Abril/Maio/Junho 2021 Ano 9 | Edição 55 R$10,00
PONT & VÍR ULA
FERNANDA R-MESQUITA Os sonhos não reconhecem fronteiras!
2 Revista Ponto & Vírgula Abril/Maio/Junho 2021
ÍNDICE ABRIL/MAIO/JUNHO 2021
EDITORIAL
Chegamos ao final do primeiro semestre de 2021 e a Pandemia Corona Vírus continua dizimando milhões de pessoas no mundo inteiro. Novas variantes aparecem por toda parte, assombrando a todos. Mortes e mais mortes diariamente. As vacinas chegaram, mas não o suficiente para todos e a esperança de que tudo terminaria logo, desapareceu. No Brasil, políticos se entretêm com a CPI da COVID, que mais parece um palanque para as próximas eleições, que interesse pela saúde do povo. Poetas, escritores e artistas, continuam com sua nobre missão de alimentar almas famintas. E nesta edição, transpondo fronteiras, fomos buscar a escritora e poeta, Fernanda R-Mesquita, para homenageá-la e destacá-la como Capa de nossa Revista! Fernanda R-Mesquita, nasceu em Portugal em 1961 e há muitos anos, vive no Canadá, Província de Alberta. Tem dupla nacionalidade: portuguesa e canadense. Poeta e contista sensível. Tem quatro livros já publicados e outros prontos para publicação. Teve uma Rádio e um programa “Cordel de Palavras”. Atualmente é administradora dos espaços “Ponto & Vírgula” e “Laços & Escrita”. Nas duas páginas seguintes conhecerá um pouquinho mais dessa escritora sensível, através de trechos de cartas que ela enviou para Ely Vieitez Lisboa, escritora que dispensa apresentação. Uma alegria imensa homenagear Fernanda, não só pelo profissionalismo com que divulga nossos escritores e poetas, mas também pela sua sensibilidade em lidar com o ser humano. À Fernanda, nosso carinho, respeito e admiração. A você leitor/a, uma boa viagem pelas páginas da nossa “Ponto & Vírgula” e o convite para juntar-se a nós, sendo mais um/a de nossos assinantes! Irene Coimbra | Editora
Foto: Natan Ferraro
Pág. 1 Capa: Fernanda R-Mesquita Pág. 2 Publicidade Pág. 3 Índice, Editorial e Expediente Págs. 4 - 5 Matéria de Capa Página 6 Ribeirão Preto - Maria Auxiliadora Nogueira Zeoti Pág. 7 Frente estreita da casa... - Perce Polegatto Pág. 8 Poetas em Destaque Págs. 9 - 10 Quando se torna invisível - José Antônio de Azevedo Pág. 11 Cantinho Literário de Bridon e Arlete Pág. 12 Confiteor - Ely Vieitez Lisboa Sonhos Adormecidos - Marlene B. Cerviglieri Pág. 13 Um líder visionário! Pág. 14 Poetas em Destaque Pág. 15 Sonhando Acordado - Raul Ramos Neves de Abreu Pág. 16 Datcha - Ithamar Vugman Pág. 17 Enciclopédia - Sérgio Roxo da Fonseca Pág. 18 Poetas Inesquecíveis Pág. 19 Harpa - Raquel Naveira Pág. 20 Mini-poemas | Você é luz ou escuridão? - Fernando de O. Cláudio Pág. 21 Artista Plástica em Destaque: Lícia Vallim Poetas em Destaque Pág. 22 Participantes da 17a. Antologia Ponto & Vírgula Pág. 23 Publicidade Pág. 24 Foto em Destaque
EXPEDIENTE Direção Geral: Irene Coimbra de Oliveira Cláudio - irene.pontoevirgula@gmail.com Edição: Ponto & Vírgula Editora e Promotora de Eventos | Diagramação: Aline Cláudio Impressão: Ribergráfica - A Cor da Qualidade | Fotos de Capa e Matéria: Nuno Alfama Anuncie na Revista Ponto & Vírgula. Associe sua marca à Educação e Cultura! Mídias: Impressa, Digital e Audiovisual. Publicidade e Venda: Irene – (16) 3626-5573 / WhatsApp: (16) 98104-0032 Tiragem: 1 mil exemplares impressos Abril/Maio/Junho 2021 Revista Ponto & Vírgula 3
Os artigos assinados são de responsabilidade do autor. A opinião da revista é expressa em editorial.
Trechos de
Cartas à Ely Por Fernanda R-Mesquita
P
oderia escrever sobre qualquer assunto, mas ao procurar inspiração, lembrei-me que guardo, com muito carinho, alguns emails aos quais chamo de cartas, trocados com Ely Vieitez Lisboa, pessoa e escritora a quem admiro muito. Escolhi alguns trechos que descrevem, um pouco, a sociedade canadense e também a minha percepção sobre os assuntos neles referidos. "[...] O Canadá é um país muito bonito. O menos agradável é o clima, sobretudo nas regiões mais ao norte, onde se inclui a região de Alberta, cuja capital é Edmonton. Esta é a segunda maior cidade de Alberta e o quinto maior município do Canadá. Conhecida como a “Gateway to the North” é um ponto de escala para grandes projetos. Por exemplo: as explorações petrolíferas que ocorrem no norte de Alberta e das minas de diamantes nos Territórios do Noroeste. Edmonton é um centro cultural e educacional e leva muito a sério qualquer projeto político. Votar é realmente um dever. É uma cidade tranquila, apesar da sua imensidão. O que não significa que não ocorram crimes, mas em menor escala em relação a outros locais. Uma curiosidade: a cidade possui o maior centro comercial do Canadá e da América do Norte, o West Edmonton Mall. Por alguns anos, foi o maior do mundo. É um espaço comercial bonito, mas, eu, pessoalmente, prefiro o ar livre. Não sou dominada pela ânsia de comprar e sinto-me sufocar quando permaneço muito tempo trancada em lojas. O trânsito é muito organizado. É muito fácil conduzir, apesar dos invernos extremamente rigorosos e das estradas perigosas, devido à neve e ao gelo. Entre os cuidados da câmara e a cons4 Revista Ponto & Vírgula Abril/Maio/Junho 2021
ciência dos condutores tudo flui, com uma certa tranquilidade. Apesar da cidade ser guarnecida com espaçosos parques e lagos, prefiro as regiões montanhosas. A grandiosidade das montanhas ora transmitem-me que sou imensa, ora pequenina. Adoro Jasper. A Ilha Victoria é linda também. Toda a região da British Columbia possui uma beleza extraordinária. Enfim, poderia preencher muitas páginas, descrevendo as belezas do Canadá. Adoro viajar pelo país. Eu e meu marido, na maioria das viagens, procuramos a tranquilidade dos paradisíacos ranchos resguardados pelas densas florestas. No silêncio desses lugares sinto pulsar histórias humanas. A vitória de alguns povos significa a destruição de outros e o Canadá não foge à regra, em relação ao povo aborígene, os primeiros residentes do território. Muitos foram sacrificados em prol do desenvolvimento econômico. Hoje em dia, como pedido de desculpa, os índios não pagam impostos, mas continuam a sofrer de discriminação. (Um acontecimento recente: esta semana, 26
