Edição nº 10 - Março/Abril 2011 - Distribuição gratuita e dirigida www.RevistaTaiChiBrasil.com.br
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Tai Chi Brasil
Tai Chi Chuan - Pratique!
Regina Azevedo - São Paulo, SP . Jornalista, escritora, professora, radialista e praticante de Tai Chi Pai Lin. . Doutoranda em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia / USP. . Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP com o tema “Programação Neurolinguística (PNL) e Linguagem de Persuasão”. . Jornalista especializada em temas ligados a comportamento e ao desenvolvimento da mente humana, tais como: Psicologia Junguiana, Programação Neurolinguística (PNL), Terapia da Linha do Tempo (TLT) e Inteligência Emocional. . Autora de várias obras. Blog: http://reginaazevedojornalista.blogspot.com Foto: Mauro Rubens - Divulgação / Acervo Regina Azevedo
Locais de prática de Tai Chi Chuan no Brasil e no mundo: www.aipt.org.br
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Sumário
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Curitiba - Paraná - Brasil Edição nº 10 | mar/abr | 2011 ® Todos os direitos reservados Registro nº 401.197
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editor: levis litz colaboraram nesta edição aparecido de lira, bruno davanzo, eliane cardoso, liana netto, marcus maia, regina azevedo, roque severino e valesca giordano litz. agradecimentos angela soci, antônio prates, arthur dalmaso, bradeos graphon, eliabe serafim ferreira, geraldo cerqueira, iván e nisla mejía, mauro rubens sifu gabriel, sociedade brasileira de tai chi chuan, tai chi curitiba e wu yan hsia. revisão viviane giordano contato | publicidade revistataichibrasil@hotmail.com levislitz@gmail.com jornalista responsável diplomado levis litz - mtb 3865/15/52v pr Distribuição gratuita e dirigida. Todos os textos e fotos aqui publicadas são colaborações voluntárias gratuitas. Não são de responsabilidade desta revista os artigos de opinião e também as opiniões emitidas em entrevistas e depoimentos, por não representarem, necessariamente, o pensamento do editor. Por questões de espaço, objetividade e clareza, a equipe editorial reserva-se o direito de resumir os textos recebidos. Foto com pouca definição é de responsabilidade do autor. Os exemplares impressos em papel desta publicação serão doados para bibliotecas públicas.
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Compreendendo a vacuidade
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Grão-mestre Chiu Ping Lok e a sua trajetória
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Tai Chi Chuan - Princípio Os 10 princípios de Yang Cheng Fu - Parte VIII
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Um olhar psicológico sobre o combate no taijiquan
O desenvolvimento do Jin e a prática do bastão Tai Chi Chuan estilo Wu
Tai Chi Chuan - Tratado O 5º Tratado de Cheng Man Chin: “Nadando na terra” Praticar Tai Chi pela Razão que cada um deve encontrar em si mesmo SEÇÕES
4 CARTAS 5 EDITORIAL 14 RÁDIO CORREDOR
Mensagens & Cartas Revista Tai Chi Brasil. Curitiba - Paraná - Brasil. revistataichibrasil@hotmail.com | editor: levislitz@gmail.com
Por questões de espaço, a equipe editorial reserva-se o direito de editar mensagens, depoimentos, fotos e textos recebidos.
“Ao editor Levis Litz, agradecemos a participação da Revista Tai Chi Brasil na nossa homenagem ao Mestre Liu Pai Lin por ocasião da data de seu aniversário, com a publicação no nº 9 desta Revista do cartaz de nossa autoria. Aproveitamos para parabenizar editor e equipe pela existência, persistência e qualidade da Revista Tai Chi Brasil.” Lais Wollner, Alexandre Wollner, Gui von Schmidt, colaboradores: Edith Derdyk, Tarcisio Tatit Sapienza São Paulo, SP “Parabéns pela revista! Muito bom poder viajar pelo mundo do tai chi e sempre aprender com tantas experiências bonitas!” Lilia São Paulo, SP
“A edição 09 ficou como sempre excelente.” Arthur Dalmaso Espaço Bem Estar www.taichichuanyang.org São Paulo, SP “Apreciados amigos, muchas gracias por la revista, la hemos conocido ahora que estuvimos en el Yang ChengFu Tai Chi Chuan Center de São Paulo, y la estamos viendo por internet, ya bajamos un par de números, pues las instrucciones están muy claras en la página de internet. Practicamos la Forma Larga de la Family Yang desde hace 6 años y ahora estamos
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recibiendo orientación del Centro. Residimos en Centro América. Saludos.” Iván y Nisla Mejía Panamá “Estamos muito agradecidos pelo envio da Revista Tai Chi Brasil nº 9 e das outras que já recebemos anteriormente! Aproveitamos para desejar-lhe e aos seus um 2011 de muita paz, alegrias e saúde!” Ana Maria Couto Associação Brasileira de Psicologia Transpessoal Belo Horizonte, MG “Mais uma vez agradeço por todas as informações contidas na Revista Tai Chi Brasil, aproveito para informar que a partir de agora sou Instrutor de Tai Chi Chuan estilo Yang. Aproveito para mandar uma foto do mestre apresentando com a espada.”
Geraldo Cerqueira “Parabéns pelo seu trabalho (ótimo) na revista! Pratico Tai Chi na Academia Wong, estilo Wu.” Jael http://taichiwong.com.br São Paulo, SP
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Niall O`Floinn da Irlanda Leitor assíduo da Revista Tai Chi Brasil. -------------------------------------------------
“Gostei da forma como publicaram a imagem “Sonho da Borboleta”. [Edição nº 8] Tarcisio Tatit Sapienza São Paulo, SP
“Quero parabenizá-lo pelo projeto da Revista. Esta tem sido uma fonte de informação e de intercâmbio importante entre as escolas de Taiji.” Flávio Prado São Paulo, SP “Gostaria de agradecer muito o seu comentário na Revista Tai Chi Chuan deste mês, sobre o 3º Encontro de Taichichueiros no Espaço Bem-Estar. O Arthur e eu ficamos emocionados. Obrigada.” Célia Dalmaso Espaço Bem Estar (Yoga e Tai Chi Chuan) www.taichichuanyang.org São Paulo, SP
Editorial
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A Revista Tai Chi Brasil
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Em época de viagens, carnaval, feriados, cursos e seminários, nossa revista dedica esta edição a vários temas interessantes, entre eles, o entendimento da vacuidade, o olhar psicológico sobre o combate no Tai Chi Chuan, a continuidade dos tratados e princípios do Tai Chi, o desenvolvimento do Jin e a prática do bastão, a trajetória de um grão-mestre e assim por diante. Com estes e muitos outros assuntos, a sua leitura e entretenimento estão garantidos até a próxima publicação. Para tornar a leitura mais agradável, agora a Revista Tai Chi Brasil está disponível em outra página na internet. A nossa equipe, desde setembro de 2009, leva aos leitores de todo o Brasil sua edição da revista em versão eletrônica. A partir desta edição temos a felicidade de compartilhá-la também num site onde o leitor poderá ver todas as edições sem a necessidade de baixar. Colocá-la ali ajuda a promover o Tai Chi melhor, divulgar ideias relevantes, fomentar debates interessantes e preservar a memória da revista e das pessoas e praticantes de Tai Chi que ao longo do tempo vem contribuindo para sua existência. Basta apenas entrar no site www.RevistaTaiChiBrasil e clicar nas edições da revista para que ela se abra para você. Experimente essa ideia, acomode-se na cadeira e entre nesse fascinante mundo do Tai Chi! Boa leitura!
Campinas, SP Equilibrius - Centro de Tai Chi Chuan, Acupuntura e Cultura Oriental Av. Oscar Pedroso Orta, 222. Barão Geraldo.
