Nº 383 Edição Brasil

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Nº 383 Janeiro/2010

BRASIL

www.americaeconomia.com.br

IMPÉRIO DE ABILIO DINIZ: COMO SE CRIOU O GIGANTE DO VAREJO BANCOS À VENDA NOS EUA. VALE A PECHINCHA?

BRASIL DEPOIS DE LULA

GUIDO MANTEGA LIDERA RANKING DE MINISTROS

BRASIL DEPOIS DE LULA

AméricaEconomia

O ÚLTIMO ANO DO PRESIDENTE DEFINIRÁ OS DESAFIOS DE SEU SUCESSOR

Nº 383 JAN./2010 R$ 8,90

INFRAESTRUTURA EM XEQUE NO BRASIL E NA AL AE 383 CAPA V4.indd 1

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NESTA EDIÇÃO CAPA O Brasil depois de Lula

Foto RICARDO STUCKERT/PR

10

Negócios

Seções 4 5 6 6 8 9 23 24 44 60 61 74 75 76 78 80 81 82

Portal Carta ao Leitor Cartas Índice de Empresas Pistas Negócio Fechado Visão Verde Movimentos Opinião – Abraham F. Lowenthal Visões Raio X Capital Aberto Opinião – John C. Edmunds I-biz I-biz Entrevista – Chris Anderson Interfaces

10 15 16 18 20 22 29 30

Nasce uma gigante A estratégia de Diniz Braskem/Quattor Expansão regional Vendem-se bancos Pechincha nos EUA Vinhos chilenos Disputa de terroir Internet mexicana Sem estímulo à inclusão Flores para exportação Mercado em crise

Debates

46 50 52 62

Corrupção O mau hábito dos governos Alba A busca pela moeda única Especial Ministros de Finanças Temas de 2010 O que será notícia

Peruanos globalizados Programas de fidelidade

Finanças

Especial Infraestrutura

Bovespa Ela quer você

Clics & Chips Linha Direta

Foto DIVULGAÇÃO

38

Foto de capa MAURICIO LIMA/AFP

68 72

Fundo Amazônia Pela sustentabilidade

Janeiro, 2010 AméricaEconomia 3

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PORTAL

www.americaeconomia.com.br PLÁSTICO RENOVÁVEL A Tetra Pak utilizará polietileno feito de matéria-prima 100% renovável. O projeto é piloto e visa o uso nas indústrias alimentícia e de embalagens. O acordo, assinado com a Braskem, prevê o fornecimento de 5 mil toneladas anuais, a partir de 2011. O polietileno será fabricado na planta da Braskem em Triunfo (RS), que será inaugurada no quarto trimestre de 2010.

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LEIA NO PORTAL

SOFITEL NO URUGUAI

EDIÇÃO: MARCELO GALLI (MGALLI@AMERICAECONOMIA.COM)

americaeconomia.com.br pergunta aos internautas: Você considera adequada a adoção de uma moeda omias única pelas economias da América Latina? a?

NÃO

59 %

O grupo hoteleiro francês Sofitel fortaleceu sua presença na América do Sul ao anunciar a assinatura de contrato com o Carrasco Nobile S/A, consórcio liderado pela espanhola Codere, para reformar e gerenciar o Hotel Casino Carrasco, em Montevidéu, que foi inaugurado na década de 1920. A operação marca a entrada da empresa no Uruguai. Atualmente, a rede administra hotéis na Argentina, no Brasil e na Colômbia.

MOTOR LIMPO

SIM M

41% 1%

A Vale e a fabricante de caminhões e ônibus sueca Scania assinaram acordo de cooperação tecnológica para o desenvolvimento, no Brasil, de motores para geração de eletricidade a partir do etanol e do gás natural. A parceria prevê a transformação, pela mineradora, de motores básicos da Scania em motores para diferentes aplicações nas suas unidades no país.

4 AméricaEconomia Janeiro, 2010

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CARTA AO LEITOR CENSURA NUNCA MAIS N

BRASIL www.americaeconomia.com.br PUBLISHER José Roberto Maluf CONTEÚDO Diretora de Redação Tatiana Engelbrecht Editora Executiva Solange Monteiro Diretora de Arte/Projeto Gráfico Janaína Diniz Editor do Site Marcelo Galli Revisão Assertiva Produções Editoriais Produção Gráfica Eduardo Keppler Infografia Rodrigo Damati COMERCIALIZAÇÃO Gerente de Publicidade Sidney Espósito Executivos de Contas Andrea Vieira – andreavieira@springcom.com.br Nagibe Adaime – nagibe@springcom.com.br MARKETING Elisangela Silva, Rafael Borsanelli, Marcia Leonardi ADMINISTRATIVO/FINANCEIRO Diretor Executivo Eduardo Colturato Gerente Financeiro Edison Arduino Pré-impressão First Press Periodicidade Mensal (Janeiro de 2010) CTP, impressão e acabamento IBEP Gráfica Circulação auditada por SPRING EDITORA-PRODUTORA Rua Ferreira de Araújo, 202, 7º andar – CEP: 05428-000 São Paulo/SP – Tel.: 11 3097-7666 Site: www.springcom.com.br E-mail: contato@springcom.com.br AMÉRICAECONOMIA INTERNACIONAL Diretor Elias Selman Carranza Vice-Presidente Executiva Gloria Landabur C. Diretora Internacional de Marketing Mica Selman Diretor Editorial Felipe Aldunate M. Editor Adjunto Rodrigo Lara Editores Adriana Méndez (Cidade do México), Antonio María Delgado (Miami), Eduardo Thomson (Santiago), Fernando Chevarría (Lima), Juan Pablo Rioseco (Santiago), Karen Correa (Guaiaquil) Diretor de Arte Álvaro Araya Urquiza Editor de Fotografia Miguel Candia Diretor de Projetos, MBA.americaeconomia.com.br Marcelo Silva Symmes Diretor de Circulação Marcial Delcorto Gerente de Produção Constanza del Río Moreno AMÉRICAECONOMIA INTELLIGENCE (Estudos e Projetos Especiais) Diretor Jaime Contreras Soria Coordenadora Geral Daniela González Pesquisador Sênior Andrés Almeida Analista Paulina Saavedra AMÉRICAECONOMIA.COM Diretor de Estratégia Digital Rodrigo Guaiquil Editor Lino Solis de Ovando Webmaster José Fuentes ESCRITÓRIOS Buenos Aires +5411 4383-8410 Cidade do México +5255 5254-2400 Costa Rica +506 225 6861 Lima +511 610-7272 Miami +305 648-9071 Panamá +507 271 5327 Santiago +562 290-9400 Uruguai +5982 901 9052 Chairman Robert R. Paradise

o dia 18 de dezembro, o empresário Fernando Sarney, filho do senador José Sarney, presidente do Senado, anunciou que retiraria a ação judicial que, há cinco meses, proíbe o jornal O Estado de S. Paulo de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica. A operação da Polícia Federal examina irregularidades no setor elétrico, e Fernando Sarney, em gravações divulgadas, disse ajudar o pai a controlar o setor, podendo nomear quem quiser no Senado e interferir na agenda do ministro de Minas e Energia. Fernando foi indiciado por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, tendo negado todas as acusações. Classificado pelo Estadão como “midiático”, o anúncio de Fernando Sarney, às vésperas do início do recesso forense, não extingue a censura. Em decorrência do recesso judiciário, a decisão sobre o fim da proibição imposta ao veículo será tomada após o dia 7 de janeiro. Somente após essa data o jornal será intimado para aceitar ou não a extinção da ação. Em uma decisão que chocou a opinião pública, em 9 de dezembro, o Supremo Tribunal Federal, por seis votos a três, decidiu manter a censura ao jornal, imposta pelo desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Votaram a favor da censura ao jornal os ministros Cezar Peluso, relator do processo; Gilmar Mendes, presidente do Supremo; Eros Grau; Ellen Gracie; José Dias Toffoli; e Ricardo Lewandowski. O argumento do relator foi o de que a veiculação de informações da Operação Boi Barrica feriria garantias constitucionais e violaria a lei de interceptações telefônicas. Contra a censura votaram os ministros Carmen Lucia, Carlos Ayres Brito e Celso Mello, afirmando, este, que “o poder de cautela do Judiciário é o novo nome de censura”. Assim, a Justiça não poderia se ater a tecnicismos da lei, permitindo que um determinado veículo jornalístico seja censurado por qualquer motivo. Eventuais correções deveriam ter remédio posterior, não anterior à publicação. Outros veículos podem continuar a divulgar informações e reportagens sobre a Boi Barrica, mas não o jornal contra o qual se levantou a ira da família Sarney. O mesmo Supremo Tribunal Federal que, no último mês de abril, revogou a retrógrada Lei de Imprensa da ditadura, que vigeu até 1985 e que previa a censura, claramente, entre outras restrições, agora vem censurar um jornal diário conhecido por sua luta contra atos ditatoriais. Tudo isso aconteceu na mesma época em que o governo promoveu a Confecom (Conferência Nacional de Comunicação), que outra coisa não pretende senão impor outra mordaça aos meios de comunicação, muito embora o presidente Lula, na abertura do evento, tenha se declarado a favor da liberdade de imprensa, dando um banho de água fria nos mais animados defensores do fim das empresas do setor, da forma como hoje estão organizadas. Nos termos da velha e conhecida frase, pode-se encontrar muitas definições para democracia, mas, para saber se ela existe ou não em um determinado país, basta perguntar se a imprensa é livre. José Roberto Maluf – Publisher

ASSINATURAS Central de Atendimento Tel. 55 11 3038-1493, de 2ª a 6ª feira, das 8h às 20h. E-mail: americaeconomia@acsolucoes.com.br Cartas: Rua Butantã, 500 – 2º andar – CEP 05424-000 – São Paulo/SP Valores de assinatura: Por 1 ano: R$ 96,00 / Por 2 anos: R$ 182,00 Pagos em até 5x no cartão de crédito ou em até 3x no boleto bancário (preço válido para as vendas realizadas pela Central de Atendimento e pelo website da revista). Em caso de descontinuação da publicação, a Spring Editora-Produtora Ltda. garante aos assinantes desta publicação a restituição, em reais, da parte do valor já pago correspondente aos exemplares não entregues, devidamente corrigido monetariamente. Ao fazer sua assinatura, exija a credencial do vendedor e pague sempre com cheque, nominal, mediante recebimento da primeira via de nosso pedido de assinatura.

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ÍNDICE DE EMPRESAS

CARTAS OUTRA REALIDADE A reportagem sobre o Sendero Luminoso (“Sócios no Crime”, AméricaEconomia N˚381, novembro, 2009) mostra o Peru que o presidente Alan García deveria focar, ao invés de falar sobre a corrida armamentista chilena. Os estrangeiros que chegam ao Peru podem gostar da capital e dos centros turísticos, mas é no campo que se pode encontrar a verdadeira imagem do país. O restante é pura maquiagem. MAITE ERANSUS – PERU

Os números referem-se à primeira vez que as empresas são citadas. AC Capitales

31

Enbridge

Aerolíneas Ejecutivas

26

Energy Partners Chile

Ag. Bambu de Conhec.

28

Esso

Altaïr

18

Etab. Maurel et Prom

Análisis Semanal

51

Everis

21

Andes Wines

18

Extra

11

Pfizer

25

Araujo, Ibarra & Assoc.

32

Fico

27

Plascar

76

Avila, Rodríguez, H. M&F 16

Finca la Celia

18

Ponto Frio

12

Banco Central

Fitch Ratings

19

Procter & Gamble

29

Banco de Créd. de Peru 29

Ford

76

Promotick

29

Banco do Brasil

Gafisa

Quattor

15

Real Alliance

35

Repsol

15 54

O PASSADO CONDENA

Banco Fator

Em relação à reportagem “Gigante em Formação” (AméricaEconomia N˚381, novembro, 2009), a história da fusão de Avianca com Taca poderia ser bonita se não fosse as más lembranças da formação de grandes empresas aéreas que, literalmente, afundaram no Brasil. Dou como exemplo a Vasp, do empresário Wagner Canhedo, que, com sonhos nababescos, começou a comprar empresas pela América Latina como a Lloyd Aéreo Boliviano e a Ecuatoriana de Aviación, entre outras. No final, deixou um monte de sucatas estacionadas nos aeroportos nacionais, além de dívidas estratosféricas. A Transbrasil teve um final sofrível, e a Varig, que chegou a ser uma das dez maiores do mundo, teve um final trágico. Resta saber se Germán Efromovich terá cacife suficiente para levar essa empreitada adiante. WILLIAN CARLOS – BRASIL

Banco Mundial

PELA INTEGRAÇÃO Até que enfim, uma boa notícia sobre esses dois países, Peru e Chile, que gostam tanto de brigar (“Força Financeira”, AméricaEconomia N˚382, dezembro, 2009). Que bom que existem pessoas concentradas na construção de uma unidade econômica séria (com a integração das bolsas de Chile, Peru e Colômbia). Que se multipliquem ações como essas, que afastam ameaças de guerra alimentadas por pessoas equivocadamente chamadas de nacionalistas. CARLOS BORGES – ARGENTINA

Cartas para a redação:

cartas@americaeconomia.com

9

17

9 28

PDG Reality

8

PDVSA

57

9

Petrobras

9

Petrosul

9

Petrotech Peruana

9

8

8

Gemines Consultores

61

31

Glencore International

9

15, 42, 71

Google

79

RGE Monitor

Banco Patagônia

17

Hypermarcas

26

Rodobens

Bauer Financial

16

IBM

48

Sadia/Perdigão

42

Baumer

27

Infraestructure Investor

31

Samsung

81

BBVA Bancomer

27

Insead

24

San Pedro

18

Bice Inversiones

18

Intelig

9

Santa Helena

18

JBS

9

Santa Rita

18

Banco Panamericano

9

8

BM&FBovespa

8, 69

Bodega Tamarí

18

Korn/Ferry International 24

Scania

Boyden

29

Kroll Infoamericas

48

Schwartzer Economia

40

Bradesco

71

La Nación

15

Sendas

11

Braskem

4, 15

37

Látex da Amazônia

23

Shearman & Sterling

BrickArms

79

Lego

79

Sofitel

Brookfield

31

Caixa Econ. Federal Carrasco Nobile S/A

4

4

Leyda

18

Sonda Procwork

9

LG

81

Sony

4

Lide

82

Standard&Poors

41

Stora Enso Lat. America

60

60 81, 78

Casa Rivas

18

Luz y Fuerza del Centro

Casas Bahia

11

Macquarie Capital

31

Tabalí

18

Casino

11

Maxiquim

77

Tallent Consultoria

60

CCU

18

Melhoramentos

Tarapacá

18

CG/LA

32

Miller & Chevalier C.

47

Tatiara Meat Company

Cimentos Portugal

9

Misiones de Rengo

18

Tecnored

9

CMPC

8

Mixxer Des. Empresarial

12

Telefônica

21

Codere

4

21

9

8

9

Modo Design

28

Telmex

Cia. Chilena de Fósforos 18

Moody’s Economy

41

Tetra Pak

CompreBem

13

MRV

8

The Comp. Int. Unit

Concha y Toro

18

Neo Química

9

TIM

9

Nestlé

29

Vale

4, 9, 42

New Journal of Physics

80

Viña Mar

18

5

Corp. Research Corretora Souza Barros

8 12

4 20

Cosan

9

O Estado de S. Paulo

Wal-Mart

27

CSN

9

Oi/Telemar

42

Wired

78

Ecopetrol

9

Pão de Açúcar

11

Wyeth

25

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PISTAS QUEM DÁ MAIS PUBLICAMOS Hoje, os consumidores mais ávidos no shopping militar são Venezuela, Colômbia e Chile, cujos gastos, em 2006, chegariam a US$ 1,9 bilhão. Os governantes desses países negam que estejam alimentando uma corrida armamentista e defendem a necessidade de modernizar sua estrutura militar. O Chile, apesar de ser o terceiro maior comprador, busca reforçar ao governo peruano de que essa não é sua intenção. (“Quem Pode, Compra”, AméricaEconomia N˚ 331, novembro, 2006) O NOVO O sentimento de desconfiança entre os países não cessa. Em dezembro, o Peru afirmou negociar a compra de tanques da China e aviões de combate Super Tucano do Brasil para substituir seu arsenal militar, que considera obsoleto. A declaração aconteceu semanas depois de o país acusar o Chile de iniciar – novamente – uma corrida armamentista.

LAR, DOCE LAR PUBLICAMOS O programa habitacional de US$ 15,6 bilhões “Minha Casa, Minha Vida”, destinado à população de baixa renda, parece ter renovado o ânimo do setor da construção. Para Eduardo Silveira, do banco Fator, no médio prazo, as companhias inscritas na BM&FBovespa que terão mais potencial de beneficiar-se com esse pacote são Gafisa, MRV, Rodobens e PDG Reality (“Elixir Habitacional”, AméricaEconomia N˚ 375, maio, 2009)

O NOVO A MRV Engenharia encerrou 2009 com estimativa de um banco de terrenos da ordem de R$ 12 bilhões, a maioria relacionado ao programa do governo, segundo declaração do vice-presidente executivo da empresa, Leonardo Corrêa. Segundo a MRV, desde o lançamento do “Minha Casa, Minha Vida,” em abril, a perspectiva da empresa – que, no final de 2008, tinha reduzido o número de lançamentos – mudou.

MAIS PAPEL PUBLICAMOS Segundo analistas, depois da compra da brasileira Guaíba, não sairia nenhuma outra proposta da chilena CMPC. “Eles tiveram de captar US$ 1 bilhão e não têm costume de assumir muita dívida”, diz Cristina Acle, da Corp Research. (“No Centro das Atenções”, AméricaEconomia N˚ 382, dezembro, 2009)

O NOVO A chilena ainda conseguiu reunir alguns milhões de dólares – mais precisamente US$ 63,5 milhões – para aprovar um projeto de aumento da capacidade instalada da Melhoramentos, que a CMPC comprou em abril de 2009, para fabricação de papel tissue.

PARCERIA ESTRATÉGICA

Foto RICARDO STUCKERT

PUBLICAMOS A incapacidade de influenciar o desenlace institucional de Honduras levará os EUA a priorizar outro aspecto do multilateralismo: o diálogo e a colaboração direta com países como Brasil e México. (“Assim Não Dá”, AméricaEconomia N˚ 379, setembro, 2009) O NOVO Apesar de Brasil e Estados Unidos se manterem em lados opostos em temas como o reconhecimento do governo eleito de Honduras e as negociações da OMC, em dezembro, os países buscaram priorizar as afinidades. Em visita ao Brasil, o representante-adjunto de Comércio dos EUA, Everett Eissenstat, afirmou a intenção de chegar a um acordo com o Brasil em comércio e investimentos para “abrir espaço à cooperação”.

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NEGÓCIO FECHADO

Foto FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR

CSN

BENJAMIN STEINBRUCH, PRESIDENTE DA CSN

CEF A Caixa Econômica Federal anunciou a compra de 35,54% do capital social do banco Panamericano. O valor, de R$ 739,2 milhões, envolve a participação acionária de 49% do capital social votante e de 20,69% das ações preferenciais do Panamericano. A Presidência do Conselho será alternada anualmente com indicação da CaixaPar (Caixa Participações) e da holding Silvio Santos. A conclusão da operação depende da aprovação do Banco Central. VALOR: R$ 739,2 MILHÕES

COSAN O maior grupo do setor sucroenergético brasileiro adquiriu a rede de postos de combustíveis da marca Petrosul. A compra inclui 83 postos no estado de São Paulo, que farão parte da rede Esso e passarão por um processo de transição de marca, que se inicia imediatamente. De acordo com a Cosan, a operação não envolve os ativos de distribuição e armazenamento de combustíveis pertencentes ao atual proprietário. VALOR: NÃO REVELADO

ECOPETROL A petrolífera colombiana segue com planos de investimento forte no ano que vem. A empresa injetará US$ 8,48 bilhões em suas operações na Colômbia, no Brasil, no Peru e nos EUA, em 2010, como parte da estratégia de aportar US$ 60 bilhões em sete anos. Em 2009,

a Ecopetrol comprou 50% da Petrotech Peruana, por US$ 450 milhões, 51% de uma refinaria em Cartagena da companhia suíça Glencore International, por US$ 549 milhões, e a unidade colombiana da francesa Établissements Maurel et Prom, por US$ 748 milhões. O grupo também adquiriu uma fatia em um oleoduto da Enbridge, por US$ 418 milhões. VALOR: US$ 8,48 BILHÕES

HYPERMARCAS A empresa anunciou a compra do Laboratório Neo Química, em um negócio estimado em R$ 1,3 bilhão. A Hypermarcas pagará R$ 687 milhões, em três parcelas anuais, aos atuais controladores do Neo Química, que também receberão 17,5 milhões de ações ordinárias a serem emitidas pela companhia. A transação cria o terceiro maior laboratório de capital brasileiro e o quarto maior em operação no país. VALOR: R$ 1,3 BILHÃO

JBS O grupo fechou acordo para a aquisição da australiana Tatiara Meat Company (TMC), processadora de carne ovina de alta qualidade focada em mercados como Estados Unidos, Canadá e Europa, além do mercado doméstico da Austrália. A JBS desembolsará US$ 27,5 milhões pela TMC, em negócio sujeito à conclusão do processo de due diligence. VALOR: US$ 27,5 MILHÕES

Anunciou planos de adquirir a empresa Cimentos de Portugal (Cimpor), com presença em 13 países da Europa, Ásia, América do Sul e África. A CSN está finalizando a implantação de sua primeira unidade de produção de cimento no Brasil, tendo iniciado a produção e as vendas de cimento de sua planta em Volta Redonda (RJ), em maio do ano passado, com vendas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. De acordo com a CSN, a transação engloba a aquisição da totalidade das ações da Cimpor, ao preço de 5,75 euros por ação ordinária.

VALOR: 3,86 BILHÕES DE EUROS TIM A operadora de telefonia móvel anunciou a conclusão da compra da Intelig (empresa focada na longa distância). Para realizar a operação, serão emitidos R$ 516,7 milhões em ações da TIM, que também assumirá uma dívida financeira de US$ 70 milhões da Intelig. A compra permitirá à operadora avançar no segmento de transmissão de dados. VALOR: R$ 516,7 MILHÕES, MAIS DÍVIDA DE US$ 70 MILHÕES

VALE Comprou 37,4% do capital da Tecnored Desenvolvimento Tecnológico, por R$ 80 milhões. A empresa desenvolve processos tecnológicos nas áreas de metalurgia e mineração e é detentora do processo Tecnored, tecnologia metalúrgica para produção de ferro e ligas ferrosas com baixo custo de investimento e operação. VALOR: R$ 80 MILHÕES

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NEGÓCIOS VAREJO

O IMPÉRIO DA CLASSE C Abilio Diniz afina sua estratégia para crescer junto de uma emergente categoria de consumidores

Fotos DIVULGAÇÃO

MÁRCIA VAISMAN, DE SÃO PAULO

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PASSO A PASSO DA OPERAÇÃO

1

H

á um mês, uma operação financeira tomou de sobressalto o mercado. O Pão de Açúcar anunciou sua associação com a Casas Bahia, tornando-se o principal player do varejo brasileiro. Com a iniciativa, criou-se um gigante com R$ 18,1 bilhões de faturamento anual. E, segundo fontes extraoficiais que trabalham próximas de Abilio Diniz, o presidente do Conselho de Administração do Pão de Açúcar não vai parar por aí. A operação que envolveu a companhia e a Casas Bahia é complexa (veja quadro ao lado), mas não mexeu com o caixa do grupo, indicando que Diniz ainda poderá passear com seu carrinho de compras. O movimento do Pão de Açúcar, no final de 2009, foi uma mensagem ao mercado de que o “velho” Abilio – considerado obsoleto na década de 1990, quando o grupo quase decretou insolvência – ficou para trás. De olho no segmento que mais cresce no país, a classe C, Abilio elaborou uma estratégia de negociação que, dizem, ninguém sabia. Em setembro, ele telefonou para Michael Klein, presidente da Casas Bahia, e marcou dois encontros entre eles e os herdeiros de ambos, João Paulo Diniz e Raphael Klein. No primeiro, conversou sobre amenidades. No segundo, fechou o acordo, absorvendo uma rede que se consolidou focando exatamente a classe C, tendo como base uma gestão assumidamente familiar. Aparentemente, Abilio costurou tudo sozinho. Aparentemente, a Casas Bahia não estava à venda.

INSPIRAÇÃO EUROPEIA Mas, ainda que tenha agido sozinho, sabe-se que os interesses de seu sócio francês podem ter uma forte influência nessa decisão. Desde 2005, o Casino detém 50% das ações da Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), holding do grupo Pão de Açúcar, e já demonstrou ter sede de mercado. Essa é a opinião do especialista em soluções de marketing e varejo Marco Quintarelli, que trabalhou por 26 anos no grupo Sendas/Pão de Açúcar. “Abilio tem uma excelente capacidade de observar as possibilidades de cada bandeira, e o Casino está de olho no potencial de crescimento brasileiro”, comenta. Além disso, a crise fi nanceira veio somar-se a uma natural desaceleração do crescimento de mercado no continente europeu, indicando outro bom motivo para o Casino se concentrar nas oportunidades de fora. Segundo Quintarelli, atualmente, o principal foco da rede francesa é o Bric (grupo constituído pelos países em desenvolvimento Brasil, Rússia, Índia e China). Além disso, é importante ressaltar o fato de que, em 2013, o Pão de Açúcar deverá passar por uma mudança. A partir deste ano, o Casino terá também o direito de nomear o presidente do Conselho do grupo, que hoje está nas mãos de Abilio. Será nesta época, também, que o atual líder decidirá se passa, definitivamente, o controle para o grupo francês.

26

milhões de pessoas migraram para a classe C nos últimos cinco anos

2

3

4

5

6

Para criar a Nova Globex (Ponto Frio, Nova Casa Bahia e Extra Eletro), a CBD vai transferir as 47 lojas da bandeira Extra para a Globex (Ponto Frio). Esses ativos valem R$ 120 milhões, segundo a CBD.

Criação da Nova Casa Bahia, que inclui os ativos operacionais e as responsabilidades, sendo uma dívida líquida de R$ 950 milhões e 25% da Móveis Bartira (a companhia de móveis da Casas Bahia). O valor real da nova companhia (estimando um crescimento nominal de 6%) está avaliado em R$ 4,8 bilhões, e o Ebitda projetado para 2009, em R$ 544 milhões.

Todas as propriedades da Casas Bahia, que totalizam 50% das lojas mais os centros de distribuição, 75% da participação da Móveis Bartira, R$ 1,1 bilhão em contas a receber e outros ativos não operacionais permanecerão na antiga Casas Bahia. Portanto, não fazem parte do acordo.

Os outros 50% referentes às lojas e aos centros de distribuição da Casas Bahia serão incorporados pela Nova Casa Bahia, a um custo estimado de R$ 130 milhões por ano, por pelo menos seis anos, quando o período fechado estabelecido para essas vendas deverá terminar. Depois disso, se a Casas Bahia decidir vender suas lojas, a Globex terá o direito preferencial, desde que esteja garantido que a nova companhia não sofrerá com essa operação.

A Casas Bahia permanecerá em período fechado (lock-up) por 12 meses. Do 13o ao 48o mês, poderá vender 29% de sua parte. Até o 72o mês, tem a possibilidade de se desfazer de 49% de sua parte. O restante poderá ser vendido após os 73o mês. O grupo Pão de Açúcar permanecerá fechado por 24 meses.

Assim que a estrutura da Nova Casa Bahia estiver pronta, será incorporada pela Nova Globex.

