Cine Caolho 30/05/2016

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Nesta primeira sessão de 2016 do Cine Caolho, é curioso perceber como os três filmes, Ficar me trouxe até aqui, Distante e Ponte Velha, abraçam caminhos estéticos bem distintos, no entanto tangenciam algo em comum ao buscar compreender os desejos de partida e de permanência em um lugar e de que modo as marcas do tempo afetam a vida dos personagens que colocam em cena. Como o cotidiano pode ser tocado pelos vestígios, traços, rastros do tempo? Quais escolhas podem ser realizadas e de que maneira elas suscitam lembranças? Ficar me trouxe até aqui, de Renata Cavalcante, é a conjunção das memórias e dos desejos de três mulheres em relação ao bairro onde moram, a Serrinha: uma moradora que chegou a partir (Ana Carla), outra que resistiu em ficar (a avó da realizadora, dona Eunice) e a própria diretora do filme (Renata). Alternando um registro documental mais frio (imagens fixas, distanciadas) com algo mais pessoal (quando a câmera é dada às personagens), o filme oscila entre a curiosidade de se aproximar da história de vida destas mulheres e a entrega ao olhar que elas lançam sobre o próprio bairro. No passeio que o espectador realiza junto com as imagens oscilantes gravadas por Ana Carla, é possível encontrar seus lugares de pertencimento na Serrinha: o salão de beleza da amiga, a casa onde vivem os primos pequenos e o cachorro, as ruas que frequentava – em que se encontra uma “linha imaginária”, como bem explica a personagem. Com dona Eunice, o passeio é para dentro de casa: os aposentos domésticos, suas atividades rotineiras, como cuidar das plantas, e a relação afetiva com a neta (a própria realizadora, que é a terceira personagem do filme). Há uma opacidade nas histórias de cada personagem, de quem sabemos poucos detalhes. Ana Carla partiu da Serrinha para a Europa e foi “dada como morta”. Dona Eunice continuou no bairro, mesmo com a desapropriação para a construção do aeroporto. Renata deixou o jornalismo de lado para se dedicar ao cinema. Não é necessário reconstituir toda uma vida, mas deixar-se encantar pelos pequenos momentos de felicidade que desencadeiam reminiscências, como olhar para fotografias antigas ou voltar a dançar forró. Já na ficção Distante, de Arthur Gadelha, a passagem do tempo é um peso a ser suportado pelos personagens. Em uma paisagem bucólica, um jovem e um homem mais velho – talvez pai e filho – cumprem em silêncio uma rotina, marcada por repetições. As manhãs do rapaz são restritas à obrigação de colocar o café da manhã na mesa e sair de barco para pescar com o cachorro. Não há diálogo possível entre os dois personagens. Um deles não irá resistir e precisará partir. A inevitabilidade da partida também motiva a dramaturgia de Ponte Velha, de Germano de Sousa. Dois amigos se encontram por acaso, depois de oito anos sem se ver. Um deles permaneceu em Fortaleza. O outro foi embora, após um incidente com a polícia. O encontro motiva um passeio pela cidade, em lugares que fazem parte do imaginário afetivo do fortalezense, como o Parque das Crianças, a Praça dos Leões, a Igreja da Sé, o Centro Dragão do Mar, até chegar à Ponte Velha, que dá título ao curta de ficção. Enquanto flanam pelas ruas de Fortaleza, os dois amigos relembram eventos do passado, como os amigos de colégio que se reuniam para ver o pôr do sol. Aquele que partiu revela seu desencanto com a cidade, apesar de afirmar não entender “a relação de amor e ódio” que os moradores guardam com o lugar. O amigo que ficou insiste em dizer que nada mudou em Fortaleza. No descompasso de vontades antagônicas e olhares distintos sobre a cidade, resta a melancolia de duas vidas que seguiram rumos diferentes.

Camila Vieira Jornalista e doutoranda em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)


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