Nº 382 Dezembro/2009
BRASIL
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EMPRESAS DE CIMENTO APOSTAM ALTO PAPEL E CELULOSE: BRASIL NA MIRA DE ESTRANGEIROS
AméricaEconomia
ONDE INVESTIR EM 2010
MERCADO DE DÓLARES NA VENEZUELA
ONDE INVESTIR EM 2010
N o 382 DEZ./2009 R$ 8,90
ESPECIAL: NEGÓCIOS DE CARBONO NA AMÉRICA LATINA
NESTA EDIÇÃO Seções Carta ao leitor Cartas Índice de empresas
CAPA
Pistas Negócio fechado Movimentos I-biz Interfaces
20
Clics & chips Visões Raio X Capital aberto Opinião Linha direta
Negócios
28 31 32 34 36 38 40
Finanças
64 66 70
Pela integração Chile, Peru e Colômbia querem unir suas bolsas Dualidade cambial Venezuela lucra com arbitragem de moedas Governança corporativa Injeção de eficiência nos hospitais
Cimento Ano de investimentos e aquisições México sem ressaca Queda no consumo de tequila Papel e celulose Brasileiras são alvo de compra Grupo Wong O mapa de investimentos no Peru Locadoras de carros Revisão de modelo Arconvert Em busca da competitividade Pesquisa clínica Mercado em crescimento
Debates
54 60
Onde investir em 2010 na América Latina
Foto JAIME VILLASECA/GETTY IMAGES
Portal
Linha do tempo Os fatos que marcaram o ano Reeleição na Bolívia Desafios para Evo Morales
Ilustração de Capa SAMUEL CASAL
6 AméricaEconomia Dezembro, 2009
ESPECIAL Mercado de carbono
44 50
Trilha verde Os negócios além-Kyoto Entrevista Jacques Marcovitch
Foto FABIANO ACCORSI
8 10 11 11 12 13 14 74 76 77 78 79 80 81 82
A melhor equipe consegue o melhor resultado Santander, o melhor banco da América Latina* A revista Global Finance elegeu o Santander como o melhor Banco da América Latina. É uma honra para nossos 170 mil funcionários e um incentivo para continuar trabalhando para nossos 90 milhões de clientes e 3,1 milhões de acionistas.
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CARTA AO LEITOR RETROSPECTIVA DO FUTURO BRASIL www.americaeconomia.com.br PUBLISHER José Roberto Maluf CONTEÚDO Diretora de Redação Tatiana Engelbrecht Editora Executiva Solange Monteiro Diretora de Arte/Projeto Gráfico Janaína Diniz Editor do Site Marcelo Galli Revisão Daltony Nóbrega e Bia Peine Produção Gráfica Eduardo Keppler Infografia Rodrigo Damati COMERCIALIZAÇÃO Gerente de Publicidade Sidney Espósito Executivas de Contas Andrea Vieira - andreavieira@springcom.com.br Cristina Botter - cris@springcom.com.br Kelly Staszewski - kelly@springcom.com.br MARKETING Elisangela Silva, Rafael Borsanelli, Marcia Leonardi ADMINISTRATIVO/FINANCEIRO Diretor Executivo Eduardo Colturato Gerente Financeiro Edison Arduino Pré-impressão First Press Periodicidade Mensal (Dezembro de 2009) CTP, impressão e acabamento IBEP Gráfica Circulação auditada por SPRING EDITORA-PRODUTORA Rua Ferreira de Araújo, 202, 7º andar – CEP: 05428-000 São Paulo/SP – Tel.: 11 3097-7666 Site: www.springcom.com.br E-mail: contato@springcom.com.br AMÉRICAECONOMIA INTERNACIONAL Diretor Elias Selman Carranza Vice-Presidente Executiva Gloria Landabur C. Diretora Internacional de Marketing Mica Selman Diretor Editorial Felipe Aldunate M. Editor Adjunto Rodrigo Lara Editores Adriana Méndez (Cidade do México), Antonio María Delgado (Miami), Eduardo Thomson (Santiago), Fernando Chevarría (Lima), Juan Pablo Rioseco (Santiago), Karen Correa (Guaiaquil) Diretor de Arte Álvaro Araya Urquiza Editor de Fotografia Miguel Candia Diretor de Projetos, MBA.americaeconomia.com.br Marcelo Silva Symmes Diretor de Circulação Marcial Delcorto Gerente de Produção Constanza del Río Moreno AMÉRICAECONOMIA INTELLIGENCE (Estudos e Projetos Especiais) Diretor Jaime Contreras Soria Coordenadora Geral Daniela González Pesquisador Sênior Andrés Almeida Analista Paulina Saavedra AMÉRICAECONOMIA.COM Diretor de Estratégia Digital Rodrigo Guaiquil Editor Lino Solis de Ovando Webmaster José Fuentes ESCRITÓRIOS Buenos Aires +5411 4383-8410 Cidade do México +5255 5254-2400 Costa Rica +506 225 6861 Lima +511 610-7272 Miami +305 648-9071 Panamá +507 271 5327 Santiago +562 290-9400 Uruguai +5982 901 9052 Chairman Robert R. Paradise
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“U
m problema sempre é criado na expansão, mas se revela na retração.” Quando disse essa frase, não faz muito tempo, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não estava preocupado com a crise. Convidado a um evento para fazer uma retrospectiva de 2009, como é comum nessa época do ano, Meirelles quis falar para o Brasil de 2010. Afinal, apesar de ter sido um período em que todos os empresários permaneceram em estado de alerta, e em que nem todos conseguiram equilibrar ou recuperar sua operação no mesmo ritmo – nesta edição, há exemplos que refletem essa dinâmica desigual: da indústria automotiva, com aquecimento nas vendas de carros, à de papel e celulose, cuja queda da demanda e do preço a obrigou a engavetar projetos –, o Brasil reagiu. Cumpriu com folga a profecia dos economistas: foi o último a entrar e o primeiro a sair da crise econômica. E aumentou sua projeção internacional. “O momento que o Brasil vive ajuda a transmitir exemplos concretos que podem inspirar outros países, especialmente os emergentes”, diz Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP, em entrevista na qual avalia a posição do Brasil no debate global sobre as mudanças climáticas. Na América Latina, a liderança do país se reflete no aumento da presença de empresários brasileiros dispostos a investir na região, tal como demonstra nossa reportagem de capa, dinamizando a economia de um continente que cada vez mais se inquieta e discute as formas e os benefícios de pensar integrado. Por isso, naquele momento em que Meirelles se dirigiu à platéia, não quis falar sobre os problemas da crise, mas sobre os que estão implícitos no crescimento. Mesmo com a dispersão inerente a um ano de eleição presidencial, 2010 promete ser memorável para o país no que se refere à retomada do crédito e à atração de investimentos. “É fácil ser complacente em momentos de expansão acelerada”, disse Meirelles, alertando para o real e complexo desafio que o Brasil tem a partir de agora: tirar lições do sucesso para não ter de aprendê-las com o fracasso. E é sobre esse desafio que queremos debater com você, leitor, hoje e em 2010. Boas festas e até janeiro. José Roberto Maluf Publisher
ASSINATURAS Central de Atendimento Tel. 55 11 3038-1493, de 2ª a 6ª feira, das 8 às 20 h E-mail: americaeconomia@acsolucoes.com.br Cartas: Rua Butantã, 500 – 2º andar – CEP 05424-000 – São Paulo/SP Valor da Assinatura Anual: R$ 108,00*, pagos em até 5x no cartão de crédito ou em até 3x no boleto bancário (preço válido para as vendas realizadas pela Central de Atendimento e pelo website da revista). Em caso de descontinuação da publicação, a Spring Editora-Produtora Ltda. garante aos assinantes desta publicação a restituição, em Real, da parte do valor já pago correspondente aos exemplares não entregues, devidamente corrigido monetariamente. Ao fazer sua assinatura, exija a credencial do vendedor e pague sempre com cheque nominal mediante recebimento da primeira via de nosso pedido de assinatura.
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Para Alicia Bárcena, secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), a crise econômica demonstrou que o Estado tem de se fortalecer e retomar seu papel estratégico no planejamento de longo prazo dos países da região. “Isso ficou evidente com o financiamento: os bancos centrais reduziram as taxas de juros, mas os bancos privados não reagiram de imediato porque têm de acumular e economizar. Quem garantiu crédito ao sistema nesse período? Os bancos públicos”, diz a economista mexicana à AméricaEconomia. Alicia também defende maior integração entre as nações latino-americanas para melhorar sua participação na economia internacional.
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LEIA NO PORTAL EDIÇÃO: MARCELO GALLI (MGALLI@AMERICAECONOMIA.COM)
ACCOR INAUGURA HOTEL NA AL A francesa Accor inaugurou em Rosário, na Argentina, seu primeiro hotel Pullman na América Latina. Especializado no público corporativo, o hotel teve investimento de US$ 34 milhões. A Accor afirma que o próximo destino do Pullman na região é Ciudad del Este, no Paraguai, com inauguração prevista para 2012. O grupo tem como meta a instalação de 300 hotéis dessa bandeira em todo o mundo até 2015.
ROBÔS LATINOS A automação industrial na América Latina registrou crescimento significativo nos últimos anos devido ao desenvolvimento econômico do Brasil, da Colômbia e do Chile. Porém, a crise freou este avanço, principalmente nos mercados de mineração e siderurgia e papel e celulose. De acordo com José Otávio Matiazzo, organizador da feira Brasil Automation ISA 2009, os projetos da Petrobras e da Vale no Brasil, a retomada de investimentos em mineração no Chile e a instalação de novas indústrias na Colômbia podem reativar o setor na América do Sul.
A SOLIDÃO DOS CEOs Os executivos precisam reconhecer as diferenças entre estratégia e gestão para que não se sintam sozinhos na hora de tomar decisões, cobrar seus subordinados ou serem cobrados pela alta direção das empresas. Essa é a recomendação de Alexandre Fialho, diretor no Brasil da consultoria de gestão de negócios Hay Group. “Não se trata de termos estratégia ou gestão na agenda dos presidentes, mas sim ambas”, diz. Para isso, questões desse tipo devem ser discutidas separadamente. “São as questões psicológicas, sociológicas e antropológicas de uma organização que unem esses mundos sem que a gente perceba”, explica.
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Foto FERNANDO CARRASCO CRUCHAGA
CEPAL DEFENDE PAPEL DO ESTADO
ÍNDICE DE EMPRESAS
CARTAS
Os números referem-se à primeira vez que as empresas são citadas.
GIGANTE LATINA Em relação à reportagem sobre a fusão da Avianca com a Taca (“Gigante em Formação”, AméricaEconomia n° 381, novembro, 2009), é preciso lembrar que todas as companhias aéreas sul-americanas juntas somam menos vendas que uma estrangeira como American Airlines ou United. Há muito espaço para mais consolidações. FRACISCO
SILVA – SÃO PAULO, BRASIL
MULTILATERAIS EM DÚVIDA Interessante a reportagem sobre o futuro do multilateralismo na América Latina (“Assim Não Dá”, AméricaEconomia n° 379, setembro, 2009). É verdade que os planos de Obama se chocaram com a realidade latino-americana. É preciso estar atento ao que se passa com a OEA. Dá a sensação de que seu secretário-geral, José Miguel Inzulsa, tem se preocupado mais em ganhar votos para uma reeleição (buscando os mesmos apoios que lhe permitiram elegerse pela primeira vez) do que em gerar um esquema realista para a superação da crise em Honduras. Desse jeito, não há multilateralismo que aguente. FERNANDO RODRÍGUEZ
– SAN JOSÉ, COSTA RICA
PRESENTE INSEGURO Vivo em Caracas. Estou de acordo com o que vocês destacam na reportagem “Panamazuela”(AméricaEconomia n° 380, novembro, 2009). A insegurança, a meu ver, é um dos principais problemas que temos. Os policiais são os principais delinquentes. O governo se encarregou de dar armamento aos grupos socialistas ligados ao governo, um erro que hoje nos mostra suas graves consequências. Este país se converteu em um povo sem lei. Migrar para outro país realmente é considerado uma opção, já que a melhora aqui é muito incerta. MOISÉS ALE-
JANDRO – CARACAS, VENEZUELA Cartas para a redação:
cartas@americaeconomia.com
Accor 10 44 Agrosuper 29 All Consulting 21 Alpargatas 55 American Int. Group 32, 46 Aracruz 38 Arconvert Brasil 26 Arpenta 74 ArqBravo Motor Co. 20 Artecola 75 AT Kearney 71 Athon Group 31 Bacardi 47 Baker Mackenzie 57 Banco da Venezuela 26 Banco de Crédito 55 Banco Est. Esp. Santo 58 Banco Itaú 54 Banco Votorantim 25 Bancolombia 54 Bando do Brasil 26 Banesco 58 Bertin 25 Bimbo 57 Bradesco 13 Brasil Telecom (BrT) 56 BrasilFoods 29 Brescia 71 Brüder 56 BTG Camargo Corrêa 21, 28, 54 31 Camino Real 17 Capital 29 Caricement Antilles 31 Cazadores 47 Celfin 28 Cementos Argos 28 Cementos Artigas Cementos Avellaneda 28 29 Cementos Cólon 26, 28 Cementos Lima Cementos Pacasmayo 26 28 Cementos Portland V. 25, 28, 57 Cemex 25, 34 Cencosud 18 CF Industries 12 Chevron 47 Cinemark 30 Citigroup 32 CMPC 13 Colpatria Compañía de Chocolate 25 25 Comp. Suramericana 13, 18 comScore 13 Condensa 16 Consulting House 12 Copec 33 Corp Research 25 Corficolombiana 34 Corporación EW Corredores Asociados 25 12 Cosan 26 Credicorp CRO International PPD 41 41 CRO Venn Life S. C. 75 CSM Auto 71 Dasa 31 Diageo 29 Domar Limited
29 Domar Limited 31 Don Julio 13 Dow Corning 57 Duratex 68 Ecoanalítica 13 Econópticas 25, 55 Ecopetrol 48 Ecosystem Marketp. Emp. Agroin. Pramonga 35 35 Emp. Azuc. Andahuasi 35 Emp. Azuc. El Ingenio 13 Endesa España 64 Equity Research Desk Evercore Mex. Cap. Part. 13 12 Exxon 25, 47 Femsa 14 Fiat do Brasil 32 Fibria 13 Finabank 32 Fit Research 71 Fleury 31 Fortune Brands 46 GEQ Chile 75 Global Insight Globe Speciality Metals 13 13 GMO 16 GOL 25 Gruma 25 Grupo Alfa 25 Grupo Aval Grupo Sup. Wong (GSW) 34 38 Grupo Fedrigoni 25 Grupo Financiero Ixe 38 Grupo Gafor 25 Grupo México 54 Grupo Votorantim 32 Guaíba 29 Haiti Cement Holding 10 Hay Group 28, 57 Holcim 75 Honda 40 Hospital AC Camargo 70 Hospital de Sentara 75 Hyundai 57 IBI 41 ICON Clinical Research 25 IM Trust 75 India Bajaj 77 Intel 13 Interbolsa Intercontinental Group 15 25 Inversiones Argos 34 Irradia 20 Itautec 30 IXE 13 Javer 58 JBO 61 Jindal Steel & Power Jindal Steel Bolívia (JSB) 61 31 José Cuervo 26 Kallpa Securities 55 KNOC 25 La Polar 28 Lafarge 25 LAN 28 LLX Açu 36 Localiza 28 Loma Negra 13 Louis Dreyfus
13 Luxxottica 58 Marfrig 31 Mariachi 48 Masisa 41 MDS Pharma Serv. 71 Medial 32 Melhoramentos 29 Mélon 32 Melpaper 47 MGM Innova 48 Miranda Y Amado 77 Motorola 13 Multiópticas Int. 76 Napa Wine Company 48 Natsource 48 Natura 46 New Carbon Finance 75 Nissan-Renault 46, 71 Odontoprev 13, 55 Oi 31 Olmeca 56 Pactual 29 Panamá Cement Hold. 66 PDVSA 56 Perdigão 31 Pernord Ricard 55 Petro Tech Peruana 10, 12, 48, 58 Petrobras 58 Pilgrim’s 34 Plaza Norte 58 Porto Seguro 13 Profuturo 71 Qualicorp 75 Renault 30 Rinker 54 Rio Tinto 56 Sadia 57 Santander 13 Santelisa Vale 57 Satipel 31 Sauza 58 Seara Alimentos 15 Sigla 46 SocialCarbon 82 Sofitel 77 Sony 13 Southern Cross Group 33 Stora Enso 75 Strategy Analytics 13 Sun Planet Suzano Papel e Celulose 45 22 Tallard 75 Tata Motors 82 Tenaris 22, 33 Tendências Consult. 31 Tequila Tepatitlán 56 Ternium Disdor 77 TIM 75 Toyota 21, 33 Trench, Rossi e Wat. 28 Uniland 10, 54 Vale 54 VBC Energia 33 Veracel 31 Viuda de Romero 75 Volkswagen 28, 32 Votorantim 18 Websense 15 Wizard
Dezembro, 2009 AméricaEconomia 11
PISTAS SEM APOIO
MAIS UMA FATIA PUBLICAMOS A compra dos ativos da Exxon no Chile garantiu à Petrobras 9% de um mercado de US$ 12 bilhões em vendas por ano. É pouco perto dos 65% da líder Copec, mas é um começo. E há oportunidades de exportação de gás e etanol. (“Além da Cordilheira”, AméricaEconomia Nº 381, novembro, 2009)
O NOVO A Petrobras voltou a atacar no mercado chileno. No começo de novembro, anunciou um acordo para comprar os ativos da norte-americana Chevron no país, por US$ 12 milhões. O acordo inclui uma fábrica de lubrificantes em Santiago com capacidade de produção de 15,9 mil metros cúbicos ao ano. Na mesma época, o presidente do Peru, Alan García, anunciou uma descoberta de gás de até 5 trilhões de pés cúbicos em lote da Petrobras – de onde futuramente a empresa poderá exportar ao Chile.
Foto DIVULGAÇÃO
PUBLICAMOS Se Lugo vencer as eleições no Paraguai, “terá seus projetos limitados, terá de saber negociar e chegar a consensos para conquistar acordos: certamente o Congresso será muito diversificado”, diz a socióloga Milda Rivarola. “E a cidadania está cansada de um aparelho estatal que se caracteriza pela mentalidade de pilhagem, onde reinam privilégios e nepotismo.” O resultado? Uma ineficiência devastadora. (“Paraguai em seu Labirinto”, AméricaEconomia Nº 356, março, 2008)
O NOVO A falta de consenso no Paraguai está dando pano para a manga. No começo de novembro, o presidente Fernando Lugo mudou a cúpula das Forças Armadas – pela quarta vez em 15 meses. Tal iniciativa foi identificada como uma reação ao temor de um possível golpe de Estado e uma forma de distrair a atenção da opinião pública das pressões dentro do Congresso. Ultimamente, a oposição tem acusado assessores de Lugo de envolvimento em casos de corrupção e chegou a avaliar o pedido de impeachment contra o presidente.
SEM FRONTEIRAS PUBLICAMOS Hoje o BNDES tornou-se um dos atores mais relevantes no processo de expansão latino-americana das empresas brasileiras. Para se ter uma ideia, os projetos aprovados e em análise para exportações na região já somam US$ 15,6 bilhões. (“Expansão Regional”, AméricaEconomia Nº 381, novembro, 2009) O NOVO No começo de novembro, o presidente Lula e o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luciano Coutinho, inauguraram uma subsidiária do banco em Londres. Segundo Coutinho, com o BNDES Limited, o banco aumentará sua visibilidade junto à comunidade financeira internacional e poderá auxiliar as empresas brasileiras em processo de internacionalização. Coutinho afirmou ainda que a instituição poderá administrar os recursos provenientes do pré-sal em Londres, pois o Brasil receberá um fluxo significativo de capital nos próximos anos, e uma parte não deverá ser internalizada para evitar flutuações indevidas no câmbio.
LÍQUIDO E CERTO PUBLICAMOS Para aumentar as exportações de etanol, há outro obstáculo a ser derrubado: a falta de segurança no fornecimento. Para o ex-ministro Roberto Rodrigues, “o Brasil precisa ter uma definição de longo prazo do que será produzido”. (“Otimismo Verde”, AméricaEconomia Nº 378, agosto, 2009)
O NOVO O diretor comercial do grupo Cosan, Mark Lyra, declarou à mídia que as exportações de etanol cairão no período 2009/2010 para cerca de 3 bilhões de litros, contra 4,5 bilhões em 2008/2009. Além da intensidade das chuvas, o executivo apontou como motivo dessa queda a preferência das usinas por produzir açúcar, devido ao alto preço da commodity.