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NEGÓCIOS VAREJO PASSAPORTE PARA A CLASSE C Analistas do setor de varejo apontam que, na negociação para a compra da Casas Bahia, o Pão de Açúcar foi beneficiado por outro fator: a perda, por parte da Casas Bahia, da renda advinda dos juros cobrados por meio dos carnês, que, até três anos atrás, era o principal meio de pagamento usado pelos clientes da rede. “O carnê representava cerca de 70% das vendas da empresa”, diz Eugênio Foganholo, diretor da Mixxer Desenvolvimento Empresarial, consultoria especializada em varejo e bens de consumo. Em uma tentativa de atrair mais consumidores e se “modernizar”, a Casas Bahia aderiu ao cartão de crédito. Hoje, de acordo com Foganholo, o pagamento pelo carnê representa apenas 25% das vendas. “A renda dos juros com esse meio de pagamento era significativa no negócio dos Klein e, com a inserção do cartão de crédito, essa entrada de capital deixou de existir.” Para ele, a negociação anunciada entre Pão de Açúcar e Casas Bahia mostra claramente que o modelo de negócios dos Klein não tinha boa perspectiva em médio prazo, e precisava de uma injeção de capital humano mais profissionalizado. Ele acha, também, que a operação foi acelerada com a saída de um dos irmãos, Saul Klein, responsável pela área comercial. “Não sei por que ele se retirou dos negócios, mas a rede perdeu em agilidade e expertise dessa forma.” Para o Pão de Açúcar, a cartada foi fundamental para inserir o grupo em um segmento no qual sempre demonstrou dificuldade em se posicionar. Hoje em dia, entretanto, tornou-se impossível ignorar o poder de compra da classe C. É um público que, atualmente, representa mais da metade da população brasileira. Nos últimos cinco anos, 26 milhões de pessoas migraram dos segmentos D e E para o C. Desde 2002, essa camada da população teve um aumento de renda superior a 40%, o que significou mais de R$ 100 bilhões entrando na economia brasileira. Abilio enxergou isso. E viu também que, pelo menos por enquanto, continua sensato deixar a administração nas mãos dos Klein. O presidente da nova companhia é Raphael Klein. Além de Raphael, a nova companhia, composta agora por Ponto Frio, Nova Casa Bahia e Extra Eletro (que se transformará na Nova Globex), contará com Jorge Herzog (representante do Grupo Pão de Açúcar) e Roberto Fulcherberguer (da Casas Bahia), ambos como vice-presidentes. É por isso que analistas acreditam que o Ponto Frio, adquirido pelo grupo Pão de Açúcar há quatro meses, por R$ 824 milhões, deverá voltar-se definitivamente para os segmentos A e B, ao lado da bandeira Extra Eletro. “Se essa estratégia permanecer, será possível separar públicos, locais e até planos de vendas e atender a todos”, ressalta o analista Pérsio Nogueira, da Planner Corretora. “Caso o grupo não mantenha esse foco de atuação, creio que poderá perder clientes”, completa Clodoir Gouveia, analista sênior da Corretora Souza Barros. Segundo ele, o acordo trouxe sinergia, já que cada empresa tem expertise em um segmento diferenciado.

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VOLTA POR CIMA E perder clientes Abilio defi nitivamente não quer. Há cerca de 20 anos, ele amargava prejuízos fi nanceiros e passava por um sobressalto pessoal. Desde que o patriarca dos Diniz, Valentim, dividiu a empresa entre os seis fi lhos, em meados de 1978, as relações familiares ruíram e afetaram os negócios. O resultado foi a quase falência do Pão de Açúcar. Depois de um sequestro, que durou sete dias, Abilio passou por uma reestruturação emocional e gerencial e, definitivamente, deu uma guinada nos negócios. Essa reestruturação ocorreu nos anos 1990. Começou, então, um novo jeito de governar. Com pulso forte, cessou as brigas da família e calou de vez a reivindicação da sucessora natural, Ana Maria Diniz, quando acelerou o processo de profissionalização do grupo, em 2003. Desde esse período, a companhia só cresce. Entre as principais aquisições estão o grupo carioca Sendas, em 2003, que amargava o abandono. Apesar de ter 30 lojas a mais no Rio de Janeiro, o Sendas registrava perdas. Tinha uma dívida de R$ 120 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e um prejuízo, naquele ano, de R$ 49,3 milhões. Enquanto isso, o Pão de Açúcar faturava R$ 1,5 bilhão na capital fluminense. Sem desembolsar um centavo, Abilio Diniz ficou com 50% da última grande representante do setor, que detinha 100% de capital nacional. Quatro anos depois, o grupo expandiu sua atuação para o segmento cash&carry (voltado ao atacado e ao varejo), anunciando uma joint venture com a Assai Importadora Comercial LTDA. O Pão de Açúcar, que já operava em supermercados (Pão de Açúcar, Extra Perto, CompreBem e Sendas), hipermercados (Extra), lojas de conveniência (Extra Fácil) e uma rede especializada em eletroeletrônicos (Extra Eletro), assumiu 60% do controle da empresa, deixando a gestão executiva a cargo de seu sócio-fundador, Rodolfo Nagai. Em julho de 2009, adquiriu os 40% restantes, acordando um pagamento aos vendedores, Rodolfo Nagai e Luiz Kogachi, de R$ 175 milhões, em três parcelas. O último pagamento, no valor de R$ 125 milhões, continua previsto para meados de 2011. A ne-

Foto LUIZ CARLOS MURAUSKAS/FOLHA IMAGEM

PÃO DE AÇÚCAR, NO ÍNICIO (ACIMA) E DEPOIS DAS COMPRAS: NOVAS FACETAS

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Foto MARLENE BERGAMO/FOLHA IMAGEM

NEGÓCIOS VAREJO

ABILIO DINIZ COM MICHAEL KLEIN: NEGÓCIO REFORÇOU O PAPEL DO PÃO DE AÇÚCAR NO SEGMENTO DE BENS DURÁVEIS

gociação ocorreu um mês após a compra da Globex, conhecida no mercado como Ponto Frio, consolidando a intenção do grupo de atuar cada vez mais no setor de eletroeletrônicos. Com mais essa aquisição, o grupo migrou as 47 lojas Extra Eletro para a Globex, tirando o foco da holding da área de alimentos. Entre os principais ganhos resultantes da operação destacam-se a grande capilaridade de lojas com localização privilegiada e a expertise no comércio eletrônico e na oferta de serviços fi nanceiros ao consumidor. A associação com a Casas Bahia encerrou, para o Pão de Açúcar, um ano atípico no mercado mundial. Em um período que demandou cautela da maior parte dos empresários e investidores, por causa das dúvidas em relação aos desdobramentos da crise munJORGE HERZOG: BRAÇO DIREITO dial, o grupo ousou, DE DINIZ NA NOVA EMPRESA evidenciando solidez e vontade de expandir. Os analistas em geral acreditam que o consumidor final só tem a ganhar. “Eles terão mais poder de barganha para renegociar e devem repassar isso ao público”, afirma Gouveia, da Corretora Souza Barros. Resta agora esperar qual será o próximo passo dos Diniz e do Casino. Quem arrisca um palpite?

A NOVA GLOBEX CBD, Ponto Frio (Globex) e Casas Bahia* Líder do varejo de bens duráveis, seis vezes maior que o segundo colocado, o Magazine Luiza Faturamento anual de R$ 18,1 bilhões (dados de 2008) 1.015 lojas (50% das Casas Bahia, 45% da Globex/Ponto Frio e 5% do Extra Eletro) Atuação em 18 estados e 337 municípios 68 mil funcionários

A NOVA POTÊNCIA DE E-COMMERCE Englobará Extra.com, PontoFrio.com e Casas Bahia.com Vendas anuais estimadas em R$ 2 bilhões, em 2010 O acordo deverá ocorrer em 11 de janeiro

GRUPO PÃO DE AÇÚCAR (dados até 3 trimestre de 2009) o

Faturamento bruto: R$ 17,79 bilhões. Crescimento de 19,2% em relação ao mesmo período de 2008 Vendas líquidas: R$ 15,73 bilhões, com aumento de 22,1%, em comparação com 2008 *Grupo Pão de Açúcar deterá 51% das ações, e o restante fica com a Casas Bahia Fontes Credit Suisse, Bradesco BBI e Assessoria de Imprensa do Grupo Pão de Açúcar

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NEGÓCIOS PETROQUÍMICA

MAIOR QUE O ESPERADO Enquanto entraves impediam sua fusão com a Quattor no Brasil, a Braskem aqueceu os motores para avançar no Peru

Foto OSCAR FARJE

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oram dois meses em compasso de espera. Em dezembro, fi nalmente, as negociações que extinguiram o processo que uma acionista minoritária do grupo controlador da Quattor havia movido, para evitar a fusão da Braskem e da Quattor, deixaram o campo livre para a consolidação do negócio que criará um gigante petroquímico brasileiro, restando apenas a definição da participação da Petrobras. Mas o impasse judicial não impediu que as duas empresas movessem seus tentáculos pela América Latina. No caso da Quattor, que ainda não tem

ALAN GARCÍA: PRESSÕES PARA INÍCIO IMEDIATO DE PRODUÇÃO

WAGNER FILHO, DO RIO DE JANEIRO

operações na região, o sinal foi dado pelo presidente da companhia, Vitor Mallmann, que, em dezembro, declarou à mídia argentina o interesse de investir no país, que hoje é o destino

2,5 bilhões de dólares é o custo do projeto da Braskem no Peru de 60% das exportações da empresa. Ao jornal La Nación, Mallmann divulgou planos de conseguir vendas de US$ 120 milhões, a partir da produção nesse país. Procurada por AméricaEconomia, a empresa não respondeu à solicitação de entrevista. Já a Braskem teve bons motivos para comemorar. As informações vazadas através do presidente peruano Alan García de que o bloco 58, descoberto pela Petrobras na Amazônia peruana, guarda um volume de 5 trilhões de pés cúbicos (TCFs) de gás representam o sinal verde para fazer deslanchar um megaprojeto de US$ 2,5 bilhões, com capacidade para

produzir até 1,2 milhão de toneladas de petroquímicos básicos naquele país. O projeto peruano será operado a partir do gás natural do bloco 58. A expectativa, de acordo com executivos ligados à empresa, é a de que a parte de engenharia seja concluída no fim de 2011. Se tudo der certo, a Braskem começará a produzir em 2015. A Petrobras ainda trata do tema da descoberta de gás com cautela. Oficialmente, a empresa diz que pretende aguardar a perfuração de outros três poços. A verdade é que, em tempos de pré-sal, que concentrará boa parte dos investimentos da companhia nos próximos anos, a estatal preferiria guardar a megadescoberta do Peru a sete chaves. Sua divulgação – admitem executivos da empresa – suscitaria pressões de Alan García para o início imediato da produção. “Com eleições em 2011 no Peru, o tema da segurança energética tornouse fundamental para o país”, explica um executivo do setor energético, que trabalha para uma empresa instalada no país. “Um acordo fi rmado pelo então presidente Alejandro Toledo em 2005 praticamente assegurou à Repsol o direito de exportar o gás produzido no campo de Camisea, sem levar em consideração as perspectivas de crescimento do consumo interno. Boa parte da população tem criticado o governo Alan García por não ter tido coragem de rever os termos desse acordo. Daí a necessidade de García em anunciar a descoberta da Petrobras.” Localizado a 100 km de Cuzco, o bloco 58 reserva um gás que apresenta características que agradam especialistas tanto da Petrobras quanto da Braskem, do ponto de vista técnico. Uma delas é o percentual de etano, fração nobre do gás utilizada como insumo petroquímico. Na primeira das quatro perfurações previstas pela campanha exploratória na região, constatou-se uma proporção de, no mínimo, 6% de etano, suficiente para a implementação de um projeto petroquímico de grande porte. Bom para a Braskem e bom para García. Janeiro, 2010 AméricaEconomia 15

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NEGÓCIOS BANCOS

OFERTAS DA ESTAÇÃO Crise gera oportunidades de investimento em bancos desvalorizados da Flórida. Brasileiros irão às compras? ANTONIO MARÍA DELGADO, DE MIAMI, COM ROBERTA PREGNACA, DE SÃO PAULO

s bancos radicados no sul da Flórida, Estados Unidos, sempre viram os estrangeiros com bons olhos. Afinal, seus investimentos, fluxos comerciais e depósitos permitiram que Miami se posicionasse como um grande centro financeiro internacional. Entretanto, agora que o setor enfrenta problemas de solvência, afundando com o peso de gigantescas carteiras vencidas, em águas agitadas pela crise, outro tipo de investidor estrangeiro passou a ganhar importância. Um tipo que os bancos não identificam como uma oportunidade de ganhar dinheiro, mas sim como um salva-vidas frente à possibilidade de se afogar. Segundo estimativas do setor nos Estados Unidos, atualmente, dezenas de instituições fi nanceiras estão ávidas por capital fresco que permita colocar as contas em dia, e muitas buscam sócios que comprem participações majoritárias em suas operações. Claro que é uma tendência aberta a investidores norte-americanos, mas as limitações de acesso ao capital criadas pela crise também estão abrindo uma janela de oportunidades para investidores estrangeiros. E o melhor de tudo: a muito bom preço. “Há dois anos, um banco relativamente saudável poderia ser comprado por entre 2,5 e 3 vezes o valor contábil. Hoje, esse mesmo banco está sendo comprado por 1,1 ou 1,2 vez esse valor”, diz o advogado Alcides Avila, sócio do escritório Avila, Rodríguez, Hernández Mena & Ferrari, em Miami.

Ilustração ISTOCKPHOTO

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Em muitos casos, os donos dos bancos não recebem o pagamento de prêmios; ficam contentes com o simples fato de o preço pago ser colocado diretamente no banco. “Essas instituições sabem que não poderão tirar um prêmio de um banco que necessita de capital”, diz Avila. “Também sabem que, se não vendem, correm o risco de perder tudo. Por isso, muitos banqueiros estão dispostos a diluir sua participação, em troca de injeções de capital. Assim, ao menos protegem seu investimento.”

LONGA LISTA Atualmente, o estado da Flórida reúne mais de 10% das 550 instituições financeiras declaradas “em problemas” pelo Conselho Federal de Segurança dos Depósitos dos EUA (FDIC). Estimativas da empresa de análise Bauer Financial apontam que esse número pode ser maior. Segundo a Bauer, um terço dos 300 bancos que operam no estado enfrentam problemas financeiros. Muitos deles – cujo tamanho varia de pequenas operações com algumas sucursais a bancos regionais de bom tamanho e bom patrimônio – estão sendo afetados pelo colapso do setor imobiliário, depois de destinar grande parte de seus recursos ao financiamento de milionárias obras de construção e ao outorgar créditos hipotecários. “Parte desses bancos não possui capital suficiente para registrar suas carteiras vencidas como perdas contábeis”, diz o economista Kenneth Thomas. “Isso deixa duas opções a seus diretores: ou eles mesmos aportam o capital, ou vão em busca de dinheiro novo.” Até agora, foram poucos os diretores e donos de banco que optaram por injetar capital em suas instituições. Não necessariamente porque consideram que os negócios já não são viáveis – a maioria pode voltar a ser rentável ao superar a atual

conjuntura –, mas porque eles não têm esse dinheiro. “O problema é que há muitos bancos, no sul da Flórida, correndo atrás de poucos dólares. Simplesmente não há capital privado suficiente para todo o mundo”, diz Thomas. O que significa uma oportunidade para o capital estrangeiro, que já começou a surgir. Até agora, os bancos espanhóis são os que mais se aproveitaram da situação, comprando algumas instituições. Mas esse cenário também começou a atrair investidores latino-americanos. Avila afirma que seu escritório representa vários venezuelanos, alguns deles ligados a grandes grupos empresariais interessados em BANCO DO BRASIL: INTERESSE ESTRATÉGICO ESTIMULA BUSCA POR ALTERNATIVAS NOS ESTADOS UNIDOS comprar ativos bancários na Flórida. Ele também afirma diversas alternativas de aquisição para haver manifestações de interesse por avaliar se alguma delas atende aos inteparte de bancos brasileiros e consultas resses estratégicos da organização.” preliminares de outros países. Patricia Roth, diretora executiva da NA MIRA Associação de Banqueiros InternacioNo caso das instituições brasileiras, um nais da Flórida, diz que não há nenhum movimento como esse não pareceria tipo de limitação na quantidade de estranho. Afinal, os bancos dispõem de ações que um banco estrangeiro podeboa saúde financeira, e há pouca posria adquirir de um banco nacional, como sibilidade de expandir sua atuação no acontece em muitos países. “Eles têm de mercado de crédito doméstico, depois se submeter a um processo de aprovada última onda de fusões. ção, mas não está proibido que um banO Banco do Brasil, que anunciou seu co estrangeiro se converta no acionista interesse em prospectar oportunidades majoritário de um banco nacional.” fora do país e, no fi nal de 2009, já neSegundo Avila, basta apenas que gociava a compra do banco Patagônia, um banco de um país solicite autorizana A rgent i na , ção para comprar uma instituição nos não nega a possiEUA para que outros possam entrar na bilidade de fazer disputa. “Na primeira avaliação, as aunegócio nos EUA. toridades bancárias norte-americanas “O Banco do Braanalisam o sistema fi nanceiro do país sil tem interesse como um todo”, explica. Thomas afi restratégico nesse ma não duvidar da chegada de novos país, com foco na bancos estrangeiros nesse mercado, comunidade branos próximos meses. “É verdade que sileira”, afirma estamos passando por dificuldades, Leandro Martins, gerente regional do mas a Flórida vai se recuperar e será Banco do Brasil para América do Norte uma das melhores praças para fazer e Caribe. “Estamos, sim, considerando negócios”, diz.

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Foto DIVULGAÇÃO

bancos da Flórida, aproximadamente, estão com problemas

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NEGÓCIOS CHILE

NOVA GIGANTE Fusão de duas vinícolas chilenas desafia o império da Concha y Toro MATÍAS RODO YURICEVIC, DE SANTIAGO

G

uillermo Luksic e José Luis Vender Bresciani são amigos de longa data. Conheceram-se no curso de oficiais da reserva da Força Aérea, onde compartilharam o gosto pelo universo do vinho e pelas aulas de estratégia. Mas foi em 2009 que ambos comprovaram o valor dessa sinergia: no começo do ano, negociaram a fusão de suas vinhas, San Pedro e Tarapacá, em um negócio controlado em 50,1% pela engarrafadora chilena CCU, presidida por Luksic, e em 30% pela Compañia Chilena de Fósforos S.A, de Bresciani. Passado o primeiro período de integração, a nova companhia surge no cenário vinícola chileno como a única com capacidade para destronar o império da Concha y Toro, líder inegável

no país. De fato, já é a segunda maior vinícola chilena – lugar antes ocupado pela Santa Rita –, com vendas de mais de US$ 246 milhões e exportações de vinho engarrafado de mais de US$ 81 milhões. A combinação parece ser perfeita. A empresa une a forte estrutura exportadora da San Pedro no segmento de vinhos populares, de preço médio mais baixo, com a experiência em vinhos fi-

nos da Tarapacá. No Chile, 88% das vendas da San Pedro são de vinhos populares. Na Tarapacá, ao contrário, 90% são de vinhos finos. Somada a isso, a união também trouxe uma diversificação na produção: a Tarapacá tem forte presença no Vale do Maipo e em Casablanca, ao norte de Santiago, e a San Pedro está focada na região central. Na realidade, essa fusão integra 11 vinícolas: San Pedro, Tarapacá (ex-Zavala), Santa Helena, Misiones de Rengo, Altaïr, Viña Mar, Casa Rivas, Finca La Celia e Bodega Tamarí (da Argentina), Tabalí e Leyda. A produção anual total ultrapassa os 120 milhões de litros, com 4.070 hectares plantados. Segundo Maximiliano Morales, presidente da consultoria vinícola Andes Wines, muitos vinhos da Tarapacá estão chegando a novos nichos de consumidores, de forma mais otimizada e com menor custo. Já para Cyndi Mosquera, analista da corretora Bice Inversiones, graças à incorporação das marcas premium, a nova companhia conseguirá um aumento substancial das exportações, tanto em volume quanto em valor,

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Fotos DIVULGAÇÃO

PRODUÇÃO NA VINÍCOLA SÃO PEDRO: NECESSIDADE DE REPOSICIONAR A MARCA

em particular ao Reino Unido e aos Estados Unidos, países que têm se consolidado, nos últimos anos, como os mercados que oferecem as maiores oportunidades de crescimento. “Além disso, a empresa obterá sinergias gerenciais e administrativas”, diz Mosquera.

DESAFIO EXTERNO Essa é uma característica importante, considerando que as exportações são a principal fonte de fluxos para a San Pedro e para a Tarapacá, cuja estratégia é operar com preços competitivos. Os produtos da empresa resultante da fusão são exportados para 76 países, permitindo que ela se proteja contra mudanças adversas em mercados específicos. Por essa razão, as moedas por meio da qual “cobra” suas remessas também são variadas, o que reduz sua exposição ao risco cambial. “Com o objetivo de aumentar sua presença e seu posicionamento, a empresa administra várias marcas de produtos, no Chile e no exterior, enquanto suas operações, tanto no Chile quanto na Argentina permitem diversificar os riscos asso-

ciados à indústria e aumentar sua presença internacional por meio da oferta de vinhos de diferentes origens”, diz um informe da classificadora de risco Fitch Ratings. Isso sugere que a empresa resultante da fusão, quando o sistema estiver operando, terá um intervalo esperado de crescimento do Ebitda, para os próximos três anos, entre 19% e 25%. Mas tanta maravilha não parece ser suficiente para destronar a família Guilisasti. A soma das exportações das duas vinícolas ainda não chega perto das da Concha y Toro. “San Pedro teve alguns problemas nas equipes de export managers, que realizaram algumas vendas de vinhos a baixo preço”, diz um alto executivo do setor, que prefere não ser identificado. “Isso afeta o posicionamento da marca, principal-

mente na Inglaterra e na Europa”. Por sua vez, há que se considerar os pontos fortes que contam a favor da Concha y Toro, como o alto reconhecimento de seus produtos, tanto no mercado doméstico quanto no internacional, a ampla variedade de produtos em cada uma das categorias e as relações-chave com distribuidores nos principais mercados de exportação. “No mercado internacional, é muito difícil que o vinho seja reconhecido pelo nome e não como vinho chileno”, diz Mosquera, da Bice. “Portanto, se San Pedro Tarapacá se propõe a aumentar o reconhecimento de seus produtos, o processo levará vários anos e muito investimento”. Mas Luksic e Bresciani sabem que uma de suas estratégias, agora, será a calma. Afinal, essa disputa mal começou.

AS EXPORTAÇÕES SÃO O MAIOR DESAFIO

Principais exportadores chilenos de vinho engarrafado (de janeiro a agosto de 2009)

VINÍCOLA

VOLUME

VALOR FOB

PARTICIPAÇÃO

(milhões de litros)

(US$ milhões)

(volume - %)

Concha y Toro

61,9

157,5

24,7

Cono Sur

23,0

49,2

9,2

San Pedro Tarapacá

17,0

42,4

6,8

7,0

29,6

2,8

Santa Rita Ventísquero TOTAL GERAL* *Inclui o restante das vinícolas chilenas

6,8

22,3

2,7

250,8

721,8

100,0 Fonte Corporação Chilena do Vinho

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NEGÓCIOS MÉXICO

CAMINHO ESTREITO

Sem incentivos públicos, o acesso à internet no México demora a decolar

ADRIANA MÉNDEZ, DA CIDADE DO MÉXICO

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Fotos ISTOCKPHOTO

Ismod etum zzril ullam qui exero odignit veliqui smolorperos

ACESSO À BANDA LARGA: MÉXICO NA LANTERNA REGIONAL

E

nquanto no mundo inteiro a palavra de ordem é a inclusão digital, o México dá sinais de retrocesso quando se trata de incentivos ao acesso à internet. O risco de naufrágio das contas públicas por causa da queda brusca na arrecadação do país levou à aprovação, em 2009, de um novo imposto, de 3%, para as telecomunicações. Além de refletir uma posição polêmica – afi nal, a

sobretaxa costuma se justificar quando é aplicada sobre artigos de luxo ou supérfluos –, essa medida se soma a um coquetel nocivo que deixa o México na lanterna do uso de banda larga. Passados 40 anos da criação da internet e há quase 20 anos da privatização das telecomunicações, a penetração dos serviços de internet no México está abaixo da média latino-americana, e

o preço, entre os mais altos da região. Resultado? Menos inovação, menos impacto e menor uso. “O imposto de 3% para as telecomunicações foi uma medida gravíssima e contrária ao Plano Nacional de Desenvolvimento”, diz Gonzalo Rojon, diretor de análises da consultoria de negócios The Competitive Inteligence Unit (CIU). Apesar de a internet ter ficado oficial-

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mente de fora do projeto, Rojon aponta uma armadilha nesse esquema: “a internet, fi xa ou móvel, estará isenta de imposto somente quando for cobrada separadamente de outros serviços de telecomunicações contratados, mas, no México, a internet tende a ser contratada dentro de um pacote, seja com telefone ou televisão a cabo”. O mesmo ocorre com a internet móvel: para contratá-la, você deve primeiro comprar o serviço de telefonia.

A DURA REALIDADE A falta de políticas públicas nesse setor inibe o crescimento do número de internautas mexicanos. Segundo a empresa Everis, no país existem 215 internautas em cada mil habitantes; no Brasil, essa relação é de 341 a cada mil, e, no Chile, 330 a cada mil. “Isso também se deve aos altos preços cobrados pelo acesso à banda larga, em comparação com outros países”, afi rma Javier Allard, diretor geral da Associação Mexicana da Indústria de Tecnologias da Informação (Amiti). Estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) revela que o México tem uma das bandas largas mais caras por megabyte por segundo (MBps) dentre os 30 países que formam o grupo. Para se ter uma ideia, enquanto um serviço mensal de velocidade média (até 10 MBps) custa cerca de US$ 30 na França e US$ 40 nos EUA, no México chega a US$

De janeiro a outubro, a queda na arrecadação no México foi de

11,7%

70. Cabe ressaltar que a OCDE defi ne como “alta velocidade” aquela entre 12 e 32 MBps e a média da banda larga no México é de 1 MBps – somente em casos excepcionais alcança 3 ou 4 MBps. “Isto nos atrasa em vários sentidos, pois os conteúdos são cada vez mais pesados”, lamenta Gonzalo Rojon, do CIU. Descarregar um conteúdo do Youtube de alta defi nição (1.080 dpi), por exemplo, demoraria meia hora, à velocidade de 1 MBps. “Temos uma lacuna digital de dez anos com relação a países como Estados Unidos e Canadá, e medidas como os impostos não farão nada além de ampliá-la”, opina Julio César Vega, diretor geral da Associação Mexicana de Internet.

OBSTÁCULOS A SUPERAR Sob esse cenário, é necessário um regulador eficiente, capaz de eliminar as práticas monopólicas. Apesar de não estarem isentos de percalços, no Chile, no Brasil e na Colômbia, os reguladores buscam punir as más práticas do setor. No Brasil, por exemplo, a Anatel proibiu a Telefônica de comercializar planos de internet Speedy por um período de dois meses, em 2009, por causa do aumento de panes no serviço. No México, até agora, nenhuma empresa foi multada pela reguladora Cofetel. Se um cliente contrata um serviço de conexão de banda larga com a Telmex, do magnata Carlos Slim, obrigatoriamente deve ter também uma linha telefônica com essa empresa. Para Julio César Vega, da Associação Mexicana de Internet, o país não está crescendo aos níveis desejados, principalmente, por uma regulação deficiente: “o que necessitamos é de uma regulação aberta, que fomente a concorrência e proporcione a oportunidade de atrair novos competidores”. Por último, há um consenso de que a falta de concorrên-

Hoje, apenas 3,5 em cada 10 lares mexicanos têm um computador. Com o imposto de 3%, estimular o uso de internet será mais difícil

cia tem permitido aos atuais operadores oferecerem um mau serviço e com tarifas elevadas. Existem iniciativas que buscam combater essa realidade. Depois de dois anos de anúncio, fi nalmente a Comissão Federal da Eletricidade (CFE) publicou as bases de licitação de dois fios de fibra apagada – ou seja, não ligados a aparelhos de transmissão – por um total de 19.647 km, divididos em três rotas ao longo do país. A proposta também inclui o acesso a outros segmentos da rede de fibra óptica da Comissão Federal de Eletricidade (CFE), em um total de 1.739 km. Ainda que, para alguns, isso se trate de um grande passo em matéria de competitividade, para outros, é uma decisão tímida, que fica aquém do esperado. “Por que somente licitar dois fios, quando existem mais de 30 fios de fibra apagada que não são ocupados para nada, e há muitos operadores que querem participar?”, questiona Gonzalo Rojon. Ainda assim, Julio César Vega assegura que se trata de um grande passo na história das telecomunicações do país. Se o cronograma for cumprido, em fevereiro, são esperadas as propostas e poderá haver novos competidores durante março e abril. Se não for licitada mais nenhuma fibra, porém, é muito provável que assistamos a um grupo de investidores, em um consórcio criado por vários operadores. O risco, nesse caso, é que o de que monopólio esteja se tornando um oligopólio. Janeiro, 2010 AméricaEconomia 21

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NEGÓCIOS EXPORTAÇÃO

BUQUÊS À INTEMPÉRIE Queda da demanda e aumento de custos de produção preocupam os produtores latino-americanos de flores

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arecia o fi nal feliz de um clássico da Disney. Na igreja Hedvig, em Estocolmo, Mia Ljungberg e John Nevado tornavam-se marido e mulher, rodeados de 16 mil rosas e cravos. E não poderia ser diferente. John é fi lho do espanhol Roberto Nevado, que chegou ao Equador, em 1996, para se dedicar a essa indústria. E não se arrependeu: em dez anos, os 4 hectares da produção inicial de Nevado se multiplicaram para os atuais 45 hectares. Entretanto, o otimismo que marcou a aposta desse espanhol parece, agora, murchar. “Se pudesse, sairia desse setor”, diz o empresário. O desânimo de Nevado se justifica: a redução da demanda internacional e do preço, juntamente do aumento dos custos de produção por causa do aquecimento global, estão preocupando os produtores voltados ao mercado externo, que veem sua margem se reduzir a cada dia. Se, no Brasil, os efeitos da recessão não chegaram ao setor, já que praticamente a totalidade da produção é voltada ao mercado local, no Equador a situação é bem mais delicada. De janeiro a julho de 2009, o país registrou queda de 16,17% nas vendas externas em relação ao mesmo período de 2008. Além disso, houve redução de 138 hectares nas áreas cultivadas no país, e 11 mil trabalhadores foram demitidos. “O preço internacional das flores caiu 46%”, diz Ignacio Pérez, presidente da Associação de Produtores e Exportadores de Flores (Expoflores).

