Jan/Fev/Mar 2022 Ano 10 | Edição 58 Distribuição Gratuita
PONT & VÍR ULA
MARIS ESTER A. SOUZA Presidente da Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto
2 Revista Ponto & Vírgula Janeiro/Fevereiro/Março 2022
ÍNDICE JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2022 Pág. 1 - Maris Ester A. Souza Pág. 2 - Publicidade Pág. 3 - Índice, Editorial e Expediente Págs. 4, 5 - Matéria de Capa Pág. 6 - Mulher, o fenômeno - Conceição Lima Pág. 7 - Cansei de esperar a pandemia passar Adriano Pelá Pág. 8 - Poeta em Destaque - Maria Alice Ferreira da Rosa Pág. 9 - Piano para um menino secreto - Perce Polegatto; Poetas em Destaque: Cláudia Biagini e Ely Vieitez Lisboa Pág. 10 - A Segunda Edição do Passeio Literário José Lourenço Alves Pág. 11 - Cantinho Literário de Bridon e Arlete Pág. 12 - Maicro e Zé Baiano - José A. de Azevedo Pág. 13 - Poetas em Destaque: Cecília Figueiredo, Idemar de Souza, Luzia Granato e Nely Cyrino Pág. 14 - História da Língua Portuguesa - Amini Boianain Hauy Págs. 14, 15 - A casinha - Mário Chamie Pág. 16 - Poetas em destaque: Maria Luzia Graton, Alceu Bigato e Fernanda R-Mesquita Pág. 17 - Poeta em Destaque - Arthur G.Valério Pág. 18 - Mancha - Raquel Naveira; Mini história - Irene Coimbra Pág. 19 - Poetas Inesquecíveis: Alvim Barbosa, Jugurta Lisboa,Vera R. M. Gaetani e Denise Jacometti Págs. 20 e 21 - Fotos do Sarau de Lançamento da 57ª. Revista Ponto & Vírgula Pág. 22 - Fotos da Exposição de Livros, Artes Plásticas e Moda Vintage Pág. 23 - Publicidade Pág. 24 - Foto em Destaque - Aline Cláudio
Editorial 2021 é passado! O pior já passou! - dizem. Será? Só o tempo dirá! Em 2022 tudo será melhor! - dizem. Será? Só o tempo dirá! Ninguém sabe o que vai acontecer. O que sabemos é que o primeiro trimestre já passou e nós, da Revista Ponto & Vírgula, continuamos firmes na luta, cumprindo nossa Foto: Fernando O. Claudio missão de divulgar poetas, escritores, músicos e todos os envolvidos com a Arte, de modo geral. Acreditamos que são essas pessoas, “alimentadoras de almas”, que ajudam a transformar os seres humanos em pessoas melhores. Nesta edição, é com imensa alegria que destacamos e homenageamos uma dessas “alimentadoras de almas”: Maris Ester A. Souza! Maris Ester é professora, escritora, poeta e atual presidente da Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto. Uma pessoa dotada de extrema sensibilidade e muito querida por todos que a conhecem. Um pouquinho sobre ela você verá nas duas páginas seguintes. E, para conhecê-la mais de perto, é só participar de uma das reuniões da “Casa do Poeta” que acontece na A.M.O.R (Associação dos Militares e Oficiais da Reserva), todo primeiro sábado do mês, a partir das 15h, na Rua da Liberdade, 182, bairro de Campos Elíseos em Ribeirão Preto. Além de Maris Ester, destacamos vários poetas e escritores que nos encantam com seus poemas, crônicas e contos! Você verá que vale a pena ler a Revista “Ponto & Vírgula”! Fica nosso convite para tornar-se, também, um de nossos assinantes!
Irene Coimbra Editora
EXPEDIENTE Direção Geral: Irene Coimbra de Oliveira Cláudio - irene.pontoevirgula@gmail.com Edição: Ponto & Vírgula Editora e Promotora de Eventos | Diagramação: Aline Cláudio Impressão: Ribergráfica - A Cor da Qualidade | Foto de Capa: Guilherme Oliveira Anuncie na Revista Ponto & Vírgula. Associe sua marca à Educação e Cultura! Mídias: Impressa, Digital e Audiovisual. Publicidade e Venda: Irene – (16) 3626-5573 / WhatsApp: (16) 98104-0032 Tiragem: 1 mil exemplares impressos Janeiro/Fevereiro/Março 2022 Revista Ponto & Vírgula 3
Os artigos assinados são de responsabilidade do autor. A opinião da revista é expressa em editorial.