de abril- 2021, os Oilers, equipe de hóquei de Edmonton, perderam nos playoffs. Ethan Beard, o jogador que não jogou muito bem e que por ser índio, recebeu mensagens racistas.) Sempre que piso solo indígena, agora adaptado ao turismo, toma-me uma onda de tristeza, ao sentir como o progresso, o interesse monetário massacrou tanta vida inocente. Como testemunho estão lá, bem no alto, as bandeiras dançando ao vento". "[...] encontro-me no mesmo café, de onde lhe escrevi algumas vezes. É incrível como num espaço limitado como este, podemos dar voltas à história e inserir no presente, certas antigas fagulhas filosóficas que arrumavam a mulher numa posição inferior. Em algumas sociedades elas não eram consideradas cidadãs." [...] Por muitos, o filósofo grego, Aristóteles foi classificado, e continua a ser, como machista. Para mim, foi um homem inteligente, mas nem sempre sábio e coerente, assim como todos os humanos. Ele posicionou o homem com superioridade e divindade em relação à mulher, já que esta se compunha como um ser emocional, desviado do tipo humano. Vou colocá-lo na dimensão da ignorância em relação à mulher, devido à época em que viveu, para que a sua obra não fique reduzida a este assunto. Felizmente a mulher contemporânea, na maioria dos países vence, em vários aspetos, a que, ao longo dos séculos tem sido depreciada. Quer o balcão, quer a maioria das mesas são ocupadas apenas por homens que convivem enquanto partilham uma bebida, jogam cartas e conversam. Muitos optam apenas pelo café, pois na maioria são árabes e eles não bebem álcool em público. Nem tampouco se deixam acompanhar pelas mulheres. O Canadá é um país liberal que apoia um ensino criativo com programas de educação multicultural, tentando adequar-se à diversidade cultural do povo; mais de sessenta línguas faladas por mais de setenta grupos étnicos espalhados pelo país. Muitas escolas comportam mais de vinte etnias e uma boa parte deles falam outra língua além do inglês ou francês. Para que a igualdade abranja e respeite todas as diferenças, os professores têm o cuidado de respeitar e induzir o respeito pelas diferentes culturas. Ora, o
que tento dizer, Ely, é que apesar de todo o avanço da sociedade canadiana, continuam a existir, os lares como a sociedade das mulheres e certos lugares públicos a dos homens, que se agrupam e conversam horas a fio. O preocupante é concluir que os elementos destes grupos, não são apenas homens de “uma certa idade”, mas um considerado número de jovens que seguirão os passos dos seus antecessores. Sobre isso, Ely, ainda falaremos numa próxima carta. Por quanto tempo, presos na dimensão da ignorância? Aristóteles e tantos outros, considerados culpados, por agirem contra a igualdade, neste caso, homem/mulher, já partiram há tanto tempo! O que vejo, Ely, é que o ser humano continua a educar-se através da atribuição de culpa ao outro e vive aparentemente tranquilo, na confortável preguiça “para que mudar, se foi sempre assim?” Será que os nossos hábitos nos fazem perder a consciência e nos tornam incapazes de atribuir valor ao que realmente tem valor? A verdade é que muitos de nós, emigrantes, mudamos de casa, mas não os hábitos. “Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito.” — Aristóteles. Sabendo que nenhuma palavra é absoluta de verdade, devido à imensidão da última, arrisco a dizer que a excelência, é o que prendemos dentro de nós por medo ou descrença. O medo coloca a voz a gritar no interior onde os verbos se revoltam nas profundidades contrariando o ato de renascer [...]" Grata, Ely, pelos emails que ultrapassaram assuntos corriqueiros. Abril/Maio/Junho 2021 Revista Ponto & Vírgula 5
Poema em Destaque Ribeirão Preto
Maria Auxiliadora N. Zeoti
Por Maria Auxiliadora Nogueira Zeoti Em homenagem ao aniversário de Ribeirão Preto Cidade progresso. Cidade sucesso. Cidade cultura. Cidade recursos. Cidade comércio. Bendito é o seu solo que é terra roxa, que é dos cafezais dos canaviais, da policultura! Ribeirão, você cresce, sua marcha me assusta! A noite é tão mansa, e assim me parece se a olho de longe. Mil luzes, mil pontos, mas quantos segredos, tragédias e prantos ela esconde? E no outro dia já nessa corrida aonde vai chegar? Seu sangue até ferve no meio do asfalto, entre os grandes prédios... Procuro su’alma, tento encontrá-la nas grandes fachadas ou nas avenidas iluminadas... 19/06/2021 – 165 anos
Foto: Paulo Vilela
6 Revista Ponto & Vírgula Abril/Maio/Junho 2021
Frente estreita da casa... Por Perce Polegatto
F
rente estreita da casa que me esperava aos quatro anos, a alguns metros da nossa. Ali morava um parente de minha mãe, a quem chamávamos tio Major: alto, entusiasmado, bem-falante, cabelos brancos curtos, óculos em aro fino. Portão de grade ornamentada e mureta muito alta, degraus abrindo a modesta varanda logo acima: a casa toda me parecia muito alta, tudo ali ficava bem acima de minha cabeça. Eu segurava o portãozinho com as duas mãos, não alcançava tocar a campainha. Olhava para cima e forçava a voz. Tio Major! Após a segunda chamada, ele aparecia por detrás de uns grandes vasos de plantas, fingia surpresa e, lá de cima, enquanto já descia a abrir passagem ao meu coração ansioso, respondia enfático, convidativo, pronto: Nêni! Entra!. Sua segunda esposa, tia Cida, abria para mim latas com sequilhos e bolachas doces. Muitas vezes isso se repetiu. Eu gritava seu nome e me identificava. Sou eu, o Nêni! E ele, com a mesma paciência e simpatia, encenava novamente a boa surpresa ao ver-me. Ora! Entra, Nêni! Todos e minha mãe morreram. Há tempos. Há sempre tempos avançando, seguindo e eliminando todos. Ainda em um de meus dias, por um motivo absolutamente inexpressivo, acontece de eu passar outra vez em frente a essa casa, mãos dadas com Denise. Peço a ela que pare e espere: preciso voltar um passo e contemplar tudo ali. Mas ela me força gentilmente pela mão, diz que devo deixar disso, precisamos ir em frente. Volto-me assim mesmo, e me decepciono: os enormes degraus, que eram cinco ou seis, agora são muitos, após alguma reforma: baixos, irregulares e meio quebrados, lembrando ruínas. A casa toda está abandonada. Apagada. Toco o velho portão, que é o mesmo. Seguro duas de suas hastes com minhas duas mãos. Penso em nosso velho parente, imagino que toda a casa cairá por terra se eu o chamar com força pelo nome, encerrando para sempre a vasta memória de alguém que, um dia, sinceramente gostou de mim. Tio Major! Sou eu! A varanda ilumina-se, ele finge surpresa. Nêni! Entra! *** Abril/Maio/Junho 2021 Revista Ponto & Vírgula 7
Poetas em Destaque Alceu Bigato
Idemar de Souza
Adriano Pelá
Lúcia Feitosa
Meio difícil
Nossas Vidas - XI
Alceu Bigato
Idemar de Souza
Vivo procurando no meio da vida e não acho meio de viver. O certo é que estou errado porque não me lembro de lembrar um meio de te esquecer.
