Novembro/Dezembro Ano 5 | Edição 36 R$10,00 ISSN: 2317-4331
PONT & VIR ULA
MAESTRO NAZIR BITTAR
LEVANDO A MÚSICA PARA TODOS OS PÚBLICOS
Participantes da Décima Primeira
ANTOLOGIA PONTO & VÍRGULA Prefácio por Antonio Carlos Tórtoro
POEMAS
FOTOS
Adriano Pelá: Terceira idade Alceu Bigato: Conta-gotas do Infinito, Garra Cabocla, Bom dia, Dia!, Gostaria de ver. Alciony Menegaz: Sarau Cultural Antonio Carlos Tórtoro: Homenagem póstuma ao jornalista Henrique Nicolini: o homem que trouxe a semente do Panathlon Club para o Brasil. Antonio Perucello Ventura: Contraste Arlete Trentini dos Santos: Socorro, Senhor Deus! Arnaldo Martinez: Eu tinha um passarinho, E daí? Cínthia Moretti: Amém Dagma Paulino: Poema da dor Débora Ventura: Poema para meu amor Elizabeth Bevilacqua Areco: Sem nome Fátima Moreira Melo: Momentos Fernanda Rocha Mesquita: Paz Irene Coimbra de Oliveira Cláudio: Será que vale a pena? Para livrar-se do enfado, Recado! Gotinha de orvalho. João Gandini: Dois extremos no tempo, Que bom, Rio, Odeio Ratos. Leonor Dalva Barros Réa: Apenas um sonho, O beijo na Estação da Luz. Lucy Stefani: Árvore Mulher Maria Apda R. Gaiofato: Aprender a ser só, Paz. Maria Auxiliadora N. Zeoti: A vida na Terra Marlene Cerviglieri: Entardecer Marly Marchetti: Em plena harmonia Nely Cyrino de Mello: Descoberta Neusa Bridon: Sós para sempre Renata Sbórgia: Despertar Rendrik Franco: Paisagem There Válio: Esse Teu Sorriso
Aline de Oliveira Cláudio Antonio Carlos Tórtoro Elza Rossato Lu Degobbi Rod Tórtoro Sandra Fachin Sonia Franco
2 Revista Ponto & Vírgula Novembro/Dezembro 2017
CONTOS E CRÔNICAS Aline de Oliveira Cláudio: A Despedida Aldair Barbosa: A reverência do amor Cláudia Regina Gomes Croce: O sentimento do amigo Cecília Figueiredo: O elefante que caiu do caminhão Diamantino Bartolo: A Arte e a Ética Ely Vieitez Lisboa: Duelos e/ou O Espelho e Eu Heloísa Martins Alves: Tributo a Evita – Um sonho realizado Idemar de Souza: Da obra: “Sobre trechos duma vida” Isolino Coimbra de Oliveira: A lareira invisível José Micheli: Adoração, Ilusão Jugurta de Carvalho Lisboa: Aviso aos infiéis Luzia Madalena Granato: Casamento com a Poesia e a Literatura Max Wagner: Curujéia Ricardo de Moura Faria: É possível amar quando se vive em uma ditadura?
CORDEL Gilson Rollemberg: A Volta da Inspetora Zuca à Terra
ÍNDICE NOVEMBRO/DEZEMBRO
E assim, num piscar de olhos, chegou dezembro!!! Assim também 2017 chega ao fim! “Parece que o tempo voou” é o que se ouve por toda parte. E voou mesmo!!! Nem parece que nossa “Ponto & Vírgula” já está completando cinco anos! Desnecessário dizer da nossa alegria e entusiasmo em comemorar mais um ano de vitória! Necessário é agradecer a todos os apoiadores e colunistas que confiaram em nosso trabalho e, unidos nesse mesmo ideal, tornaram possível a realização de nosso projeto. Projeto de divulgar escritores, poetas, músicos, fotógrafos e todos que, de uma maneira ou outra estão envolvidos com Educação e Cultura. Nesta revista, é com muita alegria que homenageamos o Maestro Nazir Bittar, da Orquestra Sinfônica de Franca. Nazir Bittar é merecedor dessa homenagem não só pelo que vem realizando diante dessa orquestra maravilhosa, mas também pelos vários projetos realizados envolvendo a música sinfônica. Em 2010 fundou a Orquestra Jovem de Franca, constituída de jovens de 10 a 19 anos, trazendo grandes benefícios a todos os alunos. Criou o “Ensemble Vocal da Orquestra Sinfônica de Franca” um octeto vocal do qual faz parte como maestro, diretor artístico e também cantor. Está sempre envolvendo coro, atores, cantores solistas e grande cenário em suas apresentações. Por tudo isso, e muito mais, é merecedor de nossa homenagem sendo destaque como Capa de nossa revista. Parabéns, Maestro Nazir Bittar! Desejamos a todos muita paz e alegria nas festividades de final de ano e que 2018 seja muito melhor que esse que termina. A você, leitor/leitora, o convite para se tornar mais um de nossos assinantes e se encantar com a beleza dos poemas, contos e crônicas de nossos colunistas. Irene Coimbra| Editora
Foto: Heloísa Crosio
Pág. 1 Capa Maestro Nazir Bittar – Levando A Música A Todos Os Públicos Pág. 2 Participantes da Décima Primeira Antologia Ponto & Vírgula Pág. 3 Índice, Editorial e Expediente Págs. 4 e 5 Nazir Bittar Pág. 6 Poetas em Destaque Págs. 7 Cantinho Literário de Vera Regina Marçallo Gaetani Pág. 8 Pescaria Inusitada – Jugurta de Carvalho Lisboa Pág. 9 Carta A Uma Leitora - Ely Vieitez Lisboa Pág. 10 Histórias de Irene - Irene Coimbra Págs. 11 Cantinho Literário de Bridon e Arlete Págs. 12 História e Arte – Rosa Maria de Britto Cosenza Págs. 13 Marcos Papa Homenageia Academia Ribeirãopretana de Letras Pelo Aniversário De 70 anos Pág. 14 Congresso Reúne Poetas De Várias Partes Do Brasil Em Ribeirão Preto - João Nery Pág. 15 ... - Aline Olic Págs. 16 e 17 Etapas A Vencer – Fernanda Rocha Mesquita Pág. 18 Lógica Da Pequena Crueldade – Mário Chamie Pág. 19 Publicidade Págs. 20 Foto Em Destaque - Aline Olic
EDITORIAL
EXPEDIENTE Direção Geral: Irene Coimbra de Oliveira Cláudio – irene.pontoevirgula@gmail.com | Edição: Ponto & Vírgula Editora e Promotora de Eventos | Diagramação: Aline Olic | Impressão: São Francisco Gráfica e Editora. Foto de Capa: Delzio Marques Anuncie na Revista Ponto & Vírgula. Associe sua marca à Educação e Cultura! Mídias: Impressa, Digital e Audiovisual. Publicidade e Venda: Irene – (16) 3626-5573 Tiragem: 3 mil exemplares Os artigos assinados são de responsabilidade do autor. A opinião da revista é expressa em editorial. Novembro/Dezembro 2017 Revista Ponto & Vírgula 3
MAESTRO NAZIR BITTAR
LEVANDO A MÚSICA PARA TODOS OS PÚBLICOS
N
Texto Nazir Bittar | Fotos Delzio Marques