Foto: Fernando de Oliveira Cláudio
Um pouquinho de minha história Por Maris Ester A. Souza Presidente da Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto
N
asci no dia 18 de abril em Ribeirão Preto. Tive minha infância enraizada no bairro de Vila Virgínia. Lá cresci e estudei no Centro Educacional Sesi 1245. Amava aquela escola, os professores e, acima de todos, Ana Maria Ferlin, diretora da escola, da qual fui secretária doméstica, durante um tempo. Ana Maria exerceu uma influência positiva em minha vida. Os anos passaram e muita coisa aconteceu. Fui vendedora de seguros da Mongeral, vendi livros de porta em porta, fui funcionária de uma fábrica de bolsas, vendedora e empregada doméstica! Após um tempo de muito trabalhar, a depressão chegou em minha vida. Nessa época já não era mais empregada doméstica, mas diarista. Dr. José Henrique Rios, Psicoterapeuta, e mais algumas pessoas amigas, para as quais eu trabalhava, me recomenda4 Revista Ponto & Vírgula Janeiro/Fevereiro/Março 2022
ram voltar aos estudos. Incentivada por eles matriculei-me no Curso Supletivo da Escola Estadual Dom Romeu Alberti. Um dia, a professora Eliane passou para nós uma redação com o tema: “Estávamos no jardim quando tudo aconteceu...”. Ao terminar de ler a minha, todos me aplaudiram. Voltei para casa muito emocionada ao ver que as palavras ganhavam vida ao escrever e, ao ler, parecia que uma luz vinha sobre mim e se refletia, ao ser ouvida por todos! Ainda como diarista, trabalhando em uma casa, vi, em um jornal, o anúncio de um concurso na Casa da Cultura e resolvi participar. Não ganhei, mas recebi o convite para o coquetel. Era um mundo novo. Nunca me esquecerei daquela noite! Ali conheci muitas pessoas da Cultura. Em 1996, passei a frequentar a Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto e a paixão se instalou
em meu coração! Nunca mais deixei aquela casa! Hoje sou a Presidente da Casa. Eu sonhava publicar um livro e, com muita determinação, muito trabalho, consegui o patrocínio para a realização de meu sonho. Em junho de 2001, lancei o livro: Nua para o Criador... Vestida para a Humanidade, pela Editora Paulista. Foi um lançamento lindo, no Sesc Ribeirão Preto, à beira da piscina. Na primeira Feira do Livro de Ribeirão Preto, os autores da cidade tiveram a oportunidade de colocar suas obras, para exposição e venda, na Livraria Paraler. Ao autografar meu livro, adquirido por um jovem, contei a ele um pouquinho de minha história e ele então incentivou-me a fazer uma faculdade. Muita coisa boa aconteceu a partir do incentivo daquele jovem. Ele jamais saberá da importância que teve em minha vida! Em 2006 formei-me em Letras pelo Centro Universitário Moura Lacerda. Tornei-me conhecida pela minha dedicação e paixão pela literatura. Fui professora do Projeto da Rede Estadual Sala de Leitura por dez anos, trabalho que fiz com muito amor e dedicação. Em 2017 fui a primeira professora a ser homenageada, na categoria Educação, pela Feira Nacional do Livro, hoje Feira Internacional do Livro. Hoje, além de Presidente da Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto, sou membro da UEI (União dos Escritores Independentes), ALARP (Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto) e da Academia Brasileira de Letras (seção Araraquara). Acredito no poder da palavra e da leitura, pois estas são o motivo de minha transformação!
Cidade em Movimento Maris Ester de Souza Essa loucura estranha, Essa fuga imaginária, Essa ousadia de ousar, ousar... Esse circo de cores, Essa fuga pelos pronomes, Esse encontro de desencontros É o silêncio da manhã... É o caminho do dia que chega... É o grito da noite... Ganha vida a alma? No choro do que se arrasta... No nervo verde da protuberante esperança... Gritam sóis que se escondem...
Foto: Acervo pessoal
Chega o inverno... Cadê o azul? Este vermelho que teima em se manifestar... Essa cidade em movimento Que sufoca, que grita... grita... Cidades vivas, cidades mortas... Cidades em movimentos... Seres fechados... Enclausurados... Nas pinceladas Em movimentos. ***
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Mulher, o fenômeno Por Conceição Lima
(A propósito do Dia Internacional da Mulher – 08 de março – de 2022) No projeto bíblico da criação, Ela foi nada mais que um plano B: A companheira do homem... Mas... quando da paradisíaca expulsão, Somente ela é que arcou Com o ônus da maldição! Durante trilênios... Permaneceu totalmente obscura, Ignorada, esquecida... Sumariamente banida De toda e qualquer memória (Exceto algumas figuras, Divindades ou Deusas-Rainhas, Que nos legou a História). Em tempos mais recentes, Num faz-de-conta cor-de-rosa, Fez-se musa venerada, Cantada em verso e em prosa, No ideário da Poesia! Mas, na realidade concreta, A liberdade não lhe pertencia, Nenhuma escolha lhe cabia, Aliás, sequer podia Simplesmente opinar... Muito menos decidir... ou comandar... Guerreira, sim, foi à luta, A buscar cidadania, A conquistar soberania, Educação... Mercado de trabalho... Dizem até que conseguiu!... “Mulher é bicho esquisito, Todo mês sangra...” Apesar dos pesares, Pouco ou nada mudou! Tudo permanece igual: A sangria, 6 Revista Ponto & Vírgula Janeiro/Fevereiro/Março 2022
A masculina hipocrisia, A escancarada dominação E a velada submissão! Frágil, bela e cobiçada, Continua relegada, Espancada... Estuprada... Assassinada... Proibida de tantas coisas, Praticamente “escravizada” Nos cantos e recantos deste Planeta... E nada se “vê” ou se faz! Ah! O fenômeno mulher! A que abriga, Sustenta e transporta A vida em eclosão... A que serve E acolhe E cuida, Imersa em seu servir, Sem ainda se dar conta Do seu imenso poder, Já que o humano feto Só a ela cabe parir! Ah! E se ela não mais quisesse, Se ela não aceitasse, Se se rebelasse E dissesse: “Não!”?... Ah! Como sustentar o fluxo da vida? Como povoar a face da Terra? “Por isso, não provoque, É cor-de-rosa-choque!” Um mortal choque... Portanto, não provoque!... ***
Cansei de esperar a pandemia passar Por Adriano Roberto Pelá
