Revista
Tai Chi Brasil RevistaTaiChiBrasil.com.br
Edição nº 35 - Distribuição on-line gratuita e dirigida
“TAIJIQUAN SALVOU MINHA VIDA” Zha Xi
Mulheres no Tai Chi
LIVRO - LANÇAMENTO EM BREVE!
Tajijiquan Estilo Chen: Mestres e Métodos é o resultado de cerca de duas décadas de pesquisas contínuas sobre a mais antiga das cinco escolas tradicionais de Taijiquan. Este livro reúne um registro dos ensinamentos de uma geração de mestres de uma era anterior à propagação em massa da arte. Em breve disponível na Amazon
Os autores são praticantes de longa data. Ensinam taijiquan na Europa e nos EUA. Seus trabalhos incluem os livros: A Essência do Taijiquan, Chen Style Taijiquan: The Source of Taiji Boxing e Talking Chen Taijiquan 02
EDITORIAL
Tai Chi Mulher
Taijiquan
Amor, coragem, compreensão, carinho, perseverança, resistência, uma mão que segura, um canto que acalenta... Um Tai Chi que, aos movimentos, enobrece. A mulher, como disse o poeta, Victor Hugo: “é o mais sublime dos ideais”. Na busca de uma existência melhor, somos eternos aprendizes da sua sabedoria. É nesse vislumbre do belo, do feminino, que dedicamos esta edição da Revista Tai Chi Brasil. O Tai Chi pelos olhos das mulheres. Apresentamos relatos, contos, olhares, trajetórias e nuances. Tudo expresso em artigos, textos, fotografias... para a nossa sorte! É uma honra poder, em algumas páginas, registrar suas palavras, sob primorosas perspectivas de como percebem o Tai Chi. A essas reverenciáveis mestras, professoras, instrutoras, praticantes de Tai Chi, o nosso reconhecimento e respeito. Aprendi muito. E espero que suas histórias os encantem também. Boa leitura! Bom Tai Chi! Levis Litz Editor
CAPA
Zha Xi: Tai Chi Sabre estilo Yang Foto: Chunhua Qiushi
Aos leitores da RTCB Papel ou digital? A opção é sua! Visite a nossa página na internet em www.RevistaTaiChiBrasil.com.br. Você poderá ler a versão digital na tela do seu computador ou então baixar gratuitamente para ler mais tarde. Se preferir a versão em papel, basta baixar (fazer um “download”) e imprimir. Essa alternativa é a preferida de alguns colecionadores.
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EXPEDIENTE
Cenas • Momentos & Bastidores Um encontro com mestres tradicionais ... O editor da Revista Tai Chi Brasil esteve presente no Internationtal Tai Chi Chuan Symposium que ocorreu na Itália (2019), onde foi realizado a cerimônia de discipulado da profa. Ana Horta. Página 18.
Uma selfie com mestres e mestras do TaiJi ... O editor da Revista Tai Chi Brasil registrou sua participação, via Zoom, no início da Segunda Temporada do TaiJi Sem Fronteiras. Foi uma live que contou com a participação de dezenas de professores. Página 74.
Revista
Tai Chi Brasil
Capa Mestra Zha Xi Tai Chi Sabre estilo Yang Foto: Chunhua Qiushi Revisão dos Textos & Imagens Responsabilidade dos autores
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Curitiba - Paraná - Brasil Edição nº 35 | Julho / 2021 ® Todos os direitos reservados Registro nº 401.197 / 2009 4° ofício de registro de documentos
Editor: Levis Litz
CNPJ: 20.259.228/0001-08
Colaboração Tan Xiao, Carly Behnken, Ana Cloe, Ana Horta, Analiz Pergolizzi, Angela Soci, Bethli, Denise S Queiros, Eliete Ramos, Julia Ruiz Di Giovanni, Lídia Vaz Nunes, Luciani Weigert, Valesca Giordano, David Gaffney, Estevam Ribeiro, Gil Rodrigues e Marcus Maia. Agradecimentos Andrea Valverde, Chang Maia, Davidine Siaw Voon Sim, Elenice Benvenutti, Jerusha Chang, Lisandra Falcão, Luiza Wisniewski, Mei Maia, Natalia Krause, Raquel Silva dos Santos,
Violeta Sun, Waldete Bazzo, Zha Xi, Adriano D’ávila, Chunhua Qiushi, Eduardo Almeida, Elio Li, Gabriel Guarino, João Eduardo Teixeira, Krihsna Raza, Li Haishui, Luciano Vasconcelos, Magno Bueno, Renato Frade, Tiago Moraes, Sr. Wu, Yang Dawei, Estúdio Gangorra, Fotos e Rumos, 100PorCentoBemEstar, Gan En Taiji College, Grupo Tai Chi Curitiba, Grupo ToTao, Joabe Romed Produções, Shao Sheng Cultural, Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan, Taolu Cultura Oriental, TaiJi Sem Fronteiras e T. Taichilife. Revista Tai Chi Brasil www.RevistaTaiChiBrasil.com.br Jornalista responsável Levis Litz - mtb 3865/15/52v pr LevisLitz@gmail.com -----------------------------------------
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SUMÁRIO
24 Gratidão pelo Taijiquan “Taijiquan salvou minha vida!
10 __ Minha trajetória como
praticante, estudante, pesquisadora, instrutora de Tai Chi Chuan!
14 __ Taijiquan, minha arte de buscar raízes
18 __ “Ai” é o que sou: “amor” em chinês.
24 __ Grã-Mestra Zha Xi
A Gratidão pelo Taijiquan
34 __ Tai Chi pelos olhos das mulheres!
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40 __ Taijiquan e Psicologia 44 __ O que desaprendi sobre meu corpo no taijiquan
52 __ O Tai Chi pelos meus olhos!
56 __ Considerações sobre o
feminino e Tai Chi Chuan
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60 __ ... com amor, @ Bethli 66 __ A Mulher no Taijiquan - As mulheres chinesa e brasileira: o que temos em comum?
74 __ TaiJi Sem Fronteiras
A 2a Temporada já começou!
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82 __ TAIJIQUAN - UNESCO
Patrimônio Imaterial Cultural da Humanidade
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Mulheres no Tai Chi Carly Behnken
Revista Tai Chi Brasil Jardim Botânico - RJ Foto: Estevam Ribeiro
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MENSAGENS TAI CHI EM REVISTA POR AÍ
Capa da edição anterior. Revista Tai Chi Brasil Desde 2009 - 35 edições
QR Code - Aponte a câmera do seu celular, acesse o link e escolha qualquer uma das 35 edições da Revista Tai Chi Brasil para ler. É grátis!
Recebemos & Agradecemos ... comentários, colaborações e contribuições que representam o reconhecimento de um trabalho sincero. De coração, somos gratos aos queridos leitores anônimos ou não, todos e todas!
Olha, que bacana! A profa. Violeta Sun prestigiando a Revista Tai Chi Brasil com a sua caneca personalizada. E... que tem muita gente lendo a Revista Tai Chi Brasil por aí... Isso tem! Há mais de 10 anos publicando dicas, curiosidades, matérias, fotografias, artigos... A boa notícia é que sempre poderemos reler qualquer edição. Seja digital, nas folhas de papel ou na tela de um computador... Se você é um desses admiradores do nosso trabalho, escreva para nós, comente, compartilhe...
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RELATO
Minha trajetória como praticante, estudante, pesquisadora, instrutora de Tai Chi Chuan! Angela Soci
Tudo isso começou com uma grande pergunta: - Qual a finalidade de minha vida? - Qual o sentido desta existência tão fugaz? Qual o significado de minha vida? Uma história de amor Numa bela manhã de domingo, numa escola de filosofia onde fui buscar significado para minha existência, adentrei em uma aula de Taijiquan oferecida por um mestre chinês. Quem me chamou mais atenção não foi realmente o
Mestre, mas sim sua tradutora... Uma chinesa alta, com cabelos curtos e gestos amplos, mas especialmente com uma voz calma e penetrante, que traduzia o que o velhinho chinês estava tentando nos ensinar. O movimento sutil do corpo que se expandia e recolhia, na medida em que o ar entrava e saia demonstrava a habilidade milenar daquele mestre, mas a voz da tradutora que dizia: - inspire elevando os braços e expire baixando os braços; era o que mais me chamou a atenção e tocou meu coração profundamente! Naquele momento, minha mente foi levada a um tempo em que o tempo não existe, um lugar no espaço, aquele, do reconhecimento interno daquilo que estive buscando para dar sentido à minha vida, e afirmei dentro de mim: - é isto que eu quero praticar durante o resto de meus dias. Em verdade, eu tinha quase nenhum conhecimento sobre esta arte, apenas iniciava a ter aulas básicas, mas foi aí que encontrei o sentido de minha vida...na prática do Taijiquan, arte a qual dedico toda a minha vida, de corpo e alma.
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É um universo masculino, o das Artes Marciais, mas o Taijiquan foge bastante ao comum destas artes, por conta de sua leveza, suavidade e principalmente método! Movimentos lentos, suaves, fluídos! Este lado da expressão de suas energias e que consiste em seu método fundamental de treinamento, se apresenta com um lado atrativo às mulheres, pois encanta e ao mesmo tempo oferece oportunidade de que possamos conhecer melhor nossa força. Levei anos para ter coragem de ensinar, mas muito rapidamente adentrei ao estudo das teorias que compõem esta arte e mais uma vez me apaixonei, pois a visão da amplitude de suas aplicações foi magnífica! Compreender seus efeitos no corpo, na mente, no espírito e tudo o que é possível se desenvolver a partir da prática desta arte, enlevou meu coração a me manter atenta sempre a cada aula, instrução, orientação, correção de meu mestre, Professor Roque Severino, quem me integrou a todos os aspectos desta maravilha!
As experiências destes momentos são indescritíveis, constam de descobertas do corpo e da alma, que só mães sabem contar. Associadas à prática constante e diária do Taijiquan, se redobram e se intensificam, permitindo uma sintonia intensa com a vida sendo criada! Após os partos, porque em verdade tive dois filhos, o retorno às aulas bem rapidamente, me conduziram a esta experiência de nutrirme bem para nutrir a criança. A prática entre as mamadas trouxe energia a este corpo, que deveria estar pronto para alimentar meus filhos! Momento intenso, de grande atividade! Ao longo do tempo esta fase se tornou mais complexa, pois a demanda das crianças que crescem se transforma, assim como nossa própria vida...Tive momentos em que reconheci a necessidade de me recolher, para cuidar. Além de que, nunca parei as práticas, me ausentar das aulas foi uma opção importante para dar atenção à família e reconheço que este recolhimento veio para fortalecer ainda mais minha convicção sobre o que fazer em uma próxima fase.
“A prática da arte do Taiji associada à geração da vida, é algo que deveria ser experimentado por todas as mulheres!”
Com ele que foi meu amigo, professor, mestre, companheiro e pai de meus filhos, tive todos os aprendizados possíveis para me desenvolver nesta arte, e o que hoje professo, devo 100% aos 40 anos em que estivemos juntos! Após dois anos em dar início ao ensino do Taijiquan, engravidei...e, pude constatar que a prática da arte do Taiji associada à geração da vida, é algo que deveria ser experimentado por todas as mulheres! Todo o tempo da gestação me mantive ativa, dando aulas. Consegui manter um equilíbrio alimentar, ausência de ansiedade, e principalmente o corpo forte para auxiliar no momento do parto. No início um pouco sonolenta, mas após o quarto mês a energia se redobrou e ao final, saí de uma aula as 11h30 da manhã de minha escola, para dar à luz ao meu primeiro filho no mesmo dia às 8h40 da noite.
Busquei respeitar os ciclos do Yin e do Yang em minha vida, especialmente neste contexto, quando minha presença em outros aspectos da vida era tão importante. Este reconhecimento me trouxe amadurecimento e consciência, além de uma vivência significativa da filosofia de nossa arte! Foi a partir daí de forma muito importante, que pude constatar que o Taijiquan extrapola os centros de treinamento e adentra em nossas vidas, como parte coadjuvante em nosso desenvolvimento como seres humanos. Sua filosofia da não violência, da harmonia entre os opostos, da capacidade de adaptação às diversas circunstâncias, da administração dos conflitos, só faz sentido, quando enfrentamos
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No geral, as esposas dos Mestres, são também Mestras... Na família Yang isso é bem comum, tanto que a esposa do Mestre Yang Zhenduo também é Mestra de Taiji. Somente não precisa figurar, pois seu valor inestimável é reconhecido naturalmente, tanto por seu esposo, como por toda a comunidade de praticantes! Na atualidade esta arte tem sido reconhecida como uma maravilha a ser praticada por todos! Foi elevada pela Unesco como “Patrimônio Imaterial Cultural da Humanidade”. as adversidades e colocamos em prática a experiência ganha dentro dos treinos, em sala de aula.
A cada ano vai se estabelecendo como parte da vida de pessoas do mundo todo, e hoje como Prática Integrativa.
Essa é a via de meu ensino e o conselho que ofereço a todos os praticantes sejam homens ou mulheres!
O importante é que as pessoas que se dediquem a ensinar o Tai Chi Chuan tenham em mente que é fundamental respeitar os fundamentos tradicionais desta Arte, que justamente continua viva, por levar adiante o legado de seus criadores!
Em meu caminho encontrei poucas Mestras de Taijiquan. Mas uma em especial me chama a atenção, a esposa do Mestre Yang Jun, Mestra Fang Hong, que também, como esposa de seu professor, teve que se adaptar a sua posição por um lado, mas por outro se destacou, tanto como pessoa como professora de Taijiquan. Sua força para dar apoio ao seu esposo, e ao mesmo tempo cuidar dos dois filhos que tiveram e ainda, dedicar-se à prática a ponto de ensinar com maestria! Um exemplo belíssimo que causa admiração!
Sejamos homens ou mulheres, temos essa missão de preservar e difundir com profundidade e principalmente responsabilidade, o Tai Chi Chuan para que todos os seus benefícios, que abrangem o corpo, a mente e o espírito humano possam ser experimentados por todos aqueles que o venham a praticar!
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Mulheres no Tai Chi Lídia Vaz Nunes
Revista Tai Chi Brasil Dia Mundial do Tai Chi • 2005 Praça Afonso Botelho - Curitiba Foto: Levis Litz
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TEXTO
Taijiquan, minha arte de buscar raízes
Foto/Arte: Tan Xiao
Tan Xiao
Entre as artes tradicionais que a China compartilha com o mundo, o Taijiquan assume lugar de especial importância. Calculase que mais de cem milhões de pessoas, espalhadas por países os mais diversos, praticam essa arte venerável, obtendo benefícios para a saúde física e mental. E para mim, além das vantagens para o bem-estar e rigidez, o Taijiquan tem construído uma ponte, um vínculo emocional entre mim e minha pátria. Taijiquan veio-me como oportunidade valiosa de manter conexão com minha herança nacional e étnica, e ainda, de poder compartilhar a tradição e a cultura dos nossos ancestrais.
Há anos atrás, o Taijiquan apenas me evocava o Gongfu misterioso do Templo da Nuvem Púrpura da Montanha Wudang, das novelas de artes marciais do famoso romancista Jin Yong, dos filmes de Jet Li ... Parecia-me, então, uma arte marcial como outras, assim como o Gongfu Shaolin, oculto, poderoso e inacessível. Anos depois, minha impressão dele já era a de uma espécie de exercício para idosos nos parques ou nas praças, uma dança ao som de música relaxante, lenta e suave, a fluir como água, macio como algodão. E aparentemente, com nada de tão especial; talvez fácil, acessível a todos. No entanto, encarava-o, à distância, com respeito e polidez. De fato, a vida está repleta de surpresas. Não imaginaria que, depois de alguns anos, seria estudante do Taijiquan, entregando-me a sua prática com dedicação. Como a maioria dos praticantes, comecei meu caminho a partir das praças. Nas férias de verão, voltei à China por algumas semanas. Certa manhã, cansada e insone pelo jetlag, aproximei-me de um grupo local de Taijiquan na praça central de minha
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Fotos/Acervo: Tan Xiao
cidade natal. Embora não levasse ainda a sério o aprendizado, aquelas sessões matinais foram suficientes para mudar minha impressão anterior, superficial, do Taijiquan: verifiquei que não é um esporte simples ou fácil; pelo contrário, é difícil, exige concentração, equilíbrio, flexibilidade e força muscular etc. Porém não tive tempo de aprender uma sequência de movimentos inteira. De volta a Bruxelas, procurei professor para continuar a prática que mal havia começado. A experiência que se seguiu, então, foi bastante satisfatória. Encontrei meu mestre, Sr. Dong Yongming, e pude com ele aprender por três anos, mantendo foco no treinamento do Taijiquan tradicional do estilo Yang, incluindo a forma longa de 85 movimentos, as formas da espada, do sabre, e do leque. Mais ainda, conheci outros praticantes de Taijiquan e pude me impressionar com suas histórias pessoais de esforço e dedicação.
“Com a minha Shiye Zha Xi, na cidade de Xian Yang, em 2018”.
