Revista Ponto & Vírgula - Edição 56 - Julho/Agosto/Setembro 2021

Jul/Ago/Set 2021 Ano 9 | Edição 56 R$10,00

PONT & VÍR ULA

ARTHUR GREGÓRIO VALÉRIO No fim, são os fins, e nunca se acaba a vista no abismo de ser nada.

2 Revista Ponto & Vírgula Julho/Agosto/Setembro 2021

ÍNDICE JULHO/AGOSTO/SETEMBRO 2021 Pág. 1 Arthur Gregório Valério Pág. 2 Publicidade Pág. 3 Índice, Editorial e Expediente Págs. 4 - 8 Matéria de Capa Págs. 9 - 10 Perguntas para que possamos refletir... - José Antônio de Azevedo / Poetas em destaque Pág. 11 Cantinho Literário de Bridon e Arlete Pág. 12 Poetas em Destaque Pág. 13 Nasce um poeta - Antonio Carlos Tórtoro Pandêmicos - Adriano R. F. Pela Pág. 14 Poetas em destaque Pág. 15 Minha jangada vai pro mar… - Perce Polegatto Diálogo - Ithamar Vugman Pág. 16 Mini poemas & trovas Pág. 17 O mundo oculto - Sérgio Roxo da Fonseca Pág. 18 Gentil solapé - Fernando de Oliveira Cláudio Pág. 19 Artista plástica em destaque - Licia Vallim Pág. 20 O frio - Raquel Naveira Pág. 21 50 anos falando sozinho - Francisco A. de Moura Duarte Pág. 22 Apoio Pág. 23 Publicidade Pág. 24 Foto em Destaque - Aline Cláudio

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Editorial

021! Segundo semestre! O tempo voa e a pandemia coronavírus, embora com menos mortes e menos restrições, continua! Vacinas continuam sendo aplicadas, pelo mundo inteiro!

Quando acabará tudo isso? Só Deus sabe!

O que sabemos é que poetas, escritores, músicos e artistas, com sua nobre missão, conFoto: Fernando O. Claudio tinuam alimentando almas famintas!

E, nesta edição, é com imensa alegria que destacamos um jovem “alimentador de almas”: Arthur Gregório Valério!

Arthur, 21 anos, mente privilegiada, amante da Filosofia, é aluno do curso de Medicina da Universidade de Araraquara (UNIARA), membro efetivo das Ligas Acadêmicas de Psiquiatria (LASMEP) e de Neurologia e Neurocirurgia (LANNC).

Em São Carlos, sua cidade, é membro do NSI (Núcleo de Saúde Integrativo) que reúne profissionais da Medicina, Psicologia e áreas afins. Tem formação em Psicoterapia Humanista Existencial (Petrus e Pontes-concluída em 2021) e atualmente frequenta cursos na Associação Brasileira de Daseinsanalyse (ABD) e no Instituto Dasein, sobre os temas Psiquiatria, Filosofia da Existência e Fenomenologia.

Arthur Gregório Valério é autor das obras O Retrato (2019), Um Breve Ensaio Sobre O Jardim (2021) e Dignidade e Tragédia (setembro 2021 – arte da capa de Lícia Vallim), uma reunião de ensaios filosóficos e aforismos em busca do conceito de dignidade e da verdade da condição humana.

Irá conhecê-lo, um pouco mais, nas páginas seguintes!

Ao Arthur, toda nossa admiração pelo grande ser humano que é!

A você leitor/a, uma boa viagem pelas páginas da nossa “Ponto & Vírgula” e o convite para juntar-se a nós, sendo mais um de nossos assinantes!

Irene Coimbra Editora

EXPEDIENTE Direção Geral: Irene Coimbra de Oliveira Cláudio - irene.pontoevirgula@gmail.com Edição: Ponto & Vírgula Editora e Promotora de Eventos | Diagramação: Aline Cláudio Impressão: Ribergráfica - A Cor da Qualidade | Fotos de Capa e Matéria: Anderson Ottani Anuncie na Revista Ponto & Vírgula. Associe sua marca à Educação e Cultura! Mídias: Impressa, Digital e Audiovisual.

Publicidade e Venda: Irene – (16) 3626-5573 / WhatsApp: (16) 98104-0032 Tiragem: 1 mil exemplares impressos Os artigos assinados são de responsabilidade do autor. A opinião da revista éJulho/Agosto/Setembro expressa em editorial.

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RETRATO (Um ensaio autobiográfico)

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que sou? Bem, já desisti de saber. Talvez quem saiba é você. Aponto para minha puerícia, para minha mocidade recém-finada, mas o que sei de mim? Nada, aliás, não importa, você saberá mais do que eu no final das contas.

Não fui criança, já nasci assim, com vinte e poucos anos. Quero dizer, fui uma criança de olhos tristes e piedosos, mas será isto ainda ser criança? Olhos que enxergam tudo naqueles azuis e naquela paixão pelo roxo não são olhos de criança. O único problema realmente digno de nota aqui está em que: quando digo que não fui criança, você pensa que eu sempre soube das coisas, mas já disse, não sei sequer

"NÃO FUI CRIANÇA, NÃO SOU MOÇO, E TAMBÉM NÃO SEREI VELHO." o que sou, tão pouco nasci sabendo e desaprendi.

Para resolver tal problema caro e caprichoso, posso assegurar em alto e bom tom que só existem dois tipos de homens no mundo: os que sabem e os que sentem. Não fui criança, não sou moço, e também 4 Revista Ponto & Vírgula Julho/Agosto/Setembro 2021

não serei velho, a razão disso é simples: faço parte do segundo grupo. Garanto, há homens que sabem e homens que sentem. Porém, não há como reunir, a título de práxis, os poetas em uma cerca, e no outro pasto colocarmos os cientistas, como você deve ter pensado. É claro que os poetas sentem, assim como os filósofos (pelo mais estranho que pareça toda filosofia começa naquela velha e doce melancolia da assimetria com o mundo), e é claro também que os cientistas e os homens da lei pensam e não sentem, mas o que é um poeta e o que é um homem da lei?

O poeta é um homem, o médico é um homem, e o juiz também, logo, caberia melhor nos indagarmos: que é um homem? Eu vos respondo sem pensar duas vezes: o homem é nada.

Você se espanta? Eu não... Só posso garantir que existem homens que sabem e homens que sentem, pois a palavra “homem” em si, deve ser o termo como para tudo que o ente assim chamado possa ser. Há homens que sabem e homens que sentem, há homens bons e homens maus, há homens de suma

importância, e outros que passam despercebidos, mas que é o homem? Eu sou um homem que sente.

Um cientista, um médico, também pode e deveria ser um homem que sente, mesmo que, para tal, ele deixe um pouco de lado o cientista. Foi precisamente isto o que fiz, de que vale um médico que não sente? Fui uma criança de olhos tristes e piedosos, que enxergavam tudo em azuis, e com uma paixão exagerada pelo roxo. Sou um homem que sente. O homem que sente, diferente do homem que sabe, nunca foi criança, nunca é moço e nunca será velho, isto porque os homens que sabem só podem pensar sempre uma coisa de cada vez. O homem que sabe não pode crer que dois e dois são quatro, e que dois e dois são três. Para ele as verdades se excluem para se chegar em uma única, final, definitiva. Em suma, o homem que sabe coloca sempre um ponto final, e se as coisas mudam, ele apaga tudo que sabe, e começa outro texto. Já o homem que sente não trabalha com esse tipo de pontuação mesquinha, ele não sabe de nada, mas sente tudo, ele prefere as reticências, vive e morre sem concluir nada sobre a vida, pois quando sente uma coisa não é necessário que exclua a outra. Ele morre ambíguo, experimenta as coisas, o que diz delas não coloca um ponto final, ele só conhece as reticências.