um delicioso passeio pela cultura brasileira. Parabéns, Adriano, suas histórias são brejeiras, bem brasileiras, que você transformou em literatura. Orgulho de você! Sucesso!!!!” C.F. Comentário de Irene Coimbra: "Quando Adriano Pelá aprendeu a ler e escrever, muitas vezes errou, com certeza , assim como toda criança, mas foi corrigido e acabou aprendendo. O mesmo aconteceu quando se despertou para a Literatura. Muitas vezes quis dizer uma coisa e saiu outra. Foi corrigido e aprendeu. Enfrentou os tropeços e as dificuldades com paciência e tenacidade e isso o levou a aperfeiçoar na arte de escrever. O resultado aqui está: “Escritos Esparsos”, seu primeiro livro! Nele, Adriano apresenta textos e poemas que nos encantam! 'Escritos Esparsos', é um presente que o autor oferece aos corações sensíveis. Espero que gostem de lê-lo, tanto quanto eu gostei." I.C. Comentário de Cecília Figueiredo: “Terminei hoje a leitura do primeiro livro de Adriano Pelá. Publicado pela FUNPEC, em 2019, traz o prefácio amoroso e certeiro da nossa amada Heloísa Martins Alves e da nossa inspiradora Irene Coimbra na orelha da capa. Fui me surpreendendo a cada página, a cada conto, a cada narrativa, Adriano Roberto mostrou-se sensível à temas como cuidados com o meio ambiente, adequações sociais e até um certo bom humor em sua narrativa. Tem um vasto vocabulário, trata com perfeição seus valores de família, trabalho, enfim, um livro de contos, crônicas e poesias que retrata o caldo cultural de nossa época. Destaco aqui o conto 2675 D.C. que trata da figueira branca, a despoluidora de rios, bastante esclarecedor. Recomendo ESCRITOS ESPARSOS por Adriano Pelá,
Cansei de esperar a pandemia passar por isso lanço-o, através desta revista. Os amigos que quiserem adquiri-lo poderão acessar meu e-mail: adrianorpela@gmail.com ou telefone/WhatsApp (16) 99994-1053. O comprador receberá dois exemplares do livro: um com dedicatória e o outro para doação a terceiros. Valor total a pagar = R$33,00 (R$25,00 dos dois livros mais despesa postal de R$8,00). Poderão fazer depósito no Banco Santander, Ag: 257 – C/C: 01009393-9, em meu nome. Quando for possível, farei lançamento presencial. ***
Poeta em Destaque: Maria Alice Ferreira da Rosa Se Se você surgisse como o sol dos meus dias, trazendo luz e calor para aquecer minha alma, eu poderia enxergar então uma realidade melhor, mas você não surge, ah, meu amor, você não surge. Se você voasse comigo para outros mundos, juntos conheceríamos a verdadeira felicidade e nunca mais ficaríamos separados, mas você não voa comigo, meu amor, não voa. Se você quisesse ser para sempre meu amor e andarmos todos nossos caminhos de mãos dadas, eu te cobriria de beijos e carinhos sempre, mas você não quer, meu amor, você não quer. Se você chegasse na minha noite de insônia e me desse todo carinho até me adormecer, colocaria cores e alegrias nos meus sonhos, mas você não chega, meu amor, você não chega. Se você viesse navegar comigo no meu barco, eu te contaria todas as histórias das sereias e te falaria o nome de todas as estrelas nas noites, mas você não vem, meu amor, você não vem.
Assim sou eu Não olhe assim para mim: Sou apenas uma mulher do século vinte e um. Eu que faço acontecer que passeio em rua coberta que cozinho em micro-ondas, sou apenas uma mulher. Que trabalho, luto e vivo plenamente em minha época. Faço poesia no computador; ando na corda bamba da vida, mas preciso de você comigo. Você é meu solo, minha luz, minha água. Não tenha receios de mim: abandone-se a meu lado – sem medo, tal como se fosse uma orquídea, não sou parasita – sou epífita. ***
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Haicais Caiu uma gota com mais força outras vêm começa a chover
São fortes as cores das asas das borboletas - flores a voar
Canto de pássaro Saudade da liberdade Maldita gaiola
No meio da noite Quebrando o silêncio Pia a coruja
Nuvem ligeira esconde o sol ardente: tarde de verão
Cintila na noite Riscando a escuridão - lindo vagalume
Corre uma lágrima Na delicada pétala: É a chuva na flor Imagem: JoyceMcCown
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Piano para um menino secreto Por Perce Polegatto
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uando ainda não percebia tais diferenças, ao fim das aulas, costumava desviar-me do caminho de volta, sem que ninguém soubesse. Passava por uma casa cuja cerca de grades isolava um jardim bem arranjado e de onde se via a ampla janela da sala, vidros revelando cortinas opacas que não permitiam à visão ir além de sua cor amena, discreta e hostil. Desnecessário o aviso – NÃO ULTRAPASSE – próximo à gárgula do portão: toda a fachada repetia, por si só, uma mensagem semelhante, no silêncio de qualquer idioma. Eu deitava cuidadosamente a bicicleta, sentava-me no degrau do portão, fingia estar estudando, e deixava-me ficar ali para ouvir o que de mais belo e mágico conhecera até então em minha curta vida: o piano. Por vezes, tão suave que poderia acompanhá-la o fim da tarde, outras vezes deslizando velozmente sobre minúsculos diamantes, a música fluía daquele cubo envidraçado, sem que o pianista, quem fosse (como na fábula oriental o avarento franqueava ao mendigo a fumaça de seu assado e
lhe acrescentava como donativo o tilintar de suas moedas), imaginasse ofertar ao menino encantado o que a outros cobrava em dinheiro e custava sua casa com jardins, sobre sólidos pilares de segurança. Eu ficava ali, ouvindo o piano, clandestinamente. O resultado dessa beleza, após séculos de sonho e tragédia entre as biografias, modificava minha tarde e minha vida, antes que eu desmistificasse também, com a curiosidade dos adultos, aquelas fascinantes composições, maculando-as por conhecer-lhes o nome e o número, o autor e sua escola. Mas eu ficava ali, sob a gárgula e o aviso obsoleto, junto ao jardim proibido e ante os vidros que davam para outro mundo, desejando que aquelas melodias durassem sempre e fossem a minha vida. Se, de um lado, as cortinas delimitavam minha ansiosa visão, os sinos e os cristais que o piano punha ao vento lançavam-me a ultrapassar os limites das diferenças, o estigma das distâncias, o artista e o seu ouvinte secreto, sentado no degrau do abismo. Trecho de “A conspiração dos felizes”
Poetas em Destaque Cláudia A. Biagini
Ely Vieitez Lisboa
Meu Deus
Mini Poema
Cláudia Andréa Biagini
Ely Vieitez Lisboa
Foge de meu raciocínio tanto declínio de um ser que se diz humano, mas cujo poder e ganância desprezam vidas com tamanha arrogância. "Que Deus ilumine o coração de todos"
Eu, mulher de barro e estrelas, procuro-te no imenso céu anilado e o Universo infindo/silêncio. Calado. Fica proibido amar, ser feliz. Só os que são eternos, a lei diz. Todos os outros sofrem, dilaceram-se. Revogam-se as disposições em contrário.