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NEGÓCIO FECHADO lombiano adquiriu por US$ 260 milhões a Crédito Fácil Condensa, uma filial de créditos de consumo da geradora elétrica local Condensa, por sua vez filial da Endesa España. A Condensa tomou a decisão de vender a carteira de seu programa “Crédito Fácil” porque seu rápido crescimento, segundo alguns analistas, estava saindo de controle, especialmente com o aumento da morosidade. VALOR: US$ 260 MILHÕES
Foto NIELS ANDREAS
COLPATRIA O grupo financeiro co-
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COMSCORE A empresa de medição de Internet comScore acertou a compra da empresa chilena Certifica, que tem escritórios no México, no Brasil, na Argentina, na Colômbia e no Peru. A Certifíca, fundada em 2000, dedica-se à auditoria de tráfego na internet. A comScore disse que a aquisição, cujos termos financeiros não foram revelados, permitirá à empresa melhorar sua presença na América Latina. VALOR: NÃO REVELADO ________________________________
DOW CORNING A empresa especializada em soluções e produtos de silicone comprou duas plantas de produtos de silicone da Globe Speciality Metals, nos Estados Unidos e no Brasil, por US$ 175 milhões. A operação inclui a planta Globe Metais Indústria e Comércio, localizada no estado do Pará. VALOR: US$ 175 MILHÕES ________________________________
INTERBOLSA A empresa colombiana de serviços financeiros e também a maior corretora de valores do país finalmente concretiza sua entrada no Brasil por meio da compra da corretora Finabank, pela qual pagará US$ 21 milhões. Embora exista um acordo de compra desde 2007, ele se concretizou somente agora, ao obter a autorização dos reguladores no Brasil. A Interbolsa espera que sua operação no mercado brasileiro eventualmente se torne maior do que sua operação colombiana. VALOR: US$ 21 MILHÕES
LOUIS DREYFUS A companhia francesa se converteu no segundo maior produtor de etanol do mundo com a compra, por US$ 460 milhões, da brasileira Santelisa Vale. A Dreyfus unirá sua filial brasileira Louis Dreyfus Commodities Bioenergia com a Santelisa, o que resultará na criação da LDC-SEV, que vai operar 13 plantas de etanol e terá capacidade de moagem de 40 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano. VALOR: US$ 460 MILHÕES JAVER A construtora mexicana aceitou vender uma participação majoritária aos fundos de capital privado Southern Cross Group e Evercore Mexico Capital Partners. Os termos financeiros do acordo não foram divulgados. A Javer planeja construir 17,5 mil casas no México até o final de 2009 e conta com terras suficientes para construir outras 100 mil. VALOR: NÃO REVELADO ________________________________
LUXOTTICA A empresa voltada à fabricação e distribuição de moda, luxo e setor ótico adquiriu 40% da propriedade da Multiópticas Internacional, que no Chile opera a GMO, Sun Planet e Econópticas. A
transação, avaliada em aproximadamente 40 milhões de euros, marca o ingresso da Luxottica nos negócios de varejo ótico na América Latina. A aquisição cobre as mais de 400 lojas da Multiópticas no Chile (197), no Peru (100), no Equador (36) e na Colômbia (70). VALOR: 40 MILHÕES DE EUROS ________________________________
OI Recebeu uma linha de crédito financeira de R$ 4,4 bilhões do banco de desenvolvimento BNDES. Segundo informou o banco, os recursos vão financiar os planos de investimento das quatro empresas do grupo entre 2009 e 2010. São elas: Brasil Telecom (BrT) Fixa, Brasil Telecom Móvel, Oi Fixa e Oi Móvel. VALOR: R$ 4,4 BILHÕES ________________________________
PROFUTURO A empresa mexicana administradora de fundos de pensão (afore) Profuturo anunciou a compra, por um montante não divulgado, das operações de previdência do Bank of Nova Scotia no México, a Scotia Afore. Com a aquisição, a Profuturo será a quarta maior afore do México. No final de setembro, a Profuturo tinha US$ 8,6 bilhões em ativos de baixa administração, enquanto a Scotia tinha somente US$ 258 milhões. VALOR: NÃO REVELADO
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MOVIMENTOS
ENGENHEIROS Daqui a cinco anos, quando o mundo recuperar o nível de produção de carros registrado em 2008, os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) se destacarão no mercado mundial. “Para se ter uma ideia dessa evolução, em 2001 esses países representavam 9,8% da produção mundial e, em 2009, saltarão para 27,8%”, disse Cledorvino Belini (foto), presidente da Fiat do Brasil, em reunião do Grupo de Jovens Líderes Empresariais (JLide), realizado em São Paulo, em novembro. No entanto, Belini destacou que, apesar de ter centros de desenvolvimento avançados, matriz energética limpa e cadeia produtiva integrada, há um gargalo que pode minar a
14 AméricaEconomia Dezembro, 2009
competitividade do Brasil: a falta de engenheiros. “Enquanto em 2008 o Brasil formou 43 mil engenheiros, a Rússia formou 440 mil, a Índia, 430 mil, e a China, 1,7 milhão”, disse. O presidente da Fiat também defendeu uma reforma fiscal para combater a alta carga tributária, “que faz com que um mesmo carro seja 40% mais caro no Brasil em relação à Argentina” e alertou para o efeito da valorização do real nas exportações do setor. “Em 2005, o Brasil exportou 897 mil veículos e tinha um saldo de 800 mil veículos a seu favor na balança comercial. Este ano, vamos empatar, o que é crítico para ganhar escala”, afirmou. SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO
Foto ROBERTA DABDAB
PROCURAM-SE
APAGÃO DE INVESTIMENTO
1.993 MÉXICO
Dessa vez não foi por falta de geração, mas o blecaute que deixou mais de um terço dos brasileiros sem luz em novembro se soma a uma longa lista de interrupções no serviço elétrico na América Latina. Especialistas calculam que seria necessário investir US$ 10 bilhões só para abastecer os 20% da população que ainda não tem acesso à luz elétrica na região, sem contar a demanda proveniente do crescimento populacional e das economias nas áreas que já são servidas de eletriciVENEZUELA dade. “Não é um estado de crise, mas muitos países latino-americanos vivem uma situação de emergência”, COLÔMBIA diz Ruy Varela, presidente da conBRASIL sultoria argentina Sigla. “As reservas do sistema não são suficienPERU tes para fazer frente tanto a contingências climáticas e técnicas quanto ao crescimento do consumo, que está acima dos níveis esperados.” Curiosamente, quem mais padece são dois dos maiores exportadores ARGENTINA de petróleo da região: Venezuela e Equador. A Venezuela – que nos últimos dez anos registrou aumento de sua demanda de 12 mil MW para 17 mil MW – vem sofrendo diversas interrupções de abastecimento de energia elétrica. Já o Equador chegou a decretar estado de urgência por 60 dias, depois de uma queda alarmante do nível das reservas de água da central hidroelétrica de Paute, a maior do país. ANTONIO MARÍA DELGADO, DE MIAMI
3.175
759
EQUADOR
OS MAIORES CONSUMIDORES DE ENERGIA (KWH/PER CAPITA) Fonte Agência Internacional de Energia
3.207
CHILE
923
2.060
899
2.620
PARA CHINÊS LER “In God We Trust”. Frases como essa, estampada na nota de dólar e tão corrente na vida do norte-americano, estarão proibidas no material didático que a escola de idiomas Wizard levará para a China, onde em janeiro abrirá sua primeira unidade, na cidade de Tianjin, em parceria com o Intercontinental Group. “A autoridade censurou qualquer menção sobre sexo, política e Deus”, conta Carlos Martins, presidente da empresa com sede em Campinas. A expectativa é abrir outras nove unidades ainda em 2010 no país e negociar a entrada no sistema público de ensino em Tianjin. “Isso significará 70 escolas e 84 mil alunos”, diz Martins. Este ano, a Wizard ainda expandiu sua rede para o México, “onde tivemos acidentes de percurso com a gripe suína, que implicou cancelamento de aulas e um receio posterior que desaqueceu a demanda”, e para a Colômbia, onde a primeira escola foi inaugurada em novembro. “Para 2010, esperamos negociar a operação de franquias na América Central”, diz o executivo. A empresa fechará este ano com faturamento de US$ 1,1 bilhão, 24% a mais que em 2008. SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO
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MOVIMENTOS MERCADO DECOLA
BALANÇA DA DESIGUALDADE
O mercado brasileiro de aviação deve dobrar de tamanho nos próximos anos. A afirmação é do presidente da companhia aérea GOL, Constantino Júnior (foto), que em novembro participou de um almoço de relacionamento promovido pela Consulting House, em São Paulo. Tal otimismo se deve, segundo o executivo, a três fatores: à inflação estável, aos juros controlados e ao aumento do poder aquisitivo da população de baixa renda. No começo de novembro, a GOL havia anunciado a revisão para cima de sua estimativa de crescimento no mercado doméstico em 2009, de 2% a 4% para 10% a 14%. Constantino, entretanto, demonstrou preocupação com a melhora da infraestrutura aeroportuária para sustentar tal expansão. “Com toda essa expectativa, precisamos evitar um novo colapso”, declarou, referindo-se à crise nos aeroportos do final de 2006, quando muitos passageiros tiveram de cancelar suas férias por não poder embarcar. GRAZIELE DAL-BÓ, DE
As mulheres são metade da população mundial e grandes motores da atividade econômica como consumidoras, empregadas e empregadoras. Mas a igualdade de condições no trabalho ainda está longe de chegar para elas, e na América Latina não é diferente. O último relatório de desigualdade de gêneros elaborado pelo Fórum Econômico Mundial indica que, no Brasil, entre outros países como Colômbia e México, essa diferença se acentuou no último ano. Já Equador, Argentina e Costa Rica são os que apresentam o melhor cenário para as mulheres quanto ao acesso a oportunidades e remuneração em relação aos homens que exercem ou pleiteiam um mesmo cargo. O Paraguai, apesar de ainda manter baixa classificação, é o que mais avançou, ganhando 34 posições. FERNANDA
ARAYA , DE SANTIAGO
QUEM SÃO OS MENOS DESIGUAIS Ranking aponta, em ordem decrescente, país com mais equilíbrio de gêneros na AL
Foto DIVULGAÇÃO
SÃO PAULO
16 AméricaEconomia Dezembro, 2009
POSIÇÃO
POSIÇÃO
PAÍS
2009 2008
Equador
23
35
Argentina
24
24
Costa Rica
27
32
Cuba
29
25
Panamá
43
34
Peru
44
48
Colômbia
56
50
Uruguai
57
54
Chile
64
65
Paraguai
66
100
Venezuela
69
59
Brasil
82
73
Bolívia
83
80
México
99
97
Fonte Índice 2009 de Disparidade entre Gêneros do Fórum Econômico Mundial
Foto MIGUEL CANDIA
LOMBRIGAS CERVEJEIRAS Não é novidade a preocupação das empresas em fomentar políticas em favor do meio ambiente. Mas a opção da fabricante artesanal de cerveja Capital para tornar sua produção mais limpa é, ao menos, curiosa. A empresa chilena implementou em sua recéminaugurada fábrica um sistema desenvolvido pela Universidade do Chile que usa minhocas na limpeza de resíduos, batizado de Sistema Tohá. “Os resíduos da produção passam para uma piscina cheia desses vermes de terra, que os comem e produzem húmus”, diz Álvaro Artiagoitía (foto), gerente geral da empresa. “Uma vez por ano, o húmus será retirado e usado para adubar terras.” A nova fábrica da empresa levou um ano para ser construída, demandou US$ 600 mil em investimentos e terá capacidade de produzir cerca de 250 mil litros por ano. Em 2009, a Capital estima faturar US$ 283 mil. “Esperamos dobrar essa cifra em 2010”, diz Artiagoitía. MATÍAS RODO Y., DE SANTIAGO
MOVIMENTOS FERTILIZANTE MAIS BARATO
Foto PEDRO CARDENAS
Anualmente, a América Latina importa cerca de 2 milhões de toneladas métricas de fertilizantes da Europa e da Ásia. Esse dado não passou despercebido pela companhia norte-americana CF Industries, que anunciou que, em 2010, construirá uma fábrica de fertilizantes em Marcona, ao sul de Lima. A planta terá investimentos de US$ 2 bilhões e deverá entrar em operação em 2013, com capacidade de produção de 1,3 milhão de toneladas de ureia. A notícia agradou os agricultores peruanos, que consomem cerca de 350 mil toneladas métricas de fertilizantes ao ano. Segundo Ismael Benavides (foto), ex-ministro de Agricultura e principal assessor da CF Industries no país, o preço dos fertilizantes fabricados no Peru poderá ser até 40% mais baixo do que o da ureia importada, sobretudo devido à redução no custo de frete. FERNANDO CHEVARRÍA LEÓN , DE LIMA
ESCAPADINHA VIRTUAL Hoje quem trabalha em frente ao computador dificilmente resiste à tentação de intercalar o trabalho com uma revisada no email pessoal. Segundo pesquisa realizada pela empresa Websense com gerentes e profissionais de TI, os chefes costumam achar que esse tempo é maior que o declarado por seus funcionários. Na média latino-americana, os gerentes declaram que esse tempo é de 64 minutos, enquanto os funcionários afirmam que é de 23 minutos. Os empregados mexicanos são os que declaram gastar mais tempo nesse tipo de navegacão (84 minutos). E os chefes brasileiros são os mais otimistas quanto às “escapadas” de seus funcionários, afirmando Países onde o uso de internet em horário comercial para fins pessoais mais aumenta serem de apenas 23 minutos diários. Entre os sites mais visitados, segundo a empreAUMENTO EM RELAÇÃO AO DECLARADO EM 2008 sa ComScore, estão os de notícias (88%), NÚMERO DE USUÁRIOS seguidos pelos de bancos (84%) e sites de 31 milhões email (66%). CAROLINA FUENTES, DE SANTIAGO
CUIDADO, OLHA O CHEFE!
13 milhões
11 milhões 29%
Argentina
22%
Brasil
14%
México Fonte ComScore
OS MAIS ACESSADOS ARGENTINA BRASIL MÉXICO
Google sites
Microsoft sites
Google sites Microsoft sites
Microsoft sites Google sites
UOL Yahoo! Sites Fonte ComScore
18 AméricaEconomia Dezembro, 2009
NEGÓCIOS ONDE INVESTIR EM 2010
OPORTUNIDADES AQUI AO LADO
Ilustração SAMUEL CASAL
Com o otimismo de empresários e um mercado financeiro que se fortalece, a América Latina está na agenda brasileira de investimentos para 2010
PROJETOS EM MARCHA: O INVESTIMENTO DIRETO LILIANA LAVORATTI, DE SÃO PAULO
O
champanhe da virada para 2010 promete ser mais refrescante para Claudio Vita, vice-presidente Comercial Nacional e Internacional da Itautec. Apesar de a sombra da crise ter pairado sobre a cabeça dos empresários durante este ano em todo o mundo, a empresa fechará 2009 sem maiores solavancos. “Vamos superar os resultados de 2008. E 2010 será ainda melhor”, diz. A confiança de Vita se justifica. Além das projeções positivas para o Brasil, boa parte dos outros países em que a Itautec opera – sete, do total de dez – está na América Latina. “Os sinais já existentes sobre as economias da região só favorecem as nossas expectativas de expandir nos mercados vizinhos”, diz. Depois do freio temporário provocado pela crise econômica mundial em 2009, a tendência é a de que os investimentos diretos das multinacionais brasileiras na América Latina
20 AméricaEconomia Dezembro, 2009
sejam retomados em 2010. A primeira razão é a melhoria das condições macroeconômicas: enquanto neste ano o Produto Interno Bruto (PIB) da região cairá entre 1,5% e 1,8%, para o próximo espera-se crescimento entre 3,5% e 4% – um desempenho dentro da média mundial, segundo previsões da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), órgão da Organização das Nações Unidas. O fato de essa recuperação ter sido iniciada nos últimos seis meses melhora o ânimo das empresas, neste momento voltadas à recomposição de ganhos e consolidação das operações atuais. “Países de economias mais maduras estão perdendo parte de sua importância, e não somos os únicos que estamos olhando mais para a América Latina”, diz Eduardo Kunst, presidente da Artecola, do setor químico. A empresa, presente em cinco países latino-americanos – que representaram 45%
ESTIMATIVAS MACROECONÔMICAS PARA A AMÉRICA LATINA 2008
2009*
2010*
2011*
Argentina
6,8
0,8
2,2
3,0
nações é amigo do investimento estrangeiro. Embora existam problemas do narcotráfico na Colômbia, são economias que avançaram, inclusive na política de atração de capitais externos”, afi rma Nazir Takiedine, sócio do Trench, Rossi e Watanabe, escritório de advocacia com atuação nas áreas de fusões e aquisições, direito bancário e financeiro, que atende investidores do Brasil e de outros 39 países. “Sobretudo se Brasil, Chile, México e Peru crescerem, os demais pegarão carona”, afirma.
Brasil
5,1
0,5
5,3
4,8
QUEM DEMANDA CAUTELA
Chile
3,2
-1,3
3,7
4,6
Colômbia
2,4
0,1
3,0
4,3
México
1,3
-6,8
3,0
3,5
Peru
9,8
1,0
3,8
5,1
Crescimento do PIB (%)
* Projeção / ** Os dados dos governos variam ao longo do ano. Os apresentados são os mais recentes Fonte Global Economic Weekly, do Bank of America Merrill Lynch e governos dos países
Foto DIVULGAÇÃO
da receita da companhia em 2008 –, afi rma ter vários projetos novos para a região. Este ano, anunciou um investimento no Chile de R$ 5 milhões até 2015 para expansão da produção, com o qual espera aumentar as vendas no país em 148%. VITA, DA ITAUTEC: SINAIS FAVORÁVEIS “Também temos interesse na Colômbia, um dos últimos países em que iniciamos uma operação própria, mas com grande potencial”, afirma Kunst, que estima fechar o ano com receita total de R$ 400 milhões. Chile, ao lado de Peru, México e Colômbia – países com grau de investimento na região, juntamente com o Brasil –, estão em trajetória favorável para receber os projetos das multinacionais brasileiras. Com exceção do México, onde a recuperação vem sendo mais lenta por sua dependência da economia dos Estados Unidos, eles devem repetir em 2010 o crescimento observado a partir de julho deste ano (entre 4% e 5%); a inflação está sob controle, a situação externa é relativamente confortável pelo fluxo de capitais externos, e o financiamento da dívida pública está equacionado. “Não há muita alternativa, o empresariado brasileiro vai para esses quatro países. No geral, o sistema jurídico dessas
Já Argentina e Venezuela, segundo Takiedine, ficam em segundo plano. No caso da Argentina, mesmo com a relação sinérgica que muitos setores identificam entre o país e o Brasil e dos últimos anúncios de investimentos de empresas que já operam no vizinho, como a Alpargatas (aquisição da operação completa da Alpargatas Argentina) e a Camargo Corrêa (expansão da produção da Loma Negra). “Argentina e Venezuela se encontram em situação ruim do ponto de vista do investimento direto, tanto em termos de atratividade do mercado quanto do grau de confiança”, afirma Frederico Turolla, diretor da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica) e economista-sócio da Pezco Pesquisa e Consultoria, especializada em infraestrutura. Para o diretor da Itautec, a preocupação na Argentina é “a taxa de juros fora do padrão regional, que obriga as operações de multinacionais lá instaladas a serem autossustentáveis, dado o alto custo do crédito de capital de giro e a excessiva burocracia”. Kunst, da Artecola, também revela precaução. “De todas as nossas operações, lá é onde estamos mais atentos. A situação econômica não está bem resolvida, e a questão política é muito complexa”, diz. “Também buscamos crescimento na Argentina – afinal, é preciso estar nesse mercado de todas as formas –, mas mais moderado em relação aos outros países.”
Taxa básica de juros (%) 2008
2009*
2010*
2011*
Argentina
19,80
12,50
11,50
9,00
Brasil
13,75
8,75
8,75
8,75
Chile
8,25
0,50
4,00
6,00
Colômbia
9,50
4,00
6,00
7,00
México
8,25
4,50
5,50
6,00
Peru
6,50
1,25
3,50
5,50
* Projeção / ** Os dados dos governos variam ao longo do ano. Os apresentados são os mais recentes Fonte Global Economic Weekly, do Bank of America Merrill Lynch e governos dos países
Dezembro, 2009 AméricaEconomia 21
NEGÓCIOS ONDE INVESTIR EM 2010 Já o mercado da Venezuela é atendido pela Itautec por Miami desde que a brasileira comprou uma distribuidora de produtos de informática da norte-americana Tallard. Como o governo do presidente Hugo Chávez prega o boicote ao consumo de bens e serviços norte-americanos, os consumidores acham mais confortável adquirir produtos fabricados nos Estados Unidos de uma distribuidora brasileira, por se tratar de uma aquisição indireta. “Nós compramos da IBM, e os venezuelanos compram da Itautec. E não temos nenhuma queixa dos resultados obtidos até agora”, conta Vita.
DÉFICIT, EUA E OUTROS RISCOS
Foto DIVULGAÇÃO
Nesse cenário em geral promissor, um ponto de incerteza recai sobre os déficits fiscais do México e especialmente do Brasil, neste caso devido às eleições presidenciais do próximo ano. “O mais provável é que a menor solidez fiscal das duas principais economias do continente comprometa um pouco o crescimento, mas mesmo assim os quatro mercados mais relevantes do ponto de vista de investimentos estrangeiros diretos, inclusive de empresas brasileiras internacionalizadas, permanecerão atraindo capitais tanto em portfólio quanto na ampliação de suas atividades”, afirma Turolla. Outro fator que acabará beneficiando indiretamente os latino-americanos como destino de novos projetos de empresas brasileiras é a dúvida que paira sobre o ritmo de recuperação dos Estados Unidos. “Quem concentrar esforços no mercado norte-americano terá muita dificuldade, porque a demanda vai demorar muito para retornar a níveis razoáveis”, afirma o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria. Na opinião de Nóbrega, a economia mundial, especialmente a dos EUA e de algumas nações da KUNST, DA ARTECOLA: NOVOS PLANOS Europa, terá um longo e frágil período até voltar à situação normal. Os prognósticos não são muito favoráveis. “Existe um processo de desalavancagem que ainda pode demorar a acabar. As famílias estão reduzindo o seu endividamento, e o resultado disso é menos demanda por crédito e menos consumo”, explica. Os bancos ainda não retomaram sua capacidade na oferta de crédito, cujo cenário é de contração. O desemprego ainda pode chegar a níveis mais altos do que os atuais, as empresas não concluíram o processo de ajuste, e o mercado de imóveis está demorando em retornar ao eixo. “A dívida pública deve chegar a 100% do PIB dentro
22 AméricaEconomia Dezembro, 2009
Inflação (%) 2008
2009*
2010*
2011*
Argentina
8,6
6,0
6,7
8,0
Brasil
5,7
4,9
4,1
4,4
Chile
8,7
1,6
1,4
3,6
Colômbia
7,0
4,5
3,9
5,0
México
5,1
5,4
3,9
4,2
Peru
5,8
3,1
1,4
2,6
* Projeção / ** Os dados dos governos variam ao longo do ano. Os apresentados são os mais recentes Fonte Global Economic Weekly, do Bank of America Merrill Lynch e governos dos países
de quatro a cinco anos, e isso influenciará negativamente as decisões de investimento. Os Estados Unidos terão de lidar com essa situação, ou via aumento de tributação ou via algum nível de inflação. Tudo isso já influencia visões de curto prazo”, completa Nóbrega.
GRANDE COMPRADOR A posição privilegiada do Brasil dentro da região também abre espaço para que “tenhamos muitas notícias de companhias nacionais adquirindo empresas no exterior a preços favoráveis enquanto a economia não estiver completamente recuperada”, enfatiza Nazir Takiedine. Prova do poder de capitalização das empresas que operam no Brasil é o volume recorde de remessas de lucros e dividendos ao exterior das multinacionais que estão no país. Em 2008, estas enviaram US$ 35,6 bilhões para suas matrizes. Este ano, serão cerca de US$ 29 bilhões, volume ainda elevado para um ano de crise. “Neste momento, não resta alternativa às brasileiras capitalizadas pela força do mercado doméstico a não ser avançar nos vizinhos da América Latina. As companhias vão colocar seus recursos onde existir um porto mais seguro e onde os sistemas político, jurídico e institucional inspirarem mais confiança”, diz o advogado. Além da operação direta no continente, Takiedine aponta a influência do Brasil também como um centro irradiador de investimentos para os demais países da região. Segundo ele, as empresas brasileiras com sócios estrangeiros buscam cada vez mais novos horizontes na América Latina. “Asiáticos e norte-americanos que colocaram seu dinheiro em empresas brasileiras, de agora em diante, vão aplicar os resultados a partir do Brasil, que está se tornando o quartel-general para atuação no restante do continente”, esclarece. Na avaliação de Luis Afonso Lima, presidente da Sobeet, este é um movimento de longo prazo, que terá continuidade independentemente da conjuntura no curto prazo. “Compa-
Foto DIVULGAÇÃO
rados aos asiáticos, estamos apenas dem até ganhar, mas a maioria perde engatinhando. O potencial de cresciinvestimentos”, relativiza. mento adicional dos fluxos de invesO volume de projetos que foram timentos brasileiros no exterior, seja postergados e já estão sendo tirana América Latina ou em qualquer dos da gaveta poderá surpreender. outra região do mundo, é maior do “Quando um ou dois grandes países que se observa hoje”, ressalta. Portanderem demonstração de estar efeto, deve permanecer a tendência de tivamente saindo da crise, como o aumento da participação de países Brasil, os diques serão abertos para emergentes que são origem de invesa avalanche de projetos represados timentos diretos. nos últimos 12 meses”, enfatiza MarSegundo o executivo da Sobeco Bassi, presidente do grupo HDI, et, entre os fatores que dificultam a empresa do setor de TI que iniciou TUROLLA, DA SOBEET: O RISCO DO DÉFICIT maior internacionalização de emsua internacionalização em 1990. presas brasileiras está a carência de tratados de bitributação Quem concorda com esse prognóstico é Jorge Ramos, e de investimento entre os países da América Latina. Entre vice-presidente para a América do Sul da International os 24 países com os quais o Brasil mantém tratados de bitriSociety of Automation (ISA), entidade que reúne executibutação, apenas Argentina e Equador são latino-americanos. vos especializados em automação. “Além do Brasil – com o Além disso, Lima destaca a necessidade do desenvolvimento pré-sal e as grandes obras de infraestrutura voltadas para a de uma política de financiamento da internacionalização das Copa do Mundo e as Olimpíadas –, Colômbia e Chile é onde se empresas brasileiras. veem maiores planos para 2010 em diante. Vários projetos de A Sobeet ainda faz outra ressalva: a economia mundial mineração estão sendo retomados no Chile, pois a demanda crescerá menos nos próximos anos do que em anos anteriores. mundial pelas commodities minerais cresceu. Na Colômbia, Isso afeta demanda, preços, crédito e planos de investimento, o capital estrangeiro começa a estimular reformas de refinainclusive de empresas brasileiras. “A crise proporciona oporturias e a construção de usinas de alumínio”, diz. nidades, mas também dificuldades. A recuperação dos fluxos Assim, otimismo é o lema para 2010. “As oportunidades de investimentos não será imediata. Algumas economias poexistem, e algumas não podem ser adiadas”, conclui Ramos.
SAÍDAS DE INVESTIMENTOS BRASILEIROS DIRETOS Distribuição por país* (US$ milhões)
2008 JAN - SET
2009
ANO
%
JAN - SET
%
11.921
17 .310
100,0
5.812
100,0
26
26
0,1
151
2,6
485
620
3,6
150
2,6
México
30
54
0,3
82
1,4
Panamá
11
3.079
17,8
31
0,5
Uruguai
108
483
2,8
29
0,5
Chile
495
547
3,2
20
0,3
3
3
0,0
12
0,2
Colômbia
173
173
1,0
8
0,1
Venezuela
–
183
1,1
1
0,0
TOTAL GERAL Peru Argentina
Bolívia
* Não inclui investimentos em bens e imóveis. Inclui investimentos, por empresa, acima de US$ 1 milhão.
Fonte Banco Central do Brasil
Dezembro, 2009 AméricaEconomia 23
NEGÓCIOS ONDE INVESTIR EM 2010
QUER DIVERSIFICAR? ATENÇÃO ÀS BOLSAS LATINAS
Foto JAIME VILLASECA/GETTY IMAGES
VERÔNICA GOYZUETA, DE SÃO PAULO
BOLSA DE SANTIAGO: RECUPERAÇÃO REGISTRADA EM OUTUBRO PODE INDICAR UM BOM 2010
H
á pouco mais de um ano, o mundo parou para ver a derrocada dos bancos dos EUA e o inevitável cataclismo financeiro global. Na América Latina, entretanto, o mercado fi nanceiro resistiu ao golpe. Apesar de o tamanho da gigante brasileira BM&FBovespa fazer sombra aos volumes movimentados nas outras bolsas da região, quem parou para observar o desempenho destas encontrou boas surpresas. O principal destaque foi a Bolsa de Lima (BVL), que teve uma valorização de 132% no seu índice geral desde janeiro deste ano. O segundo melhor desempenho foi o da Bovespa, com 106,1% de rentabilidade no ano. E até a bolsa argentina, que foi à lona com as notícias de Wall Street, viu seu valor dobrar em 2009. As principais bolsas registraram crescimento acima de três dígitos de várias de suas ações estrela.
