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Mulher e Serpente Por: Alexandra Santos
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Índice dos Artigos 6
O Culto ao Sol e a Roda do Ano Valentina Ramos
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A contra cultura pagã e a incógnita histórica da bruxaria Ricardo Vieira
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O Caminho do Seeker Alder Lyncurium
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Mulheres de armas: Algumas considerações (eróticas) sobre o arquétipo da Deusa Guerreira Kelly Martínez
Também, neste número: O simbolismo do sete Por M’Jay
Freya Por Valquíria Valhalladur
Mulher e Serpente Por Alexandra Santos
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Anima Mystica Revista Digital ISSN: 2182-7176
Editores: Luís Miranda Eduardo Puente Valentina Ramos
Neste número colaboraram:
Editorial
Maria Antónia Alder Lyncurium M‟Jay Cristina Aguiar Alexandra Santos Casa do Fauno Capítulo Rosacruz do
Porto Fellowship of Isis-
Portugal Silver Circle
O Solstício de Verão é um dos momentos-chave de toda as culturas e religiões do mundo. Na noite do solstício os fogos artificiais atravessam os céus e os homens reúnem-se na noite mais curta do ano, no dia mais longo e a luz que finalmente se sobrepõe à obscuridade. É neste momento mágico que a Anima Mystica Revista Digital surgiu pela primeira vez para suprir uma das necessidades em língua portuguesa: a necessidade de intercâmbio de ideias sobre o misticismo a partir de um ponto de vista às vezes analítico, às vezes intuitivo, às vezes emotivo. As páginas da Anima Mystica Revista Digital
Anima Mystica Revista Digital, é uma publicação trimestral dirigida à divulgação e discussão de assuntos relacionados com o misticismo e o mundo esotérico (dentro e fora de Portugal), sob uma perspectiva que se estende desde as nossas raízes ancestrais até aos eventos de expressão pagã dos nossos dias.
preencheram-se de temas onde o divino e o mundano estão entrelaçados, tal como o Caduceu de Mercúrio. Os nossos leitores e os nossos colaboradores chegam desde os cantos mais diversos do mundo. A Anima Mystica Revista Digital tem constituído um ponto de união de línguas, de religiões, de pensamento de centenas de centenas de pessoas. A todos vocês estamos profundamente gratos, desde o mais íntimo do nosso ser, porque fazem com que seja possível que a motivação permaneça, porque nos dão sentido e força no nosso trabalho.
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Nestes momentos, onde cada vez mais parece que a magia está distante vida das pessoas, chega a Anima Mystica Revista Digital para lembrar que existem vários mundos onde nos podemos encontrar, onde existem outros planos nos quais o homem se redescobre e compreende que não está só. Um ano de Anima Mystica Revista Digital representa horas dedicadas à sua elaboração, para que aqueles que nos seguem e nos leem tenham acesso, não apenas ao universo pessoal daqueles que nos escrevem, mas também ao universo místico e religioso inesgotável que nos rodeia. Esperamos que este ano que começa com a edição do Solstício chegue repleto de ideia novas, com novos espaços de intercâmbio e uma paixão cada vez maior pelo conhecimento que nos chega por olhos fechados mas para uma mente aberta.
Os editores Declaração de responsabilidade legal A Anima Mystica Revista Digital respeita a livre expressão, opinião e crença de cada autor. A Anima Mystica Revista Digital não poderá ser considerada responsável pelo conteúdo dos artigos publicados (seja texto ou imagem) sendo essa da inteira responsabilidade dos respectivos autores. Os autores cujos artigos sejam reproduzidos nesta revista mantêm todos os direitos sobre as suas publicações sendo também os responsáveis legais por todas as questões que estes levantem. O Corpo Editorial da Revista não será responsável perante qualquer questão legal derivada de infrações associadas aos artigos publicados. A Anima Mystica Revista Digital compromete-se a não divulgar os nomes dos seus colaboradores salvo autorização dos mesmos ou, quando ocorra uma violação à Lei e nesse caso só às autoridades competentes.
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O Culto ao Sol e a Roda do Ano* Valentina Ramos ** Chegou até aos nossos dias, evidências de que o homem prestou culto à Natureza desde os seus inícios, como forma de garantir não só o sustento necessário para viver, mas também como expressão do Ciclo da Vida, do seu próprio nascimento, crescimento e morte. O homem elevou os seus olhos ao Sol, o dador da vida, e fez dele o seu objeto de culto por todo o planeta: desde os céus polares até ao quente equador; estudando com entusiasmo os processos de crescimento dos dias e das noites para poder compreender e controlar o seu próprio ciclo vital.
“O homem elevou os seus olhos ao Sol, o dador da vida, e fez dele o seu objeto de culto por todo o planeta:” Ainda se podem encontrar vestígios de conhecimento de Astronomia em monumentos mais antigos do que as pirâmides egípcias, em formas, conhecidas hoje como alinhamentos sagrados: linhas invisíveis que unem vários lugares de culto. Neste sentido, colocou-se a hipótese de que existem duas explicações possíveis para estes alinhamentos. Uma delas é a construção de templos de acordo com princípios estruturais da Terra, de acordo com a sua forma, tendo em conta as leis Geodésicas. Um exemplo disso pode ser encontrado no alinhamento entre lugares de culto do povo indígena dos Estados Unidos. Para eles, não era necessário construir templos, já que a Natureza funcionava como um templo em si mesma. Três dos pontos“sagrados”eram a pedra de Tse Bitai no Novo México e os parques de Sedona no Ari-
zona e Anasazi no Utah. Estes três lugares formam um triângulo isósceles perfeito. Outra explicação, seria a de possíveis construções desenhadas para realizar estudos de Astronomia, devido à sua complexidade e organização. Estes alinhamentos coincidem com momentos solares dentro do Ano: os solstícios, os equinócios e os pontos intermédios entre eles. Em Cornwall, no Reino Unido, existe um dos alinhamentos mais interessantes conhecidos como “O alinhamento de Michael e Maria”. Este alinhamento corresponde a uma rota invisível que une vários templos dedicados a ambos os santos, muitos deles construídos em lugares de culto celta. Nos pontos coincidentes dos templos pode-se traçar uma linha imaginária que aponta na direção em que o Sol nasce e se põe em Maio, correspondendo à celebração de Beltaine. Por altura do Lughnassad, o mesmo acontece, mas no extremo oposto.
“Estes alinhamentos coincidem com momentos solares dentro do Ano: os solstícios, os equinócios e os pontos intermédios entre eles.” Um alinhamento conhecido é o de Stonehenge, onde a descoberta da Pedra Inclinada ou Pedra Solar (Heel Stone ou Sun Stone) funcionou como marcador para os solstícios de Verão e de Inverno, supondo a existência de uma outra Pedra paralela que atualmente não se encontra no lugar, e que funcionaria
*Tradução por Maria Antónia ** Sobre a autora: Valentina Ramos é licenciada em Psicologia, Mestre em Comunicação e estudante de Doutoramento em Psicologia. É iniciada em varias escolas esotéricas e membro da Federação Pagã Internacional, com sede em Portugal desde 2010. A autora pode ser contactada através de seu email: valia.ramos@gmail.com
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como corredor solar. No entanto, estes alinhamentos em círculo parecem indicar que servem, não só como marcadores dos solstícios, mas também dos equinócios. Em Portugal, na região de Évora, encontramos um cromeleque ou círculo de pedra semelhante a Stonehenge, com menires posicionados de uma forma que marcam o Sol nascente e o Sol poente, especificamente durante o equinócio de Primavera e o solstício de Inverno. Supõe-se que, na altura em que se criou o cromeleque dos "almendres", a sua função também pode estar associada a rituais relacionados com a agricultura e aos ciclos de morte e nascimento. De acordo com arqueólogos portugueses, especula-se sobre o uso do cromeleque a partir de rituais que ainda prevalecem na cultura da zona. Por exemplo, a presença de menires pode estar associada a cultos de fertilidade, já que era provável que a povoação da zona fosse mais sedentária e dependente da agricultura. Outra hipótese, é que as pessoas passavam entre os corredores de pedras com flores e animais, tradição que ainda se conserva na zona alentejana, onde se circula com os animais à volta de lugares sagrados. Os corredores de pedra também podiam estar colocados para a delimitação da entrada das pessoas, estando reservado o espaço interior para a celebração dos rituais, mantendo-se o resto das pessoas na orla do mesmo. Ainda que na maioria destes círculos de pedra se tenham encontrado evidências de restos humanos que indicam que funcionaram como necrópole, a complexidade da sua construção indica que podem ter tido outras funções como templos ou lugares de reunião da comunidade. Apesar dos argumentos utilizados, a visão arqueoastronómica ainda é questionada pela comunidade científica.
duzida uma sombra que gera um fenómeno de luz semelhante à descida de uma serpente. É de especial interesse, desde dois pontos de vista dos alinhamentos, a tríade de Newgrange, Knowth e Dowth na Irlanda. Cada um destes monumentos megalíticos encontra-se localizado de forma que as suas entradas (Knowth possui duas entradas) correspondem ao nascer do Sol e ao pôr-do-Sol durante os equinócios e o solstício de Inverno. A entrada em Newgrange encontra-se num alinhamento preciso, para que, por altura do nascer do sol no Solstício de Inverno, a luz solar entre por um orifício acima da entrada, preenchendo a câmara de luz durante 17 minutos. De maneira menos rigorosa encontram-se os alinhamentos de Knowth (entrada do sol para ambos os equinócios) e Dowth (entrada do sol durante o pôr-do-Sol no solstício de Inverno). Neste tipo de monumento megalítico que aparecem em forma de câmara, o culto solar encontra-se justificado pela entrada do Sol em momentos específicos do ano. Apesar de que, tal como acontece em outros templos construídos com este objetivo, estes monumentos também funcionaram como necrópole e câmaras mortuárias. E, pensa-se que a entrada do Sol no dia mais curto do ano estava pensada como forma de “segurar” a Luz para que não se perdesse totalmente.