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A segunda edição do passeio literário Por José Lourenço Alves
F
oi na manhã do domingo 14 de novembro de 2021, a partir dos versos de A Praça do Barão, de Jonas Deocleciano Ribeiro, do seu livro “Quando as flores vão caindo...” (1970). Detalhe: vimos no livro a dedicatória do autor, então com 90 anos de idade, e soubemos um pouco da sua biografia. Na Praça Nossa Senhora da Conceição, sob o caramanchão nas proximidades da Fonte Luminosa, ouvimos o texto Quase, de Jane Mahalem, do seu livro “Sagrado Vazio” (2019). Um momento de reflexões... Inclusive a respeito das fachadas tombadas daquele pedaço do centro da cidade. À sombra de uma frondosa Cambuí, ainda na Praça, reflexões sobre tempo e espaço, na prosa de A Igreja Matriz, de Luiz Cruz de Oliveira, do seu livro “Minha aldeia” (2017). Recordamos suas pesquisas da literatura francana e a dificuldade que ele teve de levantar a biografia de alguns escritores, em meio a tantos e de tanta qualidade por aqui existentes. Foi o caso de João de Oliveira, de quem ouvimos os versos de Franca!, publicado no jornal Comércio da Franca, edição especial do centenário de emancipação política da cidade, em 1956. Ainda à sombra, sobre o livro “Diário de Bitita”, de Carolina Maria de Jesus, tivemos a encenação de Flávia Mildres. Ouvimos que Carolina morou em Franca e ouvimos sobre três mulheres essenciais na vida de Carolina: a madrinha, a benemérita e a professora. Tocou o sino – um espetáculo musical. Depois, ouvimos sobre uma quarta mulher reverenciada por Carolina, na encenação de Janaína Santos. Íamos seguir o passeio quando fomos presenteados com a presença de Luiz Cruz de Oliveira e da professora e escritora Regina Bastianini. Que coincidência boa e que alegria vermos o autor comentar o seu texto, recordando que naquele espaço da praça o tempo se encarregara de transformar um cemitério em fonte luminosa. Passamos pelos retratos laterais da Casa da Cultura e do Artista Francano Abdias do Nascimento e paramos na Praça Carlos Pacheco para observarmos a fachada principal da Casa da Cultura, o inte10 Revista Ponto & Vírgula Janeiro/Fevereiro/Março 2022
ressante diálogo entre antigo e moderno, os símbolos da cidade e o rosto de Regina Duarte, nascida na casa que havia por ali. Falamos de se reconhecer a importância cultural de Regina Duarte, e tendo em mãos “O genocídio do negro brasileiro” (2016), livro clássico de Abdias, ouvimos sobre a luta desse grande francano contra as injustiças, as perseguições que por isso ele sofreu, e a justiça (e inteligência) de removermos o sectarismo no trato do patrimônio histórico e cultural da cidade. Dos feitos de Abdias, ouvimos alguns trechos sobre a razão de ser do Teatro Experimental do Negro. No cemitério, a caminho do mausoléu do poeta Ygino Rodrigues, falecido aos 34 anos em 1907, passamos pelos túmulos das Treze Almas e de Maria Conceição Leite de Barros. No mausoléu, à vista do livro “Ygino Rodrigues – o poeta da pinta preta”, do saudoso aefeelista Carlos Alberto Bastos de Matos, ouvimos um pouco da biografia do poeta e o vimos, na declamação de Ramon Mocambo. Encerramos na Praça Carlos Pacheco com a leitura da prosa provocante de Fechar os Olhos para Ver a Luz, de Josaphat Guimarães França, do seu livro “O sonho do semeador” (2003); e com broas de milho, deliciadas por todes entre comentários a respeito da poesia de mais uma edição do passeio pela literatura francana que este narrador teve a grata satisfação de idealizar e apresentar. José Lourenço Alves é o atual presidente da Academia Francana de Letras, a AFL. Promotor de Justiça por 27 anos, especialista em inteligência de segurança pública, mestre em desenvolvimento regional e doutor em promoção de saúde. Pesquisa temas como poder, violência e drogas de modo propositivo, comprometido com a qualidade de vida. Também gosta de se expressar em prosa, versos e canções. Crê que Deus se manifesta no respeito, tolerância e solidariedade ***
CANTINHO LITERÁRIO Por JC
Bridon & Arlete Trentini
Studio Cine Foto Mary
Viajante JC Bridon
Uma dor Arlete Trentini dos Santos
Sou um viajante de sonhos não tenho fronteiras que consigam atar meus versos e sentimentos.
Sei lá o que está acontecendo. Uma dor imensa assola meu coração. Não é uma dor qualquer. Não rima com a minha alma de mulher.
Sou dos que viajam livres através de pensamentos sem fim levando-me a lugares estranhos onde nunca pus meus pés lá.
Estou ferida, machucada. Isso pode parecer um quase nada. Por vezes, fico assim, muda, calada. Me sinto agora fragilizada.
Nada me impede de viajar horizontes sem fim na busca incessante de meu lugar conquistar.
Não estou mais construindo castelos com as pedras atiradas. Elas estão me sufocando, me sepultando acordada.