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jornalista diplomado
Contato Revista Tai Chi Brasil - RTCB . website: www.RevistaTaiChiBrasil.com.br . e-mail: revistataichibrasil@hotmail.com Editor - Levis Litz . e-mail: levislitz@gmail.com | . msn: levislitz@hotmail.com . webpage: www.TaiChiCuritiba.com.br ----------------------------------------------------------------------------------
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Compreendendo a Vacuidade Por Roque Severino Diretor da Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan e Cultura Oriental http://www.sbtcc.org.br Antigamente as pessoas costumavam dizer: “Se você é capaz de atrair a vacuidade, será capaz de usar quatro onças para desviar cem quilos. Se você não puder atrair a vacuidade, não poderá usar quatro onças para desviar cem quilos. As palavras são simples, mas o significado é completo. Principiantes não podem compreender isto.” LI I-Yu Queridos amigos, Em nossos muitos contatos com o Mestre Yang Jun, ele insistiu que nós enviássemos artigos para a Revista Tai Chi. Eu quero agradecer à Associação por esta oportunidade e espero que outros possam também contribuir para o desenvolvimento intelectual e espiritual dos praticantes da família Yang. Uma vez perguntamos ao Mestre Yang Jun sobre o mais alto objetivo da prática do Tai Chi Chuan. Ele nos deu a seguinte resposta: “Você deve atingir e compreender a ‘vacuidade’ e ajudar a todos os seres humanos, especialmente os fracos e oprimidos”. Por muitos anos eu tenho encontrado Mestres de Tai Chi Chuan e de Budismo Tibetano no Brasil e na Índia. Minha experiência ensinando, entretanto, me fez compreender que, mesmo com traduções em Português, a transmissão do significado filosófico de suas palavras não é uma tarefa fácil, desde que a maneira do Ocidental pensar não pode facilmente compreender os conceitos abstratos e simbolismo. Isto faz com que alunos e praticantes tenham grandes dificuldades para mudar suas formas de ver as coisas ou até de se comportarem. Só para ilustrar, quando falamos sobre o Dharma Budista, por exemplo, seja em Chinês, Sânscrito ou
Tibetano, cada palavra tem três significados: o comum, ou popular, o erudito ou sofisticado e o religioso ou Significado do Dharma. Em outras palavras, quando um estudioso fala, um homem comum não pode compreendê-lo e quando um padre fala, nem o estudioso nem o homem comum podem compreendê-lo. Além do mais, existem 10 maneiras de se compreender um ensinamento de acordo ao contexto em que ele é dado. Você pode ver então como pode ser árduo compreender os ensinamentos do Tai Chi Chuan, preservados em tal linguagem elevada como o Chinês Clássico, por exemplo. Nós ocidentais seríamos muito orgulhosos se disséssemos que nosso linguajar simples nos permite compreender todo o significado de um mestre realizado tal como o Grande Mestre Yang Zhenduo. Tome como exemplo o Inglês utilizado por Shakespeare, ou o Português usado por Camões em “os Lusíadas”, ou ainda o Espanhol usado em “Don Quixote de la Mancha”. A linguagem utilizada nestes textos clássicos não tem nada a ver com o Inglês, o Português ou o Espanhol que é falado hoje no cotidiano. Quem de nós ousaria traduzir o Tao Te King? Nós sabemos que entender um idioma não é suficiente em si mesmo. Quem pode dizer que compreende facilmente as palavras de Confúcio? Um dos conceitos mais frequentemente utilizados no Tai Chi Chuan é a ‘vacuidade’ e ele foi tirado das escolas Taoístas e Budistas de pensamento. O estudo deste termo começou aproximadamente no ano 653 d.C. vindo do Ceilão, com Bodhidharma, o 28o. Patriarca Budista conhecido na China como Damo. Seus ensinamentos influenciaram profundamente a filosofia Taoísta daquele tempo e a escola ‘Chan’
“Um dos conceitos mais frequentemente utilizados no Tai Chi Chuan é a ‘vacuidade’ e ele foi tirado das escolas Taoístas e Budistas de pensamento.”
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Chinesa, também conhecida como ‘Zen’ no Japão, surgiu da união destes dois grandes sistemas de pensamento – Taoísmo e Budismo. O termo ‘vacuidade’ criou tantos problemas e mal entendidos no Ocidente que as quarto maiores escolas do Budismo Tibetano decidiram criar comitês de tradutores Ocidentais que tivessem por sua parte conhecimento e experiência do Dharma, com a idéia de explicar a terminologia Budista ao público em geral, mas particularmente aos estudantes sinceros e seguidores do Budismo. ‘Vacuidade’ significa simplesmente ‘nada’ para nós. Nós poderíamos dizer que num contexto comum ela poderia ser aplicada a objetos e situações rotineiras tais como uma xícara vazia ou um quarto vazio. Na filosofia do Tai Chi Chuan, entretanto, o conceito de ‘vacuidade’ adquire uma dimensão profunda e elevada que faz os alunos questionarem suas próprias vidas. E assim é como os grandes mestres Taoístas e Budistas chegaram a este conceito. No Budismo ‘vacuidade’ foi mais concisamente explicado durante o Segundo ciclo de ensinamentos dado pelo mestre Sidarta Gautama, o Buda, durante o qual ele explicou o prajna paramita sutra, isto é, ‘o perfeito conhecimento que está além da excelência’. Neste contexto é dito: “Avalokiteshvara, o bodhisattva da verdadeira liberdade, compreende através da prática da grande sabedoria que os cinco Skandas ou componentes psicológicos do ego centrado dos seres (forma, sensação, percepção, conceito e consciência) não são mais que vacuidade, e graças a esta compreensão ele ajuda a todos os que sofrem. Oh Sariputra, os fenômenos não são diferentes da vacuidade e a vacuidade não é diferente dos fenômenos.” “O Livro Tibetanos dos Mortos” explica que o primeiro componente é a forma (rupa), o começo da individualidade e da experiência separada, e a divisão da experiência em sujeito e objeto. Agora há um ‘eu’ primitivo consciente de um mundo externo. Na medida em que isto acontece, o ‘eu’ reage ao seu ambiente: é o segundo estágio, sensação (vedana). Não é a emoção completamente desenvolvida – apenas um instintivo gosto, desgosto ou indiferença, mas ele fica imediatamente mais complicado na medida em que a entidade centralizada começa a reagir não apenas passiva, mas também ativamente. Este é o terceiro estágio, percepção (samjña), em seu sentido
completo, quando o ‘eu’ é consciente do estímulo e automaticamente responde a ele. O quarto componente é o conceito (samskara), cobrindo a atividade intelectual e emocional de interpretação, que segue a percepção. Ele é o que coloca as coisas juntas e constrói os padrões da personalidade e do karma. Finalmente há a consciência (vjnãna) que combina todos os sentidos, percepções e a mente. O ‘eu’ tornou-se agora um universo completo em si mesmo; ao invés de perceber diretamente o mundo como é em sua realidade, ele projeta suas próprias imagens ao redor dele. O ensinamento fundamental do livro é o reconhecimento de nossas próprias projeções e a dissolução do sentido do ‘eu’ à luz da realidade. Na medida em que isto é feito, os cinco componentes psicológicos do estado mental confuso e obscurecido tornam-se fatores de iluminação.
“Quando praticamos o Tai Chi Chuan ou qualquer atividade da vida diária, elas permeiam e manipulam nossas percepções subjetivas do ambiente.” Somando-se ao conceito de ‘vacuidade’, agora temos mais um conceito para estudar no Tai Chi Chuan; o ‘fenômeno’. Nós deveríamos começar do segundo para melhor compreender o primeiro. A palavra ‘fenômeno’ pode ser aplicada a objetos externos, estados mentais e emoções conflituosas. É simples compreender o seu significado com relação a objetos externos desde que tanto a física clássica como a física quântica em muitas ocasiões nos oferece evidências significativas, reduzindo os estados da matéria a tamanhos tais como ‘Nano’, que nossa inteligência ordinária não pode compreender. Quando chegamos aos estados mentais, a palavra é aplicada ao nosso pensamento. Quando nós pensamos, somos tomados por dois estados básicos – medo e esperança. Medo se relaciona com nossa memória de acontecimentos passados desagradáveis que não queremos experimentar novamente, ou de www.RevistaTaiChiBrasil.com.br
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momentos agradáveis que tememos não experimentar de novo. Este medo nutre a esperança que nos faz construir imaginariamente ou de forma idealística uma vida melhor para nós, nossos parentes ou nossas nações. Estes dois estados mentais nos fazem sentir as seis emoções conflituosas que são: orgulho, ou arrogância, inveja ou ciúmes, desejo, estupidez ou preguiça, cobiça e ódio. Estas emoções nos seguem todos os dias assim como sombras seguindo seu corpo. Quando praticamos o Tai Chi Chuan ou qualquer atividade da vida diária, elas permeiam e manipulam nossas percepções subjetivas do ambiente. Os grandes mestres de Tai Chi Chuan do passado compreendiam completamente este conhecimento e criaram, estruturaram e preservaram com enorme sacrifício pessoal a disciplina que nós praticamos e ensinamos hoje no Ocidente. Cada movimento do Tai Chi Chuan nos faz aplicar quatro princípios desta sabedoria conhecida como “As Quatro Grandes Atenções”. Completa atenção do corpo, completa atenção das sensações, completa atenção da mente e completa atenção do fenômeno. Através da prática destas quatro atenções supremas a mente se estabiliza e se transforma no que conhecemos como samatha em Sânscrito, shine em Tibetano, chan em Chinês e zen em Japonês. O Tai Chi Chuan é assim, um sistema completo de transformação ética, moral, psicológica e espiritual. Em outras palavras, ele contribui para o desenvolvimento das qualidades mais excelentes de seus praticantes. - Completa atenção ao corpo (conseguida pelos alongamentos das juntas, respiração profunda e manter as costas eretas) aumenta a vitalidade (chi) e o entusiasmo; elimina assim as causas da estupidez ou preguiça. - Completa atenção às sensações (que aparecem durante o treinamento das formas) elimina as causas da ansiedade que nutre o desejo e a sua não realização que conduz à frustração, falta de habilidade de compartilhar (avareza) e ódio em relação a si mesmo e aos outros.