No Equador, existem aproximadamente 400 tipos de rosas, o que coloca o produto equatoriano em destaque nos mercados internacionais. Entre 2006 e 2008, os Estados Unidos importaram 64% do total exportado pelo país; a Rússia, 12%; e os Países Baixos, 9%. Já a Colômbia – segundo maior exportador do mundo, atrás apenas da

46%

foi a queda verificada no preço de exportação de flores Holanda – não conta com tanta variedade. Produz o padrão tradicional, cuja haste não ultrapassa os 50 centímetros. Seu ciclo de produção é mais curto, e o volume de sua colheita é maior. Mesmo com preços mais atraentes, os produtos do país também viram suas vendas internacionais caírem 16,9% nos dez primeiros meses de 2009.

riação está resultando em um aumento das pragas, o que tem provocado um consumo maior de agrotóxicos – muitas vezes mal aplicados –, gerando aumento de custos e desgaste do solo. Por isso, as associações de produtores têm focado a promoção de certificações socioambientais, que ajudam no monitoramento do uso desses químicos. Nevado comenta que sua empresa conta com duas certificações, que lhe permitem produzir flores orgânicas em 2 hectares. “Isso nos possibilita diversificar mercado e oferecer a flor ao setor alimentício, em segmentos como restaurantes e spas”, diz. Segundo analistas, outro aspecto que poderá mudar o sistema produtivo é que, daqui a alguns anos, poderiam desaparecer os cultivos a céu aberto, que seriam substituídos por estufas. “Sob essas condições, a indústria poderia seguir rentável. Assim, se produz o necessário para a data exata”, afirma Pérez. Seja como for, a única certeza que esses empresários têm é a de que as mudanças serão inevitáveis.

Fotos ISTOCKPHOTO

POR CAROLINA FUENTES, DE SANTIAGO

TERMÔMETRO DE LUCRO Outro grande problema que tem preocupado os produtores são os efeitos do aquecimento global. Por um lado, a mudança de temperatura está permitindo que regiões como o sul da Rússia passem a desenvolver uma produção local, reduzindo a necessidade de importar. Por outro, na América Latina, essa va-

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NEGÓCIOS VISÃO VERDE

A FÁBRICA DO AMOR servada, com um custo de R$ 10 milhões – que inclui a fábrica, os equipamentos e o capital de giro. A empresa treinou mão de obra local e emprega 150 pessoas diretamente, número que deve aumentar em janeiro, quando a empresa abrir o terceiro turno de produção. Segundo Falabella, a iniciativa só foi possível com o apoio do governo, que, além de fi nanciar 50% do projeto,

coleta, mas na limpeza e na conservação do material. A empresa recebeu o prêmio de Melhor Projeto de Implantação pelo Conselho de Desenvolvimento do Estado do Amazonas (Codam), graças ao seu modelo sustentável. A LAM só usa água reciclada na produção, faz coleta seletiva do lixo e realiza programas sociais e de educação ambiental com seus funcionários. A capacidade inicial de produção é de 5 milhões de camisinhas por mês. Mas a empresa tem planos de chegar a 94 milhões de unidades por ano, o que a colocaria entre as três maiores do país no setor. Até o final de 2010, Falabella diz que a empresa fabricará 20 milhões de unidades por mês. Os empresários amazonenses afirmam que seus preservativos terão preço competitivo, graças ao incentivo da Zona Franca de Manaus (ZFM) e a incentivos fiscais concedidos pelo governo do estado. Eles garantem que

ofereceu investimentos para desenvolver seu processo de beneficiamento do látex, que, atualmente, é feito em São Paulo. “O objetivo é tornar o produto 100% amazonense”, diz Marcos Gemente, diretor técnico da fábrica. A empresa também está desenvolvendo contatos com instituições locais para capacitar seringueiros nativos, não na

competirão com vantagem inclusive na região Sudeste, o grande centro consumidor, apesar dos 5 mil km que os separam do Amazonas. Para incrementar o diferencial da marca, Falabella conta que, em breve, complementará a linha de preservativos com sabores regionais, como cupuaçu, açaí e buriti.

Grupo de empresários de Manaus elabora preservativos sob um modelo de produção sustentável

Ilustração SAMUEL CASAL

O

trocadilho é irresistível: os preservativos Boa prometem manter a floresta em pé. Foi com essa ideia que um grupo de empresários de Manaus (AM) inaugurou, no fi nal do ano passado, a Látex da Amazônia (LAM). A proposta da LAM é fabricar produtos que respeitem a floresta e as reservas extrativistas e fomentem um novo ciclo de produção de borracha no estado do Amazonas. O primeiro lote dos preservativos Boa foi apresentado na Feira Internacional da Amazônia (Fiam) e gerou propostas de venda para Argentina e Venezuela. “Este é um novo conceito de indústria que está chegando à região”, diz José Falabella Neto, diretor Comercial e de Marketing da LAM. “Somos uma empresa privada comprometida com o verde. Nosso produto tem de ser colhido em uma árvore viva.” Mesmo tendo iniciado a produção há pouco tempo, a empresa já faz planos para exportar. Segundo a LAM, além de o preservativo ser um produto de primeira necessidade, sofre poucas restrições alfandegárias. Os planos de expansão internacional incluem a América do Sul, a África e o mercado europeu. “Pensamos em chegar ao mercado europeu em um ano e meio”, diz Falabella. Localizada em Iranduba, um município carente, a 24 km de Manaus, que recebe incentivos fiscais do governo do estado, a fábrica da LAM foi construída em meio a 60 hectares de floresta pre-

VERONICA GOYZUETA, DE MANAUS

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MOVIMENTOS

Foto ISTOCKPHOTO

AGARREM SEU PRESIDENTE!

A promessa de aquecimento da economia brasileira poderá resultar em dor de cabeça para as empresas preocupadas em reter seus executivos com performance extraordinária. A perda do conceito de lealdade por esses executivos já não é nova, mas vem se intensificando, como indica uma pesquisa realizada pela Korn/Ferry International, em parceria com a escola de negócios Insead, com 157 altos executivos que trabalham no país. Apenas 31% dos entrevistados para o estudo afirmaram que querem ficar no negócio em que estão, enquanto a maioria busca algo diferente para sua vida profissional. Sergio Averbach, presidente da Korn/Ferry para a América do Sul, destaca que esse índice é menor que o geral da América Latina, e menor do que em 2003, quando foi feita a primeira pesquisa. “Nesse ano, apenas 10% disseram querer mudar de setor, percentual que subiu para 26% em 2009”, exemplifica.

O estudo destaca sobretudo o aumento do interesse desses profissionais em serem membros de conselhos de outras empresas. Para Averbach, esse resultado se justifica pelo aumento da pressão das companhias em busca de resultados. “Em um cenário de mudanças, é preciso matar cinco leões por dia. E esses executivos querem provocar inovações, usar sua experiência para pensar o negócio de forma estratégica, sob outro ponto de vista”, diz. Ele também destaca o aumento do interesse por participações acionárias na empresa, o que pode estimular uma revisão do plano de incentivos.

SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO

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MOVIMENTOS GRANDE ESCALADA

O QUE O CEO QUER (em 2009)

AMÉRICA LATINA Ficar onde está

39

Não sabe

23

%

2

Buscar outro setor

23 13

Ser membro de conselho

Ser empreendedor

BRASIL Ficar onde está

Chegar ao topo não foi fácil para a Pfizer na América Latina. A empresa tem mais de 50 anos na região, mas somente com a concretização da compra, por US$ 68 bilhões, de sua rival Wyeth é que ela passou do terceiro para o primeiro lugar no continente. Agora, que é líder indiscutível da indústria, será que descansará sobre os louros? “Não necessariamente”, diz Susan Silbermann, presidente da Pfizer na América Latina. “Não temos planos para adquirir novas companhias, mas queremos desenvolver negócios específicos e seguimos abertos a qualquer possibilidade.” Isso poderia vir de novas aquisições na região ou da formação de alianças e empreendimentos conjuntos com algumas das companhias locais, como parte de uma estratégia que leva a empresa a avaliar a aquisição de novos produtos para complementar suas operações. Não obstante, “é um processo que deve ser levado a cabo com muito cuidado”, diz a executiva. “Nem todo produto que funciona em um país funciona igualmente em outro.” ANTONIO MARÍA DELGADO, DE MIAMI

31 26

Não sabe

%

2

27 Ser membro de conselho

Buscar outro setor

14 Ser empreendedor Fonte Korny/Ferry

Fotos DIVULGAÇÃO

GOLPE “FILATÉLICO” Pode ser que ele não dure mais de seis meses no poder, mas o presidente de fato de Honduras já conta com seu próprio selo. Roberto Micheletti surpreendeu a todos ao fazer com que a Empresa Hondureña de Correos pusesse em circulação, na primeira semana de dezembro, três selos com sua imagem e preços de 3, 15 e 20 lempiras (de 15 centavos a 1,05 dolár). Entretanto, se o ainda novo período de Micheletti à Presidência já está gravado na história filatélica do país, seu legado na evolução política da nação centro-americana é visto sob uma luz menos favorável. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reconheceu que a participação nas eleições presidenciais foi de cerca de 49% do total dos votantes. Cifra claramente inferior aos 62% anunciados no dia da votação, tirando pontos de legitimidade da eleição de Porfirio Lobo, do Partido Nacional. RODRIGO LARA, DE BUENOS AIRES

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MOVIMENTOS RITMO ACELERADO Em 2010, o que não faltará é otimismo entre os empresários brasileiros. Isso foi o que indicou a 56ª edição da pesquisa Índice Lide (Grupo de Líderes Empresariais)-FGV de Clima Empresarial. “O resultado é o melhor desde que a pesquisa foi iniciada, em 2003”, diz Fernando Meirelles, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas). Tal confiança se reflete, entre outros fatores, na previsão de negócios. Enquanto, para 2009, 54% dos empresários esperavam um resultado melhor do que em anos anteriores, para 2010, 85% deles indicaram um cenário mais vantajoso. As expectativas com relação ao crescimento do PIB para 2010 também avançaram. Na última consulta, em setembro de 2009, apenas 13% dos executivos acreditavam em um aumento de mais de 5% no total de riquezas produzidas pelo país. Já nessa pesquisa, 25% responderam que o potencial de crescimento do PIB pode ultrapassar os 5%. GRA-

ZIELE DAL-BÓ, DE SÃO PAULO

OTIMISMO DECLARADO Expectativa de gerar empregos diretos e indiretos (%)

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2007

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Expectativa de que os negócios vão melhorar (%)

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2010

ALA EXECUTIVA Diferentemente do que muitos imaginam, em 2009, o setor de aviação executiva registrou expansão de 2% frente a 2008. Na América Latina, a tendência é liderada pelo México – país que, depois dos EUA, é o que tem o maior número de operações de aviação executiva em todo o mundo. Para o diretor geral da Aerolíneas Ejecutivas, Alejandro Alonso, esse resultado tem uma explicação clara. “As companhias aéreas comerciais reduziram rotas e itinerários. Os empresários têm de continuar viajando às suas fábricas e sucursais e, no México, chegam a visitar até seis cidades em um dia”, diz. A demanda desses executivos por mobilidade cai como luva nos planos da empresa, que aumentou sua frota em 20 aeronaves e fatura entre US$ 3,6 mil e US$ 4,4 mil por hora de voo. Segundo a companhia, a América Latina conta com 1.045 jatos executivos, 499 deles no México, 293 no Brasil e 112 na Venezuela. ADRIANA

MÉNDEZ, DA CIDADE DO MÉXICO

Fator que impede o crescimento de sua empresa (%) Carga Tributária

75 Nível de procura

13 8 4

Taxa de juros Cenário político

Fonte Índice Loide-FGV de Clima Empresarial, novembro de 2009

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MOVIMENTOS CASAMENTO FRATERNO O Wal-Mart México se unirá à Wal-Mart Centroamérica, para se transformar em uma potência regional, com operações em seis países e vendas anuais de mais de US$ 25 bilhões. Antonio Ocaranza, diretor de Comunicação Corporativa da empresa, diz que essa operação é histórica. “É a primeira vez que o Wal-Mart Stores Inc., acionista com 51% de participação no Wal-Mart Centroamérica, outorga seu voto de confiança e permite que a empresa mexicana assuma totalmente a operação na América Central.” A fusão se concretizará mediante a emissão de 593 milhões de ações do Wal-Mart México e o pagamento efetivo de 1,4 bilhão de pesos (US$ 110 milhões). É um casamento entre gigantes. O Wal-Mart México é a maior rede de varejo de seu país, enquanto a empresa centro-americana é o operador líder de supermercados, lojas de descontos e hipermercados na região, com presença na Guatemala, em El Salvador, em Honduras, na Nicarágua e na Costa Rica. ADRIANA MÉNDEZ, DA CIDADE DO MÉXICO

REMÉDIO PARA AS VENDAS SÓ PARA ANIMAIS Anualmente, a América Latina produz 120 milhões de toneladas de ração e suplementos alimentares para animais, ou 16% do total mundial. Mas as diferenças culturais existentes entre os países e a falta de uma regulação comum na região impede que a representatividade desse setor em nível global seja potencializada. “Precisamos equalizar essa situação para sermos mais competitivos”, defende Flávia Castro, secretária geral da Associação de Indústrias de Alimentação Animal da América Latina (Feedlatina). Flávia passou o final de 2009 viajando para conhecer as características dessa indústria em vários países e estimular a criação de uma rede de articulação científica e regional. “Alguns países ainda não têm dados confiáveis e muitos não têm associações que os representem”, diz. A FeedLatina foi criada em 2008 e, atualmente, tem como sócios Brasil, México, Argentina e Cuba. SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO

A aprovação do protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul foi comemorada por muitos empresários que desejam expandir seu comércio ao país. Entre eles, os do setor de produtos médicohospitalares. “A redução dos impostos e a afinidade ideológica dos dois governos poderá fazer com que os itens fabricados no Brasil ganhem cada vez mais preferência”, diz Rui Baumer ( foto), presidente da Baumer, produtora de implantes ortopédicos, que exporta para a Venezuela desde 1965. Hoje, a Venezuela ocupa a terceira posição no ranking das exportações da indústria médico-hospitalar e odontológica do Brasil, somando US$ 37 milhões em 2008. Segundo a Abimo, associação que congrega empresas do setor, as vendas aos venezuelanos cresceram 44% nos últimos quatro anos. MARCELO GALLI, DE SÃO PAULO

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MOVIMENTOS Com um investimento de cerca de US$ 23 milhões, a empresa de geração de energia chilena Energy Partners Chile (EPC) criou a primeira planta de geração com base em biodiesel do Chile, com uma capacidade instalada que supera os 40 megawatts (MW). O combustível, derivado da soja, é importado da Argentina. “Buscamos aproveitar a entrada em vigor da nova lei que obriga as empresas elétricas locais a comprar ou gerar 5% de sua matriz com base em energias renováveis”, diz Rodrigo Cienfuegos (foto), presidente da EPC. Essa iniciativa seria o carro-chefe da companhia, que estuda a possibilidade de investir no Peru e na Colômbia. “Nesses países, o desenvolvimento das ERNC (Energias Renováveis Não Convencionais) está mais atrasado, porque não existe concorrência”, diz Cienfuegos. MATÍAS RODO Y., DE SANTIAGO Foto MIGUEL CANDIA

Foto SIMÃO SALOMÃO

SOJA ESPUMANTE

MÚSICA RENOVÁVEL BRASILEIRA Ela já foi provada – e aprovada – por músicos como Adriana Calcanhoto e Herbert Vianna. Agora, a guitarra de bambu criada pelos empresários Eduardo Giacomazzi e Raphael Vasconcellos, sócios da Agência Bambu de Conhecimento, em parceria com a Modo Design, está prestes a ganhar o exterior. Mesmo sem ter começado a produção em série da Guitarra Digital JAM (foto), os empresários já estão negociando sua venda para Israel, Alemanha e França. Além de ter corpo e braço feitos de bambu, a guitarra tem saídas P2 e P10 (para conexão em amplificador e headphone) e USB. Agora, os empresários buscam parcerias com investidores. O investimento no protótipo foi de R$ 50 mil, e o produto final deve custar US$ 3 mil. “O processo fica um pouco mais caro, pois temos de importar bambu da China”, diz Giacomazzi. Segundo o empresário, o esforço vale a pena. “O timbre dela é muito bom para jazz, blues e MPB.” GRAZIELE DAL-BÓ, DE SÃO PAULO

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NEGÓCIOS PERU

DUPLA FIEL Empresa de programas de incentivo amplia fronteiras

Foto PEDRO CARDENAS

NATALIA VERA RAMÍREZ, DE LIMA

C

IRMÃOS GIUFFRA: IDEIA FRACASSADA IMPULSIONOU UM NOVO NEGÓCIO

ada vez que os gêmeos empresários Bruno e Mario Giuffra entram em um mercado, decidem no cara ou coroa quem ficará com a liderança da nova operação. “Atualmente, meu irmão cuida da Colômbia e da Bolívia, eu, do Equador e do Chile, e dividimos a gestão no Peru”, conta Bruno. Afinal, hoje, eles são as duas faces de uma mesma moeda: a empresa peruana Promotick, administradora de programas de fidelidade, que tem registrado crescimento de mais de 30% ao ano. A história da bem-sucedida Promotick nasceu de um fracasso. Em 1998, os irmãos criaram um site de e-commerce que oferecia grande variedade de produtos. Mas a ideia era demasiadamente inovadora, em um país onde a cultura de compras on-line praticamente inexistia. “Aí pensamos: o que fazer com todos esses produtos estocados e

uma estratégia de armazenamento e logística pronta se não temos clientes?”, conta Bruno, diretor-gerente da empresa. A resposta encontrada pelos irmãos foi oferecer essa estrutura a empresas interessadas em premiar consumidores, empregados ou fornecedores a partir do desenvolvimento de programas de fidelidade sob medida. A proposta atraiu clientes de peso, como o Banco de Crédito de Perú, a Nestlé e a Procter & Gamble. “As empresas descobriram que há incentivos e reconhecimentos que, se forem entregues por meio de produtos, e não dinheiro, têm impacto maior”, diz Bruno.

Gustavo Caillaux, diretor-gerente da consultoria Boyden, afirma que um programa de incentivo bem montado “pode gerar melhoras notáveis em termos de produtividade e rentabilidade”. Segundo Bruno, a experiência da Promotick indica que as iniciativas voltadas a clientes, por exemplo, podem resultar em um aumento de vendas entre 15% e 20%. “Isso no perfi l de empresa com as quais trabalhamos, de consumo massivo, como bancos, seguradoras, hotéis e redes de farmácias.” O empresário diz que a montagem do programa varia conforme a necessidade de cada segmento. “Isso pode implicar não apenas vender mais, mas garantir maior rotatividade de produtos, acelerar a cobrança e até garantir o respeito aos preços nos pontos de venda, no caso de programas para revendedores de uma marca”, exemplifica. Hoje, os irmãos consideram ter concluído com sucesso a primeira parte de seu projeto de expansão, de se consolidar em mercados pequenos. A partir de agora, o plano é estender a operação da Promotick a países com mercados maiores, como Argentina e México. “Nossa meta é a de ser a maior empresa administradora de programas de incentivo e lealdade da América Latina”, diz Bruno. “Por enquanto, o Peru ainda representa 60% de nossas vendas, mas temos como meta reduzir essa participação a 25%, no médio prazo.” Objetivo que nem um ano de crise, como o de 2009, pôde inibir. “É exatamente em momentos de retração econômica que a necessidade de retenção aumenta; por isso conseguimos desenvolver propostas que têm nos permitido crescer em ambos os cenários, de crise ou crescimento”, afi rma Bruno, garantindo que, nos próximos meses, outra moeda será lançada para o alto.

20%

é quanto podem aumentar as vendas com programas de incentivo

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ESPECIAL INFRAESTRUTURA

EDUARDO THOMSON E FERNANDA ARAYA, DE SANTIAGO

Foto SXC

RUMO INCERTO

Planos de estímulo não são suficientes para impulsionar a infraestrutura latino-americana

N

o século 19, Karl Marx usou o termo “infraestrutura” para referir-se à base econômica que determina a estrutura social e o desenvolvimento, e da qual depende a “superestrutura”, ou seja, as instituições políticas, jurídicas e ideológicas. Pode-se concordar ou não com suas ideias, mas o paradoxo é saber que foi um país comunista como a China – com um sistema econômico misto, é verdade, mas em que o Estado desempenha um papel vital no planejamento –, que atuou como uma verdadeira locomotiva mundial para superar a crise.

E mais contraditório ainda é que, para empurrar seu próprio país e o resto do mundo para fora da crise, um dos pilares foi justamente o investimento em infraestrutura. De seu pacote de estímulos de 4 bilhões de yuan (cerca de US$ 590 bilhões), 38% (US$ 224 bilhões) foi destinado a projetos de infraestrutura no país, como estradas, vias férreas e aeroportos. Para se ter uma ideia da dimensão da aposta chinesa em infraestrutura, o pacote de estímulo dos Estados Unidos, lançado no fi nal do governo de George W. Bush, foi de US$

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159 bilhões, montante bem mais tímido, dos quais a maioria viria na forma de isenções tributárias. Em seguida, o plano de incentivo do governo de Barack Obama ampliou o valor nominal do socorro para US$ 759 bilhões, mas a fatia destinada à infraestrutura foi de US$ 80,9 bilhões, pouco mais de um terço do investimento da China. As cifras servem para ratificar o peso da infraestrutura nos planos de crescimento econômico de um país. Os Estados Unidos apostam no estímulo ao consumo, enquanto a China tem uma visão de longo prazo, em que o setor é um dos pontos centrais. A América Latina também fez o mesmo, criando seus próprios planos de estímulo econômico, dando à infraestrutura papel de destaque. No Brasil, essa preocupação se reflete no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com previsão de investimentos de R$ 503,9 bilhões entre 2007 e 2010. A Argentina anunciou planos para o setor de US$ 21 bilhões, e o Chile, de US$ 4 bilhões. Até mesmo o debilitado México planejava investir US$ 44 bilhões em 2009, como parte de seu Plano Nacional de Infraestrutura. E o mais provável é que, ainda que a recuperação econômica sorria em 2010 para quase toda a região, os programas de infraestrutura devem continuar sendo o maior estímulo. “Pode haver alta nos preços das commodities e maior folga fiscal nos governos da América Latina”, explica Jason Schwartz, economista do Banco Mundial , especializado em infraestrutura. Mesmo assim, a América Latina está investindo menos do que o necessário para sustentar o crescimento econômico, ao contrário do que estão fazendo muitas economias da Ásia. “Nos últimos dez anos, a China tem investido de 4% a 6% de seu PIB no setor”, comenta Brian Blakely, que trabalha no setor de Financiamento Consorciado do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Um estudo realizado pelo Banco Mundial, em 2003, advertia, já naquela época, para o pouco investimento dedicado a esse segmento. Ainda segundo a pesquisa, para que a América Latina e o Caribe atingissem níveis de cobertura de infraestrutura similares ao da Coreia do Sul, seria necessário investir anualmente entre 4% e 6% de seu PIB ao longo de 20 anos. E estamos muito, mas muito longe de fazê-lo. Isto significa que, quando a máquina econômica da América Latina retomar o funcionamento a pleno vapor, voltaremos a enfrentar os típicos problemas de cortes de energia (como estão sofrendo o Equador e a Venezuela, e como aconteceu no Brasil) e os gargalos nos portos marítimos, entre outros. Tudo isso pela falta de uma visão de longo prazo de nossos governos.

Ao risco de que o fantasma de Adam Smith – teórico da livre concorrência – nos fulmine, no que se refere à infraestrutura, a América Latina requer cada vez mais uma mão visível do Estado, que empurre os investimentos, e que, esperançosamente, vislumbre o futuro. Por enquanto, os governos têm muitos projetos vitais para a região nas mãos do setor privado. E atrair novos investidores para expandir a infraestrutura da região será um obstáculo para alguns países. O mesmo Blakely explica que, com a recuperação econômica, existe o risco de o investimento privado em infraestrutura concentrar-se naqueles países que têm grau de investimento, como Chile, Peru, México ou Brasil. “Aqueles que têm as maiores necessidades de investimento poderão ser ignorados pelos investidores, e isso acentuará as diferenças entre os países da região.”

4%

APOSTE NO SIMPLES

Como, então, atrair os investidores? O conselho é o de simplificar. Cezary Podkul, pesquisador da empresa de informação financeira Infraestructure Investor, assinala que um sistema que tem sido particularmente bem recebido no setor privado para atrair investimentos é o implementado pela Autoridad para las Alianzas Público-Privadas (AAP), de Porto Rico. A ideia básica é simples: com assessoria da empresa de capital privado Macquarie Capital, a autoridade centraliza as necessidades de diferentes entidades governamentais em investimentos em infraestrutura. Em seguida, estuda quais delas o governo fará por sua conta e divulga em um website a lista dos projetos que podem receber investimento do setor privado. Com isso, os investidores podem estudar e eleger os projetos que são de seu interesse. O país deseja atrair investimentos de US$ 6,2 bilhões nos próximos oito anos e, para isso, o website da AAP tem uma lista com 108 projetos oferecidos, que vão desde plantas de dessalinização, gaseificação de resíduos sólidos, serviços de trânsito rápido de ônibus até a construção de um hotel municipal. Outra alternativa que tem surgido na região é a de delegar a administração de fundos de investimento ao setor privado. Um dos exemplos é o da canadense Brookfield, que foi eleita no Peru para adminstrar, em parceria com a empresa local AC Capitales, um fundo de investimento em infraestrutura que levantará, aproximadamente, US$ 500 milhões para investir no setor. A iniciativa conta com patrocínio do BID e da Corporación Andina de Fomento (CAF), bem como de seus governos correspondentes. Mas não basta ser atrativo para o investimento estrangeiro para que os projetos de infraestrutura brotem como em um passe de mágica. Alguns países seguem emperrados em

do PIB é o investimento mínimo que a China faz em infraestrutura

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ESPECIAL INFRAESTRUTURA uma burocracia que poderá, em 2010, frear o investimento em projetos. “O país sobre o qual recebo mais queixas é o Brasil”, diz Podkul, da Infraestructure Investor. “Muitos preferem não se queixar em público, mas o descontentamento por conta de promessas não cumpridas do governo é grande, e todos atribuem o fato à burocracia”, explica. O Brasil tem muito trabalho pela frente no sentido de reduzir a burocracia. “O paradoxo é que, no momento que a economia brasileira está cada vez melhor, temos uma infraestrutura de terceiro mundo”, queixa-se Adriano Pires, diretor geral do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), no Rio de Janeiro. E essa burocracia que tanto afeta o Brasil causa temor a Pires por outro motivo. “A infraestrutura não é algo de curto prazo. Temo que o governo termine errando no timing necessário para cumprir com todos os investimentos requeridos para o Mundial de Futebol de 2014 e para as Olimpíadas no Rio de 2016”, comenta.

passagem dos governos individuais e estão avançando.” O mau estado das estradas entre os países da região é algo que volta à discussão quando o assunto é o avanço pouco significativo em infraestrutura. “Cada país, de certa forma, é uma ilha”, comenta Juan Antonio Vassallo, professor titular da Politécnica de Madri e especialista em infraestrutura. Ele se pergunta como é possível que o Brasil envie seus produtos à China pelo mar, contornando o Cabo de Hornos, no Chile, e não por um trem ou uma via terrestre que o conecte à costa do Pacífico. A Rodovia Interoceânica Sul, que garantirá o acesso dos produtos brasileiros e peruanos ao Oceano Pacífico, só deve ficar pronta em 2011. E repensar o uso do trem é algo que os governos da América Latina deviam fazer. O consultor colombiano Martin Ibarra, da consultoria de Araujo, Ibarra & Associates, diz que a tendência mundial em transporte, já que todo mundo está se conscientizando sobre a pegada de carbono, é substituir o transporte de mercadorias de caminhões por trens. “A China está aprovando reformas que permitirão o uso de caminhões só na fase final da viagem. O país está construindo 131 km de novos túneis para trens que atingem 250 km por hora”, diz. “Ao mesmo tempo, o Reino Unido quer que 80% do transporte seja ferroviário e 20% em caminhão, frente aos atuais 60% e 40%, respectivamente.” Norman Anderson, presidente da consultoria de infraestrutura CG/LA, com sede em Washington, concorda. “Deve-se ligar o leste e oeste da região com um trem de carga”, diz. Os EUA fizeram isso há quase 150 anos. Na América Latina, o uso de trens para carga terrestre entre os países é zero. Sempre que surgem abordagens deste tipo, o fator de rentabilidade econômica surge como preponderante. Na discussão sobre o projeto da ponte sobre o Canal de Chacao, no Chile, por exemplo, houve críticas de que este não seria economicamente viável. A proposta deve estar agora em alguma gaveta. Entretanto, vale ressaltar que, se apenas a questão da “viabilidade econômica” for analisada, o desenvolvimento da infraestrutura acontecerá somente nas grandes cidades, como tem sido o histórico da América Latina: cidades muito desenvolvidas, mas localizadas longe dos principais pontos comerciais, com infraestrutura deficientes para se conectar a outros centros. No momento em que a recuperação econômica voltar a estimular a vida na região, a América Latina retornará ao papel de exportador líquido de commodities. “As commodities são terríveis como base para as economias nacionais”, alega Anderson. “Acentuam as diferenças de riqueza e são um jogo principalmente para as elites. Os governos devem pensar como querem que a região esteja em 2025, como estará inserida na economia mundial e quais são os projetos necessários para que assim seja”, conclui.