“De acordo com arqueólogos portugueses, especula-se sobre o uso do cromeleque a partir de rituais que ainda prevalecem na cultura da zona”.
Outros lugares:
Maeschowe, Escócia: o sol entrava na câmara em inícios de Novembro (Samhain) e Fevereiro (Imbolg)
A Pirâmide, Chichen Itza, México: pelas escadas de 365 degraus, nos equinócios de Primavera e de Outono, é pro-
Newgrange, caracteriza-se, além disso, por outros elementos: os petróglifos ou esculturas em pedra. Entre os símbolos encontrados estavam os círculos, espirais e arcos. Apesar de alguns investigadores pensarem que isto pode ter tido uma função maioritariamente decorativa, a presença dos mesmos símbolos em monumentos dispersos ao longo do
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planeta leva a pensar em outras hipóteses, sobretudo porque muitos deles não se encontram de forma visível, mas debaixo de terra e ocultos. Alguns dos significados atribuídos às espirais, são elementos da natureza como conchas, plantas e animais, particularmente as serpentes que costumam colocar-se em espiral e os cães que dão voltas em espiral antes de se deitarem. Claro está, as espirais também se relacionaram com a natureza em sentido geral e com o disco solar em particular e os movimentos que o Sol realiza. As espirais e símbolos solares mais conhecidos são o triskelion, a suástica, os desenhos gregos e as cruzes com lados iguais.
Não só se consideram os alinhamentos sagrados como formas de marcar uma relação entre o Sol e o Homem. Também podemos considerar dentro desse processo, ao criar um alinhamento de outro tipo, os caminhos de peregrinação disseminados ao longo dos séculos. Neste caso, é especialmente interessante “El Camino de Santiago” ou o Caminho da Via Láctea. Aos nossos dias chegou a versão cristianizada do caminho, que se realiza com o objetivo de demonstrar a espiritualidade da pessoa. Durante a Idade Média, no final do Caminho, na Igreja de Santiago, onde supostamente se encontram os restos do apóstolo, entregava-se a Compostela ao peregrino, o que representava uma diminuição da metade dos anos do Purgatório. No entanto, os elementos apontam para que o Caminho de Santiago seja anterior ao culto cristão. O curso que o peregrino segue vai desde o Oeste, terminando originalmente,
não na Catedral de Santiago, mas no extremo oeste, no limite entre a terra e o mar, no lugar conhecido como Finisterra ou "finis terrae", literalmente o fim da terra, citado pelos romanos. Aqui realizavam-se rituais de limpeza e purificação: o peregrino costumava queimar a roupa que trazia, tomar banho no mar e ver o pôr-do-Sol. Os egípcios e o culto ao Sol Uma das cidades mais antigas do Egipto foi Heliópolis, onde se prestava culto ao Deus Atum. Para os egípcios, o mundo foi criado por Atum (chamado indistintamente de Rá). De acordo, com uma das versões, Atum era um ser assexuado que gerou os deuses gé-
Detalhe de gravuras solares , Sé de Braga, Portugal
meos Shu e Tefnu a partir das águas primordiais, que por sua vez criaram os céus (Nut) e a Terra (Geb). Deles, surgiram Osíris, Ísis, Set e Néftis. Estes deuses passaram a ser conhecidos como a Enéade de Heliópolis e o culto a Atum/Ra/Ptah alargou-se, e passouse a considera-lo não só como um deus solar, mas também como O Grande Criador. Ao deus solar Rá foram-lhe, então, consagrados obeliscos, como formas de representação dos raios solares. No entanto, com o passar do tempo, AtumRa passou a ser considerado o deus solar do Sol Poente, aparecendo outras três formas solares: Kepera ou Keperi como o Escaravelho, que representa o Sol Nascente; AmónRá, como o Sol do Meio-dia e Herukhuti-Ra, como a representação do Sol na sua barca, realizando o percurso desde o nascer até ao pôr-do-Sol.
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trono Tutankamon/Tutankaton. Kepera recebeu a representação do escaravelho que transporta as grandes bolas de terra ou de esterco com os ovos fecundados, semelhante ao passar do Sol pelos céus, e relacionou-se com a palavra "transformação" pois para os egípcios "keper" significava transformação/evolução/mudança. Existia um jogo de palavras onde se combinava o nome de deus com a palavra mudança: Kheper-i kheper kheperu, khper-kuy, m khper n khpri khperu m sep tepy significando “Eu me transformo, e o transformado se transforma. Eu transformo-me transformando-me na forma de Khepera, deus das transformações, que foi o primeiro a transformar-se. Através de mim, todas as transformações acontecem.” O culto a Amón, por seu lado, não é tão antigo, e apenas começou a ganhar importância com o crescimento de Tebas como cidade, que se alargou até ao ponto de o equiparar a um deus solar. Quando os gregos chegam ao Egipto, associam o culto a Amón com o culto a Zeus, o que indicava que para esta época, que Amón era considerado o rei de todos os outros deuses.
“Os mistérios compreendem, necessariamente, a prática de rituais e estavam destinados a revelar os segredos do universo através do êxtase espiritual “ No entanto, o disco solar podia aparecer exibindo solitariamente, na forma de Atón, a emanação de raios luminosos; ou na forma de disco alado, representando a vitória da luz sobre a escuridão. Com a chegada de Akenatón/Amen-hotep ao poder instaurou-se o culto a Atón como deus único, através da adoração do próprio faraó como único intermediário com o Deus. Existem, apesar de tudo, as teorias de que a ideia não era implementar um monoteísmo, uma vez que se manteve o culto a Maat e que se fazia referência a Atón como “Herukhuti-Ra no seu nome de Shu que se encontra em Atón". O culto a Amón foi restaurado pelo herdeiro ao
Os sábios da antiga Grécia Os gregos também conceberam o Sol em dois aspetos: o orbe e os raios solares, sendo um, o deus central e o outro uma emanação desse deus, assim como para os egípcios existia a mesma representação em RáOsíris. Neste sentido, Hélios era o deus solar representativo do fenómeno físico da luz, a orbe do sol através do qual se produz a mudança das estações, o nascente e o poente. E, por outro lado, encontrava-se Apolo - Febos, o portador da luz e do calor, protetor da humanidade, dos ferimentos e das doenças. Para os filósofos (Aristóteles, Platão) começou a estabelecer-se uma relação entre o Sol físico e o divino, estimulados pela ideia de beleza na proporção e na harmonia. Aristóteles inclusivamente declarou que “o conhecimento de Deus provém de duas fontes: da experiência da alma e do fenómeno celestial, já que ao se observar o Sol durante o dia, ao fazer o seu circuito, e durante a noite ao se observar a configuração das estrelas, podese concluir que deve existir um Deus criador de tamanho movimento e ordem”. Esta reminiscência astrológica manteve-se já que, ao se colocar o Sol no centro do sistema, coexistiram dois conceitos de Sol: o Deus Solar como representante de um panteísmo da época e o Sol como conceito que para os platónicos e neoplatónicos também era dual: o Sol Visível e o Sol Espiritual. Logo aparece um terceiro tipo: o Sol Intelectual. Esta união de conceitos dentro de uma mesma fonte - o Sol -, era indicadora do surgimento de um monoteísmo incipiente. Período romano e inícios do Cristianismo O final do período helénico caraterizou-se então, por uma síntese das várias funções do Sol no culto a Mitra e, posteriormente, na forma de Deus Invicto. O culto a Mitra impôs-se como um dos mistérios iniciáticos grecoromanos e juntamente com os Mistérios Eleusinos na Grécia, supõe-se que apareceram como alternativa ao pensamento racional e material dos filósofos da época. Os mistérios compreendem, necessariamente, a prática de rituais e estavam destinados a revelar os segredos do universo através do êxtase