- Completa atenção à mente (e a seus estados tais como satisfação ou descontentamento, felicidade ou sofrimento) eliminando a arrogância que produz instabilidade mental. - Completa atenção ao fenômeno (que é o próprio ambiente incluindo os outros praticantes) elimina as comparações e julgamentos que causam a inveja e o ciúme. Se analisarmos estes conceitos cuidadosamente, podemos claramente compreender o significado de ‘vacuidade. - Apenas quando estivermos ‘vazios’ de orgulho e arrogância poderemos relaxar e aceitar as outras pessoas e compreender pontos de vista diferentes e comportamentos sem tentar impor nossos próprios. Assim experimentamos a equanimidade e a cortesia. - Apenas quando estivermos ‘vazios’ da estupidez ou preguiça poderemos ter a vontade genuína e encontrar tempo para praticar constantemente e parar de sermos preconceituosos, supersticiosos e com mente estreita. - Apenas quando estivermos ‘vazios’ do desejo e da raiva poderemos compartilhar nossa afeição e conhecimento sem termos medo de que as outras pessoas possam nos prejudicar ou manipular. Apenas então poderemos experimentar a ideia de uma Grande Família e estar juntos para compartilhar nossas aspirações, sonhos, tristezas e alegrias. - Apenas quando estivermos ‘vazios’ da inveja poderemos estar livres da competitividade neurótica por prêmios, posição e status que apenas criam mais distância e raiva entre aqueles que deveriam simplesmente cuidar-se e honrarse mutuamente de maneira fraterna. Obrigado e espero que minhas palavras possam encorajar a muitos praticantes de Tai Chi Chuan de nossa família a praticar incessantemente de forma a atingirem os mais elevados níveis desta arte maravilhosa.
“O Tai Chi Chuan é assim, um sistema completo de transformação ética, moral, psicológica e espiritual. Em outras palavras, ele contribui para o desenvolvimento das qualidades mais excelentes de seus praticantes.”
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Roque Severino
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Trajetória Grão-mestre Chiu Ping Lok
Por Aparecido de Lira e Eliane Cardoso Diretores: Instituto Fu Hok de Cultura Marcial Chinesa http://www.institutofuhok.com.br além da técnica de Noi-Kun, chamado de “Kung-Fu Divino”, por enfatizar a energia interna, muito usada pelos antigos monges. O que também muito contribuiu para a riqueza e variedade de sua formação marcial foi a amizade com um colega de treinamento e estudos escolares, cujo pai trabalhava em uma indústria cinematográfica local – onde pode adquirir experiência em vários estilos e métodos de combate, treinando e atuando como figurante em vários filmes chineses. Aos vinte e quatro anos, Chiu Ping Lok chegava ao Brasil, com a finalidade de seguir depois para os Estados Unidos, onde pretendia fixar residência, junto a seus pais e o restante da família, que lá passaram a viver. Mas, o encanto da nova terra e a receptividade e calor humano do povo brasileiro o fez permanecer aqui. Contando apenas com o apoio de um tio, começou a ministrar aulas de arte marcial no Centro Social
Fotos: Divulgação - Cedidas pelos autores
Nascido na província de Cantão, ao sul da China, já a partir dos quatro anos de idade, Chiu Ping Lok iniciava-se na tradicional arte marcial chinesa, através dos ensinamentos do seu tio, Cham Mun. Na China, cada distrito dispõe de um instrutor de arte marcial, contratado pelo estado, com a finalidade de passar seus conhecimentos aos moradores. E foi assim que Chiu Ping Lok, apesar de pouquíssima idade, além de praticar Hung Tao Choi Mei Gar, ainda ajudava em sua divulgação. Para os chineses, a parte cultural, bem diversificada, é essencial à formação do indivíduo, tanto quanto é a aprendizagem de uma arte marcial. Então, aos oito anos de idade, Chiu Ping Lok recebia suas primeiras noções de pintura de Than Sai Sil, outro tio seu, e complementava seu desenvolvimento artístico através de novas formas de expressão, como teatro e música com vários instrumentos. Aos quinze anos de idade, Chiu Ping Lok e sua família tiveram que sair da china continental por questões políticas, passando a residir em Hong Kong (na época, protetorado britânico), onde tomaria novos rumos, enriquecendo-se ao contato com outras modalidades de expressão artística, lutas marciais e o Tai Chi Chuan, que dariam acentuado impulso em sua formação. As pessoas que influenciaram em seu desenvolvimento foram: mestre Man Sin, amigo de seu tio, era um instrutor cego que conseguiu transmitir-lhe uma sensibilidade quase extra-sensorial, aprimorando muito sua percepção; mestre Lam Fei Hung (Ti Tao Hung), praticante do estilo Hung Gar e que tinha a peculiaridade de fazer demonstrações, nas quais era capaz de entortar e depois endireitar novamente três barras de ferro, batendo-as contra a cabeça calva; o mestre Hui Sil Sin, do estilo Mo-Gar e o velho Si-Pak, já mais para o interior de Hong Kong, especialista em técnicas de bastão (Si Mei Kwan) e Pa Kua Kwan,
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Chinês de Santo André, para chineses radicados. O jovem chinês, aos poucos, conseguia superar o choque cultural inevitável entre os dois extremos do mundo e, com muita determinação e vontade de vencer, superou a barreira do idioma e a adaptação foi se dando naturalmente, enquanto transmitia grande parte de sua bagagem cultural aos praticantes brasileiros, com as devidas e necessárias adaptações, porém levando-os a conhecer os dialetos cantonês, taisan e mandarim, pelos termos técnicos da arte marcial que ensinava. Chiu Ping Lok participou de quatro programas de trinta minutos cada na TV Cultura, em 1974, abordando temas específicos chineses como “Kung-Fu”, “ a Dança de Leão”, o “Tai Chi” e “a importância da compreensão da vida.” Aparecido de Lira e Eliane Cardoso [Comente este texto em revistataichibrasil@hotmail.com]
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Tai Chi Chuan - Princípios Os 10 Princípios de Yang Cheng Fu (Parte VIII) Por Bruno Davanzo Professor de Tai Chi Chuan www.academiaparamitta.com.br
Ponto 8 - Dentro e fora coordenados. Na prática do Tai Chi Chuan, o mais importante é o espírito. Assim dizem: “O espírito é o comandante e o corpo é o subordinado”. Se você pode elevar o espírito, então os movimentos serão naturalmente ágeis. As posturas não vão além do substancial e insubstancial, abrindo e fechando. Aquilo que é chamado abrir significa que não apenas as mãos e os pés estão abertos, mas a mente também está aberta. Aquilo que é chamado fechar significa que não apenas as mãos e os pés estão fechados, mas a mente também está fechada. Quando você puder fazer com que o de dentro e o de fora se tornem um, a coordenação é completa. “Dentro e fora coordenados” se refere aos aspectos internos da mente (espírito) comandando nossos movimentos corporais. Mestre Yang nos relembra a importância do Ponto 1, “Se você pode elevar o espírito, então os movimentos serão naturalmente ágeis” porque nosso estado de atenção e presença melhoram. Reforça também nossa compreensão do Ponto 4, “As posturas não vão além do substancial e insubstancial”. Podemos tornar o Tai Chi Chuan como uma meditação em movimento, mas isso depende da posição de nossa mente. Neste ponto isso fica evidente mais uma vez. No início o praticante pode ficar muito preocupado em “decorar o kati”. Sua mente tenta antecipar os movimentos, para não perder a sequência.