Durante esse período, voltei à China algumas vezes para cursos de aprofundamento. Os programas oferecidos por nossa escola, Gan En Taiji College, localizada na cidade de Kunming, província de Yunnan, são bastante desenvolvidos, como os de Zhan Zhuang, de fundamentos e de formas. No verão de 2018, acompanhei Mestre Dong até a cidade de Xian Yang, onde a Grande Mestra Zha Xi ensinava por muitos anos. Lá tive a honra de seguir curso dirigido pela própria Zha Xi. Tornei-me discípula da Família Yang de Taijiquan, da 7ª geração, aceita por meu mestre Dong. Também foi lá que decidi assumir o compromisso: conforme a linhagem dos Grandes Mestres Zhao Bin e Zha Xi, promover e divulgar o Taijiquan. Como qualquer chinês, conhecia os conceitos de Yin e Yang, e outros aspectos básicos da filosofia tradicional desde a infância, mas apenas superficialmente. Considero que as artes tradicionais são tão profundas e preciosas, que preciso de muito mais tempo e dedicação para compreender sua essência e atingir nível mais elevado. Na linguagem dos chineses no dia a dia, existem expressões ou ditados que reiteram e transmitem aspectos essenciais dessa cultura; de alguma forma, aprendemos
“Com o meu mestre Dong Yongming depois que conquistei o primeiro lugar na competição de Wushu da Bélgica, na categoria de setilo Yang Tradicional, em 2019.” imperceptivelmente pelo que vemos e ouvimos. Por exemplo, expressões tais como solidez dentro da suavidade, aço escondido no algodão, quatro onças para derrotar mil libras etc, não são estranhas para nós, mesmo que não pratiquemos Taiji, nem saibamos que se referem
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Foto/Arte: Tan Xiao
“Postura do Chicote Simples estilo Yang. Foto: Krishna Raza
ao Taijiquan. No entanto, compreendemos os significados literais; raramente gastamos tempo pesquisando suas origens e contextos. Depois que comecei a estudar Taijiquan, gradualmente entendi o significado e a filosofia por trás daquelas expressões diárias. Hoje em dia, percebo que quanto mais aprendo, mais sinto que Taijiquan refere-se a algo especial que falta, que procuro em minha vida. Isso é ENRAIZAMENTO. Com minha família, levo uma vida meio errante; embora já esteja acostumada com essa vida há anos, às vezes ainda me sinto desconfortável em ambientes desconhecidos. De vez em quando, vivemos algo como um choque cultural. Esse choque pode ser confuso, surpreendente e desorientador. Pode causar nervosismo, ansiedade; para alguns, a sensação de perda de controle. Às vezes sinto que estou flutuando como um balão, uma folha que voa ao vento, sem raiz, sem base. Taijiquan, de alguma maneira, me ensina como me enraizar nesse tipo de vida. Os praticantes sabem que desenvolver raízes é muito importante no Taiji. A raiz
é a base que permite o movimento do corpo. Há um ditado: Ru men xian zhan san nian zhuang (para entrar na porta, primeiro pratique Zhan por três anos). Aqui, Zhan significa zhanzhuang, treino de enraizamento. Enraizar significa que os pés estão enraizados no solo, ao se relaxar e sentir “afundar” o peso corporal. Exceto o topo da cabeça ligeiramente elevado, o resto do corpo deve ser “afundado”; então o Qi pode afundar/descer até Dantian. Enraizar significa tornar-se estável, equilibrado. Quando estamos enraizados, a parte superior do nosso corpo está vazia, ágil e flexível, enquanto a parte inferior está cheia, estável, firme e robusta, como árvore. Movimentos suaves, lentos e fluidos do Taijiquan requerem uma base forte e firme nos pés. Uma vez que os pés estejam firmes, as outras partes podem se mover livres e relaxadas. Quando os pés estão fortemente presos ao solo, a mente e o corpo ficam relaxados. Por sua vez, um corpo relaxado com uma mente pacífica afrouxará as articulações, permitindo que o Qi flua facilmente.
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A experiência e o conhecimento que obtive com a prática do Taiji têm sido preciosas fontes de orientação em minha vida diária. Além dos benefícios gerais para a saúde, a parte interna fica mais tranquila e harmonizada. Onde quer que eu esteja, sinto-me mais tranquila e harmonizada, mais firme e com mais estabilidade, porque há enraizamento. Além disso, onde quer que eu vá, sempre encontro um grupo de Taiji local, e então me sinto como mais um membro desta grande família mundial, que me acolhe bem. Por outro lado, através do Taijiquan, me sinto mais perto de minha pátria, mais perto da cultura e herança dos ancestrais. A partir do Taijiquan, interesso-me mais pelos conhecimentos da Medicina Tradicional Chinesa, da caligrafia, a poesia clássica, a música e outras artes tradicionais.
Mulheres no Tai Chi
Foto: Krishna Raza
Tan Xiao
Gratidão; eis o que sinto por Mestre Dong Yongming, Grande Mestra Zha Xi e os demais professores que me ensinam neste caminho pelo Taiji. Afinal, a gratidão pelo Taijiquan torna-se minha própria arte de buscar raízes. Tan Xiao Brasília - DF Youtube / Facebook / Instagram: T.Taichilife
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“Forma da Espada estilo Chen. Praça da Harmonia Universal Brasília, DF. 2019.
Revista Tai Chi Brasil
RELATO
“Ai” é o que sou: “amor”, em chinês. Ana Horta
Havia na minha casa um pequeno incensário em bronze. Era um velhinho sentado num búfalo. Minha diversão, de pequena, era tirar o velhinho para ver a barriga do búfalo -- o lugar onde as cinzas se acumulavam. Durante minha infância o mistério daquela doce figura povoou minha imaginação. Meu pai por vezes me contava sua história. Mas passaramse longos anos até eu entender que Laozi – o velhinho – seria a ponte que me levaria ao caminho do tai chi chuan.
Mas a história começa, na verdade, bem antes... O incensário de Laozi foi, primeiro, do meu avô, um professor e estudioso do Oriente que vivia num mundo com paredes cobertas de estantes altas e cheias de livros. Meu pai casou-se com uma de suas 7 filhas e achou no meu avô uma inspiração para suas próprias buscas. E o escritório com as paredes cobertas de estantes virou o lugar preferido dos dois. E o meu. Criança, eu adorava passar o dedo pelas lombadas dos livros para descobrir títulos que me fascinavam porque falavam de coisas que eu não entendia. Enquanto isso, nos jardins daquela mesma casa em Botafogo, no Rio de Janeiro, outra coisa acontecia. Uma dança lenta, suave, que eu observava fascinada e pendurada na janela. Dois tios haviam encontrado um mestre chinês que nem falava português e com quem haviam começado a praticar o tai chi chuan.
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O incensário de Laozi
Eu tinha uns 8 anos, e tudo se misturou na minha cabeça. Que mundo fantástico era aquele, de movimentos mágicos, livros indecifráveis e um velhinho montado em um búfalo que parecia sempre querer me dizer alguma coisa? Quando tive idade, na adolescência, fui procurar o tai chi chuan e o tal mestre chinês dos meus tios. Não esquecerei do meu primeiro dia. Era no pátio de um colégio onde havia, bem no meio, uma árvore enorme. Cheguei e a aula tinha já começado. Com receio de atrapalhar, não me apresentei, e preferi observar. Debaixo da árvore, no pátio já meio na penumbra da noite, os alunos praticavam, concentrados. Camiseta branca, calça preta. Era como um ritual. Quase uma visão do paraíso, para mim.
O mestre não falava nada. Quando falava, era em chinês. O que não parecia ser um problema para ninguém. A aula seguiu, com os alunos praticando em duplas. E o mestre, velhinho, continuava explicando. De repente, ao demostrar o exercício, ele empurrou o aluno para longe. De onde veio aquela força? Olhei em volta, admirada, mas aquilo também não pareceu ser novidade para ninguém. E a pergunta voltou na minha cabeça: que mundo fantástico era aquele? Fui às estantes do meu avô para uma busca mais precisa. Naquele dia, um livro chamou minha atenção. Não era sobre tai chi, mas sobre o Tibete. Sobretudo, uma coisa havia me atraído: era escrito por uma mulher. Eram poucas
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as escritorAs, dentre todos os autores que povoavam as prateleiras sobre assuntos orientais. A história do livro era ainda mais fantástica: uma parisiense que resolvera entrar escondida no Tibete, num tempo em que o país era fechado para ocidentais e, mais ainda, para mulheres viajantes. Numa versão moderna de “Mulan”, ela se vestiu de homem e, correndo todos os riscos, atravessou o país a pé, até a capital, sendo acolhida ao longo do caminho por camponeses e dividindo com eles litros de chá com manteiga, o costume local. “Viagem de uma parisiense a Lhasa” me transportou para aquele mundo mágico da minha infância. Alexandra David-Neel peregrinou por 14 anos no Tibete e foi a primeira mulher ocidental a chegar a Lhasa, a cidade proibida do Dalai Lama, e também a primeira europeia a ser consagrada lama. Pensei: oras, se Alexandra, uma mulher, tinha conseguido essa proeza, lá no início do século 20 (1924), esse mundo estava também aberto para todos nós. Bastava correr atrás dele. Minhas aulas, infelizmente, não duraram o quanto eu gostaria. O lugar era contramão e não tinha transporte público adequado. Eu tinha que ir a pé, mas as aulas eram à noite, e minha mãe achava perigoso uma adolescente perambulando sozinha na escuridão das ruas do Rio. Meu caminho no tai chi chuan ficou, então, em suspenso. Virei jornalista, casei, tive filhos, viajei e morei em lugares diferentes. Nos intervalos, procurava alguma prática perto de casa. Mas nunca conseguia acomodar os horários fora de padrão da profissão com as agendas de aulas disponíveis onde eu estava (isso quando havia aulas disponíveis, o que não era sempre o caso). Até que o tempo certo chegou. Voltei a morar em São Paulo e, desta vez, havia uma escola nas redondezas. Meus filhos estavam já maiores. Meus horários de jornalista eram
mais tranquilos. E me matriculei na Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan (SBTCC). Corri para anunciar a novidade a meu pai que, ao longo do tempo, havia aprofundado seu amor e seu conhecimento sobre a China. Ele estava cada vez mais chinês, costumávamos brincar. Duas semanas depois meu pai, subitamente, faleceu. Continuei meus treinos e mergulhei de cabeça nesse mundo que era, em primeiro lugar, tão dele. Talvez para garantir que um pedacinho ficasse aqui para sempre. E o que de início pareceu ser um resgate de memórias transformou-se em um resgate de mim mesma. Era como se eu estivesse encontrando um caminho para casa. A do meu pai, do meu avô. A do velhinho no búfalo. O tai chi chuan criava em mim uma conexão instantânea com minha história e a dos meus antepassados. Será que, em outras encarnações, teríamos praticado todos juntos? Meu entusiasmo me fez ter a ideia de criar um canal no You Tube para falar sobre tai chi chuan e medicina chinesa -- outro assunto que, naturalmente, também passou a ocupar a minha mente. Assim surgiu o Segredo dos Mestres (youtube.com/segredodosmestres). Um espaço de divulgação no qual eu comecei a usar minhas capacidades de jornalista para espalhar nas redes aquilo que me conquistava. E que cresceu, para minha surpresa e felicidade, muito além do esperado. Hoje, o Segredo dos Mestres tem quase 140 mil seguidores. O foco continua sendo tai chi chuan e medicina chinesa, mas também trago outras sabedorias complementares para compor essa textura maravilhosa de conhecimentos. O Segredo dos Mestres, para mim, é um espelho do que me tornei.
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Cerimônia de discipulado, Selvino, Itália (2019).
Fiz uma formação de instrutora com os professores Angela Soci e Roque E. Severino – um encontro que, certamente, também estava escrito nas estrelas. Aproveito já esse momento do texto para expressar a minha profunda gratidão aos dois, que me acolheram, orientaram e continuam, sempre, me apontando a direção. O professor Roque nos deixou em 2020, mas seus ensinamentos não têm tempo nem espaço. Estão mais vivos do que nunca. Volta e meia pessoas me perguntam para quê servem os mestres hoje em dia, quando tudo está tão disponível na internet. Na minha cabeça, a resposta é muito clara: justamente porque está tudo muito mais disponível, porque a informação aparece de todos os cantos, precisamos ainda mais daqueles que separam o joio do trigo, desbastam a estrada tomada por mato e
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ervas daninhas, abrem a trilha para que seja mais fácil passarmos.
nomes aleatórios. Eles devem refletir algo de seu portador.
Nessa trilha aberta tive também a oportunidade de me tornar discípula direta de Mestre Yang Jun, sexta geração da família Yang e herdeiro desta linhagem. Fui aceita em cerimônia na cidade de Selvino, na Itália, em 28 de maio de 2019. Tive a sorte de contar, na cerimônia, com a presença de cinco outros grandes Mestres de estilos tradicionais de Tai Chi Chuan: Mestre Chen Zhenglei, Mestre Wu Kwongyu, Mestre Zhong Zhenshan, Mestre Sun Yongtian e Mestre He Youlu.
Me chamo agora Yang Yaai.
Segundo os ritos, os discípulos devem receber nomes escolhidos especialmente por Shifu e Shimu (Mestre e Mestra). Não são
Yang, o sobrenome da linhagem. Ya é uma partícula para identificar todos os discípulos desta geração. Ai é o que sou: “amor”, em chinês. Uma palavra que resume o que busco, o que quero espalhar no mundo e o que o tai chi chuan representa para mim. Aquele velhinho no búfalo me trouxe até aqui. Está agora na minha cabeceira, me acompanhando nesta viagem. Ana Horta
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Mulheres no Tai Chi Ana Horta
Revista Tai Chi Brasil
TEXTO
Grã-Mestra Zha Xi A “Gratidão Pelo Taijiquan” “Taijiquan salvou minha vida, e resolvi dedicar minha vida ao Taijiquan.” Grã-Mestra Zha Xi Tan Xiao Texto Quando recebi o convite do jornalista Levis Litz, editor da Revista Tai Chi Brasil, para escrever um artigo sobre mulheres praticantes de Taijiquan, o primeiro pensamento que surgiu a minha mente foi que gostaria de apresentar Grã-Mestra Zha Xi aos Taijiyous (amigos do Taijiquan) do Brasil. É um prazer poder contar sua surpreendente vida de dedicação ao Taiji; não apenas sou um dos discípulos desta linhagem (Zha Xi é a mestra de meu mestre Dong Yongming), mas também ela é minha mentora no Taijiquan e, além disso, sua história tem inspirado milhares de praticantes de Taiji. Lembro-me claramente do verão de 2018, quando segui meu mestre Dong até a China (naquela época, eu morava em Bruxelas). Já tinha lido sobre Zha Xi, e desde o início da minha aprendizagem, vinha estudando
Grã-Mestra Zha Xi. Foto: Gan En Taiji College, China
seus vídeos didáticos. Ela já não era estranha para mim: era uma inspiração, uma figura gigantesca do Taiji na China. No entanto, quando a vi pessoalmente – a mestra famosa, primeira praticante tibetana de Taijiquan, uma verdadeira
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Grã-Mestra Zha Xi demonstra o Chichote Simples. Foto: Chunhua Qiushi.
lenda, com tantos prêmios e honrarias –, achei-a parecida com minha avó: o rosto típico da etnia tibetana, com cabelos grisalhos, um pouco “gordinha”, meio baixinha, calorosa e gentil, sorrindo o tempo todo. Quando se aproximou, descobri que tinha um pouco de dificuldade para caminhar. Mas no treinamento, nada poderia impedir sua agilidade e entusiasmo pelo Taijiquan, 5 horas por dia! Sua voz era a mais ativa e forte; seu passo de Taiji, o mais firme e estável.
Primeira metade da vida da GM Zha Xi Zha Xi nasceu em 25 de outubro de 1932 no condado de Huzhu, província de Qinghai, China, de uma família tibetana das mais comuns, devota do budismo. Das nove irmãs e irmãos, Zha Xi era a caçula. As condições de vida eram difíceis, mas a paisagem grandiosa do Tibete, a crença e a coragem do povo Tibetano cultivaram Zha Xi para que se tornasse uma mulher forte, simples, ativa e otimista.
Quando cresceu, foi incluída em equipes de trabalho de sua aldeia. Destacouse como trabalhadora, era prestativa e ajudava seus colegas, de maneira que gostavam muito dela. Em 1958, foi selecionada como trabalhadora-modelo da província de Qinghai. Naquele ano, foi a Pequim como representante ao Congresso Nacional do Povo, sendo recebida pelos líderes chineses da época: o presidente Liu Shaoqi, o primeiro-ministro Zhou Enlai, Deng Xiaoping e outros. Contudo, devido aos anos de trabalho exaustivo e condições de trabalho árduas, Zha Xi passou a sofrer de reumatismo grave. Em 1970, com 38 anos, teve câncer de pulmão. Foi necessário extrair-lhe metade de um pulmão e três costelas. Nessas condições, não podia mais voltar para sua cidade natal, onde o ar é rarefeito pela grande altitude. Os médicos disseram a seu marido, Li Wanshou, que Zha Xi teria sorte se sobrevivesse mais cinco anos.
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O governo local a enviou a Xi’an, na província central de Shaanxi, para tratamento. Após submeter-se a cirurgia, deixada sozinha naquela cidade – pois o marido precisava voltar ao Tibete –, encontrava-se muito debilitada. Não andava sem bengala, não melhorava, e sabia que não voltaria mais ao Tibete … Zha Xi estava tão desesperada e deprimida, que pensou em cometer suicídio. Naquele momento, uma vizinha afetuosa, Wang Yinlin, consolou-a e a persuadiu a experimentar o Taijiquan. Foi então apresentada ao Grão-Mestre Zhao Bin, sobrinhoneto do GM Yang Chengfu da família Yang do Taijiquan, e também cunhado de outro famoso mestre, Fu Zhongwen. Foi nessa condição tão frágil que Zha Xi começou sua vida no Taijiquan, sem imaginar que sua história se tornaria exemplar pela recuperação da saúde, e uma lenda na história recente do Taijiquan. Todos os começos são difíceis, também no aprendizado do Taijiquan. É comum, entre leigos, o mal-entendido de achar que Taijiquan é um
exercício para idosos que se reúnem em parques, fenômeno social bastante visível na China. O Taijiquan não apenas é uma arte marcial que trabalha a condição física das pessoas, mas também é uma arte interna, uma filosofia, entre o substancial e o insubstancial, entre o Yin e o Yang. Quanto mais você estuda Taijiquan, mais profundidade descobrirá com o tempo. Quando Zha Xi foi levada ao GM Zhao Bin, estava tão deprimida, que não tinha coragem de falar com mestre Zhao. Ele, porém, ao conhecer sua situação, tomou a iniciativa de saudála, com uma canção folclórica tibetana. Essa música acolheu-a, trazendo-lhe um vislumbre de esperança naquele momento difícil. Anos depois, Zha Xi disse a seus discípulos que o espírito otimista de mestre Zhao Bin a estava influenciando e encorajando. Por mais difícil que fosse a vida, nunca mais foi a mesma. O Taijiquan e seu mestre a ensinariam a ser flexível como água, firme como rocha.
