Nº 372 Edição Brasil

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DEMOCRACIA O ELEIÇÕES À VISTA

ENTREVISTA MANGABEIRA UNGER

ESPECIAL MARKETING CALCULADORA NA MÃO

BRASIL www.americaeconomia.com.br 21 DE FEVEREIRO, 2009

MAIS UM NO RINGUE? OI SE AQUECE PARA BRIGAR PELO BILIONÁRIO MERCADO DE TELECOMUNICAÇÕES DA AMÉRICA LATINA, ONDE ENFRENTARÁ TELMEX E TELEFÓNICA

Nº 372 VENDA PROIBIDA




NESTA EDIÇÃO Nº 372 / 21 DE FEVEREIRO, 2009 26 ESPECIAL LOGÍSTCA

PMES GLOBAIS

34 Viva o sol

Empresas brasileiras do setor têxtil tiram proveito dos raios UV.

DEBATES

38 Democrise Retração econômica poderá colocar democracia regional à prova.

42 Entrevista Mangabeira Unger Ministro brasileiro fala sobre crise econômica, EUA e América Latina.

45 Opinião Félix Peña defende uma trégua protecionista na ordem do comércio mundial.

46 Cadê a verba? Atual cenário financeiro demanda gasto mais eficiente do orçamento público.

ESPECIAL

30

OS GERENTES DE MARKETING SÃO CHAMADOS A COMPROVAR QUE SEUS INVESTIMENTOS DÃO RETORNO

SEÇÕES 7 Índice 8 Memo 9 Cartas 10 Pistas 11 Editorial 12 Movimentos 37 Ferramentas 55 Capital Aberto 61 Interfaces 63 Negócio Fechado 64 Raio X 65 Visões 66 Linha Direta

NEGÓCIOS 17 Batalha aérea No Uruguai, a companhia aérea Pluna ganha concorrente para rotas à Argentina.

4 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

18 Guerra aberta Oi pode entrar na batalha pelo mercado regional de telecom.

21 Café amargo Indústria insígnia da Colômbia, a cafeicultura busca formas de combater o panorama negativo.

22 Vou ou fico? Em problemas, Citibank avalia sair da região.

24 Salvar o mundo A russa Kaspersky Lab se expande na América Latina combatendo vírus informáticos.

25 Luxo em risco A crise global poderia afetar o projeto imobiliário dominicano de Cap Cana.

Política de Obama para a região será influenciada pelos fatos, diz Susan Kaufman.

50 Made in Brazil Maior exportador latinoamericano busca formas de não retroceder.

FINANÇAS 52 Caminho pedregoso Em 2008, os fideicomissos foram estrelas na Argentina. Como será em 2009?

54 Mal-estar Presidentes-executivos devem declarar problemas de saúde?

57 Opinião O montante das intervenções terá de ser mais alto, diz John Edmunds.

I-BIZ 58 Suco combustível Resíduos da laranja poderão se converter em fonte para a produção de etanol.

CAPA BRASIL: RODRIGO DÍAZ CARRIZO.

MARKETING

49 Quinta coluna


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OPORTUNIDADES EM TI

ENERGIAS RENOVÁVEIS, POTENCIAL BRASILEIRO O Brasil é o melhor país da América Latina do ponto de vista do marco regulatório para o desenvolvimento de energias renováveis. Além disso, abriga um enorme potencial de geração ainda inexplorado, como o uso de biomassa de resíduos agrícolas e o originado do reflorestamento, além de oportunidades com energia solar e eólica. Essa é a opinião de Oscar Schweitzer, consultor da Aros Consultoria. Juntamente com a parceira europeia SVZ Fairs, a Aros promoverá pela primeira vez no Brasil, em junho deste ano, a feira de negócios europeia de energias renováveis Renergy. Para Schweitzer, “um plano de energia bem pensado para esse período vai ser bom para o Brasil, porque o País pode continuar a usar matriz energética limpa”. E a feira poderá ser um fator de inspiração nessa busca.

O envelhecimento de tecnologias de hardware e sistemas usados para emitir faturas e gerenciar a arrecadação em distribuidoras de energia da América Latina está sendo visto como grande oportunidade de negócios pela Elucid, companhia brasileira do setor de TI especializada no segmento. A empresa acaba de criar uma diretoria para prospectar clientes e parcerias locais em países como Uruguai, Chile e Peru. De acordo com Michael Wimert Jr., presidente da empresa o potencial de negócios, em estimativas bastante conservadoras, é de R$ 200 milhões entre 2009 e 2011.

A concessão de asilo político ao ativista Cesare Battisti e o apoio a duas gestões marcadas por atitudes antidemocráticas – como acontece na Bolívia e na Venezuela – abriram questionamentos quanto à posição do governo Lula. Especialistas dizem que, apesar de ter registrado atitudes pouco democráticas, estas não vingariam no Brasil. “Temos instituições democráticas mais sólidas do que na Bolívia e na Venezuela, uma imprensa livre e uma classe média forte suficiente para não deixar que medidas de corte autoritário sejam aprovadas”, diz Carlos Alberto Di Franco, consultor em estratégia de mídia.

DEZ ANOS DE CHÁVEZ O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, completou em fevereiro 10 anos de governo e decretou feriado nacional para a comemoração, numa demonstração de como seu poder se tornou personalista. Durante esse período, Chávez enfrentou um golpe, uma greve nacional e um referendo revogatório, e muitos venezuelanos reclamam que ele adquiriu tanto poder que é um ditador em formação. O presidente permanece popular entre os pobres por gastar a riqueza do petróleo em programas sociais. E agora o autointitulado revolucionário socialista viu a continuidade da sua “revolução” aprovada em novo referendo.

AINDA NÃO RECEBE? LEIA O QUE ACONTECE NOS PRINCIPAIS SETORES DA ECONOMIA E DOS NEGÓCIOS REGIONAIS EM SEU E-MAIL. ASSINE. 6 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

BRASIL BLINDADO


ÍNDICE DE EMPRESAS OS NÚMEROS REFEREM-SE À PRIMEIRA PÁGINA EM QUE AS EMPRESAS SÁO CITADAS. EXCLUI AS EMPRESAS QUE FIGURAM EM GRÁFICOS E RANKINGS

a-b

Claro..........................................20

Artemar ...............................37

Portonave ..................................29

Absolute Return Partners ..........55

Coca-Cola .................................32

Intelig ........................................20

Portugal Telecom ......................20

AFP habitat ...............................23

Cohen Sociedad de Bolsa..........53

Itaú ......................................19, 55

PricewaterhouseCoopers ...........31

América Móvil ..........................18

Colombia Móvil ........................19

ITData .......................................19

Procafecol .................................21

American Standard....................33

Comcel ......................................19

JP Morgan .................................55

Procter&Gamble .......................32

Analytica Securities ..................65

comScore...................................15

k-l

Puma .........................................32

Apple .........................................54

Copaco ......................................20

Kaspersky ..................................24

Pyramid Research .....................20

Aros Consultoria .........................6

Corpbanca .................................55

Korn ferry ..................................32

s-t

Asociados Don Mario ...............52

Chilli Beans...............................34

KPMG .......................................54

Sadia....................................10, 13

AT&T ........................................19

D&S ..........................................15

Kroll ..........................................27

Samsung ....................................60

Audi...........................................67

Delphos Investment...................53

Leadgate ....................................17

Santander...................................55

Banamex....................................22

DHL .........................................26

LG Chem Investment ................12

Scotiabank .................................30

Banco Cuscatlan........................22

Ditel...........................................20

LG .............................................12

Select .........................................20

Banco de Chile ....................22, 55

e-f

Link Investimentos ....................19

Semillas Papalotla .....................26

Banco do Brasil ...................19, 55

Elucid ..........................................6

LQ Inversiones Financieras.......23

Signals Telecom

Banco Macro .............................55

Embotelladora del Atlántico .....16

m-n

Banco Uno ................................22

Embratel ....................................19

Marcopolo .................................10

Sonda.........................................29

BancoEstado .............................15

Emser ........................................16

McAfee .....................................24

SpinVox .....................................13

Banif Securities .........................23

Entel PCS ..................................19

MCI ...........................................19

Starbucks ...................................21

Barclays.....................................55

Ernst &Young............................54

Miebach Consulting ..................27

Sun Cover ..................................35

Bellsouth ...................................19

Ferbasa ......................................54

Millicom....................................19

Supermercados Wong ...............15

Bid Network ..............................37

Fitch Ratings .............................23

Monex Casa de Bolsa................23

Symantec ...................................24

Biosidus.....................................12

g-h

Monsanto...................................12

Telecel .......................................19

BQB Líneas Aéreas...................17

Gartner ................................19, 20

Morning Star .............................23

Telefónica ..................................18

Bradesco..............................19, 55

General Electric ........................16

Motorola....................................31

Telemóvil ..................................19

British telecom ..........................19

GOL ..........................................13

Movistar ....................................16

Telmex.................................18, 23

BrTelecom .................................18

Google .................................31, 60

Nielsen ......................................15

Telsur.........................................19

Buquebús...................................17

Grendene ...................................49

Nokia .........................................60

TIM ...........................................20

c-d

Grupo Cablevisión ....................19

Nortel ........................................13

Trunfo Participações .................29

Cafetanol ...................................37

Grupo Clarín .............................19

o-p

u-v-w

Catho .........................................14

Grupo Coasin ............................14

Oi...............................................18

UPS ...........................................27

Celfín Capital ............................23

GTD Manquehue ......................19

Orange Business........................19

UVLine .....................................34

Celtel .........................................19

Herbalife ...................................13

Palm ..........................................31

Verenium ...................................61

Cencosud .............................10, 15

i-j

Papa John’s................................13

Visa ...........................................31

Citibank ...............................13, 22

IDC......................................19, 24

PBN Paribas ..............................15

Vivo ...........................................20

Citigroup .............................22, 55

Infonavit ....................................33

Pdvsa ...................................11, 65

Vocollect....................................16

Citrus Energy ............................59

Ingeniaría Ecológica

Pluna .........................................17

Wal-Mart ...................................15

Consulting ...........................19

AMÉRICAECONOMIA magazine (USPS #023106) is published biweekly on March, April, May, June, September, October and November, and monthly on January, February, July, August and December in Santiago, Chile by AméricaEconomía. AméricaEconomía is distributed in the United States by DL Distribution Group, 7301 Sw 100 Ct , Miami, FL. 33173-4651 PH: (305) 595-5505. Periodicals Postage paid at Miami, Florida. POSTMASTER: send address changes to DL DISTRIBUTION GROUP 7301 Miami, FL 33173-4651.

21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 7


MEMO DIRETOR Elías Selman C. VICE-PRESIDENTE-EXECUTIVA Gloria Landabur DIRETOR EDITORIAL Felipe Aldunate M. EDITOR ADJUNTO Rodrigo Lara DIRETOR DE ARTE Álvaro Araya Urquiza EDITORES-EXECUTIVOS Solange Monteiro, Juan Pablo Rioseco, Eduardo Thomson EDITOR BRASIL Dubes Sônego ASSISTENTE DE EDIÇÃO Sérgio Spagnuolo ESCRITÓRIO EDITORIAL BRASIL (55 11) 3063-2049 EDITOR MÉXICO Arly Faundes EDITOR MIAMI Antonio María Delgado EDITOR DE FOTOGRAFIA Miguel Candia REPÓRTERES Soledad Gómez, Matías Rodo Yuricevic (Santiago) CORRESPONDENTES•ARGENTINA Juan Pablo Dalmasso •COLÔMBIA Lucía Valdés •MÉXICO Carolina Solís •PERU Cecilia Niezen•URUGUAI Guillermo Pellegrino •VENEZUELA Dorothy Kronick •AMÉRICA CENTRAL Ricardo Castillo •MIAMI Carlos Molina •WASHINGTON Antonieta Cádiz COLUNISTAS•Susan Kaufman Purcell•Félix Peña •Abraham Lowenthal •John Edmunds •Javier Santiso DIAGRAMAÇÃO Riffka Schiro-kauer J., Sebastián Caro P.

FERNANDO CARRASCO CRUCHAGA / EDITADA POR AMÉRICAECONOMIA

PRESSÃO E VOTO NOS PRÓXIMOS 18 MESES haverá dez eleições presidenciais na América Latina. Some ainda várias eleições legislativas de relevância, bem como de autoridades regionais e locais. O intenso ambiente eleitoral no qual a região submergirá estará caracterizado pelos efeitos que a crise financeira tenha em nossas economias – e a capacidade dos governos para suavizar seus efeitos. E não é só: o impacto no emprego, no crédito e no consumo latinoamericano, que será mais forte do que muitos políticos esperam, imporá uma forte pressão na ainda imatura institucionalidade democrática latinoamericana. “A chave estará nos 100 milhões de latinoamericanos que saíram da pobreza nos últimos anos de bonança”, escreve Antonio Delgado, de Miami, na matéria “Democrise”. “Se estes 100 milhões perdem os benefícios conquistados nesse tempo, serão um fator desestabilizador.” Não são poucos os analistas que observam que o risco político da região vai em alta, e que em alguns países que possuem poucas ferramentas para reagir se pode chegar a complicados cenários nos quais a governabilidade se verá ameaçada. Mas, apesar da crise, a atividade empresarial continua em movimento. E há cenários que precisam ser acompanhados de perto, como o da telecom brasileira Oi. Depois de uma importante aquisição e com a vantagem de ser o primeiro operador quadriplay da América Latina, a Oi poderá entrar no ringue até agora dominado por Telmex e Telefónica: o mercado latinoamericano. Dubes Sônego, de São Paulo, e Arly Faundes, da Cidade do México, nos contam os pormenores dessa disputa. Além disso, os cafeicultores colombianos, a luta pelo mercado aéreo uruguaio e o destino do Citigroup na região complementam esta edição, que mantém a missão original de AméricaEconomia: levar o melhor dos negócios latinoamericanos às suas mãos.

•ILUSTRADORES Soledad Tirapegui, Rodrigo Díaz Carrizo REVISORA Adriana Casarotti

AMÉRICAECONOMIA INTELLIGENCE (estudos e projetos especiais) •DIRETOR Rodrigo Díaz •SUBDIRETOR Jaime Contreras •COORDENADORA DE ESTUDOS Daniela González •EDITORA Karin Hernández •PESQUISADOR SÊNIOR Pablo Hernández AMÉRICAECONOMIA.COM

•EDITOR ESPANHOL Eduardo Coronado •EDITOR BRASIL Mel Bornstein •SUBEDITORMarcelo García •REPÓRTERES Marcelo Galli, Pablo Jamett, Alejandra Clavería

•REDATORES Patricia Zvaighaft, María paz ördenes •TRADUTOR Juan Pardo •WEBMASTER José Fuentes DIRETORA COMERCIAL EUA Verónica Lizama • DIRETORA COMERCIAL MÉXICO Juliana Kollinger • VENDAS PUBLICIDADE Jannifer Price (Miami), Rafael Solís, Tanya Mejía Maya (Cidade do México •DIRETOR DE MARKETING Marcelo Silva Symmes• DIRETORA COMERCIAL CHILE María Alejandra Vigh • VENDAS CHILE Tibisay Campbell, Paz Lecea • DIRETORA COMERCIAL PERU Alejandra Bustamante •EXECUTIVA DE VENDAS PERU Maria Claudia Díaz-Dulanto •GERENTE DE PRODUÇÃO Constanza del Río Moreno •DIRETOR DE CIRCULAÇÃO Marcial Delcorto • GERENTE DE INFORMÁTICA E LOGÍSTICA Óscar Sánchez • BRASIL•HV2 Comercialização de Mídia •DIRETOR-GERAL Hélcio Vieira •GERENTE DE PUBLICIDADE Oscar da Silva Alves •GERENTES DE NEGÓCIOS Rosangela Bomtempo, Nícolas Cardoso Slamek •GERENTE DE MARKETING Denise Terranova Rua Cel. Arthur de Paula Ferreira, 59 - cj 111São Paulo - SP - Brasil CEP 04511-060 Tel.: 5511-3846-5588

ESCRITÓRIOS COMERCIAIS • EUA Tel: 305/648-9071 •MÉXICO Tel: 5255/5254-2400 Fax: 5254-7510 • ARGENTINA Claudia Dasso Tel: 5411/4383-8410 - 4383-8416 •CHILE Tel: 562/290-9400 Fax: 341-5687 • AMÉRICA CENTRAL Julio Lemus Tel-Fax: 502/2261-0278 • PANAMÁ Yadyra de Paz y Miño Tel: 507/271-5327 - 507/66787564 • PERU Patricia Anduaga 511-6107217, María Claudia Díaz-Dulanto 511-6107216 REPRESENTANTES INTERNACIONAIS • ALEMANHA 49211/887-2328 • ESCANDINÁVIA 4755/92-5192 Fax: 92-5190 • ESPANHA 3491/441-6266 Fax: 441-6549 • FRANÇA 331/4143-7057 • ITÁLIA 3902/670-73383 • REINO UNIDO 4420/7538-5811 • SUÍÇA 411/269-7070 REDAÇÕES • SANTIAGO 562/290-9400 • CIDADE DO MÉXICO 5255/52542400 • BUENOS AIRES 5411/4383-8410 • MIAMI 305/648-9071 AméricaEconomia é uma publicação quinzenal da Nanbei Ltd. •Impressa na Plural Editora e Gráfica . México, franquia paga. Publicação periódica•Registro PP09-0011 PRESIDENTE Nils Strandberg CHAIRMAN Robert R. Paradise

Felipe Aldunate M. Diretor Editorial

8 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

Certificado Licitud de Título Nº 4090 . Certificado Licitud de Contenido Nº 3346 . AméricaEconomía is a Nanbei Ltd. biweekly publication


CARTAS E D A D A OR

TEMP

S A T R E F O erdadei criando vem o tã es s a v ti g as nega ver dinheiro e cora ti vas econômic Miami As expectapectihinchas para quioem ía Delgado, Anton Mar

ras

riqueza e diminuir a pobreza do mundo tenha terminado. É apenas o jogo retórico e ideológico que está fazendo com que essa crise seja mais grave do que parece e que gere as profecias que eles próprios vão cumprindo. Por favor, não caiamos nesse jogo. Pablo H. Bravo. Santiago, Chile.

Excesso de otimismo

Pessimismo demais

Vejo com preocupação o otimismo com que muitos na América Latina estão vendo a situação global atual, como se o pouco de reservas acumuladas nos últimos anos seja suficiente para evadir a profunda crise que nos vem em cima. Mudanças no sistema financeiro global, volta do protecionismo, redução do valor da inovação, mudança total no sistema de valores por trás do capitalismo. Na América Latina, acreditamos que esta é só mais uma crise de liquidez como tantas que tivemos no passado e estamos perdendo o foco na transformação real que a economia global atravessa.

O senhor Obama e seus aliados democratas exageraram na profundidade da crise com simples objetivos eleitorais. O problema dos bancos não é de liquidez; é de capitalização. E isso não é difícil de ser resolvido, tal como se demonstrou em crises anteriores. Que os senhores democratas acudam a uma retórica ideológica de que o capitalismo está em crise e que toda a economia tem que mudar simplesmente porque o sistema bancário requer uma injeção de dinheiro (e que o Estado perfeitamente o pode dotar por um tempo e depois vendê-lo com lucro), não significa que as bases do sistema liberal, que mais ajudou a produzir

Juan Pablo Fernández Bogotá, Colômbia.

Temporada de ofertas Interessante a matéria sobre as oportunidades que surgem com a crise para os que sejam valentes e tenham liquidez (“Temporada de ofertas”, AméricaEconomia N° 371, 21 de janeiro, 2009). Seria interessante aprofundar nas alternativas existentes para as empresas que atualmente não contam com financiamento, como poder aproveitar algumas oportunidades que se apresentam em matéria de fusões e aquisições. Sou gerente de uma pequena empresa de tecnologia e em meu setor há muitas conversas para levar a cabo integrações com outras empresas do setor que tenham o mesmo pro-

blema em comum: a falta de liquidez. Sergio Carriles San José, Costa Rica.

Reformas de capitais Apesar da crise, os sistemas financeiros da América Latina tiveram uma trajetória positiva nos últimos anos graças a uma sequência de reformas que foram introduzidas, especialmente no Brasil, na Colômbia, no Peru e no Chile. É que, tal como vemos hoje, a regulação e as reformas dos mercados financeiros devem ser uma atividade contínua que acompanhe de perto as mudanças desse mercado tão dinâmico. Brasil, Chile, Peru e Colômbia estavam no caminho certo de impulsionar suas reformas tal como Eduardo Thomson mostra em sua matéria (“A tormenta perfeita”, AméricaEconomia N° 371, 21 de janeiro, 2009). Abandonar esse caminho devido à situação global será simplesmente perder competitividade em uma indústria que justamente agora deve fazer o seu melhor. Alvaro González Lima, Peru

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SEGUINDO A PISTA SINAL DE CRISE PUBLICAMOS: Segundo Andrew Lawrence, o começo dos trabalhos para iniciar a corrida por erguer a torre que seria a mais alta do planeta antecipava uma crise de grande envergadura e turbulência mundial. Quando há um ano em Santiago do Chile lançou-se o projeto do Costanera Center, lembrei da teoria de Lawrence e pensei: quantos meses faltam para a seguinte recessão? (“O Skycraper Index”, AméricaEconomia Nº 354, 11 de fevereiro, 2008) O NOVO: Ponto para Lawrence. Depois de “anunciar” a crise econômica mundial, o projeto do Costanera Center – que no projeto inicial incluía um shopping e quatro edifícios, um deles com 300 metros de altura, que seria o maior da América do Sul – foi cancelado. A Cencosud, gigante varejista chilena e dona do projeto, já tinha paralisado parte da obra em outubro passado, esperando melhores condições de mercado. O Costanera Center implicaria investimentos de US$ 600 milhões e em 2008 chegou a empregar 2,8 mil pessoas para sua construção.

PÉ NO ACELERADOR PUBLICAMOS: Outro fator que colaborou com a internacionalização da Marcopolo foi fazer joint ventures com empresas locais. E essa linha de ação converge em uma meta clara. “Estimamos que no médio prazo dois terços dos negócios da Marcopolo virão de fora do Brasil”, afirma José Rubens de la Rosa, CEO da companhia brasileira. (“Rota emergente”, AméricaEconomia Nº 364, 8 de setembro, 2008)

É MAIS EMBAIXO PUBLICAMOS: No final de setembro, com a disparada do dólar, a Sadia anunciava que poderia ter extrapolado os limites estabelecidos pela política de risco da empresa ao investir em mais derivativos cambiais do que necessitava para cobrir suas exportações. (“Quem mandou apostar?” AméricaEconomia Nº 367, 27 de outubro, 2008) O NOVO: Apesar de uma operação exemplar, a Sadia teve de assumir que financeiramente estava pior que o previsto. O Banco Brascan estimou o prejuízo da companhia em R$ 2,5 bilhões em 2008 – ou R$ 1,75 bilhão a mais do que o anunciado inicialmente – o que levaria a dívida total da empresa a R$ 4,7 bilhões, ou quatro vezes sua geração de caixa.

O NOVO: Nem a crise econômica faz a Marcopolo parar de acelerar. No começo de fevereiro, deu início à produção de sua segunda fábrica na Índia, em parceria com a local Tata. Será a maior fábrica de ônibus do mundo, com capacidade produtiva de 25 mil unidades ao ano. A nova planta demandou investimentos de US$ 120 milhões, divididos igualmente entre cada sócia. Espera-se que a fábrica atinja sua capacidade máxima em 2013, quando estaria empregando 4 mil funcionários, com receita de US$ 400 milhões.

10 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

O MEU ESTÁ GARANTIDO PUBLICAMOS: “A abertura comercial entrará em um processo de desaceleração”, diz Claude Barfield, do American Enterprise Institute. “Independentemente do tipo de política que Obama decida adotar, ele sabe que introduzir temas relacionados ao comércio só vai gerar resistência.” (“Era Obama: o desafio”, AméricaEconomia Nº 369, 30 de novembro, 2008) O NOVO: Com o seu TLC com os EUA garantido, vem vigor desde o começo de fevereiro, o Peru não se preocupa com restrições protecionistas. Com a lição de casa adiantada, a ministra de Comércio Exterior Mercedes Aráoz declarou recentemente que o país terminará 2009 com cinco novos TLCs: Chile, Cingapura e Canadá em março, e os com China e a Associação Européia de Livre Comércio no segundo semestre.


MANTENHA A PORTA ABERTA “

Buy America”, ou “Compre a América”. Esse slogan é uma das coisas mais perigosas que se ouviram em matéria de comércio internacional nos últimos anos. Legisladores norteamericanos batizaram com esse nome uma cláusula incluída no pacote de estímulo econômico que se discutia nos Estados Unidos no início de fevereiro e que requeria que todo o ferro e o aço financiados com esse plano fossem produzidos localmente. Em solo norteamericano. A cláusula não só representa um perigo para os Estados Unidos, que perderiam a possibilidade de contar com investimentos mais eficientes ao ter acesso a matéria-prima mais barata obtida em outras regiões do mundo. O prejuízo maior de fechar essa porta está no sistema de comércio internacional, que veria seu jogador de maior peso ativar uma política abertamente protecionista. É certo que Obama criticou a cláusula e que o Senado a atenuou um pouco para que não caminhasse contra as normativas da Organização Mundial de Comércio (a proposta inicial incluía produtos manufaturados). Mas é preciso ir além. Obama deve manter as portas abertas ao comércio, o que implica eliminar a cláusula por completo. O mesmo deve ser feito por qualquer líder responsável frente às iniciativas de enfrentar a crise com medidas protecionistas. Nos EUA, na Europa, ou inclusive na América Latina, onde vários países impulsionaram medidas nessa direção (desde o “Compre do Peru” às disposições anunciadas por argentinos e brasileiros). A tentação de fomentar o emprego doméstico bloqueando o comércio internacional, ou incentivar o crédito local restringindo o financiamento de fora, pode dar início a um perigoso espiral que reverteria os enormes avanços conquistados graças à abertura, e que tiveram como maior conquista a incorporação dos mercados pobres à economia global. De quebra, sabotaria uma das principais ferramentas de dinamismo global, o comércio, justamente quando mais se necessita dele.

CHÁVEZ E AS ELEIÇÕES No fechamento desta edição, as patrulhas socialistas venezuelanas visitavam moradores de todo o país para o referendo de 15 de fevereiro. Com suas bandeiras vermelhas e cheios de volantes com publicidade sobre a revolução bolivariana, milhares de jovens percorriam o país para mobilizar os simpatizantes e indecisos para que votassem e, assim, não repetir a derrota do referendo do final de 2007. Mas a preocupação do mandatário venezuelano antes da votação que consagrou a reeleição indefinida não deveria ser o referendo em si, mas o que vem depois dele: como tornar viável um país cuja economia doméstica e política exterior se basearam nos últimos dez anos nos altos preços do petróleo. Hoje milhões de venezuelanos dependem do Estado para seu trabalho ou para aceder a bens a preços acessíveis, do sistema econômico pouco transparente, mas cujo ponto de origem está nas vendas da Pdvsa, a enorme petrolífera estatal que hoje produz 20% menos que há dez anos, com uma dívida mais de duas vezes superior que a de então. É verdade que a queda nos preços das commodities não afeta somente a Venezuela. A redução do preço da soja, do cobre e de outras matérias-primas está afetando fortemente outros países da América do Sul. Grande parte das demissões que aconteceram nos últimos meses no Peru, Chile, Brasil e Argentina foram originadas nos setores de matérias-primas. No caso venezuelano, o impacto da queda do preço do petróleo será maior: a receita internacional do país depende muito mais dos hidrocarbonetos, ao mesmo tempo em que carece de indústrias domésticas e de um mercado financeiro capaz de produzir outras receitas. É pouco provável que o eleitorado popular venezuelano continue apoiando Chávez quando esses recursos minguarem. Assim, buscar a reeleição é algo sem sentido se as bases de sua gestão forem insustentáveis no tempo e não lhe garantirem vitória nas novas eleições. ■

21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 11

AP

EDITORIAL


MOVIMENTOS

Vacas robustas OS ARGENTINOS DA Biosidus, primeiros latinoamericanos a clonar uma vaca e a desenvolver um estábulo farmacêutico com animais que produzem hormônios de crescimento humano ou insulina humana, agora lançaram seu primeiro animal para produtos veterinários. É a Porteña, uma vaca clonada com capacidade de produzir em seu leite a somatotropina bovina, o hormônio de crescimento da espécie, muito utilizada para melhorar

o rendimento do leite em até 25% por animal. Sua utilização foi autorizada nos Estados Unidos, no México e Brasil, e provavelmente será aprovada na Venezuela, Peru e Chile. Isso é o que garante a empresa, que estima o crescimento de um mercado de US$ 500 milhões e que até agora só é explorado pela Monsanto e pela LG Chem Investment, o braço bioquímico da LG. “Mas as empresas que estão no mercado produzem através de bactérias, e pro-

duzi-las em um estábulo será muito mais econômico”, afirma Vanesa Barraco, porta-voz da companhia. Claro que para isso deverão gerar o macho transgênico e completar o ciclo para a geração de escala. Um ponto a favor: muito da pesquisa básica é amortizado cada vez mais rapidamente. Exemplo? A Pampa, primeira vaca transgênica, absorveu sete anos de investimentos; a segunda, Patagônia, quatro; e a Porteña apenas um. JUAN PABLO DALMASSO / BUENOS AIRES

PORTEÑA: COM LEITE QUE FAZ CRESCER

12 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009


MOVIMENTOS vai

vem

&

PIZZA PERUANA SOMA PONTOS LEONARDO PEREIRA

A companhia área Gol nomeou Leonardo Pereira como vicepresidente financeiro e de relações com investidores, cargo antes ocupado por Richard Lark até junho de 2008. Pereira passou 13 anos na área de finanças corporativas do Citibank no Brasil, Ásia, América Latina e Estados Unidos.