Mas aí acontece que não se está presente de verdade. Ainda que consigamos manter a sequência, seria importante ficar realmente presente no movimento que você esta executando naquele exato momento. Confie, se abandone, quando você já praticou o kati muitas vezes a sequência de movimentos vem naturalmente, não se preocupe com ela. Você vai perceber que a maioria das vezes que “perde” a sequência é porque sua mente (espírito) se distraiu, se dispersou. Quando você está presente no movimento então você realmente está como criando um professor interno, que é capaz de ajudar a aprofundar sua experiência na prática do kati. Você começa a executar o kati como se cada vez fosse a primeira vez. É uma experiência maravilhosa
SESC Água Verde Curitiba - Paraná 3 TURMAS Às 2ªs, 4ªs e 6ªs: das 08h às 09h Às 3ªs e 5ªs: das 18h20 às 19h20 Às 5ªs: das 16h30 às 18h
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Bruno Davanzo apresentando o “Desenrolando o Fio de Seda”.
de aprender com cada movimento, de realizar todos os aspectos dos pontos anteriores simultaneamente no mesmo movimento. Isso também depende da atitude da mente receptiva, como um principiante. Um mestre Zen dizia que a mente do principiante era cheia de possibilidades porque estava receptiva, enquanto que a mente do perito fica restrita ao que conhece, achando que já sabe tudo. Podemos falar no comando do espírito sobre o corpo, mas na verdade a comprensão é que eles surgem na mesma experiência, no mesmo instante, não há como separá-los, por isso Mestre Yang diz, ”Quando você puder fazer com que o de dentro e o de fora se tornem um, a coordenação é completa”. Quando você consegue fazer isso, além de toda a melhora nos aspectos de saúde física pelo fluir do “chi”, tem uma experiência de paz e serenidade na mente, porque você está focado no presente e o diálogo interno cessa. [Comente este texto em revistataichibrasil@hotmail.com]
“Um mestre Zen dizia que a mente do principiante era cheia de possibilidades porque estava receptiva, enquanto que a mente do perito fica restrita ao que conhece, achando que já sabe tudo.”. www.RevistaTaiChiBrasil.com.br
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Rádio Corredor I II Seminário de Taijiquan (Tai Chi Chuan) estilo Chen Campina Grande, PB Na Paraíba acontece o II Seminário de Taijiquan (Tai Chi Chuan) estilo Chen com o Mestre Jan Silberstorf com o apoio da WCTA-BR. World Chen Xiaowang Taijiquan Association – Brazil (CXWTABR). Associação Mundial Chen Xiaowang de Tai Chi Chuan – Brasil. O mestre Jan Silberstorf nasceu em Hamburgo e morou durante 5 anos com o grão-mestre Chen Xiaowang com a finalidade única de aprender o estilo Chen de taijiquan (Tai Chi Chuan) em profundidade, depois de 8 anos de treinamentos anteriores com vários professores na China. É discípulo direto do grão-mestre há mais de 10 anos e é reconhecido como o seu mais avançado aluno ocidental. Além disso, participou com o grãomestre da fundação da World Chen Xiaowang Taijiquan Association, é presidente da World Chen Taijiquan Association – Germany, a maior
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associação de Taijiquan (Tai Chi Chuan) do mundo em número de associados e diretor técnico da WCTA-BR (CXWTABR: World Chen Xiaowang Taijiquan Association – Brazil). Público alvo: leigos e praticantes iniciantes no Taijiquan (Tai Chi Chuan) ou no estilo Chen: a forma Lao Jia é a primeira forma tradicional do estilo Chen. É dividida em 4 partes das quais as duas primeiras serão aprendidas nesse seminário. Será fornecido certificado pela associação a todos os participantes do seminário. Data: 28 e 29 de maio de 2011. Local: Ginásio do Colégio Premen. Maiores informações: eliabetaichi@yahoo.com.br ----------------------
Jornal Praça da Harmonia Universal Brasília, DF Já está em sua 3º edição o Jornal Praça da Harmonia Universal. Sua publicação é trimestral, idealizada pelos praticantes de Tai
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chi, discípulos do mestre Woo. Jornalista responsável: Antônio Prates. Informações na internet: www.phu.org.br/publicacoes.asp ----------------------
15 Anos da TSKF e 5 anos da Brazil International Kung Fu Championship São Paulo, SP Esse ano será celebrado quinze anos de TSKF (Academia de Kung Fu atualmente considerada a maior rede de academias de Kung Fu Estilo Louva-a-Deus da América Latina) e cinco anos de Brazil International Kung Fu Championship. A TSKF, que também oferece Tai Chi Chuan para seus praticantes, está divulgando que haverá uma incrível apresentação que mostrará em curto tempo de como foi o crescimento da TSKF nesses últimos quinze anos. Data: 12 de junho. Informações: tskf@ tskf.com.br – Tel: 11 5071-7484.
Rádio Corredor II Revista Tai Chi Brasil em novo formato para leitura Curitiba, PR
adicionar em seus favoritos para uma consulta futura. ----------------------
A Associação Tai Chi Pai Lin comemora 20 anos de vida São Paulo, SP
A Revista Tai Chi Brasil, através do seu site www. R e v i s t a Ta i C h i B r a s i l . c o m . b r, contém links para que o leitor interessado possa, além de baixar gratuitamente todas as publicações, ter disponível também todas as edições da revista para leitura num novo formato, sem a necessidade de copiar em seu computador. Vale a pena conferir, conhecer e
São várias as atividades abertas para vivenciar as práticas essenciais para saúde e longevidade transmitidas pelo Mestre Liu Pai Lin no Brasil, através de Jerusha Chang e Lúcio Leal. Transmissão de coração dos segredos taoístas com a experiência pessoal de transformação de vida e espírito. Muitas rodas: tai-chi, ba-gua e cinco elementos. Passear muito, mas retornar ao ponto de origem, vislumbrar paisagens diversas, mas permanecer no centro. Cursos, do tai-chi para o tui-na, para o tao-in, circular no movimento-serenidade do modo de vida taoísta. Práticas fundamentadas no Tao Te Ching e I Ching, segundo a transmissão viva, direta e oral do Mestre Liu
Pai Lin. Programação geral: cursos regulares, vivências em fins de semana e práticas abertas. Tai-chi - princípio da natureza aplicado na movimentação circular da energia vital, promovendo equilíbrio, paz e saúde; Tui-na - massagem tradicional chinesa fundamentada na medicina taoísta de equilíbrio yin-yang; Tao-in - meditação taoísta de retorno ao centro de equilibrio e da circulação micro-macrocósmica. Exercícios de respiração profunda, flexibilização e revitalização da circulação de sangue e energia, treinamentos internos para serenidade, forma básica do tai-chi-chuan. Dez encontros para vivenciar o vazio e o silêncio, o centro e a paz interior, a religação-origem e a comunhão-semelhante. Treino livre e gratuito, aberto a todos que queiram praticar em grupo, segundo os ensinamentos do Mestre Liu Pai Lin, através de Jerusha Chang. Vivências Tai Chi Pai Lin em fins de semana. Associação Tai Chi Pai Lin - 20 anos. Espaço Luz. Rua Fradique Coutinho, 1434, Vila Madalena. São Paulo, SP. Tel. 11 3031-1324. info@taichipailin.com. br - www.taichipailin.com.br
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O desenvolvimento do JING e a prática do bastão O conhecimento da teoria do Tai Ji Chuan é imprescindível para que se possa usufruir mais plenamente dos benefícios advindos da prática regular desta arte, cujas origens milenares se confundem com os primórdios da própria medicina oriental. O conceito de CHI, sopro ou energia vital que circula pelo corpo através dos meridianos, é fundamental não só para as práticas de movimento e meditação no Oriente, mas está na base da prática da acupuntura e mesmo da caligrafia e da pintura. O livre fluir da energia pelo corpo é condição importante para a saúde e o bemestar, sendo, por isso, o Tai Ji Chuan e o Chi Kung terapias eficazes de medicina preventiva e corretiva de diversos males advindos de problemas circulatórios, tanto no que se refere à circulação sanguínea, quanto aos sistemas nervoso, linfático e respiratório. Outro conceito igualmente importante para o desenvolvimento da prática do Tai Ji Chuan é conhecido como JING, que pode ser traduzido como essência, força interior. Alguns autores comparam o conceito de JING, tal qual este é concebido no Tai Ji, ao da força do espiral ou força da mola. Na escola Chen de Tai Ji, os mestres caracterizam o JING principalmente como a força ou energia do tecer da seda (Chan Su JING), concebendo poeticamente a imagem do fio contínuo que vai sendo desenrolado em espiral do casulo do bicho da seda. Cabe ao praticante de Tai Ji Chuan que pretende levar a sua prática além de um mero exercício de ginástica calistênica compreender e integrar o conceito de JING em seus movimentos, seja durante o treino das diversas sequências, seja na prática do TUI SHOU, ou mesmo em suas ações e interações do dia-a-dia.