Antes, porém, a murmurar, "in extremis", aludia a que se rezasse uma missa, em capela enfeitada de mil flores, em memória à sua vida destroçada por aquele Deus cruel, em estado de anomia. Cuidei de desculpar-me desse mal que lhe causei... jurei vingança. Mas em meio à "extrema-unção"... Ó, querido... não! Concedo a Baco o meu perdão. Foi o seu último desejo que, atento a ele, recuei.
Em meio ao negrume da noite passo em claro. Em meio à madrugada, ela muda de cor. Meio dormindo, meio acordado a noite é morena até amanhecer. Pedi à Afrodite, Deusa do Amor, se ela não amolece coração de pedra, faça meu coração mole, endurecer.
Esquece esse Baco... estava de senso desprovido! Bebera tanto que... nenhum deus jamais houvera... gemidos e clamores não espertariam o desditado!
Senhora
Momentos x Eternos
Adriano Pelá
Lúcia Maria Feitosa Tasso
Quisera ter o poder, de ausentar de seus tristes olhos, a nostalgia ali impressa. De seus lábios sensuais, esse ricto de lamento. Ser, sem constranger, veículo de seu prazer. Ser o extirpador dos entraves. Ser o promotor de seu sorriso. Devolver a seus olhos, a vivacidade. Ser jovial e feliz à sombra do meu amor.
A saudade explodiu e atravessou barreiras. Venceu obstáculos e veio se mostrar nua, como nunca antes ousara. E trouxe tanta alegria, tanta felicidade, porque havia de ser com você. Tanta ternura revelada em momentos vividos intensamente, capazes de suportar o vazio que ficou depois. E ficaram as marcas, sulcos profundos cravados n'alma, sentindo o amor que ficou amenizando a dor.
8 Revista Ponto & Vírgula Abril/Maio/Junho 2021
Nunca gozara amor, tal como o nosso... pudera! Entre todos os Deuses, sempre fora um simulado poderoso, mas aqui... tão só um ébrio descaído!
Por José Antônio de Azevedo
E
u nasci há tempos e na evolução natural acrescentei mais três pessoas na família, a esposa com quem me casei, o filho primogênito e a filha caçula. Passados mais vários anos, a esta família foram somados um genro, uma nora e dois netos quando eu e a esposa galgamos a escala dos avós. São esses avós os protagonistas desta história convertida de amor e paixão oponentes ao ódio e ingratidão. Eu era um bem sucedido funcionário público, com uma razoável aposentadoria de oito mil reais líquidos, duas casas na cidade, uma na praia e três carros. Josefa, minha fiel e dedicada esposa, foi companheira a me dar suporte nas atividades meritórias. Josefa, não por acaso tem esse nome: seu pai chamava-se José. Sendo ele de tradições religiosas, imaginou dar à primeira filha nome idêntico ao seu, acrescentando ao final a sílaba “fa”, que quer dizer família. Namoramos apaixonadamente por dois anos e nos casamos, para daí a dez meses nascer o primogênito Keye, forte e rosado, com todas as características de uma criança sadia. Nossa vida de casados corria a mil maravilhas para dez anos à frente vir à luz desse mundo a caçula Ana Rosa, também bem nascida, para alegria nossa e de seu irmãozinho. Aos trinta anos de vida a dois, após termos comemorado as Bodas de Prata, aos 25 anos na maior harmonia conjugal, a família havia chegado ao número de oito pessoas, com os acréscimos de um genro, uma nora e dois netos. Na atividade funcional progredi de maneira trabalhosa e difícil em razão da competitividade ferrenha dentro da repartição pública. Josefa, por sua vez, cuidou dos serviços domésticos e dos filhos na caminhada da família. Até essa ocasião do casamento, o relacionamento dos familiares era bom, mas começou a degringolar dali em diante, embora eu e Josefa ainda mantivéssemos o domínio da situação. Começou o desmoronamento do núcleo familiar quando o filho de Keye passou a ter a estima especial dos avós maternos. Instigado pela mãe, o neto vivia
me pedindo presentes fora de propósito e suplicando para não vender a casa de praia nem a da cidade. Era claro que o comportamento do neto estava sendo orientado pela mãe, em virtude de não ter discernimento de ambição naquela idade. Ao tomar conhecimento do episódio, o genro, com inveja, passou também a vindicar para seu filho o mesmo tratamento dado ao filho de Keye. Corroído de inveja e utilizando o filho para satisfazer suas ambições, o esposo de Ana Rosa, com pretensões descabidas, despertou uma contenda com os demais membros da família, contrários à divisão dos bens em vida. Estava assim, declarada a guerra pela herança do meu patrimônio e das contas bancárias de Josefa. Já idosos, convivemos daí por diante no meio daquele tiroteio e, para não haver derramamento de sangue, fui, pouco a pouco, cedendo aos caprichos dos ambiciosos. Vendi a casa de praia para distribuir equitativamente o produto da transação imobiliária. Foi mais uma contenda porque o quinhão tocado a cada quinhoeiro foi contestado. Estremunhado pelas desavenças, fui ficando doente e desgostoso da vida. Em face da ingratidão dos herdeiros fui definhando até à depressão, enquanto Josefa ainda restava lúcida. Ana Rosa, com uma casinha de três cômodos na periferia da cidade, produto da herança distribuída em vida, foi quem deu guarida a mim e à mãe, sem neto por perto, porque Ana Rosa havia se separado do marido e o filho tinha sumido. Exterminados os nossos bens, vivendo de caridade, sem eira nem beira, extinguiram-se até as amizades porque não oferecíamos mais nenhum atrativo. Nessa ocasião Josefa também partiu desta para a outra vida, sem merecer nem um vaso de flores no seu velório participado por mim e mais meia dúzia de confrades vicentinos. Os que não se tocam não se comunicam nem se veem e, por mais íntimo que sejam, tornam-se estranhos. Foi o que aconteceu comigo na juventude acumulada, completamente desamparado pelos amigos e pela família. Sem perspectivas na vida, morando num cô-