atural do Rio de Janeiro, educou-se em Franca onde iniciou seus estudos de piano com a professora Marlene Minervino de Castro, na antiga Escola Técnica Musical Pestalozzi. Durante o período de graduação em Regência na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), participou de vários cursos no Brasil e no exterior. Foi aluno de Aylton Escobar, Henrique Gregori, Benito Juarez, Almeida Prado e Fúlvia Escobar. Numa estada em Londres em 1992, foi aluno da renomada Guildhall School of Music and Drama, com o mestre para técnicas de regência Alan Hazeldine. Também participou de workshops na Morley College e na Trinity School of Music. Já graduado pela UNICAMP, Nazir Bittar migrou para a Alemanha em busca de títulos e principalmente de conhecimentos e experiências musicais. 4 Revista Ponto & Vírgula Novembro/Dezembro 2017
Foi aluno da Robert Schumman Musikhochschule de Düsseldorf, tendo como professor Ludwig Herbig. Posteriormente ingressou no curso de mestrado em musicologia da Universität zu Köln (Universidade de Colônia) e o concluiu em 2002, sob orientação de Dr. Rüdiger Schumacher. Participou de congressos de musicologia e do Festibaam 2005 - festival de cinema Ibero-latinoamericano, ministrando cursos sobre a música erudita brasileira. Trabalhou com cantores de ópera, atores e bailarinos da companhia de dança de Johann Kresnik, um dos mais renomados do mundo no que diz respeito à dança contemporânea. Iniciou o curso de doutorado com o Prof. Dr. Antônio Bispo, terminando-o posteriormente no Brasil. De volta ao Brasil em 2006, após onze anos na Alemanha, Nazir Bittar ingressou em 2007 no curso
de doutorado da UNICAMP, sob orientação de Dr. Paulo Kühl, defendendo tese em 2012. (Sua tese versa sobre a ópera “Yerma” de Villa Lobos e é um trabalho interdisciplinar que engloba ópera, literatura e estudos de gênero). Em Campinas realizou concertos com a Orquestra Sinfônica da Unicamp e fez direção musical da peça “O Homem do princípio ao fim” de Millôr Fernandes e “Casas de Machado”, ambas sob a direção de Ricardo Moreira. Em 2016 dirigiu o musical da peça “Tango Vermelho” com o mesmo diretor cênico. Desde maio de 2008 é regente titular da Orquestra Sinfônica de Franca e vem realizando diante desta orquestra diversos concertos, todos aclamados pelo público de Franca e região. Criou vários projetos envolvendo a música sinfônica, como: “Eu conheço uma orquestra”, “Concertos didáticos”, “A OSF comemora com sua cidade”, “Coro Sinfônico” e fundou em 2010 a OJF, Orquestra Jovem de Franca, que é constituída de jovens de 10 a 19 anos, futuro celeiro da OSF e das demais orquestras do país. Em 2012 recebeu a Láurea “Mérito Cultural Maestro Carlos Gomes” conferida pela Sociedade Brasileira de Artes, Cultura e Ensino. Em 2014 sacramentou parceria oficial entre a Orquestra Jovem de Franca e o Projeto Guri – polo Acif/Franca, que já trouxe grandes benefícios aos alunos e toda a população francana. Em setembro de 2014 foi convidado para reger a ‘Ad hoc Orchestra’ em Nova York – EUA. Lá realizou dois concertos na Bard College com orquestra, coro e solistas com repertório somente com músicas brasileiras. Também em 2014 realizou o primeiro ‘Musical Concerto – A música nunca acABBA’, que envolveu coro, atores, cantores solistas e grande cenário. Em 2015 criou o ‘Ensemble Vocal OSF’, um octeto vocal do qual faz parte como maestro, diretor artístico e também cantor. O Ensemble já conseguiu notoriedade e prêmios na cidade. Estreia como diretor cênico e roteirista do monólogo cômico ‘Um dia de patroa’ com o ator Maykon Robert. Novembro/Dezembro 2017 Revista Ponto & Vírgula 5
Poetas em Destaque
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Alceu bigato
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Anamaria Silveira
Asas Poéticas
Uma Questão de Desapego
Melhor veículo que o transporte poético não há. Asas para viagens rápidas e gratuitas. Meu ponto de parada: Toronto, Canadá, para agradecer uma fã: Fernanda Mesquita! Graças às asas que citei e a Irene vai além. Conectá-las à nave espacial. Exagero? Talvez, mas, pensando bem, já chegamos aos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Espanha, Canadá e Portugal. Cada um sonha do tamanho que quiser. Pode se realizar ou não, igual jogar na roleta. Mas “Ponto e Vírgula” nas mãos dessa mulher pode levá-los a outros planetas. Mesmo porque ela tem alguém atrás da cortina para manter o berço cultural na vitrine. Quem é ela? Para a Irene, sempre menina. Pequenino nome: grandiosa Aline! ***
Não sabia que seria fácil. Bastou uma reflexão. Agora refeita, posso viver sem apego. Enfrento os medos, vivo um dia de cada vez. Ah, se soubesse que tudo é passageiro! A vida seria mais leve, daria mais valor para o meu interior. Nada é para sempre! É preciso coragem, para viver intensamente um dia de cada vez. Não penso mais no que se foi. Não me preocupo com o futuro. Vivo o presente! Hoje entendo o que aconteceu. Vivi... amadureci... me transformei. De repente o desapego pra vida renascer. Como é bom reconhecer! Viver novamente um dia de cada vez. Desapego é o segredo. Um novo caminhar... É preciso recomeçar intensamente. Um dia de cada vez! ***
Roberto Ferrari
Adriano Roberto Pelá
Inspiração Tudo de amor que existe em mim te pertence. Tudo o que amo és tu, meu amor. Do nada a alegria surgiu na minha alma Fantasiada de ti. Tão lindo este amor que fiquei refém Tão fácil te amar que fiquei escravo. Cada jura que fiz tinha teu nome Cada grito que dei explodiu no infinito. Sou o amor e tu és minha querida Se meu pobre coração soubesse Desse infinito amor já teria se entregue. Pois se por tanto te amar fiz minha poesia Minha inspiração, minha razão Foi para viver da vida o amor sem fim ao teu lado. 6 Revista Ponto & Vírgula Novembro/Dezembro 2017
4Perder
Amargo sabor, difícil aceitar... Derrota indigesta, revolta, emoção crescente! Sem limites, avoluma-se, inflama, tumora, apodrece, dói... Febris vinganças, desvarios alucinados, corrosivos... Desfalecidas horas derradeiras... Último alento, busca de forças... Fim iminente... Tempo de agonia... Entrecortados haustos, inesperada reação. Decisão extrema: perdoar, esquecer, extirpar o tumor, colocá-lo tripulante, embarcá-lo, soltá-lo na correnteza... Distância crescente, dirimindo o mal, livre do amargo sabor.