Sou daqui Sou dacolá Sou de todo lugar onde meus versos encantados almejam me levar.
Daqui não enxergo mais nada. Este túnel parece sem fim. E me pergunto: o que será de mim? Estou à procura de paz, quero viver sossegada. Do livro: Alinhavando Poesia
Foto: Karsten Würth
Do livro: Lembranças
Janeiro/Fevereiro/Março 2022 Revista Ponto & Vírgula 11
Maicro + Zé Baiano
Por José Antônio de Azevedo
D
esincorporando Maicro e Zé Baiano, cada um deles revive para contar a história metaforizada de Ícaro, engendrada à maneira de um filme passando na tela da mente. De entrada na sua história, Maicro, agora desvinculado, é um idoso de semblante mirrado, porte alquebrado, mas persistente e determinado, que diz ter lá suas vantagens ser um idoso bisa. Uma delas é a transparência. [...] Quanto mais velho, mais transparente fico, pois chego a parecer invisível. Ninguém percebe a minha presença. Lutando para ter uma vida com qualidade, o meu terapeuta ontem me disse: - Senhor Maicro, só há dois caminhos para o senhor trilhar: um é continuar cada vez mais velho e o outro é pior... Ao que lhe respondi: - Prefiro continuar envelhecendo e aceitar cada dia da minha vida doravante como uma grande vitória e uma alegre eternidade. O meu coração está fibrilando, as minhas articulações degenerando e os meus movimentos diminuindo, porém, mentalmente concebo o coração como sede de sentimentos, emoções e amor, as articulações como a mola propulsora das minhas caminhadas, e os movimentos, vou administrando como posso. Neste mundo moderno, tecnologicamente desenvolvido, e dentro da economia de mercado globalizado, vivia eu no passado com uma prole de
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mulher e filho numa cidadezinha mineira com uma população quase só de caboclos matutos. Naquele município caipira brotava meu filho, Joaquim. Éramos uma família bem constituída de pai, mãe e filho. Meu filho era um garotão forte e sadio nascido sob o signo de Hipnos. Eu era um matuto vistoso, resistente, com aparência simpática, conforme diziam, trabalhador e portador de bom caráter. A mãe era mulher prestimosa e boa dona de casa, fazendo jus ao seu nome de linda flor. O triunvirato familiar era modelo de trabalhadores rurais para aquela gente sofrida da roça. Exponho, assim, o meu princípio de vida com o objetivo de defender os idosos, cujo sofrimento após perderem a força do trabalho observava. Sem uma aposentadoria digna, foram abandonados, não só pela indiferença da sociedade como pelo descaso do governo e ingratidão dos familiares. Vi infelizes velhos debilitados se depauperarem pela solidão e falta de reconhecimento dos amigos e parentes, o que os leva à ansiedade, passa pela solidão, fazendo-os desembarcar na miséria, sem forças para trabalhar e sem recursos para viver. Seu sorriso, muitas vezes, está ocultando a lágrima sentida que traz retida, a chaga que o coração está dilacerando. de uma ingratidão que nunca foi esquecida. Texto do livro “Comendo Fogo e Cuspindo Cinzas” de José Antônio de Azevedo – Págs. 83/84.
Poetas em Destaque Cecilia Figueiredo
Idemar de Souza
Luzia M. Granato
Nely C. de Mello
Deu-me Deus
Nossas Vidas - XIV
Cecilia Figueiredo
Idemar de Souza
Deu-me Deus o que mais necessitei a palavra contida em livros vários, e também a noite, nem sempre escura, mas obviamente calada. Mais que uma irmã tem sido a palavra, mais que uma ama de leite, a que produz e reparte. Do que mais necessitei, deu-me Deus o luxo e o básico. Escrita a palavra, escrita está a alma.
Que mulher, Deus me levou! Ele sabe o que faz... Mas haverá de dar-me muita fé, muita esperança... Lá se foram, tristemente, os meus dias de bonança no amor! E qual será a boa nova que me traz?
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Há tempo cresceu o meu Cravinho... hoje, é um moço! Por um desejo ardente e pela fé me inspira a natureza em pouco serei avô, se vivo estiver... e a infinita beleza do amor, mais uma vez, ressurgirá, feito um poço de alegria... E a notícia chega, que me deixa absorto. Cravinho, em setembro, será pai duma borboletinha azul, adornada com pontinhos cor de rosa... parecida com a avó. Tinha de ser! Uma dengosa princesinha... Mas, nefasta surpresa vicejara: nascera, já sem vida, a pequenina. Nada mais existe... sou um homem morto! ***
Seus olhos são estrelas
Depois da chuva
Luzia Madelana Granato
Nely Cyrino de Mello
Seu olhar, me seduz. Reluz meu coração. Tem tanto querer... Por dias e noites vivo sem você, e espero. Agora está nas suas mãos, nosso destino de amar em paz.
Barquinhos de papel na enxurrada. Chapinhar nos poços d’água. Cobrir o pé com barro e tirar devagarinho pro forninho não desabar. Crianças, agora, mesmo pequenas, que pena! Nem olham para fora (só no celular) Não sabem brincar.