Grão-Mestre Zhao Bin e sua caligrafia para sua discípula Zha Xi - Heng Zhuan bujiao: Perseverança, Concentração e Modéstia. Foto: Zha Xi.
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Zha Xi participa da Conferência Mundial do Taijiquan, em San Ya. Foto: Gan En Taiji College, China
Zha Xi e discípulos demonstrando Taijiquan. Foto: Chunhua Qiushi.
Não há como imaginar que Zha Xi aprenderia o Taijiquan em seu estado de saúde tão precário: no início, ela se levantava muito cedo para pegar o primeiro ônibus para o parque. Não importava se chovesse ou nevasse, ela sempre era a primeira a chegar, antes do mestre. Estava ciente de que o Taijiquan provavelmente era sua última esperança de ter saúde de novo, então era a aluna mais diligente, mais concentrada. E de fato, o esforço valeu: com pouco mais de dez dias de treinamento, o apetite da Zha Xi melhorou; após um mês, o inchaço das pernas já amenizava aos poucos, e ela conseguia andar sem bengala. Depois de meio ano, despediu-se completamente dos remédios. Ela dizia sempre: mestre Zhao Bin salvou sua vida, e o Taijiquan a fez renascer. Por isso, dedicou-se a promover o Taijiquan, a ensiná-lo gratuitamente, para que mais pessoas dele se beneficiassem. Em homenagem a Zhao Bin, seu mestre de muitos anos, Zha Xi fundou a Associacão Yongnian, da Família Yang do Taijiquan, na cidade de Xianyang. A linhagem da Grande Mestra transmite o espírito da “Gratidão ao Taijiquan”. Mestre Zha Xi ensinava que o Taijiquan é apropriado para todos, não importa a condição específica da pessoa – se homem ou mulher, velho ou jovem, doente ou basicamente saudável, etc. Seja qual for seu objetivo ou necessidade maior, o Taijiquan se adapta a você. O sucesso de Zha Xi no Taijiquan deve-
se a perseverança e concentração. Quando tivermos dificuldades, precisamos enfrentá-las e vencê-las. O Taijiquan precisa de prática, paciência e perseverança, e assim Mestra Zha Xi venceu as dificuldades que encontrou. Depois de dois anos, o GM Zhao Bin passou a exigir dela mais disciplina, com um plano de treinamento mais elaborado, que incluía desde taolu (formas) até Zhan Zhuang, de Tu Na a Dantian Neigong, de empurrar mãos (“pushing hands”) ao treinamento com armas, de boxe à cultura e filosofia de Taiji, e assim por diante. Seu aprendizado envolvia não apenas o treinamento do corpo, mas também da sensibilidade e da mentalidade do Taijichuan. Depois de anos de aprendizado, Zha Xi se tornou professora, auxiliando seu mestre nas aulas. Expandiu seu estudo com mestres famosos: Yang Zhenji, Yang Zhenduo, Fu Zhongwen, Fu Shengyuan; também com a mestra Chen Liqing, do estilo Chen do Taijiquan, que se tornou sua amiga mais próxima no decorrer da vida. Nas artes tradicionais, a herança e a transmissão são muito importantes; por isso, levamos a sério a noção de linhagem, seguimos uma linhagem. Existe um ditado chinês, “yi ri wei shi, zhong sheng wei fu”, que significa: “um professor por um dia é um pai por toda a vida”. Para Zhaxi, Zhao Bin era mais do que mestre; era seu segundo pai, a quem ela foi grata pela vida. Aos olhos do GM Zhao Bin, Zha Xi era como
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Zha Xi com outros mestres de Taijiquan. Foto/Acervo: Zha Xi.
Reportagens sobre Zha Xi na conquista da Primeira Competição Nacional do Taijiquan da China, em 1986.
Zha Xi visita seu mestre Zhao Bin. Foto/Acervo: Zha Xi.
Zha Xi ensinaTaijiquan na cidade de Xi’an. Foto/Acervo: Zha Xi.
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sua própria filha. Desde o primeiro dia, Zha Xi construiu ótimo relacionamento com o mestre e a família Zhao. O que Zha Xi herdou dele não foi apenas o Taijiquan, mas também o espírito do Taiji. Essa é a transmissão, a herança, a relevância da linhagem. É importante que, ao se transmitir uma arte, passe-se também a virtude, a responsabilidade, o espírito inerente a essa arte. Em nossa linhagem, Zhan Zhuang é treinado como Jibengong (fundamento). Certa vez, mestre Zhao disse a ela: “se você quer melhorar seu Taijiquan, deve treinar Zhan Zhuang, porque Zhan Zhuang é a maneira mais eficiente de obter neigong (energia interior); contribui para acalmar a mente e para o alinhamento do corpo. É uma prática fundamental, essencial.” Zha Xi, então, empenhou-se no aprendizado do Zhan Zhuang. Sua dedicação mais intensa a essa pratica de postura estática durou seis anos, todos os dias, duas horas por dia, sem interrupções. Onde há vontade, há um caminho. Em 1986, a China realizou a Primeira Competição Nacional de Taijiquan. Competiram todos os estilos – Chen, Yang, Wu(Hao), Wu, Sun, etc. –, sem distinção de categorias. Zha Xi causou sensação: aquela senhora de meia-idade praticamente desconhecida ganhou o segundo lugar na competição de toda a China! As revistas, os jornais de Wushu, noticiavam a novidade com entusiasmo, nomeando-a “rainha do Taiji”, “exemplo de Taiji”, “a primeira praticante tibetana do Taiji”. Orgulhoso da discípula, GM Zhao chamou-a de sua “wu zhuangyuan (Campeã das artes marciais)”, presenteando-a com uma peça de caligrafia, nos dizeres “Heng Zhuang bujiao” (Perseverança, Concentração e Modéstia). Isto é o que aprendemos e transmitimos em nossa linhagem, e é o espírito da Grã-Mestra Zha Xi.
deixou derrotar e manteve sua dedicação ao Taijiquan. A partir de 1978, começou a ensinar na cidade de Xi’an. Muitas pessoas começaram a aprender com ela, algumas vieram de longe. Gradualmente, o centro de treinamento dividiuse em dois, dois tornaram-se três ... Às vezes, Zha Xi visitava vários locais de treinamento em um mesmo dia. Foram mais de 12 anos de ensino em Xi’an, até 1989, quando se mudou para Xianyang, onde fundou a Associação Yongnian de Tajiquan da Família Yang. Lá permaneceu até o fim de sua vida, promovendo o Taijiquan, recebendo milhares de praticantes de toda a China, do mundo todo. Meu mestre Dong Yongming foi um de seus discípulos. Também David Yang (fundador da Escola de Gratidão ao Taijiquan – Gan’En Taiji College –, em homenagem a GM Zha Xi). Meu mestre Dong me levou ao Gan’En Taiji College, em 2017. Em 2018, tivemos ainda a oportunidade de ir à Xianyang para seremos treinados pela própria GM Zha Xi, e assim foi que a encontrei e decidi me dedicar a seguir sua linhagem. Torneime discípula da sétima geração da família Yang do Taijiquan, aceita por meu mestre Dong Yongming. GM Zha Xi ensinou Taijiquan por quase 50 anos, e mais de 20.000 alunos de todas as partes do mundo tiveram aulas com ela pessoalmente. Inúmeros praticantes de Taiji aprendem com ela, direta ou indiretamente. Eles seguiram seus passos e têm promovido
Missão de Zha Xi e sua gratidão ao Taijiquan Grã-Mestra Zha Xi conheceu terríveis sofrimentos. Além de graves doenças, ocorreulhe o falecimento de seu filho mais novo. A imensa tragédia deixou Zha Xi com cabelos grisalhos em apenas uma noite. Porém, não se
Livro: Zha Xi Minha Gratidão pelo Taijiquan. Autores: Yang Dawei e Li Haishui.
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Zha Xi demonstra Sabre do estilo Yang. Fotos: Zha Xi e Gan En Taiji College
Zha Xi aperfeiçoando a postua do Chicote Simples do mestre Dong Yongming Sabre do estilo Yang. Foto/Acervo: Zha Xi.
o espírito de Taijiquan. Em 2013, Zha Xi foi considerada um dos mais importantes e influentes figuras do Taijiquan das últimas décadas pela revista oficial Chinese Wushu. Aquele curso de verão inesquecível em 2018 me deu a oportunidade valiosa de aprender com GM Zha Xi pessoalmente; infelizmente, foi a última vez que a vi. GM Zha Xi nos deixou alguns meses depois, no dia 3 de janeiro de 2019. O curso de verão ocorre por 15 dias, em regime de estudo de cinco horas por dia. Por vezes, os alunos, demonstrando compaixão por aquela senhora de 88 anos, interrompiam a aula por alguns minutos para
que ela pudesse descansar um pouco. Ela dizia: “Olha, vocês são muito mais jovens do que eu, mas têm pouca energia...”, provocando risos. Os quinze dias foram curtos, mas intensos. Ao final, em despedida, ela fez questão de dar uma aula especial para os alunos que vieram do exterior, dizendo “vocês vêm de longe, tenho responsabilidade de passar o máximo possível para vocês”. Fez correções em nossas posturas, e enfatizou a prática de Zhan Zhuang. Sou muito grata a meu mestre Dong, que me apresentou ao Taiji, dando-me ainda a grande honra de conhecer GM Zha Xi. Embora GM Zha Xi tenha nos deixado para sempre, sua história e seu espírito nos conduzem em nossa vida com o Taiji. Sua perseverança, persistência e busca pelo Dao através do Taijiquan estão sempre presentes, firmes como rocha, puras e perfumadas como lótus. Com quase 50 anos de dedicação ao Taijiquan, Grã-mestra Zha Xi é um milagre, uma lenda, o mito mais verdadeiro e simples da história do Taijiquan. Gratidão meu mestre Dong Yongming, Gratidão GM Zha Xi, Gratidão Taijiquan!
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Tan Xiao Brasília - DF
Citações da Grã-Mestra Zha Xi sobre Taijiquan
Zhao Bin resumiu essas características: lentidão e suavidade; distinção entre cheio e vazio; movimento fluido e arredondado; velocidade constante e única; harmonia e coordenação entre a parte superior e inferior do corpo; mente concentrada; respiração natural.
Tradução: Tan Xiao
Encontram-se muitos registros de ensinamentos da Mestra Zha Xi. A seguir, apresentamos algumas de suas respostas a perguntas de alunos. Conforme livro com ensinamentos de Zha Xi, compilados e organizados pelos discípulos Li Haishui e Yang Dawei: Gan En Taiji (Minha gratidão pelo Taijiquan)
4. Discípulos: Por que precisamos ser corrigidos pelos mestres, mesmo que já tenhamos aprendido todas as rotinas essenciais?
1. Discípulos: Mestre, o que é mais importante para aprender Taijiquan? GM Zha Xi: Existem quatro requisitos para você aprender Taijiquan: orientar-se com um bom professor; treinar com dedicação; relacionarse e colaborar com amigos do Taijiquan, não importa qual estilo; e uma certa capacidade de percepção e entendimento. Além disso, você deve ter respeito, modéstia, afinidade com o Taijiquan, com seus professores e amigos de Taiji. 2. Discípulos: O Taijiquan é difícil? Qual é o segredo para aprender Taijiquan? GM Zha Xi: Treine, pratique e faça sempre. Taijiquan é uma prática. Lembre-se, obtém-se gongfu treinando, não olhando ou falando. O Taijiquan visto ou falado pertence aos outros, não a você. Você tem que permitir que o Taijiquan se integre ao seu próprio corpo. Se colocá-lo apenas na mente, em sua boca, sem treinar o corpo, o Taijiquan será apenas conversa fiada. Por isso, treine, pratique e faça Taijiquan, com seu corpo. 3. Discípulos: Quais são as características do estilo Yang de Taijiquan? GM Zha Xi: Depois que Yang Luchang criou o Tajiquan do estilo Yang, ele foi desenvolvido pela família Yang e seus discípulos de geração em geração, até chegar a seu próprio caráter: movimentos amplos e suaves, forma graciosa, encadeamento fluido e estruturado, alinhamento, movimentos relaxados e enraizados. Meu mestre
GM Zha Xi: Mesmo que estejamos muito familiarizados com o Taolu (a rotina, sequência dos movimentos), com o passar do tempo, nossa memória vai falhando e se esquecerá de detalhes, e é fácil desenvolver hábitos “ruins” inconscientemente. Por isso é necessário ir aos mestres com frequência para aperfeiçoar posturas e movimentos. Para iniciantes, é preciso principalmente trabalhar a forma dos movimentos, seu encadeamento. Para aqueles que praticam há mais tempo, é necessário aprofundar-se em aspectos teóricos e práticos do treinamento de Neigong / Energia Interior. Não se deve esquecer da máxima dos quatro caracteres heng zhuan bu jiao, isto é: perseverança, concentração e modéstia. 5. Discípulos: Por que é importante acalmar nossa mente antes de praticar o Taijiquan? GM Zha Xii: “Quietude” é muito importante, porque a mente calma é condição do relaxamento. Antes de executar o Taijiquan, como preparação, precisamos adequar a mente, a intenção, o corpo e a respiração. “Quietude” refere-se à parte interna, não ao aspecto externo. Às vezes, você parece estar quieto, mas seu mundo interior está cheio de pensamentos perturbadores; você deve ter calma em sua mente e pôr de lado as preocupações. Devemos nos livrar das distrações, procurar estabilidade e nos concentrar. Quando sua mente está tranquila e vazia, então você pode realmente se aquietar, o que permite cultivar o Qi. Nesse momento, embora você não faça nenhum movimento, Yin e Yang, recolhimento e abertura, já começaram a se mover. A quietude produz movimento. Primeiro, fique quieto, em repouso; depois
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seja dinâmico. Então, na verdade, a condição da quietude é o “respeito”. Devemos ter um sentimento de respeito pelo Dao; devemos ter respeito e reverência pelo Taijiquan. O mesmo acontece com empurrar as mãos (pushing hands). Se você não respeitar os outros, você tomará a iniciativa de atacar, então sua fraqueza e inflexibilidade serão expostas. Portanto, é preciso respeitar os outros, para que possamos observar as pequenas mudanças com atenção e, com tranquilidade, conquistar os movimentos. 6. Discípulos: Mestre, poderia falar um pouco sobre “Song / relaxamento”?
8. Discípulos: Por quanto tempo é recomendado executar a forma longa de 85 movimentos? GM Zha Xi: Geralmente, leva cerca de 25 a 30 minutos para praticar a sequência inteira, de 85 movimentos. Algumas pessoas praticam mais rápido, cerca de 20 minutos, outras são mais lentas, cerca de 40 minutos ou mais. Na minha opinião, você pode fazer rápido, desde que não perca a base, a estabilidade; pode fazer devagar, desde que não perca a fluidez, mantenha velocidade coerente e regular. 9. Discípulos: Por que é importante a pratica do Zhanzhuang no Taijiquan?
GM Zha Xi: Song (relaxamento) é a condição, a essência, a base do Taijiquan. Song inclui o relaxamento interno e o externo. A parte interna significa espírito concentrado e mente relaxada; a parte externa refere-se ao corpo relaxado. Ao praticar Song, você pode se cultivar internamente e externamente para atingir um estado de relaxamento de alto nível. O estado mais elevado de Song é estar relaxado e também calmo, relaxado e suave, relaxado e profundo, relaxado e vazio. Song é o essencial para entrar no portal do Taiji. 7. Discípulos: Mestre, explique por que se deve praticar o Taijiquan com lentidão. GM Zha Xi: “Lentidão” no Taijiquan é a maneira de cultivar o Qi, é uma das características do estilo Yang de Taijiquan; é um método, não um objetivo. O corpo humano é um sistema complexo, incluindo meridianos, canais, órgãos, músculos, tendões etc. Através de um treinamento lento, podemos observar melhor os detalhes do nosso corpo: mãos, pés, parte superior e inferior, frontal e costas, interno e externo, todos devem estar conectados. Com lentidão, você pode observar melhor as pequenas mudanças de cada parte. A lentidão também ajuda a melhorar a circulação sanguínea. Praticar Taijiquan é um trabalho muito delicado, como o bordado: você não pode cometer erros; senão, fará um trabalho defeituoso. É por isso que não há limites no aprendizado do Taijiquan, todos estamos procurando uma maneira de reduzir os erros na busca do Dao pela vida.
GM Zha Xi: Zhanzhuang é uma prática essencial para desenvolver o Taijiquan como arte marcial interna. Antes de 1988, eu praticava apenas a rotina dos movimentos, sendo corrigida por meu mestre. Tinha boa estrutura e fundamentos, mas não conseguia sentir muito interiormente, não percebia a sensação do “Qi afundando-se em Dantian”. Falei disso a mestre Zhao Bin, e ele me disse que eu deveria praticar Zhanzhuang para desenvolver a parte interna. Assim comecei a praticar, e tenho treinado há seis anos sem interrupção. Como posso explicar para vocês? Não há palavras para expressar o que atingi nesses seis anos. Desde então, percebo mais claramente a continuidade do Qi, o “grande e pequeno círculo” no nosso corpo. Quando pratico a rotina”, me sinto mais estável e mais enraizada. Percebo como a energia surge do calcanhar e percorre cada articulação até as extremidades. “Bai lian bu ru yi zhan” significa: “centenas de repetições da rotina não têm o valor de permanecer em postura estática”, o que destaca a importância do Zhanzhuang. Na minha opinião, a rotina de movimentos nos permite ser mais flexível e ágil, mas consome nosso Qi, enquanto a postura estática nos ajuda a cultivar Qi, enriquecer e acumular força interior. Este é o balanço de Yin e Yang. Portanto, creio que, na verdade “centenas de repetições da rotina devem integrar-se com a postura estática (Zhanzhuang)”.