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O JING é o resultado da ação da mente (YI) sobre o CHI. Nas chamadas ARTES MARCIAIS INTERNAS, entre as quais destaca-se o TAI JI CHUAN, busca-se transcender a mera força muscular ou LI, privilegiandose a energia intrínseca ou JING. Um ensinamento tradicional do Tai Ji Chuan diz: a intenção da mente ou YI faz mover a energia vital (CHI), produzindo a força intrínseca ou JING, que por sua vez ativa a força externa dos músculos ou LI. Em chinês, costuma-se resumir: YI -> CHI -> JING -> LI. Para alguns mestres rigorosos, só após muitos anos de prática intensa pode-se de fato distinguir a energia intrínseca do JING da força extrínseca do LI. Mesmo para muitos praticantes de diversos estilos das Artes Marciais escapa completamente o sentido do JING, considerado, por vezes, um dos segredos dos antigos mestres das escolas internas. Ao discorrer sobre a energia espiralada do JING que se expressa através do LI, o mestre Lun Chin conclui: “ Li é visível, Jing é invisível, Li é linear, Jing é circular, Li é pesado, Jing é ágil, Li é duro, Jing é suave, Li é embotado, Jing é focalizado, Li é força, Jing é poder. Bem versados e hábeis na arte, em plena maestria do Jing sobre o Li, só então compreendemos e apreciamos o maravilhoso mistério do Tai Ji Chuan”. Hoje, não há segredos: o praticante de Tai Ji Chuan deve cultivar a energia intrínseca do JING, semelhante àquela que existe na liga da massa do pão, na elasticidade da borracha. Para que o Jing possa desenvolver-se é preciso cultivar o relaxamento profundo das juntas, ligamentos e tendões do corpo. Iniciando-se o movimento na planta dos pés, usando-
se o corpo inteiro como uma unidade, sob o controle do DAN TIEN, a energia espiralada se manifesta nas mãos, com sensibilidade e suavidade, mas revelando intensidade e poder. Exercícios como o “Tecer da Seda” ou Chan Su Jing ou a prática da meditação na postura (Zhang Chuan), também contribuem para desenvolver o Jing, elevando o poder pessoal do praticante até que, nos níveis superiores de prática, o Jing se transforma em Shen ou espírito. Além de praticado com mãos vazias, o Tai Ji Chuan pode também ser cultivado com a ajuda de instrumentos, tais como o bastão, a lança, o sabre, a espada, o leque. Desses, o mais simples é, sem dúvida, o bastão, que costuma, portanto, ser o instrumento ou “arma” introdutória, após a iniciação na prática com mãos vazias. Conforme apontam Chevalier & Gheerbrandt, o simbolismo do bastão inclui diversos aspectos, mas essencialmente aparece como arma e, sobretudo, como arma mágica; como apoio da caminhada do pastor e do peregrino, como eixo do mundo. A cena de abertura do filme clássico de Stanley Kubrik, “2001, uma odisséia no espaço”, mostra a invenção da tecnologia por um grupo de hominídeos primitivos. Em torno do fogo, nossos ancestrais descobrem que um objeto de forma fina e alongada pode ser usado como extensão da sua capacidade física para manipular as brasas, empurrar objetos e, finalmente, como arma para a defesa e o ataque. A cena que se segue então é uma das mais belas da história do cinema: um dos hominídeos lança o bastão para cima. Este vai girando, lentamente, até transformar-se na nave espacial. Resume-se neste gesto toda a história da tecnologia humana que começa com a descoberta do instrumento mais simples – o bastão. Ao longo da História, o bastão tem assumido diversas formas e funções. Refletirmos sobre a
simbólica do bastão pode nos ajudar a compreender e integrar melhor em nossa prática esse instrumento que, se bem utilizado, transforma-se em poderoso aliado para o desenvolvimento energético buscado na arte do Tai Ji Chuan. Os antigos mestres celestes taoístas são quase sempre representados segurando um cajado na mão, simbolizando autoridade e sabedoria. Há textos taoístas que se referem, inclusive, a detalhes, tais como o número de nós do bambu, que seria alusivo aos diferentes desafios que deveriam ser superados antes que o iniciado atingisse o conhecimento. Contase ainda em escritos taoístas que o bastão de madeira de pessegueiro teria poderes para afastar os maus espíritos e servia de transporte para a ascensão a mundos superiores. Também no budismo, o khakkhara dos monges é frequentemente retratado como exercendo múltiplas funções: é instrumento de apoio nas caminhadas, eixo para carregar fardos amarrados em suas duas extremidades e, mesmo, arma de defesa pacífica. Posteriormente, tornou-se símbolo do estado monástico e arma de exorcismo, afugentando as influências perniciosas, amansando dragões e fazendo brotar água das fontes. No hinduísmo, o bastão bramadanda tinha sete nós, representando os sete chakras da fisiologia ioga, que marcam os sete graus da realização espiritual. O bastão é concebido como o eixo vertebral sushumna, cujo ápice superior relaciona-se ao despertar da kundalini na iluminação do sábio. Entre os antigos gregos, destaca-se o caduceu da cura, o bastão de Hermes, em que se enroscam duas serpentes. No judaísmo, brandindo um cajado, Moisés faz abrir o mar vermelho. Na Idade Média, o cabo de vassoura das bruxas que lhes permite transitar magicamente entre o natural e o sobrenatural não deixa de relacionar-se ao bastão de pessegueiro da ascensão dos mestres taoístas. Também a simbologia da vara de condão das fadas,
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magos e xamans reforça a mística de instrumento de poder do bastão. Destaque-se ainda o cetro dos reis e imperadores, símbolo de soberania e comando, tanto na ordem social, quanto na hierarquia intelectual e espiritual (cf. Chevalier & Gheerbrandt). Assim, ao iniciar a prática do bastão, devemos ter em mente que este objeto aparentemente tão simples está, de fato, carregado de forte simbologia, presente em todas as culturas, em todas as épocas, tendo, portanto, um enorme potencial para o desenvolvimento pessoal em vários níveis. Vamos procurar chamar a atenção, em seguida, para alguns fatores práticos relacionados ao treino com o bastão, que podem ser de benefício na arte do tai ji chuan, mais especificamente, para o desenvolvimento da energia JING. De modo bem prático, pode-se dizer que o desenvolvimento consciente da energia JING deve ser o objetivo central do praticante de Tai Ji Chuan. O cultivo do JING está diretamente relacionado ao princípio de integração e unidade entre as partes. Daí a metáfora da massa do pão que só atinge o ponto de JING quando encontra sua “liga” elástica, as partes não se desprendendo mais do todo. Um dos princípios clássicos do Tai Ji Chuan diz que “quando uma parte se move, tudo se move”. Os mestres de Tai Ji são
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incansáveis em chamar a atenção para o movimento do eixo central ou Zhong ding. Este conceito central de integração e unidade encontra a sua expressão mais simples e concreta no bastão! O bastão não apenas representa um eixo, o bastão é um eixo! Se adaptarmos em cada uma de suas extremidades uma roda, o bastão integra as duas em um movimento uniforme. O eixo permite a integração harmônica entre as partes. Se nossos movimentos não estiverem bem integrados e coordenados, as diferentes partes do nosso corpo trabalham umas contra as outras e há um desperdício de energia muscular ou li. Segundo lembra o mestre Zhang Yun, geralmente nós não estamos integrados em nossa vida normal porque, quase sempre, fazemos poucas coisas que requerem integração. A maioria dos objetos que manipulamos no dia a dia é, normalmente, leve, exigindo apenas a mobilização do nosso braço, isoladamente. Assim, sem notar, tornamonos experts no isolamento e não na integração. É preciso, portanto, alterar esse padrão inconsciente. Observe seu comportamento ao empurrar um objeto, por exemplo. Se está usando apenas a musculatura dos seus braços, a energia muscular ou li está sendo mobilizada de forma isolada e não integrada, o que gera tensão e impede o relaxamento profundo necessário para gerar o JING. Fica-se tenso, pois cem por cento da carga é suportada isoladamente pelos braços, quando deveria estar harmonicamente distribuída por todo o corpo. Na prática do Tai Ji Chuan a integração energética que gera o JING pode ser trabalhada de três formas, todas as três sendo enriquecidas pelo uso do bastão: 1) A prática das sequências 2) A prática do Zhan Zhuang ou meditação na postura 3) A prática do Tui Shou ou trabalho em dupla Em cada uma dessas práticas, o bastão contribui para externalizar e explicitar a energia interna. Na prática das rotinas, o desenvolvimento da coordenação entre os movimentos dos braços, por exemplo, é facilitado pela conexão obrigatória exigida pelo bastão quando segurado pelas duas mãos. Por outro lado, ao passar pela perna, o bastão sinaliza de modo bastante claro a coordenação entre a parte inferior e a superior do corpo. Analise, por exemplo, o movimento da sequência conhecido como golpe de baixo para cima à direita e à esquerda, em que o bastão, guiado pelos dois braços que estão necessariamente integrados, pois encontramse ligados ao bastão como em um eixo, descreve uma trajetória de baixo para cima em coordenação com os movimentos das pernas. Ao passar pelas pernas, o bastão sinaliza explicitamente a sua movimentação. Assim, o
bastão contribui para a integração entre as partes, ajudandonos a sermos experts na integração e não no isolamento e, consequentemente, nos ensinando – mestre que é – a gerar JING. É comum os praticantes relatarem que, após aprenderem rotinas com o bastão, a sua habilidade nas sequências de mãos vazias também atinge um patamar superior. Na prática da meditação na postura, o bastão também apresenta diferencial interessante. Esta prática é tradicionalmente recomendada para o desenvolvimento do JING. Segundo o mestre Garofalo, através da meditação na postura pode-se cultivar plenamente “a força interna, a estabilidade, a grandiosidade, a imobilidade, a integridade, projetando-nos além do mundano, onde as enxurradas de estímulos, ideias e emoções atuam para nos fragmentar”. Como companheiro do peregrino nesta viagem interior, o bastão, novamente, pode ser nosso fiel aliado, enfatizando e promovendo a integração entre as partes. No início da prática, a tensão e a fragmentação tentam se impor, exigindo disciplina e concentração para obter o sentimento holístico gerador do JING. Experimente manter a postura do pilar universal com o bastão e perceberá que o sentimento de integração pode ser mais diretamente invocado, beneficiando, posteriormente, a meditação de mãos vazias. Finalmente, nas práticas a dois, o bastão também atua como “antena” desenvolvendo a acuidade de nossa percepção da energia do outro e da nossa própria. No exercício de tui shou com o bastão, novamente, o sentimento de integridade da movimentação do indivíduo no conjunto é valorizado pelo bastão que contribui para desenvolver nossa sensibilidade e resposta, ligando, como eixo, nossas mãos ao Dan Tien e nos ensinando a fazer como os antigos alquimistas, mexendo o elixir em seus caldeirões. Sequência do Bastão A sequência do bastão, abaixo descrita, foi originalmente concebida pelos monges Shaolin, na China, para o desenvolvimento integrado do corpo, mente e espírito.