Foto: Natan Ferraro
Quando se torna invisível
Abril/Maio/Junho 2021 Revista Ponto & Vírgula 9
modo da casinha de Ana Rosa, constatei que havia ficado transparente, porque as pessoas que passavam pela rua não me viam sentado na calçada. Certo dia, um jovem andando e clicando no celular, como galinha quando come milho, tropeçou em mim, quase caiu e me derrubou da cadeira. Em vez de me pedir desculpas, destratou-me, afirmando ainda que ali não era lugar de velho ficar sentado. Sentindo-me ultrajado, tentei fazê-lo perceber que por certo teria me transformado em fantasma, motivo de não ter sido visto por ele. Noutra tarde, dei-me conta que minha voz também tinha desaparecido, quando perguntei as horas para Ana Rosa e ela, sem olhar no relógio de pulso, nem me respondeu. Todos falam com os outros como se eu não estivesse no mesmo ambiente. Às vezes intervenho na conversação, seguro de que o que vou dizer não ocorrera a ninguém e que vai ser de grande utilidade, mas parece que falo ao vento. Não me ouvem, não me olham, não me respondem. Então choro de tristeza e desencanto, retiro-me do ambiente e vou andar pela rua, sem rumos, sem saber para onde ir, porque ninguém me espera em lugar nenhum. Quando Ana Rosa ficou doente, pensei ter a oportunidade de ser útil, dando-lhe um chá especial que eu mesmo preparei. Coloquei-o no criado mudo e me sentei a esperar que o tomasse, só que ela estava vendo televisão e nem um só movimento me indicou que se dera conta de minha presença. O chá, pouco a pouco, foi esfriando e junto com ele meu coração gelou. Passei a noite toda chorando no quarto, sufocando os soluços no travesseiro. No outro dia cedo, ao entrar na cozinha para tomar café, estavam conversando Ana Rosa e o ex-marido e outra pessoa estranha. Cumprimentei-os com um entusiasmado “Bom dia!”, mas, sequer responderam-me, como se eu fosse uma assombração. Foi aí, pois, que me convenci de que sou mesmo invisível, um ser transparente e fantasmagórico. Em outro dia, estavam lá na sala conversando, animadamente, os três: o neto, o pai e a mãe. O neto veio correndo para o meu lado, todo alegre, para me dizer que iríamos todos passar o fim de semana no campo. Fiquei muito contente. Fazia tanto tempo que eu não saia de casa, ainda mais 10 Revista Ponto & Vírgula Abril/Maio/Junho 2021
para ir ao campo! No sábado fui o primeiro a me levantar. Quis arrumar as coisas com calma. Nós, os velhos, tardamos muito em fazer qualquer coisa, assim adiantei meu tempo para não atrasá-los. Rápidos entravam e saiam de um cômodo ao outro, de lá para cá e de cá para lá na casa, correndo e levando bolsas e esteiras para o carro. Eu já estava pronto e muito alegre. Permaneci na sala a esperá-los. Quando me dei conta, já tinham eles partido, o carro envolto na poeira da estrada desaparecendo, quando então compreendi que não fazia parte daquele “iríamos todos” porque fantasma não tem corpo material. No carro foram três e cabiam mais dois. Senti, mais uma vez, o coração apertado, os lábios tremendo, fazendo beicinho e engolindo a vontade de chorar, só soluçava. Não chorei alto, mas caí ali mesmo, desmaiado por cima das tralhas, e só voltei a mim depois que os vizinhos me socorreram. Meu Deus, por que me maltratam tanto assim, se na vida tudo que tive e fui, era para minha família, que estava em primeiro lugar? Tudo era para todos. Que culpa tive eu por ter me tornado invisível? Naquela época dos acontecimentos, restando somente a renda de um salário mínimo da parca aposentadoria, fui socorrido pelos vicentinos, entidade religiosa da Igreja Católica, e recolhido ao asilo. O jornalzinho semanal da pequena cidade estampou em manchete: “Abandonado pela família, velho que estava às mínguas, foi asilado na Casa do Vovô” Asilado, tive um pouco de tranquilidade para imaginar quão cruel me fora o mundo e pude ainda transmitir na tela da mente todos os filmes de minha vida, desde o trabalho incansável para conseguir ser o que fui e ter casas e carros até a dilapidação de todo o meu patrimônio e cair na sarjeta. Desentendimentos familiares evocam desencantos avoengos e ingratidões sociais desencadeiam hipocrisias nos macrossistemas da vida. Entretanto, não desanimei, porque ainda restava um pouco de matéria combustível em mim, para queimar e, ascendendo à fogueira, pude constatar horizontes a perseguir. E fui à luta em busca da felicidade familiar e, por consequência, da social. Do livro “Comendo fogo e cuspindo cinzas”
CANTINHO LITERÁRIO Por JC
Bridon & Arlete Trentini Studio Cine Foto Mary
Crescendo JC Bridon Alimenta tua alma, teu espírito e tuas qualidades para, quando partires, levares contigo as coisas boas que aqui plantaste. Semeia em solo fértil através de bons pensamentos, boas palavras e ações, para que teu caminho seja iluminado por uma luz tão intensa onde jamais irás te perder ou ficar sem rumo certo. Agradece tudo aquilo que te acontece e não fiques entristecido se, às vezes, és colocado à prova pois apenas estão sendo testadas todas as tuas qualidades. Sê humilde, sincero e sereno para que possas acumular somente o que poderá te ajudar a entrar no caminho que te fará enxergar maravilhas. Deves acreditar que és um ser capaz e que podes mudar o que desejares se, realmente, estás com a firme convicção de que o melhor sempre é o bem.