Ademais, os poetas, homens que sentem, os filósofos, homens que sentem, e os médicos, homens que deveriam sentir, são, no mais, aqueles seres mais desconcertados e inconclusos do mundo. Eu, no caso, decidi participar das três categorias, e por isso dediquei minha vida a ser poeta, médico, e quem sabe (se o mundo me coroar como tal), filósofo. Mas ainda é cedo, preciso explicar porque me decidi assim e não de outro modo. A resposta é simples: pois um homem que sente nunca se decide por uma coisa só. O sentir, aliás, nunca admite ser “uma coisa só” a colocar um ponto final no texto, diferentemente do saber. O homem que sente nunca foi criança, nem moço, nem velho, e morrerá com tantas e quantas contradições e palavras não ditas, a ponto de não conseguirem lacrar seu túmulo, e lá, depois, no além-túmulo, ele irá ruminar, mastigar, vomitar, embriagar-se sóbrio de sua alma, com tudo que poderia ter dito, e com as sobras do que

disse se arrependerá e pensará que poderia ter sido melhor, estará condenado a isto, mas quem sabe ganhará os Elisius? O homem que sente geralmente escolhe uma ninfa da floresta ou do mar, apaixona-se, e se ela o ama, ele vive, já se ela não o ama, ele até vive, mas cogita mil desistências e rola no chão.

Eu, por sorte e perseverança, pertenço ao primeiro tipo de homem que sente.

O homem que sente não é criança, pois na infância e na puerícia, tem seu coração atormentado por pensamentos de homens velhos e às vésperas do fim, e também não fica velho, pois quando está lá, às vésperas do fim, sonha como um bebê, se apega a coisas ridículas e sublimes, tenta se enganar, e as vezes consegue, mas quando falha, escreve poemas, dá cores a uma tela em branco, escreve causos e histórias, e assim, desenganado, ele engana a morte, e fica vivo no que sentiu, pintou e escreveu antes da partida.

Contudo, como me demoro! Preciso falar sobre minha vida. Fui um homem que sente, mais precisamente, sentia, quando pequeno, a morte de meus pais, que até hoje estão comigo, o abandono e o nada do mundo, as dores das mães que perdem seus filhotes, e não me conformava com isto (aí é que está a coisa), agonizava, repetia sempre os mesmo sonhos: encontrar o amor, não morrer, quem é que não quer ? Hoje, encontrei o amor, só resta a imortalidade, o que, creio eu, não ficará pendente...

Você ri? Isto é ótimo! Quero faze-lo (a) rir, livremente. Continuo: fui para escola, nunca tímido, fiz amigos, perdi amigos, a vida é também um descami-

"HOJE, ENCONTREI O AMOR, SÓ RESTA A IMORTALIDADE, O QUE, CREIO EU, NÃO FICARÁ PENDENTE..."

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nho, e hoje sinto isto. Nada, absolutamente nada me jar o verde mar da vida, além de que: não existe fé faltou na tenra infância, amor, família, carinho, diver- sem dúvida, Santa Teresinha de Jesus não se viu atorsão, vida, saúde, esperança, mas talvez, justamente mentada pelo raciocínio dos mais áridos materialispor isso, vez ou outra, vez e sempre, me entristecia. tas? Contudo, tenho certeza que ela foi para o Céu.

Você irá pensar: “ele era muito empático”, e é ver- No fim, quero dizer algo muito simples: tive vida dade, mas a questão não é me julgar alguém bom, boa, e temia por perdê-la! Por isso tornei tal vida muito pelo contrário, se me julgares bom ou puro, cheia de melancolia e ocasos tristes. É claro, não se me envergonho, e repudio, não quero tocar nenhum engane, nunca quis trocar minha lida com ninguém, coração com isto, só conto as coisas como foram. minha vida foi boa demais para mim, a vida, no mais Nada me faltou, mas sempre fui triste, infeliz nunca, é boa, por isso, mesmo que a morte só destrua o ser infeliz é outra coisa, o que eu tinha eram doces corpo, perder o corpo já é digno de ódio. ataques de uma felicidade melancólica. Felicidade, Às vezes queria ter menos do que tinha, sentia sim, isto mesmo! É claro, uma felicidade que doía no pena do mundo, pensava na morte, tinha pena... Aspeito, tirava o sono, e não se sabia feliz. Sempre tive sim foi minha infância. Mas a puerícia chegava, e eu, fé em Deus, contudo, uma sempre afeito ao amor, tive coisa é fato, silenciosamente minhas decepções, jamais diria me preparava para o caso traumas, longe disso, mas priCanto d´amor I de Ele não existir e a morte vilégios, sim, privilégios, coisas (Para Lara Dillela Micali) colocar fim a tudo. Esse era e pessoas hoje insignificantes o sentido daquela felicidade que, não por vontade, mas por Jamais de ti melancólica, ter amor e ter efeito colateral, me mostraram estarei eu distante pena do amor, pois um dia, o que era a vida. Nessa época e, apesar do medo, quem sabe, ele morre. Toda me dedicava muito aos estua vida é a vida com seus apesares. minha infância, pode-se dizer, dos, era vaidoso, só admitia Não, não tenhas medo. mesmo que não se resuma a as maiores notas da sala, mas Amo-te até sempre isto, não existiria sem a ideia sempre ficava em segundo ou e, apesar de teres medo, de que a morte é o fim. Sou terceiro lugar, e isso machucanão tenhas medo. ateu? Nunca, jamais o serei! va aquela imagem ridícula que Jamais de ti A questão é outra, só um fiz de mim para compensar estarei distante, coração maduro o suficiente as decepções-privilégios que nem por uma vida, pode sustentar a fé no Criative. Hoje não me importo nem por um instante. dor com certas dúvidas e inmuito se pareço “inteligente” consistências. Dir-se-á que a ou “estudioso”, te garanto que dúvida é uma fraqueza, pois por estar aqui, sendo lido por bem, penso o contrário, creio que aqueles muito você, trata-se de algo muito, muito mais do que o convictos, sobretudo da ausência de Deus, estão em bastante e do que ser “inteligente”. Sou um homem uma situação mui confortável, basta observar sua que sente, e não um cientista, serei um médico que ingênua e doce fé na “na verdade, no homem, e na sente, e não um cientista, e, naturalmente, homens ciência”. No mais, creio em Deus, se por um segun- que sentem são atormentados por coisas que só do não creio, é porque tenho medo e sou melancó- eles ouvem e veem. Então, em 2008, comecei a fazer lico, mas tudo isso ficou para trás, creio em Deus, psicoterapia, e já há treze anos que faço, nunca parei. e prefiro crer precisamente em um Deus que não Não sei você, mas acho incrível falar de mim e de se pode demonstrar pelas maravilhas da ciência. A minha vida, o que pode ser muito baixo e vaidoso, dúvida, ora esta, será um pecado? Pecado seria su- mas não deixa de ser incrível! Sou um homem que cumbir a ela e desistir de Deus, para crer então em sente, e por lei, na puerícia, sentia coisas novas, sem outros tantos e quantos deuses estúpidos como “a deixar de sentir as velhas. verdade, o homem, e a ciência”, quem duvida tem A mocidade chegava então, com a estiagem de medo, mas tem o coração aberto ao ser, quer vele- 2015, muito úmida e abafada. Tinha amigos, e decep6 Revista Ponto & Vírgula Julho/Agosto/Setembro 2021

ções-privilégios. Já não era um dos melhores alunos da sala, havia mudado de escola, tirava notas boas, mas não as melhores da turma, exceto em uma disciplina: a filosofia.