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espiritual ou eram cuidadosamente pensados para que, através da interpretação ritualista, se acelerasse um crescimento espiritual. O seu objetivo era levar o homem desde a sua condição mundana até à sua essência espiritual, uma vez que era do conhecimento geral que todos estavam relacionados com os mitos sobre a morte e ressurreição, característica que os torna eminentemente solares. Em honra ao Sol dedicou-se um dia da semana, o domingo, e muitos dos mercadores decidiram manter o pagamento aos seus empregados neste dia, prestando culto ao Sol. Celebraram-se também as festas do nascimento do Sol Invictus a 25 de Dezembro, chamadas "Natalis Invictis". O culto ao Sol Invicto reconhece-se como uma das últimas formas de adoração pagãs. Diz-se que o secretismo dos rituais iniciáticos e a sua exclusividade ao sexo masculino favorecia o crescimento e expansão do Cristianismo, que era público e aberto a todas as pessoas, sem distinção. No entanto, podemse encontrar referências ao Sol nos textos bíblicos e a Jesus como o "sol da justiça", ainda que pouco a pouco tenha começado a perseverar a ideia de que os cultos ao Sol e à Lua eram formas de ignorar que tanto um como outro não eram uma representação do divino, mas sim a criação de Deus. “O sol e a lua foram criados para ser usados, não para serem adorados” (Papa León I, o Grande). Este pensamento provavelmente correspondia a uma necessidade de conhecimento da época, no entanto, manteve-se como "a norma" para combater os rituais de adoração solares já que eram considerados um reflexo da ignorância das pessoas por uma parte, e por outro lado devido à falta de controlo deste tipo de adoração. Não se podia saber a quem adoravam ao adorarem o Sol, se ao mesmo Sol ou ao seu Criador. No século XVIII, Charles Francois Dupois foi um dos primeiros a publicar os conceitos que relacionam o cristianismo com a componente astrológica: "Devemos recordar aquilo que já comprovamos anteriormente, que Cristo possui todas as características do deus Sol no seu nascimento, ou na sua encarnação no ventre de uma virgem, e nasce justamente ao mesmo tempo que os nossos antepassados
celebravam o Sol na forma de Mitra... O problema real agora é provar que também possui características do deus Sol na sua ressurreição." Chamando os cristãos de "adoradores do Sol sob o nome de Cristo." Logos, a Inteligência universal No quarto Evangelho de João, encontramos uma referência à criação do mundo através da palavra grega Logos, que foi traduzida como Verbo, Palavra, mas o seu significado inclui também o conceito de Inteligência. Desde este ponto de vista, ao se ler a partir do grego a descrição da criação do mundo encontramos então, a referência a três "estruturas" importantes: Deus, Inteligência e Luz; - três aspetos fundamentalmente solares. “No princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus. Ele estava nos inícios com Deus. Todas as coisas se fizeram através dele e sem ele nada se fez. Nele estava a vida, e a vida foi a luz dos homens." No entanto, neste momento o Sol não é reconhecido como uma figura independente, pelo contrário fala-se da sua manifestação no plano divino e no plano humano já que não se considerava Jesus como o Logos, mas como o portador do Logos, o encarregado de levar a luz aos outros homens depois de ser batizado por João, quando o Espírito Santo na forma de uma pomba desce sobre Jesus e se ouvem as palavras divinas dizer: "Este é o meu filho querido, de quem me agrado." O homem como manifestação de Deus é uma característica da sexta Sefirot: Tiferet. Sem pretender falar de todos os elementos de Tiferet é interessante salientar que é a Sefirot relacionada com o Sol e com os processos solares de nascimento, morte e ressurrei-
“Através do Sol na sua forma simbólica, é realizada a síntese de todos os aspetos: o divino e o humano, a revelação dos grandes mistérios.”
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ção. Aspetos, que basicamente, revelam o seu caráter iniciático e o processo que é gerado no Ser que o torna o recetor do divino, do Logos. Tiferet está representado pelo número 6, logo, podemos dizer que o número 6 e o Sol se encontram interligados.
procuras, tampouco poderás achar fora. Se tu ignoras as excelências de tua própria casa, como pretendes encontrar outras excelências? Em ti se acha oculto o Tesouros dos tesouros. Oh! Homem! Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses."
O Hexagrama, símbolo do número 6, é, para John Dee, “como o Selo de Salomão é „SriAntana‟ do arcaico templo ariano, o mistério dos mistérios, a síntese geométrica de toda a doutrina ocultista. Os dois triângulos entrelaçados são o Buddham-Gums da criação. Eles contém a „quadratura do círculo‟, l „Pedra Filosofal‟, o grande problema da vida e da morte, e o mistério do mal. Aquele que possa explicar este signo a partir de cada um dos seus aspetos deve ser considerado virtualmente como um „adepto‟.” Neste sentido, através do Sol na sua forma simbólica, é realizada a síntese de todos os aspetos: o divino e o humano, a revelação dos grandes mistérios.
A roda do Ano: rituais de adoração ao Sol e festas do fogo. Até aos nossos dias chegaram nas suas várias formas e sincretismos entre os vários cultos, festividades que se relacionam com o ciclo do Sol durante o ano, durante a época dos Solstícios e dos Equinócios, assim comos os pontos intermédios conhecidos como festas do fogo. É necessário dizer que ainda que seja feita referência aqui a deuses solares, o mesmo princípio pode ser encontrado no aspeto feminino, ainda que este não tenha sido referido no presente texto.
Deste modo, temos festiPara os grevidades ligagos, existiam das a dias três tipos de do ano que inteligência se reconheou Logos: a cem como mathesis ou momentos conhecimende transição, to que pode e festividaser aprendides que do, a gnosis apesar de ou conheciterem dias mento que específicos se alcança atribuídos, através da serviam pameditação ra caracteriou da intuizar períodos ção; e a pado ano thesis, co(reconhecenhecimento se como váA roda do ano: rituais de luz e de fogo que é revelalida esta opido. Este últinião, uma mo é o tipo de conhecimento que chega atravez que estes dias não correspondem a movés dos processos iniciáticos. Esta relação mentos solares demarcados). Geralmente a entre o Sol, a Inteligência e a Revelação, na sua celebração era ligada ao dia de lua cheia síntese entre homem e o divino, reflete-se do mês correspondente. Seguidamente, são nas palavras do Oráculo de Delfos, consacolocadas as festividades e os deuses solagrado ao culto do Deus Apolo: res associados às mesmas: “Advirto-te, sejas tu quem fores! Oh! Tu que desejas sondar os arcanos da Natureza, que se não achas dentro de ti mesmo aquilo que
Solstício de Inverno (21 de Dezembro): esta data corresponde a dois tipos de rituais destinados ao reconhecimen-
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to de duas características solares: a morte e o (re)nascimento. No Solstício de Inverno ocorre o dia mais curto do ano, o que é um bom indicador da morte do Sol, ainda que a partir deste dia também se realize o crescimento gradual do mesmo. É por isto que os rituais que chegaram aos nossos dias marcam ambos os momentos. Nesta data celebram-se as Saturnalias, festas dedicadas ao Deus do Submundo na sua forma de Saturno, Deus do Submundo, também representado em Osíris, àqueles que faziam sacrifícios para que a terra que estava congelada se mantivesse fértil. No entanto, nestas estas datas também se realizavam os rituais a Mitra e o culto ao Sol Invicto, aquele sempre vitorioso, também representado no episódio de guerra entre Hórus e Set, batalha da Luz e das sombras. Deste modo, o filho nasce do pai e acaba por assumir qualidades próprias mas continua sendo uma manifestação do próprio pai.
Imbolg (Fevereiro): Esta é uma das festividades do fogo conhecido nos nossos dias pelo nome cristianizado de “Nossa Senhora da Candelária”. Neste dia reconhece-se a mãe através do reconhecimento do filho (o Sol) que está a crescer. Maria é reconhecida no templo como mãe de Jesus e é purificada. Em Roma celebram-se as Lupercálias, as festas à loba que amamentou Rómulo e Remo, os fundadores da cidade.
Equinócio de Primavera (21 de Março): Nesta data, as festas romanas que se celebravam eram as bacanais dedicadas ao Deus Baco/Dionísio, um deus da primavera e do vinho, que está ligado a um dos Mistérios Gregos.
Beltane (Maio): Estas são as festas do fogo dedicadas ao deus celta Belenus, Esta é uma das hipóteses que se postula na atualidade. Uma entidade que se vinculou ao deus grego Apolo, o seu nome poderia significar “aquele que que brilha”. Era um deus da primavera e partilhava com Apolo qualidades curativas, e, era adorado também sob a forma de Apolo Vindonnus. Mas, o aspeto
que mais se exaltava era a fertilidade, de acordo com o aspeto solar. Em Beltane realizam-se ritos representativos da fertilidade.