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Revista Tai Chi Brasil
Mulheres no Tai Chi Mestra Zha Xi Ilustração: Sr. Wu
TEXTO
Tai Chi pelos olhos das mulheres! Denise S Queiros Textos & Fotos
Primeiros encontros com o Tai Chi Chuan Vou então elencar algumas observações que se construíram ao longo dos 35 anos, que completo este ano, como aluna, professora e estudiosa de Tai Chi Chuan e da filosofia que o embasa. Quando criança, os desenhos e revistas de super-heróis e guerreiros não me seduziam em nada, as artes marciais não faziam parte do meu imaginário. O Tai Chi Chuan, assim como a Medicina Tradicional Chinesa, me enlaçaram a partir do contato com a filosofia taoísta que, com um certo pragmatismo, mostrava o grande balé da vida, da mutação, da interação de todas as coisas. Perceber que a cultura chinesa em sua linguagem não possui o verbo “Ser” mudava todo o paradigma de olhar a vida, pois nada é estático, mas sim movimento, impermanência. Assim, a estrutura desse pensamento oriental se articula em torno do paradigma de que a existência é permeada por uma realidade mental, energética e espiritual que está ligada à Natureza, ao cosmo, ao Tao. Em 1986, fui convidada a fazer uma aula de Tai Chi Chuan no Grupo Gesto
Cotidiano com os professores Estevam Ribeiro e Begonia Javares e desde então essa prática faz parte da minha vida. No começo tudo parecia muito diferente do que até então praticava; apesar de já estar estudando Medicina Chinesa, devo dizer que foi de pouco em pouco que meu corpo foi se reconhecendo dentro do movimento. Iniciei com o estilo Yang que trazia em si a consolidação da prática associada à preservação da saúde, eficiente no tratamento de certas patologias e proporcionando vida longa. O primeiro livro sobre Tai Chi Chuan que me chegou às mãos foi “Expansão e Recolhimento – a essência do Tai Chi”, de Al Chung-Liang Huang, que me ajudou naquele momento com sua poesia. Dançarino, criador de movimentos, de caligrafia, de novos e criativos estados de ser, de fluir, ele dizia: “Vocês precisam ter
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paciência e disposição de ceder, antes mesmo de captar o verdadeiro sentido destas imagens, destes movimentos...” Não deixaria de destacar, já que estamos trazendo o aspecto do feminino, que o livro seguinte que me veio às mãos, trazendo o Tai Chi Chuan na sua história, na teoria, nos tratados e princípios, foi “Tai-Chi Chuan Arte Marcial técnica da longa vida” de Catherine Despeux. Esse foi o primeiro material que me mostrou o universo profundo, amplo e rico desta arte. Assim, desse jeito cativante de beleza e fluidez o conhecimento da arte marcial foi chegando e se apresentando. Yin/Yang é Qi, vida, nas suas infinitas manifestações, em contínuos encontros. Um não existe sem o outro, é um. O Tai Chi Chuan, manifestando Yin/Yang, traz em si as expressões do feminino (recuar) e do masculino (avançar). É a arte marcial do ceder e onde prevalece mais o cultivo da forca interna, Qi, à força muscular, quer coisa mais feminina! Sua estratégia marcial, seus clássicos, suas energias intrínsecas estão sempre nos mostrando a necessidade de ser Yin, de nutrir internamente, de escutar, de enraizar, a fim de prover direção e potência ao ataque, à ação, ser Yang. Esse é o treino, ser capaz de neutralizar, de não endurecer, e sim aderir, escutar e seguir.
de um processo de aprendizado ao longo da vida, como caminho, em que se vai afinando a comunicação de nosso corpo mente, dessa unidade do Qi e de todas as coisas, trazendo benefícios não só à saúde, mas a todas as relações, e também alargando a conexão à Natureza. O trabalho da energia espiralada Chan Si Gong – base e essência do Tai Chi Chuan, foi o encontro maior! A capacidade de colocar nosso movimento na harmonia do movimento do Universo. No livro “A Essência do Tai Ji Quan”, de David Gaffney e Davidine Siaw-Voon Sim, encontrei uma definição muito completa do que esta arte contempla. “O Taijiquan é um sistema sofisticado que combina o wushu tradicional (artes marciais), o daoyin tuna, os antigos métodos de dirigir e guiar a energia aliados à ciência da respiração e à teoria médica chinesa.”
Assim, trazendo em si tantas esferas da filosofia taoísta, integrada, circular, espiral, percebemos que o Tai Chi Chuan pode atuar e mobilizar a É um caminho, cheio de percalços, desafiador experiencia a partir de qualquer ponto, pois em muitos sentidos e, na minha trajetória, difícil, por não interagir com aquele lado da prática mais engloba em sua filosofia uma estrutura integrada marcial, como os meninos alunos se deleitavam. do corpo mente, dos sentidos, especialmente Levei muito tempo para perceber que tudo a fina escuta, assim como no modo de sentir, reagir, atuar e estar na vida. Seu princípio isso era o Tai Chi Chuan e, mais uma vez, foi fundamental é o uso da suavidade e da força através dos clássicos que isso se mostrou na interior, ao invés da força bruta, nos dando a minha prática e cedi aos seus apelos marciais. Enriquece muito, vai além da prática, vai ao oportunidade de entender como a flexibilidade nosso estar na vida. Também passamos, a partir e harmonia interior podem vencer enormes barreiras e desafios. dessa integração, a compreender que se trata
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A presença das mulheres no Tai Chi Chuan Meus primeiros professores, já citados acima, me trouxeram experiências distintas. Ela, que estava sempre presente, era a pessoa que, muito pacientemente, cultivava o dia a dia de nosso aprendizado. O professor, por outro lado e por motivos profissionais, sempre quando chegava, tocava e pontuava algum aspecto, detalhe, que gerava uma grande diferença na sensação ou na compreensão, seja da postura ou de algum princípio. Sempre me chamou bastante atenção, enquanto aluna e anos depois como professora, a tenacidade das mulheres na prática cotidiana. Tive vários exemplos de colegas que vinham de longe para ter aula, ou começavam já numa idade avançada e, a partir do momento em que chegavam, mantinham suas rotinas, sem ansiedade de avanços, mas no valor de estar ali realizando uma prática delicada, energética, e
que sim, demandava ausência de expectativas, mas prática continua. Sempre foi significativo em meu caminho a presença das mulheres nas aulas, muitas vezes chegam trazendo seus relatos de como o Tai Chi Chuan aparece, se mostra, na vida cotidiana de cada uma. Tive oportunidade de conhecer mestras de Tai Chi Chuan que me trouxeram um diferencial ao perceber sua força e delicadeza, finalização e encadeamento dos movimentos de forma íntegra, firme e suave. A primeira, em 1997 foi a Grã Mestra Shen Hai Min, do estilo Yang. Ela morava na época em Los Angeles e veio ao Brasil a convite de meus professores. Foi o primeiro workshop internacional de Tai Chi Chuan do qual participei; teve duração de dois finais de semana seguidos, além de algumas aulas ao longo da semana. Força e suavidade, paciência e dedicação, e, o mais essencial, os 10 princípios básicos. O importante não era o Fajin (emissão), não era
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a complexidade da forma, a arma, mas sim os princípios. Sinto que nós ocidentais ansiamos tanto pelo inédito, o espetacular, e aquela mulher, já grã-mestra, prezava o ponto principal, tão somente e tudo isso. Foi através dela que vi e percebi o poder do feminino no Tai Chi Chuan. Encontrei-a e estudei novamente com ela em Hangzhou, China, onde residia, em 2008. Ao final de nossa estadia, éramos um grupo de 10 pessoas, ela nos ofereceu um maravilhoso jantar em sua casa. Minha segunda e querida mestra com quem tive contato foi a Professora Chen Iun Sok Kei, de Hong Kong. Ativa, delicada, forte e cheia de simplicidade. Seu sorriso era cativante. Uma vez me disse, pratique sem esperar os resultados, apenas pratique. Tenho para com ela e seu esposo, Chen Shek On, o meu reconhecimento, carinho e gratidão. Eu os conheci pela primeira vez em um Workshop Internacional aqui no Brasil, em 1997, quando tive meu primeiro contato com o estilo Chen. Depois estive duas vezes em Hong Kong, em 2005 e 2008, onde aprendi o Bastão Tai Chi, Ba Gua, e o Qi Gong das articulações, que era o aquecimento sempre usado no início da aula. Até hoje eu pratico e ensino este Qi Gong e o Bastão Tai Chi. Como professora, esbarrei com algum preconceito. Vou narrar o que senti como mais evidente e até desrespeitoso. Estudava na época medicina chinesa e práticas complementares, o que me trazia um profundo conhecimento da estrutura energética do corpo, sua anatomia e circulação de Qi. Esses aspectos acabavam sendo o meu caminho primeiro e principal na abertura da aula e na estruturação do corpo em seu movimento. Lembro-me de certa vez, dando aula no lugar de meu professor, que me atrevi a corrigir um rapaz já praticante, que estava com a base muito baixa, e, inegavelmente, mantendo muito bloqueada a circulação do Qi. Sugeri que a elevasse um pouco para suavizar a postura, mas ele não só não o fez como me desafiou como incompetente para tal. Talvez isso não aconteceria se a correção viesse do professor, que, normalmente, solicitava que eu corrigisse os alunos quando em Wu Ji. Talvez aquele aspecto, do Qi, do relaxamento na postura, não estivesse ainda claro para ele.
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O Tai Chi e o Feminino Quando falamos do feminino não estamos, necessariamente, distinguindo as mulheres dos homens praticantes apesar de, sem dúvida, haver sim uma diferença de expectativas, de estruturas corporais. Os homens têm sua força em seus músculos e tendões, e poderão ter mais agilidade, mais força e potência de movimento, o que chamamos de mais Yang, movimento; enquanto as mulheres possuem sua força no abdômen, a potência de gerar vida, força de vida, portanto mais concentrada, mais interna, o que chamamos de mais Yin. O feminino está presente em todos nós e o Tai Chi Chuan, em sendo a arte do Yin Yang, requer que estas dinâmicas estabeleçam encontros fluidos, orgânicos. A delicadeza e suavidade dos movimentos, a capacidade de esvaziar e de ceder, a leveza de um pulo ou soco, tudo isso é Yin manifestado no Tai Chi Chuan. Reconheço diferenças nos gêneros, reconheço potência nos mestres, reconheço dureza sim nos homens, ansiedade de resultados, mas no fim, o que o Tai Chi nos pede é seguir o fluxo do Tao, permitir que sua fluência harmonize a cada um de nós naquilo que carece de transformação. O feminino, interno, nutridor, o masculino, rápido e forte, o Tai Chi Chuan o veículo que os expressa, que incita essa pulsão de movimento contínuo.
Como profissional de Medicina Chinesa, gostaria de trazer alguns elementos dessa prática que ajudam muito as mulheres no trato do mais delicado de sua constituição que são os hormônios, seus ciclos e gestação. Anatomicamente o órgão reprodutor feminino se encontra no interior do abdômen, introvertido, o que sugere recolhimento e proteção e, como já citado, se caracterizando como mais Yin. Nesse sentido sua fisiologia tem uma delicadeza e por isso a necessidade de seus ciclos mensais (períodos de 28 dias, assim como o ciclo lunar completo) serem respeitados e delicadamente cuidados, pois cada período de transição, uma tendencia orgânica energética, pode ser mais sujeito a turbulências e, muitas vezes, difícil. Esses fatores fisiológicos e geradores de sentimentos vários, acabam por bloquear o livre fluxo das emoções e, dessa forma, interferir na livre circulação do Qi. Existem diversos fatores que podem levar a esses bloqueios, como alimentação, estilo de vida, infelicidade etc. Vale deixar claro, que falo a partir da experiência de nossa cultura. Embora eu não tenha dados atualizados para embasar o que se segue, apesar de o mundo hoje ser globalizado, até tempos atrás, quando trabalhei durante 10 anos com japonesas e fui a China, era evidente que a menstruação e a menopausa para elas não traziam nenhum trauma nem variados sintomas como a maioria das mulheres daqui experimentam. Percebo no ocidente que as mulheres, ao entrarem na menopausa correm em busca de tratamentos com hormônios, sofrem emocionalmente, resistindo à natureza fiel da vida por chegar na fase de envelhecimento. Dentro desse contexto o Tai Chi Chuan, por estimular e ativar o livre fluxo do Qi e, consequentemente, de todas as substâncias, por harmonizar e ampliar a respiração, gerar relaxamento, coordenar movimentos, tem um papel importante para evitar e/ou erradicar
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tantos desses desconfortos. Conheci mulheres que fizeram Tai Chi Chuan durante toda a gravidez e tiveram muito sucesso ao dar à luz, como outras que, com a contínua prática, foram sentindo mais suavidade no pré-menstrual e na passagem para a menopausa, como eu mesma pude experimentar.
Considerações Finais Para encerrar, ressalto que a prática pessoal dessa arte nos conecta às nossas virtudes e a descoberta e compreensão de nossa capacidade de cultivo interno, acessando integridade, respeito, apreciação, honestidade, humildade, atenção, coragem e confiança. Gostaria de dedicar minha admiração nesses escritos a algumas queridas amigas professoras e alunas que foram, e sempre serão, exemplos para mim como a Ana Cloe, grande amiga e uma maravilhosa professora de Tai Chi; a professora Tania Carmo, amiga, artista, que passou sua vida praticando a 108 Yang diariamente; as alunas Noemi Bittencourt por sua prática cotidiana, começando o Tai Chi aos 50 anos e agora com 92; Lillian Meyer pela sua tenacidade, mesmo morando longe estava sempre nas aulas e ajudou na tradução e edição de vários clássicos; Cassia Costa pela sua força guerreira, hoje trabalhando com idosos, cheia de alegria; Cristina Bó praticante comigo dos leques, que nos embelezam e alegram com sua suavidade e força; e tantas outras mulheres que hoje têm com o Tai Chi Chuan uma sincera fidelidade e presença.
Para isso precisamos apresentar novas ferramentas e outras linguagens que possibilitem uma experiência de maior entendimento e harmonia em suas vidas. O Tai Chi Chuan oferece essa possibilidade de transformação pessoal, tanto como uma filosofia de vida quanto um modo prático para vivê-la. Vida é movimento e o movimento realça a vida. Denise S Queiroz
Professora de Tai Chi Chuan Profissional de Saúde em Medicina Chinesa e Práticas Integrativas e Complementares de Saúde. Rio de Janeiro/2021
Desejo que mais mulheres tenham acesso a esta arte, especialmente em nosso país onde a desigualdade social, a saúde precária, o desrespeito e o preconceito ainda imperam.
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TEXTO
Taijiquan e Psicologia a vida na fronteira entre esses dois mundos Ana Cloe Pratico Taiji Quan desde 1996: iniciei meus estudos em Petrópolis – RJ., no grupo Gesto Cotidiano tendo a sorte de ser aluna de Begonia Javares e Estevam Ribeiro. Por consequência, iniciei praticando o estilo Yang, conforme ensinado pela Gran-mestra Shen Hai-Min (discípula direta de Fu Chen Yuan, que, por sua vez, foi discípulo de Yang Chen Fu e professora dos meus professores). No início dos anos 2000, por meio do professor Estevam Ribeiro, comecei a praticar o estilo Chen e tornei-me discípula do Grão-mestre Chen Xiao Wang em 2012.
de desconforto e de pouco domínio, às vezes, e, quase sempre, quando começamos a praticá-lo.