24 AméricaEconomia Dezembro, 2009
Como isso aconteceu? “Em geral, nos ciclos econômicos liderados pelas finanças, pode ocorrer nos momentos de retração e recuperação um descompasso entre a dinâmica dos ativos financeiros e a da economia real”, explica Marcos Antonio Macedo Cintra, diretor adjunto de Cooperação Técnica e Políticas Internacionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Cintra identifica a reação desses mercados a partir de março. “Os mercados fi nanceiros buscaram antecipar – alguns estimam com seis meses – o movimento da economia real”, diz. O especialista acha que a região foi privilegiada por operações de carry trade – em que se toma recursos emprestados em moedas de mercados com juros baixos para aplicá-los em moedas e ativos de países com riscos e juros mais elevados.
Cintra ainda estima que a recuperação econômica nos países desenvolvidos será mais lenta do que se esperava. Esse fato, aliado às perspectivas de crescimento de 3,1% para América Latina em 2010, segundo dados da Cepal, pode fazer com que as bolsas latinas ganhem novo impulso. “Entretanto, como este ano a valorização já foi muito acentuada, nos próximos meses ela pode ser um pouco menos exuberante”, diz. “Sobretudo se os países avançarem nas medidas de contenção dos fluxos de capitais externos, a fim de conter possíveis bolhas de ativos”, afirma Cintra. O governo brasileiro, por exemplo, introduziu o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de 2% nas transações com moedas estrangeiras. No México, há uma tendência de aumentar impostos em setores como telecomunicações, bebidas alcoólicas e jogos, mas ao mesmo tempo o governo está incentivando a entrada de fundos de pensão no mercado.
Ações mais valorizadas em 2009
México - IPC Comer Mexicana: 232% Grupo Mexico: 236% Grupo Alfa: 155% Fonte Infosel Financiero / Entre janeiro e novembro
Ações mais valorizadas em 2009
Argentina - Merval Banco Macro S.A.: 199% Banco Hipotecario: 172% Grupo Galicia: 160% Fonte Bolsa de Comércio de Buenos de Aires / Entre janeiro e novembro
ração dentro da normalidade para 2010”, diz Alvaro Pipino, economista-chefe da IM Trust. Entre as ações recomendadas por Pipino está a da companhia aérea LAN, “que irá retomar a demanda perdida tanto no setor de passageiros quanto no de carga, o mais afetado, podendo alcançar um EBITDA recorde e uma valorização das ações estimada por nós em cerca de 33%”, afirma. O analista também destaca os papéis das grandes companhias do varejo, como La Polar e Cencosud, “que têm planos de potencializar sua presença em outros países da região, além de recuperar o fôlego na atividade de crédito ao consumidor, responsável pelas maiores margens no negócio dessas empresas”, diz. Já na Colômbia, 2010 será o ano das holdings, segundo Johanna Castro, analista sênior da Corredores Asociados, em Bogotá. Johanna diz que as ações da bolsa colombiana estão valorizadas e alcançaram máximas históricas, mas muitas delas têm apenas cinco anos no mercado. “É uma bolsa muito jovem”, diz, alertando para o potencial de empresas como
ONDE APOSTAR Carlos Ponce, diretor de análise do Grupo Financiero Ixe, na Cidade do México, afi rma que a bolsa mexicana foi a que mais sofreu com a crise internacional, devido a sua proximidade com o mercado americano. Entretanto, o analista afirma que observando o movimento dos últimos 24 meses, pode-se dizer que o mercado teve bom desempenho. “Há companhias que ainda apresentam um retrocesso importante”, diz Ponce, que identifica potencial de crescimento entre as empresas exportadoras, como Grupo México, Gruma, Grupo Alfa, Bimbo, Femsa e Cemex. Um estudo coordenado por Ponce identifica que 39,6% das vendas das empresas que compõem o índice mexicano, o IPC, são exportações. “Isso significa que, se a recuperação dos Estados Unidos for antecipada para 2010, e se esta se traduzir verdadeiramente em uma maior demanda de produtos, tais empresas poderão melhorar seus resultados no próximo ano”, diz. Mesmo otimista, Ponce aposta em um crescimento de apenas 13% para o IPC de 2010, subindo dos atuais 30.800 pontos para 34.800 pontos. No Chile, a Bolsa de Santiago ultrapassou seu máximo histórico em outubro, com o IPSA cotado a 3.512 pontos, “indicando uma recuperação que proporcionará uma ope-
Ações mais valorizadas em 2009
Chile - IPSA Empresas Iansa: 232% Comercial Siglo XXI SA (La Polar): 147% CAP S.A.: 110% Fonte Bolsa de Comércio de Santiago / Entre janeiro e novembro
Compañía de Chocolates e Compañía Suramericana. Entre as ações tradicionais, a analista prevê um bom desempenho de Corficolombiana, Bancolombia, e de holdings como Grupo Aval e Inversiones Argos, que controla a produtora de cimento Argos. “É uma companhia que tem surpreendido. Eles compraram empresas nos últimos três anos a preços muito bons (veja matéria à pág. 28) e no ano que vem devem colher os resultados”, comenta. Sobre a petrolífera Ecopetrol, a ação mais negociada da bolsa colombiana, Castro disse que ela Dezembro, 2009 AméricaEconomia 25
Foto ISTOCKPHOTO
NEGÓCIOS ONDE INVESTIR EM 2010 Ações mais valorizadas em 2009
Peru - IGBVL Andahuasi: 305% Volcan: 278% Morococha: 197% Fonte Bolsa de Valores de Lima / Entre janeiro e novembro
depende do comportamento do mercado de petróleo ou de novas descobertas. “Mas é uma ação obrigatória na carteira de quem quiser correr risco na Colômbia.” No Peru, Alberto Arispe, gerente geral de Kallpa Securities Sociedad Agente de Bolsa, em Lima, acha que o crescimento da bolsa de valores deve continuar apoiado nas mineradoras, que compõem 74% do índice. “A Bolsa de Valores de Lima é influenciada pelo movimento do preço das commodities, e o mercado está otimista. O cobre, por exemplo, deve crescer bastante”, diz. Arispe, que foi diretor da BVL, afirma que as ações dos bancos peruanos estão baratas devido ao retorno sobre o patrimônio que registram atualmente. Por isso, recomenda as ações do Credicorp, holding do Banco de Crédito. O analista ainda destaca as ações de Cementos Lima e Cementos Pacasmayo. Arispe acha que há grande espaço para um crescimento da BVL, em função dos bons fundamentos da economia peruana e do potencial de acesso de novos consumidores ao mercado nos próximos anos. Entretanto, independentemente do bom desempenho das suas ações, a grande notícia para as bolsas de Lima, Colômbia e Chile é seu processo de integração, iniciado em novembro com a assinatura de um acordo (veja matéria à pág. 64). Com essa união, as bolsas ganham uma participação de 22% na região, cerca de 560 papéis e mais diversificação. Hoje, dois terços da BVL são formados por mineradoras, 50% do índice colombiano é concentrado no setor energético, e a bolsa de Santiago se destaca nos setores de serviços e industrial. Essa integração poderá refletir-se na região e tirar o brilho da bolsa da Argentina, cujo comportamento para 2010
Ações mais valorizadas em 2009
Venezuela - BVC Banesco: 13.536% Banco Nacional de Crédito: 72% Banco Venezolano de Crédito: 63% Fonte Reuters / Entre janeiro e novembro
26 AméricaEconomia Dezembro, 2009
COBRE SUSTENTA O CRESCIMENTO DA BOLSA DE LIMA
será difícil de avaliar, segundo Rodolfo Acosta, analista da corredora de bolsa Arpenta, em Buenos Aires. Para Acosta, o principal problema para a bolsa argentina é a posição de confronto do atual governo com setores importantes da economia, como o agropecuário, criando um efeito negativo em empresas do setor de alimentos. Já as de serviços sofrem com a falta de reajustes tarifários. “É um emaranhado de coisas que atentam contra o desenvolvimento, e isso se reflete no Merval”, diz o analista, para quem qualquer avaliação para 2010 vai depender de mudanças no Congresso, em março. “O próximo ano da bolsa será de muita futurologia”, brinca. No entanto, Acosta tende a recomendar papéis do setor financeiro, de petrolíferas e de empresas vinculadas à construção. Com relação ao mercado venezuelano, o destaque fica para a impressionante valorização do Banesco, de 13.500% desde janeiro. Johanna Castro, da Corredores Asociados, atribui essa forte alta a boatos sobre sua venda. O Banesco, no entanto, é uma exceção dentro das ações da bolsa venezuelana, onde, à diferença dos outros mercados latinos, as valorizações máximas dificilmente ultrapassaram 70% desde janeiro. “Não é fácil investir em um país onde há incertezas e riscos operacionais”, diz Johanna. Panorama que não será diferente em 2010.
NEGÓCIOS CIMENTO
ALICERCE
EXPANDIDO Apesar de um ano fraco, empresas do setor de cimento apostam alto no crescimento da demanda no Brasil e no restante da América Latina CAROLINA FUENTES, DE SANTIAGO, E GRAZIELE DAL-BÓ, DE SÃO PAULO
O
ano de 2009 não foi bom para os grandes fabricantes de cimento. Com investimentos em infraestrutura e construção estancados em diversos países desde o agravamento da crise financeira mundial, as empresas do setor viram seus números encolherem. A francesa Lafarge, maior fabricante do mundo, registrou queda de 49% nas vendas no primeiro semestre do ano em relação ao mesmo período de 2008. A sueca Holcim teve de fechar fábricas no fi nal do ano passado. E a mexicana Cemex registrou queda média de 27% nas vendas nos mais de 50 países em que opera. Mesmo assim, o potencial de crescimento futuro com a recuperação econômica da América Latina movimenta o cenário. Na região, a tendência é de que as locais ganhem mercado. Algumas que já estão em pleno bote são a colombiana Cementos Argos e a peruana Cementos Lima, além das brasileiras Votorantim e Camargo Corrêa, que ampliam participação nos mercados vizinhos e se fortalecem em seu país. No Brasil, ainda que a eliminação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) não tenha provocado o resultado esperado nas vendas de cimento, o ano foi recheado de novidades. A líder nacional Votorantim
28 AméricaEconomia Dezembro, 2009
– que também opera nos EUA, Canadá, Bolívia e Chile – fez em novembro uma oferta de 135 milhões de euros para a aquisição dos ativos da Uniland, subsidiária da Cementos Portland Valderrivas, que inclui 50% das ações da Cementos Avellaneda (Argentina) e 50% da Cementos Artigas (Uruguai). “Acabamos de sair de uma crise, período em que as empresas ainda não recuperaram seu valor real. É melhor comprar agora”, diz Alcides Leite, professor de Economia da Trevisan Escola de Negócios. Para Leite, a estratégia da empresa de Antônio Ermírio de Moraes foi acertada. “Com o câmbio favorável, o preço fica mais atrativo, e as empresas brasileiras têm capital para isso. Este é o momento para expandir.”
Os destaques regionais
Produção 2008 (milhões de toneladas) Cementos Argos (Colômbia) Cementos Lima (Peru) Cemex (México)
11,6
No Brasil, a Votorantim aumentou sua participação de mercado este ano, acumulando 45% do total produzido, graças à entrada em operação de uma nova planta em Porto Velho (RO), com capacidade de 750 mil toneladas, e outra em Xambioá (TO), com capacidade de 1 milhão de toneladas, que será inaugurada em dezembro. As fábricas fazem parte de um plano de expansão de R$ 2 bilhões iniciado em 2007, cuja meta é alcançar uma produção de 39 milhões de toneladas em 2011. “A Votorantim está preparada para atender à demanda futura”, diz José Otávio de Carvalho, vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento. Já a Camargo Corrêa Cimentos (CCC) e a LLX Açu firmaram um acordo para a criação de uma fábrica de cimento no complexo do porto do Açu, no litoral do estado do Rio. O grupo também anunciou um investimento de US$ 108 milhões para expandir sua capacidade de produção na argentina Loma Negra, comprada em 2005. A Loma Negra de-
2,97 95,50 Fonte As empresas / Inclui produção em operações no exterior
Já para Simone Escudêro, diretora de estudos de mercado da All Consulting, a presença de gargalos como a falta de cimento no mercado interno em 2008 dá brecha para empresas estrangeiras buscarem oportunidades no Brasil e acirrarem a concorrência. “Uma coisa é certa: o setor será beneficiado com os projetos previstos no Brasil, garantindo boas perspectivas no mercado interno para os próximos quatro anos”, diz.
AUMENTO DO CONSUMO DE CIMENTO ESTÁ FORTEMENTE ATRELADO AO CRESCIMENTO DO PIB
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tém 45% do mercado local e teve uma produção de 5,5 milhões de toneladas de cimento em 2008. Para analistas, a sede de investimento da Camargo Corrêa indica que a companhia é forte candidata a fazer aquisições dentro do Brasil. “Como é um setor que exige investimento alto e regras de economia de escala, é natural um processo de fusões e aquisições em um momento como o atual”, diz Leite, indicando
45% do mercado argentino é dominado pela Camargo Corrêa, através da Loma Negra se associou à Caricement Antilles, proprietária de terminais para embarque de cimento nas ilhas Saint Maarten, St. Thomas, Dominica e Antigua. Com essa investida, a colombiana já se converteu no quarto maior produtor de cimento da América Latina. “Daqui até 2015, os projetos de infraestrutura nos permitirão continuar crescendo”, diz José Alberto Vélez, presidente da Cementos Argos.
INVESTIMENTOS POTENTES
que o Brasil pode viver novamente uma onda de fusões e aquisições, como aconteceu em meados dos anos 1990, quando dez grupos tomaram a dianteira do mercado. Tendência que inclusive está chamando a atenção do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), num cenário em que o próprio processo de aquecimento da demanda – que se intensificará com as obras para a Copa e as Olimpíadas – naturalmente tende a pressionar os preços do insumo para cima. “Claro que os órgãos de fiscalização devem ficar atentos aos processos, mas sob a lógica da eficiência econômica isso é factível”, defende.
No restante da América Latina, o foco está nas empresas locais. A colombiana Cementos Argos, que detém 51% do mercado de seu país e é o sexto produtor de concreto nos EUA, aposta agora no crescimento na América Central e no Caribe. Como parte dessa estratégia, no último semestre comprou a participação da Holcim na Panama Cement Holding, somando 98,86% da sociedade nesse país. Na República Dominicana, depois de adquirir 50% do capital da Domar Limited, negociou a compra de 70% de participação da Cementos Colón. Também comprou 50% do capital social da Haiti Cement Holding, no Haiti, e
No Peru, a atenção se concentra na Cementos Lima. “Acho que ela estará entre os ganhadores da região nos próximos anos”, diz Stephen Trent, analista do banco Citigroup. Prova disso é que, enquanto Holcim, Cemex e Lafarge amargam resultados negativos, a empresa de Lima aumentou suas vendas em 9,5% no primeiro semestre de 2009 em relação ao mesmo período de 2008, graças à demanda local. “Há uma longa lista de projetos de infraestrutura que devem sair no próximo ano”, diz Walter Piazza, presidente da Câmara Peruana da Construção. Um dos maiores investimentos previstos é uma planta de cobre em Toromocho, na região central do país, de US$ 2 bilhões. No Peru, ainda vale destacar o grupo Brescia, que em meados deste ano comprou 84,2% das ações da empresa chilena de cimentos Melón, então
Dezembro, 2009 AméricaEconomia 29
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NEGÓCIOS CIMENTO
VOTORANTIM: EXPANSÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR
COM AS MÃOS NA MASSA
51,48
Consumo no Brasil
(milhões de toneladas)
45,09 41,02 35,73
37,60 33,36
2004
2005
2006
** Dados contabilizados até outubro/2009
Principais grupos no Brasil
2007
2008
2009**
Fonte Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC)
Produção em 2008 (milhões de toneladas) *
21,32
6,44
Votorantim
João Santos
4,7
4,63
3,99
3,42
Cimpor
Camargo Corrêa
Holcim
Lafarge
* Refere-se apenas à produção no Brasil
30 AméricaEconomia Dezembro, 2009
do grupo Lafarge, ganhando 34% do mercado local. Segundo analistas do setor, a intenção do grupo Brescia com a compra é exportar cimento ao Peru, para satisfazer a demanda do setor de construção que, segundo Piazza, “poderá crescer 6% em 2010”. Já a mexicana Cemex se concentra em recuperar-se da infeliz investida na compra da australiana Rinker em 2007, que resultou em um forte endividamento e em um aumento de sua exposição no mercado norte-americano. “A empresa foi muito prejudicada”, diz Patricio Rivera, analista do grupo IXE. Em outubro, a Cemex anunciou a venda de seus ativos na Austrália para a Holcim, por US$ 1,7 bilhão, o que lhe permitiu reestruturar os vencimentos de sua dívida até 2014. No fechamento do terceiro trimestre, a dívida líquida da companhia era de US$ 17 bilhões. “Mas acho que a partir do primeiro trimestre de 2010 as operações da Cemex na América do Norte voltarão a financiar seu crescimento”, diz Rivera. Frente a esse cenário, fica a pergunta se o mercado responderá à altura das expectativas das empresas latinoamericanas. “Não há dúvida de que a demanda por cimento vai se recuperar”, diz Trent, do Citigroup, sem deixar de questionar o ritmo dessa recuperação, bem como sua magnitude. Como o aumento do consumo de cimento está muito atrelado ao crescimento do PIB, Trent diz que é complexo garantir um prognóstico para a região – ainda que, por enquanto, ele seja positivo.
1,39
1,24
Ciplan
Itambé
4,74
Outros
NEGÓCIOS BEBIDAS CULTIVO DE AGAVE: COLHEITA EM RISCO DEVIDO À BAIXA DEMANDA POR TEQUILA
RESSACA DA CRISE
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DIVERSIDADE E MERCADO
Pequenas produtoras de tequila sofrem com imposto alto e queda do consumo mexicano
É
um dia de calor e Eduardo Morales olha desconsolado o campo cultivado. “É uma pena, mas muitas dessas plantas irão apodrecer aí. Não vale a pena colher”, comenta o gerente de vendas da Tequila Tepatitlán. Este ano, a empresa já teve de descartar 50% do agave cultivado, com o qual fabrica a bebida destilada mais popular do país. Com queda de 40% nas vendas, reduziu sua produção de 1 mil para 500 litros ao mês, demitiu oito de seus 20 funcionários e agora busca uma saída para sobreviver. A Tepatitlán é uma das centenas de pequenos e médios produtores de tequila que até o ano passado trabalhavam tranquilamente para atender apenas o mercado mexicano. Mas os efeitos da crise econômica, somados à falta de uma política de estímulo a essa indústria e a uma forte carga fiscal, têm deixado poucas alternativas de recuperação para essas empresas.
ADRIANA MÉNDEZ, CIDADE DO MÉXICO
“Está claro que esse cenário beneficia apenas quem produz em escala e pode exportar, já que tem isenção do Imposto Especial sobre Produção e Serviços (Ieps), de 53% sobre o preço do produto”, diz Ciro Ríos Lara, diretor de uma associação de produtores. “Se isso continuar assim, os peixes grandes abocanharão os pequenos.” No caso da Tequila Tepatitlán, Morales conta que, descontados os gastos com impostos, folha de pagamento e matéria-prima, “ficamos com apenas 10 pesos mexicanos de cada garrafa que vendemos a 100 pesos”.
80%
das exportações de tequila vão para os Estados Unidos
A margem de manobra das grandes companhias do setor também está no portfolio diversificado de produtos, que lhes permite equilibrar perdas e ganhos. “Assim, quando as vendas de tequila caem, as de rum ou vodka provavelmente podem aumentar”, diz Luis Félix, diretor geral da José Cuervo, que sozinha detém 35% do mercado mundial de tequila. Com exceção da José Cuervo, atualmente as principais marcas de tequila mexicana estão nas mãos de estrangeiros. A Sauza é da norte-americana Fortune Brands; Viuda de Romero, Mariachi e Olmeca, da francesa Pernod Ricard; Cazadores e Camino Real, da Bacardi; e a Don Julio, da inglesa Diageo. E a tendência, segundo Félix, é de consolidação. Segundo o Conselho Regulador da Tequila (CRT), hoje o México conta com 150 produtores formais de tequila, dos quais apenas 40 têm presença no exterior. Mesmo com a maior competitividade das grandes, Ramón González Figueroa, diretor do CRT, defende que as boas marcas pequenas têm chances no mercado externo. “É preciso agressividade”, diz, dando como alternativa a formação de alianças estratégicas com redes internacionais de restaurantes e hotéis. Para Juan Cazados Arreigotia, presidente da Câmara Nacional da Indústria da Tequila (CNIT), há espaço sobretudo em mercados emergentes. “Só o potencial da China é de 4,5 bilhões de litros ao ano. Para se ter uma ideia, aos EUA vendemos 1,62 bilhão de litros, que representam 80% de nossas exportações.” No Brasil, segundo dados do IWSR (International Wine and Spirit Record), o mercado não chega a 1 milhão de litros. Para Arreigotia, na falta de apoio do governo local, os produtores mexicanos não devem temer as alianças e investimentos estrangeiros. “Ainda que seja nossa bebida ícone, somente aqueles que compreenderem que a tequila tem de se transformar em uma bebida internacional é que sobreviverão.” Dezembro, 2009 AméricaEconomia 31
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NEGÓCIOS PAPEL E CELULOSE
NO CENTRO DAS ATENÇÕES PLANTAÇÃO DE EUCALIPTO DA SUZANO: UMA DAS MAIORES DO BRASIL
Em situação debilitada, empresas brasileiras do setor de papel e celulose viraram alvo fácil da chilena CMPC. Outras estrangeiras virão? JUAN PABLO RIOSECO, DE SANTIAGO, E SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO
A
pesar de contar com condições ideais de clima, disponibilidade de terras, o melhor rendimento e o maior giro de floresta de eucalipto do mundo, as empresas do setor de papel e celulose do Brasil não tiveram como se blindar das dificuldades do ano de 2009. O coquetel nocivo formado pela desvalorização do real, pela queda da demanda e dos preços internacionais e pelos altos estoques fez as empresas colocarem seus planos de investimentos em banho-maria e torcer por uma rápida recuperação. Esse, entretanto, foi o quadro ideal para a CMPC – empresa chilena do grupo do empresário Eliodoro Matte, que até então operava no Brasil apenas como importadora –, passar pelo país
32 AméricaEconomia Dezembro, 2009
com seu carrinho de compras. A primeira aquisição foi em abril, da Melhoramentos Papéis, por R$ 400 milhões – dos quais a Melpaper, controladora da empresa, levou apenas R$ 120 milhões, sendo o restante absorvido pelo pagamento de dívidas. Depois foi a vez de a CMPC tirar a unidade gaúcha Guaíba das mãos da Fibria – fusão da Aracruz com a Votorantim Papel e Celulose que resultou na maior fabricante de celulose do mundo, com receita líquida de R$ 6 bilhões e uma dívida líquida ainda mais astronômica, de R$ 12 bilhões, parte dela resultado do jogo da Aracruz com derivativos financeiros denominados em dólares. “Apesar de a CMPC também ter sido afetada pela crise, ela tem uma po-
sição de caixa importante e boa capacidade de envididamento”, diz Hernán Guerrero, analista da FIT Research, em Santiago. “Em momentos de crise, as
0,2%
do território brasileiro é ocupado por eucalipto industrial empresas em melhor condição fi nanceira ganham vantagem para agir.” A Guaíba custou US$ 1,43 bilhão à CMPC e aumentou a capacidade total
bin, Cenibra e International Paper), e será difícil ver algum novo movimento”, diz. “Já no caso das fabricantes de papel, há mais fragmentação, e é aí onde as empresas estrangeiras podem entrar, buscando uma porta que, posteriormente, lhes dê acesso à matéria-prima, com a compra de terrenos para cultivo do eucalipto.” Segundo a Associação Brasileira de Papel e Celulose (Bracelpa), atualmente apenas 0,2% do território brasileiro é ocupado por florestas de eucalipto para uso industrial. Da própria CMPC, segundo analistas, não sairia nenhuma outra proposta. “Eles tiveram de captar US$ 1 bilhão para os atuais investimentos no Brasil e não têm costume de assumir muita dívida”, diz Cristina Acle, chefe de estudos da Corp Research, em Santiago. Outros interessados, segundo analistas, poderiam chegar da China – país cuja participação das importações de celulose brasileira aumentou de 18% entre janeiro e setembro de 2008 para 33% no mesmo período de 2009.
MAIS EFICIENTES
Produtividade em florestas de eucalipto*
Rendimento (m³ hectare/ano)
PRENÚNCIO DE NOVAS COMPRAS? O plano do Grupo Matte faz todo o sentido. No Chile, praticamente não resta nenhum metro quadrado de plantação de árvores para cultivo industrial que já não pertença a uma das grandes companhias do setor; na Argentina, os problemas políticos vividos pelo país afastam investimentos, e o Uruguai é muito pequeno para ser destino de grandes expansões. A pouca disponibilidade de terras e o aumento de restrições da atividade florestal em todo o mundo seriam então o prenúncio da chegada de novos compradores estrangeiros ao Brasil? Sim e não, segundo Rudolf Gabrich, professor da Fundação Dom Cabral. “Da atual produção de celulose, 82% já estão concentrados nas mãos das cinco principais companhias (Fibria, Suzano, Kla-
ELIODORO MATTE, DA CMPC: AQUISIÇÕES BRASILEIRAS GARANTEM EXPANSÃO
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da empresa para 2,6 milhões de toneladas anuais de celulose, transformando-se na terceira maior produtora no mundo, depois da própria Fibria e de outra chilena, a Arauco. “O Brasil é uma plataforma para incrementar de forma eficiente nossa capacidade de produção de celulose de fibra curta”, afirma por email o secretário geral da CMPC, Gonzalo García, à AméricaEconomia. Os ativos também compreendem uma fábrica de papel com capacidade para 600 mil toneladas, 212 hectares de florestas e licenças já aprovadas para um projeto de expansão. O potencial dessa compra não para por aí. Com planos de investir outros US$ 1,5 bilhão na construção de uma nova fábrica para a Guaíba – que, por contrato, não poderá operar antes de 2014 –, a CMPC poderá aumentar em outros 1,3 milhão de toneladas sua produção, concorrendo ao segundo lugar entre os produtores mundiais. “A celulose é uma commodity global, e o objetivo de nossa operação brasileira é integrá-la a nossa rede de fornecimento de fibra a clientes em 40 países”, diz García. “A produção de papéis para impressão (com a Melhoramentos) é pequena, e manterá seu foco no mercado doméstico do Brasil.”