Maria, nossa Mãe Maria Arlete Trentini dos Santos Ao anoitecer e ao raiar o dia, faça uma prece para a Mãe Maria. Deite no seu colo, peça seu consolo. Ela é mãe bondosa e sempre carinhosa. Tem o amparo certo para os filhos seus. Fale com Maria. Fale todo dia. Já sofreu grandes dores mas nunca esmoreceu. Ela é mulher destemida de alma sofrida. ***** Do livro: Alinhavando poesias - Pág. 32
*****
Foto: Joshua Earle
Do livro: Momentos de Reflexão – Pág. 14
Abril/Maio/Junho 2021 Revista Ponto & Vírgula 11
Por Ely Vieitez Lisboa Dedicado a Jugurta de Carvalho Lisboa De há muito eu te esperava sem saber que trazias a chave de todos os mistérios. Eras a resposta sagrada, tesouro para mim guardado desde tempos imemoriais. Hoje, quando me cobres com tuas asas de homem de anjo, transformas a vida em doce e manso happening, no paraíso só nosso, ao nosso amor destinado. Ah, Amado, é o verde, o silêncio, as flores coloridas que emolduram nosso ninho cálido, a brisa ou são tuas mãos tépidas que curam as chagas que a vida me presenteou como alçapões malditos no inesperado das madrugadas? Tu me tomas pelas mãos e dizes: - Vem, irmã, companheira, mulher minha, o tempo dos sonhos e pesadelos tudo terminou. Sorris iluminado. Como um deus, como meu homem. Tu és plural. Menino, mago selvagem animal quando me possuis. E tudo é belo, tem sentido, porque sei que és meu nesta doce e mágica troca.
Vírgula Abril/Maio/Junho 2021 12 Revista Ponto & Vírgula
Foto: Guilherme Oliveira
Confiteor
Sonhos Adormecidos
Por Marlene B. Cerviglieri
No limiar do sono, quando tentar abrir as pálpebras, é inútil. O corpo se solta ele começa a chegar! São cenas, muitas vezes, sem compreensão, escuras em ambientes estranhos, sem vida até. Como num filme, cenas vão surgindo, conhecidas, às vezes, mas muitas, sem sentido. Transparências do que foi um dia talvez? Ruídos que vem não se sabe de onde? Fatos esdrúxulos, por vezes, felizes em outras, e até de terror também. São sonhos brincando conosco, muitas vezes tirando o descanso. sobressaltando, amedrontando... Não os lembrar seria a censura pesada de quem não quer lembrar e quase sempre num minuto esquece-se. Para que servem? Muitos pensam: avisos de quê, se nem os entendemos, por vezes? Mas muitas lindas coisas vieram através deles. Boas Inspirações e grandes descobertas. Enigmáticos nada sabem. Ficar na ignorância, ou tentar interpretá-los? Só nos resta o inconformismo, de saber, que nada sabemos.
Um líder visionário!
Há 38 anos somando informação e multiplicando conhecimento Da Redação "Ponto & Vírgula"
P
Foto: Guilherme Oliveira
rof. Dr. Francisco A. Moura Duarte, grande pesquisador, líder visionário, não se deixa abater e, com a sabedoria que lhe é peculiar, continua na luta, somando informação e multiplicando conhecimento! Retrocedamos a 10 de março de 1983... Um grupo de professores da Universidade de São Paulo (Campus Ribeirão Preto), liderados por ele, criaram a Fundação de Pesquisas Científicas de Ribeirão Preto (FUNPEC/RP). O objetivo inicial era apoiar os pesquisadores da USP. Atingido este objetivo passaram a agregar outros objetivos e necessidades e, assim, Prof. Duarte (como é mais conhecido), homem de ação e faro para obras de boa qualidade, editou e publicou em 18 de novembro de 1986, o primeiro livro técnico-científico Laboratory Animal Studies in Quest of Health and Knowledge. Depois desse, muitos outros livros científicos foram editados pela FUNPEC/Editora. Requisitado por escritores locais e regionais, Prof. Duarte decidiu apoiá-los e a FUNPEC/RP, passou a publicar também ficção e literatura, tendo neste seguimento autores renomados como Annibal Augusto Gama, Júlio Chiavenato e Mário Chamie. Na Literatura a FUNPEC-RP coleciona vários prêmios: Portugal Telecom, com a obra “Horizontes de Esgrimas”; dois prêmios Jabuti com as obras “Pauliceia Dilacerada” e “O Futebol como Linguagem”; ABL Crítica Literária, com a obra “Palavra Inscrita”; Programa Nacional do Livro Didático com a obra “Contos e Crônicas do Campo e da Cidade”; e prê-
mio Literário Rubem Cione de História, Ciência, Literatura e Cultura com a obra “Cobras e Lagartos” O incansável Prof. Duarte não para ou se limita a edição de livros e, assim, ao longo desses 38 anos continua liderando a FUNPEC/RP e, constantemente, ampliando suas áreas de atuação. Sempre em sintonia com as mudanças sociais, econômicas e tecnológicas, diversifica sua atuação também na promoção de cursos de formação e especialização, identificando carências da comunidade e buscando soluções simples e palpáveis. Para muitos a visão múltipla do Prof. Duarte parece absurda, mas o compromisso de suas ações, a seriedade e responsabilidade da Fundação não abrem lacunas para enfrentamentos. Ele acredita que lazer e bem estar caminham juntos na aquisição de conhecimento e enriquecimento cultural e, por isso, investe em todas as áreas que possam propiciar condições favoráveis de convívio e interação social. LIVROS não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os LIVROS só mudam as pessoas. Mario Quintana
Nós gostamos de faze r LIVROS. Funpec-Editora
REGISTRO DE ISBN / FICHA CATALOGRÁFICA
Editora
•
DIAGRAMAÇÃO
•
IMPRESSÃO
www.funpeceditora.com.br Av. Treze de Maio, 861 | Jardim Paulistano 14090-270 - Ribeirão Preto | Tel. 16 3620-1251
Abril/Maio/Junho 2021 Revista Ponto & Vírgula 13
Poetas em Destaque Nely C. de Mello
Maria Luzia Graton
Antônio C. A. Gama
Gleidston César
Ouro sobre prata
Duas Mãos
Nely Cyrino de Mello
Maria Luzia Misuraca Graton
Bom dia, sol! Tão cedo abro a janela e já rolas alto. Vês a cadeira vazia? Daqui não consigo avistá-la mas imaginá-la posso e, em pranto, ver teus raios dourados brilhando os fios prateados que tanto amei e que amo tanto.