Solstício de Verão (21 de Junho): no dia do Solstício de Verão, é celebrado em muitas comunidades o São João, festa cristã em nome de João Batista. Na antiguidade, não se reconhece uma deidade específica para esta data, fora da expressão solar em si mesma. No dia do Solstício, as sacerdotisas de Vesta ou Héstia acendiam a chama do templo, ainda que se possa dizer que mais do que um culto a Héstia tratavase de um culto ao fogo sagrado. Isto é, as festas dirigem-se ao reconhecimento do esplendor do Sol no dia mais longo do ano. É curioso que o culto cristão tenha dedicado a data a João, já que esta seria uma forma de reconhecer, para os que reconhecem - passe-se a redundância - o Sol (Jesus).
Lughnassad (Agosto): esta é outra das festas de tradição celta que se festeja ainda nos nossos dias, dedicada ao Deus Lugh. O seu símbolo era uma lança, símbolo fálico por natureza que se encontrava permanentemente acesa. As suas habilidades faziam com que fosse reconhecido como carpinteiro, ferreiro e mago. No mês de Lugh celebravam-se os casamentos faziam-se os pactos entre as tribos.
Equinócio de Outono (22 de Setembro): nesta data realizava-se outro dos rituais relacionados com mistérios gregos. Neste caso eram os famosos mistérios Eleusinos, que relatam o rapto de Perséfone por Hades, o senhor do Submundo, a procura de Perséfone por Deméter e o regresso de Perséfone. Neste sentido, observa-se a transição do dia para a obscuridade da noite.
Samhain (30 de Outobro): este é um dos rituais mais interessantes de toda a Roda do Ano, já que se centra no culto dos espíritos que não se encontram entre nós. Pensa-se que nesta data o Véu que separa o mundo terreno do mundo dos mortos esteja mais fraco e por isso
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ainda hoje se celebram rituais que ajudam a "distrair" estes espíritos com os disfarces e as abóboras acesas. No entanto, uma das concepções desta data centra-se em aceitar estes espíritos entre nós, pedindo o apoio dos deuses do Submundo para isso. Por isso, é interessante que deuses como Osíris-Anúbis possam ser convocados, como senhores do Submundo, para lhes pedir que assistam nos rituais. É uma data onde, também se favorecem os oráculos e as adivinhações. Para Frazer, neste tipo de rituais aparecem com frequência elementos que foram reconhecidos como rituais típicos de adoração solar: os processos de magia simpática, onde o homem utiliza o fogo para atrair mais fogos e que foram típicos de culturas eminentemente agrícolas; e os processos de purificação associados à acção do fogo e à expulsão das más influências, sejam materiais ou espirituais. Deste modo, a purificação trazia consequências positivas que eram igualmente veneradas, como é o caso dos rituais de fertilidade e acasalamento.
“O ciclo representado na Roda do Ano fala-nos do processo de nascimento, morte e renascimento” No caso da primeira proposta, é interessante como em povos onde as diferenças das estações não são tão evidentes como na Europa, referirmo-nos ao caso das culturas Incas, Maias, Egípcias; onde existia um forte culto ao Sol, o que leva a pensar que a teoria agrícola não seja suficiente pra manter um culto ao fogo. Por outro lado, a sociedade atual não está caraterizada por ciclos de sementeira e colheita, pelo que um culto ao Sol baseado nestes princípios também não poderia ser sustentado. É por isso que se observa no culto ao Sol atual, um simbolismo, mais do que uma representação simpática de um processo de atração do elemento fogo. Na magia prática, reconhecem-se
dentro da Roda do Ano as marés solares, que são uma das energias que formam parte do Manto Ódico da terra. Deste modo, cada maré vai atrair influências positivas ou negativas dependendo do momento do ano em que nos encontramos e da posição do Sol em relação à Terra. Estas marés são consideradas muito poderosas, pelo que se recomenda seguir o curso que ditam e não contraria-las. Neste sentido, o tempu eversionis seria o período de descanso, donde não se recomenda realizar trabalho mágico específico (excepto durante o Imbolg, especialmente considerado como um ponto brilhante dentro da obscuridade, porque representa um momento de limpeza e de renovação); e o tempus consilis como o momento de culminar grandes trabalhos mágicos. O ciclo representado na Roda do Ano falanos de dois fenómenos solares divinos. Um deles é o processo de nascimento, morte e renascimento, que também encontramos diariamente, desde o nascer até ao pôr-doSol, daí que possamos incorporar as nossas adorações diárias. Desta maneira, estamos a reconhecer a unidade do Sol/Deus que vive em nós, e os processos que atravessa também estão a ser reconhecidos no nosso Ser. As Escolas esotéricas incorporaram estes rituais como parte do processo de comunhão com o divino. Mas, por outro lado, o ciclo da Roda do ano fala de outro processo que ocorre no Ser humano: o número 8, o processo da regeneração, onde o homem não busca a comunhão ou a união com o divino, ao invés o homem transforma-se no divino, através do reconhecimento do divino em si mesmo. Os processos de nascimento, morte e ressurreição são processos de regeneração do número 8 mais do que do número 6, e este número corresponde, assim, aos mistérios. Se a matéria foi criada seguindo o caminho que leva de Kéter a Malkut, o caminho do retorno, então, está delineado de Malkut a Kéter, passando por cada um dos níveis ou mundos. O homem faz o caminho de regresso, encontrando a sua verdadeira vontade e ao coloca-la em prática. Isto implica, entre outras coisas, o reconhecimento do material como um produto divino, que é divino em si mesmo.
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FELLOWSHIP OF ISIS PORTUGAL
Mais informações: aqui E-mail: fellowshipofisis.portugal@gmail.com
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A contra cultura pagã e a incógnita histórica da bruxaria Ricardo Vieira *
Fui perguntado se haveria um modo melhor para demostrar as pessoas, fora de nosso segmento religioso, o que seguimos, o que fazemos e como adquirir o devido respeito de nossas crenças. Devo dizer que representamos atualmente uma visão alternativa e sendo assim o que consideramos comum, a outros caminhos não o são. Somos uma "contra cultura" e isto quer dizer que estamos em uma linha de crença fora do padrão aceito diretamente pela grande maioria da sociedade. Uma contra cultura seria, por exemplo, o modo de vida hippie, já no campo religioso, são as correntes que saem do contexto monoteísta, mesmo que estas sejam populares em determinados territórios, contudo representam uma contra cultura em termos globalizados. Quando em minhas palestras e cursos comento que Bruxaria é uma "religião" algumas pessoas questionam, pois fazem uma referência direta ao contexto institucionalizado das igrejas de base cristã, e temos todo o cuidado de mencionar que utilizamos como base a origem do termo em sua forma latina, ou seja, com o significado original de "prestar culto a divindade" tal como "religação" ou "conexão com o divino" e isto independe da contextualização ritualística, da organização sacerdotal e da estrutura física.
