Conversa de psicólogo vol 18.

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CONVERSA DE PSICÓLOGO Volume 18 - Edição 01 Novembro - 2014

Entrevistado:

Stélios Sant’Anna Sdoukos TEMA: O QUE EU SINTO E O QUE EU FAÇO: OS SENTIMENTOS DETERMINAM O COMPORTAMENTO?

Stélios

Sant’Anna

Sdoukos

é

Psicólogo

(CRP-08/13140)

graduado

pela

Universidade Federal do Paraná, com Formação em Terapia Comportamental e Cognitiva (CETECC, Curitiba/PR) e Mestrado em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina. Atuou como Orientador Fiscal do CRP-PR na Subsede de Londrina, durante 2012 e 2013, nas atividades de orientação e fiscalização da profissão de psicólogo na jurisdição do Conselho. Atualmente é professor universitário do Curso de Psicologia da FAP – Faculdade de Apucarana, no ensino das disciplinas de Análise do Comportamento e supervisão de estágio de formação profissional. É psicólogo clínico no IACEP, com foco no atendimento de adultos e casais.


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Por que os sentimentos não são causas apropriadas do comportamento? Culturalmente, somos ensinados a buscar as respostas sobre o que motiva o comportamento dentro do próprio organismo que se comporta. Desde cedo aprendemos a pesquisar os nossos estados internos e a trata-los como se fossem os iniciadores do comportamento. O exemplo comum é a ação da mãe que ao ver o filho jogar furiosamente o brinquedo no chão, pergunta se ele está bravo. Esse processo nos leva a tratar os sentimentos como causas. Outra questão é que os sentimentos tendem a ocorrer enquanto nos comportamos publicamente (ao falar, gesticular, manter contato visual, etc.) e assim, fica difícil separar um processo do outro, e talvez por essa razão seja comum assumir a posição “sinto, logo faço”. Isso é usar os sentimentos como se fossem motivos apropriados do comportamento, o que, aliás, é totalmente aceito pelas pessoas. Uma namorada que escuta do namorado que ele já não a ama mais, fica impossibilitada de revidar o argumento, pois ela assume que a falta de amor é o motivo que levou ao rompimento. Seria isso verdade? Usarmos os sentimentos como causas limita a nossa busca pelo que motiva o comportamento, e isso é um erro. Por que assumir que os sentimentos são causas do comportamento seria um erro? Ao assumir tal posição, nos esquecemos de olhar para outros motivos que são muito mais vantajosos, em termos de explicação do comportamento. Veja, qual a vantagem de dizer que um “acesso de fúria”, foi o responsável por levar a namorada de coração partido, a bater, gritar e a chorar descontroladamente com o namorado? Isso deve nos levar a um passo de interpretação melhor. Ter um acesso de fúria acontece ao mesmo tempo em que eu bato, grito e choro. Trata-se do mesmo processo. É o mesmo comportamento. A diferença é que o acesso aos estados internos somente é possível à pessoa que se comporta, enquanto que os comportamentos públicos (bater, gritar e chorar), estão visíveis a todos. Sentir-se enfurecido e bater e gritar fazem parte do mesmo processo comportamental, e


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assim, os sentimentos ao invés de ganharem status de causa do comportamento, devem ser tratados como objetos a serem estudados. E isso é assumir que as causas do comportamento (e dos sentimentos experimentados) são outras. As causas do comportamento seriam os processos orgânicos ou cerebrais? Alegar que os processos organicistas constituem as causas do comportamento é muito parecido com alegar que os sentimentos são causas. Usualmente dizemos que os sentimentos, a personalidade ou mente são causas, ou então, recorremos aos

processos

fisicalistas

internos,

como

a

genética,

o

cérebro,

os

neurotransmissores, e assim por diante, como supostas causas. Em primeiro lugar, concordar que esses processos orgânicos constituem as verdadeiras causas do comportamento, seria um incrível reducionismo, ao colocar o homem como dependente dessa única instância. É importante entender que a dicotomia “inato versus adquirido” já foi superada pela ciência, mas culturalmente ainda nos apropriamos dela. O que a análise do comportamento pressupõe é que o homem, ao comportar-se, comporta-se como um todo. O organismo inteiro está se comportando, e não apenas uma parte ou outra, como se o cérebro fosse uma espécie de “motor do comportamento”, que independente de outros processos, faz o comportamento acontecer. O que se passa internamente ao organismo deve ser entendido como parte do processo comportamental. As alterações cerebrais ou neuroquímicas de uma pessoa deprimida, por exemplo, devem ser explicadas como parte do comportamento depressivo e não como causadoras do comportamento. É possível afirmar que uma pessoa deprimida apresenta sentimentos de tristeza intensos e muito possivelmente, alterações de ordem neuroquímica. A pergunta remanescente é o que causa tudo isso. Esse tipo de explicação é o que é chamado de explicação circular? Exatamente. Nesse tipo de explicação, uma descrição é usada para explicar ela mesma. Em termos práticos, não temos informações novas, mas apenas mais