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URGÊNCIA CONSENSUADA

projetos que fazem parte da lista do IIRSA são considerados vitais

Dizer que a América Latina carece de integração é um lugar-comum. Não existe uma conexão terrestre de qualidade entre a Colômbia e o Panamá, ou entre o Brasil e o Peru. Ao longo de toda a região, surgem projetos de plantas para receber gás natural liquefeito, já que a história tem ensinado que é mais “seguro” trazer gás do outro lado do mundo do que contar com o gás natural que um vizinho pode aportar. Segundo Daniel Montamat, ex-secretário de Energia da Argentina e hoje consultor do tema, falta uma visão consensual sobre a importância da infraestrutura para a integração da América Latina. “O abismo para a integração energética está entre os países que veem a infraestrutura como algo de longo prazo e aqueles que adaptam seus planos para atender às necessidades de curto prazo.” Montamat cita como exemplo as iniciativas do Chile – que, mesmo sem recursos energéticos, decidiu construir plantas de Gás Natural Liquefeito (GNL) e reagir ao corte do fornecimento de gás da Argentina –, em contraposição a países ricos em recursos energéticos, como a Venezuela e o Equador, que, devido à falta de investimento, hoje sofrem com cortes frequentes no abastecimento da energia elétrica. “Eles têm gás, mas não construíram uma potência termoelétrica para quando faltar água”, comenta o especialista. Contudo, é preciso reconhecer que os governos conseguiram chegar a um acordo sobre os projetos que formam parte da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional SulAmericana, o IIRSA. A lista inclui 350 propostas consideradas vitais e foi elaborada com a assessoria do BID e da CAF. “Em sua maioria, são projetos viários que estavam em um estágio prematuro”, comenta Antonio Juan Sosa, vice-presidente de Infraestrutura da CAF. “O importante é que sobreviveram à

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PRINCIPAIS PROJETOS DE INFRAESTRUTURA LANÇADOS EM 2009 NOME DO PROJETO

País

Setor

Investimento US$milhões

1

Novo trem de refinação *

.mx

Transporte

7 .4 6 4

2

Hidroelétrica Rio Madeira *****

.br

Energia

6 .2 0 0

3

Ampliação do Canal do Panamá **

.pa

Transporte

5 .2 5 0

4

Projeto Ferroviário Los Andes ***

. a r/ . c h

Transporte

4 .8 0 0

5

Centrais Hidroelétricas HidroAysén *

.ch

Energia

3 .2 0 0

6

Concessão viária "Transversal de las Américas" **

.co

Transporte

3 .0 5 0

7

Corredor bioceânico Chile-Argentina ***

.ch/.ar

Transporte

3 .0 0 0

8

Concessão "Autopistas de la Montaña" *

.co

Transporte

2 .8 0 0

9

Ruta del Sol****

.co

Transporte

2 .6 0 0

10

Reconfiguração da Refinería de Salina Cruz****

.mx

Hidrocarbonetos

2 .5 1 7

11

Topolobampo I, II e III e terminal de carvão*****

.mx

Energia

2 .1 6 4

12

Hidroelétrica Binacional Bolívia - Brasil****

.bo/.br

Energia

2 .0 0 0

13

Reconfiguração da Refinaria de Tula****

.mx

Hidrocarbonetos

1 .9 3 7

14

Central Termoelétrica de Pécem*****

.br

Energia

1 .8 5 3

15

Hidroelétrica de Garabí ****

. a r/ . b r

Energia

1 .7 0 0

16

Punta Colonet - Mexicali *****

.mx

Transporte

1 .6 3 9

17

Rodoanel Oeste*****

.br

Transporte

1 .5 0 0

18

Ampliação Aeroporto de Campinas *****

.br

Transporte

1 .4 0 0

19

Pavimentação Iñapari - Puerto Maldonado*****

.pe

Transporte

1 .3 9 3

20

Duplicação do tramo viário Belo Horizonte -São Paulo******

.br

Transporte

1 .3 0 0

21

Represa Hidroelétrica de Yacyretá*****

.ar/.py

Energia

1 .2 0 0

22

Duplicação do tramo Palhoça - Osorio *****

.br

Transporte

1 .2 0 0

23

Hidroelétrica Cachuela - Esperanza*

.bo

Energia

1 .2 0 0

24

Trem del Carare*

.co

Transporte

1 .2 0 0

25

Trem interurbano de Guanajuato*****

.mx

Transporte

1 .1 2 1

26

Instalação de planta de regasificação GNL*****

.uy

Energia

1 .0 9 0

27

Central termoelétrica Termomaranha**

.br

Energia

1 .0 8 7

28

Projetos de mobilidade para Bogotá (trem)*

.co

Transporte

1 .0 5 0

29

Transmissão entre hidroelétricas do Rio Madeira *****

.br

Energia

1 .0 0 0

30

Gasoduto nordeste argentino *****

.ar

Energia

1 .0 0 0

*Em estudo / **Aprovado / ***Em Licitação / ****Pré-execução

Fontes IIRSA; BID; DNP Colômbia; MOP Chile; Programa Nacional de Infraestrutura México 2007- 2012

Janeiro, 2010 AméricaEconomia 33

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ESPECIAL INFRAESTRUTURA

PAÍS NO PROJETO Lentidão ameaça o início das obras de que o Brasil precisa para sediar a Copa

C

omo presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinanenco), José Roberto Bernasconi tem visitado Londres frequentemente. A cidade, que se prepara para sediar as Olimpíadas de 2012, foi uma das que mais sofreu com a crise de 2008, e há quem diga que ela

SOLANGE MONTEIRO E VERÓNICA GOYZUETA, DE SÃO PAULO

não dará conta de cumprir o cronograma de obras. Mas não é bem assim. “Eles não se atrasaram: o projeto foi desenhado em 2005, começou a ser executado um ano e meio depois e deve ser entregue em julho de 2011, um ano antes dos Jogos, e em tempo de passar por testes”, conta Bernasconi.

Foto: MARCELLO CASAL JR/ABR

METRÔ DE BRASÍLIA: CONTINUIDADE NOS INVESTIMENTOS

34 AméricaEconomia Janeiro, 2010

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Foto: DIVULGAÇÃO

Sempre que desembarca de volta no Brasil, entretanto, o engenheiro não consegue conter a decepção. Em 2007, dois dias depois do anúncio de que o país seria sede da Copa do Mundo de 2014, Bernasconi rapidamente organizou um estudo sobre a situação da infraestrutura brasileira para abrigar o evento, que resultou em um relatório de 120 páginas, chamado “Vitrine ou Vidraça”. Os anos 2008 e 2009 passaram em branco, e o engenheiro não vê avanço nas debilidades que identificou no estudo. “O governo federal está olimpicamente atrasado”, diz. “A Copa é o maior evento midiático do planeta. E quero ver se a luz ou as telecomunicações falharem nessa hora.” O desamparo sentido por Bernasconi se reflete na opinião de outros observadores. Hoje, por exemplo, não há nenhuma estimativa confiável para a expansão de estradas, o TremBala para ligar São Paulo ao Rio está com seu leilão marcado para maio deste ano, o que o deixa defi nitivamente fora da Copa, e há também a falta de transparência no modelo possível de negócio para ampliação dos aeroportos. “2009 passou, e não vi evolução. O Brasil novamente fechará o ano como o país dos projetos”, afirma Paulo Tarso Resende, especialista em logística da Fundação Dom Cabral. Para Resende, que elabora anualmente uma análise sobre a infraestrutura brasileira, que por sua vez dá base a um estudo sobre competitividade, diz que o problema é um só: a lentidão. Lentidão que é sentida na pele por Sebas van den Ende, presidente da Real Alliance, empresa sediada no Rio de Janeiro e que presta consultoria a investidores internacionais. “Há grandes investidores na fi la para vir ao Brasil, mas faltando quatro anos para a Copa, eles ainda não encontraram defi nições concretas sobre como fazer esses investimentos e tocar as obras”, diz, apreensivo com o tempo que os projetos levam para sair do papel.

Foto: DIVULGAÇÃO

PAULO TARSO RESENDE: IMPASSES EM PROCESSO DE LICITAÇÃO E DE LICENÇAS AMBIENTAIS CAUSAM LENTIDÃO

UM BOM ESPELHO “Se olharmos as cidades que serão sede da Copa do Mundo e os projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vemos que o Brasil conseguiu elaborar um portfólio detalhado de suas necessidades”, diz Resende. Ou seja, sabemos o que fazer e onde. “O problema é que nossa vagareza, sobretudo relacionada às licenças ambientais e aos processos de licitação, atrasam a execução das obras.” Resende cita como exemplo as obras do PAC: entre as previstas para inaugurar em 2010, mais de 40% estão atrasadas. “São temas complicados”, desabafa Resende. No caso dos processos de licitação, o especialista conta que os candidatos perdedores podem recorrer do resultado e, com isso, uma decisão que poderia acontecer em quatro meses se arrasta por anos. O paradoxo, segundo ele, é que essa lentidão muitas

SEBAS VAN DEN ENDE: INVESTIDORES NA FILA À ESPERA DE DEFINIÇÕES SOBRE COMO TOCAR AS OBRAS

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ESPECIAL INFRAESTRUTURA Setor ferroviário: forte candidato a ser deixado de lado na prioridade de investimentos

E SE NÃO É O TREM...

TAMBÉM HÁ PERDEDORES

A principal vidraça para 2014, segundo Ende, é a falta de uma ligação confiável entre São Paulo e Rio. Até lá, o trem-bala chegará no máximo até Campinas. “A união entre as duas cidades mais importantes do país não pode depender de questões climáticas, como uma chuva no Rio ou uma garoa em São Paulo. Os aeroportos fecham com o mal tempo”, diz Bernasconi, para quem o trem nem precisaria ser bala. “Bastaria que andasse a 200 km por hora e que ligasse as duas cidades em uma ou duas horas de forma confiável e segura.” Mesmo sendo considerada a via mais rápida, Bernasconi vê os aeroportos como outra pedra cantada, depois do caos que se instalou nessa área há pouco mais de dois anos. O engenheiro adverte que não se fez nada para mudar, e acha que, do jeito que vão os planos, nem os aeroportos devem ficar prontos para atender a demanda, que atingirá seu pico na Copa. “Os aeroportos já parecem rodoviárias, e devem aumentar sua demanda dos atuais 12% para entre 15% a 20% ao ano, só com o

E ainda que, como num passe de mágica, o governo consiga colocar em dia o andamento dos projetos, ainda correremos o risco de ver, em 2014, um país carente de obras logísticas fundamentais, que estão fora do eixo das cidades sedes dos jogos do mundial de futebol. “Os investimentos no setor ferroviário, por exemplo, poderão ser esquecidos”, diz Resende, citando sobretudo projetos no Centro-Oeste, como o da Ferronorte. “Há também os portuários, que atualmente estão entre os mais atrasados.” O especialista também cita a possibilidade de prorrogação de projetos de metrô em algumas capitais que, devido à falta de tempo para conclui-los antes de 2014, optarão por priorizar corredores de ônibus. “Brasília e Salvador continuarão seus investimentos, mas Belo Horizonte, por exemplo, não”, diz. “Lá o metrô não chega a 30 km. Estimava-se que, em 2020, seriam 150 km, mas em 2016, para as Olimpíadas, dificilmente a cidade chegará a 40 km.”

Foto SXC

vezes é resultado da pressa em resolver uma licitação. “Mesmo sabendo que isso pode acontecer, a pressa faz com que os envolvidos tomem pouco cuidado com o planejamento, deixando brechas técnicas que dão margem à reclamação”, conta. “É um processo de ineficiência ao qual o país se acostumou porque sempre há quem se beneficia dele”, completa. Já no caso das licenças ambientais, o especialista identifica um viés ideológico que impede os projetos de serem avaliados de maneira técnica e objetiva. “Hoje muitos países já identificaram que é possível desenvolver projetos que envolvam responsabilidade ambiental e que podem até ser favoráveis”, diz, citando o exemplo da duplicação de estradas que, devido ao processo de proteção de encostas e de drenagem, ajuda a conter a erosão em áreas de risco.

crescimento da classe média”, adverte. Já nos portos, Bernasconi avalia que os terminais deixam a desejar. “Eles precisam ser grandes e adaptados”, diz, prevendo que o número de viagens de navio e cruzeiros deve aumentar, e que estes precisam ter ligações com os aeroportos. “Temos de preparar nossa infraestrutura”, diz. Sebas van den Ende também acha fundamental a integração entre portos e aeroportos. “O país não pode perder essas oportunidades. São projetos complicados, que precisam começar agora”, diz o holandês. A iniciativa privada está interessada tanto nos aeroportos quanto nos portos, mas Bernasconi e Ende veem um descaso do governo para formatar o modelo em que essas empresas devem entrar. “O governo, por meio da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), não terá estrutura gerencial para isso. Vai precisar mudar o critério e abrir para a iniciativa privada, por meio de privatização, concessões de 25 anos ou de Parcerias Público Privadas (PPPs), que é uma solução intermediária”, diz Bernasconi. Sebas van den Ende acredita que as PPPs são uma boa saída, mas que o modelo precisa ser definido logo para evitar o perigo de corrupção, com contratos fechados às pressas e sem transparência.

36 AméricaEconomia Janeiro, 2010

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O DESAFIO DO FINANCIAMENTO os anos de 1980, o mundo enxergava a América Latina como um terreno perigoso para qualquer tipo de investimento. Porém, com o amadurecimento da economia local, investidores de outros países veem com bons olhos oportunidades em países como Brasil, Chile e México. Essa é a opinião de Cynthia Urda Kassis, partner e co-head do grupo de Finanças e Desenvolvimento de Projetos do escritório de advocacia Shearman & Sterling, homenageada pela American Lawyer como “Dealmaker of the Year” pelo projeto de financiamento da expansão do Canal do Panamá.

AméricaEconomia Como a senhora avalia o mercado na região? Cynthia Urda Kassis Ao longo dos anos, muitos países, em particular Brasil, México, Peru, Colômbia e Chile, desenvolveram seus mercados internos por meio de seus fundos de pensão, mercado de capitais, bancos e seus próprios agentes de desenvolvimento. São mercados mais maduros, mais estáveis e muito mais diversificados do que já foram.

AE Mesmo em uma economia madura, a corrupção poderia atrapalhar a estruturação de um financiamento? Cynthia Falando especificamente do Brasil, não acredito que alegações de corrupção, publicadas nos jornais nos últimos anos, afetem a habilidade de levantar financiamento para projetos. Atualmente, os investidores internacionais têm uma imagem muito positiva do país.

AE Como a senhora vê o papel no BNDES como agente de financiamento de projetos no Brasil? Cynthia Acho difícil, para muitos players internacionais, competir com o BNDES. Se olharmos os projetos realizados no país ao longo dos últimos anos, fundos advindos do banco dominaram como fonte de financiamentos. De maneira geral,

Foto DIVULGAÇÃO

N

ROBERTA PREGNACA, DE SÃO PAULO

os bancos comerciais internacionais não têm como oferecer os longos prazos e os termos de fi nanciamento que o BNDES oferece. Outro aspecto que favorece o BNDES é que o banco brasileiro não atuaria precipitadamente em caso de algum problema com o financiamento; além disso, está interessado em parcerias de longo prazo e comprometido com o desenvolvimento do Brasil.

AE O Brasil será sede de importantes eventos esportivos, que devem demandar uma grande quantidade de financiamento. Qual é a expectativa nessa área? Cynthia Acredito que veremos um maior número de fontes de financiamento para projetos no Brasil. Hotéis e estádios estão provavelmente no topo da lista, mas, a meu ver, em termos de custos, essas obras representam uma porcentagem relativamente pequena em relação ao investimento total necessário. Por exemplo, a realização de obras na área de infraestrutura de transportes, como portos, rodovias e trens, necessita de mais fundos para execução.

AE Você participou do projeto de financiamento da expansão do Canal do Panamá. Como foi essa experiência? Cynthia A Autoridade do Canal do Panamá realizou um volu-

Foto ISTOCKPHOTO

CANAL DO PANAMÁ: MUITO PREPARO PARA ATRAIR INVESTIDORES

me significativo de trabalho antes do projeto de expansão, em termos da apuração de aspectos da área de engenharia e ambientais, questões técnicas, apuração de dados sobre os navios que passam pelo porto etc. Quando a Autoridade do Canal do Panamá foi ao encontro dos investidores internacionais para obter financiamento, realizaram uma apresentação muito profissional e puderam responder todas as perguntas sobre o projeto de expansão. Quando temos projetos grandiosos, pensar antecipadamente sobre as perguntas que os credores devem fazer é importante para garantir o financiamento. Janeiro, 2010 AméricaEconomia 37

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DEBATES CAPA

O BRASIL DEPOIS DE LULA Em seu último ano de mandato, o presidente deverá deixar para seu sucessor riscos advindos tanto de seu sucesso quanto de seu fracasso

OUTUBRO 2002 Lula é eleito presidente, 22 anos depois da criação do Partido dos Trabalhadores (PT).

Foto DANIEL GARCIA/AFP

SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO, E RODRIGO LARA SERRANO, DE BUENOS AIRES, COM LILIANA LAVORATI E ROBERTA PREGNACA, DE SÃO PAULO

38 AméricaEconomia Janeiro, 2010

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“F

MAIO 2005 Foto JOSÉ CRUZ/ABR

ico pensando como será minha vida no dia 2 [de janeiro de 2011] de manhã. Quando eu levantar e não tiver um assessor com quem brigar, e a dona Marisa me mandando sair da sala porque tem de limpar.” Essa declaração do presidente Lula, feita no fi nal de 2009 a jornalistas, poderia perfeitamente ser de um pop star que teme a vida fora dos refletores. Mesmo faltando um ano para deixar o Palácio do Planalto, já fica claro que Lula deixará a seu sucessor dois desafios: o fantasma de seu sucesso e os efeitos, nem sempre positivos, de seu legado na liderança do país. Se, para Lula, é difícil deixar de ser o homem mais popular do Brasil – com 83% de aprovação em dezembro, segundo pesquisa Ibope/CNI –, esse é um problema que cabe somente a ele. Já para o restante dos brasileiros, o risco será o de despertar nessa mesma manhã de 2011 e perceber que

Declarações do deputado Roberto Jefferson (foto) apontam esquema de compra de votos de parlamentares na Câmara dos Deputados, batizado de Mensalão.

o Brasil começará uma nova etapa sem ter resolvido os problemas básicos que impedem o país de trilhar o caminho do desenvolvimento sustentável. E que, além disso, o sucesso conquistado pelo país pode estar em risco.

O PRÓCER

OUTUBRO 2003 Foto ANTONIO CRUZ/ABR

Lançamento do Bolsa Família, reunindo o programa Fome Zero e outros projetos sociais do governo FHC.

AGOSTO 2003 Junto da Índia, Brasil impulsiona a criação do G-20, grupo de nações em desenvolvimento, para conter a pressão dos países ricos na OMC (Organização Mundial do Comércio).

DEZEMBRO 2003 Aprovação do projeto de reforma tributária e da reforma previdenciária que limita os benefícios de novos funcionários públicos.

De cara, o novo presidente terá de aceitar algo ingrato: a comparação com uma figura que entrou, já em vida, para a história do país. Entre os possíveis candidatos à sucessão, nem Dilma Rousseff (PT), nem José Serra (PSDB) têm carisma comparável, tampouco demonstram ter a mesma capacidade de interlocução com o setor mais pobre da população. “Eu não imaginava que fosse aparecer uma figura socialmente tão relevante como Getulio Vargas ou Juscelino Kubitschek. Não será fácil encontrar outro Lula tão cedo”, diz Valeriano Costa, professor de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O mesmo pensa Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano. “Vamos ver o que acontecerá com o Brasil, quando voltar a ter um presidente ‘normal’. Fernando Henrique Cardoso e Lula foram líderes extraordinários.” O peso da excepcionalidade de um presidente, no Brasil, além de ser indicativo dos perigos e das bondades do presidencialismo, também expõe um grande problema: sua

DEZEMBRO 2004 Congresso aprova projeto das Parcerias Público-Privadas (PPP), que permite a empresas privadas construir e administrar obras e serviços públicos.

FEVEREIRO 2005 As exportações brasileiras ultrapassam a casa dos US$ 100 bilhões.

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DEBATES CAPA

18%

institucionalidade operacional. “Não é preciso somente chegar ao topo, como também se manter nele”, diz, em Buenos Aires, Roberto Bacman, diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Ceop), para quem o legado de Lula peca pela ausência de reformas nos sistemas político e judicial. “Por isso, vemos tantas denúncias de corrupção e troca de favores por dinheiro.” E, para ocultar esses déficits, diz Bacman, Lula valeu-se de sua habilidade negociadora, desenvolvida em anos de luta sindical, a qual lhe garantiu inclusive sair de situações críticas sem abalar sua popularidade.

tro da Fazenda, Guido Mantega, ressaltou serem o melhor fundamento macroeconômico dentro dos países do G-20. Cifras indiscutivelmente boas, que poderiam ser ainda melhores em 2011. Mas, nesse caso, é exatamente o otimismo que abriga o perigo. Um funcionário internacional que pede para não ser identificado o define assim: “o risco para toda a região é a complacência. Achamos que todos os problemas ficaram no passado, mas precisamos estar atentos aos fundamentos microeconômicos”. O Brasil, segundo ele, bem como o restante da América Latina, continua dependendo demais de um grupo de produtos de exportação muito concentrados, “ainda que esteja realizando um esforço muito importante no caminho de uma transformação produtiva.” De qualquer forma, quem herdar o posto de Lula receberá uma estrutura industrial inquestionável. “O desenvolvimento dessa indústria é um grande ativo”, diz Carlos Schwartzer, presidente da Schwartzer Economía, especialista no setor industrial. Para Schwartzer, “o Brasil aumentou sua produtividade, e se nota a incorporação de tecnologia”. O lado negativo dessa realidade, entretanto, é a criação de bolsas de desemprego em várias áreas, por conta da escassez de mão de obra qualificada. “Para superar esse desafio, é necessário começar a trabalhar com esses marginalizados do desenvolvimento.”

do PIB é a estimativa de investimento para 2010, no Brasil

ONDE O PERIGO SE ESCONDE

Foto JANINE MORAES/ABR

Quanto ao aspecto econômico, o atual sucesso da política do governo não apenas torna o desafio de superá-la mais difícil, como suscita questionamentos sobre como garantir sua continuidade, no longo prazo. No final de 2009, o Ministério da Fazenda entregou suas estimativas para 2010: crescimento de 5%, meta de superávit de 3,3% do PIB, inflação dentro da meta de 4,5%, aumento da taxa de investimento de 16% para 18% do PIB. Números que o minis-

MARÇO 2006 O presidente do BNDES, Guido Mantega, assume o Ministério da Fazenda, em substituição a Antonio Palocci (foto), acusado de participar de um esquema de corrupção.

JUNHO 2005 Dilma Rousseff deixa o Ministério de Minas e Energia e assume a Casa Civil, substituindo José Dirceu, envolvido no escândalo do Mensalão.

ABRIL 2006 Lula anuncia a autossuficiência de petróleo do país – mas esta só foi alcançada em 2009.

“NÃO NOS AMEM DEMAIS” Em visita ao Brasil, em dezembro, o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman alertou para outro perigo derivado do efeito sedante da complacência: a excessiva valorização do câmbio sem uma justificativa concreta nos fundamentos da economia. O que inclui o risco de fluxos exagerados de capitais estrangeiros alimentarem a formação de “bolhas domésticas”, possibilidade negada pelo ministro Mantega (veja à pág. 58). Para Krugman, é hora de o Brasil mostrar ao mundo que “nós estamos melhores do que antes, mas não tão bem. Não

MAIO 2006 O presidente boliviano Evo Morales nacionaliza a produção e a exploração de gás e petróleo no país, afetando operações da Petrobras estimadas em US$ 1,6 bilhão.

OUTUBRO 2006 Lula é reeleito presidente.

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Foto ANTÔNIO CRUZ/ABR

nos amem demais”. Ele lembra que tal excesso de euforia fez mal ao México, em 1994, e à Argentina, em 2001. “Concedemos o grau de investimento ao Brasil, em 2008, e o confi rmamos duas vezes, em 2009, porque a performance do país melhorou muito”, diz Sebastián Briozzo, diretor da área de Rating Soberano da agência de classificação de risco Standard&Poors (S&P). “Apesar disso, ainda é o primeiro degrau dentro do investment grade, e a questão fiscal ainda é desfavorável em relação a outros países com rating similar ao do Brasil.” A deterioração da política fiscal e o aumento da dívida pública são dois fatores que os analistas aconselham que o presidente não deixe para que o sucessor resolva. Em 2009, a dívida líquida deverá chegar a 44% do PIB, em comparação aos 38,8% registrados em 2008. Para 2010, nas contas do Ministério da Fazenda, a dívida se situará entre 39% e 41% do PIB. Para Alfredo Coutiño, da Moody’s Economy, embora o desequilíbrio das contas fiscais seja gerenciável, “o risco é o de que não se chegue a um consenso político sobre como reduzir o déficit no futuro”. E, em meio à Copa e às Olimpíadas, a escavações profundas pelo petróleo do pré-sal, a planos nucleares, militares e sociais, os compromissos com investimentos feitos pelo governo parecem grandes demais, até para o país que tem o quinto maior território do mundo e a quinta maior população do planeta. Um exemplo é o Programa de Aceleração do Crescimento (mais conhecido como PAC), com meta inicial de investimento de R$ 503,9 bilhões até 2010. Muitos observadores sérios asseguram que não há um rumo claro do projeto para o médio e o longo prazos. Segundo Geraldo Biosato, professor de Economia da Unicamp, o aumento dos gastos atuais por parte do governo, em paralelo à aplicação do PAC, atenta contra o crescimento sustentável, pois “a consolidação de um gasto corrente muito alto aumentará a carga tributária e fará com que os investimentos se mantenham em níveis muito baixos”. Isso se configura

NOVEMBRO 2006 Lula anuncia a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com previsão de investimento de R$ 503,9 bilhões até 2010.

OUTUBRO 2007 Brasil é anunciado como sede da Copa do Mundo de 2014.

MAIO 2008 Criada a Unasul (União das Nações Sul-Americanas), que reúne os 12 países da América do Sul e visa à coordenação política, econômica e social.

no sintoma de um defeito endêmico das políticas públicas brasileiras, que são qualificadas como “muito mais reativas do que ativas”, por François Bremaeker, gestor do Observatório de Informações Municipais da ONG Transparência Municipal. “O aumento do gasto público, ainda que tenha resultado em uma política anticíclica efetiva, teria sido melhor se concentrado em mais investimento do que em gasto corrente”, afirma Briozzo, da S&P. O alerta tem fundamento: em 2009, enquanto a despesa do governo com pessoal aumentou R$ 17 bilhões, a de investimento cresceu R$ 2,3 bilhões. “O ideal seria que o governo voltasse a concentrar o esforço político na melhora dos fundamentos da economia”, já que, lembra o analista, as reformas parecem ter ficado para seu sucessor. Isso porque, apesar de ter realizado, já no primeiro ano, uma reforma tributária e previdenciária, a continuidade desse processo parece ter sido perdida desde que o Congresso se viu envolvido no escândalo do Mensalão, em 2005. Hoje, a carga tributária situa-se ao redor dos 38% do PIB, e o aprofundamento de uma reforma tributária, bem como a trabalhista, foi abandonado.

NOVEMBRO 2007 Petrobras anuncia a descoberta de reservas de petróleo na camada do pré-sal, que podem chegar a 8 bilhões de barris.

JUNHO 2008 Reservas internacionais do Brasil chegam a R$ 200 bilhões.