Cantinho Literário de
Vera Regina Marçallo Gaetani
Chemins parallèles..... .....Amitié éternelle.....
Foto: Fúlvia Freitas
Jean-François Au bord du chemin que nous avions identifié, j’attendais, fidèle... Même l’obscurité, même la tempête n’ont pu briser ce naturel, Il est la raison d’être de notre rencontre préparée depuis toujours. Tel le rapprochement de toutes les forces de la nature qui un beau jour Immédiatement ont permis, que deux êtres l’un pour l’autre inconnus, Ensemble définissent et participent au destin dont ils se sont souvenus... Tout se prépare maintenant pour que le rêve éveillé devienne réalité, Emportant avec elle tout ce passé qui est le fondement de leur amitié. Rares sont les événements de la vie qui nous ouvrent les yeux, Nous n’avons pas toujours le cœur à nous passionner pour eux. Et quand l’heure est arrivée de vivre et de fêter ces retrouvailles, L’existence de chacun, déjà chargée par les années, tisse une nouvelle maille: La joie, le bonheur, l’intensité de la rencontre à deux préparée Est la sérénité retrouvée et l’amour de deux êtres pour l’éternité... Poésie inspirée par la chronique « Chemins Parallèles » de Vera Regina
Chemins Parallèles* Caminhos Paralelos Certa vez, dois caminhos encontraram-se ao acaso... Vieram voando com as nuvens, nesse mundo virtual, conectado no céu. A surpresa inicial deu lugar ao encantamento pelas coisas tão iguais, Tantas vezes procuradas, nunca antes encontradas. Enfeitaram-se de flores, de belo pôr do sol... São caminhos paralelos, que jamais se cruzarão. Se jamais se cruzarão, também não perderão o encanto, nem sonhos serão desfeitos. Cada qual sonha a seu lado, imaginando no outro, o "ser perfeito”. Caminhos tranquilos, sem domínios, Num respeitoso silêncio, sem perguntas, sem cobranças... Até aonde os levarão seus caminhos paralelos? Até aonde lhes permita o direito de sonhar!... *Para meu amigo Jean-François Woloch Pelos mais de vinte anos de uma Amitié Eternelle Imagem de fundo Quadro "SOUL TIME — PALETTE KNIFE" Óleo sobre tela por Leonid Afremov
Julho/Agosto 2017 Revista Ponto & Vírgula 7
PESCARIA INUSITADA
(*) Jugurta de Carvalho Lisboa
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izem que quem faz a língua é o povo. Exemplo disso são os neologismos, os modismos linguísticos, que vez por outra surgem tanto na linguagem popular, como nas expressões tidas como chiques, usadas por personagens do mundo financeiro, artístico, segmentos outros e, até, pelo dito povão. Quem não se lembra das expressões: “a nível de”, “politicamente correto” e outras tantas, que incorporaram na nossa forma de linguagem? Tais expressões, no início soavam com conotação de conhecimento e cultura de quem as proferia. Entretanto, como qualquer modismo, seu reinado é bastante efêmero. Caia logo em desuso, tornando-se meros chavões. Hoje me lembrei de uma expressão popular, que há muito não ouvia. Trata-se do “pagar mico”. Será se existe alguém, que ao longo da vida, nunca passou por isso? Se é que existe, pode considerar-se uma raríssima exceção. Entre os vários micos que colecionei, um deles, distante há meio século, me veio à mente. Década de sessenta. Uma das melhores fases da minha vida foi durante os vários anos que trabalhei em uma usina hidrelétrica. Morava em um Acampamento com status de pequena cidade. Muito verde, respirava-se um ar livre de poluição e o mais importante é que, naquela época, o fantasma da violência ainda não rondava aquele pequeno mundo. Quando não estava no trabalho, tinha dois hobbies: caçar e pescar. As caçadas, normalmente, eram de codornas e pombas; sendo que estas últimas aconteciam após as colheitas de milho, ocasião em que as pombas desciam para se alimentar dos grãos que sobravam no chão. Quanto à pescaria, esta se fazia ao longo do ano. Como o rio era abundante em peixe, praticava-se ali, também, a pesca profissional. Entre as várias modalidades de pesca, alguns profissionais usavam o espinhel, que é feito utilizando-se uma linha de pesca 8 Revista Ponto & Vírgula Novembro/Dezembro 2017
Foto: Aline Olic
grossa e comprida. Ao longo desta, encastoavam-se os anzóis com as iscas em várias linhas mais finas e curtas. Em cada extremidade, amarrava-se um peso que descia até o fundo, bem como uma cabaça, que ficava boiando. Certa tarde resolvi colocar minha canoa n’água. Estava só. Comecei a remar em direção ao ponto onde eu costumava pescar os piaus. A certa altura, avistei uma cabeça bem lisa e marrom. Pensei: Já vi que minha pescaria de hoje vai transformar-se em uma bela caçada de capivara. Comecei a remar com mais vigor para alcançar a almejada caça. Senti que a adrenalina estava a todo vapor. Quando me aproximei o suficiente, levantei o remo e desfechei uma remada com toda força sobre a caça. Não imaginam qual foi minha surpresa, minha vergonha, o tamanho do vexame, quando ouvi um dos pescadores profissionais gritar com toda força dos pulmões: “Vai quebrar a cabaça do meu espinhel! ”. Penso que esse foi o maior mico que paguei em toda minha vida.