Gosto G osto d da a boa piz pizza OS PERUANOS DESFRUTAM da gastronomia nacional, mas isso não significa que possam resistir a um bom pedaço de pizza. “Apesar de ser uma comida internacional, nossa pizza não tem tido nenhum problema para satisfazer muito bem o consumidor peruano”, diz David Rojas Llada, gerente geral da Corporação Peruana de Restaurantes, que opera a franquia Papa John’s no Peru. Contudo, o consumo ainda é baixo. Segundo números do setor, a penetração do delivery (principal canal de vendas do Papa John’s) ainda é de 6%, enquanto em países como Chile ou México o índice é de 14%. “O potencial de crescimento deste negócio é altíssimo”, disse o executivo. Recentemente a rede abriu mais quatro lojas, com um investimento de cerca de US$ 300 mil por ponto-de-venda. Mais três estão a caminho, o que faria a empresa fechar o ano com 17 pizzarias em todo o país. Sobre as vendas, estimam que este ano aumentarão 30%, além de um crescimento também na participação de mercado nas cidades em que estão presentes, que hoje é de 30%.

A Benner Sistemas, que atua no mercado brasileiro de sistemas integrados de gestão, acaba de contratar Anderson Crepaldi para cuidar de sua unidade de logística. O executivo vem de oito anos na Totvs, onde era consultor especialista de TI aplicado à logística. A multinacional de produtos nutricionais Herbalife nomeou Patricio Cuesta como seu novo diretor executivo para oito países da América do Sul nos quais a empresa opera. Cuesta uniu-se à Herbalife em 2005 como diretor de operações na Argentina.

NATALIA VERA / LIMA

Desequilíbrio feminino O AVANÇO DA MULHER no mundo corporativo é um tema que ainda não se esgotou. O chamado “teto de vidro” continua sendo inquebrável para milhares de executivas. As esperanças futuras residem nas universidades. Segundo Roberto Sánchez, coordenador de mestrado em Administração do Departamento de Estudos Empresariais da Universidade Iberoamericana, aproximadamente 52% dos estudantes são mulheres, tendência que, se for mantida, “continuará contribuindo ao aumento da participação da mulher em cargos decisivos”. Contudo, a crise financeira internacional poderia complicar as coisas dentro das empresas. “Há dois tipos de reações: aquelas empresas que preferem se voltar ao mais conhecido e seguro, que se traduz em homens”, diz a consultora canadense Avivah Wittenberg-Cox. “E as companhias que têm feito algum progresso em balanço de gênero e que entendem essa vantagem.” Segundo a consultora, são estas últimas que conseguirão aguentar o tranco financeiro atual, porque sabem se beneficiar das qualidades que as executivas tem, indo além da questão do gênero.

A SpinVox, empresa de mensagem de voz, anunciou a contratação de Óscar Rodríguez para o cargo de gerente geral da SpinVox América Latina. Seu papel será desenvolver o mercado para os serviços de transformação de mensagens de voz e texto que a companhia oferece. A diretoria da Sadia deu razão a rumores sobre a solidez de seus balanços ao mudar a diretoria de finanças. José Luis Magalhães Salazar ocupará agora o cargo que pertencia a Welson Teixeira. Salazar já teve a mesma posição na maior operadora de telefonia do Brasil, a Tele Norte Leste Participações, conhecida como Oi.

ARLY FAUNDES / CIDADE DO MÉXICO

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MOVIMENTOS Crise.com SEMPRE HÁ QUEM ganhe com as crises, e na atual isso não parece ser exceção. Segundo um estudo da empresa norteamericana comScore, especializada em medir o tráfego de internet, as muitas demissões registradas durante 2008 fizeram com que a categoria on-line de crescimento mais rápido nos EUA fosse a de buscas de emprego. Esta registrou crescimento de 51% no número de visitantes, chegando aos 18,8 milhões em dezembro de 2008. O site CareerBuilder. com, que teve o maior número de visitas, cresceu 78%, enquanto o SimplyHired.com, que aparece em quinto lugar no ranking, teve crescimento mais alto, de 161% no número de visitantes. Segundo Adriano Arruada, CEO da Catho, o maior buscador de empregos do Brasil, é esperado aumento maior quando a crise chegar mais forte no País. “Aí nosso tráfego irá aumentar”, diz.

Inovar para crescer QUANDO COMPARADO aos países membros da Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o México tende a ficar nos últimos lugares da lista. Ainda é um país emergente que em muitos aspectos está atrasado frente a seus companheiros da OCDE, como Estados Unidos, Alemanha ou Canadá. Para reduzir esta brecha, segundo recente estudo da organização, é urgente que o México invista mais em inovação tanto no setor público como no privado, para melhorar sua produtividade, competitividade e qualidade de vida. Contudo, ainda se investe menos de 1% do PIB, porcentagem que é a meta do presidente Calderón para o final de sua administração em 2012. Já se detectam alguns avanços. “Há alguns anos a área de ciências e tecnologia era financiada em 80% pelo governo; agora praticamente estamos em 50%”, diz Víctor Reyes, diretor de negócios de inovação da Comissão Nacional de Ciência e Tecnologia (Conacyt) do México. Além disso, segundo Reyes, houve uma mudança importante no desenvolvimento tecnológico do setor manufatureiro. “Em 2001, cerca de 20% do setor desenvolviam tecnologia e, em 2006, quase 36% das empresas desenvolviam e adaptavam tecnologias”, relata. ARLY FAUNDES / CIDADE DO MÉXICO

MARÍA SOLEDAD GÓMEZ / SANTIAGO

Dèja vu PARA RAÚL CIUDAD, GERENTE GERAL do provedor chileno de serviços e soluções do Grupo Coasin, a crise global é como um dèja vu. O executivo já viveu os estragos da crise financeira que afetou o Chile nos anos 1980. A isso se soma a crise asiática e a queda das empresas de tecnologia em 2001, conjunturas nas quais a empresa, com presença na Argentina e Costa Rica, nunca deixou de crescer. Por isso a companhia tem esperanças com as oportunidades que agora vão aparecer na região. O conglomerado acaba de abrir um escritório comercial no Canadá e está estruturando uma rede de 12 agentes de venda nos Estados Unidos. É assim que o Grupo Coasin se focará em quatro linhas de negócios: mineração, energia, varejo e vertical de governo. De fato, o executivo recentemente esteve no Peru para analisar oportunidades dentro do setor de mineração. E foi bem, já que identificou 12 projetos de interesse. Mas as ambições da empresa vão além. No curto prazo, o grupo espera chegar à Inglaterra e Irlanda. “Assim poderemos abordar posteriormente o Velho Mundo”, brinca o executivo. CIUDAD: ESSE FILME EU JÁ VI MATÍAS RODO / SANTIAGO

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MOVIMENTOS O sócio que faltava

MARÍA SOLEDAD GÓMEZ / SANTIAGO

WAL-MART: ROTA AO PERU

O gigante está próximo O WAL-MART CONFIRMOU sua entrada no Peru após fechar uma aliança com a chilena D&S. O maior varejista do mundo já anunciou que pensa abrir este ano três lojas com o formato A Cuenta no país. Mas executivos da própria rede norteamericana, que pediram anonimato, disseram que isso seria só o começo, já que para 2010 destinariam mais de US$ 100 milhões para abrir entre 10 e 15 supermercados em Lima. O principal problema é encontrar terrenos em centros comerciais como Jockey Plaza, Plaza San Miguel e Megaplaza. Uma opção para acelerar a expansão seria tentar uma sociedade ou comprar algum operador. Existe tal intenção? Os executivos dizem que não podem confirmar nem descartar a possibilidade. O certo é que apenas três cadeias grandes operam no país. Tottus, do Grupo Falabella, e o Grupo de Supermercados Wong, de Cencosud, são concorrentes diretos da D&S no Chile, o que dificulta ainda mais uma compra ou sociedade junto ao Wal-Mart. Supermercados peruanos? “Não há nada”, dizem. Como sempre, o tempo dirá. FERNANDO CHEVARRÍA LEÓN / LIMA

Tela grande, espectadores pequenos

CINE ARGENTINO: FOCO NOS ADOLESCENTES

ENQUANTO MUITOS intelectuais discutem qual será o futuro do cinema como indústria frente às possibilidades e os perigos trazidos pela digitalização, com sequelas da pirataria e obsessão com efeitos especiais, na Argentina já há uma resposta: as crianças e adolescentes infantilizados. A tela é grande para eles. Assim surgiu um estudo da Nielsen EDI sobre os filmes

RODRIGO LARA / BUENOS AIRES

mais vistos em 2008. Dos dez primeiros, oito foram familiares: Kung Fu Panda em primeiro lugar (1,5 milhão de espectadores), Wall-E (1,2 milhão), Madagascar (1,1 milhão) e As Crônicas de Nárnia (quase 1 milhão). Seguindo o costume, os argentinos marcaram seu afã pela singularidade e sobrevivência de uma indústria de cinema própria, com êxito da comédia para

adultos Un novio para mi mujer (1,4 milhão), a única exceção à regra. Mas o seguinte filme de produção “nacional” de sucesso reafirmou a tendência: foi High School Musical, o desafio, destinado a crianças e adolescentes (meio milhão e fora do ranking das 10 primeiras). Os números finais registram 33,7 milhões de espectadores e US$ 117 milhões em arrecadação.

21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 15

AFP

O BNP PARIBAS INVESTMENT PARTNERS disputou inicialmente com outros dez pretendentes para ser o novo sócio do único banco estatal do Chile. Com um desembolso de US$ 20 milhões, administrará pelos próximos 20 anos 49,9% da Administradora General de Fondos do BancoEstado, cuja rede de distribuição é um dos maiores atrativos. Segundo Carlos Martabit, gerente de finanças da entidade chilena, com o empurrão, o BancoEstado AGF crescerá este ano cerca de 30%, 20 pontos percentuais a mais do que o projetado para a indústria chilena de fundos mútuos. “Hoje ocupamos o oitavo lugar do mercado em ativos administrados. E esperamos terminar 2009 em sétimo”, disse Carlos Curi, diretor executivo do BNP Paribas Investment Partners na América Latina. Isso implica em um crescimento de US$ 200 milhões no patrimônio administrado, que pode fechar o ano com US$ 1 bilhão investido em suas carteiras. Aos dez fundos mútuos que estão em oferta, poderiam ser acrescentados até cinco. E a crise, não assusta? “Em um cenário como o atual, as pessoas se preocupam mais do que nunca com suas economias”, diz Martabit.


MOVIMENTOS Infraestrutura bate à porta OS INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA que os governos latinoamericanos anunciaram neste ano são música para os ouvidos da General Electric (GE). “A maior parte dos nossos negócios na América Latina é de longo prazo e está orientada à infraestrutura”, diz Marcelo Mosci, presidente e diretor da GE para América Latina. “É um setor que não se deterá porque justamente é a área na qual os governos aplicarão seus programas anticíclicos”. Essa é uma das razões pelas quais a América Latina é uma das grandes apostas da GE neste ano. Mesmo que em 2008 a região tenha sido responsável por apenas 5% da receita total mundial da empresa, as vendas latinoamericanas superaram a expectativa e cresceram 27% sobre 2007. A GE havia projetado fechar 2008 com receita na América Latina de US$ 7,8 bilhões, e registrou US$ 8,2 bilhões. E a empresa espera que suas vendas na América Latina cresçam 10% este ano. Tanto que as demissões anunciadas pela GE globalmente não afetarão tanto seus funcionários na região.

MOSCI: NA ONDA ANTICÍCLICA

MARISOL RUEDA / CIDADE DO MÉXICO

Rumo à AL

VOICE PICKING: NOVO BIG BROTHER

Coordenador eletrônico AGORA OS ORIENTADORES NÃO precisam mais dar as caras. Um grande irmão eletrônico já pode dar comandos bem-sucedidos. Pelo menos esta foi a experiência da Engarrafadora do Atlântico, da CocaCola, em Córdoba, Argentina. No ano passado foi implementado um sistema de reconhecimento de voz para reproduzir comandos, o Voice Picking, da canadense Vocollect. “O sistema ordena ao operário através de voz - wireless a seu headset - qual movimento que tem que fazer até o posto seguinte, no qual o trabalhador responde depois de feito o movimento”, explica Edgardo Baggine, da Emser, uma empresa local especializada em soluções móveis corporativas e encarregada da implantação do sistema, que agora quer levar ao Chile e Porto Rico. Muda alguma coisa? Sim, e como. A precisão na operação do depósito passou de 80% a 99,7%, com a subsequente redução de custos. Além disso, o sistema possui virtualmente os passos contados dos trabalhadores, pelo qual registra demora e desvios de atividade, melhorando a produtividade do trabalho entre 10% e 50%, asseguram os promotores da tecnologia. JUAN DALMASSO / BUENOS AIRES

16 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

A AVENTURA MUSICAL TEM DADO frutos à Movistar na Espanha, onde sob seus cuidados o Grupo Ragdog recebeu um disco de ouro. Agora, a companhia quer reproduzir o sucesso do Selo Movistar na América Latina, levando-o ao México, à Colômbia, Argentina e ao Chile. Possui um portal on-ine no qual artistas independentes podem colocar suas músicas para que sejam escutadas, gratuitamente, pelos visitantes. Os autores das gravações mais populares podem conseguir contratos com a companhia. Desde sua chegada à América Latina, suas operações tem sido bastante exitosas, relata o diretor Aitor Martiarena. “Hoje em dia temos mil músicas, 520 bandas e o artista mais escutado tem quase 400 mil visualizações.” Entretanto, para traduzir estes números em vendas, primeiro deverão assinar contrato com um artista. “Mas na música dois mais dois não são quatro. Dependerá bastante da qualidade do que vamos encontrar.” Quando as vendas começaram, o negócio era feito em grande parte pelo portal na web, via WAP, ou através de sites de downloads como iTunes. MARÍA SOLEDAD GÓMEZ / SANTIAGO


NEGÓCIOS AVIAÇÃO

DISPUTA NO CÉU O recuperado mercado aéreo uruguaio é campo de uma batalha singular

EZEQUIEL PONTORIERO/ EDITADA POR AMÉRICAECONOMIA

Rodrigo Lara Serrano, Buenos Aires

Rio da Prata : travessia também pelo ar

A

cidade uruguaia de Colonia del Santísimo Sacramento, quase em frente de Buenos Aires, tem 21 mil habitantes. Mantém-se há quase dois séculos como um lugar plácido. As guerras entre portugueses e espanhóis por seu domínio ficaram no esquecimento. Mas em janeiro um inesperado conflito estalou literalmente sobre ela. Uma batalha na qual não voarão penas, mas aviões. Tudo começou quando o argentino Juan Carlos López Mena, dono da Buquebús, tradicional companhia de buques e catamarãs que transporta passageiros entre Buenos Aires, Colônia e Montevidéu, anunciou a criação da BQB Líneas Aéreas. Afirmou que tinha solicitado autorização às autoridades aéreas uruguaias para voar da capital argentina a Colonia, e de lá à também

uruguaia Salto e à brasileira Foz do Iguaçu, entre outras rotas. Parece pouco, mas seu investimento de US$ 45 milhões, que inclui a compra de dois aviões ATR 72-500 novos (para 74 passageiros), enviou ondas sísmicas a ambas margens do Rio da Prata. O motivo? “Dois milhões de pessoas viajam anualmente entre Uruguai e Argentina. E 70% passam por Colonia, o que não significa que fiquem aí”, diz Alvaro Secondo, adjunto da presidência da Buquebús. E esses 70% são clientes dos barcos da Buquebús (BB). Esse parece ser apenas o primeiro passo. “Futuramente queremos voar a Rosario (Argentina), Córdoba (Argentina), sul do Brasil e Punta del Este.” Parte do segredo reside em que as termas de Salto estão

se convertendo em destino turístico internacional. E que lugares como Cerro Enguzquiza, Villa Lagos e Laguna Garzón, nos arredores de Punta del Este – com investimentos imobilários de US$ 1,5 bilhão não tocados pela crise – , criaram uma nova massa crítica de clientes. Quando soube do projeto, a companhia uruguaia Pluna imediatamente solicitou as mesmas rotas. López Mena a acusou de plagiar seu projeto e iniciou um juízo civil. “Há poucos meses, a Pluna esteve se aproximando da BB para avaliar uma associação”, diz Secondo. Nesse marco de diálogo “contamos tudo o que íamos fazer e, a partir de então, a Pluna começou a anunciar que faria o mesmo”. Na Pluna, franzem a sombrancelha. “Estivemos reunidos

com eles em várias ocasiões avaliando alternativas de negócios e buscando sinergias”, afirma Matías Campiani, gerente geral da companhia. “Mas depois de lhes dar muitas informações, o senhor López Mena não deixou claras suas intenções, e por isso decidimos nos retirar das conversações. Agora percebemos que foi um erro dar tanta informação.” A Buquebús contra-ataca: “O Uruguai tem uma velha lei que diz que é preciso informar à Pluna tudo o que ocorra em matéria aeronaútica”. E que os executivos da companhia se aproveitaram disso. Enquanto os argumentos rolam soltos, Víctor Rossi, ministro de Transportes do Uruguai, diz que a vontade do governo é de que “voem ao país a maior quantidade de empresas possível”. E isso porque o estado uruguaio é dono de 25% da Pluna (os outros 75% pertencem ao consórcio privado Leadgate), que em seu último exercício registrou perdas de US$ 25 milhões. “Foram feitos ajustes e estabelecidas novas condições”, diz Rossi. Entre elas está uma recapitalização de US$ 12 milhões em um prazo de 18 meses. “A partir de novembro começaram a surgir os primeiros resultados positivos dos últimos 13 anos”, diz Campiani. “Dezembro passado foi o melhor dos 70 anos da história da Pluna, e janeiro também registrará um resultado histórico.” E se a BQB vai ao Uruguai, a Pluna também se move. “Viajamos a Dubai no início de fevereiro e estivemos reunidos com as máximas autoridades da Emirates”, conta Campiani. “Buscamos acordos para distribuir seus passageiros na América Latina.” É que o Uruguai está em alta. ■

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RODRIGO DÍAZ CARRIZO

NEGÓCIOS TELECOMUNICAÇÕES

Após concretizar a compra da BrTelecom no Brasil, Oi se transforma na nova rival da América Móvil e da Telefónica na América Latina Dubes Sônego, São Paulo, e Arly Faundes, Cidade do México

O

duelo principal já estava anunciado. Os protagonistas no ringue, dois pesos pesados: a espanhola Telefónica e a América Móvil, do grupo Mexicano Telmex. Em jogo, o apreciado mercado de telecomunicações latinoamericano, um dos mais rentáveis e de maior crescimento no

mundo. No entanto, quando parecia não ter espaço para mais ninguém, surge um novo competidor de peso. Trata-se da operadora brasileira de telefonia Oi, que depois de adquirir por R$ 5,3 bilhões o controle da BrTelecom – além de R$ 1 bilhão em dívidas – se transformou

18 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

LINHA

na maior companhia de telecomunicações do País, com vendas acima de R$ 30 bilhões em 2008. E já se prepara para internacionalização. De acordo com analistas, em um ou dois anos a nova companhia ganhará musculatura suficiente para ir buscar no quintal de suas concorrentes

na América Latina os clientes que lhe garantirão sobreviver no médio prazo. Uma batalha que poderá começar com uma associação ou a aquisição de empresas independentes na Argentina, Chile, Colômbia ou na América Central. “Luiz Eduardo Falco (presidente da empresa) sempre


deixou claro que suas ambições não se limitavam ao mercado brasileiro”, diz Elia San Miguel, analista da Gartner no Brasil. “A Oi sempre foi uma empresa agressiva e inovadora em termos comerciais, e isso se deve ao estilo Falco.” Não será uma tarefa fácil. São muitas as companhias estrangeiras que tentaram competir no mercado de telecomunicações da região e fracassaram. Entre elas, nomes como Bellsouth, AT&T e MCI, que vendeu sua participação na brasileira Embratel a Carlos Slim. Mas o atrativo é que, em 2009, a América Latina “continuará a ser o mercado de TI e telecom de crescimento mais rápido no mundo”, de acordo com um estudo do IDC. Nem Oi, nem suas principais rivais, quiseram dar entrevistas para esta matéria de AméricaEconomia. Contudo, analistas apostam que a companhia será capaz de suprir a escassez de crédito causada pela crise mundial com sua própria geração de caixa. “Ela

2008, a relação era de 1,5 vez o Ebitda. Com a fusão, a relação pode chegar a 2,2 vezes. “A Oi tem um fluxo de caixa muito grande e muitos ativos para dar como garantia”, diz Francisco Barone, coordenador do Programa de Estudos Avançados em Pequenos Negócios e Empreendedorismo da FGV - Rio, concorda. “Em períodos de crise, as grandes companhias têm maior facilidade de conseguir crédito junto a instituições financeiras.” Além disso, o BNDES está capitalizado e mantém linhas de financiamento para projetos na América Latina. Sair às compras é uma vantagem da qual não compartilham Telefónica e América Móvil. Como já estão presentes na maioria dos grandes mercados da região, tem dificuldades para fazer novas aquisições sem incomodar as entidades que supervisionam a livre concorrência em cada um dos países. Por outro lado, as duas companhias rivais têm a vantagem de trabalhar com

International Celular S.A., companhia de origem sueca, com sede em Luxemburgo e atuação na América Latina, Ásia e África. Segundo Maria Azevedo, da corretora Link, a companhia – presente em El Salvador (Telemovil), Guatemala (Comcel), Honduras (Celtel), Bolívia (Telecel), Paraguai (telecel), Colômbia (Colômbia Movil) – “está meio deslocada na região”, e poderia querer vender suas operações nesses países à Oi. “É uma aquisição que faria sentido”, afirma. Mas não é uma unanimidade. Na opinião de José Otero, da Signals Telecom Consulting, de Buenos Aires, dificilmente a Millicom abriria mão de suas operações, por representarem cerca de metade do total que possuem. A Oi também pode estar observando alternativas no Chile e Argentina, empresas que ocupem posições intermediárias de mercado. No Chile, encaixam-se no perfil nomes como Telsur, Entel e GTD Manquehue, no segmento de

A CRUZADA crescerá significativamente com o aumento da base de clientes”, diz Maria Tereza Azevedo, analista da corretora brasileira Link Investimentos. No terceiro trimestre de 2008, o Ebitda da companhia alcançou R$ 1,61 bilhão. Sua capacidade de contrair dívidas também vai melhorar. Segundo a analista, no final de 2007, a Oi tinha dívida líquida de 0,4 vez o seu Ebitda – em setembro de

maiores volumes de clientes, contratos coletivos e um forte posicionamento de marca. Para competir com elas, a companhia brasileira poderia adquirir uma empresa de nicho, com mais tecnologia, serviços de melhor qualidade ou infraestrutura ampla para a transmissão de dados sem cabos, por exemplo. De fato, o mercado já fala de possíveis alvos. Um deles é a Millicom

telefonia fixa, hoje dominado pela Telefônica. Em telefonia celular, a principal opção independente seria a Entel PCS. Na Argentina, uma opção seria a companhia de internet a cabo banda larga Fibertel, do grupo Cablevisión, que pertence ao Grupo Clarín e tem atuação em um número limitado de cidades, incluindo a Grande Buenos Aires. Ou uma das companhias de voz sobre IP lançadas re-

centemente no país. “As geografias mais prováveis para a Oi são Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia, Equador, Peru e Paraguai”, diz Elia, da Gartner. Para ela, há espaço para comprar empresas de nicho que enfrentem dificuldades de caixa. Porém, sua análise também leva em conta uma estratégia de crescimento orgânico, acompanhando grandes clientes brasileiros que também estão em fase de expansão internacional na região, em setores como o financeiro, de energia e petróleo e de infraestrutura. “Muitas vezes, o início da presença regional se dá através de clientes regionais, como Itaú, Bradesco e Banco do Brasil. Por isso, agora, temos empresas no Brasil como British Telecom e Orange Business”, diz a analista. Para José Eduardo Balian, professor de economia da ESPM, seria uma equívoco tentar brigar diretamente com as empresas líderes em cada mercado. O mais aconselhável seria escolher segmentos onde as condições de competitividade sejam mais equilibradas, em países como Chile, Argentina e Colômbia. Álvaro Leal, analista da consultoria ITData, discorda quanto aos mercados mais atrativos, mas avaliza a estratégia. “Pode ser uma companhia líder em tecnologia, não em volume de clientes, mas com potencial de crescimento”, diz. Tampouco se descarta a opção de a Oi comprar a Alegro, no Equador. O México, controlado por Telmex e América Móvil, é apontado como o mercado menos provável para o início da expansão internacional da Oi. Isso porque a legislação exige que empresas do setor tenham 49% de capital mexicano. Mas o Senado está revisando um projeto para acabar com a restrição. Com

21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 19


NEGÓCIOS TELECOMUNICAÇÕES isso, “não somente Telmex e América Móvil, mas também empresas de cabo teriam que alterar suas estratégias”, diz Evelyn Pineda, da consultoria mexicana Select. Por ora, porém, ela afirma que o mais factível para qualquer competidor estrangeiro seria uma fusão com alguma companhia que já atua no México. Mas, ainda que a nova Oi se anime a comprar empresas relativamente menores, como a Iusacell, o custo poderá ser alto. “Isso devido à teledensidade desses mercados e ao fato de que, no início, as aquisições agregariam clientes de baixa rentabilidade”, diz Otero, da Signals. Na área de telefonia fixa, além do preço, existe a questão das denúncias “de casos de corrupção impressionantes, como o da Copaco, no Paraguai, ou da Ditel, em Honduras”. Outra opção seriam empresas de TV a cabo, onde haveria mais oportunidades, mas as áreas de concessão são bem mais limitadas ou existem restrições à entrada de capitais estrangeiros. “Uma coisa é dominar os conhecimentos para atuar no mercado local, conhecer a lógica do mercado doméstico. Outra é ter experiência nos mercados externos”, afirma Barone, da FGV-Rio.