Tenho visto grandes esforços desnecessários, artifícios para substituir a palavra religião por filosofia, querendo ou não, falamos de um propósito único que é o entendimento da fé e do mundo das crenças; um bruxo será um buscador, um peregrino de uma espiritualidade tal como qualquer outra pessoa que siga um caminho de autocompreensão e devoção. E qual a diferença de um cristão para outro religioso? Eu diria que seria o seu posicionamento perante a Cultura Padrão, e isto faz parte de um processo histórico de nossa sociedade, poderíamos até entender que antes do domínio católico em Roma a anti cultura seriam os próprios cristãos, ou seja, uma minoria que fora contra os padrões da época. Da Era Antiga até a Moderna os termos "pagão" tal como "bruxo" foram mudando os seus significados, por vezes em nada parecidos com sua constituição etimológica, o que nos indica academicamente é que o termo pagão como morador do campo (pagus) hoje se tornou uma pessoa não batizada de mesmo modo, um sacerdote de um culto politeísta na Espanha (brujo), por exemplo, derivou para a mídia como o sujeito malvado das estórias da Walt Disney ou para pessoas que “fazem coisas para a destruição de vidas” em programas religiosos, e toda essa depreciação acontece em meio a um processo cultural/ religioso com mais de 2000
*Sobre o autor: Ricardo Vieira é membro do Conselho de Bruxaria Tradicional. Brasil. http://www.bruxariatradicional.com.br
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“Da Era Antiga até a Moderna os termos "pagão" tal como "bruxo" foram mudando os seus significados, por vezes em nada parecidos com sua constituição etimológica” anos. Portanto não é uma tarefa fácil tentar demonstrar com maestria as nossas crenças, pois muitos dos recém chegados a este mundo pagão tem suas dúvidas e encontram um movimento diverso em fontes, em linhas de pensamento, amplo em conceitos que nem de perto se assemelham a uma linha integrada e absoluta filosoficamente como são as linhas cristãs, afinal de contas, são séculos de ajustes baseados numa iconografia focada em um Deus e um salvador crístico, muito mais simples que o entendimento dos agrupamentos de deuses e suas particularidades, fora isso temos a perda natural da continuidade desse conhecimento passado, que na maioria das vezes aconteceu de forma oral e isto sem contar o montante de informações destoantes e confusas que alimentam um processo que gera mais confusão e inquietações sobre o que realmente ler e seguir. O BEM e o MAL O mundo contemporâneo geralmente segue por uma conduta baseada na simplicidade que beira também a superficialidade, pois processos complexos exigem maior investigação e reflexão, quando se tem um caminho e no final dele uma bifurcação que chamaremos de caminho certo e caminho errado a tomada de decisão se torna fácil de se aceitar, mas coloque o entendimento além do presente tal como as questões futuras e todo processo gerado perante nossas escolhas e entenderá que nada é tão simples o quanto gostaríamos ou o quanto algumas doutrinas nos apresentam. A Bruxaria é baseada no entendimento total do processo e não apenas na decisão presente, podemos afirmar de impulso que
um remédio tem o gosto ruim, entretanto o remédio é necessário para uma cura, esse é um exemplo, que pode gerar pistas sobre a complexidade das diretrizes de crença da Bruxaria, principalmente ao qual chamamos de Bruxaria Tradicional (Bruxaria contida no Paganismo Tradicionalista). Devemos refletir que muito do que entendemos sobre bem e mal esta respaldado na questão da vivência pessoal e dos valores agregados a nossa vida, e isto é levado em conta em processos mais introspectivos, por isto um bruxo não acredita no mal ou bem de forma limitada, pois ambas podem estar em situações diversas como opositoras ou agregadoras, do mesmo modo que o ditado popular “há males que vem para bem”! E existem bruxos do mal? Logicamente que existem, tal como existem pessoas ruins em qualquer religião, isto não é um fardo das religiões, é um problema social e de qualidade de pessoas. Seria um fato comum em dizer que a grande maioria das pessoas querem se sentir realizadas, correspondidas e amadas, que plantar coisas positivas fosse algo rotineiro, mas a realidade é que muitas pessoas entram nas religiões por motivos errados e a grande maioria tende ao modismo e as necessidades emocionais.
“A Bruxaria é baseada no entendimento total do processo e não apenas na decisão presente”
Todo caminho religioso é um caminho dedicado, que envolve trabalho e isto quer dizer que a teoria é bela, mas se você não levantar todos os dias, plantar e colher não terá o que comer, e muitas pessoas ficam sentadas a esperar com o prato vazio filosofando sobre algo que não praticam, não se afinam e se dedicam exclusivamente a falar o que não vivenciaram, essa é uma das preocupações que todo peregrino deveria repensar em sua vida, pois a grande maioria coloca como prioridade a participação
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passiva, onde simplesmente sentam no chão e escutam para no dia seguinte fazerem as mesmas coisas que faziam, entretanto se sentem parte de algo que julgam essencial e que não implica em nenhum valor em termos práticos de religião. POLITEÍSMO como caminho de crença O politeísmo foi uma visão usual na Era Antiga, tal como é comum em muitas religiões e isto em nada tem de comum com o ateísmo que é a ausência da crença no divino, um politeísta acredita na pluralidade e isto quer dizer que em sua visão contempla a diversidade energética e espiritual dignas de respeito e contemplação, e para que a humanidade pudesse melhor visualizar personalizou estas expressões.
“Seria um fato comum em dizer que a grande maioria das pessoas querem se sentir realizadas, correspondidas e amadas” Conceitualmente um politeísta pode acreditar em Deus com o mesmo respeito que acredita em Oxalá, Zeus, Odin entre outros. O simples fato de acreditar, sem ao menos cultuar, já o lhe faz estar próximo de um caminho politeísta.Uma outra pergunta que me fizeram era qual o objetivo da Bruxaria, mas este vou deixar para um próximo artigo!
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O simbolismo do sete Por M’Jay*
* Sobre a autora: M’Jay é pseudónimo de Maria José Barão, com residência em Évora. Os trabalhos da autora podem ser vistos em http://pelosolhosdemadness.blogspot.com/
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O Caminho do Seeker * Alder Lyncurium** O seeker (Ver NT) é uma figura que encontramos numa miríade de contextos e também nos mais diversos níveis da nossa vida. Poder-se-ia dizer que todos nós somos eternos seekers. Muitas vezes nem sequer sabemos de que estamos à procura de algo, até que o encontramos. E a maior parte destas descobertas leva a uma nova busca, e assim por diante. Mas o que é que um Seeker procura? E como é que lá chega? Para responder a isso, gostaria de mencionar algo que Morgana Sythove compartilhou connosco numa conferência em Madrid. Ela explicou como ela tinha viajado para fora para realmente apreciar o que possuía na sua própria terra.
“No contexto da Craft u até no paganismo em geral, o caminho do Seeker possui um significado especial.” O caminho do Seeker é uma busca/demanda na qual ele regressa para no fim se confrontar com ele mesmo. Não é coincidência que o templo de Apolo em Delfos tenha escrito à entrada o famoso aforismo: “Conhece-te a ti mesmo”.
nismo em geral, o caminho do Seeker possui um significado especial. O termo Seeker é usado para referir aquelas pessoas que estão em busca do seu caminho – quer seja dentro de um conventículo ou grupo, ou solitariamente. Esta busca/demanda normalmente, começa após um tempo conturbado que leva a uma mudança de 180ºgraus no seu sistema de valores. Curiosamente, este número não é encontrado entre aqueles que são novos na Craft (Arte) ou no Paganismo mas, ao contrário, entre aqueles que têm percorrido este caminho já por algum tempo. É verdade, que muitos novos membros procuram um grupo ou um certo caminho para se juntarem, mas muitas vezes a origem disso é um sentimento de solidão ou de não-aceitação – ou apenas o facto de se sentem sobrecarregadas pela quantidade de informação. O Seeker, por outro lado, não está perdido – ele apenas não sabe para onde se está a dirigir. Sem o saber, ele está a embarcar numa viagem da qual poderá nunca retornar, ou pelo menos, não retornará a mesma pessoa. Extensão e Tensão no fio “If you tighten the strings too much," the fisherman explained, "they will snap, and if you leave them too loose they won't play, but if they are tuned to the right point, then you will make music." The Life of the Buddha por Cherry Gilchrist
O Seeker na Craft No contexto da Craft (Arte) ou até no paga-
Uma das particularidades deste período é a contínua tensão e extensão do fio. O mundo
* Tradução por Maria Antónia e Luís Miranda ** Sobre o autor: Alder Lyncurium é iniciado da Tradição Wicca Gardneriana e administrador do Silver Circle em Espanha. Pode ser contactado através do site http://silvercircle.es NT: Seeker: Neste contexto, adquire o sentido de alguém que procura e/ou que parte numa demanda pelo seu caminho mágico e/ou espiritual, uma espécie de caminhante, viajante ou peregrino
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do Seeker está virado de cabeça para baixo, e agora tudo é vulnerável de ser questionado. Nada é certo e tudo é possível. O Seeker luta para encontrar algo a que se agarrar enquanto o mundo à sua volta se desfragmenta.
“O mundo do Seeker está virado de cabeça para baixo, e agora tudo é vulnerável de ser questionado.” Durante este processo ele pode tentar fazer um axioma irrefutável do mais simples sistema de pensamento ou de crenças – quer para outros ou para ele próprio. Se ele se aperceber da atitude extremista, ele irá tentar alcançar o polo oposto. Eventualmente, ele volta ao início, e assim por diante. Certamente, todos nós modificamos os nossos pontos de vista constantemente, alguns mais do que outros. Mas o Seeker está a viajar numa montanha-russa interna – uma que é radical e constante. Cabe a ele encontrar o equilíbrio entre os dois pólos – não um ponto médio, mas sim um ritmo. Uma vez que isto for alcançado, ele será capaz de dançar entre os diferentes tons de cinzento. A Noite Escura da Alma “O guiding dark of night! O dark of night more darling than the dawn! O night that can unite A lover and loved one, Lover and loved one moved in unison.” St. John of the Cross – The Dark Night of the Soul
Durante esta viagem, o Seeker pode experienciar uma das fases mais particulares no desenvolvimento espiritual A Noite Escura da Alma. Durante séculos, este estado, ou processo, foi representado na poesia, na arte e em ensaios escritos por místicos de várias tradições, como S. João da Cruz. A Noite Escura da Alma é uma crise do Ego, que se apercebe da mudança que pretende-
mos trazer, e que luta contra isso. E as suas “técnicas de luta”, não devem ser subestimadas – se alguém conhece os nossos medos mais profundos e os nossos pontos mais frágeis, isso é o nosso Ego. Juan Mérida explicou a Noite Escura da Alma como em seguida se apresenta: “We experience the Dark Night of the Soul because our perception of what we are is not enough for the life for which we are preparing ourselves." As palavras-chave para esta fase são Observância, Resistência e Aceitação. Vamos precisar de nos confrontar-mos cara a cara com o nosso Ser mais profundo, precisamos resistir durante este processo e aceitá-lo, sem tentar lutar contra ele. Frustração e a Montanha-russa: encontrar o ritmo “Between stillness and movement, we find rhythm.” Beyond the Broomstick por Morgana Sythove
A viagem do Seeker poderia ser, também, comparada a uma montanha-russa – quando ele pensa que o processo terminou, ele começa outra vez, do início. Isto pode levar a muita frustração, a pensar que não estamos a ir a parte alguma. E, novamente, quando tudo parece estar a terminar, a montanharussa entra numa descida dramática. Contudo, sob esta aparente incoerência, existe um padrão subtil e imperceptível – um ritmo. É como uma montanha-russa paralela mas sem altos e baixos, e que tem guardado os frutos da sua contraparte sem controlo. Como em muitos outros aspetos na nossa vida, a nossa mente foca-se nos eventos mais assoberbados, descurando aquilo que se esconde por detrás.