Quando comecei a praticar Taiji eu estava formada em Psicologia havia penas três anos. Mas eu já flertava, há muito mais tempo, com a cultura oriental, justamente porque minha área de interesse era o comportamento humano, era o funcionamento da mente humana: como sabemos, a mente é objeto de estudo dessa cultura, elemento a ser conhecido e elaborado caso se pretenda estudar e praticar alguma arte, seja ela marcial ou não. O mesmo diz respeito a quaisquer áreas de conhecimento, pensamento ou, se puder assim chamar, religião. Para o oriental, não é possível alcançar patamares mais elevados sem perscrutar e compreender os mecanismos mentais envolvidos na pretendida jornada. Desta forma, o Taiji para mim fez todo o sentido, pois eu sabia que ali, na prática eu havia de me deparar comigo mesma. Seria uma outra forma de entrar em contato, de perceber, por meio da linguagem corporal e do movimento, quem eu era ou quem poderia ser. O Taiji nos coloca num lugar
Para além da prática das formas, os fundamentos teóricos e conceituais, que compõem a literatura clássica do Taiji e também os clássicos do pensamento chinês como o Livro das Mutações (I Jing), ampliaram meu entendimento da vida bem como contribuíram enormemente para que aprofundasse e refletisse a respeito de conceitos importantes dentro do próprio campo da Psicologia: autodeterminação e/ou livre arbítrio; impulsividade/ reflexão- cognição; sintomas psicossomáticos... questões importantes dentro da área clínica da psicologia. O que instiga nisso é que no campo da Psicologia, salvo a teoria psicanalítica Freudiana e seus desdobramentos, a questão do arbítrio e da cognição são entendidos como determinantes do comportamento. Mas, no I Jing, o Homem Superior deve consultar as mutações. Deve pôr-se à escuta e interagir com o Tao, com a ordem já posta. É preciso certo grau de entrega e de energia Yin. Na minha opinião este é um drama para nossa cultura. O antropocentrismo ocidental gera muito sofrimento psíquico. De maneira geral, nossa cultura exacerba a energia Yang, o fazer, o agir com proposta utilitarista, sem o tempo do Yin, do fortalecimento interior. Assim, comigo mesma e na minha prática clínica transito nas fronteiras da psicologia Ocidental e Oriental. Outro ponto a ser ressaltado é o das questões que envolvem Liderança e Dinâmica de Grupos. Campo importante dentro da Psicologia. No I Jing
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Foto: Roberto Carvalho
encontramos, nos comentários sobre as linhas (trabalho da escola confucionista), um verdadeiro tratado de sobre administração de Recursos Humanos. Ao longo da minha carreira como Psicóloga Clínica e Sanitarista posso afirmar que sou uma psicóloga Taichista! A difusão do Estilo Chen de Taiji no Brasil, arrisco dizer – mudou um pouco a percepção de senso comum de que o Taiji é uma prática para idosos ou mesmo para mulheres ou praticantes de Gong Fu, porque se presta a trabalhar a suavidade. Sabemos que o estilo Chen enfatiza a expressão do trabalho do Qi e seus desdobramentos (energias internas do Taiji) de maneira diferente do estilo Yang, estilo mais difundido e portanto, fadado às percepções equivocadas de senso comum. O estilo Chen convoca o praticante a expressar-se. Isso é importante para nós mulheres, educadas para sermos suaves e delicadas. Tive a sorte de ir à China por três vezes em minha vida. Apesar de cultura patriarcal, as mulheres praticamTaiji com muita energia e presença. Observei também em Seminários Internacionais de Taiji Estilo Chen a presença maciça de mulheres. Felizmente, no Brasil, percebo também este movimento, carreado pelo estilo Chen de Taiji. Quando temos o entendimento de que a energia Yang depende do cultivo e armazenamento da energia Yin, nós, mulheres, que histórica e culturalmente somos treinadas a cultivar o Yin, podemos descobrir, por meio do estilo Chen, que a expressão de nossa energia Yang pode ser muito potente. Portanto, uma vez mais o Taiji Quan se torna elemento de trabalho psíquico interno, proporcionando formas distintas de ser e viver. Penso que isso seja algo importante para o resgate da energia feminina, principalmente para a mulher latina.
Digo isso não para competir com o lugar masculino, de gênero, a fim de ocupar espaço no cenário do Taiji – isso será necessário, já que estamos imersas em contextos históricos, mas, vou além: falo sobre a integração e expressão do Yang feminino, da ocupação deste espaço social, que não nos será dado. O título deste pequeno texto se refere justamente ao modo como consigo levar minha vida: uma vida de fronteira e em trânsito, por dois caminhos lindos – Taiji e Psicologia.
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CULTURA, MEDICINA E ARTES MARCIAIS CHINESAS
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ESCOLA CHENJIAGOU DE TAIJIQUAN BRASIL
TEXTO
O que desaprendi sobre meu corpo no taijiquan Julia Ruiz Di Giovanni
Pratico taijiquan há 5 anos agora. Comecei já no estilo Chen em 2016, sob orientação do professor Gil Rodrigues, depois de dois anos treinando kung fu (louva-a-deus) com o Shifu Carlos Eduardo Moraes (Huangshan Brasil). Aos poucos, os treinos diários de kung fu foram cedendo lugar aos de taiji, e a prática se tornou meu principal espaço de pesquisa, de autocuidado e autoconhecimento.
A descoberta do taijiquan da família Chen foi simultânea ao meus anos de formação em educação somática, no curso de especialização em Técnica Klauss Vianna (TKV) da PUC de São Paulo. Foi um período de profunda transformação da minha experiência e entendimento do meu corpo. Ambos os caminhos convergiam para a relação entre as habilidades de movimento e o amadurecimento da sensibilidade, das qualidades de atenção e disponibilidade que constituem isso que chamamos de presença. Vinda de quase 15 anos de experiência na dança, eu sentia que a arte marcial me libertava. Alimentada também pelos estudos de educação somática, encontrava finalmente a possibilidade de descobrir a potência do meu corpo sem sentir pressão para me encaixar em um padrão imposto. Algo que começou a se mostrar no kung fu ganhava espaço no taiji: aprender não era tentar imitar formas, linhas e posturas refletidas no espelho, e sim descobrir os caminhos do movimento no meu próprio corpo. Parece simples, não? Mas uma mulher pode passar a vida toda (tantas de nós passamos), pulando
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Alicia Cervera (ESP) - Treino da Laoji Yilu em Chenjiagou Taijiquan Xuexiao, 2016.
de um estilo de dança a outro, entre academias de ginástica e estúdios de yoga, pilates e crossfit sem jamais encontrar espaço para essa descoberta. A aparência deixava de ser tão importante para mim. Em vez gastar energia procurando parecer uma bailarina, tentando achar uma roupa de ensaio que me fizesse parecer mais magra no espelho da sala de aula, sentia (ainda sinto) enorme prazer em vestir a camiseta solta e as calças largas do uniforme para me colocar ao lado de minhas irmãs e irmãos no treinos. Depois de tanto tempo tentando parecer graciosa ou convincente, correndo atrás de coreografias cada vez mais complicadas, sentindo medo de errar e de fazer feio, eu encontrava nas orientações do professor de taiji um sentido inteiramente diferente do movimento. O que tinha valor era atenção às sensações, a disposição para relação com o ambiente e com as outras pessoas. Abraçar sua singularidade, abraçar o erro, me tornar pesquisadora de mim mesma.
Nesse sentido, a formação na Técnica Klaus Vianna e o taijiquan convergiam plenamente. Ambas as tradições, por caminhos tão diferentes, trazem o entendimento de que as qualidades de técnicas e/ou expressivas (leveza, força, precisão, firmeza, beleza, explosão, fluidez e assim por diante), resultam do estudo diligente, da repetição sensível, da disposição para o autoconhecimento. Ambas exigem nos tornemos responsáveis por nossa prática. Amadurecer significa tornar-se progressivamente mais atenta na escuta do próprio corpo, mais sensível e mais capaz de perceber, formular e lidar com os limites e possibilidades do seu movimento: nenhum passo, golpe ou “resultado” nos será entregue já pronto por um mestre o professor. Quando falamos da importância da arte marcial para as mulheres, é comum que se destaque o fato de que aprender a lutar, colocando-nos nessa prontidão de ataque e defesa, é algo que nos ajuda a romper com os padrões de sentir,
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Silvia Di Paula (ARG) - Durante o evento: “100 cidades 100 milhões de pessoas praticando taijiquan em Chenjiagou. 2015.
mover-se e relacionar-se que nos são impostos em um sociedade patriarcal e profundamente misógina. Nos perceber mais ágeis e mais fortes, mais capazes de nos defender de ameaças e assumir uma imagem guerreira, cria para nós um espaço fundamental de liberdade, sororidade e até de sobrevivência. Mas isso não pode ser reduzido ao número de fotos de mulheres em posturas marciais que vemos circular pelas redes sociais. A circulação dessas fotos muitas vezes continua privilegiando os padrões de corpos jovens, magros e brancos, chutes altos, saltos, espacates, que produzem a falsa ideia de que sair bem na fotografia e quebrar os dentes de um agressor é o tudo que uma arte marcial pode fazer por nós. Na minha experiência, o taijiquan me exige (até hoje, todos os dias) parar de brigar comigo mesma: parar de brigar com a imagem no espelho, parar de tentar agradar o olhar dos outros, parar de gastar energia querendo ser ou parecer alguém diferente, mergulhar no meu corpo e na minha própria experiência. Apenas
nesse mergulho meu corpo se descobre na sua potência. Flexibilidade, força, precisão e agilidade não são coisas que se possa imitar, não são coisas que saem bem na foto: são apenas qualidades que se pode ir lentamente cultivando e vendo brotar em um corpo redescoberto. Por exemplo: levei mais ou menos um ano para aprender a Laojia Yilu inteira. Meu corpo inteiro tremia quando comecei. Levei uns dois anos para deixar de tremer. E comecei a perceber que essa pesquisa era trabalho para a vida toda. E isso é maravilhoso. Os encontros com o Mestre Chen Ziqiang e a viagem a Chenjiagou em 2018 aprofundaram essa sensação de encontrar sentido no taijiquan e me encontrar pelo caminho. As orientações dos mestres, mesmo vindas de um contexto tão diferente, continuavam convergindo com tudo que eu estudava sobre somática e me desafiavam a ir mais longe, a aprender mandarim, estudar também a medicina tradicional chinesa. Voltei de Chenjiagou me
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Julia Di Giovanni (BRA) - Correções do Mestre Chen Ziqiang em Chenjiagou Taijiquan Xuexiao, 2018.
Svetlana Kobyakova (RUS) - Treino da Laojia Yilu em Chenjiagou Taijiquan Xuexiao, 2015.
sentindo amadurecida como praticante, meu corpo estava mais profundamente transformado depois de um mês de treino intenso em temperaturas abaixo de zero: tudo parecia possível. Alguns meses depois, aos 40 anos, engravidei pela primeira vez.
é mais fácil ver, ser visto, se deixar levar pela animação coletiva… Me recolhi para melhor resistir à tentação de ir treinar mais baixo, mais rápido e mais forte. Meu corpo ainda podia tudo, mas o coração estava sendo desafiado a crescer e aprender.
Senti que estava grávida entre uma aula e outra de taiji. Tive a confirmação através de exames uma semana antes do 4o Seminário do Mestre Chen Ziqiang no Brasil – evento que eu ajudava a organizar ao mesmo tempo em que puxava os treinos da Escola Chenjiagou Brasil, enquanto o Professor Gil Rodrigues acompanhava o Mestre em seu tour pela América Latina. Quando o Mestre chegou a São Paulo, contamos a ele a novidade e perguntei se havia contraindicações para a prática na gravidez e como fazer conforme a barriga fosse crescendo. Não tem problema, ele disse, é só não fazer muito baixo, nem muito rápido, nem muito forte.
Meses depois foram aparecendo outras mudanças: a barriga ganhando volume, o fôlego mais curto, a abertura progressiva do quadril. Aprendi muito sobre a mobilidade do quadril nessa fase, inclusive me preparando para um parto natural que acabou não acontecendo. Depois de alguns meses, os hormônios trabalham amaciando as articulações e se torna possível perceber, durante a prática, novas sensações de mobilidade das articulações sacroilíacas e até da sínfise púbica. Muitas mulheres sentem dores associadas a essa mobilidade e sensibilidade aumentadas, mas acredito que o taiji me preparou para receber essas mudanças com alguma naturalidade e curiosidade.
Eu ainda não percebia, mas o 4o Seminário foi minha primeira vivência como mãe no taijiquan. Uma parte de mim relutava em se conformar com as novas condições da prática. Aquele prazer entrega total ao treino, o compromisso de chegar ao limite das forças para aprender o que há mais além, daquela vez, não era possível. Uma parte muito importante da minha energia precisava ser reservada para alimentar e proteger meu filho. Lutei contra mim mesma para encontrar um lugar bem no fundo do salão, longe das primeiras filas que eu ocupara nos anos anteriores – ali onde
A pressão na lombar é permanente e é preciso atenção e relaxamento constantes para que o peso do quadril não se desloque para frente. Com o volume da barriga, torna-se impossível, por exemplo aproximar o joelhos do peito para agachar e alongar-se. Aos poucos, fui fazendo escolhas, adaptando meus movimentos procurando preservar o que era fundamental e dispensar as exigências de performance, ainda muito carregadas de modelos externos e
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Memei e grupo de alunas (CHN) - Durante o evento: “100 cidades 100 milhões de pessoas praticando taijiquan em Chenjiagou. 2015.
ansiedades sobre a imagem corporal. Acredito que isso me aproximou das minhas alunas e alunos. Fez com que eu olhasse para outros corpos de um ângulo diferente. Fez com que as pessoas vissem coisas diferentes no meu corpo e experimentassem fazer diferente por conta própria. Me aproximou das pessoas que praticam taiji lidando com as restrições de movimento trazidas pela idade avançada, por histórias de acidentes, pelas marcas da vida. Isso me fazia pensar que, de modo mais ou menos evidente, cada pessoa faz seu caminho de taiji no presente de sua própria história, lidando com condições particulares, desejadas ou não, que nos limitam por aqui e por ali abrem possibilidades. Grávida, conduzi os treinos da Chenjiagou Brasil, turmas da Lapa e Perdizes na Huangshan Escola de Artes Marciais, além de duas práticas semanais no Teatro Oficina com o elenco da peça Roda Viva. Mantive treinos de kung fu e enquanto pude ofereci aulas gratuitas a um grupo de artistas em uma ocupação cultural. Foi um tempo em que o taiji ocupou inteiramente meu tempo, meu corpo e minha vida. Encontrava uma maneira de dormir, em qualquer lugar,
no tempo disponível entre uma aula e outra. Na minha memória não fazia nada além do acompanhamento pré-natal, dormir, comer e praticar taijiquan. Nenhum profissional de saúde jamais questionou o benefício de tanta atividade. Essa rotina privilegiada foi fundamental na minha gravidez: me ajudou a atravessar as inseguranças e mudanças hormonais, me alimentou de movimento e do carinho de colegas e alunos. Dei a última aula no Centro de Cultura Oriental Shàoshèng na véspera do nascimento do meu filho. Se a gravidez foi cheia do prazer do movimento, o puerpério foi difícil de atravessar. Quando a barriga foi embora e tinha meus filho nos braços, vieram a desconexão do corpo, a depressão, a sensação de estagnação, a exaustão e a dor. Hoje muitas mulheres tem relatado publicamente o quanto os primeiros meses após o nascimento de um filho podem ser desesperadores: mesmo quando nos sentimos cheias de amor, apoio e não há nada de errado conosco nem com o bebê. Lutando para conseguir amamentar meu filho o quanto podia, chegava à conclusão de que nenhuma experiência anterior me exigira
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Hagit Steinberg (ISR) - Postura do “Chicote Simples”. Museu do Taijiquan em Chenjiagou, 2015.
tanta força, tanta presença, tanta entrega. Imaginava que se conseguisse conjurar aquela mesma força em uma disputa de sanshou, ninguém seria páreo para mim, seria capaz de lançar qualquer um na poeira. Desejava ardentemente voltar a treinar e comecei a fazer planos de voltar quando meu filho completasse três meses, mas fomos atropelados pela pandemia de Covid-19, pelo isolamento social e pela necessidade ainda mais profunda, coletiva, de reinventar a vida. Aos poucos, com apoio profissional e da família, fui me encontrando mais tranquila e retomando o trabalho de re-conhecer e reinventar meu corpo. As primeiras tentativas de fazer o trabalho de tendões ou executar um taolu eram muito frustrantes. Mas o taijiquan, se não tem atalhos, também não tem segredos. Basta repetir, com atenção para o que sai sempre igual, para o que hoje saiu diferente. Investigar. Refazer. Perder o caminho, achar outro caminho. Amar o caminho mais do que o destino. Meu taolu favorito ainda
é a Laojia Yilu, que sintetiza minha relação com a prática hoje: cada vez que repito a travessia, aprendo algo no caminho e chego do outro lado mais crescida de coração. Nunca foi tão difícil treinar como depois de ser mãe. Nunca foi tão importante. Nunca foi tão potente. É o tipo de experiência em que nosso sentido de identidade se abre para uma revolução (várias vezes ao dia), o que implica em abrir mão do que achamos que sabemos sobre nosso corpo. Me pergunto se é possível amadurecer no taijiquan sem experiências assim. No caminho, também se tornou importante para mim o taijiquan outras mulheres, sobretudo das mulheres mais velhas do que eu: é como elas que eu quero ser, e não como as moças das poses do Instagram. Nelas busco referência, inspiração, relatos. Meu taiji ganha sentido porque elas estão (sempre estiveram) lá abrindo caminhos. Falo de Svetlana Kobyakova (Chen Yimei), Davidine Siaw-Voon Sim, Kimberly Ivy, Oxana Timofeeva, as mulheres da WCTA-Women,
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Svetlana Kobyakova (RUS) - Treino com a espada. Chenjiagou Taijiquan Xuexiao, 2015.
Julia Di Giovanni (BRA) - Pausa e afeto. Museu do Taijiquan em Chenjiagou, 2019.
além de mestras de outros estilos e práticas como Ângela Soci, Jerusa Chang, Maria Lúcia Lee. Falo de minhas alunas-irmãs: Alzira, Maristela, Ana, entre outras. Falo das mulheres da Vila Chen: de Chen Yuxia, sobre quem aprendi nos livros, da Sra. Chang que vi treinar todos os dias no pátio da escola da família Chen em Chenjiagou, e de tantas outras senhoras invisíveis cujas histórias ainda não sabemos contar. Graças a elas é que também atravessa o pátio daquela escola um bando de menininhas uniformizadas atrás de suas jiaolians: poucas, mas irredutíveis, pequeninas e já mais fortes do que eu. A presença das mulheres no taijiquan não começa nesse século, não vai terminar nas redes sociais e não temos que provar nada a ninguém. Nossa tarefa é fazer caminho, ensinar o que aprendemos, o que desaprendemos e não esquecer de contar nossas histórias umas às outras. ______________________________ Doutora em Antropologia pela USP, especialista em Técnica Klauss Vianna pela PUC-SP. Instrutora de Chen Taijiquan na Chenjiagou Xuexiao Brasil e de Qigong na Shàoshèng Centro de Cultura Oriental em São Paulo. Minhas reflexões sobre a Técnica Klauss Vianna foram publicadas na Revista TKV, Quarta Edição - v1, n4 2019. revistatkv.
