Acolher as chamas Por Érico Araújo Lima Fogo, venha agora! Desejamos Ver o dia... Hölderlin Eis que temos o fogo a crepitar numa escada que serviu de conexão para a fabricação de espaços outros. As chamas estão ali, sustentadas na imagem, como que em convite a um gesto. Que seria esse fogo? Para onde ele nos aponta? Ou mais ainda, como ele nos engaja? Comecemos pelo fogo, que é, em verdade, justo a imagem final de um dos filmes dessa sessão do Cine Caolho, o explosivo Santa porque avalanche, de Paulo Victor Soares. *** Mas poderíamos falar também de areias. Há um tipo de paisagem geográfica que pode emergir concretamente na imagem, situando-nos em uma estrade de terra, em percursos rumo a algo como uma casa mais distante da cidade, na qual uma família encontra algum descanso para alguns dias. Só que além de uma geografia, a areia é também uma textura da reminiscência. É já o título que parece nos sugerir: Memórias de Areia tem a textura dos grãos, a espessura arenosa daquilo que não se apreende por completo nas mãos, mas que nos chega, nos deixa rastros fragmentários e composições sempre por se refazer. Espaço lacunar, lugar da montagem. O filme de Luana Sampaio lida com um desafio central dos processos da memória: há o que inscreve naquelas formas de vídeo familiar, e há também uma medida fundamental de invenção de uma cena a partir desse método do arqueólogo. Montar nunca é resgatar ou trazer uma pura lembrança para o presente. Se algo também faiscou numa festa de aniversário ou na celebração de um casamento, é o chamuscar da imagem que vai inquietar nosso olhar no presente. Se uma imagem é inseparável do seu movimento de constante mudança, é porque ela vem nos devolver, a cada lampejo temporal, modos de vida que vão se acumulando no correr dos rios da experiência histórica. Digamos assim: ao vermos essas imagens de um arquivo familiar, trazidas à tona pelo gesto da montagem, testemunhamos a temporalidade de um clarão. Nessa auto-mise-en-scène coletiva dos sujeitos em festa, funda-se uma espécie de ritualística de um grupo social. Olhar uma imagem torna-se, a um só tempo, experiência das formas – a montagem preserva, inclusive, os modos de transição e os caracteres tão caros aos vídeos familiares – quanto apreensão no campo da cultura – como se a areia permitisse ver alguns pedaços daquilo que concerne às interações sociais dos sujeitos. A cordinha que precisa ter os nós desatados para que tudo corra bem na passagem de 1997 para 1998 explicita, de uma só vez, uma crença social que se incrustou nas imagens e um jeito de constituir nós, tanto no