Rotação (anos)
Atual
Potencial
Brasil
7
41
70
Chile
10 - 12
25
30
País
Fonte Pöyry/*Números para espécies de celulose fibra curta
De qualquer forma, a recuperação da demanda e do preço da celulose apontam para uma retomada do fôlego das empresas no Brasil. “Os preços já estão se estabilizando – a fibra curta já chegou a US$ 700 a tonelada, depois de valer US$ 500 no começo do ano. A Fibria já está trabalhando para reduzir seu endividamento, e as restantes estão bem paradas para investir”, diz Bruno Resende, analista da Tendências
Consultoria. Entre os investimentos, destaca-se para a expansão da cultura de eucalipto da Veracel – formada pela Fibria e pela sueco-fi nlandesa Stora Enso –, congelada no início do ano. À Stora Enso, por sua vez, não faltará oportunidade no Brasil, sobretudo depois de conseguir regularizar, este ano, os 45,7 mil hectares que havia comprado entre 2004 e 2005 no sul do país. “O mercado voltará a se aquecer”, aposta Resende. Dezembro, 2009 AméricaEconomia 33
NEGÓCIOS PERU
Depois de abandonar o setor varejista do qual era ícone, grupo peruano foca novos projetos e indica a trilha dos bons negócios no país FERNANDO CHEVARRÍA LEÓN, DE LIMA
A
s férias mais longas do peruano Efraín Wong foram no final de 2007. Com US$ 500 milhões no bolso depois da venda do Grupo de Supermercados Wong (GSW) para o chileno Cencosud, ele e seus irmãos decidiram descansar. “Essa pausa só durou três meses, pois quisemos continuar nos negócios”, conta Efraín, penúltimo dos seis fi lhos de Erasmo Wong Chiang. Hoje, em um bunker de 60 mil metros quadrados no bairro limenho de La Molina, onde funciona a Corporación EW, os Wong reúnem executivos e técnicos para avaliar novas alternativas de investimento. Esses estudos já resultaram em uma variedade de negócios e refletem os setores de maior potencial de crescimento do país. “A estratégia do grupo de focar-se no mercado local já é importante por si só”, diz o advogado Mauricio Olaya, em Lima. “Antes, os empresários vendiam suas operações para investir no exterior, pois não confiavam na estabilidade econômica do país.” Um desses novos negócios é o imobiliário. Em julho, os Wong lançaram em Lima o Plaza Norte, maior centro
34 AméricaEconomia Dezembro, 2009
comercial do país, com investimento de US$ 100 milhões. Em dezembro, inaugurarão um terminal rodoviário dentro do shopping – o primeiro da cidade, eliminando o estigma que Lima trazia de ser a única capital sul-americana que não contava com um. “A rodoviária será uma âncora fortíssima para o movimento do shopping”, diz Efraín. Os supermercados, negócio do qual a família se tornou um ícone no Peru (ver quadro), desta vez ficaram de fora. Em novembro, fontes do mercado indicavam a intenção dos Wong de vender até os 2,5% das ações da Cencosud conquistados na negociação com a chilena, por US$ 200 milhões.
100
milhões de dólares é o investimento no maior centro comercial do Peru
EFRAÍN: INTERESSE DECLARADO PELO SETOR ENERGÉTICO
No setor da pesca, a Corporación EW já é um dos maiores exportadores de anchovas do país, e até 2011 planeja investir em novas fábricas para congelamento do produto. No fi nanceiro, o grupo possui a caixa rural Prymera, que espera converter em uma financeira e, no longo prazo, em um banco.
CHEIO DE ENERGIA Entretanto, de todas as iniciativas da família, nenhuma parece cobrir a aposta que os irmãos Wong estão fazendo no setor energético. Recentemente, a Corporação EW comprou 66% das ações da empresa Irradia, que desenvolve um projeto para distribuição de gás natural comprimido (GNC), com início de atividades previsto para maio de 2010. Segundo Ramón Duggan, gerente geral da Irradia, esse projeto tem duas etapas de investimento. A primeira, de US$ 20 milhões, será para garantir a distribuição de 400 mil metros cúbicos de GNC, e uma segunda para a construção de cerca de cem postos de distribuição de gás, o que a converterá na maior rede do país.
Foto PEDRO CARDENAS
WONG 2.0
Foto ANDINA/RUBÉN GRÁNDEZ
PRINCIPAIS EMPRESAS DA CORPORACIÓN EW Empresa
Setor
Plaza Norte
Administração de centros comerciais
Irradia
Distribuição de GNC
Inversiones Prisco
Pesca
Caja Prymera
Financeiro
Empresa Azucarera Andahuasi
Açúcar
Empresa Azucarera El Ingenio
Açúcar
Empresa Agroindustrial Pramonga
Açúcar
Consorcio Alcoholero del Norte
Álcool
Inversiones Fortunia
Operação de máquinas caça-níqueis
Multidiversión
Operação de máquinas caça-níqueis
Gelán
Construtora
O FATOR NACIONALISMO A família Wong anunciou a venda de suas redes de supermercados à companhia Cencosud, do empresário chileno-alemão Horst Paulmann, em dezembro de 2007. Naquele ano, o grupo chileno já havia comprado a brasileira GBarbosa, por US$ 430 milhões, e feito uma associação com a francesa Casino Guichard para entrar no mercado colombiano. A força dos negócios e da marca Wong que atraiu Paulmann – 48 lojas, 10 mil funcionários e vendas de US$ 900 milhões ao ano –, entretanto, pesou contra a Cencosud no início de suas operações no Peru. A venda das duas redes de supermercados mais famosas do país (Wong e Metro) fez aflorar a rivalidade de parte dos peruanos com o vizinho, provocando manifestações contra o que chamaram de “invasão chilena”. A antipatia inicial chegou a tal ponto que, no tradicional desfile promovido pela rede em comemoração às Festas Pátrias de 2008 (foto), o Grupo de Supermercados Wong teve de abandonar a tradição de levar a bandeira do Peru à frente do corso.
“Isso é importante porque o país está crescendo, e nos interessa também o setor hidroelétrico”, diz Efraín, sem dar detalhes sobre seus planos nesse segmento. Luis Wakabayashi, diretor da área de Mercado da Universidade Esan, em Lima, destaca que a Corporación também tem grande potencial para entrar no mercado do etanol, já que conta com dois engenhos de açúcar. “Assim, o grupo pode desenvolver tanto a área agroindustrial quanto a energética”, diz. Segundo Efraín, o grupo já exporta parte da produção de açúcar e pretende desenvolver novos engenhos. Para Yohana Mendoza, gerente geral da Dvalor Consultoria, o caminho traçado pelos Wong – que estão juntos em todos os negócios, com 20% para cada um dos irmãos homens – demonstra amadurecimento corporativo. “Hoje eles deixaram de ser uma empresa familiar para ser uma família empresária, com aguda visão estratégica”, diz o consultor. Por isso, quando quiser pesquisar quais são os negócios promissores no Peru, vale a pena acompanhar os próximos passos dos Wong. Dezembro, 2009 AméricaEconomia 35
NEGÓCIOS LOCAÇÃO
PARADA OBRIGATÓRIA Localiza acompanha os números magros do setor de aluguel de carros no Brasil para este ano, mas espera crescer a partir de 2010 SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO
A
redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para compra de zero-quilômetros que este ano fez a alegria de montadoras e de muitos motoristas ávidos por um carro novo foi uma injeção de ânimo na economia brasileira. Calcula-se que, sem o benefício fiscal, seriam vendidos cerca de 300 mil carros a menos em 2009. Mas a medida do governo não foi positiva para todos. Que o diga a indústria de aluguel de automóveis. Responsável por cerca de 11,5% do total de compras de carros no Brasil, movimentando quase R$ 10 bilhões ao ano, as locadoras viram seus ativos se desvalorizarem na mesma medida que a redução dos preços dos carros usados. “Até a crise, a revenda fazia parte do negócio de muitas locadoras”, diz João
36 AméricaEconomia Dezembro, 2009
João Cláudio Bourge, presidente executivo da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla). Segundo Bourge, o mercado brasileiro de carros usados era mais valorizado que a média mundial, o que gerava EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) para as empresas. “O desconto que recebiam das montadoras por comprar em escala compensava a desvalorização de mercado na hora da revenda, o que garantia ao menos atingir o break even”, afirma. “Vivemos uma situação atípica, não é do core business gerar EBTIDA em seminovos. Foi bom, mas não podemos contar com isso”, diz Roberto Mendes, diretor de Finanças e Relações com o Investidor da Localiza. A empresa mineira, maior operadora do Brasil, com 22%
11,5%
é quanto o segmento de locação representa nas vendas totais de carros no Brasil de mercado, registrou queda de 8,9% na receita líquida nos nove primeiros meses do ano. Enquanto a receita líquida de aluguel registrou crescimento de 2,4%, somando R$ 440,8 milhões, a da venda de seminovos caiu 32%, totalizando R$ 422 milhões. A depreciação de veículos, que nos primeiros nove meses de 2008 tinha sido de R$ 18,3 milhões,
Foto DIVULGAÇÃO
subiu para R$ 62,3 milhões este ano, com uma margem EBTIDA de 2,5%, contra 7,6% no mesmo período de 2008 – no ano de 2004, por exemplo, essa margem chegou a 14,6%. A reação da Localiza foi aumentar os preços de locação de 7% para 9%. “Há dez anos não reajustávamos as tarifas”, diz Mendes, informando que essa é a única mudança dentro dos planos da empresa. “Mesmo com o fi m da redução do IPI, estimamos que o mercado de usados
FROTA DA LOCALIZA: DESVALORIZAÇÃO COM O BENEFÍCIO FISCAL PARA O CARRO ZERO
não voltará ao que era antes, mas essa medida foi suficiente para equilibrar nossa operação”, diz, indicando que a Localiza espera um crescimento “próximo de zero” para este ano. Mesmo com números magros, analistas ainda apontam a Localiza como um bom modelo dentro do setor. No começo do ano, mesmo depois de registrar perdas de R$ 29,8 milhões no quarto trimestre de 2007, a empresa contava com a recomendação quase unânime do mercado, e suas ações estiveram acima da média do iBovespa. Renato Prado, analista do Banco Fator, apontou no relatório sobre o balanço do terceiro trimestre da Localiza que “continuamos acreditando na capacidade da empresa de gerenciar a frota e o mix de veículos para se beneficiar de uma
maior taxa de utilização e uma menor depreciação dos carros”, recomendando a ação da empresa no longo prazo.
CHANCE PARA OS COMPETITIVOS “O fato é que, com essa mudança de cenário, as locadoras terão de ser competitivas, pois não haverá mais como esconder ineficácias”, diz Bourge, da Abla, lembrando o excesso de fragmentação do mercado brasileiro de locadoras. Para se ter uma ideia, enquanto no mercado dos Estados Unidos seis companhias dominam 93% do mercado de locação, no Brasil quatro operadores detém 40%, enquanto os 60% restantes estão divididos entre outras 1,9 mil empresas. “Os que sobreviverem, entretanto, terão a seu favor um mercado com boa expectativa de crescimento, sobretudo devido às perspectivas de aquecimento do turismo e dos projetos de infraestrutura no país, com a aproximação da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas.” Mandes, da Localiza, demonstra esse potencial, lembrando a relação direta que o mercado de locação tem com
o crescimento do PIB. “De 2004 a 2008, a Localiza registrou um crescimento médio de 30,8% ao ano, enquanto nesse período a média de aumento do PIB foi de 4,4%. Se observar a elasticidade, nosso crescimento é de, em média, sete vezes o do PIB”, diz, “o que nos faz pensar em bons resultados para 2010, já que se estima um crescimento entre 4,8% e 5% do Brasil.” E como se preparar para essa expansão? Segundo Mendes, aumentando o número de agências no mesmo ritmo de antes de 2008, de 24% ao ano, e a frota. “Hoje aquisições já não fazem parte da nossa estratégia. Nossa distribuição já é maior que a do segundo, terceiro e quarto operadores somados; então, a possibilidade de que um concorrente esteja em algum lugar que não estamos é remota”, diz. O executivo também destaca a importância das franquias Localiza em oito países da América do Sul. “Mais do que o lucro com royalties, essas operações nos garantem trânsito de reservas, gerando negócios aqui a partir de outros países”, finaliza.
O SETOR DE LOCAÇÃO DE AUTOMÓVEIS NO BRASIL Faturamento anual
R$ 3,9 bilhões
Número de locadoras
1.893
Frota
318.865 (automóveis) Usuários
16,2 milhões
Fonte Associação Brasileira de Locadoras de Automóveis (Abla); dados de 2008
Dezembro, 2009 AméricaEconomia 37
NEGÓCIOS JOINT VENTURE Foto DIVULGAÇÃO
MÁQUINA LAMINADORA: CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DE 90 MILHÕES DE METROS QUADRADOS AO ANO
A TODO VAPOR Em busca de produtos mais competitivos, Gafor inaugura fábrica de autoadesivos no interior de São Paulo em parceria com empresa italiana
E
ra 2008 e algo inquietava os executivos da operação de distribuição e logística do Grupo Gafor, com sede em Jundiaí, interior de São Paulo. Os autoadesivos que eles revendiam do grupo italiano Fedrigoni no Brasil e Argentina tinham grande potencial de vendas, mas pouca competitividade. “São produtos de boa qualidade, mas prejudicados pelos custos que implicam a zona do euro e as tarifas de importação”, conta
38 AméricaEconomia Dezembro, 2009
SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO
Silvio Fagundes, acionista do grupo. “E isso nos limitava a trabalhar com nichos diferenciados, que demandam pouco volume.” Representantes da Gafor então viajaram para a Itália e expuseram seu raciocínio lógico: se o mercado e a matéria-prima estão no Brasil, com produção mais barata, por que importar? E voltaram com uma sociedade para instalar a primeira unidade fabril da italiana fora da Europa, criando a Arconvert Brasil.
Dez meses, 28 contêineres e vários intercâmbios de técnicos alemães, italianos e brasileiros depois, em novembro a Gafor pôs em funcionamento a principal máquina da planta: uma laminadora de fabricação alemã de 56 metros de comprimento e 6 metros de altura, com capacidade de produção de 90 milhões de metros quadrados ao ano e com a qual pretendem fabricar cinco produtos diferentes, que vão do papel couché aos
12%
é o crescimento anual do mercado de autoadesivos no Brasil representaria dois terços da produção de uma máquina”, afirma. Quanto à redução de custos, o executivo não dá um número fechado, mas apresenta os elementos do cálculo. “Só de imposto de importação que deixamos de pagar, são de 12% a 16%. Temos matéria-prima mais barata, pois, dos insumos usados, só importamos silicone. Além disso, existe o custo intrínseco da logística e a disponibilidade de tempo que o cliente
ROBERTO RESTIVO, ENTRE SÉRGIO MAGGI E O ITALIANO SÉRGIO TOSOLINI: PLANOS PARA O MERCADO ARGENTINO E EXPANSÃO PARA O CHILE, A COLÔMBIA E O EQUADOR
Foto FABIANO ACCORSI
térmicos usados na identificação de alimentos congelados, bem como adesivos em PVC. Foram R$ 50 milhões de investimento, com participação de 40% da Gafor e 60% do Fedrigoni. Os executivos não divulgam a expectativa de produção no primeiro ano de operações, mas calculam um faturamento de R$ 100 milhões em 2010 e já fazem planos de montar outra máquina igual em dois ou três anos e dobrar o volume produzido. Mercado, garantem, é o que não falta. “Ainda usamos muito do tradicional rótulo de papel com cola”, diz Fagundes. “Para se ter uma ideia, o consumo de autoadesivo no Brasil é de 2,5 metros quadrados per capita; na Europa, são 14 metros quadrados. Ou seja, ainda demoraremos muito para chegar ao patamar europeu.” Para Sergio Tosolini, diretor geral da Artconvert na Itália, essa substituição será cada vez maior, já que “os rótulos autoadesivos garantem maior valor agregado a um produto”. Roberto Restivo, diretor geral da nova empresa, dá outro exemplo para justificar seu otimismo. “O crescimento no Brasil é de cerca de 12% ao ano. Contando que o mercado de autoadesivos aqui é de 550 milhões, isso
precisava ter, pois nosso prazo com importação não era menor que 45 dias.” Os principais segmentos-alvo da empresa no país são as gráficas que atendem às indústrias cosmética, de alimentos e farmacêutica. Na Argentina, o foco é o setor vinícola – ponto positivo para a empresa, já que essa indústria não tem sofrido sinais de crise. Suas exportações têm registrado aumento, sobretudo para os EUA (de 35% em valor
e 36% em volume no primeiro semestre de 2009), dando continuidade a uma expansão que em 2008 posicionou o país como o fornecedor mais dinâmico da indústria vinícola mundial. “E, numa segunda etapa, buscaremos outros mercados sul-americanos, como Colômbia, Chile e Equador. Como conhecemos bem a logística da região, acredito que saberemos como entrar nesses países de forma competitiva”, diz Restivo. Dezembro, 2009 AméricaEconomia 39
NEGÓCIOS SAÚDE
MERCADO
APROVADO Com baixos custos e alta qualidade profissional, a América Latina abre caminho na indústria de ensaios clínicos ANTONIO MARÍA DELGADO, DE MIAMI, E SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO FOTOS FABIANO ACCORSI
P
ara Tatiana Iafuso, o lançamento comercial de um novo medicamento pode ter o gostinho de vitória compartilhada. Como coordenadora do Centro de Pesquisa Clínica do Hospital AC Camargo, em São Paulo, ela acompanha estudos clínicos encomendados por várias companhias farmacêuticas e não esconde sua alegria quando um remédio chega às prateleiras. “Esse processo nos permite conhecer novas tecnologias e faz com que o médico acompanhe a evolução de um medicamento e saiba como aplicá-lo”, diz. Há oito anos trabalhando no Centro de Pesquisa, Tatiana afirma que o interesse de empresas internacionais em centros de excelência brasileiros para a execução de pesquisas clínicas com medicamentos tem crescido. “Hoje, entre estudos ativos e acompanhamentos, são cerca de 30 só aqui no AC Camargo”, afirma. Especialistas indicam que esse poder de atração do Brasil tem se replicado em outros países da América Latina, sobretudo no México e na Argentina. O
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TATIANA: PESQUISAS AJUDAM A CONHECER NOVAS TECNOLOGIAS
motivo? Segundo Silvia Zieher, diretora de Operações Clínicas na América Latina da MDS Pharma Services, os Estados Unidos estão se tornando um terreno pouco fértil para as pesquisas clínicas. As dificuldades em conseguir e reter pacientes, os crescentes custos para a realização dos estudos e o aumento dos trâmites burocráticos estão levando as empresas farmacêuticas a buscarem alternativas fora do país. “Além disso, em países como os EUA, os pacientes costumam ser recrutados de forma impessoal. Na América Latina, as pessoas que participam dos ensaios são conduzidas pela mão por seus próprios médicos de confiança”, diz Silvia. Devido a esse cenário, executivos de CROs (Contract Research Organizations) que operam na região estimam que a América Latina tem potencial para duplicar, em questão de três ou quatro anos, os 4,5 mil ensaios clínicos que vinha realizando ao final de 2008, segundo números do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. Esses ensaios, que poderiam significar receitas de mais de US$ 1 milhão, são realizados sobretudo em fases avançadas.
TENDÊNCIA RECENTE “Esse interesse é uma tendência recente, que começou a crescer há mais ou menos cinco anos”, afirma Pablo Hammerschmidt, diretor regional de Operações Clínicas para América Latina da ICON Clinical Research. Segundo Hammerschmidt, que trabalha em Buenos A i res, a ICON vinha registrando entre 35% e 50% de aumento anual na demanda por pesquisas clínicas na região, sendo 2009 a única exceção – com redução desse ritmo de crescimento para 10%. Segundo os especialistas, as motivações das pessoas que participam dessas experiências são variadas. E as
DIFERENTEMENTE DOS EUA, PACIENTES LATINO-AMERICANOS QUE SE SUBMETEM A UMA PESQUISA CLÍNICA TÊM RELAÇÃO MAIS ESTREITA COM O MÉDICO RESPONSÁVEL PELO ESTUDO
que concordam porque acreditam que o tratamento experimental poderá ajudá-las em uma doença são informadas de que não há garantias. A legislação brasileira não permite pagar a um paciente que aceite participar de uma pesquisa clínica. “Mesmo porque temos de garantir uma bolsa que cubra o tratamento inteiro, ou seja, não podemos derivar um paciente submetido a um estudo clínico para fazer qualquer atendimento através do SUS (Sistema Único de Saúde) ou de seu plano de saúde”, explica Tatiana. E mesmo com a demora maior que a média para a aprovação de um plano de pesquisa clínica contratado por uma empresa estrangeira, a demanda não estanca. “No Brasil, a média é de nove meses, enquanto na Argentina esse tempo é de três meses e nos EUA, de 45 dias”, diz Tatiana. “O Brasil costuma ser o último a entrar, mas sempre cumpre o target, pois tem pacientes dispostos a se submeter à pesquisa e centros de excelência dedicados a isso.”
4,5
mil pesquisas clínicas foram feitas na América Latina em 2008
Jose Luis Viramontes, que lidera as operações de desenvolvimento de remédios no México, América Central e Caribe para a CRO Internacional PPD Inc., afirma que o potencial de crescimento dos centros médicos que se dedicam a realizar esse tipo de experiência na região é enorme. “Mais de 80% da população vive em áreas altamente urbanizadas”, afirma Viramontes, ressaltando que a densidade de ensaios na região é extremamente baixa: 6,2 centros por milhão de pessoas, em comparação com os 29 do Reino Unido e os 120 dos EUA. Marlene Llópiz, diretora regional para América Latina da CRO Venn Life Sciences Clinical, afirma que a realização de um ensaio clínico varia de país para país, mas que, em geral, custa entre 28% e 32% menos que conduzi-lo nos Estados Unidos. Contudo, a pesquisadora é rápida em ressaltar que esse menor preço não quer dizer que a qualidade do serviço seja menor. “A qualidade do profissional é equivalente à obtida nos Estados Unidos.” E, o melhor, “com uma relação de confiança entre o médico e o paciente que quase não se vê nos EUA e que garante a retenção e melhor resultado final”. Dezembro, 2009 AméricaEconomia 41
O Novo Corredor Comercial América Latina-Ásia
O
s padrões de comércio globais mudaram de modo significativo nos últimos anos. Uma das mudanças mais notáveis foi o crescimento do comércio entre a América Latina e a Ásia que superou o crescimento comercial entre todas as outras regiões do mundo. Este novo corredor comercial entre a América Latina e Ásia é o resultado natural da vantagem comparativa. A América Latina tem abundância de vários materiais brutos – tais como produtos agrícolas, de energia e de mineração – que atendem as fortes demandas emergentes da Ásia, enquanto que a Ásia emergente é um produtor de baixo custo de produtos manufaturados como eletrônicos, têxteis e de vestimentas, para os quais a América Latina é um mercado estável e crescente.
De fato, os dados comerciais mensais mais recentes do Brasil mostraram que a China é o maior cliente do Brasil, ultrapassando os Estados Unidos, que cairam para a posição número 2. Durante todo o ano de 2008, o Brasil exportou US$20 bilhões de bens para a China e importou US$16,4 bilhões de acordo com os dados da Comtrade das Nações Unidas. Enquanto os números comerciais com a China são impressionantes em qualquer definição, é importante notar que não é somente a China. A Coréia do Sul e o Japão também são parceiros comerciais importantes da maioria dos países da América Latina. Isto também é um desenvolvimento relativamente recente e o padrão de mercadorias comercializadas é similar àquelas comercializadas com a China.
Este novo corredor comercial se desenvolveu ao passo quea China está entre os cinco maiores destinos de exportação para quase todos os maiores países da América Latina, e a China é uma das cinco maiores fontes de importação em todos os maiores países da América Latina. Em 2008, a China importou um total de US$38,4 bilhões da Argentina, Brasil, Chile e Peru, de acordo com nossos cálculos. Como uma das 5 maiores fontes de importação para a Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru em 2008, a China exportou US$72,9 bilhões para esses países.