TUDO A SEU TEMPO Portanto, levará ainda algum tempo para que a expansão da Oi na América Latina se concretize. “Qualquer aquisição de operadores na região será um processo de alto custo”, diz Otero, da Signals. Para ele, faz mais sentido que a Oi comece sua expansão por mercados da África que falam português, como Moçambique e Angola, onde há boas oportunidades a preços mais em conta. Antes de qualquer coisa, a companhia deverá integrar as

operações e consolidar-se no mercado brasileiro. “É algo que tomará todo o tempo da companhia, que provavelmente se concentrará em resolver os assuntos domésticos antes de ir para fora”, diz José Mario Lopez, gerente para a América Latina da consultoria norteamericana Pyramid Research. De fato, o número de clientes depois da aquisição da Telemar – que em setembro de 2008 eram 27 milhões em telefonia móvel, 22 milhões em telefonia fixa, 3,7 milhões em banda larga e 60 mil em TV por assinatura –, ainda está longe dos 80 milhões que Falco declarou esperar que a Oi atinja no País antes de dar início à internacionalização. Tanto que o executivo já disse que a companhia mantém no radar novas possibilidades de aquisição no Brasil – restam

é a batalha pelo mercado de telefonia fixa em São Paulo, dominado pela Telefônica e em franca retração pelo ingresso da telefonia móvel e tecnologias como o VoIP. Em segmentos mais promissores, como 2G e 3G, a Oi têm licença para operar em São Paulo e já lançou agressivas ações de marketing para ganhar participação. “Certamente, no Brasil, o fato de Oi e BrTelecom juntarem suas estruturas operacionais permitirá que compitam melhor com Telmex e Telefônica. É a única das três grandes que pode vender um pacote de serviços quatro em um”, diz Elia, da Gartner. A Telefônica tem como sócia na Vivo a Portugal Telecom, e não pode integrar as duas operações sem a aprovação da parceira, enquanto Embratel e Claro funcionam como empresas in-

Portugal Telecom já resistiu a tentativas de aquisição, e partir para uma tentativa de tomada do controle da TIM. “O governo brasileiro impôs uma série de limitações quando a Telefônica começou a aumentar sua participação acionária na TIM. E recentemente a Telefônica começou a buscar novas formas de ter maior ingerência sobre a TIM. Até agora, porém, a companhia continua tocando seus negócios como sempre no Brasil, de forma independente e com estratégia própria”, diz Elia. No que diz respeito à Telmex / América Móvil (Embratel e Claro são as empresas controladas no Brasil), a analista da Gartner afirma que o grupo mexicano controlado por Carlos Slim já é bastante agressivo no mercado brasileiro. “Inclusive, sua operação de voz

BRIGA DE GIGANTES RESULTADOS NO RINGUE EM 2008 AMÉRICA MÓVIL TELEFÓNICA MÓVILES * Milhões de clientes Vendas (US$ milhões) Lucro operacional (US$ milhões) ARPU tel móvel (US$)

OI*

TELEMAR

186,6

118,3

37,8

15,5

24.989

15.682

11.747

7.500

6.987

3.963

1550

825

40,5**

21,4

22,4

*CIFRAS ANUALIZADAS EM SETEMBRO DE 2008. **JANEIRO A SETEMBRO DE 2008. FONTE: ECONOMATICA, EMPRESAS E AE INTELLIGENCE

no mercado opções como a Intelig, espelho da Embratel (no fechamento dessa edição, corria no mercado o boato, não confirmado pelas empresas, de que a TIM compraria a companhia). Só depois sairá em busca dos 20 milhões de clientes estrangeiros necessários para atingir a meta declarada para garantir sustentabilidade ao negócio: 100 milhões. O salto inicial foi suficiente, porém, para reequilibrar a disputa no Brasil. “Com a criação da Oi/BrTelecom, a companhia terá presença nacional muito importante e acesso a contratos que antes eram vedados”, diz José Otero, da Signals. Mas, para a Oi, o fundamental não

20 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

dependentes, por conveniências mercadológicas do passado, quando se acreditava que a especialização fosse o melhor caminho para o crescimento e consolidação no setor. O movimento, porém, já provoca reações da concorrência que poderiam dificultar o alcance das metas da Oi. Segundo Elia, é certo que a Telefônica está buscando caminhos para competir com o mesmo tipo de oferta integrada que a Oi. E, para isso, a aquisição da participação da Portugal Telecom na Vivo seria um caminho, afirma Juan Fernandez, analista da Gartner nos EUA. Outro seria abrir mão da Vivo, uma vez que a

sobre IP, é de longe, a mais bem-sucedida”, avalia. De qualquer forma, “também estão investigando formas de romper o diferencial (de convergência) oferecido pela Oi”. O certo é que, independentemente da estratégia escolhida, o crescimento requerido para que a Oi rentabilize suas aquisições levará a que se choque diretamente com os pesos pesados do México e Espanha, inicialmente no Brasil, e em breve na América Latina. Seu êxito no ringue regional dependerá de quão rápido consolide seus negócios internamente e, da mesma forma que suas rivais, use essa solidez para levar sua marca a outros mercados. ■


NEGÓCIOS CAFÉ

MEIO CHEIO Compra de participação na Starbucks é arma de colombianos para garantir mercado Lucía Valdés, Bogotá

O

s cafeicultores colombianos estão sentindo um gosto amargo este ano. Primeiro foi uma caricatura publicada em janeiro nos principais jornais dos Estados Unidos que os relacionava ao crime organizado. Depois, o duro inverno que continua afetando as principais regiões produtoras do grão. E, para completar, a dificuldade de financiamento devido às altas taxas de juros. E os problemas não vem apenas do lado da produção. Um estudo recente revela que a Colômbia não está consumindo em quantidade compatível à qualidade de produtor mundial. Em 2008 os colombianos tomaram uma média diária de 2,9 xícaras, cifra similar à registrada em 1994 e muito menor que a de 2007, quando o consumo chegava a 3,4 xícaras por pessoa. O mais complexo de tudo, porém, é que ainda não há sinal positivo sobre a proposta lançada no fim de novembro por Gabriel Silva, gerente da Federação Nacional de Cafeteiros (Federacafé), de comprar, junto a outros produtores como Brasil e Costa Rica, entre 6% e 7% das ações de uma das mais famosas redes de lojas de café, a Starbucks. A estratégia visa garantir o fornecimento de café desses países à rede. Apesar das primeiras negativas da rede norte-americana, Silva confirmou que o interesse

pela Starbucks continua, pois “um dos temas que mais nos preocupa como representantes de um país produtor de café de altíssima qualidade é a tendência de alguns atores da indústria de minimizar a importância da origem do grão frente aos consumidores”. E admite que o café está imerso na “armadilha das commodities”, e que o valor agregado derivado da qualidade inerente do grão colombiano é depreciado. A Starbucks concentra seu modelo de negócio na oferta de cafés de alta qualidade no mercado norteamericano e contribuiu para expandi-los em outros mercados. “Além disso, conta com uma ampla rede de distribuição, que, unida às marcas Juan Valdez e Café de Colômbia, pode traduzir-se em oportunidades de negócio muito interessantes”, diz o dirigente. Para Silva, são óbvias as sinergias que podem resultar desta compra. Por isso, mesmo que prudente sobre o montante e formas de alavancagem da compra dos títulos, insiste que seguirão explorando a possibilidade de adquirir uma participação acionária na companhia, com sede em Seattle. Enquanto isso, a Federacafé planeja desacelerar a abertura de novas lojas Juan Valdez tanto no mercado local quanto nos EUA. Neste último, vão se concentrar nos supermercados. Já na Espanha “faremos uma

Silva: compasso de espera

análise cuidadosa, revisando cada uma das lojas abertas no ano passado”, diz Silva. Para Sergio Clavijo, presidente da Associação Nacional de Instituições Financeiras (Anif), esse freio é um bom sinal, pois em meio ao replanejamento dos negócios de concorrentes, incluindo a Starbucks, considera-se que as lojas Juan Valdez não poderiam continuar crescendo ao ritmo de 98% ao ano, como o registrado durante 2005-2008. “A ampliação de sua rede de lojas deve ser feita cuidando da rentabilidade marginal, e sua estratégia de posicionamento em cafés premium agora é mais exigente, dada a alta elasticidade do preço da demanda que a Starbucks tem experimentado”, diz Clavijo. Depois de vários anos de crescimento acelerado, agora

a organização se concentra em otimizar a operação dos 170 pontos e consolidar a situação financeira da Procafecol. Mas nem tudo será cautela. Os cafeicultores estão olhando com mais atenção para países como Equador e Chile, onde continuam com o programa de expansão planejado. Por enquanto, a marca Juan Valdez no Equador tem tido boa recepção, com seis lojas abertas nos últimos meses do ano passado. Segundo Silva, as projeções de vendas foram ultrapassadas, motivo pelo qual continuarão com as aberturas estabelecidas dentro do plano de negócios para o país. A pergunta que fica é: os colombianos conseguirão concretizar a aliança com a Starbucks e romper o mito Davi x Golias do café? Nos próximos meses virá a resposta. ■

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NEGÓCIOS BANCOS

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AFP

Tormenta sobre Citi: ¿huye de la región?

O VAIVÉM DO GIGANTE O Citigroup jura que não sairá da América Latina, mas surgem dúvidas de que conseguirá preservar todas as suas operações na região Antonio María Delgado, Miami 22 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

ergunte se o Citigroup considera vender o Banamex – sua operação no México – e a resposta provavelmente será mais nervosa do que precisa. Os rumores de uma possível venda ao magnata Carlos Slim, que impactaram o mercado em janeiro, foram desmentidos. Mas se algum executivo é consultado informalmente sobre as possibilidades de uma futura transferência do segundo maior banco do México, a negativa é acompanhada por frases incertas: “até agora”, ou “de acordo com a última reunião”. E a certeza é cada vez menor dentro do gigante das finanças internacionais nestes dias. A rapidez dos acontecimentos, em momentos nos quais o grupo está em uma sangrenta luta para sobreviver à crise, está deixando claro que não há nada escrito nas estrelas. Porém, quando mais ninguém duvida que convém ao grupo livrar-se de seus valiosos ativos na região, a pergunta mais difícil de responder é: a crise permitirá? Oficialmente, e sob as direções de seu último plano para encontrar o caminho da rentabilidade, a companhia preservará sua ampla lista de bancos latinoamericanos, que além do Banamex inclui o Banco Cuscatlán (El Salvador) e Banco Uno (América Central), e seus bancos Citibank na Argentina, Brasil, Chile (onde o sócio é o Banco do Chile, do grupo Luksic), Guatemala, Peru e El Salvador. Isto se tornou evidente quando, na reestruturação, os ativos foram colocados dentro do Citicorp, conhecido como “banco bom” do grupo, porque dentro dele foram colocados ativos que


o grupo quer preservar. “Todos os negócios bancários da América Latina estão na Citicorp”, diz Alberto Gómez Alcalá, diretor de Estudos Econômicos e Assuntos Institucionais para América Latina do Citigroup. “A lógica é que os negócios bancários que fiquem ali.” Além disso, o grupo tem expressado seu compromisso de crescer nos mercados com maior potencial, o que inclui a região. “Em 2008, ela foi a que contribuiu de maneira mais importante para os resultados globais do Citi, e o modelo de ‘banco universal’ que o Citi está programando se baseia no modelo da América Latina.” Na reestruturação, apenas alguns ativos não-bancários na América Latina – que incluem suas operações de administração de pensões e seguros – passaram à Citi Holdings, o “banco mau”, que agrupa suas operações de corretagem, além de seu banco de consumo e da grande dívida tóxica. De acordo aos planos do grupo, os ativos que entram nesta unidade poderiam ser colocados à venda.

ATOLEIRO Mas, apesar das intenções do grupo de ficar na região, analistas acreditam que tudo dependerá do êxito da companhia em superar a crise financeira que nos últimos meses acarretou perdas de quase US$ 29 bilhões ao Citi e reduziu seu valor de mercado a US$ 19 bilhões, frente aos US$ 300 bilhões há dois anos. As fortes perdas do grupo são atribuídas à grande carteira de alto risco de inadimplência, vinculada às hipotecas subprime, e à piora da economia norteamericana, que começa a levar

ao default nos empréstimos tradicionais. “A pergunta, então, se converte em: podem eles preservar estes ativos?”, diz Jaime Peters, analista do setor financeiro da Morningstar. “Se daqui uns meses algo acontecer e eles se encontrarem em uma situação na qual o capital começa a secar e tiverem que colocar algo à venda, e o governo não der sinais de resgate, é muito possível que o plano B passe a um plano C, com sérias mudanças para atender as novas necessidades.” Na realidade, os planos do Citigroup não estão lá muito avançados. Seus esforços para lidar com a crise vem sendo empreendidos há certo tempo, e passaram a solicitar desde financiamento em troca de participação acionária ao príncipe árabe Alwaleed Bin Tatal – que perdeu bilhões de dólares após a operação – até mais de US$ 45 bilhões em ajuda governamental, com cerca de US$ 20 bilhões em uma injeção de emergência realizada em novembro. Esse plano de emergência também envolve garantias do governo norteamericano de mais de US$ 301 bilhões em ativos tóxicos. Hoje, parte das esperanças do grupo – e do sistema bancário dos EUA, de modo geral – está concentrada no plano de estabilização financeira anunciado em meados de fevereiro pela Casa Branca, que envolve o uso de montante não especificado de dinheiro para criar uma entidade mista – um banco nacional ruim – que absorva até US$ 1 trilhão dos ativos tóxicos paralisados no sistema financeiro. Não obstante, o plano foi criticado logo após o anúncio pela falta de detalhes e por não dar uma ideia

clara de como se determinará quais bancos cairão e quais vão ser resgatados.

JÓIA DA COROA Mas mesmo que o governo dos EUA absorva os empréstimos tóxicos, isso não quer dizer que a Casa Branca não exercerá pressão sobre os bancos para que coloquem à venda parte de seus ativos no exterior, a fim de ajudar a fortalecer suas posições financeiras. E, entre as estrelas do Citigroup, são poucas as que brilham mais do que o Banamex. A unidade, diz Peters, está entre as mais bem-avaliadas pelo banco por conta de sua posição no México, e porque é uma das mais saudáveis. “[O Banamex] tem um papel dentro da visão do banco de ser uma rede institucional global, além de garantir grande receita no longo prazo. E se alguém lhes apresentar uma oferta muito boa, é possível que considerem a venda com interesse”, afirma o especialista. “O Citi já vendeu parte de suas operações no Japão e há um forte rumor de que poderia vender o Banamex, que conta com uma gigantesca base de clientes e uma enorme carteira corporativa”, ressalta um analista da Banif Securities, que pediu anonimato. Por outro lado, o Citigroup não teria muita dificuldade em conseguir interessados, caso decidisse vender o Banamex – que tem 40 mil funcionários e mais de 1,2 mil agências e foi comprado em agosto de 2001 por US$ 12,5 bilhões. “Evidentemente é um banco que tem se mostrado altamente rentável e é líder no México”, ressalta Carlos Núñez, analista da Monex Casa de Bolsa. “Então haveria um apetite importante de muitos competidores. Tem se

falado do HSBC, de Carlos Slim e do antigo dono, Roberto Hernández, mas tudo isso está no ar.” Os rumores sobre o interesse de Slim são persistentes mesmo quando desmentidos em várias ocasiões pelo Citigroup ou por pessoas próximas ao empresário. O magnata é identificado como um potencial candidato devido a suas elevadas reservas e porque está aproveitando oportunidades, o que inclui um investimento de mais de US$ 250 milhões no jornal The New York Times. “Estamos considerando a possibilidade de entrar em qualquer investimento que faça sentido financeiro”, declarou recentemente à imprensa Arturo Elias Ayub, diretor de alianças estratégicas da Telmex, e um dos porta-vozes do magnata. “Estamos vendo algumas coisas atraentes”, acrescentou. Embora menores do que o Banamex, as operações do Citigroup Brasil também poderiam despertar interesse de potenciais compradores. A unidade possui cerca de 400 mil clientes com contas em 120 agências. As expectativas de uma eventual venda são menos insistentes do que as do Banamex, mas mesmo assim alguns ainda vislumbram um cenário no qual o governo norteamericano obrigaria o banco a desfazer-se de um maior número de posses para obter capital. “Se uma venda no México acontecer, é certo que também ocorrerá no Brasil, que é menos valiosa”, diz o analista da Banif. E, naturalmente, poderiam haver mais vendas para cobrir o desfalque em casa. ■ Com Arly Fundes, Cidade do México, e Sérgio Spagnuolo, São Paulo

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NEGÓCIOS TECNOLOGIA

O “CHE” DOS ANTIVÍRUS A companhia russa Kaspersky Lab combate ameaças digitais em todo o mundo e cresce a passos agigantados na América Latina Arly Faundes Berkhoff, Moscou

O

russo Eugene Kaspersky, fundador da Kaspersky Lab, não é um presidente-executivo qualquer. E não apenas porque segue a tendência dos CEOs de companhias tecnológicas de usar jeans e camisa com mangas dobradas. Ele vai além e instaurou como lema de sua empresa “We are here to save the world” (estamos aqui para salvar o mundo). E mais: para um recente evento internacional, mandou fazer camisetas vermelhas com uma imagem inspirada em Che Guevara, mas com seu próprio rosto. Como dono de uma empresa de segurança tecnológica, sua missão é realmente “salvar o mundo” de todo tipo de vírus e intrusos que buscam roubar informações e a identidade dos usuários. É como dizer: tudo que vem do “inimigo hacker” lhe rende dinheiro fácil. O problema – e justificativa da existência de empresas de segurança – é que neste combate cibernético não há trégua: quanto mais antivírus são criados, mais e novos “bichos” são desenvolvidos. “A briga não termina”, disse Kaspersky, em Moscou.

A Kaspersky Lab começou a operar em 1997 e é parte da “nova onda” de empresas de segurança digital – como Eset ou Panda – que pouco a pouco estão se posicionando no mercado mundial, liderado pelas norteamericanas Symantec e McAfee. Embora tenha começado a vender produtos na América Latina em 2005, a entrada oficial da empresa foi em 2008, com a criação de um escritório dedicado à região em Miami. “América Latina, Índia e China são as três regiões com mais problemas e por isso estamos nos desenvolvendo mais nelas”, explica o executivo. E vão bem. “Crescemos 10 a 20 vezes acima da média da indústria, que é de 15% ao ano”, diz Alejandro Musgrove, vice-presidente de vendas da Kaspersky para América Latina e Caribe. “Abrimos escritórios em São Paulo, México, Buenos Aires, Panamá, e estamos negociando abrir em Bogotá e Santiago.” Segundo dados da consultoria IDC, o mercado de segurança de conteúdo e gerenciamento movimentou US$ 292 milhões em licenças de software em 2008, com um

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Kaspersky: ciberpaladino

crescimento de 17,4% sobre 2007 na América Latina. Segundo Patrick Melgarejo, consultor da IDC, os fatores que mais influem na adoção destas soluções na região são o preço e, no setor corporativo, a eficiência do motor de detecção de vírus. Contudo, a América Latina não é apenas um mercado importante para Kaspersky, mas uma região de constante vigilância por ser um dos lugares do mundo que mais produzem ameaças digitais. “O Brasil está entre os quatro países que mais geram vírus”, afirmou Dimitry Bestuzhe, analista de vírus da Kaspersky e especialista na América Latina, no Equador. Junto ao Brasil estão China, Rússia e EUA. Segundo o especialista,

o problema é que estes países são os maiores do mundo e com maior probabilidade de ter os chamados cibercriminosos. “A possibilidade de ganhar dinheiro fácil os motiva”, disse. “E a polícia cibernética não possui o nível ou as ferramentas que lhes permitam combater o crime de maneira eficaz.” Sendo assim, neste ano não será fácil deter criminosos, e tampouco impulsionar o mercado. O IDC estima que o crescimento desse mercado em 2009 será de 1% a 1,5%, menor que em 2008. Mas na Kaspersky todos são mais otimistas. “Não imaginamos um ano recessivo; para a indústria vai ser um ano de desafios e, para nós, promissor”, diz Musgrove. ■


NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS

Paraíso dominicano: nuvens no horizonte?

PROBLEMA DE LUXO A queda do Lehman Brothers deu início a uma verdadeira novela financeira para Cap Cana cujo desenlace ainda é incerto Soledad Gómez, Santiago

C

ap Cana é um dos projetos imobiliários mais ambiciosos do Caribe. Apesar de continuar de pé e crescendo, encontra-se pressionado para manter compromissos financeiros. Em 2006, Cap Cana emitiu um bônus de US$ 250 milhões em Nova York – classificado pela Fitch Ratings e a Moody’s como bônus “lixo” – ,a maior emissão de dívida corporativa feita na República Dominicana. Com uma extensão de 120 milhões de metros quadrados, Cap parece ter tudo o que um investidor pode buscar: uma praia paradisíaca de 5,3 km, três campos de golfe projetados pelo legendário Jack Nicklaus, vários hotéis, vilas e apartamentos – que chegaram a ser vendidos por US$ 1,3 milhão – e uma marina para mais de

500 barcos. Mas a capacidade de pagamento da empresa se encontra questionada. Segundo o analista Samuel Fox, da Fitch, “as vendas se detiveram por completo e a companhia não está gerando liquidez”. Elís Pérez, vice-presidente de Assuntos Corporativos de Cap, entretanto, garante que as vendas não se detiveram, apesar de admitir que as cifras de 2008 estarão muito abaixo dos US$ 35 milhões que, segundo eles, foram movimentados em 2007. A queda do Lehman Brothers privou a empresa pertencente ao grupo Abrisa, controlado pela família dominicana Hazoury, de receber um empréstimo de US$ 250 milhões, com o qual pretendia pagar um crédito ponte de US$ 100 milhões que vencia em 19

de novembro. Este crédito foi outorgado pelo Deutsche Bank e o Morgan Stanley mas foi transferido a um hedge fund. A Cap Cana então contratou a assessoria financeira Weston Financial Group, que conseguiu que alguns investidores comprassem imóveis em Cap Cana, podendo dessa forma levantar o dinheiro. “A dívida foi saldada de forma definitiva justamente no dia em que vencia”, conta Pérez. Mas a coisa não é tão simples, pois Cap Cana impôs um corte no valor nominal da dívida de 40 centavos por dólar. E pouco antes da negociação, os Hazoury venderam US$ 300 milhões em ações da Aerodom, operadora de aeroportos na ilha, e segundo uma fonte próxima da negociação os hedge funds “aceitaram porque necessitavam pagar seus aportantes”.

Tudo isso afetou seriamente a confiança dos credores de seus bônus. Para pagar os juros dos bônus, Cap Cana fez um giro em uma conta reserva em novembro e até agora não repôs o dinheiro, o que a deixa em default técnico, segundo os termos do contrato. Hoje a empresa tenta negociar uma forma de preencher a conta, renegociar a dívida e sobreviver em um ano que parece difícil para o turismo caribenho. Pese o problema financeiro, Phil Kible, analista da Moody’s, lembra que “Cap Cana continua de pé. Não estão crescendo tanto quanto antes, mas o projeto é viável”. Em janeiro, foi lançado o desenvolvimento do Sotogrande em Cap Cana, projeto que busca levar ao Caribe um dos centros turísticos mais luxuosos da Espanha, com investimento de US$ 234 milhões. Elís Pérez conta que o próprio Bill Marriott escolheu o lugar na Playa Juanillo onde ficará o Ritz Carlton, e que quando Cap Cana ficar pronto contará com dois Trump Towers dentro do complexo de Los Farallones. Em 2009, Cap Cana será sede pela segunda vez do PGA Champions Tour, que distribuirá US$ 2,1 milhões em prêmios e já tem presença confirmada de mais de 78 golfistas. Tal grandiloquência contrasta com a notícia da demissão de 500 operários (imigrantes haitianos) que trabalhavam no complexo. Em última instância, como explica o analista da Moody’s, o sucesso de um projeto como esse depende da capacidade de vender muitas propriedades, muito caras. E talvez o maior risco para Cap Cana hoje seja precisamente seu tamanho, que sem vendas tornará à reação à crise impossível, caso esta se estenda por muito tempo. ■

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ESPEC ESPECIAL CIA AL

tudo na vizinhanÇa os operadores logÍsticos percebem uma alta no comÉrcio dentro da amÉrica latina. e apostam suas fichas nisso marisol rueda, cidade do mÉxico

LATINSTOCK/EDITADA POR AMÉRICAECONOMIA

u

m pacote de sementes de pasto de forragem da Semillas Papalotla espera no aeroporto da Cidade do México. Logo será embarcado em um avião da Fedex, porque deve chegar rápido ao destino: países sulamericanos, o novo mercado preferencial da empresa. De fato, nos últimos dois anos a empresa dirigida por Andrés Nicolayevsky elevou suas exportações a outros países da América Latina em 60%. E mesmo com um ano nebuloso pela frente, a produtora de sementes espera que suas vendas a outros países da região cresçam 25%. “Há muitas oportunidades nos mercados do sul, que em suma representam volumes muito interessantes para uma empresa mexicana”, diz. Como a Papalotla, diversas empresas latinoamericanas já não apostam em mercados distantes, mas no comércio intrarregional como uma válvula de escape frente à contração que o comércio mundial terá este ano. E os operadores logísticos estão atentos a estas mudanças. Mas ainda que a tendência de voltar os olhos a mercados mais próximos seja forte, também há desafios na região em matéria de infraestrutura e aduanas, ingredientes que limitam o potencial comercial devido a ineficiências, burocracia e tempo perdido, entre outros problemas. Contar com um bom sistema de logística é vital para esse pacote de sementes da Papalotla. “Se temos um atraso, perdemos a época de semear e temos que guardar sementes o ano todo”, explica Nicolayevsky. Das 300 toneladas de sementes que a empresa produz anualmente, 25% ficam no México e 75% vão para fora, principalmente América Latina. A proximidade com tais mercados é um aliado. 26 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

“Argentina, Brasil e Colômbia representam 40% do que vendemos e 60% do que exportamos”, diz Nicolayevsky. Na maior parte, as exportações da Semillas Papalotla são transportadas pela companhia logística norteamericana Fedex. Várias empresas logísticas estão carregando suas baterias no mercado regional devido ao crescimento apresentado no último ano e às oportunidades esperadas para 2009. “Antes pensávamos que se mover entre continentes era o mais importante porque a logística estava nos proporcionando produções em lugares com mão-de-obra muito barata e também mover peças ao redor do mundo”, afirma Antonio Arranz, vice-presidente da DHL Express International Américas. “Hoje vamos encontrar uma tendência mais intraregional.” Um dos fatores que o comércio intrarregional tem a seu favor é a alta no valor dos fretes aéreos. Isso também poderia levar a uma recomposição dos tipos de serviços apresentados pelas companhias logísticas. Tudo como consequência da necessidade de economizar custos frente à contração da economia. “Um tema crítico em 2008 e 2009 é a transferência do modo aéreo ao terrestre devido à situação econômica”, diz Arranz. “Quando a economia voltar a ter um boom e for necessário ter os produtos no dia seguinte, voltaremos a mudar o modo expresso.” Além disso, o crescente intercâmbio comercial na América Latina, incentivado por mais tratados de livre comércio entre países, poderia ser outro aliado do tráfego dentro da região. Mas parte do crescimento também dependerá do tipo de mercadorias a serem movimentadas. No Brasil, por exemplo, a DHL viu crescimentos substanciais em matéria de envios no ano passado. “O que pode ser feito via terrestre está crescendo extraordina-


ESPECIAL

riamente, porque este canal não movimenta apenas matéria-prima, mas também o produto final.” Trinta e cinco por cento do total das exportações realizadas pela DHL ano passado no Brasil tiveram como destino a América Latina, enquanto a cifra de importações foi de 11%. “O Brasil está crescendo extraordinariamente na parte doméstica e nos mercados adjacentes”, diz Arranz. No total, as importações brasileiras a cargo da DHL tiveram um crescimento de 68%, lideradas pelas procedentes da América Latina. E os segmentos de têxteis e as indústrias química e farmacêutica foram os mais robustos em matéria de importações, com crescimento de 17% e 18% respectivamente. Na Argentina, 44% das exportações realizadas pela DHL foram para a região, enquanto as importações provenientes da América Latina foram de 18%. No caso da América Central, quase 50% do total das exportações feitas pela companhia foram entregues na América Latina e 40% das importações provieram da região. E, embora a queda no preço do petróleo pudesse incentivar novamente a logística e as importações na Ásia, a depreciação registrada pelas moedas latinoamericanas servirá como um componente de ponderação na hora de decidir a origem das compras. “Por um lado, o custo do transporte cai, por outro, as moedas locais também caem”, diz John Price, diretor de Inteligência de Negócios para a América Latina da consultoria Kroll. “O comércio inter-regional poderia subir graças às desvalorizações.” O crescimento da oferta de produtos por conta do comércio eletrônico e dos serviços business-to-consumer (B2C) dentro de um mesmo país também tem sido um impulso para as empresas de logística. “Agora há um crescimento brutal do B2C, com serviços específicos, como entrega de cartões de crédito, modems etc.”, relata Arranz. “Obviamente, quando vem a crise o consumo cai, mas de todo modo o mercado está crescendo. Talvez no lugar de crescer certa cifra, crescerá a metade”. A DHL, que afirma ter uma participação de 60% do mercado latinoamericano de envios, presenciou crescimentos substanciais no interior dos países no ano passado em relação a 2007. Na Argentina, por exemplo, o mercado doméstico de envios cresceu 80%, enquanto no Brasil a cifra foi de 40%. Com menores crescimentos, o México registrou um aumento de 14%, e a Venezuela, de 19%.”