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História da Língua Portuguesa
Texto pela Profa. Dra. Amini Boainain Hauy / Livro de Segismundo Spina
A História da Língua Portuguesa, organizada pelo Professor Emérito da USP, titular de Filologia e Língua Portuguesa, Segismundo Spina, em coautoria com docentes da Universidade, especialistas na matéria, é um legado linguístico-literário de grande relevância. A obra, dividida em seis capítulos, articulados em um eixo central, estuda a história do idioma desde o século XII até o século XX, em paralelo com as tendências literárias de cada época. São coautores: - Amini Boainain Hauy – Séculos XII, XIII e XIV - Dulce de F. Paiva - Século XV e meados do séc. XVI - Segismundo Spina - Segunda metade do séc. XVI e XVII - Rolando Morel Pinto – Século XVIII - Nilce Sant’Anna Martins – Século XIX - Edith Pimentel Pinto – Século XX ***
A casinha
Por Mário Chamie
A
casinha estava para ruir. Em 1979, abril, estive em Brodowski. Minha incumbência era vistoriar a casa de Portinari, um pequeno museu da cidade e os painéis do pintor em paredes da igreja-capela. Na época, eu preparava um plano de restauração de bens culturais do Estado de São Paulo. Fui convidado, para isso, pela Secretaria de Cultura do Estado. A casinha estava uma lástima. Com jeito de pau-a-pique, embora fosse de alvenaria, trazia rachaduras que lembravam riscos nervosos de relâmpagos. Uma aparência penosa de superfícies puídas, rotas, esfareladas. Os painéis que acolhiam as trincas eram tão desbotados, que só a fantasia poderia distinguir suas cores originais. A casinha era uma choça, uma tapera de tijolo com o descuido da indigência sonolenta a que as aranhas, nos recantos e ângulos do 14 Revista Ponto & Vírgula Janeiro/Fevereiro/Março 2022
teto, prestavam a sua homenagem no tear de sua paciente lentidão metafísica. O casebre desmanchava-se em suas portas e janelas. Roídas por cupins, apodrecidas em fechaduras e molas, permanecia fechada a maior parte do tempo, em nome do deteriorado sono letárgico do abandono. Quando o zelador, abúlico e compassado, abriu janelas e portas, aos meus olhos tontos de sombra e ávidos de luz, a umidade do mofo tomou conta de minhas narinas, e pude respirar a fuligem do desuso e o ópio do catre lacrado daquela valiosa espelunca. Os óleos sobre tela não escapavam à modorra do descuido. Molduras envergadas pelo calor dos dias e das noites descolavam-se de quadros esmaecidos, cheios de manchas, dobras e rugas impossíveis. Já na época não eram muitos os óleos dados
cado que prefere uma tela intacta a vários quadros rotos ou feridos de danificações. Não tenha dúvida: o mercado é o sonho cínico e supremo dos larápios de alto coturno. Por isso, por mais estapafúrdio que pareça, digo-lhe o seguinte: - Quem sabe a tela “Santa Cecília”, de Portinari, não venha a ter no seu furto de agora a última chance de sua sobrevivência preservada de amanhã? Houve um taquicárdico resmungo do outro lado da linha telefônica. Uma espécie de muxoxo enfezado, em meio aos seus lapsos de sílabas, antecedeu o brusco rompimento de nossa comunicação. O que me leva a supor que o meu amigo, entregue a alguma ira incontida, bateu-me o telefone sem se despedir, envenenado pela minha incômoda e franca resposta. Do livro NEONARRATIVAS – breves e longas – de Mario Chamie Publicado pela FUNPEC/Edito ra/2011. A reprodução do texto original tem a autorização do Editor Chefe Prof. Dr. Francisco A. Moura Duarte, grande mecenas da Cultura, a quem agradecemos pelo apoio de sempre.
Foto: Guilherme Oliveira
a ver. Dois ou três na tapera. Um ou dois na igreja matriz. Todos na mesma trilha do descalabro. Nesta meio-madrugada, em que faço minhas anotações, um amigo meu, tocado de escândalo, me telefona: - Você viu? Roubaram o quadro “Santa Cecília”, de Portinari, lá me Brodoswski. - Não diga! – respondi – Quer dizer que a luta entre os bandoleiros do furto e os bandoleiros das traças continua? - Como assim? - Ora, não é de hoje que surrupiam e estragam obras de Portinari, em sua graciosa cidadezinha natal. Este quadro que o pintor criou aos 18 anos de idade deve ser o último óleo seu que lá desparece. Com certeza esteva entregue à festa dos ácaros, a exemplo de outros já roubados. Que diferença faz para uma obra de arte estar nas mãos dos amigos das traças ou nas mãos dos amigos do alheio? - Mas, é óbvio que faz diferença – reagiu inquieto. - Uma diferença em termos, - repliquei eu – pelo simples motivo de que o ladrão de quadros não se compara com a traça que os destrói. A traça é uma tesoura cega, produzida e afiada pelos seus próprios ácidos pútridos e pelos podres indolentes e generosos do abandono; o ladrão, ao contrário, é movido pelo zelo perverso de preservar para valorizar o produto do seu furto. A traça é alheia a museus, igrejas e bibliotecas e o seu desejo supremo é pulverizar o que ela ataca. O ladrão de obras de arte é também alheio a tudo isso, mas não ao mer-
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O MELHOR DA NATUREZA EM SUA MESA Frutas nacionais e importadas do produtor para sua mesa. Atacado: (16) 3638-7464 Ceagesp (Rod. Anhanguera, KM 322, GPB Box 07& 09) Varejo: (16) 3632-4794 Rua Bernardino de Campos, 621 Email: frutao@superig.com.br Janeiro/Fevereiro/Março 2022 Revista Ponto & Vírgula 15
Poetas em Destaque Maria L. M. Graton
Alceu Bigato
Fernanda R-Mesquita
Joia Rara
Parceria vital
Maria Luzia Misuraca Graton
Alceu Bigato
Há uma sútil singeleza no hábito de tua fortaleza. Teu coração, tua maior riqueza.
Você me aquece nas horas certas e esfria a minha cabeça. Me dá o grito de alerta para que o mal não me aconteça. Você assegura meu emprego. É a razão do meu talento. Você me agita e me dá sossego, tudo de acordo com o momento.