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Mulheres no Tai Chi
Julia Di Giovanni Museu do Taijiquan Chenjiagou - China
Revista Tai Chi Brasil
TEXTO
O Tai Chi pelos meus olhos! Eliete Ramos Textos & Fotos
Tai Chi Chuan é um modo holístico de olhar para a vida. A dança do Tai Chi Chuan une beleza, energia e harmonia nos movimentos; cultiva a paz interior, que, por sua vez, dissolve os padrões perturbadores da nossa mente. Estudar, treinar, colocar em prática os ensinamentos dos grandes mestres foi vital para minha vida! Desde criança o Tai Chi Chuan me encantou! Mesmo em tenra idade, sentia algo mágico por aquela arte! Decidi, então, ir em busca daqueles maravilhosos movimentos. Apesar de morar no interior de São Paulo e ser tão jovem, eu já tinha uma meta: encontrar o Tai Chi. Aos doze anos, vim para São Paulo, morar com minha tia e trabalhar. E... conforme eu planejei, aconteceu! Aos 15 anos eu já era budista, para espanto de toda a minha família que é protestante. Foram muitos momentos de grande aprendizado, onde eu absorvia cada gota dessa filosofia que me ensinava a viver gradativamente melhor. Eu acredito que Tai Chi Chuan foi, desde sempre, uma das melhores práticas que conheci. Através de Mestres maravilhosos, pude entrar em contato com a tarefa de adquirir uma mente inabalável, um corpo organizado e habilidades aperfeiçoadas.
Através do centramento entre a Postura, o Movimento e o Qi, o Tai Chi Chuan proporciona o controle das emoções; os treinamentos internos nos protegem das sensações indesejáveis, nos acalmam e equilibram para o enfrentamento das adversidades. É um contínuo aperfeiçoamento físico, emocional e espiritual que me ajudou em todos os momentos de minha vida. A essência dessa belíssima arte é o exercício da paciência e tolerância. Ela requer tempo para evoluir, por isso, sinto-me em constante evolução.
Cultivo da motivação e da calma. Paciência, autocontrole, foco e direção. Quanto maiores eram meus problemas, mais eu praticava, para ter paz interior para resolvê-los. Tive a oportunidade de estudar com grandes Mestres como: o Grão-Mestre Yang Zhenduo na Província de Shanxi na China, com o Mestre Yang Jun em Seattle, através do Professor Estevam Ribeiro com os Mestres Chen Xiao Wang, Shen Hai Ming. Em Hong Kong, com os Mestres Chen Shek On e Chen Iun Sok Kei; e Mestre Wu Jyh Cheng da Sociedade Taoista do Brasil, atualmente Sociedade Taoista SP, sob a regência do Mestre Wagner Canalonga. À medida que eu estudava a filosofia do Tai Chi Chuan, crescia a vontade de aprofundar
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meus conhecimentos acerca da arte, o que me levou a viajar várias vezes para a China. Os estudos do I Ching, Feng Shui, Astrologia Chinesa, Medicina Tradicional Chinesa, Qi Gong, Tui Na, Dietologia, Fitoterapia, Meditação, ciências essencialmente taoístas, ajudaram-me na compreensão do termo “Além da Borda”, empregado para definir o Tai Chi Chuan. Com relação aos benefícios para a saúde, o Tai Chi Chuan é, sem dúvida, uma das melhores ferramentas, principalmente quando acrescentamos o estudo e prática da espada, do sabre, do bastão e do leque. O Tai Chi Chuan revitaliza o corpo, serena a mente, nos leva à longevidade. Ele conduz o praticante a aprimorar a paciência, persistência, calma, equilíbrio, flexibilidade, amabilidade, força de vontade, disciplina, coordenação motora, postura e expressão, clareza mental, entre outras competências e virtudes. Para os ciclos naturais e biológicos da mulher, a prática vai além das expectativas, pois realiza um trabalho profundo através das rotas de meridianos. Posso afirmar, que essa maravilhosa arte, evitou que eu ficasse cega, devido a degeneração macular; evitou que eu estivesse em estado depressivo, por ser uma sobrevivente da Lei Maria da Penha; evitou que eu perdesse a perna esquerda, devido a um desastre de ônibus sofrido em 1992. Meu amor pela arte e todas as constatações que pude experienciar, me deram força e perseverança para eu continuar na minha caminhada e propósito em levar o Tai Chi Chuan para todas as pessoas que tivessem interesse. Isso não significa que não tive percalços. Tive e foram muitos! No Brasil dos anos 80 e 90, nos círculos das artes, havia muito protecionismo, discriminação e preconceito. Muitos queriam ter o controle e domínio da prática no país. Mas a arte e o tempo são maravilhosos para mostrar que não é possível reter o que foi criado para se expandir. Vivi momentos difíceis por abraçar esta arte, mas apesar de todas as dificuldades eu me mantive firme no caminho.
Sempre pratiquei Tai Chi Chuan com foco em melhorar a saúde, aperfeiçoar habilidades e principalmente, para minha evolução pessoal, porque sei que a alquimia interior acontece após muito treino e disciplina. Entender e incorporar o propósito da arte, seus fundamentos e princípios ensinados pelo Mestre Yang Chengfu é condição essencial para desenvolver um bom Tai Chi. A base da arte do Tai Chi Chuan é o Yin-Yang. A energia é a relação entre o Yin e Yang: o suave e o duro, o interno e o externo, o avançar e o recuar, o abrir e o fechar, inspirar e expirar, acumular e dispersar. Tudo está relacionado ao yin e yang. Não é uma questão somente minha, mas com o outro. Primeiro, é preciso ter um bom enraizamento – quando temos isso, temos equilíbrio, agilidade, vamos gerar energia no movimento. Segundo, buscar a unificação unificar todas as partes do corpo, unificar todos os aspectos da prática e do nosso ser. Tudo está unificado. Tudo está em harmonia. Sempre acreditei que: Tai Chi Chuan é um treinamento de união do céu e da terra dentro do homem; é um treinamento de união do corpo e do espírito. A vida em movimento. O Tai Chi Chuan é a prática
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e) Treine a mente para mantê-la calma e cultivar ações virtuosas – eis o “segredo” do bem viver. Posso dizer que ganhei um “presente valioso” quando, ainda muito jovem, iniciei esta trajetória, em 1972. Agradeço a vida pela oportunidade de estudar no quintal da residência do Grão Mestre Yang Zhenduo (in memorian) e em Seattle com o Mestre Yang Jun.
“Ser convidada pelo próprio mestre Yang Zhenduo para almoçar em sua residência foi memorável e uma grande honra.”
que traz o verdadeiro descanso, porque seu movimento leva à serenidade; é também uma forma de automassagem interna e externa, atuando em todos os sistemas orgânicos do corpo, promovendo a circulação do sangue e da energia. Ao longo da minha trajetória - uma vida dedicada ao ser humano - acima de tudo buscando, primeiramente, os efeitos para minha própria vida, meu maior sentimento foi de felicidade e gratidão, por ser o Tai Chi Chuan uma arte alicerçada nos ensinamentos taoístas e budistas. Sou grata pelo que aprendi e aprendo com meus mestres. Estes preceitos são de grande valia para minha vida: a) Cada pessoa é responsável pela própria saúde; b) Somos todos potencialmente competentes – pois somos dotados de um elemento poderosíssimo: a mente! ; c) Somente a auto-análise, a autocrítica nos leva ao autoconhecimento, à evolução, à sabedoria plena; d) Mantenha uma atitude mental positiva, a fim de irradiar e atrair energias de qualidade superior e repelir as energias perversas;
Hoje, aos 68 anos, embora não tenha feito o discipulado (ter um nome em chinês), me sinto privilegiada e grata por ter seguido o meu objetivo de levar saúde e bem estar para as pessoas, aplicar o que aprendi e estar, continuamente em estado de “aprendiz”. Para mim, isto é, de fato, ser um discípulo. Hoje, com a experiência que a vida me proporcionou e oferece todos os dias, sinto-me honrada em ser membro da Associação Internacional de Tai Chi Chuan, através do Equilibrius – Centro de Tai Chi Chuan, Acupuntura e Cultura Oriental em Ribeirão Preto- SP. Estudar, treinar, colocar em prática os ensinamentos dos grandes mestres foi vital para minha vida. E faço questão de orientar e instruir meus alunos da mesma forma. Cobro disciplina, esforço e foco para que desenvolvam esta capacidade de se relacionarem melhor consigo e com o que os cerca. A pandemia, apesar de todos os reveses que causou para muitas pessoas, também trouxe um novo despertar. As aulas, antes presenciais, passaram para o on-line, e isso me trouxe uma grata descoberta! É possível levar a arte para além dos muros! É possível alcançar pessoas em regiões diferentes; é possível levar o conhecimento a um outro nível (mais profundo). Encontros maravilhosos, de pessoas interessadas e dispostas a aprender são possíveis. Tenho encontrado, neste período, pessoas que desejam realizar mudanças
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positivas em suas vidas. A pandemia como algo inesperado, que tem gerado desconforto e tristeza, tem na prática do Tai Chi Chuan, assim como em outras artes chinesas, um antídoto para que as pessoas lidem melhor com suas emoções, respirem melhor e minimizem seus conflitos internos. Tenho trabalhado muito pelo bem-estar das pessoas, de forma virtual. Não interrompi meu trabalho em nenhum momento. Entendo que a necessidade de adaptação também é um dos aprendizados do Tai Chi Chuan. E por isso, tenho buscado me adaptar à comunicação virtual. Atualmente, realizo cursos online promovidos pela respeitada Sociedade Taoista SP e pela Plataforma 100PorCentoBemEstar, uma comunidade de profissionais que promovem o bem estar e a saúde, onde desenvolvo vários cursos imersivos e diferenciados, adaptados às necessidades do período em que vivemos.
Professora Eliete Ramos em uma demonstração de Tai Chi Leque
Posso assegurar através de muitos testemunhos que, hoje, mais do que antes, percebo, nitidamente, os efeitos e as mudanças positivas das práticas nas pessoas que oriento. E isso é uma dádiva! Eliete Ramos
Estudo e treinamento de Tai Chi Sabre com o Mestre Yang Jun em Seattle - EUA - 2000
Aula virtual para alunos da Plataforma 100PorCentoBemEstar
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Considerações sobre o feminino e Tai Chi Chuan Luciani Weigert
O Tai Chi Chuan é uma arte marcial chinesa, que tem seu aspecto histórico, filosófico e terapêutico. Essa arte milenar baseia-se na Lei do Tao e na observação da natureza. Somos, portanto, um microcosmo inserido no macrocosmo. Tudo se baseia na relação dos dois polos energéticos, Yin e Yang. Essas duas polaridades, apesar de opostas, são interdependentes, complementares e estão em constante mutação. Entretanto, é de suma importância que as duas estejam sempre em equilíbrio. Nada é essencialmente Yin ou Yang. Em situações extremas o Yin se transforma em Yang e o extremo Yang se transforma em Yin. As situações de desequilíbrio dentro do nosso corpo são fatores de adoecimento.
O símbolo do Tao é um círculo, o que significa que tudo na natureza está em constante movimento. Vejamos onde está o Feminino no conceito destas energias: Yang se relaciona a ativo, criativo, energia, positivo, fogo ou calor, força, calor, luz e claridade, sol, dia, verão, secura, plenitude, superfície, cheio, peso, sul, norte. Céu. Masculino.
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Yin se relaciona a passivo, receptivo, vazio, negativo, umidade, frio, leveza, escuridão, noite, inverno, profundidade, vazio, sul, oeste. Terra. Feminino. Embora o homem seja predominantemente Yang tem o Yin para equilibrar, da mesma forma a mulher: Yin tem Yang para equilibrar. O Taoísmo onde se encontra a base das artes marciais como o do Kung Fu, Tai Chi Chuan, FengShui, e Medicina Tradicional Chinesa, tem como base o livro I Ching, com características de oráculo, além de filosófico e religioso. No I Ching, há combinação de 8 trigramas que constituem 64 hexagramas. Onde vemos a presença aí também do Feminino. Céu: yang, pai, masculino, 3 linhas inteiras Terra: yin, mãe, feminino, 3 linhas interrompidas Trovão: 2 linhas yin, 1 yang – filha mais velho Vento: 2 linhas yang e 1 linha yin – filha mais velha Lago: 1 linha yin e 2 linhas yang – filha mais nova Montanha: 1 linha yang e 2 linhas yin – filho mais novo Água: 1 linha yang entre 2 linhas yin – filho do meio Fogo: 1 linha yang e entre 2 linhas yin – filha do meio Em se tratando de Arte Marcial Chinesa, há igualdade entre o Feminino e Masculino tradicionalmente. Como isso foi possível num país extremamente machista? Com certeza baseada na própria filosofia taoísta, embora diga que o Yang (masculino) é ativo e Yin (Feminino) é passivo, uma traz a semente do outro na qual em extremos se convertem. Talvez assim não coubesse discutir essa complexidade de Gênero. Acredita-se que essa questão de igualdade do Feminino e Masculino foi aceita focando nos aspectos: da natureza, do religioso e do poético.
As mulheres sempre foram vistas como seres pacíficos, não marciais, o que se deve a questões biológicas de compleição físicas mais frágeis, devido a questões hormonais e da maternidade, ficando ao seu cuidado a responsabilidade de proteger a prole. Porém, do ponto de vista poético sempre houve um encantamento por mulheres guerreiras, heroínas, independentes, que compensam essa fragilidade com uso de espadas e adagas as quais as manipulam com muita agilidade e mobilidade neste mundo imaginário. Este tipo de literatura poética se chama Wu sia, inspirando filmes sobre o Kung Fu nos cinemas. Temos como exemplo a história de Hua Mulan, atribuída a um poeta anônimo que viveu durante o chamado período da Dinastia do Norte e do Sul (420 - 589 d.C.); o poema original perdeu-se com o tempo, e a fonte de sua historio provém de uma coletânea chamada “Yuefu” que é uma obra representativa das canções populares e surgiu pela primeira vez nos Registros de Músicas Antigas e Modernas, compilados pelo monge Zhijiang durante a Dinastia do Sul. Do ponto de vista histórico o primeiro relato que nos remete ao Feminino nesta Arte trata-se da própria origem do Tai Chi Chuan quando Zhang Sang Feng um monge do Século XIII vai para as montanhas Wudang em um templo taoísta e presencia a luta entre uma cobra (feminino) e um grou (masculino). E teve uma iluminação, “que o suave e flexível” pode vencer o “duro e rígido” ou, a suavidade e flexibilidade podem vencer a dureza e rigidez. Foi quando ele aperfeiçoou a harmonia dos movimentos do Kung Fu Saholin, para movimentos mais suaves e circulares. Além da poesia, houve uma verdadeira mulher relacionada às artes marciais. A monja Ng Mui, criadora do Wing Chun, um estilo de Kung Fu, Há muitos praticantes de Wing Chun inclusive no Brasil. O fato de ter sido criado por uma mulher não interferiu na grandiosidade e respeito desta arte, uma vez que, na tradição budista homens e
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sexualizantes, essa diferença biológica ou anatômica aqui não existe.