Foi introduzida no Brasil pelo Mestre Hu. O grupo Totao adaptou e pratica esta sequência dentro do espírito do Tai Ji Chuan: movimentos, em geral, suaves, contínuos, promovendo a circulação do chi e o desenvolvimento do jing. 1. Erguer o bastão 2. Golpe à esquerda 3. Golpe de baixo para cima 4. Diagonal 5. Golpe na cintura 6. Circular o bastão 7. Bastão sob o braço direito, varrendo 8. Posição da guarda 9. Diagonal 10. Posição da guarda 11. Cantar o bastão 12. Defender à esquerda 13. Salto do macaco 14. Defender à direita 15. Circular o bastão por trás e por cima 16. Posição da guarda 17. Varrer à esquerda e à direita 18. Chicote 19. Golpe de baixo para cima com passo direito 20. Espetar a lança 21. Bater, circular e chutar 22. Defender à esquerda e à direita 23. Lançar a perna esq. e adotar posição da guarda 24. Debaixo do braço esquerdo e varrer 25. Posição da guarda 26. Diagonal 27. Posição da guarda 28. Defender 29. Salto do macaco 30. Circular o bastão à esquerda e à direita 31. Bastão sob o braço esquerdo, varrer e bater 32. Levantar e guardar 33. Recuar e defender 34. Defender em espiral em duas direções 35. Saltar nas 4 direções 36. Varrer e bater o bastão 37. Bater o bastão à frente 38. Estocar o bastão 39. Circular o bastão 40. Fechamento Por Marcus Maia - UFRJ http://grupototaoniteroi.multiply.com www.taochia.pro.br/taichichuanbrasil/ prof_marcus_chang.htm [Comente este texto em revistataichibrasil@hotmail.com]
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Tai Chi Chuan estilo Wu O Tai Chi Chuan estilo Wu é o estilo de Tai Chi Chuan (Taijiquan) criado pelos Mestres Wu Chuan-yü (Wu Quanyou) e Wu Chien-chuan (Wu Jianquan). É o quarto em têrmos de antiguidade entre os cinco estilos familiares tradicionais de Tai Chi Chuan (Chen, Yang, Wu/Hao, Wu e Sun) e atribui-se que atualmente é também o segundo em popularidade. No Ocidente este estilo é confundido com frequência com o Tai Chi Chuan estilo Wu/Hao criado pelo Mestre Wu Yu-hsiang, desconsiderando as diferenças entre os dois estilos. Apesar dos ideogramas e da pronúncia dos dois nomes em chinês serem distintas, sua transcrição para o alfabeto ocidental (romanização) é escrita de forma semelhante.
Chuan estilo Chen ou de Tai Chi Chuan estilo Yang. São empregadas com frequência técnicas que envolvem pequenos círculos com as mãos, sem deixar de treinar técnicas com círculos grandes. O estilo Wu também difere dos outros 4 estilos familiares de Tai Chi Chuan marcialmente por seu foco em agarramentos, deslocamentos (shuai chiao) e outras técnicas de luta no solo. No nível de treinamento mais avançado além das formas mais usuais de prática de “Tui Shou” com ataques e bloqueios também são treinadas acrobacias, saltos, varreduras com a perna, alavancas em pontos de pressão com possibilidade de travamento e quebra de articulações.
Características do Tai Chi Chuan estilo Wu
Mestres do Tai Chi Chuan estilo Wu
Apesar de historicamente ter sua origem no Tai Chi Chuan estilo Yang, o Tai Chi Chuan estilo Wu têm uma aparência distinta para quem observa a sua prática e compartilha algumas características com o Tai Chi Chuan estilo Sun devido à longa colaboração entre o Mestre Wu Chien-chuan e o Mestre Sun Lutang. O estilo Wu enfatiza a importância de manter durante todo o treinamento a coluna alinhada segundo uma linha reta que vai do topo da cabeça até o calcanhar do pé de trás. Este alinhamento num plano inclinado tem como objetivo ampliar os limites de alcance do praticante. A maioria dos demais estilos de Tai Chi Chuan também treinam este alinhamento ocasionalmente durante a prática das formas e do Tui Shou (“empurar as mãos”), mas não tão sistematicamente como o Tai Chi Chuan estilo Wu. Outro aspecto significativo do treinamento do Tai Chi Chuan estilo Wu é o deslocamento de 100% do peso sobre uma das pernas, “separando yin e yang”. A perna que suporta 100% do peso do corpo é considerada a perna yang, já que está “cheia”. A perna yin é a que não recebe nenum peso, está “vazia”. No treinamento das formas, na prática de Tui Shou e nas formas com armas o Tai Chi Chuan estilo Wu enfatiza posturas com os pés paralelos como a “postura de montar a cavalo” mantendo os pés relativamente mais próximos que as formas contemporâneas de Tai Chi
1ª Geração Wu Chuan-yü (Wu Quanyou) (1834-1902), que aprendeu Tai Chi Chuan com Yang Luchan e Yang Banhou foi o instrutor principal entre 1870 e 1902. 2ª Geração Seu filho mais velho, Wu Chien-chuan (Wu Jianquan) (1870-1942), foi o instrutor principal entre 1902-1942. 3ª Geração Seu filho mais velho, Wu Kung-i (Wu Gongyi) (1900-1970) foi o instrutor principal entre 1942-1970. 3ª Geração O irmão mais novo de Wu Kung-i, Wu Kungtsao (Wu Gongzao) (1903-1983), foi o instrutor principal entre 1970 e 1983. 3ª Geração A irmã mais nova de Wu Kung-i, Wu Ying-hua (Wu Yinghua) (1907-1997), foi a instrutora principal entre 1983 e 1997. 4ª Geração A filha de Wu Kung-i, Wu Yan-hsia (Wu Yanxia) (1930-2001) foi a instrutora principal entre 1997 e 2001. 4ª Geração O filho de Wu Kung-tsao, Wu Ta-hsin (Wu Daxin, 1933-2005), foi o instrutor principal entre 2001 e 2005. 5ª Geração Atualmente o instrutor principal do Tai Chi
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Mestra Wu Yan Hsia, filha do Mestre Wu Kung I, demonstra o movimento de Tai Chi Chuan “Acompanhar a cauda do pássaro”. Outubro de 1995.
Chuan estilo Wu é o filho de Wu Ta-kuei, Wu Kuangyu (Wu Guangyu), Eddie Wu, (nascido em 1946). O Tai Chi Chuan estilo Wu no Brasil O Tai Chi Chuan estilo Wu foi introduzido no Brasil no início da década de 1960 pelo Mestre Wong Seung Kueng, um dos pioneiros no ensino da arte do Tai Chi Chuan no país. Wong foi discípulo dos Mestres Wu Ta Kei e Wu Gongyi, representantes da 4ª e da 3ª geração do estilo Wu.