Minha paixão por ela era anormal, ainda é, e sempre o será. É claro que a literatura me chamava atenção, mas escrevia muito pouco nessa época. Ouvia a Jovem Guarda. Já era um velho e um moço. Com dezesseis anos, me dediquei a ler maior parte de obra de Schopenhauer. Até há uns anos antes disso, me afeiçoava com a causa do proletariado, mas agora tudo estava acabado, nem de longe o mundo se resumia a forças produtivas, além de que coisas como o aborto e companhia nunca me agradaram onde então estava eu naqueles anos; com Schopenhauer, aquela doce melancolia que sempre me acompanhara ganhou mais força, e então virei à direita, com cautela, com muita cautela, porém, de onde até hoje não saí. Nesses mesmos anos meus, com a causa dos oprimidos, meu avô desenvolvera um câncer de pele, que parecia inofensivo. Os anos se passaram, a mocidade chegara, e meu avô piorava cada vez mais. Em junho de 2016 iniciaram suas cirurgias, no final, em setembro, ele faleceu por causa de uma infecção adquirida no hospital. Já havia perdido minha avó, mas nunca tinha ouvido um ser humano gritar de dor, agonizar, não suportar mais a vida, de tão miserável e ingrata que ela se tornara.

Além de amar meus avós, e meus pais, e meus tios e ter pena de todos os seres, na época, tinha um namorico que eu decidira terminar. Me senti culpado, você não vai acreditar, mas até meus dezesseis anos eu nunca havia dito não para um ser humano. Não quero entrar em detalhes aqui, creio que minha obra ofereça algo significativo sobre esse assunto.

Por ora, saiba que eu sofri, sofri, como sempre, por algo que qualquer outro na minha situação não sofreria. Meu sofrimento foi sempre tão estúpido e sem razão, que se digo a um companheiro hoje que sofri, e conto minha história, ele ri, como você, mas não importa, sou um homem que sente, tenho poemas e tratados filosóficos a oferecer, sempre tive mãe boa e presente, nunca fui abusado, abandonado, maltratado, mas, também nunca disse não a ninguém, então sofri, e é bom ter sofrido, e é bom que você saiba disso, se quiser saber alguma coisa sobre minha obra, é claro.

Emagreci uns bons quilos, perdera a vontade de muitas coisas,

"MINHA PAIXÃO POR ELA ERA ANORMAL, AINDA É, E SEMPRE O SERÁ."

imagens horrorosas de culpa, sensualidade ferida, e abstinência invadiam os olhos da minh´alma. Nessa época tive ajuda, precisei de fato, de ajuda. Minha mãe, tia, pai, tio, família, meu médico (amigo e mentor), minha psicoterapeuta, meus professores de filosofia e literatura que mesmo sem saber do causo, me diziam: “você tem um dom!” E foi aí então que eu começara a vomitar esse “dom” junto com meus quilos. Em junho de 2017 escrevi meu primeiro poema destinado a uma obra futura, um poema de esperança por dias melhores, em um mês a obra estava pronta, intitulada O Retrato (publicado em 2019, pela editora Compacta), no mês seguinte mais uma obra, Um Breve Ensaio Sobre o Jardim (publicado em 2021, pela editora Compacta). Foi então, com aquele “dom” saltando dos meus olhos, que decidi ser médico. Sofrera demais, por nada, eu sei, não quero que tenham pena de mim, mas sofrera muito mesmo. A filosofia me revelava a pergunta pelo sentido, que era a pergunta pelo sofrimento, e a medicina me daria a resposta.

Ingressei no curso de pré-vestibular da mesma escola em que estudava, e

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acreditem, foi a melhor escolha de minha vida. Conheci o amor, há quase três anos estamos juntos, ela é bela, e me dá a segurança de que preciso para ser poeta, médico, e quem sabe, filósofo. Ingressamos juntos na universidade, ambos cursando medicina, e hoje, cá estou eu.

Além das obras já citadas, sou autor de Dignidade e Tragédia (publicação em setembro de 2021, pela editora Scienza), um tratado filosófico de alguém muito jovem para tal empreendimento, mas o que fazer? As ideias chegam! Sou um homem que sente, e o que é o homem que sente? Um homem de reticências, e o que é um homem?

Coisa alguma. Resta agora saber, e deixo a questão em aberto, que tipo de nada que sente sou eu?

O mais importante não é ser feliz.

O mais importante não é ser feliz.

Nunca o foi.

A vida nunca se tratou de quantos sorrisos se dá num dia ou de quantas lágrimas se derrama no outro.

No fim, são os fins.

Cada estrada arremessa o viajante a outras dez e cada uma dessas a outras cem, para, no final, nunca se tocar o sol.

Mas de que importa não tocar sol?

Se o sol já aquece e já ilumina, mesmo distante, quem precisará de mais?

Se queres ser feliz, esquece-te da felicidade!

Deixa-a dormir, deixa-a para trás, e se achegue ao sol, mesmo que não possa tocá-lo, pois quando perceberes, por esquecimento, serás capaz de amar e de sofrer, e tendo amado e sofrido, irremediavelmente, irás sentir um aconchego estarás no colo materno e depois andarás de mãos dadas com teu amor.

Terás conhecido as estradas e o mundo, as plantações da Espanha, e os castelos da França, terás brindado ao rei sob céu estrelado do Alentejo e serás tu o rei, porque houveste amado tudo que morre, como um homem que conhece seus apesares e então dirás sereno: se já tenho o céu e o sol de que importa ser feliz?

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Poema de esquecer Em um poente triste e pálido, o fogo agora se cala subterrâneo e, num descaminho árido, vejo claro o nada espontâneo.

São teus olhos, vez ou outra, na mesma lembrança nua.

O fogo ascendeu à sepultura.

Esquecia-me da vida e que a lembrança era tua.

Por José Antônio de Azevedo

D

eixo perguntas para que possamos refletir sobre a importância de admitirmos as perdas que acontecem ao longo da nossa

vida.

Lembrem-se: aceitar é saber abraçar a perda e, a partir disto, seguir adiante, priorizando a sua qualidade de vida e a das pessoas que convivem com você, ou em seu entorno: "Admitir perdas informadas pelo mensageiro do Sagrado Coração de Jesus".

A aceitação é uma das fases do processo de luto A aceitação de uma perda ocorre a partir do cerne da pessoa: o seu coração. Aceitar é aderir com o coração. Quem aceita concorda com os fatos. E quando sua dimensão mais profunda concorda com uma perda, em vez de ficar guerreando contra ela, empenha-se em contornar seus efeitos, ou seja, assume o compromisso de fazer o que estiver ao seu alcance para usufruir o bem estar. E nisto reside a diferença entre aceitar e se conformar ou se resignar, porque a aceitação é um processo dinâmico, produtivo e criativo. Quem pensa que aceitar significa sentar e cruzar os braços engana-se.