Duas mãos tão desiguais... Uma fina e delicada, outra calejada, maltratada pela enxada. Cura a ferida, guardando a própria dor. Qual delas escolheria para o seu amor? Não tenho o que escolher. Quando essas mãos afagam, trazem o mesmo ardor, a transparência da alma, num carinho de amor.
Chemin Vert
Semeador
Antônio Carlos Augusto Gama
Gleidston César
Do outro lado da janela o muro do outro lado do muro (para aquele que pula) pulula o caminho verde.
Se caminhares sem medo, sem medo conhecerás as tuas fraquezas e as tuas forças.
Na folhagem voragem do tempo recolho esse instante na brandura das pétalas encerradas entre as páginas dos livros mas jamais ressequidas e prossigo pelo além perfume. Mais tarde, aquém muro, tornarei às coisas que findam e aos homens que morrem.
14 Revista Ponto & Vírgula Abril/Maio/Junho 2021
Mas, se deixares o medo dominar-te, serás sempre um desconhecido para ti mesmo. Não escondas o teu sorriso, não escondas o teu olhar, nem mesmo as tuas palavras, e conhecer-te-ás a ti próprio. A tua coragem é viva, a tua esperança é viva, o teu amor é vivo, acredita; os teus valores farão de ti um vencedor.
Sonhando Acordado
Por Raul Ramos Neves de Abreu Dedicado a Simone Antônia Rocco As horas passam lentamente e, em um pensamento que esboça sua presença, o tempo todo ao meu lado, que sinto tão real, por vezes surpreendo-me em seus braços, envolvendo-nos em abraços e muitos beijos, carícias tantas, delicadas e mais atrevidas, desejadas nunca ter fim. Ah, como é sublime estarmos juntos, nossa respiração ofegante, corpos acochados, lábios ardentemente colados, pensamentos apaixonados, mãos e dedos entrelaçados... Ao vento, na rua deserta, beijando-nos intensamente, apenas o Firmamento por testemunha, o jardim ao lado florido exalando o suave aroma de Jasmins ou Damas da Noite, ambiente acolhedor inspirando aventuras ao prazer... Sonhando acordado... Que desejo abrasador, envolvente, sensual, que não cobra razão, mas que queima pela paixão e não se contém, despertando os sentidos mais intensos da consumação, das entregas, pelas juras de amor! Os corpos desnudos, ardentes, carentes, trêmulos... Palavras trocadas repletas de carinhos, delicadas, suaves e intensas, em Perfeita Sintonia do Bem Querer, no leito silenciosas, enquanto somente o sabor do prazer! Estou sonhando acordado, pensando só em você.
Foto: Ashkan Forouzani
***
Abril/Maio/Junho 2021 Revista Ponto & Vírgula 15
Datcha
Por Ithamar Vugman
C
asa de campo em russo. Homenagem a Fániutchca, minha mãe nascida em Riga então parte do Império Tzarista. Domingo. Dia das Mães. Rosa e eu vamos à Datcha. Pequena reunião familiar. Gustavo e Luiz Henrique, filhos, Elizandra e Manuella, noras e neta Anna expressam todo o seu carinho por Rosa. Reunião alegre regada com muito afeto. Um dia especial. Participo da felicidade geral. Faço parte da família. Retorno à Datcha. Longa ausência. Relembro o início. Rosa realiza antigo sonho. Constrói casa com carinho. Árvores, flores, gramado. Horta. Transplanta velha jabuticabeira. Irrigada, dá frutos o ano inteiro. Fotografo o tronco. Macrofotografias. Algumas de minhas mais belas imagens. Participo de tudo. Feliz. Casa aconchegante. Ampla varanda a circunda. Protege-a do sol e da chuva. Telas nas janelas protegem contra mosquitos. Invasão anual de besouros não impedem. Sento-me em confortável poltrona de vime na varanda. Contemplo a paisagem. Bonita. Repousante. Aviões riscam o céu. Levam passageiros para Goiânia e Belo Horizonte. Muitas vezes Rosa e eu somos passageiros. Seriemas barulhentas invadem o gramado. Bandos de tucanos reúnem-se em árvores próximas. Ouço canto de Pássaros. Observo João e Maria, casal de marrecos apaixonados. Sempre juntos. Maria desaparece. João, desesperado a chama sem parar. Vasculha toda
a Datcha. Pede minha ajuda. Maria reaparece. Chama-o. João corre ao encontro da amada. Move rápido curtas perninhas. Maria choca ovos em ninho bem escondido. Cuidadosamente preparado. Sete marrequinhos nascem. Desvairado pelo ciúme, João ataca marrequinhos. Mata próprios filhos. João encarcerado. Marrequinhos sobrevivem. O ciúme doentio enlouquece. Olho para pequenino lago. Cores mutantes. Azul, verde, vermelho. Mares distantes singro. Desconhecidos. Mares tranquilos. Mares tempestuosos. Enfrento minhas próprias tormentas. Entardecer. Rosa e eu compartilhamos a hora do ooooh! Por do sol. Hora mágica. Sombras brotam das colinas distantes. Estrelas piscam no céu escuro. Mundos distantes mandam mensagens em código Morse. Paisagem. Refúgio. Entardecer. Duendes, estrelas. Rosa e eu construímos um refúgio. Datcha-refúgio. Datcha-refúgio não mais existe. Datcha casa de Gustavo e Li é. Datcha visitante sou. Datcha-refúgio é passado. Dolorosa visita. Dolorosa percepção. Mais um capítulo de minha longa vida encerro. Muitos capítulos escrevo. Tragédias comédias, tragicomédias. Capítulos tristes com alegria encerro. Capítulos alegres, felizes, com pesar encerro. Escritor-ator novos capítulos escrevo. Novos papeis represento. Passado é passado. Imutável. Presente é mutável. ***
AULAS com InÍCIO ÀS 08H.
NOVAS TURMAS ENSINO MÉDIO
Qualidade de ensino com qualidade de vida.
anúmero reduzido de alunos por sala. ensino com tecnologia apple e uno internacional.
CERTIFIcaCÃO TOEFL.
Venha nos conhecer. Agende seu horário!!!