Um segundo desenvolvimento relacionado é a mutante composição dos destinos de exportação da América Latina nos últimos anos. Ocorreu uma mudança clara da América do Norte (Estados Unidos e Canadá) para a Ásia e outras economias emergentes. As Estatísticas Comerciais Internacionais da OMC para 2008 – os últimos números definidos consistentemente entre os países – mostram a natureza da mudança dos padrões de exportação da América Latina. A América do Norte permanece o mercado de exportação predominante em 2007, com
uma porcentagem de 30% das exportações. Contudo, esta porcentagem caiu quase 39% do total em 2000. O declínio da porcentagem da América do Norte é o reflexo do aumento da porcentagem das exportações da América Latina destinadas a outros mercados emergentes. As exportações para a Ásia em uma porcentagem total de exportações aumentou consideravelmente de 9,7% em 2000 para 16% em 2007. As exportações para a China em particular cresceram numa margem anual média de mais de 20% entre 2000 e 2007. A composição das exportações da América Latina também mudou para outras regiões emergentes como a África, o Oriente Médio e a CEI mas com peso um pouco menor do que no caso da Ásia. A presença da América Latina como um participante significativo no mercado global é relativamente nova. Enquanto que o mercado financeiro dos preços das commodities é um fator presente, a maioria das economias na região se tornou mais abertas ao comércio nos últimos anos. Isto é o resultado de muitas coisas, incluindo as taxas de câmbio que estão mais flexíveis. A mudança para uma base de comércio mais diversificada para a Ásia também reduz a confiança em um número limitado de mercados de exportação,
2000 2003 2007
America do Norte
Intra-Latam
Europa
Ásia
África
Oriente Médio
CEI (Comunidade dos Estados Independentes)
O padrão das mudanças dos mercados de exportação da Latam. Fonte: Estatística Comercial Internacional da OMC 2008
e significa que as economias estão mais flexíveis à redução econômica dos países principais. Um outro testemunho da importância do crescimento do comércio entre a América Latina e a Ásia é o número crescente de acordos comerciais entre as duas regiões. O Chile é sem dúvida o líder na América Latina, assinando acordos com a Malásia, Japão, China, Cingapura, Coréia e Índia. O Peru assinou um acordo comercial com a Cingapura em maio de 2008 e com a China em abril de 2009. Existe também um acordo comercial entre a união alfandegária do Mercosul (Brasil, Argentina e Uruguai) com a Índia.
Este aumento de demanda pelos serviços especializados do Standard Chartered para mercados de materiais brutos e commodities na América Latina combinam com a demanda da América Latina por produtos manufaturados da Ásia. Esperamos que essa ligação comercial continue a crescer e a posicionar o nosso negócio de modo apropriado para ajudar nossos clientes. Em particular, o Standard Chartered está levando seu conhecimento de comércio global, mercados locais e de pesquisa para os mercados emergentes a fim de facilitar esses fluxos de mercado e de servir os clientes corporativos e institucionais na América Latina e no resto da rede de conexões do Standard Chartered.
Douglas Smith Regional Head of Research, the Americas Douglas Smith é atualmente o Regional Head of Research do Standard Chartered para as Américas, em Nova York. Com sede em Londres, o Standard Chartered PLC está na Bolsa de Valores de Londres e de Hong Kong e entre as 25 empresas mais importantes de acordo com o FTSE-100, na área de capitalização de mercados. O banco possui um histórico de mais de 150 anos na área bancária, e tem uma rede de negócios mundial com mais de 1.700 filiais em 70 países, na região Ásia Pacífico, Sul da Ásia, Oriente Médio, África, Reino Unido e Américas. Doug trabalha no banco desde 2002 e é especialista na América Latina bem como representa a equipe de Pesquisa Global para as Américas. Antes de fazer parte do quadro de funcionários do Standard Chartered, trabalhou por dois anos na IDEAglobal em Nova York, onde construiu e gerenciou a equipe de Estratégia para a América Latina, incluindo estrategistas de renda fixa, estrategistas monetários e
economistas. De 1998 a 2000, Doug trabalhou no US Treasury (Tesouro Nacional dos Estados Unidos) como economista internacional sênior para a América Latina. Foi conselheiro do Secretário do Tesouro Bob Rubin e em seguida de Larry Summers durante a crise financeira no Brasil, na propagação do mercado financeiro e da resposta do FMI. Doug é PhD em Economia pela Columbia University e fez especializações em macroeconomia e econometria internacional. Participa ativamente em atividades do Conselho de Relações Exteriores, do Conselho das Américas e da Sociedade Asiática, onde discursou em painéis especializados sobre economia. Tem publicações no Journal of Development Economics (Jornal de Economia de Desenvolvimento), é mundialmente conhecido como um especialista nos mercados financeiros do Brasil e já foi comentarista em programas como Lou Dobbs, CNN, Bloomberg e CNBC.
ESPECIAL MERCADO DE CARBONO
TRILHA Empresas impulsionam cada vez mais o mercado voluntário de bônus de carbono na expectativa de uma boa notícia vinda de Copenhague
Ilustração ISTOCKPHOTO
VERDE EDUARDO THOMSON, DE SANTIAGO. COLABOROU GRAZIELE DAL-BÓ, DE SÃO PAULO
A
companhia chilena Agrosuper é uma gigante da área de alimentação. Processa mensalmente 60 mil de toneladas de frangos e suínos. Para conter o mau cheiro e a emanação de gás metano derivados do chorume produzido na criação de porcos, a Agrosuper desenvolveu um sistema de biodigestores e plantas de tratamento de lamas ativadas que reduz em 80% a emissão de gases do efeito estufa (GEE). O sistema permitiu à empresa emitir créditos de carbono (conhecidos como RCE, ou Certified Emission Reductions), cuja unidade representa 1 tonelada equivalente de dióxido de carbono (CO2), comprados por companhias que buscam compensar suas próprias emissões, e tornou a Agrosuper uma referência pela inovação de seu modelo. Apesar desse sucesso, Carlos Andrés Vives, subgerente de Assuntos Corporativos da empresa, admite que a expansão dos projetos ambientais está em banho-maria. “Temos planos para o norte do Chile, onde pretendemos
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aumentar a produção de suínos, mas estamos esperando para ver como será a recuperação da crise e o resultado da Cúpula de Copenhague.” A posição da Agrosuper reflete a de muitas empresas envolvidas em iniciativas de redução dos gases causadores do efeito estufa, que aguardam com expectativa a cúpula mundial do clima, que acontecerá de 7 a 18 de dezembro, na capital da Dinamarca. A esperança dos empresários é de que se possa alcançar um acordo ao estilo “Kyoto-2”, ou pelo menos a base para um novo modelo global nos próximos anos. Isso porque, apesar de ter conseguido constituir um mercado de bônus de carbono, está claro que o setor produtivo que investe necessita de uma referencia jurídica clara. “Se forem determinadas metas em escala global, veremos as empresas investindo em inovação tecnológica, como já aconteceu no caso do Protocolo de Montreal, em vigor desde 1989 e que estimulou o setor privado a reconverter os sistemas
de refrigeração, reduzindo a emissão de gases que destroem a camada de ozônio”, afirma Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP e especialista no tema (veja entrevista à pág. 52). “Infelizmente, o empresariado, que é o motor dessa transformação, acaba participando do debate apenas como ouvinte”, diz Marina Grossi, diretora do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Esse compasso de espera, entretanto, está longe de significar paralisia. Cada vez mais as empresas se dedicam
Foto DIVULGAÇÃO
NEBULOSIDADE PARCIAL
SUZANO PAPEL E CELULOSE Uma das maiores produtoras integradas de celulose e papel da América Latina, há seis anos mede seus inventários de emissões de GEE (Gases do Efeito Estufa). Entre 2006 e 2007, vendeu créditos de carbono por 15 mil toneladas equivalentes de CO2 na Chicago Climate Exchange. Diariamente, a empresa planta 220 mil mudas de eucalipto. Sua área florestal absorve 3,8 vezes mais toneladas de carbono do que a empresa emite na produção, de acordo com o Inventário de Emissões de 2007. Em 2008, a empresa emitiu 792 mil toneladas de carbono, e as florestas plantadas de eucalipto poderão “sequestrar” mais de 3,3 milhões de toneladas de carbono.
portância, seja para ganhar dinheiro, para não perder mercados, ou mesmo como um recurso de imagem pública. E se sua empresa ainda acha que isso é apenas uma “moda”, é provável que dentro de poucos anos ela seja obrigada pelo governo a adotá-la, pois, mais cedo ou mais tarde, todos os países do mundo (inclusive a América Latina) terão de ter suas metas de redução de emissões. A pergunta é quando e quanto.
Foto MIGUEL CANDIA
a fazer o inventário das emissões de dióxido de carbono de suas operações e a buscar formas de mitigá-las. O mercado voluntário de carbono – aquele que não se rege pelas regras do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), isto é, as bases estabelecidas no Protocolo de Kyoto – assinado em 1997 e em vigor desde fevereiro de 2005 –, mas no qual as empresas podem participar voluntariamente, neutralizando suas emissões de gases do efeito estufa, está crescendo em número e volume de transações. Por exemplo, o número de empresas participantes no projeto conhecido como Carbon Disclosure Project (Relatório de Informações sobre Carbono, CDP na sigla em inglês) duplicou de 2008 para 2009, passando de 1,4 mil para mais de 3 mil. Na somatória de iniciativas, o Brasil está na dianteira: é o terceiro país do mundo em número de projetos de não emissão de carbono em aprovação pela ONU (Organização das Nações Unidas), atrás de China e Índia. Dos 1.836 que estão na mesa do Conselho Consultivo do sistema MDL, 164 têm origem brasileira. “Levando em conta que temos uma matriz energética muito limpa, o terceiro lugar é muito bom”, afi rma Marina, do CEBDS. Algumas empresas já perceberam que o mercado de carbono é de vital im-
O mercado de carbono não é fácil de compreender à primeira vista. O Protocolo de Kyoto lançou os alicerces sobre os quais países mais poluidores se comprometeram a reduzir em 5,2% suas emissões de gases de efeito estufa até 2012 (usando 1990 como ano-base), com o objetivo de frear o processo de aquecimento global. Para isso, implantou-se um sistema de transações cap-and-trade, que estabelece metas de redução para os países, e um sistema para empresas e fundos dos países desenvolvidos comprarem créditos de carbono registrados no MDL. Esses títulos são emitidos para projetos de energia renovável, captura de gás ou reconversão de instalações de combustíveis mais limpos, como forma de o mundo desenvolvido fi nanciar a passagem dos países em desenvolvimento para novas formas de energia. A União Europeia quis assumir a liderança na questão das mudanças climáticas. Além do MDL, em 2005 pôs em funcionamento o sistema EU ETS (European Union Emission Trading Scheme) que é, atualmente, o principal mercado para os créditos de carbono no mundo,
PLANTAS DE TRATAMENTO DA AGROSUPER: MODELO RECONHECIDO PELA INOVAÇÃO
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ESPECIAL MERCADO DE CARBONO
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110%
para compensar as emissões tenham sido os próprios EUA. De fato, um dos pr i nc ipa i s mercados para a transação de créditos de carbono é o Chicago Climate Exchange, no qual muitas empresas latino-americanas, tais como as brasileiras Suzano e Aracruz, do setor de papel e celulose, têm negociado créditos. De acordo com um estudo realizado pela consultoria New Carbon Finance sobre o volume do mercado voluntário, o montante total de transações em 2008 foi de apenas US$ 705 milhões, apesar de um aumento de quase 110% em relação aos US$ 335 milhões registrados em 2007. Cerca de 50% desse valor correspondia a operações no mercado de Chicago e a outra metade estava relacionada a operações overthe-counter, isto é, fora dos mercados estabelecidos. Um montante ínfimo se comparado a outros mercados de carbono, mas que
representa uma grande oportunidade. A participação da América Latina ainda é tímida – em 2008, apenas 4% das transações se or igi na ra m na região –, mas crescente. Entre os exemplos de quem aposta no mercado voluntário está Stefano Merlin, diretor da consultoria ambiental brasileira SocialCarbon, uma joint venture entre a europeia CantorCO2e e o Instituto Ecológico do Brasil. Ele explica que o mercado voluntário, embora muito menor do que o de MDL ou de ETS, oferece muito mais oportunidades em termos de velocidade de execução. “Em média, o processo de um projeto que pretende emitir VERs (Voluntary Emission Reductions) pode levar cerca de oito meses, enquanto o de MDL pode demorar vários anos”, diz. Para que um projeto de energia renovável seja aprovado pelo MDL, tem de receber o aval de uma autoridade nacional creditada pelas Nações Unidas e pelo painel da organização. Isso pode levar dois ou três anos, encarecendo o processo. A Agrosuper já sentiu na pele os efeitos desses atrasos. ODONTOPREV A empresa brasi“Ainda estamos no leira de serviços odontológicos comeprocesso de avaliaçou a medir suas emissões em 2007. ção de projetos que Naquele ano, o resultado foi de 237,9 estão prontos para toneladas equivalentes de CO2. Em emitir CERs (Redução 2008, por meio da conscientização de de Emissões Certificaseus funcionários e executivos, elas cadas) daqui a dois ou três anos”, diz Carlos íram para 217,8 toneladas. O projeto de Andres Vives. “Mas o neutralização de carbono teve início gargalo diante da cocom o plantio de 1.262 árvores e conmissão que aprova o tou com um investimento de R$ 45 mil. MDL é enorme.” Emitir Segundo a operadora odontológica, a instrumentos no merimportância do uso consciente da água cado voluntário seria e da ação de plantar é disseminada aos a solução? “Esse mercolaboradores e cirurgiões dentistas de cado ainda tem muito sua rede credenciada. o que amadurecer e melhorar”, responde.
foi o aumento do montante de transações no mercado voluntário
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com 4,5 mil empresas e 12,5 mil fontes de emissão obrigadas a cumprir as metas de redução. “Este mercado concentra aproximadamente 70% do volume de transações de créditos de carbono, enquanto Kyoto representa 25%”, diz o especialista Arturo Brandt, senior Project Manager da GEQ Chile. Em termos de volume negociado em 2008, o ETS movimentou cerca de US$ 94,9 bilhões, enquanto Kyoto representou aproximadamente US$ 21,7 bilhões. Para descobrir onde estão os 5% restantes, é preciso lembrar que o maior emissor de gases do efeito estufa do mundo, os Estados Unidos, na época com George Bush na presidência, nunca ratificaram Kyoto, deixando de fora o funcionamento do MDL. Isso explica por que, de certa forma, um dos mais importantes atores no surgimento de um mercado voluntário
FEMSA As medidas da mexicana incluem a geração própria de eletricidade e vapor na divisão Cervejaria Cuauhtémoc Moctezuma, o que reduziu em 10% a emissão de GEE no ano de 2007. Já a divisão de bebidas Coca-Cola Femsa conseguiu manter estáveis suas emissões de GEE de 2004 a 2007, apesar de ter aumentato a produção em 11%. Em 2008, investiu US$ 22,8 milhões em novos projetos de eficiência energética.
COMPRAR A CAUSA Há pessoas que estão trabalhando para que esse amadurecimento ocorra. Recentemente, a Fundación Chile, uma entidade público-privada, e a empresa chilena de serviços fi nanceiros Celfi n anunciaram a criação de uma bolsa de carbonos no Chile. Prevista para entrar em operação em 2010, sua intenção é oferecer uma plataforma estável, com sistemas de medição e validação provados para empresas que querem comprar créditos de carbono no mercado voluntário e, se possível, também atrair players de outros países da região. “Levando-se em conta apenas as empresas chilenas, estimamos um volume de negócios anual de cerca de US$ 4 bilhões em 2040”, explica Aldo Cerda, diretor de Meio Ambiente da Fundación Chile. “Se conseguirmos atrair empresas de fora do país, o potencial será ilimitado.” A pioneira nesse tipo de iniciativa foi a BM&FBovespa, de São Paulo, que criou um sistema eletrônico de registro de projetos de desenvolvimento limpo cujo primeiro leilão aconteceu em setembro de 2007, com a negociação de créditos correspondentes a 808.450 RCEs gerados pelo aterro sanitário Bandeirantes, da Prefeitura de São Paulo. O exemplo da brasileira, entretanto, indica que o desenvolvimento de ações como essa nem sempre corre na mes-
ma velocidade que as expectativas do mercado. Hoje, o Banco de Projetos da BM&FBovespa conta apenas com quatro projetos cadastrados. A iniciativa da instituição brasileira é ampla e permite o registro de intenções de compra de investidores que estão selecionando projetos nos quais investir.
CINEMARK A cadeia de salas de cinema mexicana começou em 2008 um programa de eficiência energética que inclui a troca do sistema de ar-condicionado, dos letreiros de iluminação neon por LEDs e uso eficiente da água. Suas emissões de GEE caíram de 16.280 toneladas equivalentes de CO2 em 2007 para 14.839 no ano passado.
O consenso é que este é um mercado recém-nascido. “Os projetos de redução de carbono para o mercado voluntário na América Latina ainda são escassos, mas, à medida que haja mais consciência na empresas e nos governos sobre a necessidade de se fazer uma transição para uma economia com baixa emissão de carbono, o mercado voluntário vai se tornar mais importante, por conta das travas que o MDL pode apresentar”, comenta o advogado Marcelo Slonimsky, da empresa Baker Mackenzie, em Buenos Aires. O colombiano Marco Monroy, presidente da consultoria ambiental MGM Innova, concorda: “Ainda estamos no início da conscientização das empresas. Além disso, a crise fez com que esse fosse um tema secundário, mas cada vez veremos mais interesse na necessidade de reduzir ou compensar as emissões no mercado voluntário”, comenta. Uma atração do mercado voluntário over-the-counter (OTC) é uma diferença entre os compradores com o MDL e os ETS, ou mesmo com a bolsa de Chicago. Um comprador do mercado de complacência está atrás do carbono, aquele que o permita cumprir as metas que as autoridades lhe fi xam. Em contrapartida, no mercado voluntário OTC, os compradores estão mais interessados nas características Dezembro, 2009 AméricaEconomia 47
ESPECIAL MERCADO DE CARBONO Para os especialistas do setor, além da melhora da imagem e da responsabilidade social corporativa, há outros benefícios em investir no mercado de carbono. Seja para uma empresa que mensura seu inventário ou que esteja considerando emitir VERs, ambos os processos levam a melhorias na eficiência energética e na vantagem
4%
MASISA É a pioneira entre as empresas chilenas na Chicago Climate Exchange e cumpriu com folga a meta de reduzir suas emissões de GEE em 6% para 2010. Além disso, investiu na instalação de fontes de energia à base de biomassa em vez de combustíveis fósseis. Possui créditos de carbono certificados que até agora não foram vendidos.
sociais ou ambientais do projeto que estão fi nanciando. Querem saber, por exemplo, se o projeto, além de reduzir emissões de carbono, permite melhorar o nível de vida da comunidade local. Consequentemente, isso pode se refletir no preço que o comprador está disposto a pagar, explica Merlin, da SocialCarbon. Realmente, a SocialCarbon tem desenvolvido sua própria metodologia de avaliação dos projetos que incorporam um aspecto social, além da mera a emissão de CO2. Entre seus clientes estão Natura, Petrobras, Greenpeace e Banco Mundial. Por exemplo, o preço do crédito de carbono “Kyoto” é perto de 20 euros. Na bolsa de Chicago, ele pode ser inferior
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a US$ 0,15 – isto porque, de acordo com Aldo Cerda, da FundaciónChile, a metodologia que esta bolsa tem usado para aceitar projetos tem sido amplamente criticada por não ser “adicional”, ou seja, são créditos emitidos relacionados a projetos que foram desenvolvidos de qualquer maneira, inclusive sem uma emissão de VERs e, portanto, não são valorizados pelos potenciais compradores. Em vez disso, de acordo com um estudo da New Carbon Finance e Ecosystem Marketplace, o preço do VER no mercado OTC, em 2008, variou entre US$ 1,20 e US$ 46,90 por tonelada equivalente de CO2. Com essa variação, não se pode dizer que estamos frente a uma commodity.
MIRANDA Y AMADO A empresa de advogados peruana mediu seus vestígios de carbono de 2007 e 2008. De 330,9 toneladas de CO2 em 2007, subiu para 370,9 em 2008, mas explica que isso se deveu a um aumento de pessoal de 50%. Neutralizou seus vestígios de carbono correspondentes a 2008 comprando créditos de uma pequena central hidrelétrica do Brasil.
competitiva, explica o hondurenho Jorge Barrigh, diretor para América Latina da administradora de fundos de investimento NatSource. “As empresas têm em suas mãos um ativo ambiental que não tinham há apenas cinco anos”, explica. “É um ativo poderoso e que, adicionalmente, pode impulsionar uma melhora nos fluxos de caixa dos projetos, atrair novas tecnologias e incentivar o crescimento de áreas de conhecimento novas.” Barrigh acrescenta que, segundo um estudo do Banco Mundial, um dólar investido em fi nanças de carbono alavanca mais US$ 3,80 de investimento. E quem quer melhor motivo que esse para trabalhar em prol da sustentabilidade?
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é a participação da América Latina no mercado voluntário
CONTA IMPRECISA A brasileira Heloísa Schneider, especialista em agronegócios da Cepal, fez uma experiência pessoal. Entrou em várias calculadoras de carbono na Internet, sites que calculam as emissões de dióxido de carbono, desde as tarefas rotineiras até as de um evento corporativo. Essas calculadoras oferecem a possibilidade de comprar offsets, créditos de carbono no mercado voluntário, cujo dinheiro vai para o desenvolvimento de projetos ambientais. “Usei várias calculadoras para um mesmo assunto: uma suposta viagem de negócios”, comenta, “mas a diferença de informações solicitadas era abismal. Em uma calculadora, simplesmente me perguntaram a origem e o destino do voo, enquanto em outras me pediam o número do voo, o modelo do avião e que combustível usa, em que classe eu iria viajar, quantas malas eu iria levar. O resultado foram cifras de emissões de carbono completamente diferentes!” E eram sites que cobravam pelo serviço. Ninguém está dizendo que o mercado voluntário é perfeito. Mas tem potencial de melhorar e institucionalizar-se. Primeiro, é preciso padronizar metodologias de emissão e verificação, tanto do inventário de emissão de gases das empresas quanto das medições dos projetos que desejam emitir créditos de carbono.
Ilustração ISTOCKPHOTO
QUESTÃO DE QUERER Gary Hufbauer, economista do Peterson Institute for International Economics, um think tank em Washington D.C., estudou o mercado de carbono e seu efeito no comércio internacional. “Não tenho dúvidas de que os mercados de carbono crescerão em todo o mundo, não importa o que aconteça em Copenhague”, comenta ele, que acredita que a decolagem definitiva não virá até que haja melhor padronização das metodologias de medição. “Um recente estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contabilizou mais de 20 metodologias de medição de inventários de carbono, com resultados completamente diferentes.” Aqueles que apostam que o próprio mercado pode corrigir esse tipo de erro apontam o fato de que, em 2008, uma das normas mais usadas para calcular emissões de VERs, o Voluntary Carbon Standard (VCS), detinha 48% do mercado. “Em 2009, a participação do mercado de VCS superou os 96%”, explica Merlin, da SocialCarbon, de São Paulo. Com relação à medição de inventários de carbono, ele afirma que a metodologia mais imponente é a do Green House Gas Protocol, ou GHG Protocol. Outro também utilizado é o PAS 2050, desenvolvido pelo governo do Reino Unido e pela organização público-privada CarbonTrust. Pode ser que não sejam as melhores formas, mas são as que a maioria está começando a usar. Não basta estar atento para que as medições estejam bem-feitas. Um estudo do Financial Times, de 2007, revelou que foram gastos milhões em projetos que têm, no final das contas, pouco ou nenhum benefício ambiental. Em alguns casos, paga-se por emissões que não se concretizam. O Financial Times menciona que o banco HSBC, por exemplo, que neutralizou suas emissões de carbono em 2005, preferiu evitar o mercado e financiar diretamente o desenvolvimento de um projeto.
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ESPECIAL ENTREVISTA
BRASIL
NA OFENSIVA
AMBIENTAL VERÓNICA GOYZUETA, DE SÃO PAULO FOTOS: FABIANO ACCORSI
O
ex-reitor da Universidade de São Paulo Jacques Marcovitch já pensava sobre o pós-Kyoto antes mesmo de o Protocolo entrar em vigor, em 2005. Doutor em Administração pela FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), Senior Adviser do World Economic Fórum para a América Latina e autor de Para Mudar o Futuro – Mudanças Climáticas, Políticas Públicas e Estratégias Empresariais, ele defende maior protagonismo do Brasil no debate ambiental e sobre o clima e afirma que é impossível pensar em um projeto de redução de emissões de carbono que não esteja atrelado à evolução tecnológica.
AméricaEconomia A decisão da China e dos EUA de adiar um acordo para 2010 tornou a reunião de Copenhague um fracasso antecipado? Jacques Marcovitch De um lado, temos o G-20 e, do outro, uma tentativa dos EUA e da China de se constituírem no foco de deliberação da agenda mundial. É lastimável que não tenhamos a possibilidade de chegar a um acordo quantitativo agora, mas, se isso implica em um avanço mais ousado do lado norte-americano, sairemos ganhando. Outro aspecto que os países emergentes devem analisar é se essa legislação não geraria um intervencionismo
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disfarçado, sob o pretexto de que eles não são suficientemente redutores da emissão de carbono.