A aceitação é uma espécie de perdão e, como tal, ela não implica esquecer. Certa vez, em que eu pregava um retiro sobre as quatro modalidades de perdão, uma mulher me pediu que lhe ensinasse a esquecer de acontecimentos do seu passado. Para ela, o perdão genuíno significa não se lembrar mais do ocorrido. Você também pensa assim? Perdão e aceitação não são sinônimos de esquecimentos.

Aceitar não é esquecer as coisas. O ideal é que todos os acontecimentos importantes, sejam eles agradáveis ou não, continuem registrados em nossa memória, mas sem que isto nos cause sofrimento psíquico.

A aceitação é como a cicatriz de uma ferida que não dói mais. Você deve ter tido feridas, cirurgias com pontos ou alguma fratura. Neste momento você consegue tocar o local e não sente dor.

Aceitar é poder tocar naquela situação de perda sem resquícios de dor e de sofrimento. Se as pessoas não tomarem cuidados elas passam a comprar a ideia de que aceitar é algo insensível ou sinal de

Foto: Natan Ferraro

Perguntas para que possamos refletir...

que o ser amado ou coisa que se perdeu não era suficientemente querida. Isto é um erro de compreensão. A influência cultural do luto diante de uma perda, só é uma perda se for acompanhado de muita dor, de aparatos de sofrimento, que possam ser percebidos pelos outros para mostrar que o amor é autêntico. Isso é, não só falso, como também doentio.

Quando você aceita a dor é menor, quando menos se der conta, você vai perceber que a dor, em vez de diminuir, cessa. Afinal, você trabalhou de dentro da sua alma, você concordou, ou seja, envolveu o seu coração. Quando você aceita, admite ou concorda com a perda, você para de querer ficar consertando ou ficar escondendo. E também de ficar mentindo a respeito, visto que a mentira é uma tentativa de mudar os fatos não admitidos.

Além de trazer benefícios para si, a aceitação também traz benefícios para quem está em seu entorno. Você para de abusar "Você trabalhou de da paciência dentro da sua alma, dos outros com assun[...] envolveu o seu tos maçantes coração." do passado.

Quem olhar de fora vai entender que você superou. Seu repertório de assuntos vai dar uma renovada. Aquele discurso vitimista, de derrota, de iludido, de injustiçado vai dar espaço ao discurso de quem quer dar continuidade à vida, apesar das perdas.

Por fim, ao refletir sobre perdas, não podemos deixar de pontuar duas importantes coisas: traços de personalidade e liberdade de escolha.

Um padrão na pessoa com dificuldade para dar o passo da aceitação é a sua tendência a ser inflexível. A coisa tem de ser daquele jeito que ela quer, deseja ou pensa, ou nada feito. Em sua mente, ela tem de ser feliz com aquela pessoa e com mais ninguém neste mundo, com aquele emprego, naquela casa, etc. Esta inflexibilidade psicológica destrói a pessoa. Deixando-a vulnerável a adoecimentos. Ela Julho/Agosto/Setembro 2021 Revista Ponto & Vírgula 9

pode acabar sendo vítima de sua dificuldade em admitir a derrota, as perdas, sua incapacidade de lidar com frustrações e ser contrariada.

E como perda tem a ver com término, você tem todo o direito de bater o pé e dizer que não vai aceitar que perdeu ou que terminou e pronto. Você é livre para assim escolher. Você pode optar por perder seu tempo.

Enquanto poderia investir em novas conquistas, em novas batalhas, você pode ficar insistindo em perdas já declaradas e em términos já efetivados.

Mas se tais perdas e tais términos, não devidamente elaborados, levarem você a uma depressão, ou a um comportamento suicida, isto seria um preço justo a ser pago? Seria algo válido? Ou seria um tipo de escolha mórbida? Suponho que não.

Deixo essas perguntas para que possamos refletir sobre a importância de admitirmos as perdas que acontecem ao longo da nossa vida.

“Lembre-se: aceitar é você saber abraçar a perda e, a partir disto, seguir adiante, priorizando a sua qualidade de vida e a das pessoas que convivem com você, ou em seu entorno” ***

Poetas em Destaque

Alceu Bigato

Idemar de Souza

Para perpetuar o bem

Nossas Vidas – XII

Alceu Bigato

Idemar de Souza

Pai adorado, sinto-me honrado com seu sobrenome.

Demorei, mas aprendi os direitos e os deveres de um homem.

Não tinha juízo para as coisas certas.

Ficava indeciso com seu grito de alerta.

Não compreendia o que queria me dar.

Que me repreendia querendo me beijar.

Dei fiel cumprimento aquele seu pedido. Levei, comigo, a Florbela a contar as flores... eram mil!

Os seus olhinhos assustados, em rostinho pueril me destruíam. Por fim, a bucólica capela enfeitei.

Seus sábios conselhos dividirei com alguém.

Será o espelho do meu filho também.

Ainda sou adolescente, mas o bem que me fez, e me faz!

Sou um jovem “pra frente” sem deixar Cristo pra trás.

Nesse sétimo dia dediquei-me a ouvir o que diriam... havia muita... muita coisa a falar-se e a ser ouvida... havia muita... muita dor a sufocar-se e tanta ferida a curar-se... quem saberia se eles se conformariam?

E, inobstante, havia um fato posto e "sui-generis": a mãe, que se fora, num momento de maldade, não mais retornaria... contudo, uma atimia florescia em nossos corações... uma dor para toda a eternidade!

E, já no paraíso, a minha borboleta, de lá, nos via... não chovia agora... mas reluzia no ar um arco-íris!

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CANTINHO LITERÁRIO Por JC

Bridon & Arlete Trentini

Foto:Vishal Mehta

“Pai Nosso que estais nos Céus” “Não me busqueis fora de ti, pois não Me encontrarás” JC Bridon – O “Céu” a que Me refiro são teus pensamentos.

Ali sim, Me encontrarás, pois partilho contigo as belas coisas que criei. No dia que entenderes que Vivo dentro de ti, que Habito o teu coração, compreenderás o significado daquilo que quero dizer.

• O Céu é um estado mental elevado, onde encontrarás muita paz e harmonia.

• Onde, tudo aquilo que pedires, em oração, e acreditando em sua concretização, infalivelmente acontecerá.

• Vivo nos Céus dos teus pensamentos, pois Eu Sou a palavra que pronuncias, às vezes com tanto amor e outras nem tanto.

• Atenta quando fores abrir tua boca, para que dela não saiam coisas que mais tarde irás te arrepender por teres pronunciado.

• Consulta sempre o Teu Céu antes de pensares em ferir alguém, pois nele Eu habito e nele encontrarás todas as respostas que precisas.

• Deves confiar naquilo que te digo, pois EU SOU O TEU CRIADOR. • Toda vez que pensares em Meu nome, estarei prontamente junto de ti.

• Por isso não fiques Me chamando em vão, para que Eu não precise te chamar a atenção.

• O Meu nome é sagrado.

• É o maior de todos.

• Eu sou Aquele que comando tudo e todos.

• Quando pensares ou agires, • Quando falares ou escutares, • Sempre serei Eu! • Vivo sempre junto de ti, por isso não adianta tentares me encontrar onde jamais estarei.

• És uma pequenina fagulha de luz que deixei desprender de Meu corpo, para que tivesses vida própria e para ver como é que te comportarias.

• És como as estrelas: lindas, porem sem brilho próprio.

Studio Cine Foto Mary

“Toda vez que fores orar, Toda vez que evocares meu nome Toda vez que olhares para os céus Estarei tão perto de ti Que será capaz de escutar minha vez Dizendo-te: Eu te amo!”