Já a UPS, rival da DHL, planeja reforçar seus investimentos na América Latina, sobretudo na área de serviços terrestres, por conta da alta generalizada nos envios inter-regionais. “Apostamos que a tendência do mercado da América Latina continue crescendo”, diz Alfonso Serrano, diretor de Engenharia Industrial da UPS México. Em 2008, Brasil e México tiveram o maior número de novos serviços da UPS, mas no começo deste ano um novo destaque foi dado à Argentina e ao Chile. “México e Brasil seguem sendo uma prioridade de investimentos na região. Além disso, continuamos investindo em mercados menores na região para sincronizar o mundo do comércio”, diz José Acosta, vicepresidente da UPS Américas. O certo é que o setor logístico tem boas oportunidades na crise. As empresas terão que ser mais eficazes na medição do custo logístico. A consultoria Miebach Consulting México salienta que com a atual situação econômica, a demanda de serviços de consultoria especializada em logística e cadeia de suprimento aumentará. “É a maneira mais rápida e eficaz de induzir e implantar as mudanças necessárias com a velocidade de resposta adequada”, diz Juan Sebastián Arroyo, diretor geral da Miebach.

mais infraestrutura A crise econômica internacional poder ter dado uma ajudinha à entrega mais rápida deste pacote de sementes da Papalotla. Os governos anunciaram fortes investimentos em infraestrutura, incluindo em rodovias, portos e ferrovias. Embora alguns projetos possam ser paralisados devido à restrição dos fluxos dos investidores, a América Latina conta com amplos planos públicos e mistos que poderiam ser executados. “No México, Chile e Brasil seguem existindo vários projetos viáveis, tanto de portos como ferrovias e rodovias”, explica Price, da Kroll. “O impacto global na queda das commodities e 21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 27


ESPECIAL LOGÍSTICA a diminuição do fluxo comercial não impactam muito os casos econômicos que apoiam estes projetos”. A Kroll considera que há 14 portos na América Latina cujas expansões são viáveis, como Santos, Rio Grande e Tubarão, no Brasil; San Antonio, no Chile; Buenaventura, na Colômbia; Lázaro Cárdenas, Manzanillo e Ensenada, no México; e o Canal do Panamá, entre outros. O Chile, com sua ambiciosa iniciativa Infraestrutura 2020, planeja cortar substancialmente a distância que tem com os países desenvolvidos. O governo de Michelle Bachelet planeja investir cerca de US$ 3 bilhões no setor entre este ano e março de 2010. Como parte dos planos de contingência para afrontar a atual turbulência, a administração chilena tem preparada para 2009 uma expansão nas concessões de rodovias em todo o país, assim como grandes projetos para aeroportos e portos. No México, o presidente Felipe Calderón anunciou a aceleração do Programa Nacional de Infraestrutura, sob o qual neste ano se destinarão cerca de US$ 40,250 bilhões para novas rodovias, linhas férreas, pontes, portos, aeroportos, escolas, clínicas e hospitais, assim como infraestrutura energética, hidráulica, agropecuária e turística, principalmente. Sobre rodovias, é esperado um investimento público e privado superior aos US$ 4,9 bilhões e a secretaria de Comunicações e Transportes do México prevê que até o fim do primeiro trimestre deste ano já tenha sido comprometido ou licitado 80% do orçamento total autorizado. Contudo, a licitação do mega projeto portuário de Punta Colonet, no Pacifico Norte do país, foi postergada até abril próximo devido à contração do crédito. Punta Colonet, que pretende aliviar a saturação de carga dos portos norteamericanos de Long Beach e Los Angeles, será financiado em sua totalidade com recursos privados. O investimento total chega a US$ 5 bilhões e o porto manejaria seis milhões de TEUS (equivalente a 20 pés por unidade) anuais. Alguns analistas tem discorrido que, frente à baixa esperada no comércio internacional, vários projetos portuários, incluindo a ampliação do Canal do Panamá, poderiam ficar paralisados, e, inclusive, tem dito que os pedidos por grandes embarcações utilizadas nas grandes movimentações comerciais, como os barcos Post-panamax, estão sendo cancelados. Mas os projetos desse porte não são feitos de um dia para o outro, nem sob conjunturas. “Não espero nenhum débâcle, como o desaparecimento dos grandes navios, e tantas coisas que se repetem a respeito”, diz Ricardo Sánchez, especialista em infraestrutura da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe. “Não creio que esta situação seja uma grande notícia

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para nada, tampouco para o Canal. É um processo de longo prazo que não pode ser desviado por situações conjunturais”. O caso de Punta Colonet passa pelo mesmo, segundo autoridades mexicanas. “Leva-se seis meses para fazer uma licitação, e ainda mais tempo para o ganhador realizar o projeto e construir a obra”, diz Alejandro Chacón, coordenador de Portos e Marinha Mercante do México. “É um momento adequado para fazer uma licitação, para quando chegar a retomada comercial e econômica, o projeto entrar em operação”. No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também ampliou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), destinado à infraestrutura social e urbana, logística de transporte e energética. O PAC contará entre 2007 e 2010 com um orçamento de cerca de US$ 270 bilhões, 26% a mais do que o originalmente planejado. Além de investimentos em rodovias, linhas férreas e aeroportos, o governo brasileiro criará um fundo para financiar a recuperação da infraestrutura portuária em vários pontos do país. Neste mesmo trimestre, a administração de Lula pretende começar a executar as licitações de novos portos para a iniciativa privada, mas boa parte das melhorias destinadas à infraestrutura portuária dependerá do orçamento público. Muitos esperam que seja assim, pois o Brasil precisa melhorar a infraestrutura. “O porto de Santos, por exemplo, está saturado há 10 anos, precisa de obras”, diz Manoel Reias, especialista em logística e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas. “Acontece que os investimentos necessários vêm acontecendo muito mais lentamente do que o desejável”.. De fato, a consultoria norteamericana CG/LA calcula que a América Latina investirá este ano cerca de US$ 50 bilhões em infraestrutura, cifra considerável, mas muito distante dos US$ 80 bilhões que a região necessita para acabar com suas deficiências e facilitar o trabalho das empresas logísticas.

aduanas O pacote de sementes de Papalotla deve enfrentar problemas quando chegar ao país de destino e atravessar um ainda pesado, problemático, burocrático e às vezes corrupto e arcaico processo aduaneiro. “O tema das aduanas é o obstáculo número 1 da logística na América Latina”, diz Price, da Kroll. “São extremamente ineficientes e, em vários casos, corruptíveis.” Se o pacote de sementes chegar em um carregamento expresso em Taiwan, seu tratamento seria muito diferente do que se chegasse na Argentina. “Se uma entrega chega ao aeroporto de Taipei, em Taiwan, a mercadoria será liberada pelas aduanas em 18 minutos. No caso da Argentina, o mesmo envio pode atrasar até cinco dias”, explica Price. No Brasil, já houve casos ainda mais extremos. Em 2006, por exemplo, a rede paulista de supermercados Sonda fez


ESPECIAL LOGÍSTICA navios carregados

comÉrcio dentro da amÉrica latina e o caribe, por indÚstria (janeiro-dezembro 2008) FONTE: DHL EXPRESS

argentina

QUIMICA/ farmacEutica 17%

Outros 24%

servi os de transporte

Engenharia pesada 5% alta tecnologia 6%

12% ind. editorial 8%

ind. petrolifera 6% alimentos 7%

Profissional 8%

finan as/ bancos 7%

brasil Outros 27%

Engenharia pesada 18%

QUIMICA/ farmacEutica 14%

Import./ Export. 5%

TExtil/ vestuArio/COURO 9%

Mat. de constru ao 6% Servi os de transporte 6%

Automotivo 8% ALIMENTOS 7%

mÉxico Outros 47%

QUIMICA/ farmacEutica 18% Grupos mulissetoriais 11%

Alimentos 9%

Engenharia pesada 5% Alta tecnologia 5%

Servi os de transporte 5%

uma grande importação de vinhos e bacalhau de Portugal para vender na Semana Santa. A mercadoria, porém, chegou ao porto num momento em que não apenas a alfândega estava em greve, mas também os funcionários responsáveis pelo desembarque da mercadoria. Quando a carga finalmente foi liberada, 20 dias depois, a Semana Santa já havia passado, conta Roberto Moreno, diretor financeira do Sonda. “Ficamos, como se diz na gíria, com o mico na mão, porque a venda de bacalhau, no Brasil, é sazonal. Não tivemos prejuízo, mas ficamos no zero a zero, ao invés de obtermos o bom retorno esperado, após as negociações favoráveis com os portugueses”, acrescenta o executivo. Depois do percalço, a rede decidiu trabalhar apenas com importadores, que assumem o risco. A desvantagem, em termos financeiros, porém, pode ser grande. Segundo Moreno, dependendo do produto, importar diretamente chega a ser mais barato que comprar de um fornecedor local. Mas também pode pesar na balança comercial do país desfavoravelmente. E aí mora um dos problemas. Diferentemente dos projetos rodoviários, portuários, ferroviários e aeroportuários, as aduanas não requerem grandes investimentos para melhorar, e para muitos governos representam um capital político que não estão dispostos a arriscar. Para algumas administrações, sobretudo na América Central e Caribe, as aduanas são uma fonte de impostos muito importante. “Há uma batalha dentro do governo entre os que querem melhor fluxo comercial e os que pensam que podem provocar mais arrecadação de impostos dependendo do fluxo comercial”, diz Price. O analista explica que se trata de uma preocupação equivocada, porque o setor de exportações na América Central e Caribe depende em grande parte de insumos importados. Se estes insumos não puderem passar pelas alfândegas, então a exportação cai e paralisa o fluxo comercial e de impostos. Outra barreira que o pacote de sementes terá que enfrentar é o protecionismo. “Você encontra países muito avançados e outros muito protecionistas. Isto é complexo para quem exporta pela região”, diz Arranz, da DHL. Porém, para Osmari de Castilho Ribas, diretor-superintendente administrativo da Portonave, empresa pertencente à Trunfo Participações que administra o porto brasileiro de Navegantes, no Sul do País, a questão não se limita a isso. “As barreiras, a burocracia, precisam ser avaliadas”, diz Castilho. “Mas não basta culpar o governo e a fiscalização.” Ele argumenta que novos investimentos e, ainda mais, o estímulo ao comércio inter-regional, especialmente no Mercosul, devem ser focados. Além disso, há iniciativas positivas do governo, como a integração informatizada e o programa “Porto Sem Papel”, que almeja estabelecer um documento digital para processar informações. No fim das contas, menos tempo nas alfândegas significam menores custos. As empresas de logísticas já estão acostumadas a lidar com ineficiências da cadeia de suprimentos na América Latina, mas as melhores saídas sempre significarão menor custo e tempo. “A demanda de quase todos os produtos exportados na América Latina é muito sensível ao preço. O preço é o rei”, diz Price. “É muito possível que o comércio interregional cresça, mas será mais por preço do que por qualquer impulso político.” ■ - Com Dubes Sônego e Sergio Spagnuolo, São Paulo 21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 29


ESPECIAL MARKETING

EM 360°Q SER CRIATIVO E PENSAR EXCLUSIVAMENTE EM PUBLICIDADE SÃO COISAS DO PASSADO. ATUALMENTE, OS GERENTES DE MARKETING SÃO OBRIGADOS A OPERAR DE MANEIRA INTEGRAL, E O MAIS IMPORTANTE: DEMONSTRAR QUE SEUS INVESTIMENTOS DÃO RETORNO ARLY FAUNDES BERKHOFF

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uando chega a tormenta, os que saem vitoriosos são aqueles que sabem se reinventar e ver estes momentos mais como oportunidade do que como ameaça. É o que tem feito a chilena Juanita Rodríguez, que em outubro passado decidiu deixar o cargo de gerente de marketing do Banco Scotiabank para montar sua própria empresa de outsourcing de marketing estratégico, Gemaex, um modelo de negócio ainda novo no Chile e na América Latina. “Em períodos de crise como agora, as empresas tendem a reduzir custos e o marketing entra nesse meio. Ao reduzir recursos, surge o conceito de usar serviços

FERNANDO CARRASCO CRUCHAGA / EDITADA POR AMÉRICAECONOMIA

ESTRATÉGIA


ESPECIAL MARKETING MIGUEL CANDIA

terceirizados”, explica Juanita. Por isso, ela aponta muito rapidamente, tem que haver algumas mudanprecisamente que este tipo de empreendimento é ças”, diz José Luis De La Vega, diretor de técnicas atrativo para as pequenas e médias companhias, as de mercado de aparelhos móveis da Motorola no quais muitas vezes nem sequer podem sonhar em México. “No começo eram companhias dirigidas ter uma gerência de marketing. por engenheiros que depois se deram conta de que tinham que falar com consumidores.” Esta é uma prática muito desenvolvida em outros países como Espanha e Canadá, onde é aceito que o Por isso, na Motorola são realizados estudos marketing possa ser terceirizado, como ocorre com permanentes para conhecer o que interessa dos segserviços de TI ou de Recursos Humanos. “Isso per- JUANITA, DA GEMAEX: mentos de consumo e poder transmitir isto às demais mite que pequenas e médias empresas tenham uma FOCO EM PMES QUE áreas da empresa. Não é à toa que o chamado “Go to gerência de marketing profissional e que companhias SONHAM COM UMA market” é uma divisão interdisciplinar da companhia grandes, que não terceirizam tudo, pelo menos uti- GERÊNCIA DE MARKETING na qual trabalham pessoas de vendas, marketing, lizem alguns serviços”, diz Juanita. marketing de produtos – que engloba inovação e E está claro que agora é o momento em que os gerentes de desenvolvimento –, fornecimento e operações. Funcionam marketing enfrentarão a prova mais difícil. A crise econômica de maneira integrada, mas ao mesmo tempo cada um desenatual os obriga a enxugar orçamentos, ao mesmo tempo em volve suas funções particulares. “Nós temos o conhecimento que exige a grande responsabilidade de potencializar marcas dos consumidores e dos meios, e outras áreas conhecem os e aumentar receitas. Enquanto no passado os gerentes de madistribuidores, como chegar aos varejistas e diferentes pontos rketing só trabalhavam em funções de promoção ou relação de vendas”, diz De La Vega. É o que muitos especialistas em com as mídias, a indústria agora cobra o aperfeiçoamento de marketing chamam de estratégia 360º, ou seja, uma tática inhabilidades financeiras. Hoje, trabalham muito mais tegral entre as diferentes áreas da companhia e com próximos de outras divisões da companhia, justifio foco na rentabilidade do negócio. cando cada centavo de investimento. “Toda decisão Algo semelhante ocorre com outro fabricante e ação deve estar baseada em realizações e resultade telefones inteligentes, a Palm, onde o marketing dos”, explica Erick Martínez, gerente de prática e também opera em 360º. “O mercado está envolto no mesmo conceito da produção de um telefone”, melhora de desempenho da PricewaterhouseCoopers, explica Alfredo Rosing, diretor de marketing para na Cidade do México. De fato, segundo Martínez, antes a área de markeAmérica Latina, em Miami. Desta forma, pelo menos ting tinha uma justificativa para ser qualitativa, agora LUNA, DO GOOGLE: O um ano e meio antes do lançamento são investigaé quantitativa, o que os obriga a incluir métricas de MARKETING É CHAVE NA das quais vão ser as tendências dos próximos anos. retorno sobre investimentos em marketing (Romi, na RELAÇÃO COM OS CLIENTES Logo, a área de marketing trabalha com o departamento de pesquisa para desenvolver produtos com sigla em inglês), que basicamente calculam o quanto se ganha em vendas ou participação de mercado por desenho e funções adequadas a cada tipo de cliente. cada centavo investido, algo que o marketing antes não incluía Depois, trabalha com o departamento de vendas para ver como em seus afazeres. “Seja o marketing como outsourcing ou deno aparelho será apresentado aos consumidores e junto à área financeira, para definir as projeções de vendas. “Agora é pretro da empresa, tem que ter o mesmo objetivo”, diz Juanita. ciso haver métricas para cada uma das campanhas, conhecer “Quanto aos gerentes de marketing, é requerido que tenham financeiramente seus resultados”, explica. visão de negócio, de produto e de poder quantificar o que foi Tudo isso engloba os novos canais de comunicação. “Com gasto e o que voltou à empresa.” o Facebook e o YouTube há uma ingerência tão grande que a Além disso, está claro que os hábitos de consumo estão mudando e os gerentes de marketing devem incluir empresa não tem controle total do que acontece, e tem o conceito digital dentro de suas marcas, elegendo os que estar todo dia desenvolvendo novas tendências”, canais mais rentáveis para se comunicar e também acrescenta Rosing. Além disso, como bem sabem para distribuir produtos. O consumidor já não é o companhias como a Palm, na era digital, às vezes mesmo e, portanto, é dever desta área da empresa vale muito mais o que um amigo diz do que uma sábia mensagem de um publicitário na televisão. estar cada vez mais próxima para saber o que ele A operadora de cartões Visa tem uma linha de quer e como entregar a ele. ação similar para, além de promoções com os banAlgo bem conhecido, por exemplo, entre fabricos, implementar ações de marketing que atinjam cantes de telefones celulares. Com a evolução da indústria de telefonia móvel e o consumo destes LARRAÍN, DA PUMA diretamente o consumidor, como programas de eduaparelhos, que vai superar os 60% de penetração CHILE: LOCALIZADOR DE cação financeira na internet. “O mais importante é em grande parte da América Latina, é difícil pensar FERRAMENTAS GLOBAIS DE demonstrar como as atividades de marketing apoiam nos celulares como artigos puramente eletrônicos. o negócio”, afirma Sergio De Anda, diretor executivo MARKETING Eles se assemelham mais a elementos de consumo de mercado para o México. de massa, como bebidas ou chocolates. Não é à toa que seus E quando se fala de marketing e internet, é obrigatório pontos de venda incluem locais especializados, supermercados mencionar que o Google implementou novas ferramentas de marketing com seus próprios produtos. “O marketing deixou e lojas de conveniência. “Como é um setor que vem crescendo 21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 31


ESPECIAL MARKETING de ser uma ferramenta de aquisição de clientes para deixar de investir, quando voltar a fazê-lo terá que investir muito mais para retornar ao ponto em que ser uma área que tem papel importante em relação estava”, afirma. a eles”, afirma Alfonso Luna, diretor de marketing do Google para a América Latina. Isso acontece, Além das habilidades financeiras, para Guerrero, sobretudo, com a internet, que não apenas permite outro problema que enfrentam atualmente os gerentes dar a cada um dos clientes ofertas realmente perde marketing em seus novos papéis é que muitas emsonalizadas, mas também obter imediatamente presas multinacionais não têm conseguido responder, repostas para tais ofertas. Gerentes de marketing em termos de marketing, a seu crescimento internaROSING, DA PALM: É cional. “A globalização diminuiu a oportunidade que não estiverem adequados a isso, podem ficar séculos atrás de seus concorrentes. “A pesquisa ÓTIMO ESTAR EM SINTONIA do ‘mercadólogo’ fazer coisas locais”, diz. Claro, como função do gerente de marketing se tornou COM NOVAS TENDÊNCIAS muitas companhias devem seguir linhas internaciotrabalho em tempo real”, complementa Humberto nais de suas matrizes e algumas são mais restritas Valencia, acadêmico da Thunderbird School of Global Maque outras. No caso da Puma, uma empresa que deve grande nagement, no Arizona. parte de seu êxito ao marketing de sua roupa “sportlifestyle” e cujas campanhas são oriundas da matriz na Alemanha, LOCALIZAR, INOVAR, RENTABILIZAR sempre é buscada uma forma “local” de se chegar a promoções aos consumidores. “A missão da área de marketing no Embora tudo isso possa dar a entender que as métricas, a compreensão do consumidor e a adaptação às novas tecnoChile é aproveitar as ferramentas internacionais e utilizá-las logias são coisas que deveriam ser conhecidas nas gerências localmente com a seleção das mídias, eventos a realizar ou de marketing, o certo é que são apenas as grandes patrocínios”, explica Cristóbal Larraín, gerente de companhias e multinacionais que seguem estas limarketing da Puma no país. nhas no dia-a-dia e, mesmo assim, muitas empresas Para a multinacional norteamericana Procter & não são consistentes nisso. Os mesmos gerentes Gamble, além de localizar oportunidades, sua gerência de marketing precisa inovar. Com cerca de são testemunhas desta evolução. “A estrutura se especializou em agregar valor ao negócio”, diz 300 marcas, presença em 160 países e mais de 170 Marisol Angelini, vice-presidente de marketing da anos de história, a companhia tem nestes mesmos números motivos de sobra para estar sempre um Coca-Cola no México. Segundo ela, as mudanças estão na alma desta disciplina de negócios, que há ANGELINI, DA COCA- passo à frente e não parecer antiquada, unificando 20 anos se associava exclusivamente aos 4Ps – proum conceito ao invés de diferenciar seus produtos. COLA MÉXICO: META “O presidente da empresa diz que nosso trabalho duto, promoção, praça e preço – e agora é muito DE AGREGAR VALOR AO é muito simples: apenas dar à consumidora o que mais dedicada à tornar o negócio rentável. NEGÓCIO ela busca, e ai o marketing é importante”, conta Parte importante da mudança passa, segundo Angelini, pelas pesquisas de mercado que permitem definir Daniel Campos, diretor de técnica de mercado para produtos tendências e, o mais importante, descobrir oportunidades de de limpeza da P&G no México. Por isso, na P&G, há a união dos conceitos de inovação negócio. “Uma vez que está claro qual é o objetivo do negócio e de marketing, que parte da observação do que os consue como essa marca contribui para conseguir uma oportunidade, midores precisam. “Antes, a inovação nascia nos laboratóentão são oferecidas as alternativas ao consumidor”, afirma rios, onde se inventavam novas tecnologias, e logo depois Angelini. Se todo este plano for bem-sucedido, é medido com entrava o pessoal do marketing”, explica Campos. “Agora, métricas que permitam realmente avaliar o impacto do marketing no negócio. “De alguma forma, dado que os grandes com o entendimento da consumidora, buscamos investimentos passam pelo departamento de técnica soluções e vemos o que podemos inventar”. Sendo de mercado, há uma obrigação moral de demonstrar assim, no México o trabalho conjunto da área de que cada dólar investido teve retorno”, conclui. Não marketing e de pesquisa criou o amaciante Downy é por menos que as habilidades financeiras são parte de livre enxágue. “Vimos que muita gente pobre das características que as empresas mais pedem. não tinha água e quando se utiliza mais água é “Um bom gerente de mercado não vai ser destacar lavando”, acrescenta. bastante se não dominar a parte financeira”, explica Uma reação à situação atual de carência de José Guerrero, sócio da empresa de recrutamento água tão certeira quanto esta deve alertar gerentes DE LA VEGA, DA Korn/Ferry no México. de marketing, mostrando que nestes momentos MOTOROLA MÉXICO: E o que fazer em meio às dificuldades econômié possível transformar o problema econômico FALAR COM OS cas? Para Luna, do Google, os momentos de crises em um benefício. “Os executivos em técnica de CONSUMIDORES “são para encontrar projetos que gerem crescimento mercado hoje devem, mais do que nunca, se reine deixar de lado os mascotes, que são aqueles que não crescem, ventar”, afirma Guerrero, da Korn/Ferry. “Hoje, os gerentes mas que geram grande apego tecnológico ou sentimental”, de marketing que querem fazer mais com mais orçamento estão fora da jogada, eles tem que fazer o mesmo, mas com diz. “Eu modifiquei minha variedade de investimento entre orçamento igual ou menor”. É aí que se encontram as veros produtos que geram receita e os que não geram”, exemplidadeiras habilidades. ■ fica. Angelini, da Coca-Cola, concorda com esta visão. “Se 32 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009


VISÃO VERDE afaundes@americaeconomia.com

EFICIÊNCIA EM QUATRO PAREDES A Infonavit promove no México o conceito de moradias ecológicas. Entrega melhores hipotecas em troca de economias financeiras e ambientais Arly Faundes Berkhoff, Cidade do México

de: (anuais)

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Em função disso, uma ecomoradia que pode obter as hipotecas deve ter: um aquecedor solar de água que se associe a um aquecedor de gás como respaldo. Lâmpadas de baixo consumo de energia e redutores de fluxo de água nas tubulações, torneiras e sanitários adaptados para economizar no uso do líquido. Os requisitos são basicamente os mesmos em todo o país, mas podem variar em zonas quentes, onde as pessoas não se banham com água quente e, portanto, o uso do aquecedor solar não gera economia. Contudo, quem possuir maior nível de renda pode contar com um sistema de isolamento de calor vinculado ao sistema de ar condicionado. A filial mexicana da compa-

nhia norteamericana American Standard é uma das fornecedoras da Infonavit na linha de sanitários de menor descarga. Estes usam 4,8 litros de água por descarga, 20% menos do que um vaso normal que utiliza 6 litros por vez. Isso graças ao desenho do tanque que, com mais amplitude e força, permite maior fluxo de água de uma só vez. “Não quisemos ficar com preços altos e então desenvolvemos estes produtos econômicos para a iniciativa de hipoteca verde”, explica Roberto Martínez, diretor de técnica de mercado da American Standard no México. Claro, além destes produtos, a American Standard possui outras linhas mais caras que variam principalmente no desenho do sanitário.

Com isso, a Infonavit passou de 647 em 2007 a 1.131 créditos outorgados sob o esquema de Hipotecas Verdes em 2008. Além disso, durante o ano passado foi registrada uma oferta de 27.937 casas ecológicas distribuídas em 64 municípios de 23 Estados da República, das quais 6.686 moradias possuem tecnologias para consumo eficiente, as quais estão em processo de serem vinculadas ao crédito de Hipoteca Verde. “Dependendo da região e do custo da eletricidade, em geral há economia entre US$ 14 e US$ 28 mensais”, explica González, da Infonavit. E quanto às emissões de dióxido de carbono, salva-se pouco mais de 1 tonelada ao ano por cada moradia. ■

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VÍCTOR JAQUE

O GRANDE PROBLEMA que muitas pessoas tem na hora de optar por crédito é a gigantesca hipoteca que se pode adquirir como dívida. Querer uma casa melhor obviamente implica pagar mais, e muitas vezes não se conta com o dinheiro para garantia. Pensando nisto, o Infonavit, instituto que administra as hipotecas de moradias de trabalhadores mexicanos, criou um sistema chamado “hipotecas verdes”, através do qual busca dar melhores condições de crédito a quem assegurar que pode pagar mais, não porque recebam salários mais altos, mas por ser capaz de gerar economias. E como? Através de sistemas ecoeficientes que permitam gastar menos eletricidade, água e gás e, ao mesmo tempo, contribuir com o meio ambiente. A premissa básica de tudo isso, realça o arquiteto Jorge González, a cargo das Hipotecas Verdes da Infonavit, é “que eu como usuário da casa tenha capacidade de gerar pagamentos adicionais”. O que implica isso? Por exemplo, não há forma de medir exclusivamente a economia obtida em uma casa com desenho bioclimático isolante de calor. Mas se esta mesma casa contar, além disso, com um sistema de energia como ar condicionado ou calefação, o uso comparativo de ambos demonstrará qual é a economia.


PMES GLOBAIS

A

REBARBAS LUCRATIVAS Mesmo mercados tradicionais como o têxtil podem esconder nichos inexplorados e lucrativos, como o de roupas com proteção solar Dubes Sônego, São Paulo 34 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

passagem de três anos e meio pela França foi um ponto de inflexão na vida de Ana Julia Pellegrino. Paulista, formada em moda, ela já havia morado dois anos em Londres, mas foi ao atravessar o Canal da Mancha que encontrou o marido, e futuro sócio, e teve a ideia que lhe permitiria se restabelecer rapidamente em seu país natal: fabricar roupas com proteção contra raios ultravioleta, um nicho de mercado novo lá fora e então ainda inexplorado no Brasil. “No ano passado, crescemos 50% e esperamos repetir o percentual em 2009”, diz o francês Lyonel Pellegrino, marido de Ana Julia e sóciodiretor da UVLine, que depois de um bem sucedido início como fabricante de roupas funcionais, parte agora para desenvolver seus planos de entrada no mercado de moda e crescer no varejo. “Acabamos de contratar mais uma estilista, que vai trabalhar com a Ana, e a mesma agência de publicidade da Chilli Beans – marca brasileira de óculos, agressiva em design e marketing – para criar o conceito de marca da UVLine”, afirma o empresário. “É uma referência para nós, uma das marcas brasileiras mais bem sucedidas em transformar um produto tradicional (óculos) em artigo de moda valorizado”. Segundo Lyonel, estilo e marca são importantes porque “o diferencial da proteção solar faz com que o cliente entre na loja, mas ele só vai levar se gostar do modelo. Por isso, nossa ideia é agora oferecer opções em linha com as tendências de cada estação para que o cliente volte com frequência às lojas”. Nos próximos três ou quatro anos, acrescenta


ele, a ideia é participar também de eventos como o São Paulo Fashion Week, para reforçar a marca. Quando desembarcou no Brasil, em 2003, porém, o casal ainda não tinha certeza de que o negócio daria certo. Nem de seu potencial de expansão. Por isso, começou pelo básico: uma ampla pesquisa de mercado. Para certificar-se de que haveria uma demanda sustentável por acessórios e peças de roupa com proteção solar, Ana Julia e Lyonel consultaram uma série de dermatologistas e chegaram a participar de um congresso da especialidade. Com isso, descobriram que os produtos recomendados aos pacientes pelos médicos vinham principalmente do exterior, dos EUA e Austrália, e eram, na maioria, luvas para evitar a volta de manchas nas mãos, após tratamentos de peeling, ou bonés, chapéus e camisetas para uso na praia por pessoas com problemas de pele ou pele sensível. O passo seguinte foi encontrar tecelagens capazes de trabalhar com os fios a base de dióxido de titânio, que reflete a radiação solar, e tratar os de algodão para garantir fator 50 de proteção solar – as roupas comuns oferecem fatores de proteção de 5 a 7, segundo a empresa. Vencida a etapa, os empresários encomendaram os primeiros lotes de tecido e enviaram amostras para certificação à Agência Australiana de Proteção à Radiação e Segurança Nuclear (Arpansa, na sigla em inglês) – na Austrália, a alta incidência de câncer de pele levou as autoridades do país a serem pioneiras na criação de um sistema de certificação de proteção solar para roupas e acessórios nos anos 90. Com

a certificação em mãos, foram desenhadas as primeiras peças e feitas as encomendas às costureiras. “Começamos a estruturar o negócio por volta de abril, maio, mas só colocamos os produtos no mercado no início de 2004”, conta Ana Julia. Hoje, quatro anos depois do lançamento das primeiras peças, o processo se repete continuamente para garantir uma produção mensal de quase 15 mil peças. O grosso das vendas, cerca de 50%, acontece no verão, quando o campeão de vendas são as viseiras e é maior número de pessoas preocupadas em se proteger do sol. No inverno, as peças de maior saída são as luvas, muito usadas por pessoas que fizeram tratamento de peeling para eliminação de manchas. Apesar de tudo, além dos itens originalmente lançados – luvas, bonés, chapéus e camisetas –, a linha de produtos da empresa atualmente inclui também calças, camisas, casacos, saídas de praia, maiôs e guardassois. Tudo com fator de proteção 50. A rede de distribuição e comercialização também cresceu e é formada agora por duas lojas próprias em São Paulo, uma no Rio de Janeiro e uma franquia em Brasília, além de 200 pontos de venda no Brasil. No exterior, há revendas na Colômbia e no Chile – Argentina, Portugal e Uruguai são os próximos alvos declarados no mercado externo.