“O Masculino quase sempre associado à brutalidade, força e superioridade e o Feminino à fragilidade, inferioridade e passividade, podem aproveitar muito desta Arte ao encontrar a ‘desconstrução’ destes paradigmas, trabalhando essas energias adormecidas em si: o Yin nos homens e Yang nas mulheres”
O Masculino quase sempre associado à brutalidade, força e superioridade e o Feminino à fragilidade, inferioridade e passividade, podem aproveitar muito desta Arte ao encontrar a “desconstrução” destes paradigmas, trabalhando essas energias adormecidas em si: o Yin nos homens e Yang nas mulheres, aprendendo a reconectar o Universo ao nosso eu interior para uma vida plena de equilíbrio, paz e longevidade. Luciani Weigert
Instrutora em Formação Tai Chi Chuan estilo Yang Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan
Referências
mulheres raspam a cabeça e se vestem iguais, justamente para suprimir a condição de gênero em nome da transcendência. Do ponto de vista terapêutico, já que a energia dentro do corpo humano é a mesma do universo, segundo o Tao, tudo que se aplica ao Universo ocorre também no nosso organismo. Essa energia, chamada de Chi, circula dentro do nosso corpo através de canais energéticos chamados meridianos. Os quais também se dividem em Yin e Yang conforme a região do corpo que percorrem. Meridiano Yin fica na parte anterior do corpo e ascendente – do púbis até o lábio inferior. Meridiano Yang parte posterior e descendente: desde o cóccix até o lábio superior. Cada meridiano tem suas particularidades e suas próprias emoções. Quando essas emoções estão alteradas, leva a uma estagnação do Chi dentro dos meridianos gerando diversas patologias, as quais podem se agravar com o processo natural do envelhecimento, quando essas energias já foram consumidas pelo desgaste fisiológico do organismo. O Tai Chi Chuan embora seja uma arte marcial prega os princípios da não violência e hoje num mundo social construído com princípios
. Acupuntura Clássica Chinesa: Tom Sintan Wen . Tratado General de Acupuntura China: Fisiopatologia diagnostica e tratamento. Fiz A. Fernandes. . O Livro Completo do Tai Chi Chuan – Wong Kiew Kit. Ed. Pensamento. . I Ching O Livro das Mutações Richard Wilhelm.Editora Pensamento. Ed 22 a 28. Ano 2004-2010. . https://philately. ctt.gov.mo/uploads/stampimages/ mac201605pageprt.pdf . https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0971.pdf . http://www4.pucsp.br/rever/rv1_2004/p_apolloni.pdf . www.pucsp.br/rever/rv1_2004/p_apolloni.pdf 86 Revista de Estudos da Religião Nº 1 / 2004 . https://rainhastragicas.com/2016/09/03/a-balada-dehua-mulan/ . http://kungfusga.com/wing-chun/ . http://www.usp.br/ludens/images/publicacoes/A_ insercao_da%20mulher_na_arte_marcial_%20o_caso_ do_kung_fu.pdf . IMAMURA, Léo. Ving Tsun Biu Je. São Paulo: Biopress, 1994.Seminário de Liderança Estratégica. Instituto de Inteligência Marcial. Moy Yat Ving Tsun Martial Intelligence. São Paulo, 2007. . FAYARD, P. Compreender e Aplicar Sun Tzu; o Pensamento Estratégico Chinês: uma Sabedoria em Ação.. Porto Alegre: Bookman, 2006. . https://www.revistas.usp.br/gradmais/article/ view/124408/137145 . Rev. Grad. USP, vol. 2, n. 3, dez 2017. Arte Marcial Chinesa: Cultura e Movimento. Walter Roberto Correia.Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo. . httpp://www.alesde.ufpr.br/encontro/trabalhos/133.pdf . https://.com/@laisyaz/o-lado-masculino-das-mulheres5437abd2573 . http://medium.com/@laisyaz/o-lado-feminino-doshomens-fe7ab19d3ba#gOprojbwd . https://portalgramadonews.com.br/a-importancia-doequilibrio-do-yin-yang-na-vida/
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REGISTRO • Antes da Pandemia | Covid-19
Mulheres no Tai Chi
Voluntárias da Praça do Tai Chi Luciani • Raquel • Waldete • Lizandra • Luiza • Elenice • Andrea
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Curitiba - PR
REFLEXÃO SOBRE O TAI CHI
... com amor,
@ bethli Texto: Bethli Fotos: Joabe Romed Produções
Minha vida e meu trabalho como praticante e instrutora de Tai Chi me ensinaram que a vitalidade, a beleza o contentamento pode ser não só restaurado como adquirida através do tempo com a prática desta arte milenar chinesa. Em geral, nós mulheres costumamos reservar tempo suficiente para atender as crises de saúde física e mental das outras pessoas, mas deixamos de criar tempo para a manutenção do nosso próprio corpo e nossa alma, tornandonos ausentes de nós mesmas. Na busca por um sentido maior de minha existência encontrei o Tai Chi e acabei descobrindo que não era mais uma sobrevivente neste mundo, mas sim uma guerreira. É isto! Esta arte ímpar tem este poder de transmutar, de tirar as nossas capas, facetas, máscaras impostas pelo sistema e ou cultura, desnudar de tudo aquilo que nos foi imposto e
que por falta de conhecimento talvez passamos um bom tempo ou quase uma vida acreditando ser aquilo que não somos nos tornando senhoras, donas de nós mesmas. Foi a minha primeira descoberta ainda nos primeiros dias de aprendizado. Achei fantástica essa sensação de libertação e disse pra mim mesma: quero saber realmente quem sou, o sentido da vida e assim segui por este caminho o qual permaneço até os dias de hoje já contando com 20 anos de jornada. O que mais me chamou atenção nesta arte corporal foi a leveza, a sutil leveza no caminhar, nos movimentos coordenados de braços, mãos, rosto, quadril, algo que considero extremamente feminino, ou YIN e ao mesmo tempo, a força firme dentro desta suavidade bem como os princípios internos. Confesso que pra mim foi difícil tendo em vista a rigidez que existia no meu corpo por conta de outras práticas corporais e talvez pelas emoções acumuladas inconscientemente durante os anos. Isto tudo foi se dissolvendo a medida que ia praticando trazendo-me um grande contentamento, devido a vitalidade, leveza, equilíbrio, além do impacto causado no meu espírito me tornando assim uma pessoa extremamente ativa e pacífica. Praticando fui aos poucos retornando a minha verdadeira essência o que contribuiu em grande parte para minhas realizações não só profissionais, como também na tarefa de mãe,
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filha, esposa, avó e amiga. E é assim, à medida que vamos praticando começamos a ter uma intimidade com nosso corpo e nossa mente, aprendemos a confiar em nós mesmas, a estar no controle, a ficar equilibrada, a encontrar o nosso centro, a nos manter presente e permanecer aberta seguindo o fluxo da vida o que acaba gerando um estado intuitivo elevado e de uma profunda percepção espiritual. Os Mestres sempre dizem: a pratica do tai chi é um patrimônio para a vida toda. Sim, é verdade... agora com 60+ chego ao Terceiro Ato, terceira idade, ou o outono da vida e constato em mim mesma os benefícios da arte. Nós mulheres passamos por três fases – a mulher jovem (donzela), mulher madura (mãe/matrona) e a mulher sábia (anciã). Em todos esses estágios a prática do tai chi foi e é extremamente benéfico para mim, não só colaborando com o meu equilíbrio físico, hormonal, psíquico bem como fortalecendo e nutrindo os outros sistemas, ósseo, muscular, respiratório etc. E em cada fase, nos descobrimos e de forma, mais aguçada dentro desse conjunto complexo que chamamos “corpo/ mente/espirito”.
Chegar aos 60+ é também sinônimo não somente de maturidade, mas de uma trajetória repleta de grandes histórias, momentos que nos levam a ser quem somos. Envelhecer é preciso e nossa biografia é construída a partir de nossas experiencias que precisam de tempo para acontecer e viver.
No Outono ou no Terceiro Ato, as mudanças hormonais e os sintomas da menopausa geralmente nos fazem conviver com a realidade de entrar numa fase onde, muitas vezes, temos medos, angústias devido as mudanças que ocorrem no corpo e na psique o que fazem com que a maioria de nós mulheres não tenhamos a mínima vontade de celebrar.
Como praticante do tai chi e no Outono de minha vida, celebro sim esta fase, pois posso dizer com toda segurança que esta é uma época ímpar na minha vida, com os filhos ( 5 ) já criados, netos ( 3 ) em crescimento, e ao lado do meu grande conselheiro e esposo, vivo um momento de inteireza pessoal, integração e saúde. Considero que grande parte dessa realização se deve
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ao estudo e as práticas diárias do Tai Chi e Chi Kung os quais estão presentes em atos e pensamentos o que tornou uma forma ou estilo de vida permanente para mim. Os “fogachos” (ondas de calor), trato como fontes de energia acumulados em meu corpo (em especial no rosto, cabeça) e quando eles veem, faço uma forma curta ou um chi kung e assim a temperatura harmoniza por inteiro. Quanto as mudanças de humor, uso a meditação e pacifico a mente. Quando estou a ninar o neto mais novo, uso dos princípios do Mestre Yang Chengfu, afundo o peito, relaxo os ombros, e assim posso ficar um bom tempo com a criança no colo sem sentir dores nas costas, braços ou na lombar. Quero deixar registrado aqui que usei os 10 princípios do Mestre Yang Chengfu na prática marcial e agora descubro que estes princípios podem e devem ser usados como uma estrutura física e energética facilitando as atividades do dia a dia inclusive na prática de esportes variados como a natação e caminhada. Posso ainda com toda agilidade e flexibilidade, brincar, correr com os netos maiores sem nenhuma dificuldade. Isto é muito bom, acho o máximo ainda estar em “forma”, podendo dar seguimento a vida sem grandes dificuldades. Este é um tempo de apreciar os prazeres de estar neste mundo, sabendo que nosso corpo e nossa mente não ficarão para sempre, portanto enquanto estamos em pé, torna-se necessário olhar para o nosso corpo e nossa mente com mais amor, não desperdiçando tempo e energia acumulados até aqui e, praticando podemos confirmar os ditos dos antigos mestres de tai chi: o tai chi é a “primavera das estações”. O Tai Chi me trouxe a reflexão acerca do que sabemos de nossa existência. Posso perceber o significado da vida interior, distinguir o que tem ou não importância em minha vida, desenvolvendo a compaixão para com todos mas deixando claro o meu espaço e local neste tempo, nesta fase de minha vida como Mulher, Mãe, Esposa, Vó e praticante, vivendo com
sabedoria, entusiasmo, humor, desapego e saúde. Novas descobertas são possíveis a todo momento. E são desafiadoras e formidáveis para uma mulher madura (60+) sentir-se no auge de sua capacidade, ousar desbravar nesta nova fase e ousar viver e não apenas sobreviver. A longevidade com qualidade de vida é nos dias de hoje um fenômeno desafiador e praticando o Tai Chi podemos promover em nós o cuidado com nosso corpo/mente garantindo, portanto, uma visão positiva de nós mesmos e nos preparando para viver uma boa velhice.
Com amor, @bethli
Bethli é mineira, mora em Uberlândia, tem a formação em Tai Chi Chuan estilo Yang Tradicional e Chi Kung pela Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan e Cultura Oriental/SP. Ministra aulas de Tai Chi e Chi Kung desde 2006. Contato: ligamineiradetaichichuan@gmail.com
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Revista Tai Chi Brasil
Mulheres no Tai Chi Mestra Shen Hai Ming Por Estevam Ribeiro
ARTIGO
A MULHER NO TAIJIQUAN As mulheres chinesa e brasileira: o que temos em comum?
Analiz Pergolizzi
Falar sobre a mulher no taijiquan não é uma tarefa fácil, pois há uma escassez de leituras específicas sobre o assunto. Portanto, para discorrer sobre o tema, vou me aliar a autoras e autores que refletem sobre o universo das mulheres e das artes marciais para, a partir daí, refletir sobre o caso do taijiquan. Sobretudo, pretendo falar sobre o que penso e sinto como mulher praticante.
O taijiquan é uma arte marcial chinesa que, assim como qualquer expressão cultural, recebe influência do seu contexto histórico. Por isso, para uma compreensão do papel da mulher nessa arte marcial, é fundamental refletir sobre a experiência da mulher na China. O livro “As boas mulheres da China”, da jornalista Xinran (2007), reune cartas, relatos e suas observações sobre as experiências das chinesas desde da década de 60 até os anos 90. Esta leitura intensa e preenchida com fortes histórias traz um retrato da mulher submissa, subestimada e ferida profundamente pelo machismo de seu tempo. Com relação à história da mulher no mundo, podemos recorrer a uma pensadora brasileira para auxiliar-nos no processo de reflexão. Márcia Tiburi (2020) no curso “Feminismo para uma outra sociedade” diz que: (...) as mulheres travaram uma guerra sem fim por sua sobrevivência e que foram constantemente vencidas por seus algozes, opositores e assassinos, que, no tempo histórico, destruíram inclusive os sinais de sua presença. A história das mulheres sempre foi a história da luta contra a violência.
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Ao ler o livro de Xinran, podemos nos equivocar acreditando que aquela realidade da mulher chinesa de décadas atrás poderia ser muito distante do Brasil de hoje. Porém, se observarmos os dados da Inteligência em Pesquisa e Consultoria (IPEC), em 2020 mais de 13 milhões de mulheres brasileiras sofreram violência doméstica. Num país em que existe legislação específica para a proteção das mulheres, como a Lei da Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, é possível perceber o quanto as violações sofridas pelas chinesas em tempos passados podem também ser identificadas no século 21 no Brasil.
Manifestações culturais das simbologias Yin Yang O taiji é um dos conceitos fundamentais do pensamento chinês, constando de duas forças complementares que movimentam tudo no universo, denominadas yin e yang. O caminho do equilíbrio e da transformação são as marcas desta corrente de pensamento. Yin representa a energia receptiva, de nutrir, do FEMININO. Yang carrega o princípio ativador, de gerar, do MASCULINO. Em sociedades e culturas fundadas no patriarcado, o que é exigido das mulheres é um alinhamento absoluto com características consideradas femininas, ao passo que, para os homens, a obrigação é de exercerem sua masculinidade plena. Os arquétipos femininos são carregados de sentidos que se relacionam com a energia yin. Porém, a cultura chinesa chega a extrapolar a teoria do taiji, trazendo características que denunciam um preconceito arraigado. Xinran cita que, na visão de Confúcio, “a falta de talento é uma virtude para a mulher”, demonstrando esta imagem passiva e submissa do feminino.
influência nas questões de gênero na China. Esta questão é exposta pela autora Daniele Prozczinski (2017) em seu artigo “A construção da mulher na China: submissão e feminicídio”: A força yin alude aos aspetos negativos, destrutivos, fracos e passivos. É representado pela terra, o lado da encosta onde não bate o sol. Já a força yang é forte, dinâmica, criativa, firme, é a parte da encosta onde bate o sol. Está numa posição superior, de proximidade ao céu. (...) Ora, essa imagem negativa, associada a figura yin de passividade construída a volta da figura feminina ainda hoje encontra os seus resquícios na sociedade chinesa.
Em seu blog “Kung Fu Tea”, o autor Benjamin Judkins, no texto “Yim Wing Chun and Gender: the Stories of Ip Man and Yuen Woo Ping in a Comparative Perspective”, também se alinha à tese de que vivemos em uma sociedade onde o yin (ou o valor feminino) é percebido como inferior ao yang (ou valor masculino). Muitas vezes, a qualidade feminina é associada a uma representação subversiva do caos, da destruição e da decadência. Em um trecho do texto, com o subtítulo “Kung Fu: It’s a ‘Yang’ thing (most of the time)”, o autor diz que muitos jovens buscam treinos de wushu para o fortalecimento da sua masculinidade. Judkins acrescenta que o daoísmo, base teórica para o conceito do taiji, nunca foi tão popular na China, pois implementar tamanha equidade de valor do yin-yang é um grande desafio para qualquer sistema patriarcal.
A mulher e a arte marcial Ainda na década de 40, foi proibido às mulheres a prática de artes marciais no Brasil, como pode ser interpretado no Decreto - Lei N° 3.199 de 14 de abril de 1941: Art. 54. Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza (...) Não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo-aquático, pólo, rugby, halterofilismo e baseball.
Desde a dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C) o confucionismo guia a conduta da sociedade chinesa, e a leitura sob a ótica confucionista do Clássico das Mutações (Yi Jing) revela sua forte
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No ano de 1965 a lei foi revogada e a mulher tem-se feito presente em todos os espaços que antes lhe eram negados. Contudo, ainda existem lugares em que há o predomínio de homens, frequentemente em posições de poder. Um exemplo pertinente à realidade do taijiquan no Brasil pode ser observado no corpo de profissionais que integram a Confederação Brasileira de Kung Fu Wushu (CBKW), onde é notável a composição majoritária de homens desde a sua fundação.
que, na maior parte das vezes, é praticado de forma terapêutica como caminho para o autoconhecimento. O taijiquan é reconhecido pelo equilíbrio yin-yang, e pela maneira como a energia yin torna-se aparente através da prática, tanto nos seus gestos quanto na sua intenção de mobilizar a energia interna. Estas características costumam alinharse às preferências e identidade femininas, frequentemente atraindo um grande número de praticantes mulheres para o taijiquan. Xinran nos fornece um ótimo exemplo, desta identificação das mulheres, apresentando relatos de mulheres chinesas que se comparam com as propriedades salutares da água:
Em 2015, quando estudei na Universidade de Esportes de Beijing, percebi que a maior parte dos professores de aulas prática de wushu taolu eram mulheres. É notável a quantidade de profissionais mulheres das artes marciais que são respeitadas e reverenciadas na China. Porém, pode ser que nem sempre as suas características femininas tenham contribuído para a promoção do seu destaque.
Emocionalmente os homens nunca podem ser como as mulheres. Jamais serão capazes de nos compreender. Eles são como as montanhas: só conhecem o chão sob seus pés e as árvores nas suas encostas. Mas as mulheres são como a água.(...) a água é a fonte de vida e se adapta ao ambiente. Assim como as mulheres, a água dá de si mesma em todo lugar aonde vai para nutrir a vida.
Para corroborar esta hipótese sobre a China, podemos extrair do texto de Prozczinski uma menção à visão de Mao Zedong, da década de 90, sobre o papel da mulher na sociedade chinesa: (...) para Mao, a mulher tinha tanto valor como o homem, sobretudo na medida em que se aproximasse cada vez mais da sua imagem. Essa realidade colocava um problema muito grave, uma vez que passa pela anulação do feminino em prol das características masculinas. As mulheres tinham que se aproximar ao máximo do modo de agir masculino.
Podemos perceber esta falsa equivalência entre os gêneros nas artes marciais, onde as mulheres que recebem destaque são reconhecidas, muitas vezes, por características notadamente masculinas, associadas à sua racionalidade e potência do aspecto yang. Com isso, podemos recorrer às nossas memórias de infância, quando nos fora ensinado que correr, socar ou chutar como uma menina deveria ser considerado inadequado ou inferior. Porém, existe uma diferença no caso do taijiquan: ele é um estilo de arte marcial
Nesta passagem, percebemos também os sacrifícios que as mulheres podem realizar para cuidar do seu entorno, do seu potencial de se transformarem e de se adaptarem. Ao refletir sobre a força feminina, podemos recorrer imediatamente à imagem de guerreiras, como a famosa personagem da cultura chinesa Hua Mulan, representada em filmes da Disney. Mulan, para conseguir lutar e defender a sua família, precisou se vestir, falar, e lutar como um homem. Sua coragem foi reconhecida apenas porque a personagem representava, naquele contexto, uma figura masculina. Uma mulher com sua atitude seria severamente punida. É possível perceber, então, o que é esperado das mulheres e dos homens na organização social chinesa. O que uma professora de artes marciais tem a ver com a figura da Mulan pintada e com roupas para o casamento? E o que as professoras de artes marciais tem a ver com a versão guerreira travestida de homem?
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As referências femininas no taijiquan
Onde está o nosso lugar? Judkins relatou no texto sobre Yim Wing Chun, conhecida como a matriarca do seu estilo de arte marcial. Segundo ele, o filme de 1994 “Wing Chun” do diretor Woo-ping Yuen mostra a Yim como uma mulher muito bonita, mas que se veste e age como homem para “não chamar a atenção errada”. Sua virtuosidade marcial era relacionada às suas características yang. Na versão de 2020 do filme Mulan, é exposto que a mulher que não consegue encontrar o seu lugar no mundo precisa se transformar e renascer como a fênix – isto é, precisa se reinventar a todo momento.