Do livro “O Iluminado” – Pág. 184 ***

“Noite...”

Arlete Trentini dos Santos A noite desce lenta e calma A vida ainda borbulha em mim Medito, rezo e acalmo a alma Sinto o perfume suave de jasmim Mas tem algo mais, que jaz em mim Mas os sonhos alimentam a vida Fazem ela ser mais colorida Esquecendo esta dor mais doída.

Do livro “Alinhavando poesia” – Pág. 59 ***

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Poetas em Destaque

Furor súbito contra o Juramento de Hipócrates!

Prece do lavrador Maria Auxiliadora N. Zeoti

Irene Coimbra Inconformado com tanta burocracia e com sua formatura naquele dia, ao ler o Juramento de Hipócrates num furor súbito gritou:

Inspirada em seu pai Octávio de Souza Nogueira

Ao ouvir isso emudeceu, pegou seu diploma, afastou-se lentamente e jamais se soube se a profissão de médico exerceu.

Deus!

Eu não estudei, nem sei dizer coisas bonitas, não entendo de leis, de finanças, da moda, dos capitais.

Não tenho a mão fina, sou humilde, sou grosseiro, bicho da terra, lavrador.

Sou homem do campo, rude, que na cidade se perde.

Sou caipira, sou matuto, sou sabiá da floresta.

E, embora a seca ou a geada, continuo preso à terra, com raízes tão profundas como o jequitibá centenário.

Não tenho vaidade nenhuma de pro estrangeiro voar, nem trabalhar o ano inteiro e no final tudo gastar.

Pra que carro de último tipo, se gosto é de caminhar, sentir o cheiro da terra e dele me embriagar?

Neste Brasil tão imenso, rico, como ouço falar, deixe o lavrador na terra que ele quer cultivar!

Do livro: Poemas de Irene

Do livro: Emoções no Tempo e Espaço

“Que Juramento é esse por Apolo, Esculápio, Hígia e Panacea, tendo por testemunhas todos os deuses e deusas do céu?

Não veem que está ultrapassado?

Talvez tivesse cabimento na Grécia antiga, não agora nesse novo estágio de nossa vida.

Hipócrates... Onde estará ele agora?”

E, para espanto seu, uma voz lá do fundo lhe respondeu: “Está num plano superior ao lado do Criador.

De fato, os símbolos usados nesse juramento agora não têm mais sentido, porque o mundo está completamente perdido.”

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Nasce um poeta Por Antonio Carlos Tórtoro

A

criança que escreve e lê, é sempre mais feliz do que aquelas que não se dedicam a esse divertimento, digamos, diferenciado.

Sabemos que é principalmente na infância que desenvolvemos hábitos, apetites e talentos.

E a poesia é a forma de ler e escrever mais natural para a criança; metáforas, aliterações e rimas, ao contrário do que parece, não são difíceis para o entendimento infantil.

E, para ler, entender e escrever poesia, ao contrário do que parece, não é necessário pré-requisito algum: quanto mais “puros” estivermos, melhor digerimos, aproveitamos e elaboramos o conteúdo da poesia.

E por falar em pureza, nada mais puro que o olhar de um jovem poeta, Adriano Roberto Fuliotti Pelá, pré-adolescente de 13 anos, que desde 2018 escreve seus versos entre uma e outra atividade educacional no Colégio Anchieta.

Adriano é calado, mas fala escrevendo, é tímido, mas tem coragem de divulgar seus versos para alegria daqueles que sabem cultivar as obras dos grandes poetas nacionais.

Motivar crianças a perceber o mundo e as palavras, é dar corda à imaginação e percepção da vida por meio da poesia. Tenho certeza que a motivação maior do nosso pequeno poeta, desde criança, são seus avós Adriano e Nilza, que também cultuam a arte da escrita, participando de movimentos culturais em nossa cidade.

Sou Orientador Educacional e também gosto muito de ler e escrever, e tenho esperança de que um dia, Adriano ocupe minha Cadeira na Academia Ribeirãopretana de Letras: creio que sonhar é o primeiro passo para grandes realizações, nossas e daqueles por quem somos responsáveis.

Pandêmicos

Adriano Roberto Fuliotti Pelá Em um ano estranho foi onde tudo começou.

Em 2020 foi quando o mundo parou.

Veio do outro lado do globo um vírus com má intenção para aterrorizar toda a nação.

Aí vieram os primeiros casos confirmados e todos pensaram que estavam ferrados e compraram tudo dos supermercados.

E não basta só o vírus?

A resposta é não, e então chegou o EAD. E o que seria este tal EAD? Uma coisa que chegou só para enlouquecer.

Porém felizmente as coisas foram melhorando...

www.tortoro.com.br ***

Julho/Agosto/Setembro 2021 Revista Ponto & Vírgula 13

Poetas em Destaque Maria Luzia Graton

Fernanda RMesquita

Adriano Pelá

Fátima Monteiro

Renúncia

Como falar de verdades a alguém?

Maria Luzia Misuraca Graton

Fernanda R-Mesquita

Anda em mim uma dor constante mesmo assim eu vejo encanto.

Sinto o que passou a cada instante, escuto a tua voz em todo canto.

Como falar de verdades a alguém cheio de rancor, de olhos focados apenas nos erros cometidos por quem nem sempre foi autor de atos errados?

Miro as estrelas, a luz da lua, em desespero este amor no peito.

Chora o sereno no silêncio da rua, dói no coração este amor sem jeito.

Escavar no poço dos defeitos do semelhante é viver em constante ressentimento é expor a alma aos olhos das sombras e sujeitar-se ele próprio ao sofrimento.

Guardo em meu ser toda tortura, ostento o brilho da estrela da manhã, pois tudo passa, até a desventura, como a noite de ventos, as horas vãs.

Livre-se o alvo de o levar a julgamento.

Não é fácil, mas o que fazer?

Jogue tudo na cave do esquecimento e apague a guerra que o outro teima em acender.

Se cada sopro deste lamento é o amor que renuncio agora, choro baixinho o pranto lento, e vejo brumas no romper da aurora. ***

O julgamento é uma tarefa pesada. ***

Palavras de Amor

Busquei-te nas horas de insônia e cheguei mesmo a pensar que virias.

Busquei-te na dor e no desespero, pois carregava uma esperança ainda.

Busquei-te na saudade, e com tua demora me desesperaste mais.

E quase busquei-te na alegria, pois esqueci-me de que, se eu estava alegre, era porque já estavas aqui. ***

Adriano Pelá Palavras de Amor ao vento, sem destino, soltas, significantes...

Ao léu, até encontrar quem as acolha.

Para quem diga algo que lhe signifique, que lhe dê endereço, as acaricie, valorize, não mais palavras ao léu... ***

14 Revista Ponto & Vírgula Julho/Agosto/Setembro 2021

Chegaste!

Fátima Monteiro - F&F

Minha jangada vai sair pro mar...

Por Perce Polegatto

M

inha jangada vai sair pro mar... – ensinava Dona Dorinha, regendo-nos com um lápis. Com toda a voz de meus onze anos, entre os de minha classe e mesma formação, eu repetia as canções bonitas que nos mostrava essa mestra, enquanto acompanhava no perfil da colega, na fileira ao lado, o movimento de seus lábios, um ligeiro oscilar dos cabelos, podendo distinguir, das outras, sua voz apenas – ela que vinha se tornando o centro de meus dias, minha amada secreta de olhos verdes como o mar, de quem eu gostava tanto e tanto.