CONCORRÊNCIA Mas, se começou praticamente sozinha, nos últimos três anos, a UV Line passou a contar com pelo menos uma concorrente direta, a Sun Cover, que atua no mesmo segmento e também tem seus produtos certificados

pela Arpansa. A diferença é que, hoje, a nova rival trabalha com um foco de expansão ligeiramente diferente. Ainda restrita ao mercado interno, a Sun Cover também fabrica chapéus, bonés, viseiras, camisetas, camisas, luvas, casacos, maiôs, saídas de praia, guardassois e calças, mas tem procurado crescer adicionando ao portfólio produtos com tecnologias que agreguem diferentes funcionalidades aos tecidos, afirma Juliana Carvalho Maia, estilista sócia-diretora de desenvolvimento de produtos da empresa. Os melhores e mais recentes exemplo disso são os pares de meias a base de poliamida, que

Sun Cover são camisas com fator de proteção solar 30, mais leves que as de fator de proteção 50. O objetivo, diz Juliana, é atingir pessoas que não têm problemas de pele, mas buscam um pouco mais de proteção: “um corredor, por exemplo, precisa de um tecido que facilite a transpiração. E não conseguimos fazer um tecido tão leve com fator de proteção 50.” Embalada pelos novos lançamentos e pela abertura da primeira loja, no final do ano, em São Paulo, no mesmo endereço onde antes funcionava seu showroom, a empresa espera crescer 40% em 2009, sobre

Demanda sazonal não impede que empresas tenham crescimento anual de dois dígitos. têm como diferencial anunciado capacidade 25% menor de absorção de umidade, além de propriedades bacteriostáticas que dificultam a criação do famigerado chulé. E meias para diabéticos, de compressão suave, acabamento liso e tecido de baixa fricção. “O desenvolvimento de novos produtos é feito sob a consultoria do Dr. Marcos Maia, da Santa Casa de São Paulo, coordenador do Programa Nacional de Controle do Câncer de Pele da Sociedade Brasileira de Dermatologia”, diz Juliana, que ressalta a importância do apoio de um profissional da área para dar credibilidade ao trabalho. Apesar de tudo, a empresa não deixa de se preocupar com a estética e o conforto das peças. Outra das novidades da

uma produção mensal que atualmente varia de 10 mil a 13 mil peças. No ano passado, segundo Juliana, a expansão foi de 30%. Nenhuma das duas empresas, porém, tem a patente dos produtos de proteção solar. O motivo é que os produtos em si – viseiras, luvas, calças, camisas, etc. – não são novidade. E o tecido não é fabricado pelas empresas, mas por tecelagens parcerias. Além delas, no Brasil, pelo menos mais uma empresa, a Harana, trabalha com luvas, camisas e calças corsário com proteção solar. Mas seu portfólio é mais extenso em linhas ortopédicas e para a prática de esportes, com produtos como tornozeleiras, joelheiras, cintas protetoras, peças biotérmicas e modeladores. ■

21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 35


Entrepreneur Choice Awards Problemas de financiamento. Excesso de burocracia. Falta de redes de apoio. Sabemos que na América Latina criar uma empresa é uma tarefa complicada. Mas não impossível. Assim o demonstram casos com grande potencial vistos em nossa região, de empreendedores que souberam vencer obstáculos e conquistar o sucesso empresarial. Exemplos que queremos divulgar e homenagear. Por isso, AméricaEconomia, juntamente à rede de empreendedores FirstTuesday Americas e à Endeavor, apresentam

o primeiro concurso latinoamericano de empreendimento: o Entrepreneur Choice Awards (ECA). Através de um painel de especialistas de toda a América Latina e da votação do público pela internet, o ECA selecionará os novos negócios que se destacam por seu potencial de crescimento e internacionalização.

Para participar, visite www.americaeconomia.com/eca, leia as regras e registre sua empresa


[FERRAMENTAS] PMES GLOBAIS Pechinchar é preciso Há quem pense que o fato de todos estarem com o orça-

CARNAVAL: CRISE AFASTA FOLIÕES

mento curto é motivo de reduzir os preços de seus produtos de uma vez para atrair mais clientes. O consultor Márcio Miranda, entretanto, afirma que essa pode não ser a melhor estratégia. Primeiramente, alerta ele, nem tudo é preço em um produto, e sempre é positivo destacar o valor agregado que cada um leva – seja este a qualidade da matéria-prima, o design ou a conveniência de estar mais próximo do consumidor. E, em segundo lugar, Miranda aponta o fato de que não dar vez para uma negociação pode eliminar algumas vantagens como: • valorizar o produto / serviço oferecido. • ter margem de manobra (para negociar uma facilidade que mais lhe convém, como manter o preço mas melhorar o prazo de entrega ou de garantia, por exemplo). • mostrar ao comprador que você está disposto a fazer concessões, mostrando que ele é importante e que uma relação de longo prazo com sua empresa é um bom negócio. • Deixar o comprador com a sensação de que ganhou um benefício – muito valorizado, sobretudo, em época de vacas magras. Xxxxxxx: xxxxxxxxxxxxxxxx

MENOS BRILHO O desfile das escolas de samba que torna o carnaval brasileiro mundialmente famoso sentiu os efeitos de incerteza econômica. A grande rede de ateliês criada nas comunidades registrou uma menor procura dos turistas por fantasias. Segundo apurou a Agência Sebrae de Notícias, a dez dias do evento ainda se encontravam muitas alternativas de roupas à venda – cujo preço em geral varia entre R$ 200 e R$ 800 –, quando em outros anos nesse período os estoques já estavam todos vendidos. Alguns empreendedores do setor afirmam, entretanto, que o maior fator de preocupação será 2009. “O problema será na hora de comprar o material, porque mais de 8% da matéria-prima que usamos, como tecido e adereços, são importados”, afirmou ao Sebrae Ricardo Araújo, que administra um ateliê que fabrica fantasias para a escola de samba Salgueiro. Fator que, para Araújo e os outros empreendedores ligados ao carnaval carioca, será um motivo a menos para festejar.

INVESTIDORES PROCURAM... Frente à retração geral de crédito, empreendedores com projetos de grande potencial de crescimento podem encontrar apoio em programas como o oferecido pela ONG holandesa Bid Network. A fundação recebe, de forma contínua, planos de negócio de empresas de países em desenvolvimento que buscam financiamento entre US$ 10 mil e US$ 1 milhão. A própria ONG se encarrega de selecionar as melhores ideias e faz a conexão entre os empreendedores e investidores interessados em potencializar um negócio novo. A rede de contatos do Bid Network conta sobretudo com investidores anjos, que além de participar com capital costumam aportar sua experiência e contatos. Além da inovação, outro fator de interesse do Bid Network ao selecionar um projeto é a possibilidade de replicá-lo em vários países diferentes. Ente os empreendimentos latinoamericanos que já receberam ajuda da ONG holandesa estão o da peruana Ingeniaría Ecológica Artemar, que possui uma tecnologia de tratamento de esgoto com base a um desinfetante bioquímico, e o da colombiana Cafetanol, que usa o resíduo orgânico do café para a fabricação de fertilizantes orgânicos e como base para a fabricação de etanol. Mais informações: www.bidnetwork.org 21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 37


DEBATES POLÍTICA

A crise econômica mostra-se como fator determinante nos resultados da extensa lista de eleições que acontecerão na América Latina. E, de quebra, colocará a institucionalidade democrática da região à prova Antonio María Delgado, Miami

FOTOGRAFIA EDITADA POR AMÉRICAECONOMIA

F

rente à dificuldade cada dia maior das pessoas para comprar comida, pagar o ônibus e buscar um emprego, Nina Castells, mais conhecida como a “Evita Piquetera”, acha que não falta mais nada para que a presidente da Argentina Cristina Fernández de Kirchner se veja na mesma situação do deposto Fernando De La Rúa. “Aqui tudo vai mal. Isso é um caos”, diz a dirigente de um grupo que ganhou fama por interromper o acesso de

ruas e estradas. “Não se pode comprar nada. A gente pensa que o governo perdeu o domínio da economia, que já não quer saber de nada mais. Só falta que alguém acenda um palito de fósforo para que as pessoas voltem a protestar nas ruas.” Expressões de descontentamento como estas não são novas em uma região acostumada a manifestações de protesto de todo tipo e magnitude, que incluem de desempregados a

38 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

poderosos latifundiários. Estas não chegaram a se transformar nas violentas manifestações que levaram à saída do presidente Fernando De La Rúa em 2001, ou na dos bolivianos que levaram à queda de Gonzalo Sánchez de Lozada em 2003. Mas as pressões sociais que a crise financeira começa a provocar em vários pontos da América Latina poderão, sim, ter impacto político – ao menos nas urnas. É que os efeitos mais

delicados da crise começarão a ser sentidos justamente quando a América Latina começa uma temporada de eleições parlamentares e presidenciais nas maiores economias da região, partindo por El Salvador e Equador e fechando o ciclo com o Brasil, que escolherá o sucessor de Lula em outubro de 2010 (ver quadro). “Os governos serão julgados tanto por seu desempenho durante os anos de bonança quanto por sua capacidade de amortizar os


a pergunta é: até que ponto a população latinoamericana continuará defendendo a democracia?”

REVISÃO

AFP

efeitos da crise”, diz o brasileiro Sérgio Fausto, coordenador de estudos e debates do Instituto Fernando Henrique Cardoso. Isso colocaria os atuais governos e os blocos da situação em desvantagem frente a seus rivais devido à magnitude da crise e à falta de recursos financeiros e institucionais para adotar políticas anticíclicas na maioria deles – com a exceção do Chile e, talvez, do Brasil. Ainda que isso não signifique necessariamente que as oposições políticas latinoamericanas garantam vitória, os partidos hoje no governo terão a crise jogando contra. Para alguns observadores, a crise poderia ter um efeito político e social além das urnas. “Teremos um estancamento econômico, mais pobreza, mais desemprego, mais criminalidade e mais violência social”, diz Michael Bagley, diretor de Estudos Internacionais da Universidade de Miami. “Não podemos prevê-lo, mas podemos vislumbrar mais instabilidade, mais descontentamento com mais intervenções na política não mediadas pelas instituições nem pelos partidos políticos. Esse tipo de cenário pode desembocar em golpes militares, em esforços por restabelecer o autoritarismo. Ou, simplesmente, desembocar em caos.” Inclusive quem tem uma visão mais positiva acha que a crise poderia provocar um ponto de quebra na relação dos latinoamericanos com suas instituições, isso se os países não conseguirem manter os avanços sociais conquistados nos últimos anos. “Temos que pensar que aqui temos 100 milhões de pessoas que saíram da pobreza durante o quinquênio virtuoso e essa classe média emergente que hoje existe na América Latina é a que sem dúvida causará qualquer insta-

A crise pode provocar um ponto de quebra na relação do povo com as instituições. bilidade ou ingovernabilidade produzida sob o rigor da crise”, diz Marta Lagos, diretora da corporação Latinobarómetro, no Chile, que anualmente mede a relação dos latinoamericanos com a democracia. Marta duvida que a crise gerará um caldo de cultivo para novas ditaduras na região, mas sim

problemas de governabilidade. “Calculamos que hoje existem 80 milhões a 100 milhões de habitantes da região dispostos a sair às ruas para defender seus direitos. Essa cifra aumentará se chegarmos a um momento crítico de recessão, depois de dois ou três anos de baixo ou nenhum crescimento. Então

CALENDÁRIO ELEITORAL 15 de março, 2009 – El Salvador. Presidenciais. O candidato do partido da oposição Frente (FMLN), o jornalista Mauricio Funes, lidera as intenções de voto. Seu partido ganhou as eleições legislativas e de governadores em janeiro. 26 de abril 2009 – Equador. Presidencial. Rafael Correa buscará a reeleição. 3 de maio, 2009 – Panamá. Presidencial. O empresário da direita opositora é o favorito. 28 de junho, 2009 – Uruguai. O candidato do Frente Amplio, da situação, mantém vantagem nas pesquisas. 5 de julho, 2009 – México. De deputados federais e alguns governos. O PRI, de oposição, tem a preferência dos eleitores. 25 de outubro, 2009 – Argentina. Legislativas. Renova-se a metade dos deputados e um terço dos senadores. 29 de novembro, 2009 – Honduras. Presidencial. 6 de dezembro, 2009 – Bolívia. Presidencial. Evo Morales buscará reeleger-se com mandato até 2015. 11 de dezembro, 2009 – Chile. Presidenciais. A direita (oposição) lidera as pesquisas. 7 de fevereiro, 2010 – Costa Rica. Presidenciais. Possível disputa entre duas mulheres. 30 de maio, 2010 – Colômbia. Presidenciais. A dúvida é se Uribe se canditará ou não. Principios de outubro, 2010 – Brasil. Presidenciais. Por enquanto, José Serra (PSDB), da oposição, lidera as intenções de voto.

A preocupação surge pela percepção de que os líderes latinoamericanos não calcularam realmente a severidade com que a crise econômica norteamericana impactaria a região. O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) viu-se obrigado a modificar seu prognóstico de crescimento para a América Latina em 2009 em três ocasiões, de 3,5% em setembro de 2008 a 1,1%, em anúncio no fim de janeiro. “E não me surpreenderia se fosse ainda menos”, diz Claudio Loser, que em 2002 encabeçou o Departamento para o Hemisfério Ocidental do FMI. “Não seria absurdo pensar que para a América Latina essa seria a pior crise desde a Segunda Guerra Mundial e que certamente competiria com a crise da dívida nos anos 80”, a qual provocou o que posteriormente ficou conhecido como a década perdida da região. Nesse momento, serão três os golpes recebidos pelas economias latinoamericanas. O primeiro é o fechamento quase completo do financiamento internacional e do fluxo de capitais. Isso implicará dificuldades adicionais no momento de buscar crédito no exterior, o que limitará o gasto público ou qualquer iniciativa anticíclica ao montante acumulado em suas reservas. E estas não são eternas. O segundo é o efeito da contração nos Estados Unidos em sua demanda mundial de produtos manufaturados, prejudicando países como o México e diminuindo o apetite de norteamericanos e europeus de viajar pela região, o que

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DEBATES POLÍTICA a presidente Cristina Kirchner fez com as contas da previdência que estavam sob a gestão de instituições privadas”, diz Fausto. “Este é um exemplo claro da resposta errada ao dilema apresentado pela crise.” Ou, em outras palavras, quando se sacrifica o futuro em nome da agonia presente. Os analistas identificam esse tipo de problema, com diferentes graus de urgência, no Equador, na Venezuela, Argentina, em Honduras, El Salvador e Guatemala.

SEM MANOBRA O caso equatoriano é um dos

mesmo problema que ele.” Na Venezuela, o presidente Hugo Chávez resiste a adotar as medidas necessárias para estabilizar a balança de pagamentos do país, mesmo quando suas reservas se esgotam rapidamente. No ano passado, o país importou US$ 56 bilhões em bens e serviços; se o preço do barril de petróleo estiver em US$ 40, o país obterá US$ 28 bilhões em exportações do insumo, aponta Ricardo Hausmann, diretor do Centro de Desenvolvimento Internacional da escola de governo da Universidade de Harvard e ex-ministro de Planejamento

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golpeia o Caribe. De quebra, ainda freia o fluxo de remessas, o que impactará o Equador, México e a América Central. O terceiro golpe está sendo dado pela queda do preço das matérias-primas, que reduzirá a receita fiscal e sua capacidade de manobra para reduzir o efeito da crise. Nesse contexto, Brasil e Chile estão entre os países mais bem-posicionados. As gordas reservas que o governo chileno acumulou no período de vacas gordas provavelmente serão suficientes para superar sem maiores problemas o de vacas magras. Uma inesperada ajuda à coalizão no poder, pois lhe permitirá ser um governo mais gastador justamente em um ano em que o candidato de direita, o empresário Sebastián Piñera, lidera as pesquisas de sucessão a Michelle Bachelet. No Brasil, o comparativamente alto grau de diversificação da economia brasileira provavelmente ajudará a suavizar o impacto da queda das commodities. E ainda que não se possa menosprezar o efeito que a queda das exportações pode ter na receita fiscal e na capacidade de manobra do governo, o país tem recursos suficientes para impulsionar planos de crescimento e sociais que permitiram tirar milhões de brasileiros da pobreza nos últimos anos. O cenário é diferente nos países que não economizaram nestes anos de bonança e que carecem de um setor privado sólido e de capacidade de financiar o consumo interno para suavizar o impacto da queda nos preços das commodities. Muitos deles tomarão medidas que buscam diminuir os efeitos imediatos da crise, mas que erosionarão as instituições, a confiança e as possibilidades de crescimento futuro. “Para perceber isso, basta ver o que

Chávez resiste em estabilizar a balança de pagamentos da Venezuela. mais problemáticos. “Correa não tem poupança. E não tem capacidade de crédito. Por isso acudiu aos fundos da previdência social e aos do Banco Central por conceito de compulsório dos bancos”, diz Roberto Izurieta, diretor de projetos para a América Latina da Universidade George Washington. “Está raspando o fundo da panela. Seus recursos estão acabando. Diz-se que Irã e Venezuela lhe emprestarão dinheiro, mas esses são países que atualmente enfrentam o

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da Venezuela. Assim, o país não pode endividar-se neste momento, e se mantiver o ritmo de gasto que vinha tendo, não demorará para esgotar a reserva que tem guardada. “A Venezuela é um trem que vai a 150 km por hora; a certa distância há um muro, mas o motorista até agora se recusa a por o pé no freio”, diz Hausmann. Os três países “enigma” são Cuba, Panamá e México. Ironicamente, Raúl Castro poderia contar com algum

fôlego e suportar uma pressão interna menor. Com a situação deteriorando-se rapidamente no Caribe, a economia semifechada de Cuba quase não “importa” a crise global e a derrubada das commodities alimentares (que a ilha importa) provavelmente compensará a queda no fluxo de turistas. Já no Panamá – que terá eleições em maio – as autoridades garantem que o país avançará sem problemas, mas sua economia depende essencialmente da confiança de investidores nervosos. Com um governo pouco popular e com as finanças desequilibradas, sem Banco Central nem ferramentas monetárias, o Panamá depende das obras públicas da ampliação do Canal para manter seu nível de atividade e liquidez. Por enquanto, Balbina Herrera (PRD), a candidata da situação, está 23 pontos abaixo da coalizão opositora Alianza por el Cambio, encabeçada pelo empresário supermercadista Ricardo Martinelli. No México, o ambicioso plano de Felipe Calderón na área de infraestrutura, o investimento público e as reformas podem ser insuficientes para combater o aumento do desemprego em uma economia que crescerá mais lentamente e que perde a válvula de escape que é a imigração aos EUA. O tema é preocupante, pois os adolescentes desempregados das zonas rurais são o melhor insumo nas mãos dos grupos criminosos e narcotraficantes que protagonizam uma dura luta com o Estado mexicano. Mas os especialistas não acham que a situação econômica acentuará o problema. “A relação entre crise econômica e algum tipo de desafio à estabilidade política não é automática”, diz Rodolfo de la Torre, coordenador do escritório de pesquisa em


CRISE E RISCO POLÍTICO COLÔMBIA: Os analistas estão preocupados com o risco de que a crise econômica destrua os avanços na redução da pobreza conquistados pelo país nos últimos anos. A Colômbia continua tendo um sério problema de desigualdade que serviu de base para a insurreição armada. CHILE: É considerado o país mais bemposicionado para aguentar a crise. Seus bons níveis de reserva e um prudente manejo econômico oferecem ao país os recursos com os quais poderá adotar medidas anticíclicas que ajudarão a suavizar o impacto no desemprego. Mas, até agora, seu uso é tímido. Resta ver, porém, se a crise beneficiará ou não a aliança governante, frente a um candidato de centro-direita que se mantém firme na liderança das intenções de voto.

Lula: crise não afeta sua popularidade, mas José Serra é o favorito para 2010

desenvolvimento humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com base no México. De la Torre dá como exemplo a crise de 1994 no México, que teve efeitos possivelmente mais fortes que os esperados na atual conjuntura mas que não desembocou em problemas de governabilidade. “Pode haver um descontentamento com a economia, mas que se materializa por formas que não envolvem um desafio à autoridade. Existem as vias eleitorais, da liberdade de expressão, os mecanismos políticos para que esse descontentamento seja posto para fora sem transbordar.”

EQUADOR: Este país andino é considerado um dos mais vulneráveis à crise econômica. Sua alta dependência dos preços do petróleo é semelhante à da Venezuela. Mas, diferentemente deste, o Equador não conta com recursos para proteger-se temporariamente do impacto (como moeda própria, por exemplo) e os recursos do Estado poderiam começar a minguar no começo do segundo semestre. MÉXICO: Devido à sua extrema dependência dos EUA no comércio exterior, a economia mexicana poderia se contrair em 2009, acentuando o desemprego, o que por sua vez poderia se traduzir em maior descontentamento e crescimento dos níveis de criminalidade. A popularidade do partido governante está em queda e o candidato da oposição (PRI) cresce nas pesquisas.

Correa: Equador carece de moeda própria e de recursos

Não obstante, a insatisfação social cresce. “O México é um país onde as crises se socializam”, afirma Francisco Farina, porta-voz da Frente Sindical Mexicana. “Os recursos se privatizam nas empresas, os lucros são para os particulares, mas no momento de crise toma-se o dinheiro dos contribuintes para resgatar os privados.” Na Argentina, o controle do dinheiro da previdência pelo governo e uma renegociação parcial de sua dívida abriram espaço para temores de um novo default em 2009 e 2010. Mas diversos analistas concordam que o país se dirige gradualmente a um processo de ajuste. O descontentamento

AFP

ARGENTINA: Os analistas acham que o país se encaminha a uma crise. Mesmo que o preço dos alimentos resista ao caos financeiro mundial, a economia argentina já dá sinais de sua rápida deterioração. Apesar da decisão de nacionalizar os fundos previdenciários oferecer certo oxigênio, o rápido encarecimento do custo de vida está impulsionando o descontentamento. E os fundos poderiam começar a escassear em 2010. BRASIL: É considerado um dos países mais bem-posicionados para suportar a crise, graças ao tamanho de suas reservas e aos avanços na diversificação de sua economia. Mas a desaceleração poderia afetar a popularidade de Lula e reduzir a força do partido do governo para as eleições de 2010.

PERU: Continua sendo o país de maior crescimento da região. Mas a popularidade de Alan García tem diminuído e a ainda elevada dependência da economia do país das exportações de matérias-primas poderia acabar resultando em um maior nível de desemprego e de descontentamento popular, que propiciam o ressurgimento de movimentos da esquerda armada e de líderes populistas. VENEZUELA: A queda dos preços do petróleo motivou a Venezuela a aplicar sérias mudanças em sua condução da crise, mas até agora o governo recusou a cortar gastos e a manter o câmbio em níveis artificialmente altos. Uma redução do gasto público traria sérias consequências políticas ao país, devido ao profundo debilitamento que o setor privado sofreu nos últimos anos.

Calderón: a crise econômica se soma à alta da violência no México

popular tem aumentado no mesmo ritmo do ajuste das tarifas de serviços públicos como luz, gás e transporte, que estiveram por muito tempo congeladas pelas autoridades. É por isso que estima que nas votações parlamentares de setembro o peronismo será castigado pelos eleitores. A dúvida que paira é se a oposição se unirá, o que tornaria a derrota ainda mais dura. Caso se mantenha separada, estima-se que o governo continuaria dominando como primeira minoria. Nina Castells – que atualmente estuda a possibilidade de lançar-se como candidata a governadora da província de Corrientes, no norte tropical

da Argentina – não acha que as eleições sejam uma válvula suficientemente grande para dar vazão a tamanho descontentamento da população. Ela defende que o grau de insatisfação já é muito palpável em certos bairros populares. “Há uma psicose generalizada como a que foi em 19 e 20 de dezembro de 2001 (quando De la Rúa renunciou)”, conta. E esclarece que “nós não estamos de acordo com isso e tratamos de acalmar as pessoas, porque elas entraram em desespero, e esse desespero às vezes pode fugir do controle”. E, como a própria Nina diz, na América Latina nunca se sabe como isso pode terminar. ■

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DEBATES POLÍTICA Roberto Mangabeira Unger, ministro de assuntos estratégicos do Brasil

MOTOR DE RENOVAÇÃO R

oberto Mangabeira Unger é polêmico. Partidário do estreitamento de relações entre Brasil e EUA, o ministro defende que hoje o mundo carece de rebeldia e de inovação. Em entrevista aos editores de AméricaEconomia Solange Monteiro e Rodrigo Lara, Unger, que foi professor de Obama em Harvard, critica a superficialidade com a qual se debate a atual crise econômica e chama a aproveitar este momento como oportunidade de reconstrução institucional dos países.

Hoje o Brasil está engajado num esforço de reconstituir seu modelo de desenvolvimento para um que transforme a democratização de oportunidades econômicas e educativas no próprio motor do crescimento, que ancore o social na maneira de organizar o econômico. Agora surgiram dois eventos no mundo que oferecem uma oportunidade ainda maior para avançar nesse projeto. O primeiro é a mudança que ocorreu nos EUA que eu entendo ser não apenas uma mudança de governo, mas uma mudança de sensibilidade naquele país. E o segundo é a crise financeira econômica mundial. Eu lembro que historicamente o Brasil, como grande parte da América Latina, avançou como resposta a turbulências na economia mundial. Todo o sistema industrial que temos no Brasil hoje foi construído em resposta à longa crise desencadeada pela Depressão na década de 30 e pela Segunda Guerra Mundial. Portanto essa crise agora oferece uma oportunidade para ampliarmos nossa parte produtiva e democratizarmos essa base

ao mesmo tempo.

Considera o governo Lula engajado nesse projeto? Acho que o governo Lula está comprometido com esse avanço. Não se torna uma economia de mercado mais inclusiva sem reconstruir as instituições que a definem. E aí vem um grande problema nosso e da América Latina em geral: nós não temos uma tradição de inovar nas instituições, e agora precisamos ter. Se considerarmos o desenvolvimento comparado no mundo nas últimas décadas, vemos que duas lições ressaltam. A primeira é que quem vai para frente é quem se abre para o mundo. Mas a segunda lição é que, ao se abrir para os mercados e para o mundo, joga o roteiro fora e inova na maneira de organizar os mercados e de engajar-se na economia mundial. A parte do mundo que foi mais obediente ao roteiro recomendado pelas autoridades econômicas, políticas e acadêmicas dos países ricos foi a que sofreu o mais catastrófico declínio na participação do PIB mundial. Na história, sempre aprendemos que os rebeldes são premiados e os obedientes, castigados. A rebeldia é uma condição necessária, mas não é uma condição suficiente. A rebeldia necessita de uma

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aliada, e a aliada da rebeldia é a imaginação. E a forma mais importante da imaginação para os países é a imaginação institucional.