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DEBATES CAPA O PESO DO ESTADO O tamanho do gasto público corrente é uma área que inspira cuidado. A esta altura, ninguém poderá negar que o desembolso para fi nanciar programas como o Bolsa Família ou para garantir ao salário mínimo um reajuste real de 46%, nos sete anos do governo Lula, produziu uma melhora em um bem tão valioso como a qualidade de vida. Entretanto, agora que a ideia do “Estado mínimo” – dominante quando Lula assumiu o governo – foi suplantada pela do “Estado ativo”, depois da crise econômica mundial, abre-se uma brecha a outro risco. Nesse cenário, Lula passou a dar sinais de abraçar uma retórica e uma política neonacionalista, o que já fez soar os alarmes. Como exemplo, vê-se o uso do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para injetar capital em grandes empresas, como aconteceu nos processos de fusão da Oi/Telemar e Sadia/Perdigão, em um claro sinal de que o governo se sente livre para marcar o rumo de certos setores, impulsionando uma versão ainda suave da política da Coreia do Sul nos anos 1960/1980, promovendo a fusão de “campeões nacionais”, para que possam se transformar em companhias globais. E que deu origem a enfrentamentos como o do presidente da Vale, Roger Agnelli, que teve sua cabeça posta a prêmio ao anunciar demissões na empresa. Ou o caso do projeto que cria a Petrosal e dá à Petrobras o direito de ser operadora única do pré-sal. As nuances que diferenciam o peso do Estado, entretanto, são pouco nítidas para o eleitor e, na opinião de analistas, não deverão ser usadas contra o governo, na campanha eleitoral. “A oposição

SETEMBRO 2008 O presidente do Equador, Rafael Correa, ordena o embargo dos bens da Odebrecht e ameaça não pagar o empréstimo de mais de US$ 200 milhões concedido pelo BNDES.

Oposição não deverá questionar o protagonismo do Estado na campanha eleitoral

SELIC 2002 2009

25,00% 8,75%

PIB 2002 2009*

2,70% -0,23%

INFLAÇÃO (IPCA) 2002 2009

12,53% 4,50%

IDH 2002 2009

BRASIL, POTÊNCIA

73º lugar (0,757) 75º lugar (0,813)

ANALFABETISMO 2002 2008**

11,80% 9,80%

SALÁRIO MÍNIMO 2002 2009

perderá pontos se colocar como centro da campanha esse debate. Até porque um novo protagonismo do Estado faz parte do espírito deste momento da conjuntura econômica mundial. Seria um erro o concorrente da oposição seguir pelo caminho da polarização do mercado versus Estado”, afirma Aldo Fornazieri, doutor em Ciência Política e diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Ele lembra que a atual situação do Brasil não abre espaço para os candidatos apresentarem projetos muito distintos. Assim, a oposição deveria buscar pontos programáticos que possam fazer avançar a agenda do país. “Em que pesem os avanços da gestão Lula, o fato é que o governismo apresenta insuficiências e lacunas em várias áreas. A tarefa da oposição é a de ocupar essas brechas e apontar uma agenda de futuro para o país”, afirma.

R$ 200,00 R$ 465,00

* Boletim Focus, previsão de mercado ** Últimos dados disponíveis Fontes ONU, Banco Central e IBGE

JANEIRO 2009 Lula eleva o salário mínimo para R$ 465, aumento de 132% em relação a 2003, enquanto a inflação acumulou 59,2%.

A partir de 2011, certamente o novo líder do Brasil descobrirá que o prestígio e o poder crescentes do país não são gratuitos e nem estão garantidos. Sobretudo na área internacional, ainda que o chanceler Celso Amorim tenha defendido, em um programa de rádio, em dezembro, “que tudo poderia permanecer igual, porque deixamos de ter aquela atitude de pedir permissão para tudo o que queríamos fazer”. Entretanto, talvez seja impossível continuar com a política defendida até agora, de ser um gigante amigo de todos. De fato, Lula já se deu conta de que seu carisma não bastou para minimizar o mal estar em Washington, por causa da aproximação do Brasil ao Irã.

ABRIL 2009 Brasil anuncia empréstimo de R$ 4,5 bilhões ao FMI (Fundo Monetário Internacional).

JULHO 2009 Brasil aceita acordo sobre Itaipu, no qual concorda em triplicar a taxa anual de US$ 120 milhões que paga pela cessão da energia não utilizada pelo Paraguai.

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Política regional poderá se converter em bomba de tempo

“Até agora, o Brasil adotou a política da generosidade, sem cuidar dos interesses do país”, diz Barbosa. “Se essa linha for mantida ou aprofundada – pois, se Dilma ganhar, o Marco Aurélio Garcia poderá ser o ministro de Relações Exteriores –, acho que teremos problemas pela frente. Essa política regional, que o governo considera um grande avanço, é uma bomba de efeito retardado”, diz. Para Barbosa, a política exterior do governo Lula não peca pelas escolhas, mas pela calibragem. “Caso mude o governo, haverá continuidade nas prioridades: a relação sul-sul, porque é uma boa iniciativa; a América do Sul; as negociações com a OMC (Organização Mundial do Comércio); a questão do Conselho de Segurança”, enumera. “Mas ela terá de voltar a ser uma política de Estado, sem demasiado desvio ideológico.” Entretanto, a grande prova para a imagem do país no exterior, defendem analistas, virá do resultado não da ação da diplomacia brasileira, mas do trabalho pela integração social. “Essa, sim, é a verdadeira bomba de tempo”, diz Bacman. “Hoje, a fragmentação social já se organiza militarmente, e o otimismo do mundo em relação ao Brasil, essa fascinação quanto ao progresso real do país, tem um desafio com data de vencimento: a Copa do Mundo e as Olimpíadas”, afirma. Para ele, essa confiança internacional só continuará “se a marginalidade não tiver de ser ocultada, se o país puder mostrar que dá a devida atenção a ela e que pode conviver com ela”. Se isso acontecer, aí sim, o legado de Lula, e do próximo presidente, será inestimável para todos os seus sucessores. Foto RICARDO STUCKERT/PR

“Não podemos alimentar rusgas, como aconteceu, agora, com a questão do Irã e a de Honduras, pois são fatores isolados, que têm consequências na política externa”, afi rma Rubens Barbosa, representante permanente do Brasil na Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) e embaixador do Brasil em Washington de 1999 a 2004. Para ele, o Brasil só conseguirá se firmar no âmbito internacional se manter boas relações com os Estados Unidos. “É como a China. Ninguém é mais anticapitalista que a China, mas ela sabe que depende do comércio e das relações com os Estados Unidos para se firmar como superpotência.” De qualquer forma, a liderança brasileira poderá encontrar outra prova de fogo, mais triste e mais próxima. Parace cada vez mais real a possisiblidade de que Hugo Chávez e Álvaro Uribe, eternizados em seus cargos e com uma visão militarizada da política, acabem impulsionando um enfrentamento armado na fronteira com o Brasil. E isso será uma grande prova para o país: impedi-lo ou moderá-lo.

AGOSTO 2009 Lula apresenta projeto para criar a Petrosal, que transforma a Petrobras na única operadora do pré-sal.

OUTUBRO 2009 Brasil ganha o direito de ser sede das Olimpíadas de 2016.

NOVEMBRO 2009 Brasil recebe a visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, e Lula defende o direito de o país desenvolver seu programa nuclear.

DEZEMBRO 2009 Senado aprova a adesão da Venezuela ao Mercosul.

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OPINIÃO

OS LIMITES DA URNA E

sta é uma época de muitas eleições legislativas e presidenciais na América Latina: o ano passado fechou com Argentina, Bolívia, Chile, Honduras e Uruguai, e 2010 será a vez de Colômbia e Brasil, entre outros países. Algumas são históricas, porque implicam grandes mudanças nas estruturas políticas dessas nações. Quase todas são interessantes, pois fazem emergir personagens diferentes ou que colocam à prova o poder de atração de partidos e coalizões tradicionais. As eleições são valiosas como forma de consulta e participação popular. Devem ser importantes como meio para lograr o acerto de contas da sociedade civil com os candidatos e seus partidos, para que esta faça sua avaliação, comparando a gestão dos políticos às promessas de campanha. Quando os sistemas partidários e os processos de seleção de candidatos funcionam bem, as eleições também podem ser uma forma de abrir a porta a novos talentos, para que possam influir nas políticas públicas e consolidar a transição de gerações. As eleições são realmente importantes, e sua presença regular na América Latina, quase não interrompida por intervenções militares, é um motivo de celebração regional. Entretanto, também é fundamental reconhecer que as eleições, por si só, ainda que sejam livres, limpas e justas, raramente são suficientes para responder aos desafios complexos que a maioria dos países enfrenta atualmente e que, com frequência, são ignorados ou dissimulados no calor das campanhas políticas. As eleições em Honduras, por si só, não ajudarão esse país a superar a pobreza profunda e generalizada e as desigualdades flagrantes que dão forma a essa sociedade e distorcem sua política. Da mesma forma que as eleições na Argentina

não são suficientes para ajudar esse país a superar sua “desinstitucionalização” progressiva e sua visão de curto prazo generalizada, qualidades que há muitos anos a caracterizam. As eleições na Bolívia não resolverão sozinhas os profundos desafios do país de combater a desigualdade e gerar mais oportunidades e justiça para as populações indígenas excluídas, pois garantir o crescimento econômico nacional implica maior integração econômica e bem estar social. As eleições no Chile não proporcionarão a melhora radical no sistema educacional que o país demanda para superar a imobilidade social e a hierarquia de classes. As eleições na Colômbia não colocarão um ponto fi nal em uma insurgência debilitante, nem livrarão o país da corrupção generalizada e da impunidade. E as eleições no Brasil não determinarão, por si só, como o país poderá transformar seu notável reconhecimento internacional em melhores oportunidades para os milhões de habitantes que continuam vivendo na extrema pobreza. Esses comentários não minimizam a importância das eleições, mas é vital que nossa análise e compreensão dos países da região vá além das “corridas de cavalos”, das promessas de candidatos, das estratégias de campanha. É essencial enfrentar os problemas fundamentais de cada país, garantir que estes sejam debatidos publicamente e se convertam no centro dos mandatos dos novos presidentes e parlamentares. Enfim, encarar os desafios livres da visão partidista estreita, em todos os países da região.

Ilustração SAMUEL CASAL

As eleições, por si só, não são suficientes para responder aos complexos desafios de cada país

ABRAHAM F. LOWENTHAL é professor de Relações Internacionais da Univ. de Southern California e presidente emérito do Pacific Council on International Policy

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Leo Burnett Brasil

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Foto MARCELLO CASAL JR/ABR

DEBATES GOVERNABILIDADE

MAU HÁBITO

MANIFESTAÇÃO NO DISTRITO FEDERAL: POPULAÇÃO CONTRA O SUBORNO

Falta de vontade política para combater a corrupção mina a competitividade e a capacidade de modernização da América Latina ANTONIO MARÍA DELGADO , DE MIAMI, COM GRAZIELE DAL-BÓ, DE SÃO PAULO

A

pesar de sua origem modesta, Franklin Durán e Carlos Kauffmann estão a ponto de se tornar magnatas. Em uma década, esses empresários venezuelanos formaram um conglomerado com operações em setores como o da construção e o petroquímico. Mas a principal fonte de renda de Durán e Kauffmann não proveio dessas atividades. O verdadeiro negócio, que permitiu tal ascensão meteórica, foi a corrupção.

Ambos operam um supermercado de enriquecimento ilícito, com um menu de opções que vai desde o tradicional pagamento de subornos, prática com a qual garantiam suculentos contratos de construção, até esquemas mais sofisticados, como a recompra de ativos que lhes permitia adquirir imóveis e títulos do governo, que depois eram repassados ao próprio governo pelo dobro do preço.

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O negócio mais rentável, contudo, era o da intermediação bancária. Por meio desse mecanismo, os sócios contatavam diferentes bancos para obter uma fatia dos orçamentos de ministérios, províncias e até das Forças Armadas e, em troca, recebiam entre 5% e 10% do total depositado. A recompensa era compartilhada com os titulares dos organismos. Ao ser interrogado em uma corte dos EUA, durante o julgamento de um processo aberto contra seu sócio, sobre o motivo para um banco venezuelano pagar milhões de dólares em subornos para captar fundos, Kauffmann limitou-se a dizer: “porque é assim que as coisas funcionam lá”. A resposta, mesmo repugnante, reflete uma realidade que se reproduz em outros países latino-americanos. No Brasil, o último escândalo do gênero, a notícia de um suposto esquema de propina e de caixa 2 envolvendo o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, também aponta para uma rede de favorecimento de empresas na contratação de serviços para o sistema público, cujas propinas envolvidas não apenas engordariam as fi nanças pessoais do governador como sustentariam um esquema de compra de apoio político. Os subornos e o tráfico de influências sistematicamente distorcem a participação empresarial em vários países, formando um ambiente em que o sucesso depende menos da qualidade dos produtos e serviços e mais dos montantes que se está disposto a pagar por debaixo dos panos. Trata-se de uma cultura perniciosa que, curiosamente, parece enraizar-se, em vez de murchar, sob a égide dos regimes democráticos, fruto – dizem

os especialistas – de sua alta capacidade de gerar fortunas ilegais e da falta de vontade política para combatê-la.

NENHUMA VANTAGEM O resultado dessa prática é nefasto, pois não somente fomenta o saque aos cofres públicos – deixando menos recursos para construir estradas, escolas e redes elétricas –, como entorpece silenciosamente os esforços da região para modernizar-se, competir e abrir suas economias ao livre mercado. Também tem impacto direto sobre o bem-estar da população. “Chamamos isso de dividendos do desenvolvimento, de 300%”, diz o diretor do Instituto do Banco Mundial (WBI), o chileno Daniel Kaufmann – que não tem parentesco com o empresário venezuelano. “Os países que melhoram sua governabilidade multiplicam sua renda per capita por um fator de três, no longo prazo, de um nível de US$ 1 mil per capita anual a US$ 3 mil.” Tragicamente, os tentáculos da corrupção são maiores do que geralmente se presume. Isso pode ser percebido nas sondagens e nos estudos realizados na região, como o apresentado, no final de 2009, por um grupo de empresas de advocacia liderado pela norte-americana Miller & Chevalier Chartered. Tal estudo revelou que 70% dos executivos consultados acham que perderam negócios para concorrentes porque estes se dispuseram a pagar subornos. Outra pesquisa, a World Business Environment Survey, realizada pelo Banco Mundial, indica que 74% das empresas da região veem a corrupção como um obstáculo para suas operações e para o crescimento de seus negócios. A mensagem desses resultados é clara. “A corrupção não é um fenômeno abstrato que surge periodicamente nas manchetes dos jornais”, diz Homer Moyer, sócio da Miller & Chevalier Chartered. Outro estudioso da cleptocracia – governo que usa o poder de forma discricional e o transforma em alguma forma de valor econômico –, o professor de Estudos Econômicos Aplicados do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Daron Acemoglu aponta que esse tipo de ação fraudulenta inibe a atração de investimentos. “A corrupção é uma barreira fortíssima à competição das empresas, tanto no mercado doméstico quanto no internacional”, diz. Ainda é difícil determinar a natureza velada desse tipo de prática e o quanto as empresas pagam para ganhar vantagens de forma ilegal. Um estudo elaborado pelo Banco Mundial calcula que esse montante supera o trilhão de dólares. Na América Latina, cálculos desse tipo estão pulverizados entre os diferentes países, mas deixam vislumbrar que poderia equivaler a algo entre US$ 60,5 bilhões e US$ 212 bilhões.

300%

é a melhora da renda per capita em países que cuidam de sua governabilidade

OS 10 SETORES MAIS SUSCETÍVEIS À CORRUPÇÃO Obras Públicas, Construção Imobiliário Petróleo e Gás Manufatura Pesada Mineração Farmacêutico/Cuidados Médicos Serviços Públicos Aeronáutica Civil Geração Elétrica, Transmissão Florestal Fonte Transparência Internacional

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DEBATES GOVERNABILIDADE DISTINTOS NÍVEIS

entre um maior número de pessoas que controlam as esferas O mal não afeta todos os países por igual. Mas “a luta contra de influência em nível local, estadual e nacional.” a corrupção está estancada na América Latina”, diz Alma O resultado é o crescimento dos custos de produção. No Rocío Balcázar, diretora de Programas do Setor Privado da Brasil, por exemplo, pouco depois da mudança para o regime ONG Transparência Internacional na Colômbia. “Há alguns democrático, “o custo total da corrupção por transação aupaíses que retrocederam nos últimos anos”, afirma. O Brasil mentou. Era de entre 8% e 10% sob o regime militar, e subiu é um deles: o índice de percepção da corrupção no país caiu para 15% a 20%”, diz Weyland. de 4,1 em 1999 para 3,7 este ano. Fábio Gallo Garcia, professor RAIZ AMBÍGUA de Finanças da PUC/SP e da Fundação Getulio Vargas (FGV), Para os pesquisadores, existe uma estreita relação entre a acha que “no Brasil estamos melhorando nesse aspecto”, afircorrupção e o tamanho do aparato estatal. Isso não se deve mando que a revelação de redes corruptas já é um caminho ao fato de as organizações burocráticas serem nocivas em si para a correção do sistema. mesmas, mas ocorre John Price, diretorporque estas organigerente da consultoria ÍNDICE DE PERCEPÇÃO zações e suas normas Kroll Infoamericas, que DA CORRUPÇÃO (PCI) EM 2009 criam o marco em que presta assessoria a emIndica o grau de corrupção do setor público como percebido por empresários funcionários e emprepresas sobre o mercado e analistas e varia de 10 (altamente transparente) a 0 (pouco transparente) sários inescrupulosos latino-americano, diz podem operar. que, em certos setores, Mas nem todas não se pode competir as práticas i lícitas se o empresário não Ranking Ranking PCI 2009 Mundial País nas Américas são provenientes do está disposto a pagar. 1 8 Canadá 8,7 setor público. Muitas Entre os segmentos vezes, são os empreem que Price identifica 2 19 Estados Unidos 7,5 sários que oferecem essa tendência estão 5 25 Chile 6,7 expressivas somas de os de saúde, educação, Uruguai dinheiro a altos funenergia e defesa, os 10 43 Costa Rica 5,3 cionários do governo quais, habitualmen11 61 Cuba 4,4 para ganhar contratos te, são dominados por 12 75 Brasil 3,7 de compra e licitações, aparatos burocráticos Colômbia inclusive para que ledo Estado. Peru gisladores redijam leis −* 84 Panamá 3,4 DEMOCRACIA? e regras que os bene20 89 México 3,3 Apesar de histórica, a ficiem diretamente. prática da corrupção 23 106 Argentina 2,9 “Temos visto casos parece ter encontrado que incluem multina24 120 Bolívia 2,7 maior adesão com o rescionais suíças, norte28 146 Equador 2,2 surgimento da demoamericanas, alemãs 29 154 Paraguai 2,1 cracia. Kurt Weyland, e francesas”, diz Luigi 30 162 Venezuela 1,9 professor de Ciências Manzetti, professor de 31 168 Haiti 1,8 Canada Políticas da UniversiCiências Políticas da * Não consta do estudo Fonte Transparência Internacional dade do Texas, diz que a Southern Methodist transição para a demoUniversity, no Texas. cracia em alguns países latino-americanos não só fracassou “Geralmente tem sido na aquisição de bens e serviços, como em introduzir os instrumentos necessários para combater aconteceu há alguns anos na Argentina, quando a IBM pagou a corrupção como introduziu mecanismos para estimulá-la para conseguir contratos”, diz. e difundi-la em mais níveis. “Nos regimes militares, o emO BOM, O MAU E O FEIO presário que queria alcançar algo tinha de pagar a poucas A maioria dos estudos elaborados sobre a corrupção estipula pessoas, porque o poder estava concentrado em menos mãos”, que o impacto dessa prática sobre a sociedade é perverso. Aldiz Weyland. “O que vimos sob o regime democrático é que os guns classificam a corrupção em duas, como o mau e o bom pagamentos são mais frequentes, porque o poder se dividiu

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FABIO GALLO GARCIA, DA PUC, DEFENDE MAIOR RIGOR NA APLICAÇÃO DAS LEIS

Foto RONALDO FRANCO

das pessoas jurídicas prevê multa e até mesmo a extinção de empresas que se utilizam de meios ilícitos para obter vantagens. Pela legislação atual, essas companhias estão praticamente blindadas. Quando se envolvem em escândalos de corrupção, no máximo, terão sua imagem manchada. “Agora, nós queremos atingir o patrimônio delas”, diz Vânia. O projeto, que deve ser encaminhado ao Congresso para votação em breve, sugere multas que variam de 1% a 30% sobre o faturamento e, em casos de empresas laranjas, por exemplo, a suspensão das atividades. Alguns especialistas, entretanto, defendem que as próprias empresas deveriam ser mais ativas nessa luta contra as más práticas. “Um dos problemas da alta corrupção no governo é que ela gera aversão ao capitalismo”, diz Rafael Di Tella, professor da Escola de Negócios de Harvard. “Esse sentimento contra o empresariado pode chegar a ser a percepção dominante dentro de um país, criando uma situação na qual quem ganha não é necessariamente o mais eficiente, mas o que está disposto a pagar mais”, afirma. “Isso, por sua vez, gera um forte argumento contra o capitalismo porque populariza a noção de que as empresas que vão bem são empresas corruptas.” Para Manzetti, da Southern Methodist University, “esse tipo de prática dá margem para que líderes como Chávez, na Venezuela, Morales, na Bolívia, e Kirchner, na Argentina, reestatizem companhias, sob o argumento de que algumas dessas empresas foram adquiridas sob a tutela da corrupção e que, portanto, o governo deve intervir para proteger o interesse público”. Segundo Di Tella, o fortalecimento do sentimento contra o empresariado é uma boa razão para que os homens e mulheres de negócios se somem à luta contra a corrupção, abstendo-se de participar da prática e, em segundo plano, denunciando os casos em que os empresários recorrem a ela. “Lutar contra a corrupção nunca será prioridade nos governos em que os funcionários se beneficiam dela”, diz o professor. “O que os empresários devem perceber é que, quando recorrem a ela, estão se suicidando no longo prazo.”

colesterol, assinalando que algumas modalidades da mesma podem, inclusive, chegar a ser benéficas quando ajudam o empresário a resolver rapidamente problemas burocráticos para agilizar o desembolso dos investimentos no país. Esse ponto é rechaçado por muitos especialistas, que assinalam que os problemas causados pela prática superam qualquer benefício que poderia se dar no curto prazo. Alguns desses problemas são o aumento dos custos de produção para o empresariado e da segurança jurídica, devido às práticas serem realizadas secretamente, em caso de alguma violação ao acordado. Garcia, da PUC/SP, lembra que, “além dos prejuízos com evasão de divisas, o problema cria também um custo para o controle dessas fraudes”. Segundo ele, a corrupção implica “ter uma corregedoria para fiscalizar, um tribunal de contas, enfim, tudo isso gera muita despesa”. Por outro lado, os especialistas concordam que a corrupção reduz o crescimento econômico porque corta a taxa marginal de retorno sobre investimentos, além de restringir o conceito da livre concorrência, já que distorce os incentivos e as forças do mercado, o que leva à má alocação de recursos. Para Garcia, no Brasil a solução para isso depende de uma execução mais precisa da legislação. “Precisamos de rigor na aplicação das leis. A partir do momento que surge a condenação, a corrupção começa a diminuir.” Vânia Lúcia Ribeiro Vieira, diretora de Prevenção à Corrupção da ControladoriaGeral da União (CGU), reconhece que a legislação brasileira precisa ser revista. “Ela ainda é muito focada na responsabilidade individual, e não na corporativa.” Nesse sentido, a CGU, em parceria com o Ministério da Justiça, está fi nalizando um projeto para apertar o cerco às empresas. A responsabilização

30%

do faturamento é quanto pode chegar a multa proposta contra empresas corruptas

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DEBATES INTEGRAÇÃO

CÚPULA DA ALBA: SOBRA DISCURSO, FALTA COMÉRCIO

A “desdolarização” do comércio entre os membros da Alba ainda é insuficiente para criar uma moeda comum MIRIAM GUERRERO, DO EQUADOR, COM RODRIGO LARA, DE BUENOS AIRES

A

ssim como o que distingue um dialeto de uma língua é que esta tem um exército por trás, o que separa uma moeda de verdade de uma de mentira é que a primeira tem uma atividade econômica sólida que a sustenta. A metáfora ilustra bem o desafio abraçado em outubro de 2009 pela Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), criada em 2004 pelos presidentes Hugo Chávez e Fidel Castro e formada por nove países – além de Venezuela e Cuba, Bolívia, Nicarágua, Equador, Honduras, Dominica, Antígua e Barbuda e São Vicente e Granadinas. Em outubro, os presidentes dos países do bloco deram seu aval para o nas-

cimento do Sistema Único de Compensação Regional (Sucre), fazendo uma aposta arriscada no longo prazo. Não porque seja um sistema inviável – Argentina e Brasil já o adotaram –, mas pela ideia de Chávez de que o Sucre se configurará no marco de “uma nova moeda revolucionária que vem romper os paradigmas da economia mundial e criar um sistema de intercâmbio autônomo, soberano”. A realidade, entretanto, aponta para o fracasso desse propósito. O motivo é simples: ainda que esse sistema de compensação não seja novo , o escasso comércio entre os países da Alba tira a possibilidade de o Sucre decolar. Grace

Jaramillo, professora da Flacso-Equador (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), exemplifica que o intercâmbio comercial entre os membros do grupo representa menos de 3% para as exportações equatorianas totais – cujos maiores destinos continuam sendo EUA e Europa. “Não vejo como um projeto dessa natureza possa ter viabilidade econômica”, diz Roberto Laserna, pesquisador boliviano vinculado ao Ceres (Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social), com sede em Cochabamba. Ele diz que “os países que integram o bloco estão muito distantes entre si, geográfica e economicamente, e o intercâmbio comercial que podem fazer é básico e com custo de transação muito alto para setores que carecem de subsídios”.

PETROAFINIDADES Por enquanto, o certo é que o intercâmbio comercial entre as nações integrantes da Alba é dominado pelo petróleo. De fato, a Venezuela fornece combus-

Foto SVEN CREUTZMANN/GETTY IMAGES

UMA MOEDA NO LIMBO

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tíveis subsidiados em 50% a muitos países do bloco, para que possam usar seu dinheiro para fi nanciar estratégias sociais. Como aconteceu na Aliança para o Progresso, promovida pelos EUA, tratam-se de programas solidários por meio dos quais se oferece ajuda a governos, mas não fluxo comercial concreto. Para dar outro exemplo, o Equador envia petróleo às refi narias da Venezuela, negociando um preço melhor que em outros mercados. Por sua vez, recebe derivados com preços convenientes para seu caixa fiscal. Além disso, o envio de petróleo à Venezuela se justifica pelo fato de as refi narias equatorianas não terem capacidade suficiente para processar o combustível demandado.

FALTA ORDEM Esse cenário se torna ainda mais difuso quando se leva em conta a ausência de instituições e burocratas que se encarreguem do dia a dia do Sucre e de outros

50%

Foto V. KREINACKE/ISTOCKPHOTO

é a quanto pode chegar o subsídio oferecido por Chávez planos do bloco. A Alba ainda não conta com sede, infraestrutura básica ou organismos de financiamento. As únicas exceções remetem, novamente, ao petróleo: a aliança Petrocaribe e, eventualmente, ao projeto do Petrosul, que criaria uma petrolífera continental. Alguns analistas apontam exatamente a convergência política e as necessidades energéticas como fatores que podem garantir a longevidade da Alba. “Antígua e Barbuda, Dominica, Granadinas e outros não estão envolvidos por razões ideológicas. Estão por conveniência econômica”, diz Juan Toklatián, professor da Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires. Quanto às afinidades políticas, com

PETRÓLEO: O GRANDE ELO QUE IMPULSIONA O INTERCÂMBIO ENTRE OS PAÍSES DA ALBA

a reeleição de Evo Morales, na Bolívia, o presidente Hugo Chávez tem ao menos um aliado leal a seu sonho bolivariano. Segundo Walter Spurrier, diretor da revista Análisis Semanal, do Equador, a Alba é, principalmente, “uma caixa de ressonância da Venezuela”. Nem todos compartilham a visão de Spurrier. Para Marco Romero, professor da Universidad Andina Simón Bolívar, “é preciso distinguir entre a retórica e a prática, porque a primeira é muito ambiciosa, mas a crise econômica em alguns dos países da Alba gerou limitações importantes”. Por isso, segundo ele, “é preciso ver como conseguirão avançar, já que os Estados Unidos têm um interesse evidente em

desarticular esse grupo”. Spurrier acha que a vigência da Aliança dependerá, fundamentalmente, de que os mecanismos que permitem a união ideológica sigam vigentes e de que o petróleo venezuelano continue garantindo a consolidação da cooperação no longo prazo. Entretanto, se tudo isso for suficiente para manter a Alba vigente, não bastará para que uma moeda virtual do bloco se converta em uma moeda real. Assim, somente se os membros da Alba conseguirem grandes economias, explorando seus recursos naturais com maior produtividade e valor agregado, é que o Sucre terá uma oportunidade concreta de entrar no mundo real. Janeiro, 2010 AméricaEconomia 51

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ESPECIAL MINISTROS DE FINANÇAS

COM CHUVA, MAS SEM TORMENTA A avaliação dos timoneiros das economias da América Latina em 2009 evidencia o sucesso geral das políticas anticíclicas adotadas pela região, mas também indica diferenças importantes entre os países POR AMÉRICAECONOMÍA INTELLIGENCE

N

os últimos 24 meses, as metáforas sobre tempestades, naufrágios e timões encheram as páginas das revistas e dos jornais de negócios. A crise fi nanceira mundial, cuja parte mais crítica teve início em setembro de 2008, com a sequência de quebras de grandes instituições financeiras norte-americanas e de outros países desenvolvidos, transformou o noticiário econômico em uma terra fértil para prognósticos meteorológicos e juízos sobre as capacidades de navegação das autoridades fiscais e monetárias. Hoje, no início de 2010, identificamos um céu ainda escuro, mas também um bom momento para analisar os prejuízos e identificar aqueles que conseguiram salvar suas embarcações. Há boas notícias. Os ministros de Finanças latino-americanos não são hoje a causa de motins, nem se colocará um preço por suas cabeças. De fato, os cerca de 300 economistas da América Latina convidados a participar de um painel pela internet para eleger os melhores ministros de Finanças de 2009 viram com bons olhos a gestão das finanças públicas latino-americanas neste complicado ano de crise global. O golpe foi forte: em 2009, a economia da região registrou queda de 2,9%, com casos extremos como o do México, cuja economia retrocedeu quase 7,3% durante o ano recém-terminado. Mas, em geral, e ao contrário de tormentas anteriores, a América Latina manteve o controle de seus passivos, continuou operando com responsabilidade fiscal, na maioria dos casos, e a inflação foi mantida sob controle, com uma média

regional de 6,3%, com o caso destoante apenas da Venezuela, e seus quase 30%. Com isso, o saldo de conta corrente como porcentagem do PIB diminuiu para -0,6%, em média, nos países sul-americanos mais o México, embora essa cifra dispare nos países da América Central, onde chegou a -5%.