Lá fora, os furtivos remoinhos erguiam nuvens de poeira e ciscos, na estação dos ventos.

O movimento de saída encontrava-me ainda afeito à minha memória de música, os versos se repetindo enquanto eu observava, como sempre gostei, a tarde rosada sob os efeitos de certas formações de cirros, um tempo em que todas as jangadas aspiravam ao mar, e nossas vidas dispunham-se ao futuro, quando eu já considerava meus colegas com o silêncio que eles não conheciam. Meus companheiros também vão voltar, minha memória entoava. A

Mini poemas

tarde nos desfazia em incertos matizes, e o vento desarranjava os cabelos de minha amada, eu vendo agora ir-se de mim aquela de olhos como o mar, de quem eu gostava tanto e tanto.

Entre os adultos de minha rotina, tarde em meus dias de homem, aconteceu-me conhecer um sobrinho de nossa antiga professora, de quem pedi notícias com ingênua curiosidade.

“Tia Dorinha?”, ele quase sorriu. “Faleceu, já faz bem um tempo. Mas contava idade, e tudo se passou serenamente. Em sua própria cama, sem dor nem doença. O que chamam, com razão, uma boa morte.”

Eu acreditava que ela houvesse saído da vida em uma tarde rosada como as nossas, de remoinhos de vento e memória de canções. Recordava meus colegas, hoje com a minha idade e dispersos sobre o mundo. Meus companheiros também vão voltar, Dona Dorinha. Também aquela de olhos feitos ao mar, que era minha amada secreta. De quem eu gostava tanto e tanto.

(Da coletânea “Lisette Maris em seu endereço de inverno”)

Diálogo

Por Ithamar Vugman

O

celular me chama. Estridente. Insistente. Atendo seu chamado. Mantenho cordial diálogo com simpática voz sintética feminina. Educado, sigo estritamente as regras estabelecidas para conversar com vozes sintetizadas. Reproduzo o a seguir meu diálogo.

– Aqui é Manu. Falo em nome da Claro. Você é Daniela?

– Sim. (Afino minha voz).)

– Tenho informação importante para você. Os três primeiros algarismos de Seu CPF são 590?

– Sim. (Informação falsa.)

– Você está devendo 109 reais. Por 79 reais você pode saldar a dívida. Pode pagar até segunda feira?

– Sim.

– Mandarei a fatura por SMS. Encerro o diálogo. Não recebo o SMS. Meu pobre e limitadíssimo celular é um incapaz. Não se comunica com a internet.

Fico livre da Claro por um dia. Na manhã seguinte recomeçam os telefonemas estúpidos. O robosta da Claro não é dotado de inteligência artificial.

Possui invejável deficiência artificial. Não percebe estar ligando para telefone errado. Não devo nada à Claro. Não uso nenhum de seus serviços. Não sou cliente da Claro. Há muitos anos. ***

Julho/Agosto/Setembro 2021 Revista Ponto & Vírgula 15

MINI MINI POEMAS POEMAS & & TROVAS TROVAS

Assentimento Antônio Carlos Augusto Gama

Lapidando o amor Luzia Madalena Granato

Você é a Poesia! *Alvim Barbosa

“Um sentir é do sentente, mas o outro é o do sentidor.” (Guimarães Rosa)

A Vida é bela e seu valor é imenso.

Como os diamantes, seu brilho transcende.

És meu amigo?

Então, entra. A porta está aberta.

Senta-te à mesa comigo, e sacia tua fome.

Já aprontei tua cama.

Debaixo da janela do horizonte.

Lá, dormirás contando estrelas, e sentirás o perfume da Poesia.

Sentimentos são sedimentos camadas superpostas (de fora para dentro) e uma vez expostas (de dentro para fora) descarnam e aclaram o que nem mesmo a gente soubera assim assente.

*Cronista do Jornal Diário da Manhã em 1956

O homem, em seu pacto fatal com a morte tem encontro marcado Mas o mais trágico, infeliz, letal é partir, sem amar, des(alma)do.

Das buscas mais fascinantes, destaca-se a da cultura e hoje, assim como dantes, bom caminho é a leitura.

O bebezinho a dormir ouvindo a mamãe cantar, quase sempre a faz sorrir mesmo querendo chorar

– Ely Vieitez Lisboa

– Cezar Augusto Batista

– Nely Cyrino de Mello

O silêncio é a fala das palavras que jamais serão faladas.

Busca pela paz no universo, nas palavras, nos versos.

Procura dentro de ti.

Apascenta-te coração, que o dia é exíguo e a estrada, tanta!

– Marly Marchetti

– Marlene Cerviglieri

– Cecilia Figueiredo

16 Revista Ponto & Vírgula Julho/Agosto/Setembro 2021

O mundo oculto

Por Sérgio Roxo da Fonseca*

A

“Dama Oculta” é o título do penúltimo filme que Hitchcock dirigiu ainda na Inglaterra, o que ocorreu em 1938. Logo após transferiu-se para os Estados Unidos onde construiu uma brilhante carreira.

Afirma-se que este filme é considerado a única comédia deste diretor. Com outra visão, elegi a película como marcadamente filosófica. Minha opinião não é técnica porque consabidamente não sou filósofo e muito menos psicólogo. Mas vamos em frente.

No filme, uma moça conhece uma senhora enquanto as duas viajam num trem. Convivem pouco tempo porque a senhora logo desaparece. A jovem sai à procura dela. Não a encontrando, passa a pedir ajuda a várias pessoas que a viram juntas. Todas elas negam ter visto a jovem com a dama. Elas estão mentindo porque tiveram oportunidade de ver a jovem com a dama. Todas mentem, mas cada uma tem um motivo diferente para faltar com a verdade.

Importante para Hitchcock é destacar que cada mentiroso tem uma razão diferente para mentir. A jovem se desespera porque tem firme certeza que foi vista por todos ao lado da dama oculta. Nas cenas finais, as perguntas encontram resposta.

O filme profetiza a existência de inúmeros episódios da nossa existência nos quais testemunhamos discussões intermináveis por debatedores que ocultam a razão da sua própria verdade, mesmo quando mentem. Se é que todos possam crer que somente eles são dotados da lente para enxergar contraditoriamente, a verdade converte-se em uma grande mentira. Não há verdades que se contradizem. Mas, a toda a hora presenciamos o fenômeno, lembrando a lição extraída do filme. Imperdível, de verdade.

A moça insiste com todos que estão dentro do trem: “Você me viu ao lado da senhora”. Todos estão mentindo quando afirmam: “Nós vimos a senhora dentro do trem, mas sozinha”. Todos mentem, mas cada um tem uma razão diferente para mentir.