Jugurta de Carvalho Lisboa, mineiro de Cássia (1933) onde viveu até 1944. Desde então, vários pousos e decolagens entre Minas, São Paulo e Rio de Janeiro; neste último durante trinta e um anos. Em dezembro de 2004, mudou-se para Ribeirão Preto. No limiar de seus oitenta anos, nasceu o sonho de publicar um livro. O tema escolhido foi sua própria vida. Recolheu os cacos guardados no fundo de seu baú e os desnudou sob forma de Literatura Testemunhal.
CARTA A UMA LEITORA (*) Ely Vieitez Lisboa
SANTIDADE
Foto: Kevin Connor Kelly
Cara narradora, Envio-te este texto, sem data, escrito em alguma madrugada solitária. Faze o que quiseres com ele. Acordar é uma ressurreição. Cada noite, meu Monte das Oliveiras. Por que a sensação que eu único ser no mundo recebeu esse calvário, letal presente de grego, fígado cruento de Prometeu, que renasce a cada noite? Durante o dia, onde os monstros? Ocultam-se nas dobras das frustrações, usam máscaras, com sorrisos liriais, criam pretensas auras de santidade? Cada abraço amigo é tentáculo de polvo que pode sufocar? A noite desce e as pálpebras nervosas tentam não descerrar as cortinas do trágico espetáculo, mórbido happening de autor psicótico. E eu, sempre a personagem central. Medos, fobias, traumas são coleantes serpentes laocoônticas que se inserem sob os alvos lençóis, dilacerando-me, violentando-me. A tragédia, mil vezes chorada, consegue água maldita para os olhos que já se pensavam secos. O coração acelera. Uma noite, o ar faltou-me. Sentei-me desesperada na borda da cama. O fim. Assim, sufocamento? Aos poucos, a tortura amainou e o ar refrescou as entranhas. Sofre, infeliz, a sentença / condenação não terminou ainda. Uma manhã, com os olhos muito abertos, uma figura angélica, alta e loira, um homem, surgiu à direita do meu leito, entre a cortina alva e a cama. Sorriu triste e complacente. Nada disseram os olhos azuis. Breve oásis no deserto. Desvaneceu-se. O coração amainou e começou a brotar uma nova verdade. Insight iluminado. Meus monstros e eu. Eu e eles. Monobloco. Personagem cínica. Labirinto sem saída. Veio enfim, a serenidade. Um quase gozo. Era preciso conviver com eles, com suas afiadas garras, o odor fétido, as línguas viperinas, ásperas, o couro escamoso. Deitaram-se todos comigo, em uma cumplicidade mista de sensualidade, vida e perversão. Acho que nessa noite, iniciou-se a minha santidade. A AUTORA (*) Carta / Capítulo do meu romance epistolar Cartas a Cassandra. (*) Literatura é algo mágico e complexo. Você escreve, põe para fora seu mundo abissal, seus medos, fobias e o milagre se dá: função catártica, alívio. Uma leveza, aura, doce brisa alivia a alma, como uma oração. Olhos ávidos acompanham o texto, alguns entendem, se comovem, encontram-se; outros se escandalizam, porque se consideram santos, puros. Na verdade, a única diferença é ter ou não coragem de abrir a alma. É preciso acreditar: somos todos do mesmo barro. Novembro/Dezembro 2017 Revista Ponto & Vírgula 9
HISTÓRIAS DE IRENE Por Irene
Coimbra
O CASACO PRETO Preto e de lã. Encantei-me por ele assim que o vi na vitrine. Vi-me com ele em Londres! Rapidamente entrei na loja, comprei-o e, feliz, fui para casa. Chegando lá vieram as perguntas: - Mas, por que comprar um casaco desses se aqui em Ribeirão Preto não faz frio? Quanto custou? Mais um impulso seu? Não sabia o que responder. Se dissesse que me vira com ele em Londres, por certo me internariam como louca. O casaco ficou guardado durante trinta anos! Finalmente eis-me com ele aqui em Londres!
A MALA EXTRAVIADA Onze horas e quinze minutos de voo de Londres a São Paulo! Exaustos, lá estávamos, Paulo e eu, no Aeroporto de Guarulhos, esperando as malas, que vinham pela esteira. Uma pessoa, ao nosso lado, comentou: “Essa esteira passa rápido demais, quase não dá tempo pra pegar a mala”. Fiquei de olho para ver quando as nossas apareceriam. De repente vi a menorzinha ao lado de uma grandona. Quando elas iam passando, rapidamente peguei a menorzinha e Paulo a grandona. Faltava a média, que logo apareceu. Puxando as três, fomos saindo para fazer o check-in para Ribeirão Preto. Paulo reclamou que a mala estava muito pesada. Olhei para mala e me espantei! Que monte de fitinhas coloridas era aquele pendurado nela? Olhei-a com mais cuidado e meu espanto foi muito maior! Santo Deus!!! Não era nossa mala!!! Corri a falar com um funcionário que nos indicou o setor de malas extraviadas. 10 Revista Ponto & Vírgula Novembro/Dezembro 2017
- Andar de cima, pegue o elevador à esquerda, atravesse a sala... corredor à esquerda... fica no final. Tínhamos que correr... Atravessamos um salão enorme, pegamos o elevador, atravessamos outro salão enorme, seguimos por um longo corredor e lá, na última sala, estava o setor de malas extraviadas. Chegamos esbaforidos! Paulo estava tenso e eu mais ainda. A funcionária nos acalmou, dizendo que aquilo acontecia sempre. - E nossa verdadeira mala??? Ela nos acalmou novamente dizendo que logo o problema seria resolvido. Deixamos a mala errada com ela e fomos em busca da nossa. Depois de uma hora, de vai pra lá, vem pra cá, sobe, desce, senta e espera, apareceu um funcionário empurrando um carrinho cheio de malas e, para nossa alegria, a nossa estava entre elas. Corremos a pegar a nossa verdadeira e, finalmente fomos fazer o check in para Ribeirão Preto. Ufa!!! Preciso falar mais alguma coisa?
Cantinho Literário de
Bridon e Arlete
ENTRE QUATRO PAREDES... Arlete Trentini dos Santos
¡SOY POETA SÍ! JC Bridon Foto: Studio Cine Foto Mary
Sussurros de amor, toques de carinhos, palavras de afeto, o amor, aqui é concreto. Nem tudo é igual... Entre quatro paredes nem tudo é igual. Tem muitos resmungos, queixas, queixas e muitos ais. Nem tudo é igual... Entre quatro paredes, tal qual confessionário, desvendam-se segredos que os lábios não calam. Nem tudo é igual... Momentos guardados, momentos apagados, amores bem jurados, amores despedaçados. Nem tudo é igual... O tempo que passa pra muitos constrói. O tempo que passa pra muitos corrói. Nem tudo é igual... Na penumbra do quarto as máscaras caem. Não tem armaduras, as almas se expõem. Nem tudo é igual... Observe o sinal quando tudo vai mal ou há recomeço, ou é um final.