Referências
. Journal of Asian Martial Arts Volume 15, No. 1, 2006. Via Media Publishing, Erie Pennsylvania USA. ISSN 1057-8358. . Tai Chi Chuan estilo Wu. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Tai_Chi_Chuan_estilo_ Wu>. . Foto: Bradeos Graphon. Titular que cedeu os direitos de autor desta imagem ao domínio público, com aplicação em todo o mundo para qualquer fim, sem quaisquer condições, a menos que tais condições sejam impostas por lei.
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Psicologia Um olhar psicológico sobre o combate no taijiquan
Por Liana Netto Diretora Executiva da World Chen Xiaowang Taijiquan Association Brasil (seção Bahia) http://wcta.com.br A prática do combate no taijiquan é no seu aspecto simbólico, da luta interior contra os frequentemente menosprezada, quando não mal demônios da ignorância. O termo Wu Shu, como tradicionalmente designamos as artes marciais chinesas, compreendida e discriminada. Com meu background de psicóloga posso significa literalmente “a arte de parar o machado”, simbolicamente, a arte de deter a afirmar que em lugar de macular violência, interna e externa. o aspecto terapêutico da prática, o “Quem conhece O fim desejado nas artes treino marcial o reforça: em última os outros é inteligente, marciais é a vitória sem combate. instância estamos lutando não Seja porque o guerreiro é capaz contra o outro, mas contra nosso quem conhece de interrompê-lo antes mesmo próprio senso de vulnerabilidade; a si mesmo é sábio; de iniciar (“O mérito supremo não contra um oponente externo, consiste em quebrar a resistência do mas contra os nossos poderosos quem vence inimigo sem lutar” Sun Tzu), seja oponentes invisíveis (p. ex., os os outros é forte, porque ele intercepta o oponente medos, os limites autoimpostos, a antes do primeiro golpe (“Se você ignorância...) . quem vence está parado, eu estou parado; se Essa não é uma prerrogativa a si mesmo é poderoso” você se move, eu já estou lá”). do tajiquan, aliás. A palavra Entretanto, só pode ser chamado Marcial deriva de Marte, deus da guerra no panteão romano e irmão de Minerva (deusa de vitorioso sem combate aquele que, se o tivesse feito, da sabedoria): o que nos permite compreender a guerra teria vencido; só pode se arvorar a doador de vidas
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Liana Netto com o Mestre Jan Siberstorff
aquele que, se quisesse, as tiraria, tanto assim como só tem valor a humildade de quem seja poderoso e a bondade quando se poderia ser mau. Do contrário é disfarce, ou ilusão. A inscrição trazida no oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerá o universo e os Deuses”, além de ter uma semelhança com a tradicional frase de Chen Wangting (“Ninguém pode me ver, mas eu vejo a todos”), é uma máxima apontada por todas as ordens místicas guerreiras: o mais alto nível de gongfu é inseparável de uma alta consciência de si próprio (“Quem conhece os outros é inteligente, quem conhece a si mesmo é sábio; quem vence os outros é forte, quem vence a si mesmo é poderoso” Lao Tzu).
As artes marciais também podem estar associadas à figura do herói, que vencendo monstros e demônios consegue ascender a uma condição de mais integridade e sabedoria. O mito grego de Hércules, herói humano, é representativo do eterno discípulo que após passar por várias provas liberta das correntes o deus Prometeu. E porque é que um ser humano liberta um deus? Porque este deus é a própria alma do ser humano que está presa às cadeias da paixão e do instinto, simbolizada aqui por um abutre que come o fígado (sede das emoções) de Prometeu. Instintiva e impulsiva é a nossa resposta diante de uma situação de ameaça. A prática do combate, mesmo sendo uma situação “laboratorial”, nos remete rapidamente à condição primitiva que compartilhamos com répteis, mamíferos inferiores e primatas, quando acionamos nossa resposta de defesa autonômica, de luta e fuga, e quando se torna tanto desafiador, quanto necessário, aprender a modular a agressividade pra defender nosso território (físico, emocional, mental, espiritual, social) sem machucar o outro. Se a ameaça sobrecarrega demais nosso sistema, entra em cena ainda uma terceira categoria de resposta de defesa- a defesa passiva do colapso ou do congelamento, que liquida nossa capacidade até mesmo de tentar reagir. E muitos de nós ficamos presos nas malhas dos nossos fantasmas, juntamente com nossa força. Trazer de volta nossa condição de homo sapiens e ser capaz de transitar entre os bichos e os deuses, o instinto e o livre-arbítrio, ampliando nosso espectro de possibilidades de respostas diante de um evento, com a energia necessária e adequada para o bom enfrentamento das situações do combate e da vida (tensão e relaxamento suficientes) é uma outra forma de definir o propósito último do guerreiro, de cultivar a consciência e a autoconsciência. [Comente este texto em revistataichibrasil@hotmail.com]
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Tai Chi Chuan - Tratado “Nadando na terra” O 5º Tratado de Cheng Man-Ching
Por Aparecido de Lira e Eliane Cardoso Diretores: Instituto Fu Hok de Cultura Marcial Chinesa http://www.institutofuhok.com.br A natação é reconhecida mundialmente como melhor método de exercício. Entretanto, são conhecidas diversas desvantagens com a sua prática, como por exemplo, contrair doenças contagiosas como tracoma, gonorreia ou a transmissão através da água de infecções de garganta, ouvidos e nariz. No caso de coração fraco, pode ocorrer afogamento. Contudo, apesar destas deficiências, a natação possui duas excepcionais vantagens: uma em teoria e outra na prática. Em teoria, permite-nos tornar fortes nadadores, na prática, eleva a resistência. Aqueles que são bons nadadores e têm grande resistência mostram os resultados do uso do ch’i. Grandes nadadores devem ter a habilidade de prender a respiração. Quanto maior o tempo que retemos a respiração, mais nos aperfeiçoamos como nadadores. A resistência é também um exercício da habilidade em prender a respiração. Quanto maior o tempo que a respiração é presa, maior é o volume de ar. Aumentar o volume da respiração representa um avanço no poder do ch’i. O que nos referimos como resistência é simplesmente o desenvolvimento do ch’i. Por isso, aqueles que são fortes nadadores e também tem desenvolvido seu ch’i, invariavelmente levam vantagem ao flutuar. Assim, se nós combinarmos as vantagens da teoria e prática, não seria chamado de flexibilidade? Isto é o que Lao Tzu se refere como o método de concentrar o ch’i e desenvolver a flexibilidade. O que distinguiria Tai Chi Chuan de outros exercícios é simplesmente que sua especial vantagem reside em concentrar o ch’i e desenvolver a flexibilidade. Deste ponto de vista, a natação não se compara com o Tai Chi Chuan. Do ponto de vista de aumentar a resistência sem a presença de perigos, Tai Chi Chuan é também muito superior que a natação.
O Tai Chi Chuan também é chamado de “Punho Longo”, ou como é dito, “vagaroso e contínuo como grandes rios e mares”. Isso descreve perfeitamente a ideia de movimento contínuo, que nada mais é que concentrar o ch’i e desenvolver a flexibilidade. É precisamente o mesmo método de funcionamento da natação. A razão pela qual o peixe é exímio nadador é por ele ter nascido e se criado na água. Isso significa que eles compreendem as funções da água? A razão pela qual os seres humanos são exímios caminhantes é porque eles nasceram e foram criados na terra e necessitam do ar. Mas eles não compreendem a função do ar. Contudo, se o peixe é retirado da água, ele morre e, se o ser humano é privado do ar, sua vida cessa. Quanto a isso, eles são semelhantes. Então, enquanto água e ar não se equivale, a falta deles é única. Apesar de seres humanos e peixes não serem o mesmo, sua resposta à retirada de seu elemento é idêntica. Disso podemos concluir que a importância do ar para o ser humano é igual a da água para o peixe. Minha natação na terra, ou imaginando que estou nadando, se torna perfeitamente possível. Por esta razão, eu criei o conceito da natação na terra. Os seres humanos vivem na terra e enquanto eles estão nadando no ar, eles não tem tido consciência de quão certamente é grande este ar! Isso é verdadeiramente supremo! No seu funcionamento não há nada que ele não possa manter, nada que não possa nutrir. Nós sabemos disso, mas não sabemos a razão. Os ensinamentos do Imperador Amarelo, Ch’i Po, e Lao Tzu são revelações sutis e detalhadas que nós não podemos nunca esgotá-las. Algumas pessoas não têm força suficiente para amarrar uma galinha e outras
“Tai Chi Chuan é o método de armazenar o ch’i e a técnica para que ele circule. Com isto ele transborda pelo tendão, alcança a medula, preenche as membranas e diafragma, e se manifesta no cabelo e pele.”