Fone: (16) 3637-0017
R. Floriano Peixoto, 2321 • Alto da Boa Vista Ribeirão Preto • www.colegioarkadia.com.br
colegioarkadia
16 Revista Ponto & Vírgula Abril/Maio/Junho 2021
colegioarkadia@gmail.com
Enciclopédia
Por Sérgio Roxo da Fonseca
A
linguagem é uns dos elementos mais antigos da história do homem. Portanto, parece até contraditória a crítica que se lança contra aqueles que trilham as veredas deixadas pelas palavras com o objetivo de melhor entender os passos dados pelos nossos antepassados. Usei propositadamente a palavra “veredas”, em lugar de “caminho”. Em Portugal, já sob a influência dos árabes, dos gregos e dos bárbaros, o latim que teria sido herdado dos romanos, foi aos poucos se transformando no nosso português. Em Roma usava-se a palavra “edil” para batizar aquele que exercia as funções próximas do nosso “vereador”. Os historiadores da linguagem indicam que em Portugal, no passado remoto, “vereas” era o nome pelo qual eram conhecidos os “cavalos”. O caminho trilhado pelos cavaleiros passou a ser conhecido como “veredas”. Finalmente nossos antepassados portugueses deram o nome de “vereadores” aos homens que tinham como função cuidar das veredas que ligavam as suas antigas cidades. No passado aqui no Brasil as Câmaras de Vereadores eram conhecidas como o “Senado Municipal”. Vale a pena estudar a raiz do vocábulo. Na antiga Roma o pai de família tinha o poder de vida e morte sobre os membros de sua comunidade. Naquele antiquíssimo tempo, a estrutura jurídica dos romanos era tribal. Com o tempo os membros das tribos passaram a se relacionar, fazendo explodir conflitos entre famílias diferentes. Daí surgiu a dificuldade de um determinado pai de família resolver um conflito entre membros de seu grupo com pessoas de outro grupo. Reconheceram a existência do que conhecemos pelo nome de incompetência ou em razão de pessoa ou em razão de lugar. Os pais de família, resolvendo os novos problemas, escolheram um ponto de encontro em Roma, transformando o local num fórum escolhido para resolver conflitos entre pessoas e entre famílias.
O pai de família invariavelmente era o mais velho membro da sua tribo. Em latim “velho” era “senex” raiz usada em português para dizer “senilidade” que significa “velhice”. Portanto, o local indicado para a reunião dos velhos pais de família em Roma passou a ser conhecido como “senatus”. Assim surgiu a semente do Poder Legislativo hoje sob a fortíssima influência da língua inglesa. O escritor alemão Erich Auerbac, de origem judaica, exilado em Istambul, para fugir das garras do nazismo, em seu livro “Mimesis”, revela que os autores da antiguidade invariavelmente registravam os feitos das classes superiores em suas obras. A exceção estaria na linguagem do Novo Testamento, onde os narradores revelam os passos de Cristo, filho de uma dona de casa, esposa de um carpinteiro, que passou pela vida acompanhado por pessoas simples, como o pescador Pedro. O escritor dá relevo ao episódio em que Pedro nega sua amizade com Cristo no momento da sua tortura. Observa-se que os discípulos de Cristo mantiveram a sua unidade, mesmo após trilhar caminhos geográficos diferentes e muito antes de Galileu descobrir o livro impresso. Na Grécia antiga, os historiadores registram, bem antes de Cristo, a existência de um grupo de pensadores que convertiam em seu conhecimento tudo que podiam estudar. Receberam o nome de “sofistas” porque conheciam todas as respostas certas para todas as indagações. Eram conhecidos pela expressão “encyklios paideia” da qual derivou o vocábulo “enciclopédia”, que hoje usamos encadernadas ou ”on line”, conforme tão bem anotou Peter Burke em seu livro "O Polímata". Não seria atrevimento afirmar que os principais objetos do estudo da história da humanidade sejam o próprio homem e a linguagem escrita e oral por ele criada para documentar seus inesquecíveis passos. *** Abril/Maio/Junho 2021 Revista Ponto & Vírgula 17
Poetas Inesquecíveis
Barco Antônio Ventura
O amor que não tive foi belo como um desejo! Foi chuva de estrelas multicores, foi sonho e abismo, fumaça e infinito. O amor que não tive foi triste como um soluço de angústia! Foi lágrima desfeita sobre pedras. Foi sonho e abismo, fumaça e infinito. O amor que não tive foi puro como o voo das gaivotas! Foi simples como a fonte do deserto. Foi sonho e abismo, fumaça e infinito. O amor que não tive foi calmo como o perfume sutil das violetas! Foi complexo como a multidão. Mas, foi belo... triste... puro e calmo, porque foi sonho e abismo, fumaça e infinito!
Minha vida foi sempre um barco levado pelos ventos, neste mar ora calmo, ora encapelado. Quem o comandante do barco que ora no mar calmo que ora no mar revolto navega? Sempre tentei e quis comandar este barco, que ora no mar calmo, que ora no mar revolto, navega. Mas serei eu o comandante deste barco que ora no mar calmo navega em busca do arco-íris? Ou o comandante é outro que na onda encapelada espreita?