AE Com a decisão dos EUA e da China, surge a oportunidade para uma liderança brasileira em Copenhague? Marcovitch O Brasil está na ofensiva. Depende da transformação dos números anunciados em lei. No caso do município e do estado de São Paulo, por exemplo, isso já aconteceu. Agora cabe ao governo federal fazer o mesmo. Assim, o Brasil passará a assumir uma posição de liderança.
AE Uma liderança do Brasil em Copenhague pode ser positiva? Marcovitch O Brasil, por sua extensão geográfica e pelos seus recursos naturais, além de sua posição no Environmental Performance Index (EPI), mostra que tem responsabilidades e pode assumir o papel de uma potência ambiental, fazer parte do clube de países que têm muito a dizer sobre o futuro do planeta.
AE Líderes como Gordon Brown e Nicolas Sarkozy têm cobrado a participação do presidente Lula no COP-15. Qual é a importância disso? Marcovitch A figura do Brasil é a figura do presidente. O Brasil tem 16 anos de estabilidade econômica, se afirmou na crise financeira de 2008 e mostrou que é capaz de gerenciar melhor seu sistema financeiro. Na dimensão social, melhorou seu índice de distribuição de renda. Há uma terceira dimensão, a ambiental, em que o país também se destacou, especialmente após a Conferência Rio 92, da ONU. Mesmo que continue deixando a desejar, a ação ambiental é pioneira em muitos aspectos, e as organizações civis têm se mobilizado para colocar essa questão como prioritária na pauta das políticas públicas. O fato de o Brasil viver esse momento, somado à trajetória do presidente Lula – que tem conseguido se comunicar com a opinião pública internacional -–, ajuda a transmitir não tanto uma retórica, mas exemplos con-
cretos que podem inspirar outros países, especialmente os emergentes.
AE Questiona-se a construção de termoelétricas. Isso desvia o Brasil da geração de energias limpas? Marcovitch O projeto de desenvolvimento brasileiro demandará uma expansão da oferta, mas ainda subestima a capacidade de elevar a eficiência energética. Qualquer projeto a longo prazo, entretanto, tem a ver com evolução tecnológica. Acredito que, à medida que as metas forem determinadas, evoluiremos rapidamente em direção a tecnologias novas e limpas, porque o setor produtivo precisa de uma referência jurídica clara. Se o Brasil assumir esses resultados (de 36,1% a 38,9% de redução nas emissões) e se forem determinadas metas em escala global, deveremos ver o setor produtivo investindo pesadamente em inovação tecnológica, como já aconteceu no caso do protocolo de Montreal, que estimulou o setor privado a reconverter os sistemas de refrigeração, reduzindo a emissão de gases que destroem a camada de ozônio.
AE Uma hora o governo quer que o Brasil seja líder em energias limpas, e na outra, uma potência petrolífera. Não é um discurso esquizofrênico? Marcovitch A Noruega é uma sociedade bem consciente deste duplo objetivo: preocupação ambiental e prospecção de energias fósseis. A resposta está no uso dos recursos financeiros decorrentes do comércio de petróleo para financiar inovações orientadas ao sequestro de carbono ou sua reinjeção no mesmo local de onde esse petróleo foi retirado.
AE É possível cumprir as propostas feitas pelo Brasil? Marcovitch Sim. Obviamente elas envolvem articulações. O setor de siderurgia, que corresponde a 0,4% do que foi anunciado, pode alcançar essa meta. Cada setor tem condições de alcançá-la (agropecuária 6%, energia 6%). Talvez o mais difícil seja a redução do desmatamento (20,9%), porque envolve uma
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Algumas empresas mostram o caminho (da inovação), mas a maioria entra na curva de aprendizagem muito mais tarde
presença do Estado na Amazônia, e isso não depende de uma vontade, nem do governo, nem de setores organizados. Ela ocorre através de atores menos organizados, e por isso é muito mais difícil.
AE Iniciativas como cálculo de emissões e reciclagem mostram que as empresas estão respondendo à demanda por um desenvolvimento sustentável. O setor privado está mais adiantado que os governos? Marcovitch Sim e não. Todo modelo de inovação mostra que há 10% de uma comunidade que é mais inovadora. Temos estudado isso no projeto Mudar o Futuro, da USP. É uma minoria que está na frente, geralmente de grandes empresas que dependem do mercado internacional e de exportações. Entretanto, a grande maioria está mais preocupada em agir sem perspectiva de longo prazo. São essas empresas que levaram entidades como a FIESP e a CNI a assumir posições mais conservadoras, dizendo que, enquanto os países mais desenvolvidos não assumirem suas metas, o Brasil não deveria assumir compromissos mais ousados. Ou seja, algumas empresas mostram o caminho, mas a maioria entrará na curva de aprendizagem muito mais tarde.
AE Com a possível candidatura de Marina Silva, a eleição presidencial de 2010 está colocando o debate sobre meio ambiente numa posição privilegiada. O que o senhor acha disso? Marcovitch Evidentemente, todos os partidos estão tratando dessa questão, mas o fato de Marina Silva ter se mobilizado elevou a pauta. Houve uma mudança, e a prova é que tanto Dilma Rousseff quanto José Serra incluíram esse tema entre suas prioridades, também influenciados pela agenda internacional. Tenho a impressão que, desde os atentados de 11 de setembro de 2001, passamos a viver várias agendas fragmentadoras. Assim, hoje, a única agenda agregadora, em que todos os países sentem que devem sentar juntos, é a ambiental e a do clima.
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DEBATES LINHA DO TEMPO
O ANO DA RECESSÃO N
as próximas páginas, a equipe de AméricaEconomia – com a ajuda do serviço de informação fi nanceira mergermarket.com, do grupo Financial Times, destaca alguns dos fatos e negócios que marcaram o ano na América Latina. A ideia é apresentar acontecimentos que, por um lado, resumam 2009 – que, certamente, ficará marcado como o ano da grande recessão – e, por outro, joguem sobre esse período a luz clara da relevância, que costuma ser um bom indicador do futuro.
JANEIRO OBAMA SUPERSTAR
CUBA: A REVOLUÇÃO PERMANENTE
Barack Obama se torna o 44º presidente dos Estados Unidos, reunindo uma multidão que acompanhou a posse do primeiro mandatário negro do país. Apesar da fascinação mundial por Obama – que em outubro refletiu-se em sua vitória como Prêmio Nobel da Paz – no âmbito doméstico, o presidente teve de enfrentar problemas que não se resolvem apenas com carisma. O mais grave: a reforma do sistema de saúde.
Há 50 anos, a Revolução Cubana prometia trazer novos ares à América Latina. Hoje, seus mesmos líderes, agora octagenários, são os que defendem a ausência de mudanças em Cuba. E comemoram um evento que a maioria da população da ilha não viveu, se considerarmos que no Censo de 2002 somente 14,7% dos cubanos tinham mais de 60 anos.
NEGÓCIOS DO MÊS • O Grupo Camargo Corrêa compra do Grupo Votorantim 50% da VBC Energia por US$ 1,1 bilhão. • A Vale adquire a mina de ferro Corumbá da Rio Tinto por US$ 750 milhões. • O Banco do Brasil compra 50% do Banco Votorantim por US$ 1,84 bilhão.
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A crise econômica cria pânico nos mercados, mas AméricaEconomia mostra a oportunidade para os valentes que decidem aproveitar o momento de desvalorização de ativos para ir às compras.
FEVEREIRO
MARÇO
ETERNAMENTE CHÁVEZ?
O desmatamento da Amazônia não acontece somente na parte brasileira da floresta. AméricaEconomia alerta para a necessidade de se criar uma política regional para o tema.
O presidente venezuelano obtém apoio de 54,9% da população para reformar a Constituição do país e garantir-se no poder por mais sete anos. Também conquista o direito à reeleição indefinida. Com isso, a oposição demonstra sua incapacidade de se unir em um projeto alternativo.
NEGÓCIOS DO MÊS • O Banco do Brasil anuncia a compra de Banco do Estado do
VITÓRIA DA ESQUERDA Mauricio Funes, da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), é eleito presidente de El Salvador. Funes arrebata a hegemonia do Arena, tradicional partido de direita, e mantém uma política de aproximação com o Brasil.
Espírito Santo por cerca de US$ 1,2 bilhão. • A Ecopetrol e a KNOC compram a Petro Tech Peruana por
A ARGENTINA SE DESPEDE DO HOMEM DA TRANSIÇÃO
US$ 900 milhões.
AméricaEconomia mostra os passos da empresa d e te l e com Oi em busca da competitividade e sua possível entrada no mercado regional.
ESPIONAGEM Descobrem-se escutas telefônicas ilegais de órgãos de segurança do governo colombiano a juízes, fiscais e políticos de oposição, além de funcionários do governo e jornalistas. Uma política de segurança a qualquer custo?
Raúl Alfonsín, primeiro presidente democrático argentino depois do período ditatorial, morre aos 82 anos. Apesar de não ter concluído seu mandato, submerso em uma crise de governabilidade, Alfonsín conquistou grande apreço e prestígio. Mesmo com a transcendência moral conquistada por ele, seu partido (União Cívica Radical) não conseguiu tirar o peronismo do eixo da política argentina – tarefa que tampouco Fernando de la Rúa conseguiu realizar.
PROTECIONISMO ARGENTINO DOW JONES DESABA
BRASIL AJUDA NA LIBERAÇÃO DE REFÉNS DAS FARC O governo brasileiro conquista um ponto a favor ao conseguir – com o apoio da Cruz Vermelha Internacional e do grupo Colombianos pela Paz – a libertação do deputado Sigfredo López e de outros quatro reféns das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) sequestrados em 2002. A liberação ainda significou um golpe à diplomacia do presidente Hugo Chávez, que ficou de fora da conversa em termos humanitários.
Pela primeira vez desde 1997, o índice Dow Jones Industrial cai abaixo dos 7 mil pontos, depois que a seguradora American International Group Inc. divulgou perda trimestral de US$ 61,7 bilhões. O mercado dos EUA só voltou a se recuperar em outubro, graças aos sinais de que os EUA saíam da recessão.
O governo argentino dá mais um passo em sua escalada protecionista contra o Brasil, intensificando a aplicação de licenças não-automáticas – aumentando o número de produtos atingidos pela medida e o tempo para liberação de carga na aduana. Entre os setores mais prejudicados estão os de móveis, calçados e têxteis. Em represália, no mês de outubro, o governo brasileiro passou a impor as mesmas licenças a produtos argentinos – sobretudo a alimentos perecíveis, que ficaram bloqueados na fronteira entre os países.
Dezembro, 2009 AméricaEconomia 55
DEBATES LINHA DO TEMPO
ABRIL
MAIO PERU: LEVIATÃ CONDENADO O ex-presidente peruano Alberto Fujimori, que dominou o país nos anos 90, é condenado a 25 anos de prisão por crimes de lesa humanidade pelos massacres de Barrios Altos e La Cantuta, que deixaram 25 mortos em 1991 e 1992, bem como pelo sequestro de um jornalista e um empresário em 1992.
São Paulo é novamente eleita a melhor cidade para fazer negócios na América Latina pelo ranking da AméricaEconomia.
O VÍDEO DA GUATEMALA Caiu como bomba o vídeo do advogado Sergio Rosenberg no qual acusa o Presidente de Guatemala, Álvaro Colom, de sua morte poucos dias depois da gravação. Mas Colon resistiu ao escândalo.
O MEDO DA GRIPE
A AméricaEconomia analisa quem está mais forte e bemposicionado frente à crise econômica: as multinacionais ou as multilatinas.
Um novo vírus da gripe, popularmente chamada de gripe suína, ou gripe A (H1N1), começa a amedrontar o mundo. No México, país onde a doença foi identificada, escolas da Cidade do México e de outros estados foram fechadas. Além disso, eventos públicos, inclusive missas e partidas de futebol, foram cancelados. Cerca de 70% dos bares e restaurantes da capital também permaneceram sem funcionar. Na Argentina, o vírus colapsou o sistema de saúde, ajudado por uma epidemia de dengue.
NEGÓCIOS DO MÊS • BTG fecha a compra do banco UBS Pactual por US$ 2,5 bilhões.
MÉXICO: CAEM NARCOS, MAS NÃO O TRÁFICO O governo mexicano consegue prender narcotraficantes de peso, como Vicente Carrillo (foto) e Héctor Manuel Oyarzabal. Entretanto, o narcotráfico não acaba: se reordena em torno de novas redes e líderes.
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NEGÓCIOS DO MÊS • Perdigão e Sadia anunciam sua fusão, formando a empresa Brasil Foods, operação avaliada em US$ 3,5 bilhões. • A Venezuela nacionaliza a argentina Ternium-Sidor, oferecendo indenização de US$ 1,97 bilhão.
PELO DIÁLOGO
PANAMÁ ELEGE MARTINELLI
Em seu primeiro gesto dirigido à América Latina, Barack Obama nomeou o chileno Arturo Valenzuela como subsecretário de Assuntos Hemisféricos Ocidentais. A escolha foi interpretada como relevante para uma agenda de diálogo mais ativa que a da administração de George W. Bush. Mas a nomeação não pôde ser concretizada até novembro, devido à oposição do senador republicano Jim DeMint, que a bloqueou devido à posição de Obama no tema de Cuba e Honduras.
Apesar do crescimento, da ampliação do Canal do Panamá e da popularidade do presidente Martín Torrijos, a social democracia não conseguiu manter-se no poder: perde as eleições para o milionário de centro-direita Ricardo Martinelli, que promete metrô na capital e portos para receber cruzeiros.
DEBATES LINHA DO TEMPO
AGOSTO
SETEMBRO NEGÓCIOS DO MÊS
Foto ANTONIO CRUZ/ABR
MARCO REGULATÓRIO DO PRÉ-SAL O presidente Lula apresenta o novo marco regulatório do pré-sal. Entre outras coisas, as regras preveem um sistema de partilha de produção entre a União e as empresas ganhadoras das licitações para as áreas do pré-sal e regiões estratégicas. A Petrobras, presidida por Sérgio Gabrielli (foto), teria direito à participação mínima em cada consórcio. Em novembro, é aprovada na Câmara dos Deputados a criação da Petrosal, estatal responsável pelos contratos de exploração e de comercialização de petróleo e gás natural do pré-sal.
• JBS acorda a fusão com a empresa de carne Bertin, por meio de uma troca de ações, e compra a Pilgrim’s, dos EUA. • Marfrig compra a Seara Alimentos por US$ 900 milhões.
QUEREM QUE EU SAIA? Na Cúpula da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), em Quito, a maioria dos países critica a Colômbia devido aos planos de instalação de bases norte-americanas no país, o que foi respondido pelo ministro da Defesa colombiano, Gabriel Silva, com uma ameaça de saída do grupo.
ZELAYA NÃO SE RENDE
ANTES DEVEDOR, AGORA CREDOR O Brasil segue seu caminho para ser um peso pesado no mundo político e econômico. O presidente Lula declara que o país passará a ser um credor líquido do Fundo Monetário Internacional e que está disposto a injetar US$ 10 bilhões na entidade multilateral. “Antes, nos diziam o que deveríamos fazer, mas agora nós estamos dizendo ao FMI o que se deve fazer”, afirmou Lula, na ocasião.
NEGÓCIOS DO MÊS • Banco Itaú transfere sua carteira de seguros a uma joint venture com a seguradora Porto Seguro. A operação foi avaliada em US$
Acaba o multilateralismo na política exterior dos EUA. É a aposta da AméricaEconomia, que, agora, prevê uma postura mais unilateral em seu tratamento de colaboração com diferentes países da região.
A América Central foi duramente golpeada pela crise. A AméricaEconomia vai além ao revelar os perigos sociais e políticos que ameaçam a estabilidade democrática da região.
POLÊMICO “PAZ SEM FRONTEIRAS EM HAVANA” Poucas vezes um show é motivo de polêmica, mas o da Paz sem Fronteiras, realizado em Havana, soou como um apoio declarado ao regime regime cubano. Quem mais sofreu críticas – em particular de Miami – foi o cantor colombiano Juanes.
850 milhões.
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Foto ANTONIO CRUZ/ABR
SAÍDA DE MARINA SILVA DO PT Depois de 30 anos no Partido dos Trabalhadores, Marina Silva pede desligamento para se filiar ao Partido Verde (PV). Embora tenha alegado que a saída estava ligada a sua vontade de lutar pelo desenvolvimento sustentável e pelo meio ambiente, cogita-se que ela teria trocado de partido para se candidatar à Presidência nas eleições de 2010.
O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya ( foto ), se infiltra no país, refugiandose na embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Dessa forma, o Brasil assume um papel, desejado ou não, de importância nas negociações. Houve um acordo para que Zelaya voltasse ao poder antes das eleições, que depois caiu.
OUTUBRO
NOVEMBRO EXPLODIU A PONTE Em um ato que promete volatilizar ainda mais as relações entre Venezuela e Colômbia, autoridades colombianas acusam pessoas uniformizadas de explodir uma ponte pênsil que conecta os dois países. No momento, não está claro se eram soldados do exército venezuelano, mas certamente é algo de que a região não precisa.
AméricaEconomia mostra o crescimento da influência do BNDES como financiador da expansão de empresas brasileiras na América Latina .
APAGÃO MEXICANO O presidente A fusão Itaú-Unibanco cria o maior banco da América Latina e um player global, como indica o Ranking de Maiores e Melhores Bancos da AméricaEconomia.
Felipe Calderón ordenou a liquidação da elétrica estatal Luz y Fuerza del Centro, devido à sua “comprovada ineficiência” e por enormes perdas ao fisco. Outras fontes atribuem a decisão do governo como parte de um plano para debilitar o Sindicato Mexicano de Eletricistas.
ELO LATINO-AMERICANO
José “Pepe” Mujica obteve o primeiro lugar nas eleições presidenciais uruguaias, mas não votos suficientes para ganhar no primeiro turno. Deverá enfrentar em um escrutínio o ex-presidente Luis Alberto Lacalle. Mujica, um ex-guerrilheiro tupamaru, liderou a transformação do grupo em uma força legítima.
Foto JOSÉ CRUZ ABR
UM EX TUPAMARU NO PODER
O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, visita o Brasil, acompanhado de uma comitiva de empresários. A chegada de Ahmadinejad foi precedida de manifestações civis contra o líder. No encontro, Lula defendeu o direito do Irã de desenvolver seu programa nuclear.
RIO GANHA O DIREITO DE ORGANIZAR OS JOGOS OLÍMPICOS O Rio de Janeiro deixou para trás Tóquio, Madri, Chicago e Londres e venceu como sede das Olimpíadas de 2016. Quando Lula e Pelé receberam a notícia, se abraçaram como crianças. De quebra, o Brasil ganhou o direito de mostrar-se ao mundo como a potência emergente que é.
A MUDANÇA CLIMÁTICA PODE ESPERAR Era de se esperar que a Cúpula de Copenhague sobre mudanças climáticas não resultasse em acordos sobre limites de emissão, devido à dificuldade de conciliar as posturas de Estados Unidos e China. Mas os líderes do governo aproveitaram um encontro anterior para oficializar que, em Copenhague, não se firmará um grande acordo “pós-Kyoto”, mas as bases para um acordo maior em anos posteriores. Obama disse que é importante mostrar algum tipo de avanço na Cúpula, ainda que não se saiba qual. Ao que tudo indica, os defensores do meio ambiente continuarão esperando pelos Estados Unidos. Dezembro, 2009 AméricaEconomia 59
DEBATES ELEIÇÕES
O DESAFIO DE Se conquistar a reeleição em 6 de dezembro, o presidente da Bolívia terá de enfrentar os desafios da industrialização e de legitimar reformas institucionais RODRIGO LARA SERRANO, DE BUENOS AIRES
S
e poucas pessoas que foram à Bolívia experimentaram seus “vinhos de altitude”, produzidos a 2,5 mil metros do nível do mar na região de Tarija, a probabilidade de que tenham provado o “leite de altitude” pode ser ainda mais remota. A produção de leite nos arredores de La Paz, feita por 2,3 mil famílias, é relativamente nova. Por preconceito, não se costuma associar o gado bovino às altitudes, mas este setor registrou uma melhoria efetiva e silenciosa nos últimos anos, graças à ajuda de entidades como a CAF (Corporação Andina de Fomento) e a Embaixada da Holanda, por meio da construção de estábulos, salas de ordenha e aprimoramento das técnicas de irrigação e armazenamento da forragem. Certamente, não será o sucesso da produção dessas vacas que fará o presidente Evo Morales conquistar um novo mandato nas eleições de dezembro. Esse exemplo, entretanto, reflete que a combinação efetiva de planos sociais antes inexistentes (de aposentadoria e alimentação, por exemplo), tranquilidade macroeconômica e o impacto de uma ajuda internacional crescente, que oscilou entre US$ 600 milhões e US$ 800 milhões anuais entre 2007 e 2009, pode fazer a diferença. Afinal, essa mescla resultou em uma fórmula eficiente para sustentar o nível de atividade e fazer
com que o país escapasse dos efeitos da crise global, com uma estimativa oficial de crescimento de 4% para este ano. Não obstante, se confirmarem vitória frente ao principal candidato da oposição Manfred Reyes Villa, do PPB (Plano Progresso para a Bolívia), tanto Morales quanto seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo), enfrentarão novos dilemas a partir de 2010. Os dois maiores serão resistir à tentação de mesclar o Estado central com o programa de governo, a burocracia partidária e a figura de Morales, e não responder às expectativas de industrializar parcialmente suas matérias-primas, devido a uma capacidade de investimento e gestão insuficientes.
17,3%
foi quanto o investimento estrangeiro representou no PIB da Bolívia em 2008
60 AméricaEconomia Dezembro, 2009
VALOR AGREGADO
Embora essa última pareça ser uma tarefa difícil, dado o imenso atraso relativo e a ausência de técnicos competentes, analistas apontam que a Bolívia tem um bom potencial para industrializar-se. “O país conta com controles macroeconômicos melhores que a Venezuela”, diz Enrique García, presidente da CAF. A inflação mensal foi de 0,11% em setembro passado (com um acumulado de -0,09% de janeiro a setembro). Isso em um contexto de crescimento econômico, com reservas crescentes no Banco Central (US$ 8,45 bilhões em setembro).
Foto FABIO POZZEBOM/ABR
EVO
diz que a oposição é mais uma junção de grupos com uma liderança sujeita a discussão. “A tendência é que ela se fragmente muito mais, pois não existe a ideia de acordo”, diz. O ponto é que o governo necessita aprovar, nos seis primeiros meses deste segundo mandato, cinco leis orgânicas para as quais não basta a maioria simples. Entre elas, a reforma do Código Eleitoral e a Lei Marco de Autonomias. Analistas como David Scout Palmer, professor de Relações Internacionais e Ciências Políticas da Universidade de Boston, pensam que existe “uma progressiva desinstitucionalização política na Bolívia, que sai de uma combinação do populismo personalista de Morales e de uma nova interpretação da democracia que privilegia a nomeação de pessoal no Executivo”.
Foto ANTONIO CRUZ/ABR
Entretanto, a Bolívia ainda sofre a barreira de atração do investimento. Ainda que em 2008 o país tenha mostrado certa recuperação desse índice, com o investimento representando 17,3% do PIB, “a média entre 2000 e 2008 não supera 14% do PIB”, indica García, para quem o país tem uma brecha que deveria ser coberta pelo setor privado. Um primeiro sinal positivo será dado se o governo de Morales conseguir concretizar os planos da Jindal Steel Bolívia (JSB), fi lial local da indiana Jindal Steel & Power, que está construindo três plantas de processamento de ferro em El Mutún, Santa Cruz, com um investimento de US$ 800 milhões até 2012 – de um total de US$ 2,1 bilhões que inclui uma termoelétrica, com inauguração estimada para 2013.
MOBILIZAÇÕES CIVIS: ARTIFÍCIO QUE DEVERIA SER EVITADO POR MORALES EM UM PRÓXIMO MANDATO
FALTA CONSENSO Já no âmbito político, se reeleito, Morales deverá aguçar sua visão de longo prazo, para evitar os riscos inerentes à sua vitória. Um deles são os enfrentamentos sociais. Os adversários do MAS criticam o uso de mobilizações civis, acusando estas de serem um método pouco democrático. Já no Congresso, analistas veem pouca possibilidade de construir consensos. Carlos Cordero, diretor do Centro de Estudos Democráticos,
Mas talvez Morales tenha uma carta na manga. Houve uma renovação completa dos candidatos de seu partido ao Congresso. “Não está se repetindo nem um só parlamentar, enquanto na oposição 80% deles já vêm de um mandato anterior”, diz Cordeiro. E também se fala de uma renovação total de ministros. Assim, mais do que uma reprise, um próximo mandato de Morales promete surpresas. Dezembro, 2009 AméricaEconomia 61
Leo Burnett Brasil
Você sai de casa 2 horas antes do horário marcado, pega
o túnel engarrafado, tenta um caminho alternativo,
chega ao prédio, espera o manobrista trocar a bobina
de papel da maquininha, entra, dá o rg e tira uma
foto para o cadastro na portaria, recebe um cartão que
não libera sua passagem na catraca. Um segurança
autoriza
que para em 12 andares antes de chegar ao 25º. A
sua entrada, você agradece, pega o elevador,
secretária pede que você aguarde um minuto, você
aguarda 47. Bebe água, Toma um café. Então a porta
se abre e entra um assessor dizendo que houve um
imprevisto, mas, na semana que vem, com certeza,
você vai conseguir falar com aquele alto executivo.