¡Soy poeta sí! Por eso busco en las sombras En la oscuridad En el atardecer Y en las noches de luna La inspiración divina Que me hace creer en sueños eternos En amores perdidos En sentimientos infinitos. ¡Soy poeta sí! Por eso camino en las tinieblas En los cielos nublados En el atardecer de los sueños Que hace mi inspiración eterna Eternizando mis sentimientos Que desean creer En sueños de amores infinitos ¡Soy poeta sí! De las tardes calientes Del sol abrasador Del calor sofocante Del frio que congela En noches interminables Y días oscuros, claros, nublados Y de cielo azul. ¡Soy poeta sí! De un amor infinito De caricias interminables De sueños soñados Y de luces multicolores Que llenan el vacio Que siento dentro de mí. ¡Soy poeta sí! Novembro/Dezembro 2017 Revista Ponto & Vírgula 11
HISTÓRIA E ARTE
Por Rosa Maria de Britto Cosenza - Cadeira nº 38 da ARL
A
Academia Ribeirãopretana de Letras comemora seus setenta anos de tradição e história. Mesclada à própria história do município e da região, tem construído uma epopeia de arte, por meio de seus textos poéticos eivados pela sabedoria advinda de seus autores. Muitas das personalidades que ajudaram a fundar e a conservar tão ilustre Academia, têm renome internacional, além da projeção nacional. São as letras, embebidas na beleza artística, que disseminam nossa língua portuguesa e despertam nos leitores a paixão pelas histórias, quase sempre fictícias, que constroem nossa história verdadeira. No meio das artes, tudo é belo, em busca da perfeição. E a estética, percorrendo os mais diversos caminhos, deixa-se acompanhar pela ética, garantia da tradição. O grupo de estudantes idealistas que se reunia na então famosa praça XV de novembro, marco central da cidade, para criar e intercambiar literatura, aos poucos foi crescendo, ganhando apoio dos mais experientes e amantes das letras, resultando, então, numa Academia, aquela instituição que nascera como uma simples associação Estudantina. Foi nos idos de 1947, exatamente há setenta anos! Seus primeiros componentes foram Saulo Ramos, José Jardim Moreira, Emília Ferreira da Matta, Aparecido Alécio Schiavon, José Wilson Seixas Santos, Renato Martone, Percival Bacci, Edson de Mello, José Paschoal do Rosário, Theresa Dorothéa de Arruda Rego, José Tupinambá e Olívia Alves dos Santos. Eram seus apoiadores: Antônio Machado Sant’Anna, prof. Epaminondas Barra, Onésio da Motta Cortez, Plínio Travassos dos Santos e muitos outros nomes ilustres, que passaram a integrar depois essa famosa Academia. Posteriormente foram criados os Estatutos e o Regimento Interno, o emblema e, bem mais tarde, em 1997, o então presidente Antônio Carlos Tórtoro compôs a letra do hino, que foi musicada pelo acadêmico Wilson Salgado. Em 2002, por sugestão do então presidente Antônio Carlos Tórtoro, nossa Aca12 Revista Ponto & Vírgula Novembro/Dezembro 2017
Foto: Elza Rossato
demia de Letras criou a Academia Ribeirão-pretana de Educação, que tem se destacado nos mais diversos setores educacionais. Os setenta anos de existência da Academia Ribeirãopretana de Letras comprovam sua produtividade e projeção. Assim o atestam as muitíssimas homenagens recebidas, as comemorações realizadas e os aplausos de escritores e leitores. Nas palavras do acadêmico honorário e fundador Saulo Ramos, de saudosa memória, cabe às Academias de Letras zelar pela língua pátria, com a promoção de eventos culturais que convoquem os jovens para o fascínio da cultura, da leitura, da instrução, da difusão e debates de ideias e conhecimentos. Nossa Academia caminha nessa direção, pois reavivou o Centro de Debates Culturais, em que apresenta palestrantes de renome, promove concursos literários e saraus, publica livros diversos com multiplicidade de gêneros e de temas abrangentes, busca a integração com outras instituições acadêmicas e artísticas, promovendo intercâmbio cultural. Sem dúvida alguma, a Academia Ribeirãopretana de Letras tem muito a comemorar. Sua trajetória, que vem sendo percorrida há setenta anos, não tem sido fácil, mas o idealismo e a dedicação de seus componentes são a força maior e necessária para enfrentar obstáculos e seguir batalhando até chegar à vitória.