Para isso, seria necessária uma reforma financeira? Sim, e não só na arquitetura financeira. Até agora o debate sobre a crise mundial está sendo dominado por dois temas relativamente superficiais. Em primeiro lugar, a necessidade de regular os mercados financeiros, e em segundo a necessidade de adotar políticas fiscais e monetárias expansionistas, o keynesianismo vulgar. Na verdade, nada impressiona mais no debate ou “não-debate” mundial sobre a crise que a pobreza das ideias que o orientam. As pessoas se agarram a uma versão encolhida e mumificada do keynesianismo. Mas há três temas muito mais importantes. Em primeiro lugar, a necessidade de enfrentar e superar os desequilíbrios estruturais na economia mundial entre os países superavitários em comércio e poupança, a começar pela China, e os deficitários nesses dois quesitos, a começar pelos EUA. Em segundo, a necessidade de entender a tarefa de regular os mercados financeiros como apenas a ponta de lança de uma obra maior que é a reorganização

AFP

O senhor considera que hoje o Brasil está apto a vivenciar o experimentalismo democrático defendido em seu livro Democracia Realizada?

da relação entre os sistemas financeiros e a produção. Todos os estudos empíricos demonstram que nas grandes economias do mundo bem mais de 80% do financiamento da produção se baseia nos lucros retidos e reinvestidos das próprias empresas. Essa constatação singela leva a uma indagação perturbadora: para que serve então todo aquele dinheiro que está nos bancos e nas bolsas? Na realidade, a grande maioria das transações


lastro a uma democratização postiça e precária do crédito. Essa democratização falsa, essa pseudodemocratização do crédito, fez o papel da redistribuição da renda e da riqueza que não ocorreu. E agora que esse mecanismo foi destroçado, outra base tem que ser encontrada para o mercado de consumo em massa. O que se vê é que o debate mundial ainda está na superfície, não penetrou nessa temática mais profunda, está usando esse keynesianismo tardio e fossilizado como um escudo conta a ampliação do debate.

Essas ideias farão parte das propostas que o governo apresentará na reunião do G20? Sim, eu venho discutindo com o presidente Lula e colegas ministros. Agora não nos iludamos. As ideias são difíceis de construir. Temos que aproveitar essa dinâmica de reuniões internacionais para lutar por outro caminho. E não nos enganemos que reuniões provocam ideias, sobretudo reuniões de poderosos. Nós temos, isso sim, que estabelecer um grande debate em nossos países. Ver uma crise não de forma defensiva, mas como uma oportunidade de reconstrução. Mangabeira: provocar ideias

financeiras tem uma relação apenas episódica ou indireta com o financiamento da produção. Grande parte do potencial produtivo da poupança da sociedade se dissipa em um cassino financeiro sem vínculo com a agenda produtiva da sociedade. E isso não tem que ser assim. Temos que inovar em formas de canalizar mais a poupança de longo prazo para o investimento de longo prazo e para a produção. O terceiro tema subjacente

que ainda não aflorou no debate mundial é o vínculo entre cooperação econômica e redistribuição da renda e da riqueza. Tomemos o caso dos EUA. Todos admiramos a construção nos EUA de um mercado de consumo em massa na segunda metade do século 20. Em princípio um mercado de consumo em massa requer a democratização do poder aquisitivo. E a democratização do poder aquisitivo depende da redistribuição da renda e da

riqueza. Mas isso não houve nos EUA. Na segunda metade do século 20 houve uma tremenda concentração da renda e da riqueza. Como explicar então que conseguiram, apesar dessa concentração, construir um mercado de consumo em massa? Parte dessa explicação está na supervalorização dos imóveis. Os americanos pessoa-física têm grande parte de sua poupança em suas casas. Essas casas foram supervalorizadas e serviram de

Por que o senhor defende que vivemos um momento ótimo para o Brasil estreitar relações com os EUA? Sem dúvida os EUA nunca estiveram tão abertos a um questionamento ou autoquestionamento como estão agora, talvez até mais abertos do que na década de 30. O Brasil é o país do mundo mais parecido com os EUA, embora essa semelhança não seja reconhecida nem lá nem cá. São dois países de tamanho quase idêntico, fundado sobre as mesmas bases de povoamento europeu e escravidão africana,

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DEBATES POLÍTICA são muito desiguais e onde mesmo assim a maior parte das pessoas comuns continua a julgar que tudo é possível. Portanto temos uma possibilidade de construir um tipo de engajamento crítico com os EUA que nunca tivemos, nos associar com os EUA numa série de convênios institucionais e de inovação em políticas públicas a serviço da ampliação de oportunidades.

E isso jogaria contra ou a favor de uma estratégia de liderança do Brasil na América Latina? Eu não me preocuparia com esse conceito de liderança. Vejo o problema sobre outro aspecto. Por exemplo, falta à União das Nações SulAmericanas (Unasul) um espírito que a oriente. Tratamos das coisas externas, de comércio, de dinheiro, de integração logística e energética. Mas não tratamos do que é o nosso projeto. E com isso nos afundamos no pragmatismo antipragmático. Se quisermos dar um rumo à Unasul, precisamos de uma estratégia que tenha um conteúdo institucional próprio. E que faça justiça à característica mais importante de nossos países, que é a vitalidade. Temos milhões de pessoas fervilhando de energia empreendedora e construtiva e sem capacitação, instrumentos, oportunidades. Para isso que temos que reorganizar nossas economias e nossos estados, e vejo a possibilidade de colaborações práticas com os EUA em invenções institucionais não como uma ameaça, mas como uma forma de reforçar isso.

Quando Fox assumiu a presidência do México, o senhor lhe enviou uma carta com propostas estratégicas ao neoliberalismo. O que aconselharia hoje para a América Latina? Olha, eu vou ser muito franco. Eu acho que nós na América

Latina estamos há muito tempo perdidos. E a razão básica é que os bem-comportados, os bem-organizados, se renderam ao roteiro. E os que quiseram se rebelar eram menos organizados, e começaram a afundar num pântano de confusão e de conflito. Nós temos que sair disso. Precisamos ao mesmo tempo ser rebeldes e claros. E precisamos fazer outra vez e de forma mais democrática e audaciosa o que fizemos no passado. Eu sustento que esse caminho tem três grandes vertentes. A primeira é a democratização da economia de mercado. Isso passa por

meios normais; e começar a enriquecer a democracia representativa com traços de democracia direta e participativa sem diluir as garantias individuais.

Essa preocupação pelo resgate poderia incluir as gangues e outras formações violentas como a rede do narcotráfico? Sem dúvida, porque a criminalidade violenta, antes de ser uma manifestação da desigualdade e da pobreza, é resultado da desorganização social. Há países muito mais pobres e quase tão desiguais quanto o Brasil, como a Índia, onde há muito menos violência

mos o espírito. Agora temos a possibilidade de construir um tipo completamente diferente de relação com os EUA e temos o grande incentivo da crise. Mas é preciso dar o conteúdo, e o conteúdo depende das ideias. E volto ao meu ponto: a rebeldia é uma condição necessária, mas não é suficiente. Ela precisa ter como aliada sobretudo a imaginação institucional. No Brasil, sobram partidos, mas faltam alternativas. Praticamente a única ideia consolidada na política brasileira é uma que se poderia chamar “a Suécia tropical”. As grandes

“Quero que esse fervor que vem de baixo não se dissipe, que sirva de combustível a uma grande construção institucionalizada duradoura.” inovações institucionais na forma de organizar a relação entre governo, empresas e os próprios produtores. A segunda é a capacitação de nossos povos, organizar um sistema que reconcilie a gestão local das escolas com padrões nacionais de investimento e qualidade. E a terceira grande vertente da construção desse caminho é o aprofundamento da democracia, com alguns atributos institucionais como a elevação do engajamento cívico na via pública; a reforma de nossos regimes presidencialistas, para superar rapidamente os impasses em vez de perpetuá-los deliberadamente; radicalizar o potencial experimentalista do regime federativo; criar no Estado um poder próprio para resgatar grupos que estejam submetidos a situações de subjugação ou exclusão das quais não possam escapar pelos próprios meios ou pelos

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na base. É o acúmulo de capital social, esse adensamento de vínculos associativos que dá poder ao país, que o torna capaz de inventar futuros alternativos.

Hoje observamos um descontentamento generalizado por parte da população devido aos efeitos da crise econômica. Isso poderia colocar a democracia da região em risco? As nossas elites em geral estão preocupadas em colocar a tampa no caldeirão. Eu não quero por a tampa no caldeirão; quero que esse fervor que vem de baixo não se dissipe, que sirva de combustível a uma grande construção institucionalizada duradoura. Nós não precisamos imitar os EUA, copiar o federalismo, o presidencialismo americano, sem copiar o que de mais importante os EUA têm em sua vida pública que é o experimentalismo. Copiamos a fórmula, mas não reproduzi-

alternativas foram desacreditadas e derrotadas no século 20 e sobrou só um modelo de organização econômica social e política dos países ricos do Atlântico Norte. Com essa ideia da “Suécia tropical”, a tarefa do Brasil na América Latina seria adaptar o modelo às circunstâncias e humanizar por meio de políticas sociais. E, na nossa política, a humanização do inevitável vira o lait motiv. Todo mundo é social alguma coisa: social liberal, democrata, todo mundo está preocupado em administrar o açúcar. Mas o povo brasileiro não quer o açúcar, não quer dourar a pílula, não quer humanizar o inevitável, não quer construir o existente: quer construir as instituições capazes de instrumentalizar essa imensa energia frustrada e dispersa que fervilha em nosso País e em toda a América Latina. ■


DEBATES OPINIÃO

Félix Peña

O protecionismo e as lições do passado O PROTECIONISMO ESTÁ VOLTANDO lentamente, como um problema relevante da agenda mundial de comércio. Por enquanto, flutua no ambiente o espectro de um panorama com elementos semelhantes aos da década de 30. Mas também há diferenças notórias entre esses dois momentos. Três delas merecem destaque. A primeira é que naquela época não existia um sistema multilateral como o da OMC. Suas regras e disciplinas coletivas implicam um limite ao discricional dos países para restringir ou desvirtuar correntes de comércio. Hoje não haveria espaço para algo semelhante à Smoot-Hawley Tariff (que em 1930 implicou o aumento do imposto à importação de 900 produtos, intensificando a depressão). Mas o problema é que, em muitos casos, o sistema multilateral estabelece um teto suficientemente alto que permite que múltiplas modalidades de protecionismo se desenvolvam sob ele. Especialmente as da nova geração, sutis e difíceis de detectar, que resultam em uma ampla gama de restrições não-tarifárias, inclusive originadas no próprio segmento empresarial aliado aos consumidores – regras privadas que incidem, por exemplo, na comercialização de alimentos – ou no efeito produzido pelas medidas aplicadas pelos países, na tentativa de conter o impacto da crise no nível da atividade econômica e do emprego. A segunda diferença surge da internacionalização da produção que se desenvolveu intensamente nas últimas décadas. Muitas empresas de vários países – e não somente dos mais industrializados – operam no âmbito de redes de valor de escala global. Um protecionismo descontrolado significaria uma custosa complicação em processos produtivos que abarcam vários países e regiões. Destacar o atual tecido produtivo global, retornando a um cenário de mercados compartimentados, não parece ser uma contribuição eficaz para superar a atual crise econômica mundial. Menos ainda para evitar suas repercussões no plano da paz e da estabilidade política. E a terceira diferença é que se supõe que os povos

aprendem com seus erros. E os da década de 30 foram suficientemente dramáticos para que não se tirem lições para esses tempos. Uma delas refere-se aos custos da inexistência de instituições que permitam às nações disciplinar-se e encarar juntas problemas coletivos. Tal lição conduziu ao atual sistema multilateral de comércio como parte de uma rede mais ampla de instituições de cooperação internacional. Além das insuficiências que elas apresentam hoje, constituem uma densa rede de bens públicos, globais e regionais, que se deve preservar e fortalecer. Capitalizar as lições do passado é hoje uma tarefa prioritária. Um plano em que isso parece fundamental é o da OMC na atual conjuntura. Três linhas de ação surgem como imediatas. A primeira consiste em cumprir com o mandato definido pelo G20 na recente cúpula de Washington, no sentido de concluir a Rodada de Doha e aplicar uma espécie de “trégua protecionista”. O que não foi conquistado afeta inclusive a credibilidade do próprio G20. Seria fundamental enviar sinais claros antes da cúpula de abril, em Londres, indicando que o mandato pode ser cumprido. Mesmo se fosse uma rodada com resultados menos ambiciosos que os originalmente previstos. A segunda consiste em desenvolver um mecanismo eficaz de vigilância das tendências protecionistas – que contribua à trégua – incluindo medidas que sejam compatíveis com as atuais regras da OMC. E a terceira é concretizar a Conferência Ministerial prevista para este ano, com uma agenda que não se limite à Rodada de Doha. Como conciliar elementos de flexibilidade com as necessárias disciplinas coletivas, especialmente nas respostas que se deem à atual crise e aos requerimentos especiais dos países menos desenvolvidos, deveria ser um tema central na nova agenda da OMC. ■

É preciso cumprir o mandato definido pelo G20 na cúpula de Washington, no sentido de concluir a Rodada de Doha e aplicar uma espécie de “trégua protecionista”. O que não foi conquistado afeta inclusive a credibilidade do próprio G20.

Diretor do Instituto de Comércio Internacional da Fundação Standard Bank e professor de Relações Comerciais Internacionais da Universidade Nacional de Tres de Febrero, Argentina.

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DEBATES ORÇAMENTOS

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CARTEIRAS COM MANDÍBULAS TYSON Em tempos de vacas magras, os governos regionais descobrem que têm como alimentá-las, mas o fazem a conta-gotas Rodrigo Lara

RODRIGO DÍAZ CARRIZO

Esse é o problema: como na América Latina supomos que todos somos aproveitadores, caímos no controle excessivo e essas coisas nos custam muito dinheiro. O excesso de controle sempre custa dinheiro”, diz Jorge Smeke, pesquisador da Universidade Iberoamericana no México, sobre o gasto estatal na região. “Em geral, o monitoramento foca-se muito mais no controle da distribuição da verba, uma atitude compreensível, buscando combater atos corruptos, mas que deveria voltar-se à avaliação de resultados”, concorda Roberto Ellery, professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília. Em 2009, essa busca pela excelência máxima, entretanto, poderá ser perigosa. É o que augura Sergio Raimond-Kedilhac, professor de Entorno Econômico do Ipade, no México. “Com a crise, se torna imperativo que o governo gaste de forma vigorosa. É um ano em que se necessita demanda agregada adicional para compensar a queda.” E o perigo tem um nome tão inocente como neutro: subexecução. Acostumados a ler notícias de desperdício ou escassez dramática de fundos, os cidadãos do Brasil e

do México sabem que ainda existe um terceiro cavaleiro do apocalipse administrativo cotidiano: ter dinheiro e não usá-lo. Mas, neste caso, o que em tempos normais era um problema de menor destaque, agora fará grande diferença na efetividade da resposta à crise global na Argentina, no Brasil, no Peru e no México.

KAFKA NO CONTROLE Neste último país, a subexecução era até pouco tempo atrás um problema considerado relativamente menor. Não obstante, o fato de a Secretaria de Comunicações e Transportes não ter gastado 1,33 bilhão de pesos mexicanos é impactante. “A falta de projetos, diz Smeke, pode dever-se à falta de vontade política. É incrível que em um país como o México, com a economia estagnada, justamente o orçamento em infraestrutura tenha caído em subexecução. É kafkiano.” A sombra da impotência dos personagens de Kafka também eclipsou, parcialmente, o sol verde-amarelo do Brasil. A quantidade de dinheiro efetivamente gasto foi de R$ 28,1 bilhões, o que representa pouco menos de 55% dos recursos previstos, segundo cálculo da ONG Contas Abertas, que supervisiona

o gasto público. Não é um problema novo. Repete-se ano após ano. Leandro Kleber, analista do Contas Abertas, aponta vários motivos para que isso aconteça. “Por exemplo, o atraso na votação do Orçamento Público Federal – o de 2008, por exemplo, foi votado em março do mesmo ano –, o que dificulta o planejamento e a execução da verba. Também há projetos mal elaborados; contingenciamento de recursos devido a uma queda na receita e a inadimplência de Estados e Prefeituras, que impede que estas estejam liberadas a firmar convênios.” Mas não se trata apenas de atrasos no tratamento legislativo. Sérgio Miranda, ex-deputado federal pelo PDT de Minas Gerais, aponta que o foco excessivo do governo Lula em cumprir o superávit mina ainda mais a perspectiva de uma boa execução orçamentária. “Buscando conquistar a credibilidade do mercado, o governo aumentou a meta exercida no governo de Fernando Henrique Cardoso, e chega a alcançá-la em agosto”, diz. “Mas para isso bloqueia os desembolsos por muito tempo, às vezes até a metade do ano, provocando uma distorção na atividade dos ministérios, que

não têm tempo de organizar licitações e levar projetos a cabo.” O mais grave não é que haja atrasos, mas que, ao não se gastar essa verba, “são tributos que já não voltam mais à população em obras ou gastos correntes: é dinheiro esterilizado nos cofres do Banco Central.” Para Miranda, uma alternativa seria descontar da meta do ano posterior o percentual excedente à meta do ano prévio, para “realizar um programa de reembolso mensal mais consistente”.

SUB É LIBERDADE Na Argentina, esse fenômeno toma outras formas, apesar de – como diz Alejandro Groppo – compartilhar de algo que é habitual na América Latina: “a pouca perícia técnica das burocracias estatais em todos os níveis”. O cientista político e professor da Universidade de Essex comenta como o governo argentino conseguiu que a subexecução se convertesse em uma ferramenta política. “Os orçamentos estão inflados. Como a lei habilita o Poder Executivo a dispor dos fundos que excedem o orçamento, o que não se gasta é dinheiro de manejo sem controle parlamentar.” Ou seja, mesmo que em termos reais um ministério execute 100% do orçamento “real”, formalmente – ao estar inflado – se subexecuta. Com qual objetivo? “O governo federal divide esse dinheiro de forma livre e arbitrária com as províncias.” É uma regra do jogo político para conquistar aliados e castigar os desobedientes. O problema é que, finalmente, tanto na Argentina quanto nos outros países essas prestidigitações – ainda quando não impliquem corrupção expressa – impedem avaliar os

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DEBATES ORÇAMENTOS efeitos concretos das políticas governamentais. Aprender. Melhorar ou mudá-las. Não por serem de esquerda ou de direita, populistas ou liberais, mas porque não funcionam. Assim, “as pautas orçamentárias são muito difíceis de avaliar”, comenta Groppo. Curiosamente, no Chile, onde a situação em termos de subexecução é aparentemente contrária (execução de 106,2% no último trimestre de 2008), acontece algo semelhante: a opacidade. Segundo a diretora do programa econômico do Instituo Libertad y Desarrollo, Rossana Costa, a subexecução real acabou no Chile em 2004. Para ela, o problema de sobre-execução real envolve os itens que não fazem parte do orçamento. “Há muito gasto que não se reconhece dentro do gasto público e que não é considerado na hora de realizar o balanço das contas fiscais”, diz. “Estimamos que a sobreexecução total do ano fiscal de 2008 chegou a 3,85.” No Chile, a subexecução é mais frequente nos orçamentos dos governos regionais, dependentes da Subsecretaria de Desenvolvimento Regional, do que nos ministérios. A região de Los Rios era uma das mais atrasadas em executar seus recursos, com 68,1%. Autoridades locais afirmaram que essa região terminou o ano com uma execução de 96,4%, conseguindo o impressionante gasto de 28,3% de todo o seu orçamento no último mês do ano. Segundo Costa, é um verdadeiro problema conseguir cifras detalhadas. “Se alguém quer fazer um rápido estudo do gasto de um ministério como o de Obras Públicas, por exemplo, não conseguiria saber se todos os projetos foram executados. Pode-se saber se os recursos

foram executados, mas não se sabe quantos depósitos estavam orçados, assim não há como comparar se o fizeram realmente.” Mesmo assim, Costa afirma que o balanço de contas entregue pelo governo chileno é feito segundo padrões de transparência da OCDE. Já no Peru, recentemente o parlamentar Juan Carlos Eguren apresentou o “Ranking de Execução de Investimentos da Província de Lima 2008”, no qual registra-se que a municipalidade de Lima deixou de investir mais de 360 milhões de soles, o que representa mais de 50% do orçamento de 2008, de 681,32 milhões de soles. Vale dizer que o município limenho executou apenas 47,4% de seu orçamento, o que o coloca no posto 38 de um total de 43 municipalidades da província de Lima. Eguren estima que se trata

proposta na qual se estabelecem sanções administrativas para os servidores públicos que gerem subexecução do gasto público federal. Para Sergio Raimond-Kedilhac, devido à crise, essa ação ainda não basta. “As normas para o exercício dos concursos são normas que neste momento necessitam uma exceção. Os tempos para liberação de verbas têm que ser menores”, afirma. Para minimizar a corrupção, sugere que “a Secretaria envie pessoas comissionada para supervisionar o repasse da verba, o avanço da obra, e sua qualidade em todos os estados”. Mais no longo prazo, Jorge Smeke – também no México – afirma que “primeiramente é preciso capacitar os funcionários, de áreas administrativas ao manejo de orçamento e projetos, pois acho que essas pessoas

sentados. E por que faltam os técnicos especializados? Os especialistas afirmam que isso se deve à diferença salarial imposta em 2006 pelo governo atual de Alan García. “Eu não mudo para uma província por um salário de cerca de US$ 4 mil. Não vale a pena. Prefiro ficar em Lima”, é o que se houve de vários profissionais. Mas US$ 4 mil é um salário nada desprezível em uma nação com uma renda per capita anual de US$ 8,5 mil. No Brasil, a solução também passa por resolver outro problema: o risco do aumento da dívida interna. Roberto Ellery, da Universidade de Brasília, comenta que nos últimos anos novamente se tem registrado “um forte crescimento dos restos a pagar, ou seja, dos investimentos empreendidos que não foram quitados no ano correspondente”. Para 2009,

Em 2009,o governo brasileiro tem R$ 40 bilhões acumulados em restos a pagar de anos anteriores. de uma situação generalizada. Em todo o país, o percentual de execução de gastos de investimento do conjunto das municipalidades do país durante 2008 chegou a 57,6%, enquanto nas municipalidades da província de Lima foi de 53,2%

SOLUÇÕES Um orçamento deveria ser um mapa de ação prática, recriado ano a ano. Mas muitos preferem convertê-lo em um retrato narcisista afastado da realidade. Como fazer para mudar isso? No México, o Partido Revolucionário Institucional (PRI) apresentou no Senado

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são pouco preparadas”. “Um dos problemas que o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) enfrenta hoje é sem dúvida o esvaziamento da máquina estatal, que não conta com técnicos adequados para observar os projetos”, diz Miranda, do PDT, sobre o que acontece no Brasil. E no Peru o fator humano também pesa, pois o governo tampouco conta com técnicos adequados para monitorar projetos. Há muitos recursos nas regiões gerados sobretudo pelo setor de mineração. E não são utilizados porque o Sistema Nacional de Investimento Público (SNIP) recusa 90% dos projetos apre-

por exemplo, se o governo quisesse saldar essa herança indigesta dos anos anteriores, teria que pagar cerca de R$ 40 bilhões – duas vezes o orçamento dedicado ao PAC para este ano –, dos quais R$ 28 bilhões correspondem a dívidas contraídas em 2008. “Nunca é bom jogar dessa forma no longo prazo. É um sinal claro de que se perdeu a capacidade de gestão”, diz. Porque, se um governo não sabe ou não pode gastar o dinheiro que justifica sua existência como gestor, é de verdade um governo? ■ Com Solange Monteiro


DEBATES 5a COLUNA

Susan Kaufman Purcell

Demasiadas expectativas SEM IMPOTAR QUAL SEJA a opinião geral sobre o expresidente George W. Bush, existe um amplo consenso nos EUA e na América Latina de que as relações entre ambas as regiões melhorarão no governo de Barack Obama. O fato de Obama ser o primeiro presidente afroamericano, que passou parte importante de sua infância em um país do terceiro mundo ou na sociedade multirracional do Havaí, facilita a identificação com ele. Os latinoamericanos, como muita gente em todo o mundo, também respondem positivamente ao carisma, à inteligência, à estabilidade emocional e às habilidades retóricas do presidente recémempossado. Parece que os latinoamericanos também gostaram dos anúncios de Obama para a política exterior. Gostam do multilateralismo, diferentemente da suposta política exterior unilateral de Bush. E, principalmente, aprovam a vontade de dialogar, mais do que se fechar contra os ditadores ou outros líderes de governos hostis aos Estados Unidos. Também dão as boas-vindas ao seu compromisso de retirar tropas do Iraque e fechar a prisão em Guantánamo, já que, em geral, as pessoas da região se opuseram à guerra no Iraque e aos excessos na guerra contra o terrorismo. Tudo isso elevou as expectativas de mudanças importantes na política norteamericana a Cuba – considerada em Washington, por muito tempo, uma ditadura – e Venezuela, cujo presidente democraticamente eleito é visto como uma ameaça à democracia. Mas pode haver menos mudanças na relação com ambos países do que a gente prevê. Ainda que o presidente Obama planeje reverter a política fechada do presidente Bush em relação ao embargo, e permitir que os norteamericanos cubanos visitem a ilha mais frequentemente e enviem a seus parentes um montante maior em remessas, ele condicionou o fim do embargo ao desenvolvimento do processo democrático em Cuba. Tal “condição prévia” foi recusada anteriormente por Fidel Castro, e mais recentemente por seu irmão Raúl. Além disso, ainda que Obama não tenha mencionado Hugo Chávez pelo nome em seu discurso de posse, deixou bem claro que qualquer governo que trate de destruir o Oeste ou provocar problemas encontrará uma forte resposta dos Estados

Unidos. Isso significa que Obama prestará muita atenção à relação da Venezuela com o Irã. Quanto ao livre comércio, os sinais também são mistos. Como candidato, Obama falou sobre renegociar o Nafta, se opôs ao acordo de livre comércio entre EUA e Colômbia e votou contra o Cafta. Como presidente, entretanto, evitou referir-se a “voltar a negociar o Nafta” e, em troca, falou de melhorar a execução de normas de trabalho e ambientais. Vários membros de sua equipe econômica, como Larry Summers e Timothy Geithner, são fortes partidários do livre comércio, bem como o novo secretário de comércio, o senador Judd Gregg. Por outro lado, a atual secretária de Estado, Hillary Clinton, mencionou voltar a negociar o Nafta quando era candidata presidencial, tal como Obama, e se opôs ao Nafta quando seu marido era presidente. O que está claro é que o presidente acha que os acordos de livre comércio têm de contribuir mais aos grupos que até agora não se beneficiaram com o livre comércio, mas o presidente Bush já tinha chegado a essa conclusão em seu segundo mandato. Obama ainda mudará o foco em segurança da Colômbia para o México, principalmente porque o Plano Colômbia mostrou resultados e o México agora necessita de ajuda na luta contra seus altamente militarizados cartéis de drogas. A reforma sobre a imigração continuará sendo importante, mas nem tão urgente, já que a recessão tornou os EUA um país menos atraente para quem busca emprego. Obama também buscará conformar “uma relação especial” com o Brasil, baseada na cooperação energética, mas o presidente Lula declarou que tais laços dependerão das mudanças na política comercial norteamericana. Finalmente, não está claro qual será sua política de promoção de democracia. Ainda que busque relações mais normais com Cuba para que a ilha progrida no caminho a uma transição democrática, também criticou o presidente Bush por suas pressões pela democratização do Oriente Médio. Se isso significa que a administração Obama se oporá a golpes militares na América Latina, caso estes venham a acontecer, e apoiará a democracia com toda a força, ainda não está claro. De qualquer forma, como em outras partes do mundo, a política latinoamericana de Obama será menos influenciada por suas intenções do que pelos acontecimentos. Se o preço do petróleo continuar baixo, Chávez e seus aliados serão um problema menor, o que dará um maior espaço à cooperação entre EUA e América Latina, e desviará o foco ao desenvolvimento econômico ao invés da segurança. ■

Obama buscará conformar uma “relação especial” com o Brasil baseada na cooperação energética.