“A Noite Escura da Alma é uma crise do Ego, que se apercebe da mudança que pretendemos trazer, e que luta contra isso.”
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“Se a viagem é eterna, então não existe um fim para ela, mas sim marcos a percorrer.” Precisamos de encontrar esse ritmo. De observar aquilo que conseguimos alcançar até agora. Se não o encontrarmos, podemos criá -lo, e concentrarmo-nos numa tarefa ou passatempo constante e em particular. Ação – ajudar a trazer uma mudança “A physical act is always required in order to activate intangible forces in our world.” The 72 names of God por Yehuda Berg
Nem tudo é observância durante a viagem. O Seeker irá se aperceber que se concentra um pouco de esforço no seu trabalho pessoal e espiritual (seja em meditação, ao realizar rituais, adivinhação ou apenas a escrever) vai mudar toda sua perspetiva. Se existe um analgésico para este processo, esse é o trabalho pessoal. Este aspeto será a chave a muitos níveis. Devido ao caráter “interno” da viagem, podemos ter de enfrentar o facto de que o nosso ambiente externo ficou mais hostil. De facto, somos nós que ficamos mais vulneráveis neste momento. É o momento perfeito para voltar para as nossas bases, as nossas práticas básicas e pessoais. Meditar em diferentes aspetos, desenvolver novas capacidades, escrever, são opções possíveis – elas não precisam de estar diretamente relacionadas com a nossa prática espiritual. Encontrar algo que apreciemos, que nos traz conforto, algo que nos realiza; e voltar a isso quando sentirmos que tudo à nossa volta começa a ruir novamente. Lar Doce Lar “There's nothing half so pleasant as coming home again.” Margaret Elizabeth Sangster
No início do artigo, dissemos que poderíamos considerar que todos nós somos eternos Seekers. Se a viagem é eterna, então não existe um fim para ela, mas sim marcos a percorrer. Muitas vezes, o Seeker, não se apercebe que ele embarcou nesta viagem até que chegou a este ponto. É um ponto de morte e renascimento – e encontro com alguns velhos amigos. Isto pode significar o ponto de união com um caminho em particular ou com um grupo, uma iniciação, ou apenas uma completa mudança nas nossas vidas. Para a maioria, significa o “fim” de uma viagem circular que iniciamos, e agora, que estamos de volta ao mesmo ponto inicial, podemos ver o caminho de retorno; e aquilo que está atrás d nós e que não conseguíamos ver antes.
“Afinal de contas somos todos eternos Seekers, e podemos não saber para onde nos dirigimos, mas sabemos, certamente, que estamos a caminho.” A palavra-chave para esta fase final, juntamente com o renascimento, é a Realização. Quando antes nos indagávamos agora compreendemos. No entanto, eu disse “fim”, no sentido de que este é apenas o ponto final desta volta concreta do círculo – e à frente, existe um caminho novo. Como já referi, no início, afinal de contas somos todos eternos Seekers, e podemos não saber para onde nos dirigimos, mas sabemos, certamente, que estamos a caminho.
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Curso : Introdução à Cabala A Cabala é um sistema místico-filosófico que trata não só da divindade e sua relação com o homem e a criação, como é também um processo que proporciona mecanismos para organizar e estruturar o pensamento esotérico e a prática mágica. O pensamento cabalístico apresenta várias vertentes, no entanto, o curso centrar-se-á em introduzir vários aspectos teóricos e práticos relativos à tradição esotérica ocidental, sendo a introdução à Cabala Mágica ou Hermética o principal objectivo. O curso é no Capítulo da Ordem Rosacruz AMORC, no Porto Para mais informação pode escrever ao email: am.revistadigital@gmail.com
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Freya Por Valquíria Valhalladur*
A ti, Freya, Senhora despenseira da abundância e da magia, Eu Invoco neste momento Em que o Sol se ergue alto no céu. Freya! Faz descer sobre o nosso corpo o poder curativo do âmbar, E carrega-nos de luz com a mesma intensidade com que buscas pela tua contraparte solar, Odur. Faz da nossa alma O local de encontro do esplendor do teu amor, na ascensão do verão E carrega-a com o teu poder fecundante. Freyja Escultura de Rolf Aldersparre. Ruas de Estocolmo
Permite que o nosso corpo seja o suporte das tuas viagens visionárias, Como se fosse o teu colo quando voas embalada pelo teu manto de penas de falcão. Hail! Hail! Senhora de muitos encantos, e dos mistérios da sensualidade. Vanadis! Enche-nos com o brilho da tua riqueza. E concede-nos a felicidade do teu convívio.
* Sobre a autora: Valquíria Valhalladur é pseudónimo de Maria Cristina Ferreira Aguiar, nascida do Porto, e com o qual assina o seu primeiro livro “As Moradas Secretas de Odin”, publicado pela Madras Editora, em 2007, e desta forma deu conhecer os seus estudos em Mitologia Nórdica. A partir deste intróito, desenvolveu os conhecimentos em Posturas Rúnicas (Stadhagaldr) em workshops, e acrescentou mais uma criação, desta feita, “As Máscaras da Grande Deusa”, com a chancela da Zéfiro Editora, em 2011, mas já assinado com o nome de jornalista Cristina Aguiar. A autora pode ser contactada através de seu email: aguiar_cristina@hotmail.com
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Mulheres de armas: Algumas considerações (eróticas) sobre o arquétipo da Deusa Guerreira* Kelly Martínez O arquétipo da mulher guerreira ou aspeto guerreiro da Deusa é, talvez um dos menos trabalhados. A tríade donzela-madre. Anciã pareceram ser o eixo em volta do qual giram uma boa parte dos artigos que, normalmente, encontramos sobre arquétipos femininos e deidades correspondentes ou regentes dos ditos arquétipos. Não nos podemos esquecer que o feminino é múltiplo e que, para além desses três aspetos lunares, há uma outra série de aspetos que o integram. Quando se fala de mulheres guerreiras, o primeiro referente é, provavelmente, o das amazonas gregas, a representação mais divulgada deste arquétipo. Povo formado exclusivamente por mulheres, formaram uma nação e um governo próprios sob o comando da rainha Hipólita e aprenderam as artes da guerra. Como é do conhecimento geral, sacrificavam os seus filhos varões e cortavam o seio direito para poderem manejar melhor o arco e a flecha. As raparigas, eram assim, educadas para o combate. (1,2) O povoado das amazonas, segundo o mito, estava situado em Ponto, na atual Turquia. Muitos são os que pensam que não foram uma mera invenção mítica; que a lenda, como tantas vezes, tinha um fundo histórico e que, efetivamente, no Norte da Turquia, existiu um povoado de mulheres guerreiras. Com respeito à origem da palavra "amazonas", são várias as versões que os investigadores fornecem: desde aqueles que acreditam que deriva do persa ha-mazan (guerreiro), até aos que afirmam que provém de um vocábulo do proto-indo-europeu ṇ-mn-gw-jon-es, que significa "sem marido". No entanto, para
* Tradução por Maria Antónia
os gregos antigos, a palavra tinha uma etimologia diferente: a (sem) e mazos (peitos), as que não têm peitos. Há que apontar, no entanto, que independentemente da origem real do nome e das histórias que sobre elas se contam, a disposição das amazonas a estar com homens é algo que, em alguns momentos se quebrou. O caso mais famoso - presente em algumas versões do mito - é o do casamento de Hipólita com Teseu, que concebeu Hipólito, imortalizado por Eurípedes na tragédia homónima.