Qual pedra preciosa brilha com mais encantamento? A pérola negra ou, o cristal imantado? De onde vem a areia que forma a pérola rara? Se quem colhe semeia, que semente semeou? Da virtude ou da ambição, das falsas promessas ou falas do coração. Do pensamento egoísta ou a força da união. Para onde vai à aragem que leva tuas vestes, que leva gotas de prata a iluminar o cipreste? Para serração branquejante, que desce dos arranha-céus, para serranias distantes, na noite no negro véu. Vês o teu rosto e o bem que fizeste. Ensinas o bem da vida, o cristal te aparece. Terás riso, não ferida. Terás paz, terás prece. ***
16 Revista Ponto & Vírgula Janeiro/Fevereiro/Março 2022
Você é esposa, mãe e pai. Mulher, rainha e santa. Ensinou-me que o forte não é quem não cai, mas aquele que se levanta. Realmente você faz tudo por mim: transformou meu barraco em lar. Não me ensinou o amor, foi dele que eu vim, mas você me ensinou amar. ***
Os meus poemas Fernanda R-Mesquita Os meus poemas são palavras que correm, são doces sabores, por vezes doce azedume... sentimentos que em mim nascem e não morrem, que deslizam em mim como um queixume! Os meus poemas são tristeza, são alegria, são criança que brinca, chora, mas que não adomece. Sonham na noite o que querem ser de dia... são luz, razão que me conforta e entontece! São maré forte ou o som de um riacho a brincar, alienação que não me deixa dormir, uma lâmpada que não se deixa apagar, uma mão forte que não se cansa de sentir. ***
Foto: Anderson Ottani
Poeta em Destaque: Arthur Gregório Valério
A palmeira A palmeira é óleo que escorre sem cor, dourado eólico, lígio, vívido, lívido, imperial sem vida da vida. Na parede, manchada de aurora, que molha e não molha. E é chegada então a hora, mas não agora. Ainda não, ainda nunca, ainda há tanto, por distração, uma vela que castrada de vento, mas que agora, flutua fogo feito estrela de grama e carne que não conheço, e que não me esqueço, pois afoga ferro no que não diz e guarda, não desejo ou ausência, mas pavor do que não é, e não se tenta.
Poema de cinzas Que é no peito a angústia!? De estar descampado no campo de ontem, quando o amanhã não há e o querer não quer, pois o desejo que falta é a sobra do que fica. Sombra ao lado que inspira a mentira do que não existe, mas imita.
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“O êxtase de Santa Tereza”
Chão de mentira
Um homem caiu sóbrio, pela tarde, do sonho de si mesmo, no colo d’água, de um espelho-avesso, já sem ele, vazio. É a mulher quem esconde a chave, na tumba, sob o rio e, se pela fechadura passa o olhar amigo, entra de mãos dadas o inverno em máscara má e cativante. Pois Um Olho vê o homem e não é sua essa imagem. Não é ele quem se vê, mas aquele que não é visto. Há um retrato, que já vem, que seja! Mas Ela, Ela que É, por detrás, se esconde, “onde?” - me dirás. Não se sabe. Mas se diz que foi ontem quando o sol gemeu e uma estrela menor que o ar lhe arrebentou a claridade, num longo rastro de escuridão, em que tudo ficou claro, e pelo tempo, o encanto ficou raro.
Densa água, sem alma que é matéria-pedra de palmeira-sol. Escuridão que fala, mato que exala um em vão planeta. É palavra outra vez que não há em coisa de nó que não-é. É o fim do mês, da picada de um bicho, porque, sem lamento, aqui jaz verdade vazia que não é mais. ***
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Janeiro/Fevereiro/Março 2022 Revista Ponto & Vírgula 17
Mancha
Por Raquel Naveira
E
stava tão feliz com meu vestido de seda azul-clarinho. Sentindo-me pronta. Na hora de sair, percebi a mancha: pontos de tinta preta num desenho impreciso como marcas de salitre numa parede, sardas de velhice na pele ou gotículas de lama duma poça de água pútrida. Como aconteceu isso? O traje era perfeito, nem fui à festa, nem vi como aconteceu esse acidente. O azul me iluminava, expressava minha alegria de entrar pelas portas desta cidade que amo. Mas houve um pequeno senão. Agora terei que trocar de corpo espiritual, de lavar a veste com sangue e tabletes de anil. O poeta Manuel Bandeira (1886-1968) lançou a teoria do poeta sórdido. Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida. E ele explica: vai um sujeito, o sujeito sai de casa com a roupa de brim branco, bem engomada, e, na primeira esquina, passa um caminhão, salpica-lhe o terno com uma nódoa de lama. O poema deve ser como a nódoa no brim: fazer o leitor se desesperar. A poesia-orvalho, romântica, deve ficar para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens e as amadas sem maldade. É um desabafo de quem não aceitava mais a arte poética tradicional, de quem desejava liberdade artística total, na forma e no conteúdo. Uma poesia