BRASIL NA DIANTEIRA Que país e qual capitão se destacaram na gestão da Fazenda em 2009? O mais bem avaliado de todos foi o Brasil e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega. Não é um resultado surpreendente, pois um dos eventos econômicos mais comentados durante o ano na região foi a capacidade de o gigante sul-americano de combater os efeitos da crise em sua economia e sair dela antes da maior parte das grandes economias do mudo e da América Latina. Para isso, foi fundamental a aplicação um pacote de medidas fiscais contracíclicas que se concentraram em certas indústrias vitais para o dinamismo interno, além do anúncio de fortes planos de investimento em áreas como a petrolífera, de infraestrutura e militar. Isso teve como resultado uma melhor percepção sobre a liderança de Mantega, que assumiu o cargo em 2006 sob a pesada sombra de seu antecessor, Antonio Palocci. Este, apesar da ascendência, deixou o cargo acusado de corrupção. “Se compararmos a liderança e a força de Mantega com a de Palocci, a diferença chega a ser um descalabro”, defende

3,9%

do PIB foi o déficit fiscal do Brasil de janeiro a setembro de 2009

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Foto FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR

Geraldo Biasoto, diretor executivo da Fundap (Fundação do Desenvolvimento Administrativo do Estado de São Paulo). “Isso, entretanto, não chega a pesar muito, porque, no fundo, o governo tem um script que vem sendo seguido há algum tempo” diz. “A partir da crise, houve uma mudança desse script, mas seguindo a maioria dos países, ou seja, de uma política anticíclica. Muito sintonizada com o mercado financeiro nacional e com o contexto interno.” Já para Paul Liu, presidente honorário da Câmara BrasilChina de Desenvolvimento Econômico, o atual ministro demonstrou – no contexto da crise – que, para o cargo, “é necessário ser mais que um empresário”, e conseguiu “transmitir otimismo e boas perspectivas”. Para ele, hoje os brasileiros, e a maioria dos gestores internacionais de fundos, acreditam no governo Lula e, por consequência, em Mantega. O resultado é simples: otimismo, enquanto no resto do mundo há incertezas. A bolsa brasileira, de longe a mais rentável da região em 2009 e uma das mais rentáveis do planeta, é um sinal disso. É claro que precisamos observar o fenômeno com cuidado, pois não são poucos os analistas internacionais que alertam sobre o risco de que o Brasil esteja alimentando algumas bolhas internas na valorização de seus ativos, em função da generosa entrada de fluxos de investimento internacionais. Esse risco é negado pelo ministro (leia a entrevista com Mantega à página 58), que afirma estar atento para aplicar medidas adicionais para reduzir a volatilidade na valorização dos ativos. Também há uma preocupação sobre de que forma o Brasil poderá retirar os pacotes contracíclicos para evitar que o remédio aplicado não acabe deixando a economia doente de outro lado. O Brasil mantém hoje uma dívida pública de cerca de 43,1% do PIB. E um déficit fiscal de 3,9% do PIB. São cifras altas, até para o restante da América Latina. Mesmo asssim, o otimismo brasileiro é contagiante. Aqueles que duvidam, podem perguntar aos uruguaios e argentinos, que viram a economia de seus países se revitalizar em 2009, graças ao aumento da demanda brasileira e aos encadeamentos produtivos entre os países, como no caso da indústria automotiva. Isso explica, em parte, o sucesso do ministro das Finanças uruguaio, Álvaro García (4º), cujo país foi um dos poucos que cresceram (0,6%) no primeiro semestre de 2009, sem taxas exageradas de inflação (7,5%), embora com um déficit fiscal importante (59% do PIB no terceiro trimestre). Esse efeito também explica, em parte, por que a Argentina não é um caos desatado. De certa forma, a sustentação do mercado brasileiro, somada à recuperação do preço das commodities, faz com que os sérios e endêmicos problemas macroeconômicos que devem ser enfrentados pelo ministro argentino das Finanças, Amado Boudou, não se expressem em sua plenitude. Assim, a Argentina teve um retrocesso moderado de seu crescimento (-2,5%) e uma inflação oficial que não é preocupante (5%, embora haja muitos questionamentos em torno da estatística oficial, e algumas estimativas indiquem 15% ao ano). Apesar disso, a sustentação dessa aparente calma está

GUIDO MANTEGA: POLÍTICA ANTICÍCLICA GARANTIU O SUCESSO DE SUA GESTÃO

Janeiro, 2010 AméricaEconomia 53

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ESPECIAL MINISTROS DE FINANÇAS minando as bases do investimento: a Argentina optou pela perigosa política de sustentar o gasto mediante expropriações e altas de impostos que espantam os investidores, em casos nos quais o déficit fiscal está fora de controle. Esse panorama, segundo Bertrand Delgado, da RGE Monitor, representa “um desastre” que está por vir, embora provavelmente não estoure em 2010, dada a recuperação dos preços das commodities. Um panorama que, no entanto, consegue ser percebido pelos economistas consultados por AméricaEconomía Intelligence, que colocaram o ministro Boudou nos últimos lugares do ranking (13º).

ANDRÉS VELASCO, DO CHILE: QUEDA MENOS ABRUPTA DO CRESCIMENTO

Apesar das diferenças, Chile e Peru são países cada vez mais parecidos. Com estruturas produtivas e estratégias de desenvolvimento semelhantes, transformaram-se em duas versões de um mesmo modelo que avança e que, além disso, serviu para os países contornarem a crise econômica. Apesar de ambos terem sofrido os efeitos da contração da demanda de matérias-primas e condições de câmbio nada boas, suas economias são as que estão mais bem preparadas para a recuperação. Vale lembrar que o Peru registrou uma contração de sua economia de 1,5%, frente a um crescimento de quase 10% em 2008, e o Chile passou de um PIB de 3,2% para uma queda de -1,7% no primeiro semestre de 2009. De fato, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2010, Peru e Chile serão os países que mais crescerão na América Latina (5,8% e 4%, respectivamente). Portanto, não são por acaso as posições privilegiadas dos ministros Andrés Velasco, do Chile (2º lugar), e do reinstituído Luis Carranza, do Peru (3º lugar), titulares que já ganharam a primeira posição em rankings anteriores (Velasco, em 2008, e Carranza, em 2007). Além disso, há muitas coisas que ambos os ministros fizeram igualmente bem, como economizar quando o preço das commodities estava nas alturas, resistir à pressão política pelo aumento dos gastos públicos e aplicar medidas contracíclicas adequadas. Talvez a irrisória diferença que levou o ministro chileno a ultrapassar o peruano neste ranking esteja no fato de que o Chile, apesar de decrescer (ao contrário do Peru), teve uma queda menos abrupta em pontos percentuais. Isso se

Foto MIGUEL CANDIA

AS PEQUENAS JOIAS DO PACÍFICO

explica – segundo Bertrand Delgado – porque o Peru não reduziu as taxas de juros de forma tão oportuna e, com isso, perdeu um valioso tempo para ativar o mercado interno. Segundo o economista, esse relativo atraso “ocorreu pela mistura da subestimação do tamanho da crise por parte das autoridades peruanas e pelo temor atávico da inflação”. Sobre este ponto, Alfredo Coutiño, analista da Moody’s Economy, acha que os peruanos se equivocaram no diagnóstico da inflação, pois esta “não foi causada pelo superaquecimento da economia, mas por fatores externos, como a alta do preço das commodities”. No caso do Chile, esses temores não existiram e, por isso, a concordância e a coordenação do ministro Velasco com

4%

é a expansão da economia peruana prevista pelo FMI para 2010

54 AméricaEconomia Janeiro, 2010

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o Banco Central foram adequadas e oportunas. Na opinião do economista Miguel Vargas, da Universidade Diego Portales, em Santiago, a liderança do ministro chileno permitiu que “durante 2009 fossem tomadas medidas contracíclicas corretas e a tempo, como o subsídio ao emprego, que permitiu injetar dinamismo na economia”, diz. Segundo Vargas, isso foi possível porque, “embora os preços do cobre estivessem altos, ele resistiu a uma pressão enorme sobre os gastos por parte de sua própria coalizão”. Conforme aponta Vargas, a liderança de Velasco se mostra sólida e deverá permanecer assim, mesmo estando prestes a concluir sua gestão, pois conseguiu a entrada do Chile na Organização para a Copoperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e foi capaz de impor sua vontade na Lei Orçamentária de 2010, freando as pressões inflacionárias em um complexo ano de eleições.

OS 10 MELHORES 7,4

Guido Mantega Ministro da Fazenda, Brasil

Dados Macroeconômicos

2009

Variação de PIB 2009

-0,7%

Inflação

2008 5,1%

4,8%

5,7%

Dívida Pública/PIB

43,1%

37,0%

Superávit Fiscal/PIB

-3,9%

-0,8%

Melhor Avaliação: Sustentabilidade do Crescimento Pior Avaliação: Reformas para incentivar a competitividade

7,3

Andrés Velasco Ministro da Fazenda, Chile

Dados Macroeconômicos

2009

Variação de PIB 2009

-1,7%

2008 3,2%

EM MEIO AO MAREMOTO

Inflação

2,0%

8,7%

Para Agustín Carstens (7°), que atua como ministro da Fazenda de Felipe Calderón desde que este assumiu a Presidência do México, 2009 foi seu ano mais difícil. Apesar de ter conseguido algumas conquistas, como a aprovação da reforma do setor de petróleo, o economista esteve no comando de um barco que foi assolado pela alta dependência dos Estados Unidos, pela gripe A(H1N1) e pelos efeitos da guerra contra os cartéis do narcotráfico. Essa tormenta levou a economia do México a retroceder 7,3% no primeiro semestre do ano passado. Foi, de longe, a queda mais forte entre os países da América Latina, e incluiu um rebaixamento na classificação da dívida soberana do México, o primeiro país da região a conquistar o grau de investimento, devido a seu crescente déficit fiscal. O lado positivo dessa tormenta é que as bases financeiras do país resistiram, e uma crise bancária como a de meados dos anos 1990 esteve longe de acontecer. É uma boa notícia, que faz com que muitos acreditem que o México esteja bem preparado para se recuperar em 2010. Mesmo sabendo que o Ministério estará em outras mãos, pois Carstens acaba de assumir como governador do Banco do México, o maior cargo da entidade emissora do país. Ele será substituído por Ernesto Cordero, mestre em Economia pela Universidade da Pensilvânia, que era titular da Secretaria de Desenvolvimento Social. Os desafios de Cordero são muitos. A crise deixou em evidência os escassos esforços feitos pelo país para se diversificar, tanto no que se refere ao que se produz quanto pelos mercados de saída de seus atuais produtos de exportação. “É uma questão de sobrevivência, nisso é preciso ser mais agressivo para ser mais competitivo”, ressalta Delgado, da RGE Monitor. Além disso, segundo Alfredo Coutiño, outro erro macroeconômico foi o de não ter economizado o suficiente enquanto o preço das commodities estavam altos, ao contrário do que fez o Chile. “Enquanto os chilenos reservaram US$ 20 bilhões na bonança do cobre, os mexicanos economizaram apenas US$ 10 bilhões com

Dívida Pública/PIB

2,0%

1,7%

Superávit Fiscal/PIB

-2,6%

5,2%

Melhor Avaliação: Controle da Inflação Pior Avaliação: Política Monetária

7,2

Luis Carranza Ministro da Economia e Finanças, Peru

Dados Macroeconômicos

2009

2008

Variação de PIB 2009

1,5%

Inflação

3,2%

9,8% 5,8%

Dívida Pública/PIB

26,0%

23,3%

Superávit Fiscal/PIB

-1,2%

2,0%

Melhor Avaliação: Administração da Dívida Externa Pior Avaliação: Reformas para incentivar a competitividade

6,2

Álvaro García Ministro da Economia e Finanças, Uruguai

Dados Macroeconômicos

2009

2008

Variação de PIB 2009

0,6%

Inflação

7,5%

8,9% 7,9%

Dívida Pública/PIB

59,0%

28,0%

Superávit Fiscal/PIB

-2,6%

1,5%

Melhor Avaliação: Estabilidade Macroeconômica Pior Avaliação: Política Monetária

6,2

Óscar Zuluaga Ministro da Fazenda e Crédito Público, Colômbia

Dados Macroeconômicos

2009

Variação de PIB 2009

-0,3%

Inflação

2008 2,5%

4,6%

7,0%

Dívida Pública/PIB

22,2%

38,4%

Superávit Fiscal/PIB

-2,3%

-0,1%

Melhor Avaliação: Estabilidade Macroeconômica Pior Avaliação: Sustentabilidade do Crescimento

Janeiro, 2010 AméricaEconomia 55

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ESPECIAL MINISTROS DE FINANÇAS 5,9

Vicente Bengoa Ministro da Fazenda, República Dominicana

Dados Macroeconômicos

2009

2008

Variação de PIB 2009

0,5%

5,3%

Inflação

0,9%

10,6%

Dívida Pública/PIB

25,5%

24,3%

Superávit Fiscal/PIB

-4,0%

-3,6%

Melhor Avaliação: Gasto Fiscal Pior Avaliação: Política Monetária

5,7

Agustín Carstens Ministro da Fazenda e Crédito Público, México

Dados Macroeconômicos

2009

Variação de PIB 2009

-7,3%

Inflação

2008 1,3%

5,4%

5,1%

Dívida Pública/PIB

31,6%

21,4%

Superávit Fiscal/PIB

-1,8%

-0,1%

Melhor Avaliação: Sustentabilidade do Crescimento Pior Avaliação: Dívida Externa

5,6

Jenny Phillips Ministra da Fazenda, Costa Rica

Dados Macroeconômicos

2009

Variação de PIB 2009

-1,5%

2,6%

8,4%

13,4%

Dívida Pública/PIB

39,8%

25,0%

Superávit Fiscal/PIB

-2,1%

0,2%

Inflação

2008

Melhor Avaliação: Política Monetária Pior Avaliação: Sustentabilidade do Crescimento

4,4

COLÔMBIA, ENTRE VENEZUELA E EQUADOR

Luis Arce Ministro da Economia e Finanças Públicas, Bolívia

Dados Macroeconômicos

2009

2008

Variação de PIB 2009

2,8%

6,1%

Inflação

0,6%

14,0%

Dívida Pública/PIB

52,7%

38,0%

Superávit Fiscal/PIB

0,6%

3,2%

Melhor Avaliação: Política Monetária Pior Avaliação: Dívida Externa

4,3

María Elsa Viteri Ministra de Finanças e Economia, Equador

Dados Macroeconômicos

2009

Variação de PIB 2009

-1,0%

Inflação

o petróleo, e agora se vê a diferença; uma economia muito menor que a mexicana foi capaz de injetar em si mesma US$ 4 bilhões sem afetar excessivamente seu Tesouro, enquanto o México hoje tem um pronunciado déficit fiscal, resultado da mesma política contracíclica.” As economias centro-americanas também estiveram entre as mais afetadas, o que incidiu na fraca avaliação de seus ministros. A indústria têxtil se viu impactada devido a sua dependência dos Estados Unidos, e o setor turístico foi prejudicado pela gripe A(H1N1). Isso sem contar a queda nas exportações, principal fonte de divisas de muitos países da região. Ao contrário das economias da América do Sul, os países do istmo não são ricos em matérias-primas das quais podem lançar mão para melhorar seus balanços comerciais e em conta corrente e, por isso, a maioria está em posição pior que há alguns anos. Talvez a exceção seja a Costa Rica, que conseguiu diversificar sua matriz produtiva e seus mercados e ostenta indicadores aceitáveis: crescimento de -1,5% e inflação de 3,16% no primeiro semestre, sem um déficit fiscal muito pronunciado (2,1% do PIB). Ainda assim, a avaliação de Jenny Phillips (8º) – em especial por parte dos economistas costa-riquenhos consultados por AméricaEconomía Intelligence – não é das melhores. Segundo Coutiño, “provavelmente uma crise de expectativas produzida pelo governo costa-riquenho”, que pensou que a crise não afetaria tanto o país. O Panamá, que vinha se destacando por sua gestão econômica, não foi incluído na avaliação deste ano em função da mudança de governo e de ministro das Finanças, em julho de 2009.

2008 6,5%

5,0%

8,4%

Dívida Pública/PIB

28,8%

26,1%

Superávit Fiscal/PIB

-1,4%

-0,2%

Melhor Avaliação: Dívida Externa Pior Avaliação: Política Monetária Fontes FMI, Bancos Centrais, ministérios de Finanças e AméricaEconomía Intelligence Os dados da dívida pública/PIB e do superávit fiscal/PIB correspondem ao primeiro semestre de 2009 Ver ranking completo em www.americaeconomia.com.br

Outro ministro bem avaliado foi o colombiano Óscar Zuluaga. A Colômbia é um dos países que adotaram medidas contracíclicas adequadas e de forma oportuna, conquistando indicadores macro relativamente aceitáveis, como crescimento de -0,3% e inflação de 4,6% na primeira metade do ano passado. Contudo, a julgar pela avaliação realizada pelo painel de economistas de seu ministro de Finanças, Oscar Zuluaga (5º), as coisas não vão tão bem. Em parte, isso se explica por um desequilíbrio fiscal relevante (22,9% de dívida pública como porcentagem do PIB), intensificado por gastos que não trazem retornos econômicos, como o militar e o previdenciário – um dos esteios da política do presidente Álvaro Uribe –, e pela lentidão do governo em abrir novos mercados de exportação. O problema está também na contração do intercâmbio comercial com os países vizinhos, Venezuela e Equador, mercados relevantes para a indústria manufatureira colombiana, que foram lentamente recuando tanto por razões políticas quanto pela queda em suas economias. O que ocorre na Venezuela é um desastre que não se reflete apenas nos números (crescimento de -2,0%, inflação de 20,7% e um déficit fiscal difícil de calcular), como também na

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análise das expectativas de sua economia. Segundo Coutiño, a retirada de investimentos da Venezuela avança a passos tão agigantados como o ritmo dos gastos, “o que resulta em uma situação mais ou menos crônica de recessão que se prolongará em 2010”, sem que se veja disposição, no médio prazo, para efetuar a redução de gastos exigida pelas circunstâncias. Consequentemente, o ministro das Finanças venezuelano, Alí Rodriguez, ficou com o último lugar da tabela (15º). O Equador é um caso um tanto distinto. Para Coutiño, o presidente Rafael Correa sustenta uma política macroeconômica baseada em dois eixos aparentemente contraditórios. Embora sua retórica seja um tanto chavista, o que causa uma infinidade de ameaças de expropriação e de não pagamento da dívida externa, as decisões econômicas práticas acabam sendo razoáveis, em prol de buscar investimentos, o que fez, entre outras coisas, com que a crise não tenha pesado de forma tão grave (crescimento de -1%, inflação de 5% e gastos elevados, porém controlados). Nesse sentido, o discurso é para assentar a autoridade presidencial, mas a agenda corre sem levar isso em conta. Uma estratégia que, sem dúvida, prejudica os investimentos e, de quebra, a avaliação da ministra das Finanças equatoriana, María Elsa Viteri (10º).

BOLÍVIA, A ALUNA APLICADA Contrariando todas as previsões, a Bolívia foi um dos países que teve melhor desempenho na gestão da crise. O surpreendente crescimento de 2,8% e a baixíssima inflação de 0,22% são resultado de políticas econômicas moderadas. E, ao contrário de suas colegas da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), que se meteram a realizar diferentes experimentos nos mercados cambiais, fi nanceiros e industriais, o ministro boliviano Luis Arce tomou um caminho diferente: aproveitou o auge dos preços internacionais de seus minerais de exportação, economizando o suficiente para aplicar medidas contracíclicas bastante agressivas, que beneficiaram setores econômicos expressivos em emprego e acabaram sustentando o consumo. Na opinião de Coutiño, o governo boliviano acabou se convencendo a não adotar as políticas da Venezuela e, depois de realizar, nos primeiros anos de mandato, algumas grandes privatizações, evitou a tentação de seguir nesse caminho. A gestão de Arce, contudo, ainda gera desconfiança entre os economistas consultados, que lhe deu a nona posição, pois teme-se que, em algum momento, o país mude de foco, como anunciado recentemente no setor elétrico. No último lugar do ranking está a Venezuela e seu ministro de Finanças, Alí Rodríguez. Embora aqueles que o conheçam de perto destaquem os conhecimentos técnicos do líder da gestão financeira do governo revolucionário de Hugo Chávez, sua política de privatizações, suas arbitrárias intervenções na economia, a pouca sustentabilidade do sistema cambial e a desconfiança em torno do sistema bancário não permitem fazer projeções positivas sobre a gestão financeira do país. A fortaleza da Pdvsa, a estatal petroleira, e sua persistente capacidade de geração de divisas permitem ao estado venezuelano confiar em sua capacidade de pagamento, apesar do aumento de seus passivos, da alta inflação e da debilidade do setor privado. Grande parte dos capitães das fi nanças públicas e principais responsáveis pela política econômica dos países continuará em seus cargos durante 2010 – exceto pelos países que terão um ano de eleições, como Chile, Bolívia, Honduras, El Salvador, Panamá, Equador e Uruguai. Até o momento, eles se destacaram por sua capacidade de manobra, aprendidas pela experiência em muitas tormentas anteriores. A verdadeira prova para eses capitães, no entanto, ainda pode estar por vir. Em 2010, se a recuperação econômica não for suficientemente rápida ou se os desequilíbrios enfrentados pelas economias desenvolvidas se acentuarem, poderemos entrar em uma segunda crise. A calma atual pode ser simplesmente o olho do furacão. Portanto, é preciso estar muito atentos ao horizonte.

2,8%

é o crescimento do PIB da Bolívia no primeiro semestre de 2009

Foto FERNANDO CARRASCO

AGUSTÍN CARSTENS, DO MÉXICO: ANO DIFÍCIL

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ESPECIAL MINISTROS

“NÃO HÁ RISCO DE BOLHA” Q

uando chegou ao Ministério da Fazenda para substituir Antonio Palocci, em 2006, Guido Mantega teve sua atuação vaticinada por analistas como sinônimo de continuísmo. Com virtudes e defeitos, essa fidelidade à política econômica traçada pelo governo Lula garantiu ao país sobreviver à crise sem maiores tropeços e vislumbrar um horizonte de forte crescimento. Excesso de euforia? Não, garantiu o ministro, em entrevista a AméricaEconomia.

AméricaEconomia O Brasil foi bemsucedido nas políticas contracíclicas para reduzir os efeitos da crise mundial. Quais elementos o senhor considera os mais importantes? Guido Mantega Os fundamentos sólidos da economia brasileira foram o principal fator que permitiu ao Brasil adotar medidas anticíclicas e reduzir os impactos da crise fi nanceira mundial. Outro ponto que merece destaque é que fizemos política contracíclica com responsabilidade fiscal. Apesar das medidas de estímulo ao consumo, com uma rápida recomposição do crédito, a inflação se manteve sob controle e pode encerrar 2009 abaixo do centro da meta (4,5%). Além disso, os juros se mantiveram num patamar satisfatório, o que

GUIDO MANTEGA: DÍVIDA BRASILEIRA CRESCEU MENOS

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também é positivo para a economia. O terceiro ponto importante nesse processo foi a redução da vulnerabilidade externa. No passado, qualquer turbulência afetava a economia brasileira, e o crescimento era abortado. Hoje, essa baixa vulnerabilidade externa dá condições ao país para prosseguir no ciclo econômico de crescimento sustentável, sem promover desequilíbrios.

AE A política de promoção de investimentos adotada em 2009 implica o aumento do nível de endividamento do Estado. Como conduzir esse processo para que ele não se torne um problema futuro? Mantega Seria bom esclarecer que,

Foto FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR

ao contrário de outros países, o Brasil passou pela crise com a dívida crescendo menos, cerca de 2%, frente aos aproximadamente 50% dos EUA. Além disso, nosso déficit nominal em 2009 foi um dos menores entre os países do G-20. A situação da dívida líquida do setor público está sob controle. No ano passado, ela caiu para 36% do PIB, mesmo em um ambiente de alta volatilidade. A situação da dívida permite que o Tesouro Nacional tenha uma estratégia mais cautelosa de gerenciamento, evitando se refinanciar a preços muito mais altos. A gestão da dívida reduziu significativamente o seu risco, permitindo ao Brasil passar por crises externas com resultados positivos. Além disso, mesmo com a ação anticíclica no enfrentamento da crise, terminamos 2009 com o melhor desempenho fiscal do G-20.

AE Qual é a meta para atrair investimentos? Mantega A ideia é que, a partir das medidas fiscais adotadas, com as desonerações, os investimentos no Brasil voltem a crescer entre 15% e 20% ao ano, a partir de 2010. Com isso, garantimos o aumento da oferta de produtos na economia brasileira, atendendo a demanda interna sem interferir no comportamento da taxa de juros. Reduzir custos

fi nanceiros e tributários é fundamental para viabilizar esses investimentos e o crescimento o país. Porém, isso não implica aumentar o endividamento, porque há um conjunto de projetos para dar continuidade aos investimentos, como a exploração da camada pré-sal, a Copa do Mundo de 2014, o programa Minha Casa Minha Vida, as Olimpíadas 2016 e o trem de alta velo-

AE Hoje, quando o senhor observa as economias do continente latinoamericano, como as avalia e o que mais lhe chama a atenção? Mantega No que se refere ao cenário pós-crise, eu diria que os países latino-americanos, como um todo, estão se saindo relativamente bem. A crise alcançou a região em um momento em que se solidifica um novo para-

A ideia é que, a partir das medidas fiscais, os investimentos no Brasil voltem a crescer entre 15% e 20%

cidade. Isso nos dá um horizonte muito vasto para a economia e uma perspectiva de aumento da arrecadação.

AE Alguns analistas compartilham a opinião do economista Paul Krugman de que uma forte alta da bolsa de valores e o aumento do fluxo de capital externo não têm bases sustentáveis no longo prazo e significam o prenúncio de uma bolha. Qual é sua opinião sobre esses comentários? Mantega Essa teoria não se confirma no Brasil. O governo conseguiu evitar uma bolha no mercado acionário, bem como a sobrevalorização da taxa de câmbio. Em outubro, quando o governo resolveu taxar a entrada do capital estrangeiro em 2%, com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a taxa de câmbio estava em R$ 1,70, com a perspectiva de uma queda para R$ 1,60 ou R$ 1,50, o que seria muito ruim para a economia brasileira. Nós conseguimos estancar esse processo e pudemos dar estabilidade à moeda. A volatilidade diminuiu, bem como o ingresso de capital externo. Então, não há risco de bolha. Se for necessário, tomaremos mais medidas para manter a estabilidade.

digma de equilíbrio macroeconômico com desenvolvimento social. Os países latino-americanos e caribenhos, de forma geral, estão realizando importantes esforços para reduzir a pobreza e a exclusão social, mas sempre observando os limites de seus orçamentos para evitar um aumento desnecessário da dívida pública.