O extraordinário escritor Érico Veríssimo dei-

xou uma frase que profetiza tão grande encrenca: “todos nós somos um mistério para os outros... e para nós mesmos”. A pandemia do covid demonstrou com firmeza que todos acreditam conhecer a chave para abrir esse enorme mistério. Poucos serão aqueles que conseguem dar concretude para os seus conhecimentos encaminhando-os para a plenitude da verdade. Muitas vezes só o tempo será a razão da verdade. Mesmo com a cobrança de preços imensos, como com a exigência de infindável mortandade. Érico Veríssimo durante algumas vezes deu aulas em universidades americanas, chegando mesmo a prestar serviços para a OEA. Afirmou que numa solenidade, um norte-americano, conversando com ele, perguntou se o Brasil era maior ou menor do que o Estado do Texas. O nosso diplomata respondeu que o Brasil era maior do que os Estados Unidos. Mas, claro, isto por volta da metade do século XX, Atualmente aquela verdade se desmoronou. Os Estados Unidos cresceram desmedidamente. O tempo mudou a certeza de Érico Veríssimo. Hoje os Estados Unidos tornaram-se donos do Canal do Panamá, de Porto Rico, do Havaí, do Biquini, invadiram o Afeganistão, o Iraque e durante um largo tempo ocuparam o Vietnã. Não nos esquecemos do que significa a antiga regra: “a América é dos americanos”. Os Estados Unidos tornaram-se muito maior do que o grande Brasil, tendo em conta os seus territórios. O tempo mudou a regra de Veríssimo.

Alberto Morávia trilhou caminho semelhante aos trilhos de Hitchcock quando afirmou que “em certos momentos de extrema indecisão, a razão, que normalmente não passa de um meio, pode tornar-se um fim”. Como todos lidam com a razão de ser, talvez seja possível proclamar que sempre somos verdadeiros, ainda quando invadamos as veredas da mentira. Até sem saber. *Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras *** Julho/Agosto/Setembro 2021 Revista Ponto & Vírgula 17

g e nt il solapé

f er nando de oliveir a C láudio

O

s óculos discretos e as lentes grossas sabe qual. Duvida de tudo, até do seu potencial. Foi escondem um gigante que habita uma casado três vezes, tiveram seis filhos, dois dos quais matéria inconteste, um metro e cin- não têm tanta certeza da paternidade. quenta de altura. Os cabelos brancos desaparecem Deseja um amor sincero, puro e verdadeiro, mas enquanto a calvície brota. A roupa amarrotada e a sempre encontra tapas, mentiras e beijos falsos. barba mal feita entoa cânticos de sofreguidão, bal- Gosta de quebra-cabeça, rapadura, bolo de milho buciando impropérios enquanto a alma navega em e jiló. Detesta o interior, reclama da metrópole e mares revoltos de uma vida solitária. Desconhece não vive longe dela. Confessa descaradamente a sua a sorte, sempre foi azarado. Tropeça em seus pró- paixão pelo trânsito caótico, o metrô abarrotado e prios passos e vez ou outra sua face encontra a a poluição industrial clássica. sorrateira placa de pare. Nunca foi amigo das vesGigante de coração, é dado ao sofrimento. Sotes que envolvem a selva de pedra. É um poço de fre por pouco, deixa a razão escorrer entre os ilusão. Quando empunha a sua palavra como es- dedos, e a vida pelo ralo. Enterra o entendimento pada, é escorraçado. Pequeno grande homem de pelo avesso. Discute com o padre, o padeiro, o algênio impossível. É mestre em desnudar a paz dos faiate e o gesseiro. Promete e não cumpre, fala outros. Recebe o troco errado, é escolhido pelos mais do que deve, sonha acordado. pombos, fica descontrolado quando derrama café Metódico, detalhista, pree r na gola da camisa e por obséquio, maldiz o moansioso, a sua ar m cipitado, o e ã torista quando é deixado para trás. residência parece uma t s e s d Não reclama quando o sorfarmácia, remédios aos a go i z i m vete beija o asfalto, montes. Conhece di. a am ta a i acredita que é sinal " O s ferentes psiquiatras u r s c a s de sorte. Não é um e acredita que a s, re p s homem mal, acumula d i o solução dos seus e oi d p a sofrimento, dores antiproblemas virá e id ó, l s o i a gas e feridas abertas. de um deles. Env c ica ên f l Piadista nato, discucontra guarida i s o ã " o . te por quase nada. Gosta N nos psicotrópicos, enão s st a s de ser provocado, provoca. frenta os problemas sem resole t cu e s i d Não gosta de futebol, prefevê-los. Posterga, sucumbe, regride. Fica d a re dominó, mas torce para o pior com o tempo. É marrento, ranzinza e acredita a am Flamengo. Os amigos são ar que é superior. Julga ser distinto, elevado e sublime. redios, a sua amizade tem vali Engana a si mesmo. Prefere a mentira à verdade dade prescrita. Não fica só, pois detesta o silêncio que lhe faz mal. Esconde os seus defeitos e não faz e ama a discussão. No metrô, em poucos segundos bem feito. Transparente, resmunga, grita, cospe no vira amigo, em questão de minutos, inimigo. Não chão. Almoça sempre o mesmo arroz, feijão, carne aceita opinião contrária, não reconhece o erro e e macarrão. O jantar não é de príncipe, é de plenão leva desaforo para casa. Corajoso, enfrenta beu, pão, ovo, queijo, requeijão e suco de groselha. quem não deve e quem não pode. Apanha, reclama Gentil é áspero, amargo e adora ser vilipendiado. e promete vingança. Nunca cumpre, deixa sempre Solapé continua sendo o alvo preferido dos pombarato. Não passa de um covarde surrado de terno bos, até que a morte os separe. Ainda tropeça em e gravata. Vendedor de seguros, nunca foi seguro seus próprios passos. Assim vive. de si. Acredita que a sua missão seja outra, só não *** 18 Revista Ponto & Vírgula Julho/Agosto/Setembro 2021

ARTISTA PLÁSTICA EM DESTAQUE

L I C I A VA L L I M A artista visual Licia Vallim nasceu em São João da Boa Vista - SP e vive em Ribeirão Preto desde 1985.

Está catalogada na Revista Artrilha, no Leilão das Artes e no Grupo ADDA com duas obras de Arte, “Café Brasil” e “Cana Brasil”, fazendo parte da exposição itinerante “A Mão Que Alimenta”, que percorre vários museus do interior do estado de SP, desde maio/2021.

A artista preparou as duas obras de arte African Elephants Series, criadas na técnica abstracionista expressiva contemporânea, especialmente para a “Exposição Catavento” realizada em SP, pelo Grupo Artrilha, em Julho/2021, retratando a Incondicional Supremacia da Maternidade.

Licia Vallim também está participando da 46a Exposição Semana de Portinari, do Museu Casa de Portinari, com a sua obra “Retrato de Portinari”.

No mês de agosto/2021, a artista comemorou um ano de Expo Art Licia Vallim no Ribeirão Shopping e convida a todos para conhecerem as suas obras de arte que estão expostas no Atelier CH Faria, no Piso Mogiana - Loja 206.

Licia Vallim African Elephants 1 e 2 / African Elephant Series Expo Catavento SP Artrilha 2021 Acrílica sobre Tela 60x90 cm Ribeirão Preto/SP

Julho/Agosto/Setembro 2021 Revista Ponto & Vírgula 19

O frio

Raquel Naveira

N

aquela noite, num sítio em Ibiúna, região fria de neblina, sentamo-nos em poltronas macias em frente à lareira. Unidos, homem e mulher, diante das chamas, no centro da vida, na proteção de uma casa distante, entre vinhedos. O fogo dançava, lambia os tijolos do forno, fazendo desenhos mágicos de estranhas salamandras estalando suas peles.

Lembrei-me de uma cena do filme Doutor Jivago, baseado no romance do escritor russo Boris Pasternak (1890-1960), detentor do Prêmio Nobel de Literatura. Conta a história de um médico aristocrata, o Doutor Jivago, interpretado por Omar Sharif, cuja trajetória remonta aos horrores da revolução na Rússia, no início do século XX. A princípio ele apoia o movimento, depois se desilude com o socialismo. Envolve-se com a enfermeira plebeia, Lara, a bela loira de olhos azuis, a atriz Julie Christie.