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FINANÇAS BOLSAS
FORÇA FINANCEIRA Chile, Colômbia e Peru querem unificar suas bolsas para concorrer com a BM&FBovespa e formar a terceira maior da região JUAN PABLO RIOSECO E MATÍAS RODO, DE SANTIAGO
ocê consegue imaginar uma bolsa de valores sul-americana que faça frente à BM&FBovespa? Impossível. Mas nada impede de aproveitar o impulso de um vizinho forte para crescer também. Essa é a ideia de Chile, Peru e Colômbia, que anunciaram a intenção de se unir e criar o terceiro maior mercado financeiro da América Latina, depois de Brasil e México. Em novembro, os superintendentes de valores dos três países se reuniram em Santiago para assinar um acordo sobre o tema. No mais puro estilo Euronext, eles querem começar equiparando aspectos normativos e permitindo maior flexibilidade aos operadores. A meta é chegar, até o fim de 2010, a “pelo menos uma etapa preliminar de integração, na qual os intermediários de um país possam atuar como operadores diretos ou remotos na bolsa dos outros dois”, afirma Guillermo Larraín, superintendente de Valores e Seguros do Chile. No longo prazo, o objetivo é chegar a uma integração total, na qual um peruano, por exemplo, possa comprar ações do Chile ou da Colômbia diretamente de seu país. Isso poderia mudar o cenário financeiro da América Latina. Esse mercado ficaria atrás apenas da BM&FBovespa e da Bolsa de Valores do México. Os três países andinos somariam uma capitalização superior a US$ 360 bilhões (comparado à de US$ 1 trilhão do Brasil e de US$ 400 bilhões do México) e teriam uma oferta de mais de 560 ações. O potencial é evidente. São mercados pouco líquidos dentro de economias com grandes perspectivas de crescimento, sobretudo no Peru. “É o passo que todas as bolsas devem dar”, afi rma Bernardo Mariano, sócio da empresa de análise de mercado Equity Research Desk, de Nova York. “Elas vão se transformar em um concorrente muito mais interessante na
64 AméricaEconomia Dezembro, 2009
região.” Rolf Lüders, economista da Universidade Católica do Chile, diz que a iniciativa deve baixar os custos de operação. “Isso poderia aumentar as transações e as novas emissões, que nos três mercados têm níveis baixos”, afirma. A meta é que a integração atraia mais fluxos de capital, de diversos lugares do mundo. “Se tivermos sucesso, vamos ganhar em liquidez”, diz Nahil Hirsh, presidente da Comissão Nacional Supervisora de Empresas e Valores do Peru, a Conasev. “Para nossos próprios investidores, será mais fácil adquirir valores dos outros dois países; o conceito de reciprocidade aqui é fundamental.” Para Jorge Castaño Gutiérrez, diretor de Intermediários de Valores e Outros Agentes da Superintendência Financeira da Colômbia, a mudança será forte. “A liquidez se duplicará ou triplicará em alguns casos, o que favorecerá muito o acesso a uma melhor estratégia de diversificação de carteiras”, afirma.
JOSÉ ANTONIO MARTÍNEZ GERENTE GERAL DA BOLSA DE COMÉRCIO DE SANTIAGO “O projeto exige a participação e a colaboração tanto das instituições do setor público quanto do privado, das bolsas e de depósitos de valores partes do acordo. Para isso, as equipes técnicas correspondentes já estão trabalhando, e existe um apoio do mais alto nível em todas as entidades para que o projeto seja um sucesso.”
Fotos DIVULGAÇÃO
V
NAHIL HIRSH, JORGE CASTAÑO E GUILLERMO LARRAÍN: UNIDAS, BOLSAS SOMAM CAPITALIZAÇÃO DE US$ 360 BILHÕES
ETAPAS
JUAN PABLO CÓRDOBA PRESIDENTE DA BOLSA DE VALORES DA COLÔMBIA
O próximo passo desse projeto será uma reunião nos dias 14 e 15 de janeiro em Lima, quando equipes de trabalho mistas começarão a discutir cerca de 18 questões específicas. “Enfatizaremos agora as modificações no âmbito normativo que podemos realizar nas três instituições para favorecer o processo de integração”, diz Larraín. A princípio, nada complicado. O que poderia ser um entrave são as mudanças legislativas que em algum momento precisarão ser aplicadas. “Isso pode levar tranquilamente um ano”, afirma Mariano, da
ROBERTO HOYLE PRESIDENTE DA BOLSA DE VALORES DE LIMA “A bolsa peruana tem foco na oferta de títulos relacionados à mineração; a bolsa colombiana, nos hidrocarbonetos e no setor bancário; e a bolsa chilena, em energia, comércio e serviços. Em um segundo passo, a integração dos mercados de renda fixa também será vantajosa, dada a amplitude dos mercados de renda fixa colombiano e chileno.”
Equity Resarch Desk, recordando experiências semelhantes na América Latina. “Por exemplo, Argentina e Brasil assinaram um acordo como parte do Mercosul na década passada que nunca foi implementado”, afirma. “Mas não acredito que algo assim ocorra neste caso”. Os reguladores reconhecem a questão. Para Nahil Hirsh, a sensibilização dos congressos é uma tarefa a qual os superintendentes e suas contrapartes do setor privado deverão começar a se dedicar desde já. “É importante que isso seja tratado também como uma questão nacional”, afi rma. De qualquer forma, joga a favor o ânimo dos países por reformar. “Mudanças legais estão sendo realizadas no Peru desde o ano passado: foram modificadas recentemente as leis do mercado de valores e dos fundos de investimento.” No campo normativo, o aspecto-chave será o acesso aos mercados por parte dos intermediários. “Devemos ter a tranquilidade de que serão mantidos os padrões que existem hoje para investimento em nossos mercados”, afi rma Castaño. O mesmo deve ocorrer no caso de proteção aos investidores, transparência e eliminação de más práticas. “Quando houver a integração, esses aspectos também serão internacionalizados.” O fato é que o nascimento desse novo ator poderá mudar a dinâmica dos mercados regionais. “Com três opções fortes, a tendência é de que os outros mercados se tornem irrelevantes”, afirma Mariano, o que os pressionará a se unir a um desses três, se quiserem ganhar importância. Avanços
“Temos plataformas de negociação facilmente integráveis. A ideia é que o investidor local não tenha de fazer nada diferente para ter acesso a seu mercado e, ao mesmo tempo, ao dos outros dois países. Com a integração, ganharemos massa crítica.” já existem. Os especialistas lembram que, antes de conversar com Peru e Chile, a bolsa colombiana andou flertando com a do Panamá. Também haverá aqueles que ficarão para trás. O caso mais grave poderá ser o da Bolsa de Buenos Aires. Esta, que por muito tempo manteve-se na segunda posição entre as maiores da região, despencaria vertiginosamente para o sexto lugar. Sua opção? Aliar-se ao Brasil, embora até agora não tenha conseguido avançar nesse sentido dentro do Mercosul. E os mercados centro-americanos deveriam, pela lógica, estabelecer pontes com o México. Diferentes jogadas para um novo tabuleiro de investimentos que já começou a ser desenhado na América Latina.
CAPITALIZAÇÃO DAS BOLSAS LATINO-AMERICANAS NO FECHAMENTO DE CADA ANO
1.369
(em US$ bilhões)
BM&FBOVESPA
911
Buenos Aires SE Colombia SE * Lima SE Mexican Exchange Santiago SE
474 397
186 126
226
239
122
136
87 35
56 33 9
14
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2003
* Dados a partir de 2003 / ** Dados de junho de 2009
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24
2005
195
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2007
111 34 2009** Fonte World Federation of Exchanges
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FINANÇAS VENEZUELA
ENTRE O DÓLAR
E O BOLÍVAR Através da arbitragem de moedas e da colaboração do governo, a indústria financeira venezuelana consegue lucros históricos, mas acumula riscos FELIPE ALDUNATE M., DE CARACAS
B
asta aterrissar no aeroporto de Caracas para entender grande parte das distorções da economia venezuelana. Tudo começa ao passar por uma das casas de câmbio localizadas junto às esteiras de bagagem, que trocam os dólares dos turistas pela taxa oficial: 2,15 bolívares fortes (Bs.F.) por unidade da moeda norte-americana. “Na verdade, é 1,98 bolívar, porque temos comissão”, afirma o jovem venezuelano que atende do outro lado do vidro e que realiza o trâmite burocrático: anota os dados do turista, faz cópia do passaporte, preenche alguns formulários e recolhe as impressões digitais dos polegares das duas mãos em dois documentos diferentes, junto com a assinatura. Após dez minutos, o turista enfim consegue concluir a missão: trocar US$ 100 por 198 bolívares. Entretanto, essa troca de dinheiro pode ser muito mais simples e rentável quando se recorre a mecanismos alternativos presentes no mesmo aeroporto. Taxistas, guardas e até o oficial que carimba o passaporte de entrada oferecem uma taxa mais interessante: 5 bolívares por dólar, e o trâmite dura apenas 15 segundos. A diferença de taxas entre o dólar oficial e o paralelo gera negócios rentáveis para aqueles que podem comprar pela taxa oficial e vender no mercado paralelo; e o que é conveniente no mercado informal torna-se ainda melhor
66 AméricaEconomia Dezembro, 2009
para o mercado financeiro da Venezuela. Nos últimos anos, o mercado desenvolveu um sofisticado mecanismo para arbitrar taxas de câmbio oficiais e paralelas, em um sistema do qual participam corretoras, bancos e até o governo. Embora Hugo Chávez e seu ministro da Fazenda, Alí Rodríguez, critiquem ferozmente essas atividades de especulação, as instituições que eles presidem, incluindo a petrolífera estatal PDVSA – responsável por 97% da entrada de divisas no país –, criaram um esquema que permite lucros extraordinários a suas instituições e aos agentes financeiros, às custas de um alto endividamento público. Além disso, tal atividade aumenta o risco sistemático da indústria financeira venezuelana, que reinveste seus lucros em ativos cada vez mais caros e menos sustentáveis.
MERCADO DUAL A arbitragem cambial não é novidade na América Latina. Era a regra nas economias da região há algumas décadas, quando o normal era ter taxas de câmbio fi xas para desestimular a fuga de capitais, a especulação contra a moeda e outros objetivos menos claros. O caso venezuelano, entretanto, tem uma peculiaridade. Desde que o governo fi xou o valor do dólar, em fevereiro de 2002, criou-se um mercado duplo: um para certos importadores de bens prioritários, como alimentos e
HUGO CHÁVEZ TRANSFORMOU O PAÍS NO MAIOR EMISSOR DE DÍVIDAS ENTRE OS EMERGENTES
bens de capital, e também para quem tem bons contatos políticos, que podem comprar divisas ao preço oficial através de uma instituição chamada Cadivi; e outro paralelo, que funciona através das instituições financeiras que trocam valores denominados em dólares e bolívares – e não a moeda em si, o que seria ilegal –, a uma taxa de câmbio chamada taxa de permuta. As empresas que precisam de dólares para operar – multinacionais e importadoras – recorrem a esse mercado de permuta dominado por corretoras de ações, casas de câmbio e, em menor grau, bancos comerciais. “Os bancos demoraram mais para entrar nesse mercado porque é uma zona cinza da economia”, afi rma o diretor-executivo de uma das maiores corretoras de ações de Caracas, que não quis revelar seu nome. Diferentes estimativas indicam que esse mercado soma cerca de US$ 100 milhões diariamente e está crescendo. Para os intermediários, os lucros são simples de observar: entre 0,05 e 0,1 bolívar por dólar trocado, segundo operadores da indústria. Isso explica o aumento do número de casas de câmbio hoje em Caracas, bem como o de corretoras de ações com posto na Bolsa de Caracas que estão ativas – um total de 64 –, apesar de quase não haver transações de ações no mercado acionário.
Foto LATINSTOCK/EDITADO POR AMÉRICA ECONOMÍA
PDVSA, O NOVO BANCO CENTRAL Esse mercado de permuta precisa de dólares, função da qual o próprio governo e a petrolífera estatal, a PDVSA, encarregaram-se. A forma de intervir é através da emissão de papéis denominados em dólares, mas que podem ser comprados em bolívares no mercado local. Isso permite aos agentes financeiros comprar papéis e depois revendê-los, geralmente a um investidor estrangeiro ou a uma pessoa física que esteja saindo de viagem, em dólares. Esse papel do governo, contudo, é Dezembro, 2009 AméricaEconomia 67
FINANÇAS VENEZUELA
GRANDE EMISSORA O governo proíbe informações sobre esse tipo de câmbio. Mas, assim como a indústria se encarregou de gerar um mecanismo de informação não oficial para difundir a cotação da moeda norte-americana (como o site bonosvenezuela.blogspot.com), o governo se preocupa em fornecer os bônus que permitam o intercâmbio de moedas, tanto que a Venezuela se transformou no país emergente que mais emitiu dívidas este ano em todo o mundo. Assim como tudo na Venezuela de hoje, o sistema carece de transparência. A Bolsa de Caracas não respondeu as perguntas enviadas sobre o tema, nem a Associação Bancária. Há aqueles que reconhecem méritos no mecanismo. “É uma maneira criativa de obter financiamento barato e drenar o mercado com dólares, sem necessidade de desvalorização, o que geraria mais inflação em função da grande quantidade de produtos impor tados consumidos no país”, afi rma um alto executivo de um conhecido banco comercial venezuelano, que pediu anonimato. “Não vai funcionar para sempre, mas por ora está bom.” Os ban-
cos de fato estão se beALÍ RODRÍGUEZ: GOVERNO BATE E DEPOIS ASSOPRA neficiando, pois, para estimular a demanda por bônus, o governo lhes permite adquirir esses ativos denominados em dólares sem que contem no limite de 30% do patrimônio para reservas em moeda estrangeira. O bom rendimento desses papéis explica em grande parte os bons resultados obtidos pelos bancos venezuelanos no último ano. O rápido aumento da dívida venezuelana não é tema de preocupação no momento. “A dívida pública, segundo o governo, está em 24,3% do PIB, mas isso se calculamos pela taxa oficial; se ajustarmos o valor pelos diferentes tipos de câmbio, a dívida chega a 29,8% do PIB”, afirma Asdrúbal Oliveros, direestabelecida em operar na Venezuela. tor da empresa de análise Ecoanalítica. A dualidade do mercado cambial e a participação de empresas do governo “No fi m de 2010, o governo diz que a dívida será de 37,4% do PIB; nós acrenele geram distorções preocupantes. ditamos que será de 44,3%.” Segundo “A PDVSA é o novo Banco Central; gera Oliveros, apesar do crescimento da díos dólares da economia e intervém no vida, não há riscos de inadimplência mercado cambial”, afirma José Guernos pagamentos ra, diretor da escola de Economia da até 2012, o que faculdade de Ciências Econômicas da sempre esta rá Universidade Central da Venezuela e condicionado ex-economista-chefe do Banco Central pelo preço do peda Venezuela (BCV). “O Banco Central tróleo cru, diante verdadeiro está encolhido.” Essa opido qual há marnião ganhou novas vozes com a recente gem para operar. reforma no Banco Central da VenezueA notícia é ainda la, que agora pode comprar papéis da melhor para os PDVSA, apesar de sua tradição de não investidores esfinanciar instituições do governo. trangeiros, que Hoje, com cada emissão de seus encontraram nos petrobônus, como são conhecidos no papéis da PDVSA, por exemplo, rendimercado, a PDVSA gera lucros extramentos de até 15% ao ano em dólares. ordinários pelo prêmio com que seus É preciso estar atento ao risco que papéis são comprados em bolívares, o isso pode acrescentar à incerteza já que oculta seus problemas operacio-
44,3% do PIB pode ser a dívida pública da Venezuela no final de 2010
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Foto THOMAS COEX/AFP/GETTY IMAGES
comprado com um prêmio sobre o valor nominal e vendido com uma taxa de desconto ao investidor estrangeiro. Na jogada, ganham o emissor, que, graças ao prêmio, recebe mais dinheiro do que registra em seus passivos (gerando um lucro contábil extraordinário), o investidor fi nal, que recebe um papel venezuelano em dólares com altíssimo rendimento, e o intermediário, que conseguiu transformar seus bolívares em dólares e com isso pode alimentar o mercado de dólares de permuta, cuja taxa é semelhante àquela que se pode encontrar no aeroporto.
nais. Do outro lado, as empresas que fazem sua contabilidade em bolívares, mas precisam de dólares, devem registrar prejuízos por cada intercâmbio de divisas, pela necessidade de contabilizá-lo pelo câmbio oficial, apesar de precisarem comprá-lo a um câmbio maior. “É uma enorme dor de cabeça para as empresas privadas, muitas das quais fazem malabarismos para evitar a quebra contábil”, afirma um especialista financeiro
que gerencia uma operadora de papéis com sede em Caracas e no Panamá. À obscuridade contábil soma-se a ca rênc ia de outros ativos financeiros, além do dólar, dentro do sistema. “Não existem instrumentos que permitam protegerse contra a inflação, que este ano chegará a 27%”, afirma um exoperador de corretora de ações. Alguns temem que isso esteja criando uma caixa de Pandora, com passivos finan-
27%
Foto JORGE SANTOS/AFP/GETTY IMAGES
é a inflação estimada para a Venezuela este ano
ceiros respaldados por ativos que são apenas artifícios criados pela pouca transparência do mercado. As informações nesse mercado são tão escassas que é pouco provável que as autoridades financeiras conheçam a qualidade dos ativos apresentados. Alguns, conscientes dessa insustentabilidade, procuram resguardo em outros mercados, como o do Panamá, que tem andado cheio de dólares venezuelanos – e venezuelanos. Mas os atrativos do jogo cambial são altos. É provável que as autoridades precisem tomar medidas para resolver a questão, como uma desvalorização, uma formalização do mercado de permuta ou uma combinação de ambas que desative a bomba. Porém, até lá, a economia continuará tendo lucros e prejuízos por atividades de arbitragem e que levam os agentes econômicos, assim como o rapaz do aeroporto, a preferir realizar operações especulativas antes de pegar seu táxi e ir em busca de passageiros.
SEDE DA PDVSA: A PETROLÍFERA SE ENCARREGA DE DAR UMA MÃOZINHA AO MERCADO DE PERMUTA DE DÓLARES
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FINANÇAS GOVERNANÇA
INJEÇÃO DE
EFICIÊNCIA Empresas do setor de saúde ganham com práticas de governança corporativa MÁRCIA VAISMAN, DE SÃO PAULO FOTOS: CALÉ
N
os últimos cinco anos, o Hospital de Sentara, em Norfolk, no estado norteamericano da Virgínia, reduziu em 95% a incidência de pneumonias e aumentou a eficácia no atendimento a pacientes graves, encurtando seu tempo de internação em 65% dos casos. A fórmula para chegar a esses números não dependeu apenas do avanço da medicina ou da qualidade do corpo médico. O remédio, nesse caso, veio da intervenção direta na gestão do hospital. Com a adoção de práticas de governança corporativa – transparência, responsabilidade corporativa e cuidado na prestação de contas –, o Sentara tornou o controle de qualidade de sua operação mais eficaz. E seus pacientes lucraram com isso. Os Estados Unidos lideram o ranking dessas práticas. Segundo o presidente do American College of Healthcare Executives, Thomas Dolan, o raciocínio é simples: se um paciente toma o remédio errado, ele fica mais doente e permanece mais tempo no hospital. Por causa desse engano, gera custos ao sistema. Já uma gestão eficiente melhora a qualidade dos gastos. “Esse princípio refere-se a empresas de quaisquer segmentos”, diz o médico, que esteve presente no 36º Congresso Mundial de Hospitais (IHF-Rio 2009), promovido em meados de novembro, no Rio de Janeiro, pela Federação Internacional de Hospitais em parceria com a Confederação Nacional de Saúde.
70 AméricaEconomia Dezembro, 2009
JOÃO ALCEU AMOROSO LIMA, DO QUALICORP: PLANOS MAIS COMPETITIVOS
Para os norte-americanos, esse assunto tornou-se uma preocupação constante, principalmente após o agravamento da crise financeira, em 2008. Os EUA gastam US$ 2 trilhões em saúde por ano. Recente pesquisa aponta que 15% desse montante destina-se a prover assistência a pessoas que não precisam de cuidados médicos. “Por isso, o Brasil faz bem mirando a esse exemplo, pois pode aprender e não cometer os mesmos erros que nós”, diz Dolan.
SÓ CRESCIMENTO O Brasil, como líder de governança corporativa na América Latina, também já vê os resultados dessa tendência no
300
bilhões de dólares é quanto os EUA podem economizar em saúde setor da saúde. Em 2004, a Dasa (Diagnósticos da América) foi a primeira prestadora de serviços brasileira a abrir seu capital nos moldes do Novo Mercado. Segundo o vice-presidente médico, Luiz Gastão Rosenfeld, desde que criou uma Sociedade Anônima, em 1999, até abrir o capital e pulverizá-lo, a empresa apresenta crescimento médio acumulado de 30%. “Hoje, nosso Conselho de Administração detém apenas 0,46% das ações do grupo.” O segredo dessa boa gestão, afirma Rosenfeld, é ter pessoas com conhecimento administrativo trabalhando com os especialistas da área. Presente em 12 estados brasileiros e no Distrito Federal, a Dasa registrou uma receita bruta, no terceiro trimestre, de R$ 400,3 milhões ante R$ 333,9 milhões no mesmo período do ano passado. “Não sentimos a crise”, revela Rosenfeld. De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC),
THOMAS DOLAN: GESTÃO EFICAZ MELHORA QUALIDADE DOS GASTOS
é crescente a preocupação por parte de hospitais, clínicas e cooperativas de saúde em melhorar as práticas de governança corporativa. “O número de alunos que atendemos provenientes do setor da saúde tem aumentado muito nos últimos anos, e eles se tornam multiplicadores”, explica Heloísa Dedicks, diretora executiva do IBGC. Quatro empresas brasileiras estão seguindo os passos da Dasa: Medial, Odontoprev, Fleury e Qualicorp. Há 12 anos no mercado, o grupo Qualicorp prepara-se para abrir capital com base nos princípios do Novo Mercado. No ano passado, a empresa recebeu aporte financeiro não revelado do private equity norte-americano General Atlantic. Em meados de 2009, o grupo adquiriu a corretora de seguros empresariais Brüder e o Athon Group, especializado em gestão de saúde. Todas essas ações, segundo a empresa, possibilitaram maior poder de negociação, além da oferta de planos a preços mais competitivos. “Também pudemos monitorar pacientes crônicos de modo mais eficaz”, afirma João Alceu Amoroso Lima, presidente do grupo Qualicorp. Sem revelar o faturamento, Lima afirma que a empresa vem crescendo entre 25% e 28% ao ano. O executivo acha, entretanto, que o sistema de saúde brasileiro ainda pensa em governança corporativa como algo
atrelado às grandes empresas. “Isso é um erro, porque somente com gestão competente e demonstrações de resultados é que as empresas podem ganhar poder de barganha e não depender tanto dos recursos do governo”, conclui.
GOVERNANÇA PÚBLICA O estado e o município de São Paulo também estão buscando melhorar a gestão de seus hospitais por meio de contratos com organizações sociais. É uma iniciativa pioneira. São entidades sem fins lucrativos, que passam a administrar essas instituições com foco em metas e resultados. Na capital, quatro hospitais já estão funcionando sob esse conceito, entre eles o de MBoi Mirim e o de Cidade Tiradentes. O modelo é similar ao praticado na região da Catalunha, na Espanha, e que já cobre hoje 40% dos hospitais públicos e privados. “A gestão profissionalizada é sempre relevante, principalmente em uma instituição pública, porque muitas vezes o diretor administra pensando no foco político, e isso não ocorre quando os pilares da governança corporativa são instaurados em uma corporação. Com esses princípios, todos ganham”, diz Boi Ruiz Garcia, presidente da União Catalã de Hospitais, que foi um dos palestrantes do IHF-Rio 2009, que reuniu 150 palestrantes de 70 países e teve um saldo de 2 mil participantes. Dezembro, 2009 AméricaEconomia 71
E V E N T O S
alguns chamam de evento, mas aqui é um show a parte de segunda a quarta a melhor casa noturna de são paulo abre suas portas para realizar seu evento social ou corporativo.
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O ARGENTINO APA: CROSSOVER POR MENOS DE US$ 10 MIL
As montadoras vivem uma corrida tecnológica para chegar ao automóvel de baixo custo, embora às vezes isso signifique voltar a antigas práticas
P
ara o argentino Miguel Angel Bravo, inovação, design e carros sempre andam juntos. Ainda mais agora, que ele embarcou em um desafio no qual não quer dar marcha-a-ré. Tudo começou em 2006, quando o empresário apresentou o NachOne, um carro-conceito que serve tanto para lazer
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JUAN PABLO DALMASSO, DE BUENOS AIRES
quanto para competições. Em 2008, criou a empresa ArqBravo Motor Company, com o apoio de 130 microinvestidores. Em ritmo acelerado, em meados deste ano Bravo fez outra aposta: o Auto Popular Argentino, APA. Um crossover que pode chegar ao mercado a um preço inferior aos US$ 10 mil.