Diretora do Centro de Política Hemisférica da Universidade de Miami

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Soja: queda no preço

MADE IN BRAZIL

Aumento dos investimentos em promoção do governo pouco adianta no curto prazo e nem o gigante exportador latinoamericano escapa da crise Dubes Sônego, São Paulo

Q

uando as luzes verdes do autódromo de rua de San Petersburgo, na Flórida, se acenderem, no dia 5 de abril, terá início não apenas o primeiro grande prêmio de Fórmula Indy da temporada, mas também a maior ação de propaganda de produtos brasileiros nos Estados Unidos programada pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) para 2009. Patrocinado pela primeira vez pelo etanol

verde-amarelo, o evento será a ponta de lança da estratégia do governo do Brasil para aumentar as vendas à maior economia do mundo. Uma economia que, ao contrário do que poderia parecer, tornou-se mais importante estrategicamente após a crise global de crédito que originou recentemente. “Mercados que já eram prioritários para o Brasil, como os EUA, passaram a ser ainda mais”, diz Alessandro Teixeira,

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presidente da Apex. Somente nos Estados Unidos, haverá um crescimento superior a 30% no número de ações promovidas pela agência. De 60 atividades em 2008, serão 80 em 2009. Além dos EUA, Teixeira conta que ganharam relevância, por serem mercados com grande número de consumidores, países como China, Índia, Rússia e África do Sul. Enquanto na América Latina, por motivos diversos,

AFP

DEBATES COMÉRCIO aparecem em destaque Peru, Cuba, Panamá, Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela e México. “Queremos nos posicionar melhor num momento em que outros podem estar saindo. Quando houver a retomada, estaremos mais bem-colocados para aproveitála”, diz o dirigente. Será, contudo, um esforço inócuo no curto prazo. Apesar de em janeiro a Apex ainda sustentar que as exportações brasileiras cresceriam este ano pelo menos 3%, no pior dos cenários, a realidade da queda de demanda vêm se mostrando avassaladora. E nem mesmo o aumento das verbas de promoção do País no exterior, de R$ 100 milhões em 2008 para R$ 450 milhões em 2009, será suficiente para fazer com que o gigante exportador latinoamericano escape à uma crise que, por mais que se queira negar, é global. A situação já vinha se delineando com a queda no preço do petróleo, que só no ano passado gerou divisas de US$ 13,5 bilhões ao país, e das vendas de minério de ferro, responsável por outros US$ 16,5 bilhões. Mas vem se mostrando mais palpável na medida em que outros setores apresentam seus balanços e previsões para o ano. O setor de celulose e papel é um exemplo. Segundo Elizabeth de Carvalhaes, presidente executiva da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), até agosto de 2008 as vendas externas apresentavam crescimento de 92% em relação ao ano anterior. Daí em diante, o percentual foi diminuindo até os 60% registrados no final do período. Em dezembro, houve queda de 15%. “Dependemos totalmente do mercado externo. E a situação atual é de estoques elevados em todo o mundo”, diz a dirigente.


Com União Europeia, Estados Unidos e China encabeçando a lista de grandes compradores do setor, Elizabeth Carvalhaes afirma que existem hoje cerca de 2 milhões de toneladas de celulose estocadas nos portos, volume 50% acima do normal. “Precisamos minimamente de três a quatro meses para trazer de volta os estoques a níveis regulares”, afirma. “Caso contrário, a situação será sombria. A engrenagem está parada.” Talvez não tão dramática, mas igualmente ilustrativa é a situação dos produtores de soja brasileiros. “Já estamos com os números comprometidos. No ano passado, os produtores faturaram US$ 18 bilhões apenas com o complexo de soja. Este ano, as exportações devem ficar abaixo de US$ 13,5 bilhões”, afirma Marcelo Duarte Monteiro, diretor executivo da Associação dos Produtores de Soja do Estado do Mato Grosso (Aprosoja). Sujeito à elasticidade de preço característica das commodities, o setor viu seus rendimentos caírem de US$ 447, média por tonelada no ano passado, para cerca de US$ 330 atualmente. Um tombo de 26%. Em outros setores do agronegócio, como o de fumo, o problema não é a falta de demanda, mas o temor de que não haja crédito suficiente a tempo para financiar as encomendas de compradores que visitam o país, de fevereiro a abril. Iro Schünke, presidente do Sindicato da Indústria do Fumo (Sinditabaco), diz que o dinheiro está custando pelo menos 50% mais. E espera os desdobramentos de visitas feitas recentemente a Brasília. Apesar de todos os esforços setoriais e das empresas, economistas como Álvaro Cyrino, da Fundação Dom Cabral, afirmam

que, em muitos casos, não há mesmo muito a fazer no curto prazo. “Quando a crise chega à economia real, vemos queda de demanda. A Embraer, por exemplo, vai vender pra quem no mercado interno? É muito pequeno”, diz. Como sugere o exemplo do acadêmico, automóveis e aviões, dois produtos de destaque na pauta de exportações brasileiras, sofrem com queda na demanda mundial. E abrir novos mercados depende de capital, tempo e de grandes infraestruturas. Quando não de decisões estratégicas da matriz no exterior. Em seu relatório com projeções para a balança comercial do país em 2009, a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) aponta outros produtos que sofrerão este ano com a

diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), isso poderá acontecer com o setor de carnes brasileiro caso o Chile volte a comprar do País, após quatro anos de um embargo motivado pela descoberta de focos de febre aftosa no Mato Grosso do Sul e no Paraná. No auge, o Chile chegou a comprar mais de 100 mil toneladas por ano dos brasileiros, volume substituído por carne argentina e paraguaia. Da mesma forma, espera-se que a União Europeia volte a ocupar, ainda este ano, a posição de destaque entre os clientes do Brasil, recebendo cerca de 20% do total embarcado. “Este ano, se repetirmos o quadro de 2008, estará de bom tamanho”, diz Oliveira. Em 2008, o setor

preços aos insumos, uma vez que o petróleo caiu abaixo dos US$ 50, é possível uma recuperação e o incremento nas vendas externa. Apesar do quadro geral negativo – num setor que viu as vendas internacionais caírem de US$ 1,9 bilhão em 2007 para US$ 1,8 bilhão no ano passado –, empresas que investiram em marcas próprias lá fora não falam de mudar a estratégia. É o caso da Grendene, dona de Melissa, Ipanema Gisele Bündchen e Rider, que vendeu 21% mais no exterior nos nove primeiros meses de 2008, na comparação com o mesmo período de 2007. “Não vamos mudar uma estratégia que vem dando certo em vários cenários diferentes”, diz Francisco Schmitt, diretor de

Alguns setores já estão com os números comprometidos, enquanto outros dependerão de linhas de crédito estatais. queda nas exportações: gasolina (-36,4%), óleo de soja refinado (-36,3%), plataforma de petróleo (-32,6%), polímeros de etileno (-31,9%) e motores e partes para veículos (-23,6%). A lista, com mais de 60 itens, tem apenas sete exceções. Para combater outro inimigo do aumento das exportações, a onda protecionista impulsionada pela crise, o governo brasileiro anunciou em meados de fevereiro um mecanismo para ajudar a financiar as exportações de países vizinhos que queiram exportar ao País, a partir da troca de moedas, nos moldes do oferecido pelo Fed ao Brasil. Apesar de tudo, há setores e empresas que mostram que é possível crescer em meio à crise. De acordo com Luiz Carlos de Oliveira, até janeiro

exportou US$ 5,3 bilhões, 20% mais que em 2007. Negativamente na balança pesa o fato de que a Rússia, maior mercado para a carne brasileira em 2008, é um dos que mais sofre com a crise, e tende a reduzir significativamente as encomendas. No setor calçadista, a alta volatilidade do dólar atrapalhou as negociações de venda das coleções de verão para o hemisfério Norte e a situação, em função disso, é considerada complicada. “Imaginamos que a queda nos meses de janeiro, fevereiro e março, será de 20%”, diz Heitor Klein, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). Porém, ele acredita que, se a moeda americana se mantiver entre R$ 2,20 e R$ 2,50 e não houver repasse de

relações com investidores da companhia, que vende para mais de cem países. Nesta outra ponta da balança, a dos que estão ganhando, porém, a lista da AEB é bem mais econômica. Aponta como candidatos a crescimento no ano apenas o açúcar bruto (7,4%), o etanol (15,1%), o açúcar refinado (20,6%), calçados (13,8%), móveis e suas partes (16,4%), medicamentos (3,7%,) e café solúvel (6,2%). Uma lista que, se confirmada, será muito magra para que o Brasil alcance sua meta de superar o recorde de US$ 198 bilhões de 2008. ■

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FINANÇAS SECURITIZAÇÃO

FÉ NOS FIDEICOMISSOS Os fideicomissos financeiros e os cheques pré-datados cresceram em 2008 como algumas das principais fontes de financiamento na Argentina. Mas 2009 está cheio de desafios Eduardo Thomson, Santiago

agropecuários Asociados Don Mario, quando em 2008 o mercado de capitais argentino recebeu um duplo golpe: a estatização das administradoras de fundos de pensão, (AFJP), e os embates da crise financeira internacional. “Simplesmente não havia mercado para nossa emissão de um fideicomisso financeiro (o nome que se dá na Argentina

às securitizações de ativos, como, por exemplo, contas a cobrar)”, diz Sainz, diretor da área de garantias recíprocas da empresa. “Tudo teve que ser adiado um mês.” Por fim, a Asociados Don Mario conseguiu completar a venda de seu fideicomisso financeiro por 17 milhões de pesos (cerca de US$ 5 milhões) a uma taxa variável entre 24% e 34%, alta para uma emissão que vence em apenas seis meses. Embora no mercado argentino a atividade de emissão de ações e bônus corporativos (ou

obrigações negociáveis, como é conhecido no país) tenha sofrido uma forte contração em 2008, isso não significa que ele tem estado totalmente inativo. Outros instrumentos, como os fideicomissos financeiros e os cheques pré-datados, mantiveram-se ativos e até cresceram em volume, principalmente nos primeiros nove meses do ano, antes do duro golpe no mercado. Em 2008, segundo dados do Instituto Argentina de Mercado de Capitais, o volume de emissão de fideicomissos para empresas grandes cresceu 26% frente a 2007, a US$ 3 bilhões, enquanto entre as pequenas e médias empresas (PMEs) caiu 7%, a US$ 153 milhões. Em contrapartida, o volume de emissão de cheques pré-datados – instrumento usado

RODRIGO DÍAZ CARRIZO

Estávamos prontos para sair com uma emissão de instrumentos, quando, de um momento para o outro, o mercado paralisou completamente”. É assim que lembra Matias Sainz, executivo da empresa argentina de insumos

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apenas pelas PMEs – cresceu 3%, para US$ 195 milhões. Para a Bolsa de Comércio de Buenos Aires, a alta deste último recurso foi maior, de 4,9%. Os fortes resultados do consumo interno permitiram a vendedores de produtos de consumo securitizar (neologismo para armar pacotes com os créditos concedidos e qualquer outra conta a cobrar). Mas agora o panorama é mais incerto e o mercado está à espera de novos reflexos da crise internacional, das eleições legislativas de outubro e para ver se o governo voltará a atuar como o principal investidor institucional para estes instrumentos. O problema é que o papel das AFJPs era vital. De acordo com alguns cálculos, elas respondem por entre 30% e 40% das emissões de novos instrumentos no mercado argentino, e sua demanda permitiria, de certa forma, manter as taxas de juros às emissões de fideicomissos de relativamente baixo controle. De fato, quando saíram do mercado, as taxas de juros para os fideicomissos de curto prazo dispararam a aproximadamente 35% ao ano. Não havia nem a opção de colocar um fideicomisso de prazo maior do que um ano; simplesmente não havia, nem há, demanda. E ainda se está por ver se a Administração Nacional de Previdência Social (Anses), entidade que assumiu o controle dos ativos antes administrados pelos fundos de pensões privados, preencherá o vazio deixado por eles. Em declarações à imprensa, porta-vozes da instituição afirmaram que continuarão participando no mercado de capitais argentino, investindo em fideicomissos, mas – segundo uma fonte da bolsa consultada pela AméricaEconomia, e que pediu anonimato – até agora as compras

são esporádicas. A Anses não respondeu às solicitações para falar sobre o assunto.

CONSUMO INTERNO Em tal ambiente de mudanças e incertezas, alguns acusam que o órgão estatal tem demonstrado interesse em investir em fideicomissos que securitizam ativos relacionados ao consumo e tem ignorado os fideicomissos de produtos vinculados ao agronegócio. “Supomos que isso seja para impulsionar o consumo interno”, comenta Sainz, da Don Mario. “E não nos esqueçamos que começou no início do ano um conflito bastante forte, com o qual as relações entre governo e o campo ficaram severamente danificadas. Há uma clara decisão de priorizar os fideicomissos de consumo e de não olhar ao agronegócio. Isto se reflete em uma taxa de juros um pouco mais cara do que de outros fideicomissos”. Outros atores também estão ativamente buscando o apoio da Anses para a compra de seus fideicomissos. É o caso, por exemplo, da Federação Argentina de Cooperativas de Créditos. O gerente, Ricardo Ferrando, explica ter estabelecido uma comissão que buscará convencer o organismo a investir em seus instrumentos. Por enquanto as taxas de juros para as emissões de fideicomissos financeiros baixaram de 22% a 25% ao ano, com prazos muito curtos de seis a nove meses. Segundo Jaqueline Maubre, gerente da área de fundos comuns de investimento da Cohen Sociedad de Bolsa, o nível continua sendo alto. “As taxas estiveram muito altas, e ainda permanecem assim”, diz. “Nós estamos trabalhando em um fideicomisso agropecuário de prêmio de 10%, mas em dólares, o que reduz o risco de moeda. Outras emissões a seis

meses – em pesos – estão com taxas de corte de 22,8% anuais, ou de 19,4% para quase cinco meses. E neste cenário é difícil pensar em emissões que possam superar os 50 milhões de pesos (US$ 14 milhões).” Os prazos curtos e o baixo volume se explicam em grande parte pela incerteza imperante no mercado, tanto local quanto internacionalmente. “Com as eleições legislativas em outubro deste ano, é difícil prever qualquer horizonte de investimento depois desta data”, diz Leonardo Chialva, sócio da empresa de investimentos Delphos Investment. Explica que no mercado havia o consenso de que o governo não tocará o tipo de câmbio antes das eleições, e que isso poderia trazer consequências políticas, mas de que todo modo o peso estaria artificialmente desvalorizado.

line, da Cohen. “A maioria dos cheques, que são usados principalmente para capital de trabalho, está garantida por sociedades de garantia recíproca (SGR), que são entidades que fazem análise de risco das empresas e pedem os avais necessários para garantir o cheque que colocam como cota na bolsa. Se o emissor não paga, quem assume o pagamento é a SGR.” Sobre o que poderá acontecer em 2009 com estes mercados, existe consenso de que uma desaceleração da demanda interna, como muitos preveem no país, levará inevitavelmente a uma queda no total de emissões de fideicomissos que securitizam créditos de consumo. “Também podemos ver a aparição de mais produtos em dólares”, antecipa Jaqueline. Chialva, da Delphos, por seu

Há consenso de que a desaceleração levará a uma queda no total de emissões “Depois das eleições, veremos qual é a política cambial e qual é a reorganização que ocorreria em um hipotético salto do peso”, analisa. E a tendência de curto prazo faz com que o mercado de cheques pré-datados seja particularmente atrativo, na Argentina, como opção de financiamento para as PMEs. Um ponto positivo é que as AFJP não foram atores diretos no mercado este ano, e sua saída não afetou tanto a emissão destes instrumentos. “É um mercado relativamente novo, que cresceu muito nos últimos anos e que é visto como de baixíssimo risco pelos investidores”, explica Jaque-

lado, comenta que surgirão fideicomissos para financiar projetos de infraestrutura. “Várias províncias estavam negociando o levantamento de fideicomissos com as AFJPs, mas que obviamente caíram. Agora, estariam tratando de avançar os processos com a Anses”, diz Chialva. Poderíamos chegar a ver securitização de hipotecas subprime na Argentina? Chialva é categórico em sua negativa: “Para isso é preciso um mercado de capitais desenvolvido que securitize primeiro as hipotecas de qualidade. Aqui o mercado de hipotecas está quase morto, porque não há nada para securitizar nesta área.” ■

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FINANÇAS GOVERNANÇA CORPORATIVA

AP

Steve Jobs: informar ou não informar?

SE DOER, AVISE

Quando se trata de saúde, a vida de alguns executivos é menos privada que a de outros Eduardo Thomson, Santiago

A

América Latina não tem um Steve Jobs. Não porque falte gente criativa na região, mas porque praticamente não existem empresas latinoamericanas cuja identidade esteja vinculada a uma só pessoa, como é o caso de Jobs e Apple. O motivo é que, em geral, as grandes empresas na América Latina, inclusive as que cotizam na bolsa, estão relacionadas mais a uma família que a uma só pessoa. E ainda que esta família não tenha todas as ações da empresa, tem o controle do negócio através de um pacote de ações preferenciais ou outro arranjo. As novas gerações vão pouco a pouco assumindo tarefas mais importantes, e quando o fundador ou patriarca sofre algum problema de saúde que lhe impede de continuar à frente da empresa, já existe um processo de sucessão em

andamento que garante a continuidade do negócio. Mas isso não significa que o caso de Steve Jobs e sua ruidosa saída temporária da empresa que ajudou a fundar devido a problemas de saúde não esteja sendo acompanhada de perto por especialistas em governança corporativa na América Latina. Na região também se discute se Jobs deveria ter divulgado ou não seus problemas de saúde a seus acionistas, se houve ou não manipulação de mercado. “Uma pessoa como Steve Jobs não tem vida privada”, diz Heloísa Bedricks, diretora do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. “Falar de Jobs e de Apple é falar da mesma coisa.” “Esse é um tema completamente questionável”, diz Jorge Medina, country manager da consultoria Ernst & Young no

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Peru e especialista em temas de governança corporativa. “Em nenhuma parte da América Latina a lei lhe exige divulgar informação sobre o estado de saúde de grandes executivos. Exige divulgar temas que possam influir no valor das ações. Mas por outro lado há o direito à privacidade das pessoas, defendida até nas constituições.” “Acho que se a pessoa é chave, deve-se divulgar seu afastamento, mas sem entrar em detalhes mórbidos ou invasivos”, comenta Medina, que explica que conversou sobre o assunto com outros especialistas em governança corporativa da região e que aparentemente não existe consenso sobre se devem divulgar esse tipo de informação. “Se se estiver em Nova York ou Londres, o mais provável é que todo o mercado vai lhe responder

que sim, e eu estaria de acordo com isso. Mas aqui não é o caso, porque a maioria das empresas é de propriedade de empresas ou grupos familiares que não estão abertas, e a urgência de informação não é a mesma.” Um fator que pesa na discussão é o segredo com que Jobs administrou problemas de saúde no passado. Em 2003 lhe diagnosticaram um câncer no pâncreas e em 2004 foi operado para remover o tumor. Mas essa informação não foi revelada até 2005. Bedricks, do IBGC, explica que, mais que a divulgação, o problema foi não ter um claro plano de sucessão, que o conselho da Apple deveria ter anunciado quando souberam dos primeiros problemas de saúde de Jobs em 2005. “E não basta dizer que o sucessor da pessoa-chave é tal ou qual”, afirma Jesús González, sócio a cargo da área de governança corporativa da KPMG no México. “Deve ser mais um processo, no qual o possível sucessor, com o tempo, seja identificado e admirado pelos diferentes departamentos da empresa e pelo mercado. Quando é somente um envelope com um nome, o mercado pode castigar a empresa.” Ou senão pode acontecer como o caso da empresa brasileira Ferbasa, envolvida em uma luta interna pelo poder desde que seu fundador, José Carvalho, teve que deixar a liderança depois de ser diagnosticado com Alzheimer. Seus herdeiros, reunidos na Fundação José Carvalho, têm se envolvido com a alta administração e outros acionistas da empresa, o que tem levado a abertos atos de insubordinação entre vários níveis executivos e discussões ventiladas na mídia. Ou seja, um péssimo caso de governança corporativa. ■


CAPITAL ABERTO http://blogs.americaeconomia.com/thomson/

CADÊ ELES?

CHEGA DE EURO

Os grandes bancos já não são o que foram no passado. Os da América Latina, tampouco O JP MORGAN publicou há algumas semanas um gráfico que gerou muito interesse em meios de comunicação e blogs em todo o mundo. Mostrava a incrível redução na capitalização do mercado dos principais bancos do mundo. O gráfico, que ilustrava a queda com esferas, era realmente horripilante. A queda mais fenomenal era a do Citigroup, que após ter um valor de mercado de US$ 255 bilhões no segundo trimestre de 2007, agora vale apenas US$ 19 bilhões, uma queda de 93%. Outro banco que sofreu forte queda foi o Barclays, que agora vale apenas 8% do que valia em meados de 2007. Os bancos latinoamericanos

também sofreram uma perda considerável nos últimos tempos em valor de mercado. Como demonstra o gráfico mencionado, alguns gigantes da região, como o Banco do Brasil, Bradesco e Itaú perderam, em alguns casos, mais de 50% em valor no último ano – embora estranhamente o Santander Brasil tenha elevado sua capitalização. O gráfico também serve para colocar em perspectiva o tamanho dos principais bancos da região: fora do Brasil o tamanho dos bancos é praticamente minúsculo. Mas um ponto sobre o qual vale a pena chamar a atenção é que o mercado estaria, de certa forma, reconhecendo a força de algumas instituições

da região. Dos cinco bancos internacionais que possuem ADRs nos Estados Unidos e que mais subiram de valor neste breve 2009, quatro são da América Latina: Banco Macro, da Argentina, subiu 14% até 3 de fevereiro, seguido pelos chilenos Corpbanca (5%), Banco de Chile (4,9%) e Santander Chile (1%). De fato, o Banco de Chile informou uma alta de pouco mais de 3% em suas utilidades de 2008, apesar de uma queda na receita, de US$ 439 milhões. Não são números ruins, se for considerado que em janeiro o S&P 500 caiu 9% e o setor financeiro no índice perdeu 27%. -Eduardo Thomson

3 FEV 2008 3 FEV2009

QUERIDA, ENCOLHI OS NEGÓCIOS Capitalização bursátil de bancos latinoamericanos, em US$ milhões FONTE: ECONOMATICA

27.339

25.287

13.880

15.717

14.155

24.945 42.246

50.215

52.500

19.103 BRADESCO

6.695

BANCO DO BRASIL

ITAÚ

4.748

4.092

3.647

UNIBANCO

2.878

SANTANDER BR

2.275

1.940

9.116

6.421

6.317

4.618

8.554

3.671

3.123

SANTANDER CHILE

BANCO DE CHILE

BANCOLOMBIA

BANCO DE CRÉDITO DEL PERÚ

GF BANORTE

BANCO BOGOTÁ

BCI

Quando o euro nasceu, muitos acreditavam que não duraria. E há quem ainda aposte que o futuro do euro não é dos melhores. Um deles é Niels Jensen, da empresa de administração de ativos Absolute Return Partners, de Londres, que recentemente publicou um estudo no qual explica que alguns países poderiam eventualmente optar por sair do pacto de moeda única.

MAIS POR MENOS Custo por Unidade de Trabalho (2000 = 100) 2006

2007

Alemanha

97,2

95,1

2008 93,2

Portugal

107,7

105,6

104,6

Itália

129,7

134,6

141,2

Grécia

112,1

116,8

121,8

Espanha

119,6

122,2

127,5

FONTE: OCDE

O estudo se refere, principalmente, à falta de disciplina entre os membros da união monetária. Jensen explica que a cifra que melhor demonstra isto é o custo por unidade de trabalho, que mede os custos trabalhistas ajustados por mudanças na produtividade. Desde a aparição do euro, a Alemanha tem demonstrado muito mais competitividade e menos custos por unidade de trabalho do que países intitulados – pejorativamente – como PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha). Países de fora da união monetária que tem menor competitividade que a Alemanha, como o Reino Unido, podem recorrer à depreciação da própria moeda para melhorar a competitividade, mas os PIGS não tem tal opção (a Itália abusou da depreciação da lira para continuar no páreo no passado). (Para informações adicionais sobre o estudo, visite www.arpllp.com)

21 DE FEVERERO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 55


(Resgate bancรกrio)

Algo estรก mudando...

www.americaeconomia.com.br

Conecta. Informa. Antecipa.


FINANÇAS OPINIÃO

John C. Edmunds

Injeções de liquidez NO PASSADO, A CÓLERA era uma doença espantosa. Agora, é tratável. Suas vítimas antes perdiam fluidos e morriam de desidratação. Agora, sobrevivem graças a um tratamento no qual são injetados fluidos de forma intravenosa, até que o paciente se recupere. O tratamento para a crise de liquidez no sistema financeiro é o mesmo. As instituições financeiras, que antes gozavam de saúde ou só estavam levemente doentes, perderam liquidez e ficaram mal. O colapso desencadeou uma epidemia de insolvência que contaminou o resto da economia, e por fim todos sofreram. Os bancos centrais são os encarregados de administrar o remédio. Eles fornecem a proteção contra o colapso e o contágio e resgatam as instituições financeiras ao dar assistência em casos emergenciais. A atual crise financeira deixou muito claro o papel vital desempenhado pelos bancos centrais, mas a turbulência tem sido tão intensa que até mesmo as autoridades monetárias estão sendo colocadas à prova. A perda de liquidez foi tamanha que os bancos centrais não conseguiram reabastecer as enormes quantias de dinheiro que injetam fluidos ao sistema. Os governos se deram conta disso e entraram na luta, mas mesmo assim os totais injetados são muito menores do que as saídas. As cifras mundiais servem para ilustrar a magnitude do tema e identificar o que será necessário para reverter a tendência da baixa e voltar ao crescimento. O valor total dos mercados de bônus, ações comuns e ativos bancários era de US$ 229 trilhões em 2007, o que equivale a 4,2 vezes o valor em dólares da produção mundial de bens e serviços. Esse múltiplo era aparentemente alto demais. É possível desenhar um sistema de intermediários financeiros que possam apoiar um múltiplo muito maior, mas o sistema existente tinha muitos defeitos. Havia problemas de supervisão e governança corporativa, risco moral e incentivos perversos. A regulamentação era muito fácil de contornar, e os prêmios para os evasores eram muito maiores do que os riscos. Quando os preços dos bônus respaldados por hipotecas começaram a cair, os especialistas passaram a se perguntar quanta liquidez os bancos centrais poderiam injetar para cobrir as perdas. Um indicador comum, o montante de reservas em moeda estrangeira nos cofres dos bancos centrais de

todo o mundo, estava em US$ 6,5 trilhões. O montante, que antes da crise poderia ser visto como mais do que necessário, agora parece insignificante. Mas os bancos centrais têm a autoridade para potencialmente injetar montantes ilimitados em seus respectivos sistemas financeiros, e, em teoria, seus recursos são muito maiores. Isso era reconfortante. Contudo, mesmo incluindo o estímulo fiscal dos governos, a resposta tem sido muito pequena e lenta para prevenir danos, evidenciando as notícias diárias de demissões, fechamento de fábricas, falências e queda no volume de comércio internacional. A resposta tem sido ampla e reticente porque muitos não estão seguros se preferem intervir agressivamente ou deixar que os pecadores paguem pelos pecados. Alguns especialistas dizem que a desalavancagem é algo natural, inevitável e saudável a partir do ponto de vista darwiniano. O sistema financeiro, alegam, tornou-se muito grande, a cobiça começou a controlar tudo e os preços dos ativos subiram demais. A visão contrária é que os defeitos do sistema financeiro e as torpes decisões de alguns administradores de hedge funds ocasionaram danos profundos. Assumindo que a vontade popular seja reativar a economia, quanto é necessário investir? A cifra total poderia chegar a US$ 100 trilhões. Isso elevaria o valor total dos ativos financeiros e tangíveis ao nível de 2007. Esse montante seria aportado por todos os governos e bancos centrais no mundo e proveriam liquidez suficiente em dinheiro e garantias de crédito na compra de todos os ativos financeiros de risco no mundo. Também seriam suficientes para reativar os preços do mercado de casas, empresas e minas, e também ao nível de 2007. A intervenção viria em forma de estímulos fiscais, programa de compras de ativos arriscados e um programa de recapitalização de bancos mais global e compreensivo. Isso restauraria as linhas de crédito para empresas e consumidores, e azeitaria as rodas do comércio internacional. E a isto ainda se somariam programas de obras públicas. Ver as coisas desta forma mostra quão inadequadas foram as intervenções anunciadas até o momento. Os pacotes de resgate nos Estados Unidos somam US$ 9 trilhões. Se somados a outros países, o total vai a US$ 25 trilhões. O montante terá que subir, ou a recuperação tomará muito mais tempo do que o necessário. Os latinoamericanos, em especial aqueles que vivem em países com políticas financeiras prudentes, poderão observar como se desenvolve o tema e escolher o momento oportuno para atuar. ■

Muitos não estão seguros se preferem intervir agressivamente ou deixar que os pecadores paguem

Doutor em Administração de Empresas pela Universidade de Harvard, professor de Finanças do Babson College de Boston e coautor de Wealth by Association.