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podem carregar um grande caldeirão. Ambos são seres humanos, mas como podem ter forças tão diferenciadas? A fonte da força está conectada com o ch’i. Aqueles cuja força é grande tem um ch’i forte, que resulta do armazenamento de ch’i. Armazenar ch’i é como armazenar água. Se o estoque de água não é muito profundo, existirá um pequeno poder de flutuação e nem mesmo uma xícara ou prato flutuará facilmente. Quando o armazenamento de água é profundo, então um navio de dez toneladas parecerá flutuar sem peso, levemente. Aqueles que são capazes de carregar grandes caldeirões simplesmente possuem um armazenamento profundo de ch’i. Se pudéssemos somente precisar que o segredo de armazenar o ch’i se assemelha ao armazenamento de água, então nossa força seria infinita e erguer um grande caldeirão seria uma proeza insignificante. Armazenar o ch’i significa armazená-lo no tant’ien. O tan-t’ien é o “Mar de Ch’i” (ch’i-hai) e se localiza 1.3 polegadas abaixo do umbigo. Comparando com o mar, permite-nos compreender sua capacidade, mantendo poder, imensidão e profundidade. Se o ch’i retornar para o “mar” e acumular por dias e meses sem interrupção, após três anos poder-se-á ser capaz de ver progressos significantes. Como se pode começar a trabalhar com o armazenamento do ch’i para obter este resultado? Nossa resposta é que o Tai Chi
Chuan é o método de armazenar o ch’i e a técnica para que ele circule. Com isto ele transborda pelo tendão, alcança a medula, preenche as membranas e diafragma, e se manifesta no cabelo e pele. Esta é verdadeiramente a concentração de ch’i e desenvolvimento da flexibilidade. O exercício de concentração de ch’i e desenvolvimento da flexibilidade o qual mais se corresponde aos princípios do Tai Chi Chuan é a natação. Se nós gastarmos o equivalente a um minuto de força, então veremos os resultados de um minuto de força; se nós gastarmos quinze minutos de esforço, então veremos o resultado de quinze minutos de esforço. Nosso progresso estará equilibrado por dias e meses. Mais precisamente porque não se pode ser medido, por isso eu uso a comparação com o Tai Chi Chuan. O ar não é vazio, é como a água. Com cada movimento nós sentimos a turbulência do ar, exatamente como se estivéssemos nadando. Inalar, exalar, flutuar e afundar, movendo-se para frente e para trás, tudo se assemelha à natação. Se pudermos atingir este nível, nós teríamos ido além das pessoas comuns. Iniciantes podem começar por simplesmente mover seus braços ou estirando seus membros ao vento para reconhecer que o vento e o ar são similares à água. Num nível mais elevado, nós nos inteiramos que o ar não é apenas mais pesado que a água, como também que o ferro. Há muito tempo, meu amigo, Sr. Ts’ao Chung, narrava a um cético como eu, sobre a descoberta científica de que o ar era mais pesado que o ferro. Ele me disse que em experimentos onde o ar foi inserido sob uma pressão intensa dentro de um container de ferro, e usado como um dispositivo explosivo, seu poder ultrapassou o de bombas convencionais. Entretanto, desde a invenção da bomba atômica, a ideia do ar ser mais pesado que o ferro não parecia tão estranho afinal. Os movimentos do Tai Chi Chuan brotam do armazenamento do ch’i. Seu poder de aguentar peso é maior que o da água. Este, então, é a verdade da habilidade de concentrar o ch’i e desenvolver a flexibilidade para superar grandes resistências. Se trabalharmos com o conceito de nadar no ar, nós certamente receberemos grandes benefícios. [Comente este texto em revistataichibrasil@hotmail.com]
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Opinião praticar Tai Chi pela razão que cada um deve encontrar em si mesmo Por Levis Litz Jornalista e Professor de Tai Chi Chuan www.TaiChiCuritiba.com.br - www.FotoseRumos.com Acredito, no que concerne ao Tai Chi Chuan, que tudo é uma ressonância da busca interna de cada um: alguns necessitam saber mais, ir mais além, já outros se contentam com o que recebem. Por mais que o professor instigue, para muitos alunos e praticantes novatos de Tai Chi Chuan (Taijiquan) não é relevante se o que praticam é do estilo Chen, Yang, Wu/Hao, Wu ou Sun das linhas tradicionais das famílias, se é original ou híbrido, se é deste ou daquele mestre, isso porque buscam seus resultados práticos, que também permeiam seus interesses pessoais, seja no aspecto marcial, resultados terapêuticos, competições ou modismos. Isto é, para muitos, o que interessa é se estão satisfeitos e felizes com o que fazem e adquirem. É claro que ainda há aqueles que são mais “buscadores”, querem compreender e sentir o “intangível” - se unir ao indefinível Tao. Vejamos o exemplo de quem aprende direto com um chinês que não sabe o idioma do aprendiz: a transmissão teórica pode cair por terra devido ao não entendimento cognitivo entre professor-aluno. Por outro lado, no mundo atual, as oportunidades são infindáveis com a aplicabilidade e utilidade da tecnologia, tornando-se um buscador aquele que quiser se tornar um. Uma das coisas que aprecio no Tai Chi Chuan é justamente as infinitas e maravilhosas possibilidades que ele nos apresenta. Se você quer apenas uma ginástica, você encontra, se você quer seguir uma filosofia de vida, que vai desde amarrar o cadarço do seu tênis, passando pela postura mais leve ao caminhar, até o momento mais sublime do seu dia-a-dia, o Tai Chi Chuan também lhe proporciona isso.
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Sobre as alterações das práticas, elas são inevitáveis (não quero dizer que aprecio), mas fazem parte da condição da mutação intrínsica do ser humano que é resultado do meio cultural ao qual está inserido. Mesmo o filho de um mestre que aprende a pauta corporal (coreografia) “correta”, muda sua forma de pensar e agir ao passar dos anos. O Mestre Yang, em um seminário que tive a ótima oportunidade de fazer em São Paulo, nos contou que seu filho pequeno, num determinado momento, achava a prática do Tai Chi um pouco tediosa. Isso acredito ser bem normal. Outro exemplo o Bruce Lee que, segundo um documentário, quando criança não queria apanhar de seus “coleguinhas”. Ao pedir auxílio a seu pai para aprender uma arte marcial, este lhe disse para aprender Tai Chi Chuan. Todos já sabem qual foi a escolha do Bruce Lee - certamente não foi o Tai Chi. Se conversarmos com chineses que não têm vínculo com o Tai Chi, muitos deles olham essa prática como ginástica para idoso e, assim, essa ideia parcialmente equivocada, se perpetua. Felizmente, ou não, as oportunidades estão presentes, tantos aos que buscam um caminho honesto, como também aos “picaretas”. Isso sempre foi assim, não é exclusividade do nosso tempo. A busca é que regula a qualidade do ensino do Tai Chi - na prática e/ou na teoria, tanto do praticante/aluno como do seu professor/mestre (SiFu). Sou veementemente a favor de que se pratique Tai Chi Chuan de forma perene pela razão que cada um deve encontrar em si mesmo. Como um amigo, Anderson Rosa, uma vez bem disse: “vale à pena também ver se a atitude pessoal do
instrutor perante a vida corresponde ao equilíbrio esperado no Tai Chi”. Isso me faz lembrar dos anos 80, quando um grupo ao qual pertencia pensou em contratar um professor de kung-fu. Buscávamos alguém que seguisse os nobres e preciosos preceitos da filosofia Kung-Fu. O professor, ao ser indagado sobre isso, afirmou que sim, mas o que pudemos observar na entrevista foi que se comportava exatamente ao contrário, ou seja, as suas palavras eram a contradição do que o seu comportamento corporal deixava a mostra. Então, não é que acabamos encontrando um discípulo direto do Mestre Liu Pai Lin e começamos a aprender o Tai Chi com ele? Acho que a melhor referência de um professor é ele mesmo, o seu comportamento revela nitidamente isso. Desta forma vê-se se ele está realmente “conectado” com o que ensina. Pode acontecer também de na “minha terra eu ser um cego e o meu professor ter um olho só” - nesse caso ele será meu “rei” por enxergar melhor do que eu - não é assim que funciona? Quem sabe mais ensina o que sabe menos, até o aprendiz se tornar mestre. É claro que tudo é muito relativo e leva a apaixonantes e proveitosas discussões. Em suma, como está escrito no livro “T´ai-chi Touchstones: Yang Family Secret Transmissions, “Se alguém pratica Tai Chi uma vez por dia, vai ter os benefícios de um dia de prática, se pratica sete dias por semana, terá seus benefícios multiplicados por sete”. Penso que é o praticante que define o que quer para si, a qualidade do Tai Chi Chuan que irá aprender depende de onde ele for buscar. É isso aí, boa prática!
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