“Quando se fala de mulheres guerreiras, o primeiro referente é, provavelmente, o das amazonas gregas, a representação mais divulgada deste arquétipo.” De igual forma, a mãe de Hipólita, a amazona Otrera, foi consorte do Deus Ares e deulhe vários filhos, entre eles uma outra importante guerreira da mitologia grega: Pentesilea, famosa por participar na Guerra de Tróia. Ou seja, o impulso erótico das amazonas não é algo completamente inflexível, como geralmente se apresenta. Por vezes, simplesmente é quebrado. Pode o desejo mais do que a tradição? Nesse sentido, diferenciavam-se da deusa a que prestavam culto - Ártemis -, a caçadora,
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a guerreira por excelência. Deusa virgem, filha de Zeus e de Leto, habitava e caçava nos bosques e não permitiu nunca, que algum homem, mortal ou humano, se aproximasse dela. Apesar disso, é famoso o seu amor pelo pastor Endimión, a quem aparecia em sonhos, talvez no seu aspeto mais profundamente lunar. Mas o amor de Ártemis e Endimión não é um amor carnal. O carnal em Ártemis não é possível. O seu espaço, é sobretudo o espaço do incontaminado, do puro, da castidade. Juntamente com Atenas e Koré (Perséfone), integra a tríade de deusas donzelas, castidade que Koré perde ao penetrar no abismo quando é raptada para o Submundo. Mas será melhor não aprofundar demasiado a tríade que constitui matéria para um outro artigo. Basta saber que Ártemis é uma deusa intocável, uma deusa sem erro. Talvez a sua única pulsão erótica resida na contraparte: na satisfação da entrega da morte; é isso que existe nela, de fera e de selvagem.
“Poderíamos afirmar que o erotismo no arquétipo da mulher guerreira é um espaço de peculiaridades. Um espaço que compete com o masculino e que, na maioria das vezes, prescinde dele” Escuta. Está frente a mim - uma menina magra, não sorri, apenas me olha. E os olhos grandes, transparentes, viram outras coisas. Veem-nas, ainda. São eles essas coisas. Nesses olhos está a baga e a fera, está o uivo da morte, o assombro cruel. Conheço o sangue derramado, a carne dilacerada, a terra voraz, a solidão. Para ela, a selvagem, é solidão. Para ela a fera é solidão. A sua carícia é a carícia que se faz ao cão ou ao tronco de uma árvore. Mas, estrangeiro, ela olhame, olha-me, e sob a sua curta túnica é uma rapariga magra, como aquelas que tens visto na tua terra (3). Assim, descreve Endimion - através da musa de Cesare Pavese - a aparição de Ártemis, da Deusa, em, provavelmente, um dos diálo-
gos mais belos dos seus Diálogos com Leucó. Ártemis, a fera, esse clarão no bosque, iluminada pela luz lunar; esse círculo, esse espaço intocável, indecifrável. Em todas nós, existe (em todos nós, porque o feminino não é exclusivo da mulher). Ártemis, para quem a traição (quase sempre relacionada com o erótico) se pagava com sangue, tal como vemos sempre nas suas histórias. A ela está também consagrada Atalanta, uma caçadora exímia que decidiu nunca se casar e que, no entanto, pela sorte do destino, termina em núpcias com Meleagro, o único capaz de superá-la em força. Bem, poderíamos afirmar, a partir daqui, que o erotismo no arquétipo da mulher guerreira é um espaço de peculiaridades. Um espaço que compete com o masculino e que, na maioria das vezes, prescinde dele. Ou, inclusivamente, como é o caso de Atenas, deusa guerreira por excelência, têm uma função distinta - com respeito ao masculino - que é a da tradicional relação erótica entre géneros. Atenas, a sábia, a de olhos de coruja, a da Lança e do Escudo, é sempre protetora, nunca amante. Protege, sobretudo, os heróis inteligentes, como é o caso do astuto Ulisses. As mulheres guerreiras não são amantes. As mulheres guerreiras não são amantes? Construímos (nós, os ocidentais) as nossas bases culturais - para o bem ou para o mal sobre o fantasma, belo e monstruoso, da Antiga Grécia. Ficamos por esses parâmetros e, sendo etnocêntricos, custou-nos muito olhar para padrões culturais diferentes e, revê-los. Ainda que pensemos imediatamente nas amazonas como o protótipo da mulher guerreira, este arquétipo têm o seu lugar em quase todas as culturas e, não só como mito, mas também como realidade. Se ficarmos pelo espaço meramente europeu e mítico, encontramo-nos, por exemplo com Freya, deusa nórdica alemã do amor, da beleza, da fertilidade, da adivinhação e da guerra. Filha de Njörd e casada com Odd, eram quem presidia às Valquírias (outras guerreiras míticas) cada vez que iam para a batalha e era quem recebia metade dos guerreiros mortos em combate em Valhalla. A outra metade era recebida por Odin, que também compartia com Freya a sabedoria dos segredos das runas e
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a adivinhação. Era, para além disso, a Freya a quem as mulheres invocavam para conquistar o amor e na hora do parto. Era também, sem dúvida, a mais bela - fisicamente de todas as deusas do panteão nórdico. Desta forma, em Freya estão contidos vários arquétipos que a mitologia grega separou e converteu em deusas - e inclusivamente deuses - distintos. Uma unicidade do feminino onde a amante, a esposa, a guerreira e a bruxa não estão excluídas, mas integram a mesma personagem, uma mesma divindade. Também é o caso de Oyá, deusa africana. Padroeira dos ventos - desde a mais suave brisa até os furacões lhe pertencem -, Orixá do rio Níger, dona do Raio e das entradas dos cemitérios (é o umbral, a transição) esteve casada primeiro com Oggún e depois com Changô, deus da dança e do trovão e de quem concebeu os gémeos Ibeyi. E, não só está casada com ele, mas é também além disso, sua companheira de batalha. Quando há tormenta nos céus é porque Changô e Oyá estão em guerra. Changô teme Oyá, porque para além de ser a senhora dos mortos, possui um caráter tempestuoso. Também nela encontramos vários arquétipos reunidos: a bruxa, a amante, a mãe e a guerreira.
“Uma unicidade do feminino onde a amante, a esposa, a guerreira e a bruxa não estão excluídas, mas integram a mesma personagem, uma mesma divindade” Se abandonarmos o espaço do mito e formos para o mero espaço da história, encontramonos com lendas celtas que narram as histórias de mulheres que acompanhavam os seus homens na guerra. Conhecidas como as banfennid, eram o esquadrão de vanguarda nas batalhas. Nuas, e pintadas de negro ou azul, fazendo soar cornos e tambores, rangendo os dentes, de cabelo emaranhado, proferindo insultos, saíam em primeiro lugar e eram famosas por afugentar o inimigo, que debandava apavorado perante esta visão. Na
luta, eram também consideradas adversárias difíceis e temíveis.
“Sem dúvida alguma, o arquétipo da mulher guerreira, divina e humana, é algo que provavelmente compartilham todas as culturas” São famosas, na história celta, as rainhas Boudica e Maeve, que lutaram em batalhas importantes para defender os seus reinos. Os testemunhos de soldados e historiadores romanos sobre as banfennid são abundantes e falam sempre, sobre o terror que estas guerreiras causavam aos seus adversários. No entanto, é importante destacar que eram esposas e provavelmente mães. Não existia nelas uma relação de distanciamento nem de aversão à sexualização com o masculino. No Japão, encontramos uma história semelhante, na figura da onna-bugueisha ou mulher samurai, - um reduzido grupo de esposas ou irmãs da classe bushi (samurai), treinadas nas artes bélicas, para proteger a sua honra, a sua casa e a sua familia em tempos de guerra. A Imperatriz Jingú, consorte do Imperador Chüai, por exemplo –e segundo algumas lendas contam, - liderou a invasão à Coreia e regressou vitoriosa a casa. Vários historiadores desmentem as façanhas de Jingú mas, de qualquer forma, ela não é a única mulher samurai que encontramos nos registos dos contos japoneses: Tomoe Gozen lutou ao lado do seu esposo, Minamoto no Yoshinaka, nas Guerras Gempei, num conflito entre clãs que durou cinco anos. Tomoe, para além de famosa pela sua beleza, fez parte da toma de Kioto em 1184 d.c. e, ainda que não haja evidência da sua existência (mas sim do seu assistente, Yamabuki Gozen) os historiadores consideram certa a sua lenda, narrada no Conto dos Heike Monogatari. Para nós, é difícil saber, onde começa a lenda e termina o mito, ou vice versa. E aonde, para além disso, é que ele se cruza com a História. Mas, sem dúvida alguma, o arquétipo da mulher guerreira, divina e humana, é
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algo que provavelmente compartilham todas as culturas. Não sou antropóloga, nem historiadora. Muito menos mitógrafa ou psicanalista. Gosto de todas essas matérias e trato de as conhecer. Interessam-me os arquétipos. Este, em particular por mera identificação.