MARCOS PAPA HOMENAGEIA ACADEMIA RIBEIRÃOPRETANA DE LETRAS PELO ANIVERSÁRIO DE 70 ANOS Por Assessoria de imprensa do vereador Marcos Papa
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Foto: Aline Pereira/Comunicação da Câmara
vereador Marcos Papa (Rede) homenageou a Academia Ribeirãopretana de Letras (ARL) pelo aniversário de 70 anos da instituição e pela “inegável importância histórica, cultural e social”. A sessão solene ocorreu no dia 22 de novembro, no plenário da Câmara, e reuniu um seleto público. “Particularmente é uma noite muito feliz, ser o proponente dessa justa e honrosa homenagem. Eu não tenho dúvida de que a Câmara Municipal fica maior hoje ao conferir a homenagem a Academia Ribeirão-pretana de Letras. Não é a Academia Ribeirãopretana de Letras que fica maior com essa homenagem do Parlamento de Ribeirão Preto. Se hoje a Câmara fica maior em receber os membros da Academia no Parlamento é evidente que está havendo uma saudável troca. A Academia sendo reconhecida pelo Poder Legislativo pelos 70 anos de história”, enfatizou Papa durante seu discurso. Dentre os homenageados da noite José Teodoro Papa (in memoriam), fundador da Academia Ribeirãopretana de Letras e tio-avô de Marcos Papa. “Um agradecimento pessoal em nome da minha família que está aqui conosco essa noite, o que muito me alegra. Não estou acostumado a ver vocês aqui porque são tantos compromissos na Unificação Kardecista e na Creche Vovó Meca”, ressaltou Papa referindo-se aos primos Marcos Vinícius Papa, Vera Lúcia Papa e Elisabeth Papa. Ainda em seu discurso, Marcos Papa enfatizou
que José Teodoro Papa “era uma alma de uma fecundidade impressionante” e acrescentou que a atmosfera espiritual da Câmara estaria renovada por semanas devido aos valores e estado de espírito do público presente. O diploma de homenagem a Academia foi recebido das mãos de Papa pelo presidente da ARL, Marcos Zeri Ferreira. Além de José Teodoro Papa, foram homenageados na cerimônia Sylvio Ricciardi e Antônio Carlos Tórtoro. A leitura da homenagem a José Teodoro Papa foi feita por Rosa Maria de Britto Cosenza, a Ricciardi por Luzia Stella Mello e a de Tórtoro por Waldomiro Peixoto. PROJETO DE MARCOS PAPA Na justificativa do projeto de resolução, Marcos Papa destacou reflexão da professora doutora Rosa Maria de Britto Cosenza em que ressalta “toda uma trajetória iniciada por um grupo destemido de estudantes que, em tempos idos, se reunia nos bancos da Praça XV de Novembro para ler seus versos e falar de literatura. (...) Conhecer a palavra e dela fazer uso com maestria é a chama que ilumina os caminhos a serem percorridos pelos acadêmicos”. Criada em 23 de outubro de 1947, a Academia Estudantina de Letras foi transformada em Academia Ribeirãopretana de Letras, em 9 de julho de 1951, por já não abrigar só estudantes. “Como um toque de esperança da existência de pensadores que colorem a literatura de Ribeirão Preto e iluminam o horizonte das gerações atuais e futuras, e que nos inspiram nesta singela homenagem por parte dos representantes do povo”, concluiu Papa no projeto. Marcos Papa - Vereador em Ribeirão Preto www.marcospapa.com.br WhatsApp do Mandato: (16) 99625-1800
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Congresso reúne poetas de várias partes do Brasil em Ribeirão Preto Por João Nery
De 6 a 8 de outubro, Ribeirão Preto/SP sediou o XI Congresso de Poetas Brasileiros, iniciativa das mais louváveis do Portal do Poeta Brasileiro, com apoio cultural da União dos Escritores Independentes (UEI). O primeiro dia foi reservado a um animado jantar-sarau de recepção, no Hotel Nacional. O feito propiciou o congraçamento entre poetas vindos de várias partes do Brasil e nomes dos mais prestigiados da cultura ribeirão-pretana, entre os quais a poetisa e ativista cultural Irene Coimbra, que presenteou os visitantes com exemplares da Revista Ponto & Vírgula e da antologia homônima, dirigidas por ela. Na manhã seguinte, as atividades concentraram-se na Praça XV de Novembro, com sarau a céu aberto, contação de história e distribuição de poemas. No período da tarde, houve um ciclo de palestras, no Centro Cultural Palace, e intervenções culturais, envolvendo artes plásticas, poesia e cantos lírico e popular, com a participação de renomados artistas da cidade, entre eles Simone Neves, Giovana Ceranro e Ed Lemos. O ponto alto do encontro foi a sessão solene da Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro (ANLPPB), no auditório do Centro Médico de RP. A cerimônia foi marcada pela primeira audição coral do hino da ANLPPB, composto pelo maestro Nilton Duarte, com letra-poema do poeta e acadêmico João Nery, e interpretado pelo extraordinário coro da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), sob a regência da festejada maestrina Cristina Modé Angelotti. Encerrando a programação, em assembleia ocorrida no domingo (8), a cidade de Itu, também no interior paulista, foi a escolhida para sediar a próxima edição desse tradicional Congresso. O evento, que objetiva promover o intercâmbio cultural e valorizar o poeta vivo, já passou por Salto, Campinas e Jales, no Estado de São Paulo, Londrina/PR, Rio de Janeiro e Petrópolis/ RJ e Maceió/AL, sempre com casa cheia.
Foto: Acervo do Portal do Poeta Brasileiro
HINO DA ANLPPB (João Nery)
Fanal formoso a iluminar seus filhos Como o céu abrigando estrelas mil. Sob tua égide a arte ganha estilo e resplandece em cada canto do Brasil Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro, Reverenciar o artífice vivo é o teu propósito altaneiro. Em teu seio, lampejo de esperança de um incólume mundo a construir, com justiça, cultura, temperança, e uma existência propícia ao servir. Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro, Reverenciar o artífice vivo é o teu propósito altaneiro.
Foto: Acervo do Portal do Poeta Brasileiro
Assim, fulguras e orgulhas tua gente, forjada na labuta e no dever. Tu és o futuro no presente, ó perenal luzeiro, berço do saber! Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro, Reverenciar o artífice vivo é o teu propósito altaneiro. 14 Revista Ponto & Vírgula Novembro/Dezembro 2017
Dezembro... Por
O
Aline Olic