AE Em sua opinião, qual será o principal desafio econômico do Brasil daqui a cinco anos? Mantega Os principais desafios nos próximos cinco anos serão dar prosseguimento aos investimentos em infraestrutura e manter o crescimento com distribuição de renda. Isso inclui melhorar a infraestrutura das cidadessede para a Copa e, simultaneamente, proporcionar as condições para a realização das Olimpíadas, além de garantir os investimentos do pré-sal e ampliar os programas sociais, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Para assegurar o equilíbrio econômico, acredito que o cumprimento das metas fiscais, incluindo as de inflação e de superávit primário, também deve permanecer na pauta do governo nos próximos cinco anos.

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VISÕES

FAÇA O QUE EU DIGO, NÃO O QUE EU FIZ Economista de Cambridge mostra que os países desenvolvidos chegaram a essa condição seguindo um conjunto de políticas opostas àquelas que hoje promovem

MAUS SAMARITANOS Ha-Joon Chang Editora Campus Ano: 2009 R$ 69

RODRIGO LARA SERRANO, DE BUENOS AIRES

S

uponhamos que um país africano anuncie que desenvolverá uma indústria manufatureira de classe mundial e que, para isso, estabelecerá uma tarifa média de cerca de 40% para as importações dos produtos que fabrica, para os próximos 130 anos. O que aconteceria? É impossível garantir, mas sabemos o que aconteceu em um país que o fez entre 1812 e 1945. Ele se chama Estados Unidos, e o resultado foi muito bom. Suponhamos ainda que economistas do Sri Lanka passassem a defender o abandono da ênfase no turismo e nos serviços para transformar a ilha em uma economia centrada em bens industriais. O que pensaríamos? Decerto não seríamos otimistas, mas foi exatamente isso o que trouxe prosperidade à Suíça e a Taiwan. Não se trata de exemplos enganosos. Em Maus Samaritanos – O Mito do Livre-comércio e a História Secreta do Capitalismo, o economista Ha-Joon Chang, de Cambridge, mostra que todas as nações que hoje classificamos como desenvolvidas utilizaram barreiras tarifárias, promoção industrial, regulamentação de investimentos, negação da exclusividade de algumas patentes, fortes subsídios não reembolsáveis de pesquisa e desenvolvimento, entre outras ferramentas hoje desprezadas, para chegar à condição em que se encontram atualmente. O ponto não é que elas se desenvolveram apesar disso, mas sim graças a isso. Construíram, dessa maneira, seus setores manufatureiros de vanguarda, agregaram valor a suas exportações, insuflaram riqueza em seus sistemas fi nanceiros e criaram uma população educada, organizada e integrada. O mesmo que China, Malásia e Indonésia hoje tentam fazer. O triste é que, ao alcançar tal posição, esses países desenvolvidos tenham se transformado em “maus samaritanos”. Isto é, agora exigem que o planeta inteiro não mantenha barreiras de nenhum tipo. A ideia de um terreno de jogo igualitário é muito bonita, afirma Chang, mas a realidade mostra jogadores com diferenças abismais de capital físico, acesso à tecnologia, experiência organizacional e capital humano. Comparar a potência relativa dos EUA e de Honduras é como fazer a seleção brasileira jogar contra um time de meninos de 11 anos de idade. Um livro para polemizar, que honra uma famosa afi rmação de John Maynard Keynes: “Quando a realidade muda, mudo de opinião. E você, o que faz?”

O QUE LEEM Geldartes Wilson Júnior Diretor-executivo Tallent Consultoria Uma das características mais buscadas em executivos e profissionais, hoje, é a capacidade de trabalhar em equipe. Em VENCENDO COM AS PESSOAS, John C. Maxwell apresenta, de forma clara e objetiva, como melhorar nossas habilidades nos relacionamentos interpessoais.

Otavio Cardoso F. Pontes Vice-presidente Stora Enso Latin America Minha sugestão é o segundo volume de MEMÓRIAS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, dedicado a Winston Churchill. É uma boa leitura para entendermos melhor as alianças que existem no mundo e suas origens. Bom livro de estratégia e diplomacia.

Eduardo Borba Diretor de Pesq. e Desenv. Sonda Procwork Em A CABEÇA DE STEVE JOBS, o autor Leander Kahney descreve a grandiosidade de Jobs. Sua forma geralmente áspera e direta de comunicação pode ser radical, mas demonstra que foco e dedicação extrema são elementos fundamentais na conquista do sucesso.

60 AméricaEconomia Janeiro, 2010

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RAIO X

DIFÍCIL ESCALADA O Chile terá de encontrar uma solução menos dogmática para o desafio de melhorar a produtividade RODRIGO LARA SERRANO, DE BUENOS AIRES

N

o dia 17 de janeiro, o Chile confirmará se, pela primeira vez depois da redemocratização, colocará a coalizão de centrodireita no poder. No primeiro turno, em dezembro, o empresário Sebastián Piñera ganhou a dianteira na corrida presidencial, seguido pelo candidato da situação, Eduardo Frei. Independentemente de quem ganhe, porém, o país terá uma árdua tarefa pela frente: identificar e combater os fatores de seu estancamento relativo, que o tem desviado do caminho do desenvolvimento. O principal argumento dado por economistas e políticos para justificar tal situação é o de que a Produtividade Total dos Fatores (PTF, que estuda a relação entre a quantidade de produtos fabricados e de insumos utilizados) não apenas estancou, como começou a decrescer. Para Alejandro Fernández, da Gemines Consultores, “esse é um problema relacionado a políticas que não foram priorizadas”. Entre elas, Fernández destaca a falta de eficácia no funcionamento do Estado, a maior rigidez do sistema trabalhista, a falta de políticas pró-crescimento e a má qualidade da educação. Já o economista Ricardo Ffrench-Davis aponta outros fatores, como o lucro decrescente na atividade da mineração, a mais importante do país. “Temos de investir alguns bilhões a mais para manter os níveis de produção”, diz. Além disso, segundo Davis, existe uma causa positiva que reduz a produtivi-

dade: o custo ambiental mais alto para muitas empresas desse setor. É preciso gastar para não poluir. Isso significa cuidar de bens públicos, como a água e o ar, assumindo os custos que, antes, eram fatores externos negativos. Outra explicação são os problemas resultantes do vaivém cambial, já que o peso chileno tem registrado oscilações bruscas desde 2000. Fernández reconhece essa volatilidade e defende que “a solução não é mexer no câmbio, mas investir em políticas pró-competitividade e na geração de mercados mais fortes e, eventualmente, dolarizar os custos”. Hoje, há quem defenda que o Chile poderá alçar-se a país desenvolvido até 2020. No entanto, isso parece impossível. “Para isso, seriam necessários 20 anos registrando um desempenho como o chinês, de crescimento de 20% ao ano”, diz Davis. Mesmo sendo um objetivo praticamente inalcançável, vale a pena se esforçar. “Se crescermos 6% ao ano, em 11 anos, dobraremos o PIB. E isso já significará uma grande diferença”, diz Davis. “Continuidade é chave e, para isso, a macroeconomia é vital.” Já na opinião do economista da Gemines, trata-se de um fator sociocultural. “Como sociedade, estamos dispostos a fazer esse sacrifício? Eu não acredito nisso”, afirma.

QUADRO MACROECONÔMICO DO CHILE População (milhões) PIB (var. %) PIB (milhões US$) PIB per capita (US$) Inflação (%)

Ilustração SAMUEL CASAL

Desemprego (%) Inv. Estrang. Direto (IED) IED per capita (US$) Exportações (milhões US$) Importações (milhões US$) Saldo Comercial */p=projetado por AméricaEconomía Intelligence (AEI)

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

15,40 4,49

15,58 3,38

15,76 2,18

15,93 3,92

16,10 6,04

16,27 5,56

16,44 4,34

16,60 5,10

16,77 3,80

16,93 -1,60

75.495,00 78.044,00 79.749,00 82.873,00 87.879,00 92.765,00 96.793,00 101.725,00 132.146,00 96.597,00 4.903,00 5.009,00 5.061,00 5.203,00 5.459,00 5.703,00 5.889,00 6.127,00 7.880,00 5.706,00 3,84 3,57 2,49 2,81 1,05 3,06 3,39 4,41 8,72 -0,60 9,71 9,87 9,81 9,54 10,02 9,31 7,95 7,10 7,70 9,80 873,00 2.590,00 2.207,00 2.701,00 5.610,00 4.801,00 4.482,00 10.627,00 − − 57,00 166,00 140,00 170,00 348,00 295,00 273,00 640,00 − − 23.785,00 22.864,00 22.925,00 27.023,00 38.997,00 48.841,00 66.971,00 77.154,00 66.456,00 51.400,00* 22.384,00 21.823,00 21.312,00 23.981,00 30.220,00 38.778,00 45.062,00 54.595,00 61.903,00 44.100,00* 1.401,00 1.041,00 1.613,00 3.042,00 8.777,00 10.062,00 21.909,00 22.559,00 8.778,00 9.899,40 Fontes: AEI, FMI, Banco Central de Chile e CIE.

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DEBATES TEMAS DE 2010

FIQUE ATENTO Este ano será generoso em eventos relevantes na América Latina. Veja quais os temas de maior destaque, segundo 70 formadores de opinião FELIPE ALDUNATE M. E ALEXANDRA RAVINET

dia 3 de outubro não será importante apenas para os brasileiros. A eleição presidencial que definirá o sucessor de Lula está no radar de economistas, executivos e formadores de opinião de toda a América Latina. Isso é o que indica uma pesquisa feita por AméricaEconomia com 70 formadores de opinião do continente americano, que responderam sobre suas expectativas quanto a eventos políticos, tendências globais e as principais fontes de risco ou de instabilidade para a região. Além das perspectivas política e econômica do Brasil, também se destacaram outras eleições, como a presidencial colombiana e a legislativa na Venezuela. Os resultados desses processos eleitorais poderão gerar um novo mapa político na América Latina e alterar a forma de os países se relacionarem, seja no âmbito político ou comercial. A comunidade latino-americana também estará concentrando especial atenção na recuperação econômica ao longo de 2010, já que, apesar do otimismo, a instabilidade financeira e os desequilíbrios macroeconômicos nos países desenvolvidos ainda são considerados fatores de risco. O recente papel da China na América Latina e suas decisões econômicas também estão entre os temas de destaque. Para melhor compreender esse estudo, vale destacar que as porcentagens entre parênteses indicam a proporção de entrevistados que citaram determinada alternativa ou uma resposta aproximada. Como as respostas são múltiplas, os percentuais somam mais que 100.

Eventos políticos da região que merecem destaque OS 10 MAIS CITADOS: 1 Processo eleitoral no Brasil (64%) 2 Eleições na Colômbia, com possível reeleição de Uribe (47%)

Foto ANTÔNIO CRUZ/ABR

O

3 Evolução da crise institucional em Honduras e seu efeito na polarização política regional (44%) 4 Evolução do conflito entre Colômbia e Venezuela (40%) 5 Tensão política na Argentina e surgimento de líder da oposição para encabeçar as eleições de 2011 (37%) 6 Evolução da guerra contra os cartéis de droga no México e dos indicadores de violência no país (27%) 7 Novo turno presidencial no Chile e seu efeito na política dos países vizinhos (27%) 8 Eleições legislativas na Venezuela e possível enfraquecimento de Hugo Chávez (23%) 9 Eleição do secretário geral da OEA (16%) 10 Saúde de Fidel Castro e possível impacto de sua morte em Cuba e no Caribe (14%)

62 AméricaEconomia Janeiro, 2010

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Foto SXC

Tendências globais para acompanhar de perto AS 10 MAIS CITADAS:

2 Negociações sobre mudança climática, visando a Cúpula do México, em dezembro de 2010; e a análise dos efeitos da mudança climática na América Latina (33%)

Foto ROOSEWELT PINHEIRO/ABR

1 Recuperação do sistema financeiro internacional e novas regulamentações (47%)

3 Políticas econômicas dos países desenvolvidos voltadas a restabelecer seu equilíbrio interno e não ameaçar a recuperação econômica global (26%) 4 Crescimento da China e o aumento de sua influência naa América Latina e na economia global (23%) 5 Mercado de matérias-primas, especialmente petróleo, cobre e alimentos (21%) 6 Velocidade da recuperação da economia norte-americana (21%) 7 Resultados da política exterior de Obama, especialmente no Oriente Médio, incluindo a questão do Irã e suas ambições nucleares (19%) 8 Progresso na rodada de Doha e evolução do protecionismo comercial (17%) 9 Debilidades da economia chinesa, especialmente sua incapacidade de gerar uma economia de consumo que compense a queda deste nos EUA e em outros países desenvolvidos (14%) 10 Evolução do crime organizado internacional e suas relações com a América Latina (13%) Janeiro, 2010 AméricaEconomia 63

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DEBATES TEMAS DE 2010 Líderes que darão o que falar Foto JOSÉ CRUZ/ABR

OS 10 MAIS CITADOS: 1 Lula em seu último ano de governo (76%) 2 Álvaro Uribe (foto), que tentará a reeleição (53%) 3 Hugo Chávez e sua campanha para evitar uma derrota na eleição da Assembleia Nacional, em setembro de 2010 (50%) 4 Sebastián Piñera (se eleito presidente do Chile) (33%) 5 Obama e sua campanha para aumentar seu apoio nas eleições legislativas no final de 2010 (23%) 6 O presidente mexicano Felipe Calderón (14%) 7 Arturo Valenzuela, responsável pelos assuntos hemisféricos dos EUA (14%) 8 José Serra, possível candidato da oposição à presidência do Brasil (10%) 9 Cristina Kirchner, presidente da Argentina (7%) 10 José Mujica, ex-guerrilheiro, eleito presidente do Uruguai em novembro (3%)

Fontes de risco ou instabilidade na América Latina AS 10 MAIS CITADAS: 1 Lenta recuperação econômica ou a chegada de uma segunda crise (59%) 2 Problemas resultantes dos déficits sociais acentuados com a crise (44%)

6 Maior polarização política na região como resultado da crise de Honduras e outros eventos de tensão política em países vizinhos (23%)

3 A violência no México e em outros países nos quais o narcotráfico evoluiu

7 Possível derrota de Chávez nas eleições legislativas venezuelanas, que gere mais repressão (17%)

4 A crescente possibilidade de conflitos armados bilaterais, especialmente entre Colômbia e Venezuela (40%)

8 Reversão nos fluxos internacionais de capital (11%)

(41%)

5 Eventos que ferem a institucionalidade democrática da região (30%)

9 Tendência ao armamentismo (7%) 10 A saúde de Fidel Castro e sua possível morte (5%)

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As boas notícias de 2010 para a América Latina AS 7 MAIS CITADAS: 1 Fim da recessão e início de uma etapa de crescimento sustentável (37%) 2 Alternância de governos com estabilidade (24%) 3 Eleição legislativa desfavorável a Chávez (foto) que fortaleça a oposição (19%)

Foto VALTER CAMPANATO/ABR

4 Qualificação de investment grade para Colômbia e Panamá (10%) 5 Vitória na Copa do Mundo de algum país latino-americano (9%) 6 Crescimento sustentado da economia chinesa (6%) 7 Retomada do comércio global (6%)

Fotos DIVULGAÇÃO

VEJA A OPINIÃO DE ALGUNS PARTICIPANTES DA PESQUISA EMILIO LOZOYA, DIRETOR PARA AMÉRICA LATINA DO WORLD ECONOMIC FORUM

MICHAEL SHIFTER, VICE-PRESIDENTE E DIRETOR DO PROGRAMA ANDINO DO INTERAMERICAN DIALOGUE, EM WASHINGTON

ERIC FARNSWORTH, VICE-PRESIDENTE DO CONSELHO PARA AS AMÉRICAS (COA), EM WASHINGTON

QUAIS TENDÊNCIAS GLOBAIS DEVEM SER OBSERVADAS COM MAIS ATENÇÃO?

QUAIS TENDÊNCIAS GLOBAIS DEVEM SER OBSERVADAS COM MAIS ATENÇÃO?

QUAIS SERÃO AS PRINCIPAIS FONTES DE RISCO NA AMÉRICA LATINA?

A capacidade das economias do G8 para equilibrar suas políticas fiscais e monetárias expansivas. Se houver uma recuperação no crescimento e na demanda, os déficits fiscais projetados podem gerar inflação e volatilidade nas principais moedas. Além disso, manter políticas monetárias flexíveis pode provocar bolhas nos preços de certos ativos na região (um carry emprestando em euro ou dólar e investindo em países da região que prometam rendimentos mais altos). É preciso estar atento também à incapacidade da China de impulsionar o aumento do consumo.

Eu diria cinco: mudanças climáticas, expansão e acesso à informação por meio da internet, energia nuclear, crime organizado, e a ascendência da Ásia, especialmente da China.

Uma dupla queda na recessão mundial, a continuação da insegurança pessoal em muitas das grandes cidades, a violência política na região andina, respaldada tanto pelo Estado quanto pelos atores não estatais, a morte de Fidel Castro e a possibilidade de uma mudança política em Cuba, que poderia estimular um êxodo e/ou a possibilidade da violência no país e a instabilidade da região do Caribe.

MARK P. JONES, PROFESSOR E DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS POLÍTICAS, DA RICE UNIVERSITY, EM HOUSTON QUAL SERÁ A PIOR NOTÍCIA DO ANO? Nenhum progresso ou movimento de um projeto de lei de reforma migratória progressista nos EUA. O projeto ficará estancado até depois das eleições legislativas de 2010.

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Foto AGÊNCIA LUZ /DIVULGAÇÃO BM&FBOVESPA

FINANÇAS BOLSA DE VALORES

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ELA QUER MAIS BM&FBovespa busca atrair 5 milhões de investidores pessoas físicas em cinco anos ANA BORGES, DE SÃO PAULO

A

ANTIGO PREGÃO DE VIVA-VOZ: MÉDIA DE 370 VISITANTES DIÁRIOS PARA CONHECER A BOLSA

vida de investidor do metalúrgico Márcio Brito começou em 2001. “Eu queria guardar dinheiro para comprar um apartamento e comecei a aplicar em renda fi xa”, conta. Com uma taxa de juros básica que, em dezembro daquele ano, foi de 20%, ele gostou do resultado. Entretanto, a estabilidade econômica trouxe a queda dos juros, e Brito foi em busca de novas alternativas. Em 2006, decidiu entrar na Bolsa de Valores. “Eu coloco pouco, um dinheiro que não vai fazer falta, pois meu salário não é alto”, diz, indicando que hoje destina 10% dos seus ganhos ao seu plano de previdência privada e a ações. Brito já pôde sentir na pele o risco do mercado. Em 2008, além de ter parte de suas reservas corroídas pela forte queda da bolsa, também sofreu com o desemprego. Mesmo assim, não abandonou seu investimento. “Aplico no longo prazo e não seria louco de vender ações na queda”, diz. “Minha meta é fazer o dinheiro dar cria, pois fiquei desacreditado com o lado profissional, depois da demissão. Incentivo todos os meus amigos a procurar o mercado.” Investidores individuais como Brito já somam meio milhão na BM&FBovespa. E sua presença fiel é considerada tão importante que a bolsa de São Paulo, este ano, estabeleceu a meta de multiplicá-los até chegar a 5 milhões, nos próximos cinco anos. Missão impossível? À primeira vista, parece ousada, mas o fato é que o número de investidores como esses ainda é muito modesto para o Brasil, dado seu baixo nível de poupança interna e o peso de sua economia. E a atual conjuntura econômica parece ser o melhor fermento para fazer esse grupo crescer. A queda da taxa básica de juros (Selic), que se encontra em níveis históricos, leva os investidores a buscar a diversificação e aumentar o risco, para obter maior retorno. Além disso, a conjuntura atual é de maior estabilidade e aumento do número de companhias que Janeiro, 2010 AméricaEconomia 69

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FINANÇAS BOLSA DE VALORES FATIA DOS INVESTIDORES (Participação de cada grupo em %) Outros

Pessoa física Instituições financeiras 10,8

0,3

26,1

1,4

FIÉIS DA BALANÇA

JAN 2005 32,7 28,4

Investidor externo

Institucionais

Outros

Pessoa física

Instituições financeiras

Empresas

6,3

33,5

0,1

2,2

JAN 2009 34,1 Investidor externo

23,8 Institucionais

Fonte BM&F Bovespa

buscam o mercado como forma de se financiar. A equação é simples: aumenta o número de opções para investimento, aumenta o número de investidores propensos a aplicar. Em 2009, quem apostou na renda fi xa viu seu dinheiro render bem menos que o dos investidores em renda variável. O Ibovespa, que mede o desempenho das ações mais líquidas cotadas na BM&FBovespa, atingiu alta de 80,03%, até o início de dezembro. Em compensação, a renda fi xa registrou valorização acumulada de 9,95% no mesmo período. Os números impressionam, mas é preciso ter cuidado. Investidor da Bolsa há cerca de 20 anos, o professor de Economia Henrique Demiya aprendeu a navegar nesse rio caudaloso. “Com base em pesquisas pessoais, varando noites e noites analisando empresas, tive vários resultados com ganhos

A ideia de não vender ações, mas sim comprar mais quando o mercado está em baixa, já está arraigada na cultura dos milhares de investidores individuais listados na Bolsa. Os dados da BM&FBovespa sobre a última crise mostram que, diferentemente do que se via antes, esse investidor está mais maduro, ou seja, não sai correndo quando o mercado está em queda livre. De junho a novembro, o Ibovespa caiu de 65 mil pontos para 36 mil. Nesse mesmo período, a quantidade de pessoas físicas passou de 500 mil e bateu a casa de quase 550 mil investidores. “Não houve fuga. Na medida em que o valor das ações diminuía, mais pessoas físicas entravam na Bolsa”, ressalta o presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto. A mudança de comportamento vivida nos últimos anos está justamente relacionada aos programas educacionais de popularização da Bolsa e à estabilidade econômica. “É um caminho permanente e árduo. Existem sempre jovens chegando ao mercado de trabalho que podem investir”, diz a gerente dos Programas de Popularização da BM&FBovespa, Patrícia Quadros. São ações que englobam visitas monitoradas, realização de palestras, cursos gratuitos, concursos estudantis e parcerias com instituições de ensino, entre outras. A iniciativa é tão consistente que já foi apresentada como caso de sucesso pela World Federation of Exchanges (WFE) – a Federação Mundial das Bolsas de Valores. As companhias abertas e os analistas comemoram e colaboram com a iniciativa de atrair a pessoa física. O atual número de investidores, cerca de 550 mil pessoas, já responde por 30% do volume negociado na Bolsa. Há quatro anos, cerca de 200 mil investidores individuais atuavam no mercado. Para atrair o interesse da pessoa física, alguFoto FLÁVIO R. GUARNIERI

Empresas

acima de 100% por ação, nos anos de 2001 a 2003”, diz. Assim, Demiya deixou o emprego de lado e foi morar no interior, para se dedicar quase exclusivamente ao mercado de capitais. “Esses ganhos me possibilitaram viver mais tranquilamente, em função da construção de um patrimônio fi nanceiro razoável”, conta, indicando que, hoje, dar aulas, para ele, tornou-se um hobby. “Estou sempre à espera de crises que me tragam oportunidades para comprar ações. Na década de 1990, ocorria uma crise após a outra, que possibilitavam ganhos entre 100% e 300% depois”, afirma.

REGINALDO ALEXANDRE, DA APIMEC: MAIS PROTEÇÃO E REUNIÕES PÚBLICAS

70 AméricaEconomia Janeiro, 2010

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mas empresas contam com departamento específico para atender investidores individuais, como é o caso do Bradesco e da Petrobras. “Ocorreram muitos avanços no mercado no sentido de dar mais proteção ao investidor. A tendência é de consolidação desse cenário, com a continuidade do crescimento. Nesse sentido, as empresas aumentaram o número de reuniões públicas”, diz o presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais de São Paulo (Apimec-SP), Reginaldo Alexandre. Somente no estado, ocorrem cerca de 200 reuniões ao ano. A forma como esse investidor atua dá maior estabilidade e previsibilidade aos preços das ações. “A pessoa física é fundamental para as companhias abertas por dois motivos: reduz a volatilidade das ações e aumenta a liquidez”, explica o presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), Geraldo Soares. Ele lembra que as companhias que tinham grande parte de suas ações nas mãos dos estrangeiros foram mais afetadas pela crise. “Elas sofreram mais. Quando o estrangeiro precisa vender, vende a qualquer preço”, diz.

Ainda há muito espaço para que o mercado brasileiro cresça e atraia a atenção da pessoa física. Hoje, existem cerca de 400 empresas listadas no mercado. “É muito pouco. Podemos dobrar esse número em alguns anos”, diz. Quando uma nova companhia abre capital, possibilita que uma grande quantidade de pessoas passe a conhecer a bolsa como alternativa de investimento e, dessa forma, comece a aplicar. Isso ocorre porque, quando a empresa é listada na bolsa, torna o mercado conhecido para funcionários, clientes e partes relacionadas (stakeholders). “Pessoas que não entendiam passam a conhecer e comprar ações”, ressalta. Diante das iniciativas impulsionadas pelo mercado e das perspectivas de crescimento sustentável da economia brasileira, a meta dos 5 milhões começa a parecer menos ousada e mais concreta. “O crescimento da pessoa física dentro do total de investidores está vinculado à queda dos juros, ao aumento das empresas no mercado e à perspectiva de crescimento econômico. Tudo isso alavanca o mercado”, destaca Soares.

400

empresas, aproximadamente, estão na Bovespa

NÃO HOUVE FUGA À medida que o valor das ações diminuía, mais pessoas físicas entravam na Bolsa. De junho a novembro, o Ibovespa caiu de 65 mil pontos para 36 mil. Neste mesmo período, a quantidade de pessoas físicas saltou de 500 mil e bateu a casa de quase 550 mil investidores na BM&FBOVESPA. Investidores Pessoas Físicas (número de contas) Comportamento do Ibovespa (variação nominal %)

542.142

555.768

537.863 516.874

516.757

466.830

12,4 4,6 0

-6,8 -10,4

-24,7 JAN 2008

FEV

MAR

ABR

MAI

JUN

JUL

AGO

SET

OUT

NOV

DEZ

JAN

FEV

MAR

ABR

MAI

JUN

JUL

AGO

SET

OUT

2009 Fonte BM&F Bovespa

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FINANÇAS SUSTENTABILIDADE

Fotos ISTOCKPHOTO

CAPITAL VERDE

Governo brasileiro inaugura mais uma iniciativa em defesa do meio ambiente ROBERTA PREGNACA, DE SÃO PAULO

D

ezembro de 2009 marcou um novo capítulo no debate mundial sobre meio ambiente e mudanças climáticas, que evidenciou os intrincados caminhos escolhidos pelas autoridades para salvar o planeta. Um exemplo? Enquanto a ministra Dilma Rousseff e a senadora Marina Silva discutiam acaloradamente, em Copenhague, a validade de o Brasil contribuir com US$ 1 bilhão para um fundo climático internacional, no Rio de Janeiro, a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovava os primeiros projetos de um fundo dedicado à Amazônia, com verbas doadas pelo governo da Noruega.

“Não dá para dizer que temos uma política ambiental no país; temos um mosaico, conforme o jogo de pressão e de interesses”, defi ne Thomas Lewinsohn, professor titular de Ecologia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação. De qualquer forma, analistas concordam que, se é possível tirar desse mosaico figuras concretas para mitigar os efeitos do aquecimento global, podese dizer que o Brasil avança no caminho da sustentabilidade. O Fundo Amazônia foi criado em 2008 e faz parte de um grupo de ações

do BNDES para financiar programas destinados à preservação ambiental. Conta hoje com aproximadamente US$ 110 milhões, doados pelo governo da Noruega em 2009 – pouco mais de R$ 190 milhões. Para 2010 e 2011, a Noruega se comprometeu a fornecer cerca de US$ 125 milhões. Ao longo dos próximos sete anos, a promessa é de que o governo daquele país aportará ao fundo o equivalente a US$ 1 bilhão. Os recursos serão aplicados exclusivamente sob a forma de fi nanciamentos não reembolsáveis. “Nossa expectativa é a de que o volume de doações para o fundo cresça muito”, diz Guilherme Accioly, gerente do Departamento de Gestão do Fundo Amazônia, do BNDES. Accioly afirma que já existem ne-

72 AméricaEconomia Janeiro, 2010

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FUNDO AMAZÔNIA PROJETOS JÁ APROVADOS

OBJETIVO

VALOR DESTINADO

Fundação Amazonas Sustentável

Ampliação do programa Bolsa Floresta, com o objetivo de reduzir as emissões dos gases de efeito estufa causadas pelo desmatamento, além de melhorar a qualidade de vida da população.

R$ 19,2 milhões

Instituto do Homem e Meio Ambiente

Mobilizar comunidades de 11 municípios do Pará para levantar dados ambientais e rurais e acelerar a adesão dos proprietários ao Cadastro Ambiental Rural.

R$ 9,7 milhões

Instituto de Conservação Ambiental

Atuar em 12 municípios, mobilizando a população para integrar o Cadastro Ambiental Rural.