“Uma guerreira grega não está interessada em seduzir nem ser seduzida. A sua libido parece concentrar-se, exclusivamente, na guerra; em não se deixar ferir por essa outra arma, o fálico” Referi tudo isto, sobre as mulheres guerreiras e a sua comunhão (erótica) com os homens, para tratar de chegar ao lugar que me interessa e que tem que ver com as masculinização ou possível masculinização deste arquétipo, no Ocidente moderno e contemporâneo que, como disse antes, tem as suas raízes na Antiga Grécia. Onde, se bem que não possamos falar de masculinização, mas observamos que há um distanciamento, um não -erotismo, entre o arquétipo da mulher guerreira e dos homens. O espaço de Atenas ou de Ártemis não é nunca (ou quase nunca, existem excepções) o espaço de Afrodite. Uma guerreira grega não está interessada em seduzir nem ser seduzida. A sua libido parece concentrar-se, exclusivamente, na guerra; em não se deixar ferir por essa outra arma, o fálico. Em contrapartida, todas estas figuras míticas ou legendárias, de outras culturas, onde o contacto com o homem é fundamental. Se vai à guerra com os homens, logo acontece o ato amoroso. Um não exclui o outro. Tudo o que aqui faço são suposições. Provenientes, sobretudo, da minha experiência diária, das minhas próprias preocupações. Não só me sinto identificada com este arquétipo de mulher amante e guerreira mas também, para além disso, - e ao tratar de canalizar milhões de coisas- comecei a praticar artes marciais numa classe mista. Antes disso, muitos homens, alheios ao meu círculo, riam-
se ou admiravam-se. A bonita rapariguinha (modéstia à parte) que luta deixa de ser um objeto de desejo. Não é que me importe, no entanto, desperta-me uma profunda curiosidade. Imagino a mesma surpresa que sentem quando se lhes diz que Alexandre Magno era gay. Para nós, o combate (não a guerra, não gosto das guerras) parecia ser um assunto de homens, mas não no aspeto de contato com os homens e, sim num aspeto essencial - o combate enquanto um objecto exclusivamente masculino. Uma mulher que combate é uma mulher masculina, infelizmente, temo-nos limitado a isso. Seria bom dizer-lhes que o masculino também é parte do feminino e vice-versa, que há em todos nós, homens e mulheres - uma anima e um animus e que ambos cumprem uma função na psique. Assim, como o arquétipo da guerreira também tem a sua tarefa dentro da psique da mulher. Quando é exercitado, correctamente, cumpre a função, creio, de ajudar a defender-nos de inimigos e de predadores e da vida, que às vezes é inimiga e predadora. Cumpre a função de nos manter em pé de luta perante os avatares da existência. E, também de nos tornar independentes de um sistema, que infelizmente, ainda está ancorado no patriarcado. Se formos bem a ver, tanto a cultura grega como a judaico-cristã ( excepto a celta ou a nipónica) prestam tributo a um deus masculino (Zeus, Yahvé), que se ergue, verticalmente, sobre todas as coisas. Apesar da variedade do panteão grego e da importância da mulher nele, estão sempre subordinados ao deus. E, por outro lado, quando a mulher rege o espaço da guerra, parece não existir nela o aspeto erótico. E nem falemos da mulher no modelo judaico-cristão.
“O arquétipo da guerreira também tem a sua tarefa dentro da psique da mulher.”
Talvez, se integrássemos melhor o arquétipo da guerreira, se soubéssemos que não exclui outros arquétipos, teríamos um mundo menos machista. Um mundo onde a mulher não
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seria um mero objeto e que podia situar-se, finalmente, enquanto sujeito, enquanto um ser no mundo. Mas masculinizamos, retiramos-lhe o seu poder e beleza, despojamo-la do seu erotismo. Se uma pessoa vasculhar um pouco na história, o arquétipo da guerreira não é exclusivo dos homens e era algo necessário e olhado com admiração em muitas culturas da antiguidade. Joana D´Arco é, talvez, uma das primeiras guerreiras do judaicocristianismo. Ou, pelo menos, uma das mais conhecidas. Esplêndida...mas morreu virgem e louca. Morreu condenada por homens, na fogueira. Parece que as mulheres guerreiras deixaram de ser convenientes, são raras, intimidantes. Essa criatura que combate não pode ser uma mulher. A mulher é submissa, dócil, inclusivamente quando é puta, ou cortesã. E, se não o for, de qualquer maneira, o homem (mais forte) será sempre capaz de as dominar (dizem, e creem). A mulher que luta não é feminina. Mas não é assim: luta-se no ring de unhas pintadas. Uma mulher chega a casa, faz amor e até, às vezes a comida para o mari-
do. Às vezes repreende-o. Acredito em deusas. E, acredito nas deusas que lutam e que são, também, capazes de beleza e de amor. Acredito nas mulheres que comungam com essas deusas. Não será por acaso que o feminino é a possibilidade de um sem fim de coisas? Notas da Autora (1) As amazonas apenas faziam sexo uma vez por ano, com os homens do povoado vizinho, os Gargarios, apenas para assegurar descendencia. O sexo por prazer ou por afeto nao lhes interessava. Eram elas que visitavam os gargarios, já que não era permitido aproximarem-se de homens. (2) Ou se cauterizava desdes os primeiros sinais de desenvolvimento, como presumem alguns historiadores ou mitógrafos. (3) Cesare Pavese. “La fiera”. En Diálogos con Leucó. Barcelona. Editorial Bruguera. 1980. p. 45. (4) Entendido como que a mulher integre ou lhe sejam atribuidos características masculinas.
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Download de artigos originais El Culto al Sol y la Rueda del Año Autor: Valentina Ramos Língua do texto original: ESPAÑOL Anima Mystica Revista Digital Vol. 2 No 2. pp 6-13 Download do artigo aqui
The Path of the Seeker Autor: Alder Lyncurium Língua do texto original: ENGLISH Anima Mystica Revista Digital Vol. 2 No 2. pp 19-21 Download do artigo aqui
Mujer de armas tomar Algunas consideraciones (eróticas) sobre el arquetipo de la guerrera. Autor: Kelly Martínez Língua do texto original: ESPAÑOL Anima Mystica Revista Digital Vol. 2 No 2. pp 25-29 Download do artigo aqui
Encontro de Pagãos Este encontro é para todos os interessados na Espiritualidade Pagã, Wicca, Druidismo, Bruxaria, Magia Celta e todos os "caminhos" que celebram o Paganismo. Todos são bem vindos e convidados a participar com opiniões e experiências e para um copo com pessoas que partilham interesses semelhantes. Mais informações em: portopagans@gmail.com ou através da página de Porto Pagans no Facebook o Google +
Neste momento encontramo-nos na 3ª Sexta-Feira de cada mês, por volta das 21.30,
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Mulher e Serpente Por Alexandra Santos*
Este trabalho faz parte da pesquisa de Alexandra Santos para uma performance. É uma imagem onírica da autora, que acompanhou dois sonhos relacionados com a imagem da serpente. Levada pela curiosidade e extremamente intrigada com o simbolismo no sonho e por serendipidade, a autora foi em busca de informação acerca da simbologia da serpente. “E assim como é, descobri que a adoração da serpente existe em todo o globo na Antiguidade. Ela é também associada à mulher, ou seja, as mulheres eram muitas vezes as guardiãs ou sacerdotisas desta "divindade".” Este tipo de concepções imagéticas faz parte de um processo automático subconsciente da autora e que será incluído simbolicamente numa performance. Segundo Alexandra Santos o aspeto mais significativo na representação é a mão da mulher. “Ela comanda a serpente? Ela dá, cuidar ou acalenta a serpente?” A autora tece várias reflexões sobre a imagem da Mulher-Serpente, sendo que é uma imagem recorrente ao longo de diversas culturas e panteões espalhados pelo mundo. Por exemplo, na Mitologia celta, a Mulher-Serpente estaria associada ao poder sexual, representando o poder fálico. Já no contexto judaico-cristão temos a representação de Eva e da Serpente, que retrocede aos povos semíticos, numa altura pré-monoteísta.
* Sobre a autora: Alexandra Santos reside em Londres à 22 anos, e tem vindo a expôr não só no Reino Unido mas também em exposições individuais e coletivas internacionais. Em Portugal expôs na galeria Pedro Serrenho Arte Contemporânea. Participou em várias Bienais e feiras de Arte, entre elas recentemente a “Korean Experimental Arst Fair” na Korea do Sul e em Portugal no Festival de Teatro da Póvoa do Varzim. As suas mais recentes participações foram com o coletivo de que faz parte, os Parlour Collective no Brunnel Museum em Londres em Outubro 2012 e na Oxford University Botanical Gardens em Setembro 2012.
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