sol se despede, na capital inglesa, por volta das 15:45. Faz frio, venta e chove. Uma das cidades mais ricas do mundo também sofre com milhares de moradores em situação de rua. Para muitos, dezembro é o mês mais esperado do ano. Pode-se sentir o espírito natalino em quase todos os lugares. As ruas estão enfeitadas com luzes pisca-pisca, músicas natalinas são ouvidas em repetição, nas lojas e supermercados. Floristas expõem seus belos pinheiros de Natal para compra. Dezembro é um mês de amor, felicidade e... tristeza. Quarta-feira, 20h. O aplicativo no celular mostra a temperatura de 3 graus. Um casaco quente, um suéter de lã e uma malha quase não são o bastante para aquela temperatura. E ainda assim, dezembro não é o mês mais frio do ano. Quatro jovens se aproximam de um homem, deitado em um papelão. Agacham-se e começam a conversar. Ele aparenta mais de 70 anos, com aparência muito cansada, sujo e visivelmente embriagado. "Como tem passado, Lou?" - um dos rapazes pergunta. O homem, ainda deitado, responde: "Nada mal e você? O que trouxeram hoje?” Uma das moças sorri e responde: “Sopa de lentilha e pão com queijo, Lou!” O homem balbucia e, enquanto tosse, se levanta e aperta carinhosamente a mão da moça num gesto de agradecimento. Lou, que servira o exército, agora vive na rua, sozinho. Sem contato com a família que vive no norte da Inglaterra, diz que “se perdeu” quando voltou da Guerra Irã-Iraque, nos anos 1980, quando o Reino Unido lutou ao lado do Irã. Depois de meses no campo de batalha, e uma bala atravessada no braço, encontrou no álcool e na cocaína o alívio que precisava para seus dias. Não conseguia mais se encaixar em nenhum emprego. Deprimido e sem o apoio da família, resolveu sair sem rumo. Mais de 20 anos depois, tem naquele espaço, há poucos metros da estação de Ealing Broadway, no oeste de Londres, sua casa. O sotaque carregado e a fala arrastada quase o fazem ininteligível. Aquela noite é a primeira noite que uma das mo-
ças sai com o grupo para entregar sopa e comida para os moradores em situação de rua. Ela não entende o porquê ninguém diz a Lou que ele precisa parar de beber. Nenhum dos três jovens presentes o repreende. Oferecem água, chá preto com leite, sopa de lentilha, pão com queijo e duas tortinhas de frutas secas (tradicional durante o período de Natal). Após, mais ou menos 20 minutos de conversa, se despedem de Lou que agradece e diz: “Até sexta!” Um dos moços diz que há previsão de chuva fina em meia-hora. Apressam-se para o próximo destino. Durante aquela noite, os jovens visitam mais quatro homens que ainda não são conhecidos do grupo. Um romeno em seus 30 anos, um inglês de 55 anos - ou ele “imagina que seja”, um refugiado sírio de 33 anos e um nigeriano que diz “estar nessa terra há alguns anos”. Todos têm algum tipo de álcool entre seus pertences. Todos estão sozinhos e visivelmente cansados. Todos trazem sorrisos e palavras de agradecimento. Após o último “rough sleeper” (como são chamadas as pessoas que vivem e dormem nas ruas), o grupo se despede e cada um volta para sua casa onde há uma cama quente e um aquecedor ligado. Depois de conhecer Lou e mais quatro pessoas naquela noite de quarta-feira de 3 graus, aprendi algo óbvio: o meu não julgamento é uma das grandes coisas que posso oferecer ao mundo. Quando se está sozinho na rua, há tanto tempo, sem família, documentos, dinheiro, quando se perdeu tudo, a felicidade, a esperança, quando está frio e só se tem um cobertor, uma garrafa de sopa de lentilha e uma tortinha, o que menos se precisa é de um grupo de jovens dizendo que não se pode beber. Não há como sentir o vento gelado e não pensar nessas milhares de pessoas. Não há mais como dizer que amo o frio. Dezembro é lindo, cheio de amor e felicidade. Dezembro também é frio e triste. “Un hombre muere de frío, no de oscuridad.” Miguel de Unamuno. Novembro/Dezembro 2017 Revista Ponto & Vírgula 15
ETAPAS A VENCER Por Fernanda R. Mesquita
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asta nascer para nos sentirmos confronta- dia quando chedos, diariamente, com etapas por vencer. gasse, tivesse o Mas existem etapas e etapas. Muitas bar- material para a reiras são visíveis, outras nem tanto. Quantas vezes capa da revishá quem trabalhe para o deleite dos outros e muitos ta. Mas por quê são os que acham apenas “bonitinho”. Na beleza que tanta dificuldadeleita os olhos de muitos estão lá, lágrimas, suor, de em tirar uma e certamente alguns palavrões de raiva e desalento. foto? Teria que Sempre que recebo um exemplar da revista Ponto ser mais do que & Vírgula, deleito-me com a qualidade da escrita de uma, para escocada autor, e com a excelente qualidade da diagrama- lher a melhor, claro. O grande problema é que todos ção. Enquanto leio, veios de boa disposição e otimis- os fotógrafos apresentaram-me preços exorbitantes. mo de Irene Coimbra, viajam com a revista até mim. Se um fotógrafo saísse comigo para a rua, apenas por Certamente muitos dos leitores sentirão isso. Mas uma hora, custar-me-ia cerca de mil dólares ou mais. quem dirige algo deste gênero, precisa muito mais Se me limitasse apenas ao estúdio cobrar-me-iam do que otimismo. Necessita de carregar nela, doses mais de cem dólares cada foto. Se eu optasse por um e doses de paciência e de coragem. Há a angústia de pacote de seis, pagaria a bela quantia de seiscentos prazos a cumprir, que nem sempre são possíveis de dólares. Ah, mas por fotos apenas digitais. Já no final cumprir. do dia, cerca das cinco horas da tarde, entrei num Na edição 34, do bimestre minúsculo estúdio de um chi"Eu sorri; Irene, sempre passado, fui a capa da revista. nês. Apesar do difícil sotaque Sim, eu, no Canadá colaboran- com a sua certeza de vitó- chinês lá o entendi. Por uma do com Irene no Brasil e a Aline foto retocada eu pagaria cenria! É uma característica em Inglaterra. Milhares de quito e trinta dólares. Mas apenas lômetros de distância, agravados uma. Se não me agradasse, teque nos assemelha." com a diferença de horário. ria que tirar outra. RespondiO conteúdo da revista estava pronto, mas o que -lhe que voltaria no dia seguinte. O senhor marcou a poderia ser de menor importância tornou-se o maior hora. Onze da manhã. Dar-me-ia a foto quatro horas problema a ultrapassar. depois. Não satisfeita, nem confiante na qualidade - Fernanda, tira muitas fotos. Na rua, em casa... do senhor, decidi visitar mais um estúdio. Fui atende pé... sentada... etc... dida por uma senhora muito simpática. Pelo sotaque, Assim fiz. Mas as primeiras fotos tiradas com um deduzi que seria oriunda de um país da Leste Eurocelular, sem alta definição, a Aline as recusou e com peu. Escutou o que eu pretendia. Esta foi, de todas as toda a razão... propostas, a mais acessível. - Vai a um fotógrafo. - Tiro-lhe quantas fotos quiser, até aprovar uma, e Durante quase um dia inteiro visitei vários estú- ofereço-lhe uma em papel. Mas não retoco. Não sei. dios fotográficos. Em cada um que entrava, aumenEu não estava interessada na foto em papel, mas tava a minha desilusão. Apreensiva sabia que lá longe essa amabilidade proporcionou-me um certo bem Aline, após um longo dia de trabalho, sentar-se-ia estar, depois de tantas horas a entrar e sair em estúno computador esperando pelas fotos. Imaginava dios. Gentilmente quis mostrar-me o estúdio, onde Irene, no Brasil, quase pronta para descansar, espe- eu no dia seguinte seria atendida. Gostei da senhora rando uma resposta minha, para que Aline no outro mas não gostei do estúdio. O pequeno espaço foi o 16 Revista Ponto & Vírgula Novembro/Dezembro 2017