21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 57


I-BIZ

Energia cítrica Com a busca por novos combustíveis, a atenção agora se volta às propriedades da laranja

A

laranja sempre foi uma nutritiva fonte de energia para o homem. Seu néctar foi convertido em uma importante parte do café da manhã em muitos países, complementando as recomendadas doses diárias de carboidratos e vitamina C. Mas você sabia que a fruta também poderia servir de combustível para seu automóvel? Bem, não se apresse em jogar suco de

laranja no tanque do veículo, mas é possível que dentro de poucos anos os resíduos da fruta sejam aproveitados na elaboração de etanol. Na realidade, a tecnologia já está disponível para que isso aconteça. Wilbur Widmer, responsável pela elaboração do processo para o Serviço de Pesquisa Agrícola do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, disse que

58 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

diversos avanços conseguidos na última década permitiram que sua equipe não apenas retirasse etanol dos resíduos que sobram da elaboração do suco de laranja, como também fazer isto a baixo custo, abrindo as portas a uma indústria que eventualmente poderia produzir entre 50 milhões e 80 milhões de galões por ano somente na Flórida, e mais o dobro se for adotado no Brasil e América Central. “Temos avançado muito nos últimos anos”, disse Widmer em um de seus laboratórios localizados em Winter Heaven, centro da Flórida, de onde provem grande parte da produção da fruta cítrica

do estado. “O que estamos tentando demonstrar é que o processo pode ser feito em grande escala e produzir volumes que o tornem economicamente viável.” A ideia é utilizar a massa úmida que sobra depois de a laranja ter sido espremida e, assim, obter um purê com conteúdo entre 4% e 5% de etanol com o grau de pureza necessário para ser usado como biocombustível uma vez que seja extraído. A possibilidade de fazer isso surgiu no começo da década passada, quando o laboratório em que Widmer trabalhava viabilizou um processo, através do uso de enzimas, para transformar

FERNANDO CARRASCO CRUCHAGA / EDITADA POR AMÉRICAECONOMIA

Antonio María Delgado, Miami


os complexos carboidratos da laranja em açúcares, que por sua vez são usados para produzir álcool através da fermentação. PROBLEMA ERA O PREÇO O processo foi bem-sucedido desde o começo, mas demonstrou ser muito custoso. “No início, teríamos que usar entre US$ 12 e US$ 13 de enzimas para fabricar um galão de etanol. Isso não era economicamente viável”, complementa Widmer. Nesse momento não havia maneira de melhorar os resultados, mas aperfeiçoamentos no processo cortaram o custo das enzimas a menos de um décimo de seu valor original, levando o custo a algo em torno de US$ 1 dólar por galão. Esse preço continua alto, diz ele, mas já está dentro de um nível que garantiaria rentabilidade à operação. A vantagem de produzir etanol com base em resíduos da laranja é que basicamente sobra matéria-prima.

Na Flórida, por exemplo, a indústria cítrica – na qual as empresas brasileiras contam com importante participação – produz cerca de 1,2 milhão de toneladas de despejos ao ano, que estão sendo utilizados principalmente para preparar alimento para gado através de um processo que desperdiça o potencial de a laranja gerar biocombustível. Cada uma dessas toneladas é capaz de produzir cerca de 12 galões de etanol. À primeira vista dá a impressão de ser um baixo volume de rendimento por tonelada, mas não é tanto se levado em conta que 80% dessa tonelada consiste em água evaporada no processo. Os preços do etanol caíram dramaticamente nos últimos meses, restando apenas a percepção de que era preciso trabalhar em busca de alternativas ao hidrocarboneto. Contudo, os promotores da laranja como fonte energética acreditam que a construção de usinas capazes de transformar o processo em grande escala ainda seria rentável, porque além do etanol as instalações estariam fabricando outros produtos valiosos.

Entre eles, o solvente Dlimomeno – o azeite cítrico que de qualquer forma deve ser retirado dos descartes da laranja antes que se converta em enzimas – além do alimento para gado, que é a sobra ao fim do processo. A venda destes produtos adi-

momento devido à paralisação dos mercados de crédito, que tornaram quase impossível conseguir empréstimos a taxas razoáveis para iniciativas de grande porte. Na Europa ou na América Latina, a empresa teria que conseguir um sócio disposto

Com US$ 30 milhões pode-se construir uma planta com capacidade de 5 milhões de galões por ano. cionais elevaria o valor por cada galão produzido a US$ 3,4, frente ao atual preço de mercado de US$ 1,4. “A viabilidade do projeto é mais difícil agora que os preços do barril de petróleo estão a US$ 40 do que quando estavam a US$ 140”, afirma David Stewart, presidente da empresa Citrus Energy, que tem acesso às patentes de tecnologia desenvolvidas pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. “Mas isso não quer dizer que não seja viável. Atualmente estamos trabalhando com diferentes empresas cítricas na Flórida para construir uma usina e buscamos sócios para começar a trabalhar na Espanha, Brasil ou América Central”. Nos Estados Unidos, Stewart espera contar com ajuda governamental para obter garantias que possam ser usadas na obtenção de financiamento. Isso é crucial neste

a financiar o projeto. Apesar de a crise ter limitado o acesso ao financiamento, Stewart é otimista, devido em grande parte aos custos relativamente baixos do investimento: com cerca de US$ 30 milhões se pode construir uma planta produtora de 5 milhões de galões de etanol por ano. E sua atenção está voltada ao Brasil, o maior produtor de laranjas do mundo, embora também olhe para México e Costa Rica, países que contam com uma produção significativa. No fim das contas, Stewart diz não ter dúvidas de que o etanol do suco de laranja possa competir com o da cana-deaçúcar. “Sim, porque os resíduos da laranja podem ser obtidos a preços extremamente baixos. Não conheço bem as características da produção do etanol com base em cana, mas se for como o de milho, no qual se paga US$ 1 pela matéria-prima para vendê-la a US$ 1,5, nossa tecnologia seria muito mais atraente, porque não pagaria quase nada para vender produtos acima dos US$ 3.” ■

21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 59


CLICS & CHIPS [gadget]

PC de bolso Com visualizador tátil inclinável, teclado Qwerty e tela principal personalizada, o Nokia N97 é um verdadeiro computador móvel. Possui Wi-Fi, GPS, bússola eletrônica, câmara de 5 mp e Bluetooth. É GSM quadribanda e 3G tribanda. Utiliza sistema operacional Symbian OS S60. Será lançado no primeiro semestre de 2009, por US$ 770. www.nokia.com

[gadget]

Samsung Reserva Pensando nos amantes das boas cepas, a Samsung criou “Vino”, uma adega que mistura tecnologia e design. Tem capacidade para 52 garrafas e possui um sistema multicontrole de temperatura para manter os vinhos tintos e brancos em ótimas condições de forma simultânea. www.samsung.com

[software]

Onde estão seus amigos? O Google lançou um programa que permite aos usuários de celular compartilhar seu paradeiro automaticamente com seus contatos. A localização pode ser rastreada nos mapas do buscador. O software funciona no Blackberry e em aparelhos como Symbian S60 ou Windows Mobile. Na região, por enquanto só funciona no Brasil e no Chile. É gratuito. http://www.google.es/latitude

[gadget]

Teste de volante O Lemur Autovision é muito mais que um dispositivo para levar as chaves do carro. Sua função é gravar e mostrar os hábitos do motorista. Sua tela LCD indica velocidade, distância percorrida e adverte o uso excessivo dos freios. Seu objetivo é ajudar a corrigir os maus hábitos ao volante. Os dados são transmitidos por um sensor que se conecta ao veículo. Custa US$ 80. http://www.rootfour.com

60 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009


INTERFACES A LOUCA VIDA COTIDIANA COM AS MÁQUINAS INTELIGENTES.

TITANOBOAS TOMAM TEQUILA prendamos esta nova palavra: Titanoboa. Hollywood, Bollywood ou Facefollywood nos farão lembrar dela durante muito tempo, através de todas as formas, narrações e merchandising. Há 65 milhões de anos eram as rainhas de todo o planeta Terra. Sim, serpentes de 14 metros de comprimento e quase 1,3 tonelada de peso que comiam praticamente tudo que viam pela frente. Os fósseis de 28 delas foram descobertos na mina de carvão de Cerrajón, na Colômbia, e começam a mudar a história do pouco que se sabe sobre o que aconteceu depois da súbita extinção dos dinossauros. Segundo Jonathan Bloch, da Universidade da Flórida, as titanoboas reinaram por 10 milhões de anos. Depois começou a surgir concorrência: os mamíferos. Aí, além de diminuir de tamanho, passaram a ser modestas atrizes coadjuvantes. Na natureza, é comum que quem encontre a solução mais eficiente, em uma situação sempre mutante, ganhe o jogo. O auge e o ocaso das fascinantes titanoboas podem ser usados como analogia ao problema de escassez de energia do século 21: com os dinossauros petrolíferos cambaleando, diferentes “animais energéticos alternativos”, tentam ganhar terreno e herdar o domínio. Não sabemos qual se imporá, mas, diferentemente do mundo natural, as decisões que hoje empresas, governos e cidadãos tomarem podem ser vitais para favorecer uma ou outra opção. Nas últimas semanas, dois projetos foram anunciados no campo dos biocombustíveis. O mais surpreendente é o da Verenium, companhia de Massachusetts, nos EUA, que construirá uma planta de etanol de celulose na Flórida. A novidade é que a Verenium garante dispor do Santo Graal buscado pelas empresas do setor: uma enzima que pode quebrar a celulose. Graças ao trabalho de uma equipe da Universidade da Flórida liderada por Lonnie O. Ingram, diretor do Florida Center for Renewable Chemicals and Fuels (FCRC), a empresa desenvolveu um sistema que, mediante o uso de vapor e das enzimas

mencionadas, torna viável o uso de açúcares contidos na celulose. Vale destacar que Ingram deve algo ao trabalho de uma velha indústria mexicana: a da tequila. Segundo a mídia norteamericana, as enzimas foram obtidas graças a um trabalho que usou como base dois genes de uma variedade da bactéria Escherichia Coli, “utilizada para produzir tequila”. A Verenium investirá US$ 250 milhões na planta piloto instalada em Luisiana e em campos nos quais cultivará sorgo doce e uma variedade de cana até agora não especificada. Quem também conseguiu desenvolver suas próprias leveduras para usar a celulose são os pesquisadores do Instituto Fraunhofer de Tecnologias Cerâmicas e Sistemas IKTS (www.ikts.fraunhofer.de), na cidade alemã de Dresden. Anunciaram seu sucesso ao desenvolver a primeira fábrica de biocombustível que opera à base de resíduos agrícolas. Primeiramente, o grupo alemão conseguiu reduzir o tempo de fermentação prévio de 80 para 30 dias. Depois estabeleceu um sistema de conversão do combustível em eletricidade. Este último, sob condições de excelência térmica e elétrica combinadas, chegou a registrar uma eficiência de 85% na conversão (normalmente, essa é de 38%). Deixar de usar alimentos para aproveitar a celulose como fonte de biocombustível é um avanço espetacular. A grande dúvida é: será suficiente? Alguns pesquisadores sérios mostram que o processo de fabricação de biocombustíveis sobre a base de milho, por exemplo, é regressivo em termos de dióxido de carbono: emite-se mais gás do efeito estufa para produzir o combustível que a “limpeza” economizada posteriormente. Os próximos cinco anos serão vitais para saber se, mediante o aperfeiçoamento da tecnologia, os biocombustíveis da celulose são uma solução permanente ou titanoboas de um dia, prestes a ser substituídas pela energia solar ou pela energia atômica de fusão. ■

SOLEDAD TIRAPEGUI

A

SOLEDAD TIRAPEGUI

ADOLFO WATERHOUSE

21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 61


A

M I A M I

D A D E

C O L L E G E

C U L T U R A L

E X P E R I E N C E

immerse yourself...

m a r c h

6

-

1 5,

2 0 0 9

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NEGÓCIO FECHADO BANCO DO BRASIL: CINCO AQUISIÇÕES EM DOIS ANOS

a um acordo para comprar a empresa mexicana de seguros Genworth Seguros da estadunidense Genworth Financial. A transação inclui as linhas de seguros de automóveis, propriedades, riscos e vida. A Genworth continuará oferecendo produtos de seguros de proteção de estilo de vida e de hipotecas no México. O montante da transação não foi revelado. >> HUAWEI A empresa chinesa de serviços de telecomunicações adjudicou um contrato por US$ 235 milhões da estatal Instituto Costarriquenho de Eletricidade para a instalação de 935 mil linhas de telefonia móvel de última geração.

>> ALESTRA A empresa de telecomunicações mexicana anunciou a compra da totalidade da linha de negócios da GetFon, uma empresa de serviços de telefonia IP em toda a América Latina, por montante não revelado. O vendedor foi a Aliança Inc., a qual fornece serviços de telefonia por WiMax. >> AMERIMED O fundo de private equity Alta Growth Capital adquiriu 40% da AmeriMed American Hospitals, uma rede de hospitais no México que fornece serviços segundo padrões de saúde dos Estados Unidos para pacientes mexicanos. Os termos do acordo não foram divulgados, mas o plano engloba duplicar o número de hospitais da AmeriMed, atualmente com quatro. >> BIMBO O grupo panificador mexicano anunciou ter completado a compra da norteamericana Weston Foods, filial da canadense George Weston, uma operação avaliada em US$ 2,5 bilhões, a maior realizada pela Bimbo. Com esta compra, a operação nos Estados Unidos da Bimbo, a Bimbo Bakeries, torna-se o maior produtor de cozidos no país.

>> BREMBO O grupo italiano de autopeças aumentou sua presença no Brasil através da compra de Sawem Industrial, um produtor de volantes, por cerca de US$ 4 milhões. A compra foi feita pela Brembo do Brasil, que agora controla mais de 50% do mercado local de discos de freio. >> CAMARGO CORRÊA A companhia concordou em pagar ao Grupo Votorantim cerca de US$ 1,12 bilhão por 50% das ações da VCB Energia, controladora da CPFL Energia. Com esta compra, a Camargo Corrêa eleva sua participação na VCB a 100%. >> FIDESSA GROUP A empresa de informações financeiras com sede em Londres aumenta sua presença na América Latina com a compra do banco de investimentos brasileiro Planner Corretora de Valores, por valor não revelado. A Planner conta com 24 escritórios no país e foi fundada em 1994. A Fidessa, por outro lado, possui mais de 1.200 funcionários em oito países e receita anual de US$ 350 milhões. >> GENWORTH SEGUROS O grupo alemão HDI-Gerling chegou

>> ORÍGENES O empresário argentino Marcelo Mindlin comprou a empresa de seguros Orígenes Seguros de Retiro em um acordo avaliado entre US$ 20 milhões e US$ 30 milhões, segundo fontes de mercado. De acordo com veículos de comunicação, Mindlin teria feito a compra através da Dolphin S.A. e da Credilogros Companhia Financeira. >> PETRO TECH PERUANA A estatal colombiana Ecopetrol e a coreana KNOC compraram a totalidade das ações da norteamericana Offshore International Group, controladora da empresa petrolífera Petro Tech Peruana, por um total de US$ 900 milhões. A compra será financiada em partes iguais pela Ecopetrol e KNOC. A Petro Tech opera no norte do Peru e produz cerca de 12.000 barris diários de petróleo bruto. >> RIO TINTO A mineradora informou que venderá

US$ 1,6 bilhão em ativos na América do Sul à Vale como parte de um plano para reduzir sua dívida. A Rio Tinto acumula uma dívida de US$ 39 bilhões e a proposta é reduzir o montante em US$ 10 bilhões. >> RIPLEY A empresa chilena de lojas de departamentos pagou US$ 28 milhões por 23% do Mall Plaza Alameda, um operador de centros comerciais em Santiago. Também anunciou uma associação com o grupo Plaza e a varejista Falabella para o desenvolvimento de novos centros comerciais. >> SANOFI-AVENTIS A empresa farmacêutica concretizou a compra da fabricante de medicamentos genéricos Kendrick. Com a aquisição, passou a controlar 10% do mercado de genéricos do país. O valor da compra não foi revelado. A Kendrick registrou vendas em 2007 de US$ 43 milhões. >> SOUTHERN COPPER A mineradora, subsidiária do Grupo México, fez uma oferta de US$ 34 milhões pelas ações da mineradora canadense Frontera Copper, que possui operações de cobre em Piedras Verdes, Estado de Sonora, México. >> UBISOFT A empresa francesa de videogames anunciou a compra da brasileira Southlogic Studios, um desenvolvedor de jogos, por montante não revelado. A Southlogic foi fundada em 1996 em Porto Alegre

>> BANCO DO BRASIL O BB anunciou ter chegado a um acordo para comprar o Banestes, Banco do Estado do Espírito Santo, uma operação que, segundo analistas, custaria cerca de US$ 880 milhões. A compra, que ainda deve ser aprovada por órgãos reguladores, é a quinta operação do BB nos últimos dois anos, tendo comprado os bancos estaduais de Santa Cataria e Piauí, 50% do Votorantim e a Nossa Caixa.

21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 63


RAIO X [EQUADOR]

DE VOLTA ÀS AULAS Em classe, se um aluno está errado, o maior risco é repetir o ano. Mas a cúpula de Correa, em Quito, pode perder muito mais que isso Karen Correa, Guayaquil

PROVA DE MATEMÁTICA POPULAÇÃO (MILHÕES) PIB (VAR.%)

2003

2004

2005

2006

12,8

13,0

13,2

13,5

3,6

8,0

6,0

3,9

28.636

32.642

37.187

41.402

5.632

6.151

6.667

6.973

7,9

2,7

2,1

3,3

DESEMPREGO (%)

9,5

10,0

9,3

8,0

FLUXOS IED (MILH. US$)

872

837

493

271

PIB (MILH. US$) PIB PER CAP. PPC INFLAÇÃO (%)

IED PER CAPITA (US$) SALDO COMERCIAL (MILH. US$)

68

64

37

20

-344

-120

-187

615

FONTES: FMI, BANCO CENTRAL DO EQUADOR ESTIMATIVAS E PROJEÇÕES: AE INTELLIGENCE E: ESTIMADO / P: PROJETADO

64 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

emitir moeda local como forma de obter estes recursos. Logo após a queda das remessas devido à crise financeira internacional, o preço do petróleo equatoriano, que superou US$ 120 por barril em meados de 2008, foi a menos de US$ 20. Embora tenha subido novamente, ainda não chegou ao ponto de sustentar o orçamento, que estimava US$ 85 por barril. E o aumento das exportações em geral tem como obstáculo a própria restrição de importações, que pode resultar em represálias. “O Estado tornou-se o motor da economia, mas ao perder receita por conta do petróleo não há setor privado que compense. Este reduziu investimentos e há desconfiança com cada sinal do governo”, diz Ramiro Crespo, da Analytica Securities. E, para complicar, a atitude de pagar somente certas partes da dívida soberana e considerar ilegais outras coloca em dúvida o financiamento internacional. “Se a moratória dos bônus for completa, o governo economizará US$ 400 milhões por ano, mas colocará o financiamento internacional em risco”, adverte Walter Spurrier na publicação Análisis Semanal. Crespo, da Analytica, também duvida do apoio 2007 2008e 2008p externo: “o presidente confia no 13,7 13,9 14,1 financiamento de países amigos 1,9 6,6 0,8 como Venezuela, mas vemos que até a Pdvsa está atrasando o 44.184 51.002 53.705 pagamento de fornecedores.” 7.195 7.450 7.896 Se a projeção dos analistas for 2,2 8,8 4,5 real, seria um banho de água fria 7,0 7,8 8,3 nos planos de Correa de estar entre as cinco economias mais impor194 900 N.D. tantes da região, com crescimento 15 65 N.D. de 3,5% em 2009. 600 999 -1.100 Agora, é preciso averiguar se a teoria funciona na prática. ■

SOLEDAD TIRAPEGUI

N

a última vez em que se dirigiu à nação, Rafael Correa, presidente do Equador, não fez um simples discurso. Apelou a seu passado de professor de economia para explicar as novas medidas – com direito a apresentação em PowerPoint – com as quais busca superar o baque econômico recebido pelo país, que tem um déficit no financiamento para 2009 por volta de US$ 1,5 bilhão e que, inclusive, alguns calculam superar os US$ 2 bilhões para meados do ano. Apesar de sua popularidade estar em 80%, qualquer receita errada poderia estragar seus planos de reeleição em 26 de abril. Uma das mais controversas medidas de Correa foi a restrição das importações de bens de luxo. O anúncio provocou pânico. Os preços dos produtos como celulares, eletrodomésticos, perfumes e roupas começaram a subir. Antes, porém, da medida entrar em vigor, o governo fez um acordo com empresários para reduzir as importações em 30%, até alcançar um corte de US$ 1,67 bilhão, e aceitar tarifas adicionais de 30%. O acordo evitou aumentos de taxas superiores a 300% propostos por Correa. E, em contrapartida, apostou-se no aumento da produção local para melhorar as exportações e recuperar a balança comercial. Ainda que os planos do governo funcionem, o certo é que Correa precisa de recursos para manter os agressivos investimentos sociais, e estes não chegarão tão facilmente. Agora, para completar, voltam a surgir rumores de que o governo poderia deixar para trás a economia dolarizada e voltar a


VISÕES UM DIA QUALQUER DE 2058 Sessenta especialistas antecipam como será a vida em cinquenta anos mais. Alguns veem paraísos. Outros, horrores. A quantidade de comida disponível fará diferença.

Arendt dizia que, mais do que por estupidez, a obsessão dos totalitarismos em controlar a vida das pessoas em seus mínimos detalhes acontece por medo. Mas como um pintor cubista podia ameaçar Hitler, ou um agrônomo ecologista a Stalin? Na verdade, seu medo, explicava a filósofa, não era pelo que faziam, mas pelo que representavam: as possibilidades da espontaneidade humana. Esse é o motivo principal pelo qual o futuro das pessoas e das sociedades pode ser entrevisto, como em sonhos, mas não previsto com exatidão. Por outro lado, o esforço requerido para consegui-lo hoje em dia é muito maior do que em outros tempos, desde que o temperamento da cultura ocidental conseguiu permear quase todas as sociedades do planeta: mais que lê-lo, nos mostram, trata-se de criá-lo. O livro 50 años en el futuro é um contínuo vaivém entre a primeira posição (prever) e a segunda (construir) opções. O interessante é que podemos acompanhá-lo nos pensamentos e desejos não de um, mas de 60 autores. Desde Vincent Serf (criador da internet) a Leon Panetta (o recém-nomeado diretor da CIA), passando por James Canton (apelidado de “Dr. Futuro”) e Nancy Ho (uma das criadoras das enzimas que hoje permitem fabricar o etanol), todos nos falam de suas esperanças e seus temores. Talvez o mais otimista seja o inventor Ray Kurzweil. Ele divisa um mundo que em apenas vinte anos mais nos permitirá – usando fábricas nanomoleculares portáteis instaladas nas casas – “enviar uma torradeira por email, ou as torradas”. E o diz a sério. Como aqueles que sofram de Mal de Parkinson irão dispor de um PC do tamanho de um feijão em seu cérebro, que substituirá as funções perdidas. No outro extremo está o Prêmio Nobel de Medicina de Estou terminando de ler The red snake, de Peter Harris. É um romance que caminha constantemente no limite difuso entre o histórico e a tradição transGustavo Galuppo mitida por gerações Sales director LAS (mas que não tem provas documentais), Eaton Argentina e sobre os potenciais laços entre as religiões formais e o poder.

1974 Christian de Duve. “ Em 2058 os humanos terão esgotado a maior parte das reservas de petróleo e carvão que há no planeta e terão acrescentado muitos poluentes no ambiente.” 50 años en el futuro Também acha prováMike Wallace (comp.) vel que algum conflito 2008 nuclear mediano tenha Grupo Nelson Inc. Nashville - EUA explodido, “convertendo US$ 12 países em cinzas”. Se voltarmos a cabeça ao passado das civilizações humanas, veremos antecedentes para que ambas as predições sejam certas. Do que dependerá que ocorra uma ou outra? (ou ambas ao mesmo tempo: fábricas de nanotecnologia que limpam o ambiente e hackers que se apoderam delas e lhes ordenam fabricar armas microscópicas letais). Norman E. Borlaug, o homem a quem devemos não tem passado fome nos últimos 50 anos, oferece sua resposta: quase tudo dependerá de que possamos alimentar os 3,5 bilhões de habitantes extras que existirão em meados deste século antes que a população comece a se reduzir. E, para isso, será preciso duplicar a produção agrícola. Pode-se encher a barriga da humanidade sem destruir o meio ambiente? Este é o desafio. Necessitaremos de toda a espontaneidade criadora disponível para vencê-lo.

Estou lendo 3G Marketing de Sara Melkko, Tomi T. Ahonen e Timo Kasper. Este livro permite visualizar como criar, estender e inovar nos negócios usando a tecnologia 3G. É um Giovanni Punzo dos primeiros que Diretor de vendas comunicam essa oportunidade existente no América Latina Dialogic mercado, enquanto a Corporation. maioría das empresas México ainda não tem sua estratégia de vídeo clara, uma das chaves do 3G.

Rodrigo Lara Serrano

Pablo Schcolnik Gerente de marketing Clarín Argentina

Leio The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable. Em um ensaio muito espirituoso, Nassim Nicholas Taleb coloca em dúvida as ferramentas utilizadas para gerar predições de fatos de magnitude que com impacto em nossas vidas.

O que lêem

Hannah

21 DE FEVEREIRO, 2009 / AMÉRICAECONOMIA 65


LINHA DIRETA

DE FÓRUM A FÓRUM FAM em Davos escreveu:

Oi, como vai a coisa aí em Belém? Verónica no Fórum Social escreveu:

Divertido… 100 mil pessoas comemorando o fim do capitalismo. FAM em Davos escreveu:

Tanto? Tantos? Aqui não há mais de 2,5 mil… Talvez 3 mil se somados os organizadores. E 3,5 mil contando os jornalistas. Verónica no Fórum Social escreveu:

Aqui são muitos. E todos vestidos com camisetas do Che, sandálias e saias indianas. Muito calor. Estamos no meio da Amazônia. FAM em Davos escreveu:

Aqui faz 10 graus abaixo de zero. Todos estão de terno. E sobretudo. E chapéus de pele. E cachecóis. Não vi ninguém com nada do Che. O que fazem por aí? Verónica no Fórum Social escreveu:

Debate-se. Há mais de 2 mil debates entre acadêmicos, intelectuais e ativistas. Além disso, muito discurso presidencial: Chávez, Lugo, Morales, Correa e Lula, o mais aplaudido. FAM em Davos escreveu:

Aqui, da América Latina, estiveram apenas Uribe e Calderón. E Wen Jiabao, Shimon Peres, Bill Clinton, Gordon Brown, entre outros no mesmo nível. No total há 222 debates e apresentações. Sei disso porque está no site em que organizo minha agenda, coordeno reuniões e conheço os participantes. Verónica no Fórum Social escreveu:

Aqui não tem muito disso de web. Mas há coisas divertidas. Tem uma longa fila de participantes que querem ser tatuados por índios amazônicos. Estes cobram 4 euros por cada desenho. Os índios dizem que normalmente não fazem tatuagens, mas que aproveitam a ocasião. FAM em Davos escreveu:

Sei. Aqui o panorama é outro. Por exemplo, a Audi ensina a dirigir sobre a neve em um super A8. Mas não cobra. Verónica no Fórum Social escreveu:

E as estrelas que sempre participam? FAM em Davos escreveu:

Ninguém veio. Nem Peter Gabriel, nem Angelina Jolie, nem Brad Pitt. 66 AMÉRICAECONOMIA / 21 DE FEVEREIRO, 2009

Verónica no Fórum Social escreveu:

Jolie e Pitt vinham pra cá, mas acabaram cancelando. Foi a grande decepção. Todos os jornais tinham suas fotos, todos os esperavam. FAM em Davos escreveu:

Possivelmente não encontraram alojamento Verónica no Fórum Social escreveu:

Ha, ha, ha. É provável. Os hotéis cinco-estrelas estavam 100% ocupados pela elite socialista, enquanto nós, o restante, nos acomodávamos onde podíamos. FAM em Davos escreveu:

E onde você dormiu? Verónica no Fórum Social escreveu:

Ofereceram-me uma rede em um barco por US$ 300 por duas noites. FAM em Davos escreveu:

Em uma rede? Quase o mesmo preço que o hotel me cobrou neste luxuoso centro de esqui suíço. Verónica no Fórum Social escreveu:

Acabei alugando o quarto de um estudante que foi dormir nos acampamentos. FAM em Davos escreveu:

Menos mal. Verónica no Fórum Social escreveu:

E o que dizem por aí? FAM em Davos escreveu:

São pessimistas. Não há respostas definitivas e todos esperam para ver o que Obama fará. E quanto dinheiro colocará. Todos muito críticos com o capitalismo. Além disso, fala-se muito sobre meio ambiente, em como resolver o problema da mudança climática e de sustentabilidade. Além de muitos temas sociais. Falou-se da floresta amazônica, por exemplo. Verónica no Fórum Social escreveu:

Bom, as agendas se parecem cada vez mais. De fato, para registrar-me me pediram o número de meu cartão de crédito. FAM em Davos escreveu:

E se não tivesse? Verónica no Fórum Social escreveu:

Não podia entrar. FAM em Davos escreveu:

Eles se parecem cada vez mais. ■

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