R$ 16 milhões

Instituto Ouro Verde

Projeto Semente do Portal, do Instituto Ouro Verde, irá recuperar 1,2 mil hectares de áreas degradadas e promoverá o resgate da agricultura familiar em seis municípios que compõem o Território Portal da Amazônia, em Mato Grosso

R$ 5,4 milhões

Fundo Brasileiro para a Biodiversidade

Recursos serão destinados à segunda fase do Programa Arpa, que busca combater o desmatamento a partir da criação e consolidação de Unidades de Conservação (UC).

R$ 20 milhões

gociações com outros governos visando a arrecadação de recursos, mas não cita possíveis candidatos. Em uma próxima etapa, o executivo afirma que o fundo também deverá receber a contribuição de pessoas físicas e de empresas. Os primeiros c i nco proje tos aprovados abrangem os estados de Amazonas, Pará, Mato Grosso, Roraima, Rondônia, Acre e Tocantins e a lcançam R$ 70,3 milhões em recursos do Fundo. Entre os beneficiários, estão projetos que evitam o desflorestamento – como o da Fundação Amazônia Sustentável, da qual o ex-ministro Luis Furlan é presidente do conselho – e outros que mo-

nitoram via satélite o desmatamento em regiões da Amazônia. Para Susana Ribeiro Moita, consultora em projetos para políticas públicas, a criação desse fundo é importante, por ser “uma resposta à discussão internacional sobre o meio ambiente e uma maneira de o Brasil dar uma satisfação à sociedade, mostrando que está trabalhando em prol desse desafio”, afirma a consultora. “Vejo essa iniciativa como um movimento positivo, porque repassa recursos a entidades que são diretamente relacionadas ao controle e à educação ambiental”, diz Susana, apesar de ponderar que “orga-

110

milhões de dólares é o valor disponível atualmente no Fundo

nizações não governamentais que não tenham nenhuma ligação política dificilmente têm condições de conseguir recursos públicos para desenvolver projetos, seja qual for a área”. Thomas Lewinsohn, da Unicamp, vê o desenvolvimento do Fundo Amazônia com otimismo, mas destaca o fato de ele não representar, por si, um sinal de consistência das políticas governamentais para o meio ambiente. “Ele é apenas mais uma peça dentro desse mosaico, não altera a política como um todo,” afirma. O primeiro passo para concorrer aos recursos do fundo é formalizar uma carta-consulta ao BNDES. Nela, as instituições com projetos na área ambiental devem especificar as características básicas da instituição e a fi nalidade principal do projeto. O desafio está lançado, e o meio ambiente agradece. Janeiro, 2010 AméricaEconomia 73

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CAPITAL ABERTO OUTUBRO DE 1929: CRISE LIMITOU O ACESSO DA REGIÃO AOS MERCADOS DE CAPITAIS

É conveniente continuar em busca da maior integração dos mercados fi nanceiros na América Latina? O principal ponto de análise refere-se às restrições para tomar dívidas em mercados mais competitivos ou investir em mercados financeiros mais amplos. Isso representa um ganho evidente, em termos de acesso ao menor custo de capital para as empresas e maiores oportunidades para a diversificação de risco. Em relação aos custos, a mobilidade do capital fi nanceiro pode representar uma ameaça aos governos que optam por seguir uma política econômica incompatível com tal abertura. Uma verdade econômica comprovada, repetida várias vezes na história do mercado fi nanceiro, é que, se um país escolhe abrir sua conta de capital e fixar a taxa de câmbio, perderá a capacidade de exercer uma política monetária independente. Em outras palavras, a única forma de exercer essa política monetária independente é deixar flutuar livremente a taxa de câmbio, mesmo com o consequente aumento de incertezas para o setor exportador. Um segundo custo da liberalização fi nanceira são os riscos envolvidos. Como o capital estrangeiro tem maior mobilidade internacional, pode ser removido mais facilmente no caso de sinais de fraqueza econômica em um país, podendo acentuar uma crise econômica. Outro efeito é que mesmo os países saudáveis podem se ver expostos ao contágio de crises econômicas e/ou fi nanceiras provenientes do exterior. Isso é especialmente relevante para economias em vias de desenvolvimento. Apesar destes custos, a evidência sugere que, ao menos no longo prazo, os benefícios líquidos da globalização fi nanceira são positivos. Entretanto, devido à limitação das ferramentas de política econômica – consequência da integração fi nanceira –, provavelmente, no futuro, a coordenação entre os países ganhará ainda mais importância, tal como ficou evidente na recente crise das hipotecas de alto risco nos Estados Unidos.

A relação da América Latina com os mercados financeiros internacionais é flutuante, com mais prós que contras SALVADOR ZURITA, DO CENTRO DE INOVAÇÃO FINANCEIRA, UNIVERSIDADE ADOLFO IBÁÑEZ, CHILE

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esde a sua independência, os países latino-americanos têm uma presença flutuante nos mercados internacionais de capitais. Períodos de acesso ao financiamento alternaram-se com outros de escassez de crédito, como consequência de padrões de crise. Um exemplo disso é a crise de 1929, que limitou o acesso da América Latina aos mercados de capitais até os anos 1970. Assim, a globalização financeira não é um fenômeno recente, mas sua amplitude e profundidade alcançaram níveis sem precedentes desde 1970, com uma tendência clara ao aumento da integração fi nanceira que, por sua vez, exigiu maior abertura financeira dos mercados domésticos.

Foto BETTMANN/CORBIS

INTEGRAÇÃO POSITIVA

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OPINIÃO

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O MEDO E A DÍVIDA

ada vez que surge o tema dívida pública, a mente das pessoas se divide em duas. De um lado, surgem as advertências e os medos antigos. Do outro, o racional convida a uma análise fria e objetiva. É inevitável a luta travada para conciliar os argumentos modernistas com os medos atávicos. Por motivos históricos, os latino-americanos têm boas razões para sentir uma profunda e persistente desconfiança da dívida. Em gerações anteriores, os empréstimos davam maus resultados, como o infortúnio pessoal, a dominação estrangeira, o colapso dos sistemas financeiros nacionais e os transtornos políticos. A história da região está repleta de exemplos dos problemas trazidos pela dívida. Durante a última década, muitos países da região administraram muito bem suas dívidas. A prudência foi tão exemplar que atraiu novos admiradores. Esses países são Brasil, México, Colômbia, Peru e Chile. Cada um deles reduziu sua exposição aos altos e baixos relacionados a uma dívida alta. O Brasil, por exemplo, converteu-se em um modelo de boa gestão da dívida, com o refi nanciamento gerado principalmente em reais e com o aumento de sua reserva de divisas. Sua dívida externa em moeda estrangeira não coloca em perigo a estabilidade macroeconômica. O México também fez esse tipo de refinanciamento, e os analistas já não temem uma volta da crise da Tequila. Já no Peru, os indicadores da dívida externa continuam melhorando. A porcentagem da dívida frente ao PIB reduziu-se de 22,8% em 2008 para 22,1% do PIB em 2009, e a previsão é que caia a 18,7% em 2011. A gestão da dívida da Colômbia tem sido tão exitosa que o país tem recorrido a manobras técnicas para inibir a entrada de divisas. O Chile, por sua vez, é o caso extremo entre os países prudentes. Sua dívida pública é baixa em relação ao PIB, e suas reservas de divisas são de, aproximadamente, 25% do PIB. O setor financeiro do Chile tem ido tão bem que a proporção de ativos financeiros em relação ao PIB do país é superior à da Suécia. Esses países esperavam proteger-se dos sobressaltos financeiros. Entretanto, ironicamente, é muito provável que seu comportamento exemplar lhes traga um novo tipo de instabilidade. Um tipo que não é previsível e pode ser violento, pois tem origem na magnitude absoluta dos títulos de dívidas negociáveis na economia mundial. Nos últimos anos, o valor nominal total dos bônus tem representado entre 1,3 a 1,5 vez a produção anual de bens e serviços. A magnitude da dívida é entre 15 e 20 vezes maior que o total das reservas cambiais dos bancos centrais em todo o mundo. Isso significa que uma mudança de rotina aparentemente inofensiva, pode ter impacto dramático nos mercados dos países cautelosos. Se os investidores que têm bônus emi-

tidos por um país altamente endividado – Dubai ou Grécia, por exemplo, – de repente, decidirem vender os bônus, irão comprar outros ativos, causando esse novo tipo de instabilidade. Eles não espalham o dinheiro por todos os lados, mas o investem em poucos mercados. O país que elegem para fazê-lo pode ser o Brasil em um dia e a Colômbia no outro. Os investidores são capazes de mover tanto dinheiro que suas compras fortalecem a moeda nacional e pressionam os preços dos bônus locais e as ações comuns a níveis altíssimos. Este é um novo capítulo na história monetária e financeira de vários países latino-americanos. É outra boa razão para estarem preocupados com a dívida, ainda mais se os devedores forem países a milhares de quilômetros de distância do continente.

Ilustração SAMUEL CASAL

O Brasil converteu-se em um modelo de boa gestão da dívida

JOHN C. EDMUNDS é doutor em Administração pela Universidade de Harvard, professor do Babson College e coautor de Wealth by Association

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I-BIZ

LEVE E NATURAL Desenvolvimento de polímeros a partir de fibras naturais promete agitar a indústria automobilística no Brasil GRAZIELE DAL-BÓ, DE SÃO PAULO

m 1993, quando o Protocolo de Kyoto era apenas um embrião, e Copenhague, simplesmente a capital da Dinamarca, o engenheiro Márcio Tiraboschi recebeu da empresa Plascar, sediada em Jundiaí (SP), uma missão desafiadora: utilizar matéria-prima natural na fabricação dos componentes de acabamento de carros que a empresa fornece para as principais montadoras instaladas no Brasil. Hoje, 16 anos depois, Tiraboschi já coleciona algumas conquistas. Há dez anos a empresa fabrica tampos traseiros e revestimentos misturando farinha de madeira a outros insumos, formulados no laboratório de desenvolvimento da empresa. “As vantagens são o baixo investimento em ferramental, o custo competitivo, quando comparado a outras tecnologias, a boa performance acústica e o excelente acabamento”, diz o gerente de Engenharia Avançada da Plascar. Mas o próximo desafio da empresa é ainda maior: vencer a corrida para a fabricação em escala de painéis, laterais e outros revestimentos internos e externos de veículos a partir de polímeros desenvolvidos com fibras naturais. Para isso, estudam diferentes insumos, que vão da juta à fibra de banana, e que em breve poderão ser os substitutos dos derivados de petróleo usados na fabricação de plástico. “Enquanto a fabricação de 1 kg de polietileno comum produz 2,5 kg de gás carbônico, a fibra natural produz o efeito contrário, de reter 2,5 kg”, diz Francisco Satkunas, conselheiro da SEA Brasil (Sociedade dos Engenheiros da Mobilidade). “Nossas conversas com as montadoras já estão adiantadas”, afi rma Tiraboschi, indicando que os polímeros em estágio mais avançado de desenvolvimento misturam resinas, aditivos e modificadores com casca de arroz, sisal e bagaço de cana-de-açúcar. O estudo é feito em parceria com universidades e centros de pesquisa. A expectativa é de que a tecnologia seja validada até o final do ano que vem e que veículos fabricados em 2011, no Brasil, já usem os novos componentes. Entretanto, a Plascar não está sozinha nessa competição no país. A subsidiária brasileira da Ford, que desde 2003 desenvolve um projeto em conjunto com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), também já tem planos de usar o polipropileno reciclado e a fibra de sisal para fabricar peças plásticas injetadas

Fotos DIVULGAÇÃO

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é quanto uma peça pode ficar mais leve com fibras vegetais

ou moldadas do interior dos seus veículos. Segundo a assessoria de Comunicação da Ford, a montadora ainda não tem data prevista para o início do uso dessa tecnologia. “O projeto ainda está em fase de desenvolvimento e, antes da sua implantação, é necessário garantir que todas as fases da produção, que vai desde o fornecimento das fibras naturais até a produção do material final, atendam a rígidos padrões de qualidade”, afi rmou a assessoria, por e-mail. Hoje, a montadora já tem 100% dos carpetes dos seus automóveis feitos com material reciclado de garrafas PET.

BUSCA INCESSANTE Além de ser uma tecnologia verde, o uso das fibras naturais traz outra vantagem para os veículos: os torna mais leves. “Esses polímeros proporcionam uma redução de peso de 5% a 20% em cada peça”, diz Tiraboschi. Atributo que a indústria automobilística busca como ninguém, já que o peso de um carro está proporcionalmente relacionado ao consumo de combustível para movê-lo. “Ainda que a cultura do aço predomine, a substituição por materiais mais leves e resistentes é palavra de ordem nesse setor”, diz Satkunas. Hoje, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), o setor automotivo já está entre os dez maiores consumidores de plástico no país. “Um veículo compacto demanda, em média, 150 kg de plástico, e a tendência é de essa proporção aumentar”, afi rma Tiraboschi. A Plascar não divulga a capacidade de produção que tem a oferecer, nem o investimento envolvido no desenvolvimento dessas tecnologias. Mas já tem parcerias com cooperativas para garantir o fornecimento de matéria-prima. “Para cada tipo de fibra, temos pelo menos uma cooperativa envolvida. Não queremos apenas extrair a matéria-prima, mas também dar valor técnico ao homem do campo”, diz Tiraboschi. Na avaliação de Otávio Carvalho, diretor da consultoria Maxiquim, o processo para a utilização desses produtos “é longo e implica muitas restrições”. Tiraboschi afi rma que, atualmente, o preço desses componentes com fibra natural ainda é mais alto que os produzidos com o polímero tradicional. “Mas o potencial de equalização e redução é grande; tudo depende da demanda da indústria automobilística por materiais mais sustentáveis.” Carvalho, da Maxiquim, pondera que o Brasil, mesmo longe do que se vê, hoje, no Japão e na Alemanha, onde essas iniciativas estão bem avançadas, já tem uma longa história com o uso de materiais reciclados e uma boa oportunidade a abraçar. “O nosso trunfo é ter um clima propício e abundância de terra. Nesse quesito, estamos à frente de outros países, e temos um grande potencial a explorar.”

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I-BIZ / ENTREVISTA

BYTES REAIS AméricaEconomia Você está preparando um novo livro, em que defende a troca de bytes por átomos. O que isso significa? Chris Anderson Nos últimos dez anos, vivemos uma experiência coletiva de busca de novos modelos sociais online. Até hoje, a web tem sido uma experiência coletiva de busca de inovação e comunicação fora do institucionalizado. Os próximos dez anos, entretanto, se caracterizarão pelo desafio de aplicar o aprendido na web no mundo real. E por mundo real me refiro à indústria, às coisas reais. O que quero dizer é: os átomos são os novos bytes. A base da economia digital consiste na construção de bytes de alcance global. Construímos a internet seguindo um modelo pós-institucional. Agora, essas mesmas forças podem ser aplicadas no mundo real, baseado em átomos. A internet não apenas democratizou as ferramentas de publicação de conteúdo, de informação, como democratizou as ferramentas de produção.

AE Isso soa a utopia marxista. Anderson Cada vez mais, me pego usando os conceitos de Marx. Explico: há uma década, se você quisesse fabricar produtos eletrônicos sofisticados, só conseguiria se fosse do tamanho de uma Sony. Precisaria ter engenheiros, fábrica, distribuição, acesso a redes va-

rejistas. Hoje, ao contrário, eu posso fazer qualquer coisa que a Sony faz. Posso criar meu próprio laptop; aí aperto alguns botões e faço algumas fábricas chinesas produzirem para mim.

AE Isso não é um exagero? Anderson Tomo como exemplo a experiência em uma das companhias da qual faço parte, um pequeno negócio de robótica. Lá, desenvolvemos produtos que, há dez anos, eram feitos apenas por complexos industriaismilitares. Fazemos isso com laptops e num esquema amateur. Desenvolvemos um processo de código aberto e temos fábricas chinesas trabalhando para nós. Às vezes, mandamos fabricar dez unidades; outras vezes, cem; e outras, mil. Oferecemos esses produtos em sites. Nosso modelo de inovação está baseado na comunidade, no modelo web, no qual muitos engenheiros trabalham para nós, voluntariamente, em bus-

Foto WIRED

FELIPE ALDUNATE MONTES, DE SANTIAGO

“A

web já não me interessa como antes.” Essa frase poderia passar despercebida, se quem a pronunciasse não fosse Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired, reconhecido como guru de uma legião de aficionados de tecnologia. Esse jornalista, ávido por identificar áreas de inovação com potencial de romper paradigmas, diz que já não se preocupa com a marca de seu computador, e que os gadgets não lhe chamam a atenção como antes. Segundo ele, agora, o desafio é transferir o que se aprendeu no mundo digital para o mundo real. Autor de livros como The Long Tail (A Cauda Longa) e Free (Grátis), Anderson visitou a América Latina, em dezembro, para um encontro com empreendedores da região.

CHRIS ANDERSON: TODOS NÓS, EM ALGUM ASPECTO, SOMOS MASSA E, EM OUTRO, SOMOS NICHO

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ca de criar tecnologia, e não apenas conteúdo. E nosso marketing é o boca a boca. Não temos infraestrutura, nem temos de buscar fi nanciamento.

AE Isso significa que, na sua opinião, as economias de escala já não são uma barreira inicial? Anderson Existem dois tipos de negócio: os massivos e os de nicho. E todos precisamos de ambos. Às vezes, você quer assistir na TV à fi nal de um campeonato de futebol; outras vezes, quer ver algo que é relevante apenas pra

de AK-47 e testaram a produção de peças em empresas que fabricam modelos em plástico. Hoje, eles têm um site através do qual vendem essas armas de brinquedo. Chapman abandonou seu trabalho como engenheiro de software em uma grande companhia e vive disso. E há um milhão de outros exemplos como o dele por aí.

AE Quais áreas, hoje, lhe atraem? Anderson Acho que recém começamos a entender o impacto da tecnologia móvel. Pensemos no iPhone: é uma plataforma computacional com um conjunto

O Brasil é um alvo lógico. Seu setor energético é exemplar e sua indústria farmacêutica é um modelo você. O mesmo acontece com as coisas que compra: às vezes, você busca coisas que há no supermercado e, às vezes, procura outras que não se encontram facilmente por aí. Todos nós, em algum aspecto, somos massa e, em outro, somos nicho. Sabemos disso. Entretanto, antigamente, não havia muita oportunidade de escolha. Agora, você pode escolher coisas de massa e outras de uma nova categoria de microfabricantes que conquistaram alcance global.

Foto DIVULGAÇÃO

AE Essa, então, é a novidade? Anderson Sim. Dou outro exemplo. Há anos, meus filhos brincam com Lego, e por isso sempre buscam novidades. Eles queriam Legos relacionados a coisas de guerra. Mas a Lego não aprova a fabricação de armas. Aí entra a história da empresa BrickArms, de um cara como eu ou você, cujo filho queria brincar com um AK- 47. Ele se chama Will Chapman e tinha uma máquina CMC, com a qual podem ser feitos protótipos de produtos com base em projetos desenhados no computador, usando ferramentas gratuitas. Com ela, seus filhos criaram pequenos modelos

de sensores que lhe conectam à internet. Tem um endereço IP, uma câmera e um montão de outras coisas. É uma grande ponte entre o mundo digital e o real. O fato de termos em nosso bolso um dispositivo que identifica nossa localização e, ao mesmo tempo, oferece acesso ao mundo da informação exatamente de onde se está cria um mundo que ainda estamos começando a explorar. Por enquanto, o iPhone não permite que o GPS funcione o tempo todo, o que faz com que não cheguemos a um ponto ótimo. Mas acho que a location awareness (consciência da localização) será uma tremenda fonte de inovação.

AE Milhares de dispositivos permitem essa localização… Anderson Sim. Tomemos como exemplo os EUA e o trânsito. Você tem GoogleMaps no telefone, que, por sua vez, oferece mapas e a situação do tráfego. Um dos mecanismos que permitem ao Google reconhecer a condição do trânsito são os dispositivos com GPS, ou seja, um grande volume de pessoas reportando sua localização por meio dos celulares.

É possível identificar os telefones se movendo em uma rua. Quando os celulares se movem lentamente, é porque o trânsito está lento. Assim, temos essa quantidade cada vez maior de informação sobre o mundo nos rodeando, em tempo real. E qualquer coisa que estivermos fazendo nesse sentido será só o começo.

AE Quais inovações lhe chamam a atenção na América Latina? Anderson O Brasil é um alvo lógico. Seu setor energético é exemplar (com o etanol). Sua indústria farmacêutica, pela forma como desenvolve genéricos, é um modelo. Mas cada país tem talentos e vantagens únicas. Onde realmente acho que há muito potencial na América Latina é no segmento de mobilidade. O consumidor latino-americano é muito sofisticado nos usos que dá à tecnologia móvel, e não me surpreenderia se o novo Twitter saísse da região. Se nos EUA as inovações foram focadas no PC, acho que na América Latina elas deveriam estar voltadas à mobilidade.

AE Uma curiosidade: quais são seus gadgets favoritos? Anderson Não gosto tanto de tecnologia. Não sou amante dos gadgets. Amo o que a tecnologia me permite fazer. Não amo meu laptop, nem meu telefone. Tenho um Xbox em casa, mas isso não me define. O que, sim, me defi ne, é o que faço com eles.

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INTERFACES

A REVOLUÇÃO DA MEDICINA DE PLASMA ADOLFO WATERHOUSE

Ilustração SAMUEL CASAL

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sabido. Há vilões que são bons. Ou, melhor dizendo, somente nos fi lmes de Hollywood os vilões fazem o mal o tempo todo. Essa ideia do vilão meio bom tem uma aplicação perfeita quando falamos de radicais livres, essas partículas que, como nos dizem as propagandas de vitaminas e tratamentos de beleza, são demônios pequeninos que nos fazem envelhecer e oxidar, como se fôssemos miseráveis metais. A verdade é que os radicais livres fazem parte de sofisticados mecanismos de comunicação dentro das células do nosso corpo, são chaves na luta contra vírus e bactérias e também participam de processos como a inflamação, a coagulação do sangue, a transmissão nervosa, a produção de colágeno e a síntese de fatores de crescimento. Não seria útil, se pudéssemos regulá-los, por exemplo, acelerando a cicatrização das feridas ou contendo hemorragias? Esse é exatamente o foco de um dos segmentos mais jovens, surpreendentes e promissores da área médica: a medicina de plasma. Essa medicina envolve desenvolvimentos tecnológicos múltiplos, que buscam resolver problemas relacionados com áreas que vão da odontologia à oncologia, usando plasmas. Mas o que é um plasma? A chama de uma cozinha é um plasma, o sol e um raio no céu também são: partículas ionizadas. Isto é, moléculas ou partes de átomos carregados eletricamente. Cauterizar uma ferida passando fogo nela talvez seja a forma mais primitiva da medicina de plasma. No artigo “Plasma Medicine: An Introductory Review”, publicado em novembro de 2009 no New Journal of Physics, um grupo de cinco investigadores de várias universidades europeias assegurou que esse novo segmento da medicina emerge como um dos caminhos mais rápidos e efetivos para, por exemplo, ajudar a prevenir e conter enfermidades. De que forma? Usando plasmas atmosféricos frios (PAF). Quer dizer, as partículas citadas ou íons, mas em temperatura ambiente. Seja sob a forma de plasmas diretos, plasmas indiretos ou plasmas híbridos (dependendo de se a pele é usada como um eletrodo, para gerar corrente, ou se é usado um gás carregado eletricamente para acessar a região desejada), consegue destruir bactérias, vírus e também príons (as proteínas responsáveis pelo Mal da Vaca Louca, que resistem aos demais métodos de esterilização cirúrgicos e hospitalares). Também se estuda usá-las para induzir a morte de células cancerígenas, com a descoberta da conexão entre os campos elétricos e os mecanismos celulares, o que está relacionado com o cálcio e seu papel central no funcionamento das membranas das células. Ao estar carregado eletricamente, um íon de cálcio é influenciado por campos elétricos. Então, dependendo da intensidade e da duração, é possível inibir a proliferação de diversos tipos de células cancerígenas (como a remissão de um melanoma somente com duas aplicações). Há algo novo (e bom) sob o sol.

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CLICS & CHIPS CELULAR-RELÓGIO A LG lança seu primeiro celular-relógio no mercado nacional. Com display de 1,43 polegada, totalmente sensível ao toque, o Watch Phone GD9 tem apenas 13,9 mm de espessura e é feito de aço inoxidável e vidro temperado. O aparelho é equipado com tecnologia 3G e tem o recurso Text-to-Speech, por meio do qual o celular reproduz, por via sonora, as mensagens de texto recebidas. O preço sugerido é de R$ 2.999.

www.lge.com/br

AUTORRETRATO A câmera fotográfica digital ST550 da Samsung inova ao ser equipada com telas de cristal líquido (LCD) nas partes frontal e traseira, uma solução que promete ser definitiva para garantir que um autorretrato não fique torto ou desfocado. O gadget tem GPS integrado, Bluetooth 2.0 e sistema Wi-Fi, que possibilita o envio das imagens por e-mail e o upload de imagens e vídeos em redes sociais. O preço sugerido pela fabricante é de R$ 1.799.

www.samsung.com/br

SINAL JAPONÊS Enquanto o padrão japonês-brasileiro de TV digital se expande pela América Latina, a Sony aproveita para apresentar o LCD Bravia série W5100. O aparelho tem sintonizador digital terrestre integrado, o que dispensa decodificador para captar sinais de TV digital. Tem 40 polegadas e suporta Full HD. Custa cerca de US$ 2.480.

www.sony.com

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LINHA DIRETA

OS SENHORES DA LUZ PÍA DÍAZ, DA CIDADE DO MÉXICO

evo meia hora no táxi, e só andamos sete quarteirões. Ligo para minha amiga Rossana para dizer que não chegarei a tempo de ver o ensaio aberto de sua peça. Ela também está presa no trânsito. Todos que estão na região da Avenida Reforma estão atrasados. Nenhuma novidade. No México, todos os protestos acabam nas ruas, bloqueando avenidas, estradas ou o que o grupo em questão considere pertinente. E o restante da cidadania? Tem de “amolar”, uma expressão local que significa adaptar-se à situação. Qual é o motivo, desta vez? Os desempregados da companhia paraestatal Luz y Fuerza del Centro (LFyC). A extinção da companhia que fornecia energia elétrica para a Cidade do México foi um ato temerário do presidente Felipe Calderón, que buscou combater a fuga de receita do erário nacional. A paraestatal elétrica lhe custava milhões em subsídios. De um dia para o outro, o escritório central da empresa foi fechado com cadeado, e centenas de policiais ocuparam a entrada. Quarenta e quatro mil pessoas ficaram sem trabalho. Em plena crise econômica. Sem dúvida, é muita gente. Por outro lado, não conheço ninguém que defenda a LFyC. Ao contrário, todos com quem converso dizem ter sido vítimas de cobranças astronômicas e injustas. E não sou exceção. No ano passado, recebi uma conta pelo consumo de dois meses de energia elétrica que somava 10 mil pesos – quase mil dólares! Depois de várias visitas à sucursal da companhia, o melhor resultado que consegui foi parcelar o pagamento. Mais que isso, só se eu conseguisse comprovar que havia um erro de leitura. Todas as contas anteriores (tenho todas arquivadas, dos últimos três anos), que levei para provar que meu consumo médio nunca ultrapassou os 4 mil pesos por dois meses, não serviram para nada. A companhia tampouco oferecia um serviço para verificar se havia fuga de energia ou algum outro problema que pudesse ter resultado em tal gasto. Tive de contratar um eletricista. O diagnóstico foi o de que a única coisa que estava consumindo energia demais era a geladeira: fogão, secadora, estufas, todo o

restante é a gás. Só uso lâmpadas econômicas. Para piorar meu humor, o eletricista que comprovou meu baixo consumo disse que tinha um amigo na LFyC que poderia “arrumar” minha conta... por alguns mil pesos. Frente a uma proposta tão perniciosa, não me restou outra alternativa senão aceitar o pagamento parcelado de minha conta. E troquei a geladeira. Pensei em aproveitar uma fatia dos 3 bilhões de pesos mexicanos de um fundo criado para impulsionar o uso de energias renováveis que o governo designou a um programa de substituição de geladeiras. Mas a minha não estava incluída: o benefício restringia-se a pequenas geladeiras velhas que podem ser trocadas em redes de supermercados. Se ainda assim lamento a situação do presidente Calderón – que enfrenta um cenário de queda da receita petrolífera, das remessas e do turismo –, tampouco queria estar no lugar de Martín Esparza, líder do Sindicato Mexicano de Eletricistas (SME). Esparza é eloquente e moderado. Já fez um movimento de pressão com a “tomada simbólica da Cidade do México” e até uma greve de fome, que terminou quando o governo aceitou abrir-se ao diálogo. Entretanto, a Corte Suprema já negou de forma definitiva a demanda que o sindicato apresentou contra o decreto presidencial que extinguiu a Compañía de Luz y Fuerza del Centro. O Senado também votou a favor. Enquanto isso, espero chegarem as contas dos últimos quatro meses. Como será que, agora, os novos senhores da luz contarão os kW? Serão eles Lúciferes ou Prometeus?

Foto RONALDO SCHEMIDT/GETTY IMAGES

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