Entre dramas de consciência, adversidades e perseguições, refugiam-se numa choupana coberta de neve. Soam os acordes de uma música inesquecível: o Tema de Lara. Os amantes esquecem-se da guerra, do medo, do frio, entregando-se, corpos e almas, com desespero e ternura, em frente à lareira.

Se há povo de temperamento marcado pelo frio intenso é o russo. O chamado General Inverno sempre teve relevância em eventos ao longo da história da Rússia. Por cinco meses seguidos as temperaturas são baixas e o transporte difícil. O exército do Imperador Napoleão (1769-1821) foi fustigado pelo inverno rigoroso. Corria o ano de 1812. Rumaram em direção a Moscou. Os russos retiraram-se usando a tática de “terra queimada”, arrasando plantações, aldeias, deixando para trás os inimigos, que ocuparam uma cidade deserta e em cinzas. Os franceses foram obrigados a bater em retirada. Napoleão enfraquecido, humilhado, perplexo. A grande armada destroçada, caminhando sob neve pesada. O frio penetrando nas roupas esfarrapadas dos soldados exaustos. Milhares de homens congelados nas estepes luzidias como espelhos. Era o fim do sonho napoleônico.

Transporto-me para a exótica Moscou. Estou 20 Revista Ponto & Vírgula Julho/Agosto/Setembro 2021

perto do Kremlin, que abriga a residência do presidente e os tesouros czaristas. Caminho pela Praça Vermelha com suas cúpulas que parecem doces ou sorvetes coloridos. Atrás de mim, a Catedral São Basílio. Por todo lado paredes de terracota, ruas radiais que se cruzam, torres, monastérios, palácios. A neve formou um tapete branco. As pessoas deslizam sobre patins de prata vencendo as longas distâncias entre os edifícios. Usam chapéus grossos e quentes de abas nas orelhas. Casacos de feltro preto cobrindo as botas de cano alto. As mulheres, de faces rosadas, escondem os cabelos com xales roxos e carmesins. Quem é aquele homem elegante, com gola de urso? É Aliôcha, saído do romance Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski (1821-1881).

Aliôcha, aquele que personifica o cristão, livre de pecado, cheio de amor, misericórdia e compaixão.

Queria tanto falar com ele e revelar-me a mim mesma, mas ele escapa como um foguete. E aquele outro de semblante encovado e olhos injetados de sangue? É Raskolnikov, personagem do livro Crime e Castigo, também de Dostoiévski, o gigante da literatura russa. Raskolnikov está em colapso mental, com remorso por ter ousado assassinar alguém para defender suas torpes ideias superiores. Passa por mim como um raio. Em breve pagará o preço de ser descoberto e gemerá na prisão. E aquela mulher misteriosa, de saia preta e avental dourado, carregando uma valise na mão? É Anna Karenina, a adúltera descrita por Tolstói (1828-1910), desafiando princípios e valores, correndo em direção à estação. Deixo-a correr atrás do último trem. Estou sozinha, com os livros ardendo em meu peito, numa geada de epifanias, em plena Moscou.

Volto meu espírito à sala do sítio de Ibiúna. Faz frio. O inverno veio nos buscar. Cruzou estradas e rios. Sofrimentos e cansaços nos fizeram compreender melhor os nossos sentimentos e os daqueles que amamos, filhos e netos gerados através dos ciclos e estações. A lareira nos aquece. Sorrimos um para o outro, resignados e cordiais. ***

FALANDO SOZINHO Por Francisco A. M. Duarte* Cinquenta Anos Falando Sozinho, de Annibal Augusto Gama, é um livro de poemas.

A canastra do autor guardou, durante esses cinquenta anos falando sozinho, os seus manuscritos, rigorosamente inéditos.

Achava ele que eram excessivos os livros publicados e lembrava Ortega y Gasset, que dizia ser a maior caridade para esses tempos ominosos não publicar livros inúteis.

Os seus restritos leitores, do círculo de seus amigos mais íntimos, porém, passaram a insistir que desse à lume a sua obra, e ele acabou se curvando à argumentação de que o seu teimoso silêncio podia ser um pecado de orgulho, de que deveria responder perante Deus. Mas sua final aquiescência não se deu sem relutância.

Cinquenta Anos Falando Sozinho reúne oito livros de seus poemas: Os Óculos Corrosivos, As Ranhuras do Tempo, O Edifício Oco, O Pássaro Empalmado, Albergaria e Outras Pousadas, Becos, Ruas e Sacadas, O Bacharel de Cananeia e O Poeta Frugal.

Entre um livro e outro, circunscritos a temáticas diversas, há, porém um fio condutor que os liga, quer sejam eles uma busca de si e dos outros, quer se pautem pelo epigrama irônico, o protesto, naveguem pelo mar antigo das caravelas, ou passeiem pelas ruas e praças das cidadezinhas, alimentadas frugalmente pelo pão e o vinho sob a sombra dos bosques.

A sua poesia é, sobretudo, de questionamento como se pode ver em Leilão:

Foto: Guilherme Oliveira

50 ANOS

Quanto me dão?

Quanto me dão?

Por estes ouvidos que escutaram todos os ruídos... (...)

Ou em Quem sou eu?

Todas as vezes em bato na porta e me perguntam “quem é?” respondo que sou eu. e me abrem a porta, certos de que sou eu e não outro.

Entro, e logo me espanto de que ninguém duvide que de fato sou eu.

Sou a voz que respondeu ou o ouvido que me escutou? (...)

Ela gravita entre o eu, o nós, e a circunstancialidade, como já observou Gilberto de Mello Kujawski. E também um mergulho no poço da memória (Remendos), de que sai para o para o presente e futuro, a olhar a Lua que boia na noite do tempo.

Busca ainda, atiçado pela dúvida e pela fé, a identidade nas muitas máscaras do homem e debruça-se diante do enigma sobre o enigma/no desvão da Biblioteca/viola a sepultura/do manuscrito há dez anos/perdido que ressurge com cara de múmia azteca. Por isso mesmo o poeta tem um olho cotidiano, que é o direito, certo, correto/que não vê de través/mas vai direto às pessoas, enquanto o esquerdo espia pelos cantos/pelos vãos, os interstícios/onde não é chamado.

Annibal absorveu a lição de Drummond, de Bandeira, de Murilo Mendes e de Fernando Pessoa. Ou por outra, seguiu uma linha que radica no tronco da poesia de sempre, entre o subjetivismo e o objetivismo, entre o lírico e a voz rouca que clama pelo universal e pelo infinito. E se, formalmente, usou a rima, bem como a métrica, distribuiu aquela, pelo meio dos versos ou onde caia melhor, sem ortodoxia, e quebrou a métrica pelo ritmo. *Prof. Dr. Francisco A. Moura Duarte é presidente da FUNPEC (Fundação de Pesquisas Científicas de Ribeirão Preto/SP.) Julho/Agosto/Setembro 2021 Revista Ponto & Vírgula 21

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22 Revista Ponto & Vírgula Julho/Agosto/Setembro 2021

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E U D ES TA Q EM FO TO 24 Revista Ponto & Vírgula Julho/Agosto/Setembro 2021

The Storr, Escócia, Reino Unido Foto: Aline Cláudio