* 07/12/1935 † 01/06/2007
18 Revista Ponto & Vírgula Abril/Maio/Junho 2021
* 06/06/1948 † 29/06/2017
Foto: TSSergey
Sonhos Alvim Alvino Barbosa
Harpa
Por Raquel Naveira
Q
ue instrumento lindo é a harpa! As cordas, numa moldura aberta de madeira, quando dedilhadas, fazem ressoar acordes secretos, misteriosos, tensos. Súbito, a terra liga-se ao céu, o instante a vibrações espirituais, a certeza da morte ao destino eterno. Portais puros se abrem como por encanto. Antiga, a harpa procede dos ancestrais arcos de caça. O som que era produzido quando as mãos retesavam a arma em direção ao alvo. A pulsão rumo ao infinito. O equilíbrio entre a personalidade e o domínio de si mesmo. Talvez a harpa já existisse antes do dilúvio. Estava presente no Egito e na Grécia. Tornou-se símbolo dos bretões celtas na ilha esmeralda da Irlanda e nos castelos medievais do País de Gales. Para o judeu, a harpa de dez cordas, feitas com o intestino delgado das ovelhas, era um atributo de Davi. Ele tocava sua harpa diante do rei Saul, que logo sentia alívio de suas dores malignas. Quando, mais tarde, o povo foi levado cativo para a Babilônia, à beira do rio Eufrates, sentaram e choraram, penduraram suas harpas no meio das longas folhas dos salgueiros. Bem que aqueles que os destruíram pediam para que tocassem canções alegres. Quanto insulto! Como haveria alegria fora de Sião e de Jerusalém? Que desespero, que emoção profunda há no lamento dos exilados de todos os tempos. A harpa pequena é uma cítara ou uma lira. A lira dos músicos e dos poetas. A lira de Orfeu. Orfeu era filho do deus Apolo com uma musa. Com seu canto suave, abrandava a natureza, ordenava as estações do ano, fascinava animais, aplacava as tempestades. Tudo e todos se concentravam nele, pareciam dormir ao som das notas de um campo harmônico. Após a passagem do poeta, uma peste, semelhante a esta que estamos vivendo, assolou a Trácia. Sua lira transformou-se numa constelação. É lá no céu que os anjos e os poetas tocam harpas para
sempre. A inquietação da beleza e o desejo de ser feliz materializam-se num lirismo de adoração. Nascida na fronteira do Brasil com o Paraguai, em terras onde aconteceu o ciclo da erva-mate, conheci desde a infância a harpa paraguaia típica, tocada com as unhas. As polcas, as guarânias, as melodias ora lentas e melancólicas, ora rasqueadas, inflamadas, heroicas, brotando entre os fios, saltando dos pedais. Os tons claros, cálidos, glissando nas escalas. Os arpejos espanhóis misturados com a tradição dos índios guaranis. Os passos, os gritos e giros de uma dança latino-americana. Grande artista é Fábio Kaida. Uma figura cênica. O rosto de índio, os cabelos longos e lisos ultrapassando a cintura, manto que se movimenta enquanto ele gruda a harpa ao seu corpo. Focado, cria arranjos sofisticados, modernos, sem nunca perder suas origens, suas raízes. Por quais nevoeiros andará ele com sua harpa paraguaia? Instrumento lindo. Só me resta cantar. Um canto pungente, que faça cessar os suplícios dos condenados. Ouço sons de harpa ecoarem das profundezas do abismo. *** Foto: FASP2018/Divulgação
O harpista Fabio Kaida (MS)
Abril/Maio/Junho 2021 Revista Ponto & Vírgula 19
Mini poemas
Esboçando o destino Carla Barizza
Um dia farei poesia Cecilia Figueiredo
Você é a Poesia! Marly Marchetti
Céu é limite, universo é infinitude. Queiramos o universo! O destino se faz, aleatoriamente, entre sorte e azar, sonhar e realizar, e esboçá-lo, já é existir!
Um dia farei poesia. Hoje não. Nada suplanta o silêncio da beleza ordenada. Aquilo que se dispõe a ser. E é.
Sua alegria é fascinante! A energia que emana de você, é contagiante! Você é a poesia que eu escrevo no dia a dia!
Você é luz ou escuridão? Por Fernando de Oliveira Cláudio
Você está livre ou preso à imagem que você construiu? Às vezes você se preocupa com o que os outros pensam? Não deveria. Fuja de fofocas. Se alguém tecer comentários alheios, pertinentes à outra pessoa que não está presente para se defender, acrescentar ou somar, corte na raiz estes tipos de comentários. Fuja do diz que diz. Viva de forma intensa a sua vida e não dê importância para coisas pequenas. Evite desperdiçar energia com fontes negativas. Por mais ombros fortes que você tenha, deixe no chão aquilo que não agrega e que pertence ao passado e só faz com que o fardo da sua jornada se torne mais pesado. Leve somente o essencial para cultivar sorrisos e bons dias. E acredite que o melhor está por vir. ***
O MELHOR DA NATUREZA EM SUA MESA Frutas nacionais e importadas do produtor para sua mesa. Atacado: (16) 3638-7464 Ceagesp (Rod. Anhanguera, KM 322, GPB Box 07& 09) Varejo: (16) 3632-4794 Rua Bernardino de Campos, 621 Email: frutao@superig.com.br 20 Revista Ponto & Vírgula Abril/Maio/Junho 2021
Artista Plástica em Destaque Artista Lícia Vallim
Lícia Vallim
Exposição “A Mão Que Alimenta”
“A Mão Que Alimenta” Memorial Casa Libaneza de Cravinhos: Maio 2021 Museu da Cana de Pontal: Junho 2021 Grupo ADDA - Obras Figurativas Expressionistas Contemporâneas
Café Brasil 50x70cm
Cana Brasil 50x70cm
Poetas em Destaque Neusa B. S. Garcia
Irene Coimbra
Criança Interior
Alma faminta...
Neusa Bridon dos Santos Garcia
Irene Coimbra
Não importa a idade minha criança interior, vive serena, tranquila num lugar só meu. Lá a encontro sentindo apenas os batimentos calmos do seu coração que é meu. Sinto o ar que como gaita de fole sai e entra liberando nostalgia do pulmão que é meu. Cuido da minha criança interior guardando-a numa “caixinha mágica”. Vou precisar dela a qualquer momento para que, de mãos dadas, voltemos a ser criança vivendo com alegria, amor e paz o ontem, o hoje e o amanhã. Você já acariciou sua criança interior, hoje?
Pobre alma faminta e desesperada! Quem me dera ter o poder de alimentá-la com esse poema simples que lê agora! Quem me dera ter o poder de acariciá-la com minhas palavras! Ah, alma querida, perdoa-me por não poder ajudá-la. Há escassez de poesia e arte por toda parte, e essa sua mesma fome também aqui me consome! Abril/Maio/Junho 2021 Revista Ponto & Vírgula 21
PARTICIPANTES DA 17a. ANTOLOGIA PONTO & VÍRGULA Coordenação: Irene Coimbra
Adriano Pelá
Alceu Bigato
Alciony Menegaz
Aldair Barbosa
Aline Cláudio
Antônio Carlos A. Gama
Antônio Carlos Tórtoro
Carla Barizza
Carlos Augusto Sborgia
Carlo Montanari
Cláudia Andréa Biagini
Conceição Lima
Fátima Monteiro
Fernando de O. Cláudio
Heloísa M. Alves
Idemar de Souza
Luzia M. Granato
Maria Helena Zeotti
Marlene Cerviglieri
Marly Marchetti
Nely C. de Mello
Neusa Bridon
Perce Polegatto
Renata C. Sborgia
Wlaumir Souza
22 Revista Ponto & Vírgula Abril/Maio/Junho 2021
LIVROS não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os LIVROS só mudam as pessoas. Mario Quintana
Nós gostamos de faze r LIVROS. Funpec-Editora
REGISTRO DE ISBN / FICHA CATALOGRÁFICA
Editora
•
DIAGRAMAÇÃO
•
IMPRESSÃO
www.funpeceditora.com.br Av. Treze de Maio, 861 | Jardim Paulistano 14090-270 - Ribeirão Preto | Tel. 16 3620-1251 Abril/Maio/Junho 2021 Revista Ponto & Vírgula 23
E U D ES TA Q EM FO TO
Foto: Aline Cláudio 24 Revista Ponto & Vírgula Abril/Maio/Junho 2021