que não falasse apenas do lado belo da vida, mas que causasse impacto, surpresa e levasse o leitor às raias da irritação. Uma poesia que incomodasse e transgredisse as regras. Concordo apenas em parte com Bandeira. Toda poesia tem substrato social. É gesto, atitude, coragem. Mesmo quando o poeta aborda temas como o amor e a natureza, mostra um inconformismo, uma vontade de fugir da realidade, que o indigna e à qual não se submete. O paletó e a calça do poeta eram de brim, um tecido forte, de algodão, próprio de armar tendas no deserto. Minha túnica era de seda fina, agradável ao toque, feita com fios de amoreira. Não tinha ruga, nem mácula, nem coisa semelhante. E agora, como vou me apresentar naquela gloriosa ocasião que sonhei? Terei sido injusta? Preciso acelerar minhas obras, cobrir folhas e folhas com letras e símbolos, retirar desvios e vaidades da caminhada de peregrina. Eis a minha vida, o meu plano, meu mapa de viagem, o que pude entregar até aqui. Talvez a roupa, para revelar meu eu profundo, devesse ser branca, como a daquele sujeito. ***
Mini história
Por Irene Coimbra
E
ra uma guerreira na luta do dia a dia e, em sua luta constante, jamais esmorecia. Estava sempre envolvida com projetos culturais e, convicta, defendia seus ideais. Se sofria uma derrota não se deixava abater, seguia em frente, confiante, certa de que iria vencer. Se esperava ouvir um “Sim” e acabava ouvindo um “Não”, dizia para si mesma: “Aprendi uma lição!” E, com esse pensamento, continuava lutando, certa de que um Anjo a estava acompanhando. 18 Revista Ponto & Vírgula Janeiro/Fevereiro/Março 2022
Agradecia a Deus, por tudo que lhe acontecia, e assim continuava na luta do dia a dia. Pensamentos negativos em sua mente não ficavam, e pessoas pessimistas dela não se aproximavam. Tinha plena certeza de que a vitória estava perto, e que tudo aconteceria no momento certo. E, como ela pensava, tudo aconteceu! A protagonista dessa história? Sou EU!! ***
Poetas Inesquecíveis
Já não choro nem grito
Sombra e luz
Alvim Barbosa Inédito 1955/Rib.Preto/SP
Jugurta de Carvalho Lisboa
Ontem eu chorei porque não tinha roupa para cobrir a fria nudez de meu corpo. Gritei, porque estava perdido no deserto estéril da incompreensão. A areia fez miragens com meu grito e me perdi nas dunas do desespero. Hoje, nada sou, nada tenho, porém já não choro nem grito. O amanhã é bruma de incerteza. O que serei? O que terei? ***
Manhã de agosto. Misto de brisa e vento. Ainda inverno. A Praça, arborizada. Troncos, galhos, folhas, num verde de matizes vários. Por entre frestas oscilantes, os raios de sol a brilhar. Sabiás em melodia entregues ao sabor canoro, gorjeiam em alvorada. No céu, nuvens de carneirinho: ora anjo, ora arcanjo, em mil figuras se transformam. O Pastor no seu relento, ora brisa, ora vento. ***
Poesia Triste Vera Regina Marçallo Gaetani Vi o amor despontar entre os trigais revestidos de ouro. Vi nuvens pretas, carregadas de ódio, despencarem a inveja sobre eles arrasando-os todos. Veio a brisa, muito mansa, embalando o que sobrou, tentando amenizar. Perguntei ao arco-íris onde estavam as sete cores que nunca pude encontrar... O sol, amarelo de medo, desmaiou nos braços das montanhas. Surgiu aquela estrelinha, muito branca, que de tão assustada começou a tremer. Olhei ao meu redor, tão desolada na minha solidão, que soltei todos os brados acorrentados no meu coração. ***
A hora Denise Jacometti Carpenter Não sei a hora, mas sei que uma há. Atrase-a Deus. Chame a alma embora. Escrevi meu verso à beira-mágoa. A que porto encoberto aportará? Voltará do azar incerto? Só tu, Senhor, me faz viver... Guardar o corpo e o futuro, sonho breve e escuro, sonho anônimo e disperso, confuso como o universo. Torna-me a vontade esperança, o sonho inverso. ***
Janeiro/Fevereiro/Março 2022 Revista Ponto & Vírgula 19
SARAU DE LANÇAMENTO
57a. REVISTA PONTO & VÍRGULA FOTOS POR NATAN FERRARO
Perce Polegatto, Nely Cyrino, Marly Marchetti, Luzia Graton, Maris Ester, Idemar de Souza, Adriano Pelá, Alciony Menegaz, Arthur Gregório e Maria Júlia Maffeis
Cláudia Said, Irene Coimbra e Dr. Odilon Iannetta
Rosemary, Marco Valério, Arthur Gregório e Lara Micali
Arthur Gregório, Lara Micali, Irene Coimbra, Maris Ester, Rosângela e Roberto Micali
Wagner Pavão, Leiliane Coimbra, Maria Júlia Maffeis e Marta Rodrigues
20 Revista Ponto & Vírgula Janeiro/Fevereiro/Março 2022
Prof. Francisco de Moura Duarte, Irene Coimbra e Alexandre Duarte
Maria Alice Ferreira da Rosa, Irene Coimbra, Marly Marchetti e Maria Luzia M. Graton
Alice Valadares, Luiz Fernando Valadares, Irene Coimbra, Helena Agostino e Alciony Menegaz
Lucimara de S. Gomes, Irene Coimbra e Kennedy O. Gomes
Tatiane Melo, Irene Coimbra e Rodrigo L. Ferreira
Nilza Pelá, Irene Coimbra e Adriano Pelá
Cecília Figueiredo e Irene Coimbra
Hamilton, Hamilton, Jorginho, Jorginho, Nicholas, Nicholas, Ed Ed Lemos Lemos ee Vinícius Vinícius Janeiro/Fevereiro/Março 2022 Revista Ponto & Vírgula 21
PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DE LIVROS, OBRAS DE ARTE E MODA VINTAGE NO ESPAÇO ZAVAGLIA Fotos por Natan Ferraro
Alexandre Duarte
Maria Helena Zeotti
Irene Coimbra e Perce Polegatto
Maria Luzia M. Graton
Quadros de Licia Vallim
Lara e Rosângela Micali
Miguel Angelo
Fernanda Ripamonte e Sérgio Zavaglia
Quadros de Nice Forti
Ed Lemos, Miliane Pucci, Jorginho Carvalho e Giba do Pandeiro
Arthur Gregório Valério
22 Revista Ponto & Vírgula Janeiro/Fevereiro/Março 2022
Carla Barizza
Simone Neves
Cláudia A. Biagini
Arte Sacra de Anete Sabioni
Janeiro/Fevereiro/Março 2022 Revista Ponto & Vírgula 23
E U D ES TA Q EM FO TO
Foto: Aline Cláudio 24 Revista Ponto & Vírgula Janeiro/Fevereiro/Março 2022