? - Que quero andar sempre em retidão e sinceridade, para ter a Verdadeira Sabedoria e o Senhor como meu escudo. - O que me diz deste? - “A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira.” - Pelo menos para mim, está mais que provado. Se alguém fala brandamente comigo, posso estar furiosa que me acalmo logo. Mas se fala duramente, nem sei em que posso me transformar. - Escuta este: “Até o tolo quando se cala será reputado por sábio; e o que cerrar os seus lábios por entendido.” Você já viu algum tolo se calar? - Não. Acho que estou precisando colocar em prática esse provérbio. Ultimamente tenho falado demais. - E este aqui: “As riquezas granjeiam muitos amigos, mas ao pobre o seu próprio amigo o deixa.” o que me diz dele? - Digo que está correto. Já viu como as pessoas ricas são bajuladas? O pobre fica sempre de lado. E o que me diz dos Salmos? Gosto também. Gosto, principalmente, do versículo quatro do capítulo 23: “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque Tu estás comigo; a Tua vara e o Teu cajado me consolam.” - É, ele dá uma força muito grande pra gente.
- Veja o versículo dois do capítulo dezoito: “O Senhor é o meu rochedo, e o meu lugar forte, e o meu libertador; o meu Deus, a minha fortaleza, em quem confio; o meu escudo, a força da minha salvação, e o meu alto refúgio.” - O rei Davi foi um grande salmista, não foi? - Sim, e são tantos os Salmos que nos passam mensagens de ânimo e fé, que se fôssemos ficar aqui comentando não terminaríamos nunca. Sabe, Alma, tenho pensado muito nos mistérios da vida. Tenho milhões de perguntas e não consigo encontrar as respostas. - Qual a sua religião? - Não tenho religião. Elas me enfadam e os pastores me aborrecem. - Mas, você estava lendo a Bíblia... - E daí? Gosto de ler qualquer coisa que seja filosófica. E a Bíblia, para mim, é filosofia. - Pensei que fosse um missionário. - Sou apenas um peregrino sonhador. Como dizia o poeta Antero de Quental: "Sonho que sou um cavaleiro andante, Por desertos, por sóis, por noite escura, Paladino do amor, busco anelante, O Palácio encantado da Ventura!" Mas, já desmaio, exausto e vacilante, Quebrada a espada já, rota a armadura... E eis que súbito o avisto, fulgurante Na sua pompa e aérea formosura! Com grandes golpes bato à porta e brado: Eu sou o Vagabundo, o Deserdado... Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais! Abrem-se as portas d’ouro, com fragor... Mas dentro encontro só, cheio de dor, Silêncio e escuridão - nada mais!” - Que bonito! Sei um também! Outubro/Novembro/Dezembro 2020 Revista Ponto & Vírgula 21
“Tu, que dormes, espírito sereno, Posto à sombra dos cedros seculares Como um levita à sombra dos altares, Longe da luta e do fragor terreno, Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno, Afugentou as larvas tumulares... Para fazer surgir do seio desses mares, Um mundo novo espera só um aceno... Escuta! é a grande voz das multidões! São teus irmãos, que se erguem! são canções... Mas de guerra... e são vozes de rebate! Ergue-te, pois, soldado do Futuro, E dos raios de luz do sonho puro, Sonhador, faze espada de combate!” - É para mim esse recado? - Com certeza absoluta. E agora, levante-se daí e vamos dar um passeio pelo parque. Conhece a história de Santo Agostinho? - Não, mas que tem a ver esse santo comigo? - Nada. É que me lembrei dele e de uma passagem de sua vida. - E que passagem é essa? Fiquei curioso.
- Um dia andava ele pela praia, pensando nos mistérios da vida, quando, de repente, viu um menininho que, com um baldinho, ia até a água do mar, enchia-o e voltava, colocando aquela água num buraquinho da areia. Parou e, por muito tempo, ficou observando aquela cena. O menininho parecia incansável no seu trabalho. Aproximou-se dele e perguntou: - O que você está fazendo, menininho? - Vou colocar toda a água do mar neste buraquinho. - respondeu o menininho. - Mas não vê que isso é impossível? disse o filósofo. - É mais fácil colocar toda a água do mar neste buraquinho, do que colocar todos os mistérios de Deus na sua cabeça. - respondeu o menininho. Daquele dia em diante o filósofo deixou de tantas indagações, pois reconheceu naquele menininho o Mestre dos Mestres. Gostou? - Sempre gosto de ouvir suas histórias. E qual a mensagem para mim? - Não deixe que os mistérios de Deus o enlouqueçam. No tempo certo todos lhe serão revelados.
*****
O MELHOR DA NATUREZA EM SUA MESA Frutas nacionais e importadas do produtor para sua mesa. Atacado: (16) 3638-7464 Ceagesp (Rod. Anhanguera, KM 322, GPB Box 07& 09) Varejo: (16) 3632-4794 Rua Bernardino de Campos, 621 Email: frutao@superig.com.br 22 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020
Outubro/Novembro/Dezembro 2020 Revista Ponto & VĂrgula 23 
E U D ES TA Q EM FO TO
Foto: Aline Cláudio 24 Revista Ponto & Vírgula Outubro/Novembro/Dezembro 2020