que me causou menos preocupação. O que não me agradou foi a desarrumação. A visível desorganização revelava falta de profissionalismo e até um certo mau gosto. Agradeci, gentilmente, à senhora e fui para casa. Enquanto dirigia, enfrentando a hora de pico na cidade de Edmonton, pensava numa saída. Com toda a certeza não iria desiludir Irene e Aline. Se eu tinha aceito o desafio, iria cumpri-lo. Pensei na minha casa. Arranjaria um modo de transformá-la num estúdio fotográfico. Entrei em casa, olhei para meu filho e disse: - Prepara a tua máquina fotográfica. Não consegui encontrar um fotógrafo com ofertas decentes. - O pior será a luz - argumentou ele. Dirigi-me ao quarto da minha filha. Desliguei o enorme e potente candeeiro, cujas lâmpadas eram autênticos holofotes. Carreguei o pesado candeeiro de pé e levei-o até à sala. Virei as luzes para mim e procurando diferentes cantos da sala, com o candeeiro atrás, o meu filho tirou-me cerca de cem fotos. Dessas cem, escolhi umas seis e enviei para a Irene que já dormia e para Aline que provavelmente já es-
taria a caminho do trabalho. Quase não dormi nessa noite. Várias foram as vezes que fui ao computador para saber se as fotos tinham sido aprovadas ou não. Já quase de madrugada, a Irene enviou-me uma mensagem: - Fernanda, descanse. A Aline aprovou as fotos. Nós vencemos amiga! Eu sorri; Irene, sempre com a sua certeza de vitória! É uma característica que nos assemelha. Também recuso pensar, diante das dificuldades, que não há solução. Foi uma vitória que roubou muitas horas de sono, mas valeu a pena. Obrigado Aline, Irene e Nuno. Etapa vencida! Nuno comentou: - Agora entendo, porque os fotógrafos em Alberta têm falta de clientes. Pois, também eu. Fiquei a saber o quão caros sãos os fotógrafos em Edmonton. Fernanda R. Mesquita nasceu em Portugal mas vive no Canadá, na cidade de Edmonton, Capital da província de Alberta, onde tem estatuto de dupla nacionalidade luso-canadiana. É autora de livros de poesia e participa de várias Antologias. Autora dos blogs Laços de poesia e Juntando Espigas.
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LÓGICA DA PEQUENA CRUELDADE
Por Mário Chamie
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u o sujeito presta, ou é sistemático! Aos sábados, pela manhã, costumo tirar cópias xerox de textos de meu interesse. Vou a uma banca de jornal, no bairro dos Jardins, perto de onde moro. Sábado passado, neste outono de 1984, levei vinte páginas e pedi três cópias de cada uma ao rapaz da banca. O rapaz programou a copiadora. As cópias começaram a sair no seu ritmo próprio e adequado. Nisso chega um senhor, meia idade, sobraçando dez páginas. Queria duas cópias de cada. Num sotaque estrangeiro que não distingui bem, dizia-se muito apressado. Sem tomar conhecimento de minha presença, pediu ao rapaz que sustasse minhas cópias e introduzisse na copiadora os seus textos. Argumentou: - Você já tirou onze cópias das vinte páginas que estão na máquina. Eu trouxe apenas dez, ou seja, a metade. Se você tirar da copiadora as nove páginas que lá estão e colocar as minhas dez, todo mundo se beneficia. Eu ganho tempo, o dono das nove restantes não perde nada, e você agrada os dois clientes. O rapaz não vacilou: - Olhe, converse sobre isso com o dono das vinte páginas. É o doutor aqui, e apontou para mim. O cliente apressado, num gesto postiço de intimidade, pôs sua mão esquerda sobre meu ombro direito e disparou: - O amigo já ouviu o que eu disse. Repito: estou com pressa e o amigo tem vinte páginas para serem xerocadas. Eu só tenho dez. Se o amigo mandar retirar da máquina, as suas nove não copiadas ainda, poderei introduzir as minhas dez a serem reproduzidas, sem prejuízo... Eu o interrompi: - Desculpe-me, mas já não faltam nove. Agora, faltam apenas cinco. Caso eu retire essas cinco o rapaz terá que reprogramar, de novo, a máquina. Isso nos fará perder três ou quatro minutos... Sem me dar ouvidos atalhou: - Sem dúvida, mas veja: é uma questão infalível de lógica. Considere que cada cópia toma dez segundos. 18 Revista Ponto & Vírgula Novembro/Dezembro 2017
As suas sessenta consumirão, assim, seiscentos segundos, equivalentes a dez minutos. Obviamente, as minhas vinte consumirão um terço desse tempo. Se, por exemplo, há um minuto atrás, tivéssemos autorizado aa suspensão de suas últimas cinco, eu teria iniciado a reprogramação da copiadora para receber as primeiras das minhas vinte. Nesse exato momento, o rapaz interveio, cortante e frio: - Doutor, as suas sessenta cópias estão prontas. Foi o pandemônio. O homem de sotaque indecifrável rugiu por dentro e me interpelou, tomado de surda exasperação: - Viu? A esta altura, se você tivesse atendido ao meu pedido, as minhas cópias também estariam feitas. E mais: copiadas as minhas dez páginas, no intervalo que lhe solicitei, com certeza, somente uma das suas vinte deixaria de estar, neste momento, reproduzida. Pense bem: apenas uma de um conjunto de vinte! Que prejuízo isso teria lhe causado? O de aguardar mais dois ou três minutos? O de retirar-se da banca depois de mim, embora tivesse chegado antes? Se você fosse menos egoísta, a soma do tempo gasto por nós dois não ultrapassaria quinze minutos. Tempo esse que, dividido entre mim, você e o rapaz da copiadora, daria um saldo de cinco minutos para cada um, o que projetado na perspectiva exata do dia-a-dia desta louca e opressiva cidade é nada ou quase nada. Afinal, a pressa de um somado à pressa do outro só se equaciona, quando dividida proporcionalmente... Não esperei que ele concluísse sua conversa. Peguei minhas páginas e saí de lá. Mesmo à distância, era possível ouvi-lo vociferando que estava acossado pela urgência e que as pessoas deviam usar mais a cabeça, e não tornar tanto a vida alheia tão cruel e desmerecida. Este episódio banal me fez lembrar de um lendário boêmio de minha infância. Sempre que se via molestado por alguém, munido de regras fixas, certezas cegas e princípios petrificados, o boêmio murmurava com altivez esta sua sóbria e sábia sentença: Ou o sujeito presta, ou é sistemático!
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E ST AQ U DE EM FO TO 20 Revista Ponto & Vírgula Novembro/Dezembro 2017
Sacré-Cœur, Paris Foto: Aline Olic