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descrições do mesmo evento. Nessa explicação, causa e efeito se referem à mesma descrição. Por exemplo, a pessoa é deprimida por que experimenta tristeza, ou experimenta tristeza por que está deprimida? Outra formulação possível é, a pessoa é deprimida por que tem alterações neuroquímicas, ou tem alterações neuroquímicas por que está deprimida? Não nos damos conta, mas em termos culturais, alegamos facilmente que a causa da depressão são os sentimentos intensos de tristeza ou então de descompassos neuroquímicos. E para o público em geral não é necessário ir além disso. Alegar tais situações já “explica” o estado em que a pessoa se encontra. Principalmente quando a pessoa passa de uma hora para outra a exibir um comportamento muito problemático, os sentimentos ou processos cerebrais são rapidamente invocados. Porém a pergunta ainda continua. Quais são então, as causa do comportamento? Todas essas causas desconsideram o mais importante: compreender o que motiva o comportamento deve estar relacionado com o contexto no qual o comportamento ocorre. A análise do comportamento preocupa-se especificamente de que forma os eventos contextuais influenciam a ocorrência do comportamento. Esse é um tipo de explicação que busca, ou privilegia, a historicidade do desenvolvimento do comportamento. Assim, são pesquisados os processos de interação do organismo com o contexto, e de que forma esses processos fortalecem certos padrões comportamentais e enfraquecem ou extinguem outros, por exemplo. Isso significa, em termos práticos, que os comportamentos que exibimos hoje só podem ser entendidos à luz do desenvolvimento pessoal que tivemos ao longo do tempo. Se hoje uma pessoa é simpática e querida por todos, por exemplo, é porque agir assim entrou em uma relação especial com o seu contexto, que fortaleceu esse comportamento, que ganhou força e requinte ao longo do processo, tornando essa pessoa cada vez mais habilidosa em exibir esse comportamento em situações cada vez mais diversificadas, que foram refinando essa habilidade. Essa pessoa


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poderia ser extremamente tímida na infância ou adolescência, mas perceba que, a explicação do comportamento dela só pode ser compreendida quando analisada à luz da sua historicidade, ou desenvolvimento. Essa matriz explicativa vale para comportamentos de qualquer ordem, inclusive para aqueles que chamam mais a nossa atenção, como os padrões antissociais ou psicopatológicos, como as depressões, ansiedades e esquizofrenias. Que outras implicações podemos pensar para o lugar dos sentimentos na explicação do comportamento? Assumindo que não precisamos ficar ou ser dependentes dos nossos estados internos para iniciarmos alguma coisa, passamos a compreender que a nossa vontade independe, enquanto causa, daquilo que fazemos ou de que precisamos fazer. Se esperarmos ter vontade para fazer ou iniciar alguma coisa, isso dificilmente ocorrerá, ou simplesmente ficará sob controle do impulso. Como regra geral, e é o que a análise do comportamento nos ensina, os sentimentos e pensamentos não possuem influência no nosso comportamento, e isso é simplesmente libertador! Para conseguirmos entrar em contato com consequências reforçadoras é necessário que nos comportemos, que tomemos ação em certas direções,

independentemente

daquilo

que

estejamos

sentindo.

Assim, é

perfeitamente possível experimentar um sentimento de derrota e desânimo, e ainda assim, acordar pela manhã e cumprir a agenda do dia. Ninguém está dizendo que isso será fácil (aliás, muito pelo contrário), no entanto, isso nos torna mais livres à medida que percebemos que sentimentos e pensamentos não são causas do comportamento, mas sim partes do processo comportamental maior. Isso quer dizer que a mudança de comportamento não depende de alterarmos nossos sentimentos ou pensamentos? Isso mesmo. Ao contrário do que é postulado por outras psicologias, o que compreendemos na análise do comportamento é que os pensamentos e


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sentimentos serão experimentados pela pessoa, quer ela queira, quer não. No entanto, por não serem causas do comportamento, isso significa que eu posso continuar a me comportar de maneiras a cumprir o meu objetivo, mesmo experimentando estados internos divergentes. Se eu tenho como objetivo adotar um estilo de vida saudável, por exemplo, e atualmente eu não pratico nada na direção disso, eu irei experimentar uma enxurrada de pensamentos e sentimentos conflitivos ao passo em que eu inicio uma série de comportamentos inéditos (levantar mais cedo, gastar energia em atividades físicas, sair de casa para ir à academia e assim por diante). O caminho para a mudança comportamental será árduo, porém, o principal é entender que eu posso experimentar e vivenciar esses sentimentos, e ao mesmo tempo, levantar e ir à academia, simplesmente porque sentimentos e pensamentos não determinam aquilo que eu faço. E compreender isso é importante por quê? Porque coloca a pessoa em contato com aquilo que de fato importa. Ela deixa de ficar presa a sentimentos e pensamentos, e ao invés de se inibir em função deles, passa a experimentar as consequências do seu fazer. E o único caminho para a mudança é esse, entrar em contato com as consequências reforçadoras fornecidas pelo seu contexto, a partir do seu comportamento. Fazer, comportar-se, agir, é e possivelmente sempre será melhor do que ficar inibido por um pensamento ou sentimento negativo, que mantém alguém preso na inércia do seu próprio estado.


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Entrevistadora: Luciana Zanella Gusmão Psicóloga Clínica, especialista em Análise do Comportamento e Mestre em Psicologia da Infância e Adolescência pela UFPR. Atua no IACEP com atendimento clínico individual, casal e família. É supervisora dos atendimentos psicológicos a adultos do projeto social do IACEP. Atuou como psicóloga na Política Pública de Assistência Social e atua na área de Gestão Pública/Desenvolvimento de Pessoas da Prefeitura de Londrina. É Docente do curso de psicologia e administração da PUC-Londrina e de cursos de pós- graduação em psicologia – UniFil, Faculdade Teológica Sul Americana e PUC-Londrina. CRP 08/06382


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Rua: Malba Tahan, 420 Londrina – Paraná. Fone (43) 3029-8001 E-mail: iacep@iacep.com.br www.iacep.com.br

Coordenação editorial: Laís R. Paes e Renata Trovarelli


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