NANO, DA TATA: EMPRESA QUER MERCADO LATINO-AMERICANO
O primeiro protótipo deve ficar pronto no primeiro semestre de 2010, e a primeira série de produção, em dois anos mais. Como Bravo cumprirá essa meta? “Seguindo um caminho diferente do da indústria automotiva em geral”, diz. “Enquanto esta caminhou para a terceirização, nós temos uma integração vertical que vai desde o ferramental até o computador de bordo, exceto pela motorização e transmissão, que são fornecidas pela Fiat Powertrain Technologies.” Qualquer semelhança com Henry Ford é mera coincidência. O projeto de Bravo é a convergência da corrida pelo automóvel de baixo custo iniciada pela Renault com o Logan, com preço abaixo dos US$ 8 mil, e que a Ratam Tata potencializou com o Tata Nano, de US$ 2,5 mil. “Com a atual estrutura de produtos, apenas 15% dos latino-americanos têm acesso a um automóvel”, afirma Guido Vildozo, analista da consultoria Global Insight, em Boston. Paulo Cardamone, vice-presidente para a América Latina da consultora CSM Auto, de Campinas, calcula que as novas categorias têm um mercado potencial de 500 mil automóveis ao ano. Para a consultoria AT Kearney, essa demanda superaria 1 milhão de unidades em 2020, dentro de um mercado mundial de 17 milhões de carros. “As premissas da Ford para chegar ao Ford T, mais engenharia e menos custo, estão na ordem do dia”, diz Dan Oxyer, analista da AT Kearney em Michigan. O APA voltará ao esquema chassicarroceria abandonado pela indústria há 30 anos, quando foi desenvolvida a carroceria autoportante. O plano dos argentinos é desenvolver gadgets e recursos de forma modular, para que o cliente possa comprá-los no supermercado, e inclui a comercialização pela internet. O serviço pós-venda será feito por franquias semirreboques que atenderão o cliente em domicílio. “Temos de levar em conta que nosso plano de negócios envolve, no máximo, 30 mil vendas por ano”, diz Bravo.
E se o projeto for um sucesso? “A ideia é expandir por meio de franquias para as quais forneceremos modelo e ferramental. Já temos negociações para o desenvolvimento desse sistema na Guatemala, no Méx ico e no Uruguai”, afirma o empresário. Os analistas, porém, são céticos quanto a esse tipo de projeto. “No Brasil também há estudos semelhantes, mas que dificilmente evoluirão. O varejo depende de preço somado à escala, e vender é difícil”, diz Cardamone, da CSM Auto.
INVASÃO ASIÁTICA Exceto pela Honda, aumenta o número de marcas dispostas a brigar por esse mercado, entre elas Hyundai, Toyota e Volkswagen. A Tata Motors já declarou seu interesse pela América Latina, e Carlos Ghosn, diretor da Renault, anunciou que fará uma forte aposta nos automóveis de baixo custo, para alcançar 20% do mercado brasileiro. A Nissan-Renault trabalha junto à fabricante de motos India Bajaj no desenvolvimento de um concorrente direto do Nano, cuja produção começará na Ásia em 2012 e logo depois será incorporada à fábrica brasileira para atender o mercado latino-americano. “Fabricar automóveis de baixo custo é algo que chineses e indianos sabem fazer melhor do que ninguém,” disse Ghosn, da Renault. Alguns especialistas, como o inglês Ian Riches, diretor de Global Automotive Practice da consultora StrategyAnalytics, acham que, embora o Brasil seja um grande player no segmento de veículos acima de US$ 5 mil, dificilmente conseguirá competir abaixo dessa linha. “Levando em conta que a renda per capita do brasileiro é o dobro da dos asiáticos, o custo inicial já é significativamente maior”, diz. Assim, mais do que um carro mais barato, tudo indica que a preocupação dos brasileiros é saber a condição das estradas e se terão lugar para estacionar.
500
mil carros ao ano é a demanda mundial estimada pela CSM Auto
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INTERFACES
CONECTE-O AO AÇUCAREIRO ADOLFO WATERHOUSE
Ilustração SOLEDAD TIRAPEGUI
U
76 AméricaEconomia Dezembro, 2009
m economista europeu do século 19, tão querido como odiado, disse certa vez que a humanidade só conseguia reagir aos problemas graves que surgiam em seu caminho quando os elementos práticos e reais para solucioná-los já existiam ou estavam prestes a surgir. Essa é uma teoria impactante, mas falsa. A história humana está repleta de rompimentos provocados por problemas perfeitamente identificáveis, mas insolúveis pela sociedade afetada. Entre os que nos ameaçam no futuro próximo está o do abastecimento energético: necessitamos cada vez mais de uma fonte de energia barata, abundante, que não polua e seja fácil de administrar. Nos últimos meses, alguns projetos interessantes saíram à luz. Um deles é o de Gerald Watt, professor de química da Brigham Young University (BYU). Ele e seu grupo de pesquisadores apresentaram uma resposta, sem dúvida extraordinária, para a substituição dos catalisadores de platina (insumo tão caro como escasso) nas pilhas a combustível, que produzem eletricidade a partir de oxigênio e hidrogênio em seu interior, não poluindo o ambiente. Decidiram usar um herbicida em vez de metal. E funcionou! No modelo de Watt – que é tataraneto do inventor do motor a vapor, James Watt – usa-se um herbicida comercial barato para quebrar moléculas de açúcar (e outros carboidratos). Com uma taxa de conversão de açúcar em energia de 29%, o avanço do modelo é promissor. “Demonstramos que se pode aproveitar muito da glicose”, comenta Dean Wheeler, membro da equipe de Watt. “Agora buscamos obter maior densidade energética para que essa tecnologia seja comercialmente interessante.” É certo que os herbicidas são fabricados a partir do petróleo, mas sua proporção ínfima no processo o tornaria rentável do mesmo jeito, inclusive a partir do petróleo cru. Outro avanço promissor nesse mesmo caminho foi dado em uma demonstração prática realizada na vinícola Napa Wine Company, em Oakville, Califórnia. Lá, ao invés de platina ou herbicida, a catálise é realizada por uma bactéria. Trata-se de um par de eletrodos (um anodo de carvão e um catodo de aço inoxidável). Quando a água da lavagem da uva, dos excedentes da fabricação do vinho e da limpeza do lugar entra na pilha a combustível, a bactéria converte os resíduos em uma pequena corrente elétrica, e esta, através da eletrólise no catodo de aço, separa o hidrogênio do restante dos elementos. Não é um avanço fundamental, mas a pilha demonstra o poder de gerar energia em fábricas que produzem muito resíduo e cuja construção já estaria amortizada. Assim, na corrida para encontrar uma resposta energética aplicável universalmente, a velocidade ganha importância. Um novo sistema rentável e prático talvez demore para ficar pronto, caso nossa civilização esgote os recursos tradicionais antes do tempo. Ou se a inovação correta não for privilegiada.
CLICS & CHIPS RUMO CERTO A Motorola lançou no mercado brasileiro seu primeiro celular com o navegador do Google Android 2.0, o Milestone, que será vendido pela operadora TIM. O monitor de alta resolução (400 mil pixels) facilita a visualização de mapas graças à maior nitidez da imagem. O sistema CrystalTalk Plus proporciona a eliminação de ruídos de fundo e de interferências no áudio da conversa. Preço sugerido: R$ 1.999.
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VISÕES
BATALHA INÚTIL D
esde que Felipe Calderón assumiu a Presidência do México, em 2006, a guerra contra o narcotráfico deixou 15 mil mortos no país. Para o ex-chanceler mexicano Jorge G. Castañeda, a estratégia do governo tem sido inútil. Em seu recém-lançado livro El Narco: La Guerra Fallida (O Narcotráfico, a Guerra Falida), em coautoria com Rubén Aguilar V., Castañeda defende que a elite política mexicana só conseguirá um avanço duradouro contra todos os crimes se criar uma polícia nacional unificada. Castañeda falou sobre esse tema em entrevista à AméricaEconomia.
No livro, você afirma que nem o consumo nem a violência haviam aumentado tanto no México para justificar o início da atual guerra contra as drogas. Qual é, então, a razão para essa guerra? Em novembro de 2006, Calderón pensou que chegava à Presidência tão limitado pelo fraco resultado eleitoral, pelas acusações de fraude – todas elas, em nossa opinião, falsas –, que precisava dar um golpe certeiro. E o que lhe ocorreu foi colocar o Exército na luta contra o narcotráfico para mostrar que tinha controle das Forças Armadas. Seria relativamente simples colocar o Exército, limpar um pouco a área e depois sair. Não foi o que aconteceu.
Quais são as perspectivas de resolução com a proximidade dos três anos de mandato? O que o presidente Calderón pode fazer é ir baixando o perfil da guerra contra o narcotráfico dentro do conjunto das atividades governamentais. Insistir mais na economia. Insistir mais no emprego. Insistir mais na luta contra os monopólios e pela concorrência. Insistir mais nas reformas institucionais de que o México necessita desesperadamente. Então, quase por omissão, a importância da guerra vai diminuindo, pois não há como ganhá-la dessa forma.
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EL NARCO: LA GUERRA FALLIDA Rubén Aguilar V. e Jorge G. Castañeda Ano: 2009 Punto de Lectura 143 páginas
Isso não poderia afetar o Exército mexicano como instituição? Não é uma ideia excelente, mas é melhor do que continuar expondo-o a todo tipo de desgaste, como problemas de imagem. Porque as pessoas apoiam a guerra enquanto ela é algo abstrato. Isto é, os habitantes do Distrito Federal apoiam a guerra em Ciudad Juárez, mas os moradores de Ciudad Juárez não apoiam a guerra em Ciudad Juárez.
Um saldo positivo de toda essa guerra falida contra as drogas poderia ser a criação de uma polícia nacional unificada de melhor qualidade? Isso é o que várias pessoas como eu propõem há anos. O problema que temos aqui é duplo: precisamos de pessoas treinadas, formadas, mas também é necessário criar condições legais e políticas com os municípios e os estados. Não adianta ter 100 mil agentes da Polícia Federal ao invés de 25 mil se há 400 mil guardas municipais e estaduais corruptos. É preciso avançar pouco a pouco, ter um processo substitutivo. Isso não vai acontecer enquanto não houver efetivo suficiente, e não haverá efetivo suficiente enquanto não houver condições políticas para tanto.
RAIO X
NA LÍNGUA DO CRESCIMENTO N
EDUARDO THOMSON, DA CIDADE DO MÉXICO
unca se falou tanto do Brasil no México. E não é só porque o país será sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas. A comparação entre os dois países tem sido recorrente na conversa dos mexicanos, já que este ano o destino das duas maiores economias da América Latina tomou caminhos opostos. O México, que ficou com o pior lado, atravessa uma das crises econômicas mais graves dos últimos tempos, com projeções de contração econômica de 7% para 2009, e busca no bom desempenho brasileiro respostas para se recuperar. Em recente evento na capital mexicana, analistas levantaram alguns pontos que diferenciam o México do Brasil e também do Chile. Segundo Justine Thody, diretora para América Latina do The Economist Intelligence Unit (EIU), uma diferença primordial, e que deixa o México em pior posição, é a escassez de crédito, já que o desenvolvimento das empresas pequenas e o estímulo ao consumo demandam financiamento. O país registra uma baixíssima arrecadação fiscal – de apenas 10% do PIB, contra cerca de 35% no Brasil e 20% no Chile. “Dessa forma, o principal motor para o crescimento do México continuará apagado em 2010”, disse Justine. O governo fez alguns esforços para diversificar as exportações, como melhorar o valor agregado e diversificar os destinos, mas isso ainda não foi suficiente, segundo a economista. A dúvida que resta é se o governo de Felipe Calderón poderá concretizar as reformas estruturais necessárias para impulsionar o crescimento econômico ou se se transformará em mais um lame duck – expressão usada para indicar um governo que perde força no final de seu mandato. Enrique Peña Nieto, governador do estado do México e um dos
QUADRO MACROECONÔMICO DO MÉXICO População (milhões) PIB (var.%) PIB per capita (US$) PIB por PPC (US$) Inflação (%) Desemprego (%) Remessas (milhões US$) Saldo Comercial (milhões US$) * primeiro semestre de 2009 / (e) = Estimativa
Ilustração SOLEDAD TIRAPEGUI
México busca no bom desempenho brasileiro as respostas para sair da crise
nomes mais cotados como candidato às próximas eleições presidenciais pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), da oposição, tem declarado que seu partido não assumirá a corresponsabilidade da atual situação. E afi rmações como essa darão a Calderón a possibilidade de culpar a oposição pela falta de avanço em temas importantes. Mas nem tudo são más notícias. No final de outubro, o Senado mexicano aprovou uma versão diluída da reforma fiscal, incluindo um aumento do imposto de valor agregado (IVA) de 15% para 16%, e de 28% para 30% no caso do imposto de renda, a partir de 2010. Tais iniciativas têm como objetivo fortalecer as finanças e reduzir a alta dependência que o país tem da receita do petróleo – pontos que as agências de classificação têm indicado como fatores de risco que poderiam implicar uma revisão, para baixo, do rating do país. Além disso, ainda que timidamente, no terceiro trimestre o país registrou um crescimento próximo dos 3% em relação aos meses anteriores. O Banco do México tem mantido a taxa básica de juros (4,5%), e já se fala em um possível aumento em 2010 devido a pressões inflacionárias produzidas pelo orçamento fiscal. Resta saber se a incipiente recuperação econômica se transformará em pretexto para Calderón evitar novos esforços e aprovar outras reformas. De qualquer maneira, os atletas mexicanos já começaram a estudar português.
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102,05 4,20 6.698 10.111 4,70 3,92 16.730 -8.811
103,09 3,00 7.447 10.626 4,00 3,60 20.284 -7.587
104,14 4,80 8.066 11.369 3,60 3,61 23.742 -6.133
105,20 3,80 9.693 14.159 4,00 3,20 23.970 -11.189
108,50 1,35 10.200 14.534 5,10 3,70 25.145 -31.183
109,60 -7,34 8.040 13.542 5,40 4,00 11.078 * -
110,68 3,26 8.753 14.056 3,50 -
Fontes FMI, Banco do México, Cepal, Projeções AE Intelligence
Dezembro, 2009 AméricaEconomia 79
CAPITAL ABERTO
O CUSTO DE REGULAR A América Latina deve pensar duas vezes antes de seguir as novas regulamentações para o mercado financeiro debatidas nos Estados Unidos GONZALO ISLAS E MAURICIO VILLENA, UNIVERSIDADE ADOLFO IBÁÑEZ, CHILE
A
análise histórica das crises econômicas nos mostra uma série de padrões que se repetem. Um deles é que, depois de uma crise, surgem novas iniciativas de regular o mercado financeiro. No caso dos EUA, por exemplo, a criação do banco central (FED – Federal Reserve) foi uma consequência direta do pânico bancário de 1907. Já a Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM norte-americana) e grande parte da estrutura regulatória atual foram estabelecidas em resposta à crise de 1929. Mas a história também nos mostra o impacto negativo dessas regulamentações. O exemplo mais claro é o caso da América Latina depois da Grande Depressão. Por isso, o projeto de reforma de arquitetura financeira que hoje é debatido nos EUA deve ser analisado com cautela. Entre as propostas incluídas no projeto, destaca-se a criação de uma autoridade para cuidar da crise de solvência das instituições financeiras de grande porte. Além disso, seriam criadas uma nova agência reguladora orientada à proteção dos consumidores e novas regulamentações para as transações de instrumentos derivativos e para as instituições classificadoras de risco. Qual pode ser o impacto dessas mudanças na América
Latina? A experiência da Lei Sarbanes-Oxley (lei de responsabilidade fiscal instaurada depois do escândalo corporativo da Enron) nos mostra que novas regras podem gerar custos de implementação maiores do que o estimado, tais como os custos monetários associados à atualização de sistemas de informação, desenvolvimento de controles internos das companhias e auditorias externas. Isso poderia limitar o acesso de empresas latino-americanas ao mercado dos Estados Unidos e provocar a migração de negócios a outros centros financeiros. Assim, uma recomendação às autoridades é que se adote uma visão crítica sobre as lições da crise para a América Latina e como estas se diferenciam das que são válidas para o caso dos EUA e da Europa. De fato, é irreal pensar que podemos prevenir as crises com o simples apelo às mudanças regulatórias. Por exemplo, a proposta norte-americana não dá uma resposta clara ao problema gerado pela existência de várias agências reguladoras com sobreposição de atribuições. Talvez, ao invés de apelar somente à ampliação de marcos regulatórios e à intervenção estatal na indústria financeira, este seja o momento de defender a melhoria dos padrões éticos e o cumprimento do marco regulatório que já existe.
NOVO PÂNICO, NOVAS REGRAS As respostas regulatórias depois de cada crise financeira
1857 Pânico bancário no Reino Unido
1907 Pânico bancário nos EUA
1929 Quebra da Bolsa de Nova York e Grande Depressão
1980 Crise financeira nos EUA
1933 1913 Reforma do Bank of England; eliminação de subsídios
Criação do Federal Reserve (FED)
Fonte “Financial Regulatory Reform: A New Foundation”, Department of the Treasury, 2009
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Glass-Stengall Act e Seguro Federal de Depósitos
1934 Securities and Exchange Comission
1989 Resolution Trust Corporation
OPINIÃO
ANO
PERDIDO
SUSAN KAUFMAN PURCELL é diretora do Centro de Política Hemisférica da Universidade de Miami
E
m janeiro, Barack Obama cumprirá o primeiro ano como presidente dos Estados Unidos. É, portanto, um momento apropriado para revisar sua política para a América Latina. Quais foram as metas do governo de Obama para a região? Foram bem-sucedidas? Estas duas dúvidas podem ser respondidas revisando a postura geral de Obama frente à política exterior dos Estados Unidos. A política exterior de Obama pode ser resumida como um esforço para reverter ou desfazer o que, segundo ele, foram as falidas políticas do governo de Bush. Como candidato, Obama criticou ferrenhamente a guerra no Iraque, fundamentando que os EUA estavam combatendo na guerra equivocada (a do Afeganistão era a “correta”) e prometeu trazer as tropas de volta. Também optou pelo uso de políticas “brandas” e por criar algumas pontes de comunicação com ditadores e governos não democráticos, como Coreia do Norte, Irã, Venezuela e Cuba. Obama ainda qualificou como pouco efetivo o unilateralismo de Bush, favorecendo soluções multilaterais aos problemas de política exterior. O presidente dos EUA decidiu dar um passo atrás na política de “mudança de regime”, em particular, nos planos de seu antecessor de impor a democracia em regimes autoritários. E, depois da crise econômica, passou a questionar a sabedoria de promover economias de mercado e novos acordos de livre comércio. Após um ano como presidente, Obama começou a reavaliar algumas de suas ideias de política exterior, modificando-as a ponto de lem-
brarem políticas passadas, incluindo o governo de seu antecessor. Obama ainda mantém seu objetivo de retirar-se do Iraque, mas em um processo mais gradual. De ser a guerra “correta”, o Afeganistão passou a ser uma guerra problemática, e o presidente não pode decidir (pelo menos enquanto escrevo esta coluna) se envia ou não mais tropas. Sua postura com ditadores no Irã e na Coreia do Norte não deu resultados positivos. Hugo Chávez ainda critica o império dos Estados Unidos e continua se intrometendo nos assuntos de seus vizinhos, por exemplo, ao colocar um avião à disposição do presidente deposto de Honduras. E os esforços para flexibilizar a política frente a Cuba foram recebidos novamente por este com críticas frente ao embargo dos Estados Unidos. Os esforços multilaterais tampouco tiveram sucesso. O governo de Obama inicialmente somou-se a seus vizinhos latino-americanos ao criticar o golpe de Estado contra Zelaya em Honduras, cortar a ajuda ao governo de fato de Micheletti e insistir no rápido retorno de Zelaya ao poder. O ponto morto que se seguiu só foi interrompido quando o governo de Obama decidiu, unilateralmente, negociar um acordo que permitiu às instituições políticas hondurenhas decidir o futuro de Zelaya, restabelecer os canais de ajuda e reconhecer os resultados das próximas eleições, sem se importar se
para isso Zelaya tinha sido restituído ou não. Se não houve progressos nos tratados de livre comércio com Panamá e Colômbia, houve uma troca no sistema democrático, ao responder às críticas cubanas de que agora liberar o sistema político só depende deles. Os Estados Unidos estão falando em termos mais duros com Chávez, e seguem trabalhando com México e Colômbia em temas de segurança. Se tudo isso reflete uma política exterior concreta para a América Latina, é um tema de debate. Também é questionável se o governo de Obama pode ou deveria ter uma política exterior para a América Latina. Mas talvez seja o momento, como recentemente propôs Hillary Clinton, de apertar o botão “reiniciar”. Os Estados Unidos acabam de confirmar Arturo Valenzuela, um chilenonorte-americano com vasta experiência na região, como seu novo subsecretário para assuntos com o Hemisfério Ocidental. Uruguai, Chile e, potencialmente, Colômbia terão novos presidentes em breve, e outras eleições v i rão em 2010. Esperemos que essas trocas tragam novas ideias e iniciativas. E, quem sabe desta vez, os governos amigos na América Latina sejam mais ativos no momento de propor e estruturar políticas hemisféricas que incluam maior cooperação com os Estados Unidos do que no passado.
A política exterior de Obama se assemelha cada vez mais à de Bush
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LINHA DIRETA
GERAÇÃO
“Y”
E
RODRIGO LARA SERRANO, DE BUENOS AIRES
stávamos reunidos em um dos salões do Sofitel de Buenos Aires, atentos às explicações de Alberto Franicevich sobre o perfi l da “geração Y”. “Eles nasceram entre 1980 e 2000, e seu comportamento é muito diferente do das gerações anteriores”, diz o professor do IAE Business School da Universidade Austral. Daniel Sierra, diretor do caderno de empregos do jornal La Nación, confirma. “Se eles têm um trabalho, mas desejam passar três meses no Brasil, simplesmente renunciam e se vão.” Mas como o sistema pode permitir semelhante heresia sem enviá-los à fogueira da condenação moral ou do desemprego permanente? O que se passa é que “eles preferem os desafios à estabilidade, o projeto em si à empresa onde o realizam e, para eles, a qualidade de vida é mais importante que o dinheiro”. Frente a tal argumento, como não ser compreensivo? Além de tudo, depois das férias, em vez de migrar para a concorrência, eles se entregam aos braços de alguma organização não governamental que busca melhorar ou salvar o mundo. Deus! Não se
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Foto FERNANDO CARRASCO
ESSA ESTRANHA
tratará de uma nova safra de garotos que se indignam porque há gente passando fome no mundo? “Não, eles não são anárquicos”, me tranquiliza Serra. “Aceitam a autoridade que vem do conhecimento e da destreza, e não da hierarquia.” A companhia Tenaris, titã mundial do aço, está especialmente atenta aos “Y”. Horacio Gergero, porta-voz do sistema de capacitação da empresa, diz que os membros dessa geração “amam aprender e aprendem ativamente, mas não conseguem ultrapassar 20 minutos de atenção quando se trata de uma aula no modelo tradicional”. Ao que parece, chateiam-se facilmente. Mas isso, segundo Gergero, é compensado pelo prazer que sentem em percorrer e conhecer todos os setores da companhia. Claro que estão felizes com o e-learning e, para que pudessem expressar seu potencial ao máximo, a companhia decidiu abrir a possibilidade “de que eles desenhassem sua própria carreira e não uma que fosse imposta por seus chefes”. Sierra reconhece que eles podem tirar mais de um gerente do sério por seu costume de jogar nas horas de trabalho e deitarse nos sofás para falar da próxima viagem às vinícolas da Nova Zelândia, mas são perdoados porque “são muito inovadores, tech-savy, inclusivos, multitasking”. E provavelmente – ainda que nenhum empresário jamais reconheça – porque não estão preocupados com seus direitos trabalhistas. A verdade é que a geração “Y” talvez não esteja forçando uma adaptação das empresas, mas seja exatamente o perfi l de pessoa que estas requerem hoje. Se damos razão a Richard Sennett, entretanto, não se trata de um bom tipo de pessoas: “a mobilidade mental as impede de se envolverem a fundo; a capacidade se concentra na técnica operacional, um exercício de resolução de problemas mais do que a descoberta de problemas”, o que significa que “uma pessoa acaba se desentendendo com a realidade que esteja além de seu controle pessoal”. Vistos dessa forma, os “Y” seriam incapazes de abraçar um compromisso profissional, já que “o compromisso implica isolamento, abstenção de possibilidades devido à concentração em uma coisa só”. Somente se é livre, diz, cortando-se laços, “em particular os que se formaram com o tempo”. É como acontece com os adolescentes: cheios de vida borbulhante e compromissos apenas exploratórios. A apresentação está acabando. Começa a sessão de perguntas. O primeiro que levanta a mão dispara: “Será que eles não são assim porque não têm fi lhos? Aposto que, quando os tiverem, começarão a se preocupar com o dinheiro, o plano de carreira e um bom sistema previdenciário”.
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