O taijiquan, por mais que tenha este “passe livre” para a força yin se manifestar, ainda é influenciado pela cultura patriarcal. Os livros de taijiquan que conhecemos foram, em sua maioria, escritos por homens. Quando pergunto às minhas colegas do taijiquan quem são as suas referências ou suas inspirações na prática marcial, é comum que a resposta se inicie com “o mestre…”, referindo-se à figura do homem ancião detentor do conhecimento. Onde estão as mestras?
Será que é esta a forma feminina de lutar? Ser como a água? Como a fênix?
Existem as professoras de taijiquan que podem nos inspirar também?
Quando nos limitamos a associar atitude, racionalidade e firmeza ao homem e passividade, intuição e gentileza à mulher, diminuímos a nossa capacidade de nos renovar e de promover mais equilíbrio nas nossas vidas. Mulheres e homens são diferentes e lutam de maneiras diferentes, mas não há uma fórmula pré-determinada ou uma diretriz de como cada indivíduo deveria mover-se. Somos únicos.
Muitas mulheres tiveram suas histórias perdidas e apagadas, tanto na China como no ocidente. O livro “Taijiquan da família Chen” do mestre Chen Ziqiang, o qual teve sua tradução para o português coordenada pelo Professor Gil Rodrigues, referenciou na versão brasileira a única mulher da genealogia da tradição Chen de Taiji Quan. Chen Yuxia (1924-1986) foi responsável pela documentação da forma 54 de
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espada Chen do estilo tradicional. No entanto, foi ignorada nos registros históricos da versão em chinês da própria família. No texto “Imagining the Chinese Martial Arts without Bruce Lee: Sophia Delza, an American Taiji Quan Pioneer” de Judkins em seu blog, Sophia Delza (1903-1996) é descrita como a pioneira do taijiquan nos Estados Unidos. Segundo o autor ela estudou o sistema Wu em Shanghai com Ma Yueh Liang e sua esposa Wu Ying Hua, de 1949 a 1951. Ainda na década de 50, ela abriu sua própria escola de taijiquan em Nova York. Por mais que tenha sido referência em sua época ao ter sido responsável pela introdução do taijiquan nos Estados Unidos, Delza acabou sendo esquecida com o passar do tempo. Judkins afirma que a busca pela promoção da masculinidade nas artes marciais teve influência na falta de interesse pelo o seu trabalho.
Um outro exemplo de descredibilização da mulher no taijiquan aconteceu comigo enquanto praticava numa praça próxima à minha casa, quando um homem
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de idade avançada me abordou para perguntar o que eu estava fazendo. Respondi que se tratava de taijiquan, uma arte marcial chinesa. Imediatamente, numa
rude tentativa de me humilhar, se preparou para desferir um soco e, já se movimentando, me questionou: “Uma arte marcial? E se eu te socar? O que é que você faz?”. Observando a história das mulheres nas artes marciais, penso que os exemplos de Hua Mulan, Yim Wing Chun, o apagamento de Chen Yuxia, o esquecimento de Sophia Delza e a situação que relatei me conduzem a um incômodo questionamento: Por que nós mulheres temos que nos submeter à aprovação masculina para legitimar a nossa presença nas artes marciais? Lançar um olhar para nossa história e identificar as mulheres que já trilharam um caminho nas artes marciais faz com que tenhamos ferramentas para encarar os desafios do presente. A história misógino da China relatada por Xinran em seu livro nos dá uma prova de quantas histórias não sabemos, quantas foram apagadas e quantas foram descontinuadas no berço do taijiquan. Tendo em vista a carência de referências femininas para as mulheres no taiji, resolvi trazer aqui as minhas inspirações pessoais: Zong Wei Jie - Campeã de Taiji Quan sistema Wu do Campeonato Nacional Chinês de Wushu por seis anos consecutivos, campeã do 5° Mundial de Taiji Quan. Única sucessora direta do sistema Wu, 5° geração. 7° duan pelo Chinese Wushu Association. Professora Doutora da Universidade de Esporte de Beijing (BSU, da sigla em inglês). Treinei com a professora Zong por um ano na BSU, entre 2015 e 2016. Zong é a minha maior referência na prática de taijiquan. No meu período de estudos na China, treinei sistemas internos e externos de taolu com a professora, tendo o foco maior no sistema Wu de taijiquan. Tania Emi Sakanaka - Mestre em Esportes Tradicionais Nacionais pela BSU e doutora em Controle Motor pela Universidade de Birmingham (UoB, Reino Unido). É árbitra internacional de Wushu/Taolu e Taiji Quan pela IWUF, campeã mundial da modalidade Ba Gua Zhang pela IWUF em 2015 e vicecampeã mundial de Taiji Quan pela IWUF
em 2016. 5° duan pelo Chinese Wushu Association. Faz parte da diretoria da Confederação Brasileira de Kung Fu Wushu (CBKW). A conheci em um evento de Qigong da Associação Chinesa de Qigong para a Saúde, em 2018 em Campinas SP. Também tive contato com a Tania no treino da CBKW em 2019 em Campinas, SP. Atualmente tenho a oportunidade de estudar o sistema Chen de forma online com a professora. Vilma Mayumi Kurihara - Coordenadora do Departamento de Internos da CBKW, é árbitra nível A e instrutora nível III de Taiji Quan pela mesma instituição, e 3° duan pelo Chinese Wushu Association. Conheci a professora Vilma no treino da CBKW, também em 2019 em Campinas. Tive a oportunidade de estudar a forma 16 Yang padronizada de forma online com a professora. Lamentavelmente, não pude continuar com estes estudos. Com a Vilma também fiz aula de arbitragem em Taolu. Certamente, existem muito mais mulheres
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que contribuem para o desenvolvimento do taijiquan. Estas que apresentei são aquelas que me influenciaram de perto e que contribuem até hoje para a minha visão da prática e para a minha autoconfiança nesta arte. Adicionalmente, cito a Maria Lúcia Lee, Jerusha Chang e Angela Soci como mulheres pioneiras que também me inspiraram e trouxeram grande aporte ao taijiquan do Brasil. Uma possibilidade para conhecer mais mulheres do taiji é assistir ao ciclo de entrevistas no Youtube do grupo Taiji Sem Fronteiras sobre o tema “O Poder do Yin – Mulheres do Tai Ji”, ou até mesmo as entrevistas promovidas pelo professor Gil Rodrigues sobre o taiji, no Instagram.
A possibilidade de transformação através do taijiquan Neste ano de 2021, completo 8 anos de prática de taijiquan, mas descobri as diferenças entre o que é ser mulher e ser
homem há muito mais tempo, ainda na infância. Sempre me interessei por esportes e as artes marciais chinesas me marcaram muito na adolescência, justamente pela possibilidade de relacionar os meus pensamentos sobre o mundo com a minha prática. Sendo uma brasileira praticante de artes chinesas, penso ser muito importante compreender a historicidade da mulher no mundo, sobretudo na China. Quanto mais conheço a história das mulheres, melhor compreendo o contexto feminino das artes marciais, e me torno mais capaz de contribuir para a sua mudança numa direção mais justa e equilibrada. Lutar, no taijiquan, na minha opinião, tem a ver com a revolução interna e com a minha capacidade de me transformar de dentro para fora. Com essas reflexões e relatos, desejo a todos os praticantes de taijiquan, homens e mulheres, que reajam aos preconceitos internos e externos, às injustiças e à ignorância, colaborando para que dias melhores existam para todos nós.
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Mulheres no Tai Chi Clarice França Foto: Levis Litz
Revista Tai Chi Brasil
PARA O BEM COMUM
TaiJi Sem Fronteiras A 2a temporada já começou!
• entrevistas • palestras • práticas • dicas • reflexões
O TaiJi Sem Fronteiras foi criado no dia 06 de junho de 2020. É um projeto independente, sem fins lucrativos. Tem como objetivo promover o TaiJi em todas as suas ramificações de natureza cultural, artística, filosófica, científica, corporal e educacional.
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6 de junho de 2021 mesa redonda taiji sem fronteiras Marcus Maia registro
Nessa mesa memorável, 20 participantes apresentaram suas ideias sobre o futuro do Tai Ji. Jay & Ursula de Almeida Goldfarb Basel - Suíça
Fizeram considerações iniciais sobre o lugar do Tai Ji no mundo e os desafios trazidos pela pandemia. Segundo eles, o Tai Ji vinha, cada vez mais, obtendo lugar próprio em relação, por
exemplo, ao Yoga e ao Pilates, na Europa e nos EUA, mas a pandemia, infelizmente, trouxe um sentimento anti-Chinês que é um desafio a ser considerado no futuro próximo. A expectativa de expansão da arte do Tai Ji era e é grande, com as pesquisas se avolumando e comprovando os benefícios inequívocos da prática. Entretanto, diante desse quadro atual em que até mesmo um campus da importante universidade chinesa Fu Dan, de Shanghai, na Hungria, foi alvo de protestos recentes em Budapest, deveremos ser criativos e inovadores para enfrentar o desafio do preconceito. A fala inicial de Jay e Ursula estabeleceu um tema que viria a ser também abordado em várias das falas subsequentes.
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Adriano D’Ávila Porto Alegre - RS
Iniciou sua fala concordando com a colocação de Jay & Ursula, mas destacou que a união que se tem estabelecido no Projeto Tai Ji Sem Fronteiras (TJSF) é única e pode representar uma força maior para avançarmos e, com sabedoria, repudiarmos esse estigma. Adriano pontuou ainda a grande capacidade do Tai Ji em formar amizades nos grupos de prática, conforme afirmado, inclusive, por Yang ZhenDuo que pontuava o papel do Tai Ji como expressão poderosa de felicidade global. A fala de Adriano encerra, lembrando que a prática da união nos grupos de Tai Ji tem potencial transformador.
milenares chinesas para a saúde física e mental, conforme já vem sendo demonstrado há décadas por pesquisas como as de Boston. Ele expressa, então, sua concordância com a importância da socialização de qualidade que geralmente se obtém nos grupos de prática e destaca seu potencial de interação, união e de paz. Em seguida, lembra que o Tai Ji foi reconhecido pela ONU como patrimônio imaterial da humanidade e que, no Brasil, precisamos, sim, continuar a trabalhar com criatividade para potencializar os bons relacionamentos como instrumento de união e de paz, como se vem fazendo no TJSF.
Gabriel Guarino
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Niterói - RJ
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Magno Bueno Brasília - DF
Magno inicia sua fala pontuando que a segunda temporada do TJSF já abre importante diálogo para além do Brasil. Magno lembra os benefícios das práticas
Inicia por um agradecimento não só aos ancestrais, mas aos mestres que imediatamente precedem a sua geração. Gabriel destaca que cada vez mais a riqueza de benefícios trazidos pelo Tai Ji alcança os jovens, não sendo incomum hoje encontrarem-se jovens de dezesseis anos que estudam e falam chinês. Já há entre nós muitos professores que têm feito viagens à China e têm trazido conhecimentos para o Brasil, além, naturalmente, dos mestres chineses que aqui têm vindo. Segundo ele, o futuro tem muito potencial e o TJSF, sem dúvida, oferece um lugar importante para a luta antirracista. O ódio nunca é legítimo e precisamos deslegitimá-lo sempre, em sua complexidade na dialética da História.
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Tiago Moraes
que promover e divulgar melhor as artes tradicionais e o TJSF é, sem dúvida um canal fantástico para potencializarmos tanto as práticas de Tai Ji nas diferentes escolas, tradicionais ou não, quanto as competições e também o Tai Ji nos parques. O importante é mesmo o conceito de Sem Fronteiras, para expandirmos cada vez mais os benefícios físicos e mentais dessas práticas. Encerra dizendo que tem as melhores expectativas para o futuro do Tai Ji.
Nova Iguaçu - RJ
Teve problemas de internet, mas antes de perder o sinal, manifestou seus agradecimentos ao Renato Frade pela oportunidade a ele concedida de partipar do projeto do TaiJi Sem Fronteiras.
Tan Xiao
••• João Eduardo Teixeira Nova Iguaçu - RJ
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Brasília - DF
Inicia sua fala agradecendo ao TaiJi Sem Fronteiras pela oportunidade de discutirmos o futuro. Embora nova no Tai Ji, vem dedicando todo o seu tempo ao estudo e à prática que, na China, está hoje, segundo ela, em seu melhor momento. Ela vem observando que, cada vez mais, as diferentes práticas de Tai Ji e Qi Gong, antes, de fato, mais frequentes entre os mais velhos, hoje, têm atraído os jovens e até as crianças, caracterizando realmente um novo momento. E isso vem ocorrendo também com as tradições de caligrafia e pintura. No Brasil, ainda temos
Reconhece que, de fato, vive-se um momento muito difícil e que o aprofundamento da filosofia do Tai Ji, para além dos muitos estilos e formas, como tem sido feito pelo TaiJi Sem Fronteiras e por projetos como o Respira e Conecta trazem um grande alento nesses tempos. Lembra ainda o ensinamento de que não é preciso “correr atrás das borboletas”, bastando cuidar-se bem do jardim, que as borboletas virão. Não só o Tai Ji, mas artes como o Karatê, a capoeira, o balé, podem ser praticadas a partir da filosofia mais profunda, com benefícios para todos e também no combate ao estigma dos preconceitos. João Eduardo encerra lembrando que “a quem muito foi dado, muito será exigido” e que os mestres devem cada vez mais se empenhar em sua missão.
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Levis Litz
Curitiba - PR
Levis inicia afirmando que a informação é o melhor modo de combater-se o preconceito. Lembra episódios na Praça do Tai Ji, em Curitiba, que podem ser exemplares. Uma vez, alguém questionou o símbolo do Tai Ji ali implantado e, no espírito transformador do Tui Shou, demonstrou-se ao oponente o valor das práticas, trazendo-o de adversário a praticante do grupo. De outra vez, destruíram as mudas de árvores plantadas na praça pelo grupo, que transformou a dor em alegria, lançando o desafio de plantarem-se seis novas mudas para cada planta destruída. Levis lembra ainda os ensinamentos poderosos da Arte da Guerra de Sun Tzu e seu potencial de transformação. Encerra lembrando Chomsky que diz que diante da agressão descabida é preciso sempre tomar atitudes firmes, do contrário o espaço é ocupado pelo agressor.
Jerusha Chang
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São Paulo - SP
Inicia, pontuando que o Tai Ji Pai Lin é como o TJSF, em sua essência, sendo voltado em primeiro lugar para a espontaneidade e para
os princípios fundamentais, que são sempre priorizados em relação às formas. O mestre Liu Pai Lin cultivou esses princípios por 25 anos no Brasil, praticando e ensinando para promover a saúde, o equilíbrio e a paz. O Tai Ji é sinônimo desses valores mais elevados, como magistralmente expresso no Tai Ji Tu. A meta maior é sempre a saúde física e mental e o esforço deve ser o de levar as práticas de medicina alternativa para a saúde pública, já havendo uma política nacional de saúde pública sensível a essas práticas, que precisam cada vez mais tornarem-se conhecidas pelo público. A fala encerra-se com a cantiga do rouxinol, cantada por sua filha Luzia.
••• Analiz Pergolizzi Rio de Janeiro - RJ
Analiz começa por agradecer a presença de tantas pessoas que admira, diz estar um pouco nervosa, mas muito honrada por participar da live. Aponta o valor da tecnologia que, se nos consome, por outro lado permite nos reunir. Pensar no futuro é principalmente pensar na tecnologia. Lembra que muitas das falas que a precederam já trouxeram os elementos de transformação do esporte, da medicina, das práticas tradicionais e dos parques. Toda essa diversidade é muito importante, mas se o Tai Ji conseguir chegar às Olimpíadas será, de fato, um grande avanço para todos, inclusive para as políticas de saúde e para a luta contra o racismo que será reforçada pela inclusão da tecnologia, do esporte e da informação.
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Luciano Vasconcellos Petrópolis - RJ
transformação. Novos caminhos e trajetórias podem ser percorridos para diversificar a divulgação do Tai Ji, como ocorreu com ela própria que, apenas agora na pandemia, aprendeu a navegar na internet. Ela relata, no entanto, haver recebido ameaças, porque desenvolve práticas chinesas. Ela sente que a grande missão dos professores e praticantes é buscar transformar esse pensamento até no nível celular profundo. O Tai Ji, sem dúvida, teria esse potencial e, assim como a Yoga ampliou significativamente o seu mercado, o Tai Ji também pode conseguir. Para virar o jogo é preciso união, como no TJSF.
Luciano faz referência às provocações da Analiz quanto à importância do esporte para a divulgação do Tai Ji, destacando que o TJSF tem o potencial de contribuir para a criação de uma Gil Rodrigues linguagem comum, reunindo todas as vertentes, São Paulo - SP podendo se tornar um movimento importante até para combater o preconceito apontado em falas anteriores. Retoma também o tema da participação crescente dos jovens que vem se encantando com as possibilidades oferecidas pelas artes internas. Luciano ressalta, no entanto, a importância fundamental das vivências, para além das meras narrativas. Se estamos em meio a um momento político confuso, o I Ching já permite antever que vales e picos se alternam, sendo os mestres de Tai Ji verdadeiros faróis, tais como os ensinamentos que recebeu de seu mestre o Frei Gentil, aluno de Estevam. Se todos nos tornarmos faróis a ignorância será vencida. Destaca de início duas coisas. Primeiro a fala linda da Jerusha, conectando o Tai Ji à cultura da paz e do amor, buscando relações carregadas não só de informação, mas de afeto. Em segundo Elieté Ramos lugar, destaca a importância de assumirmos com São Paulo - SP firmeza uma postura antirracista. Não é mais possível a omissão. Assim como no Tui Shou, é preciso ficarmos firmes, bem enraizados para a energia do repelir se manifestar. É preciso até mesmo praticar a energia do empurrar para neutralizar a xenofobia e o racismo com eficácia. Lembra de suas visitas à China, a Chenjiagou, quando pôde testemunhar a crescente participação de crianças e jovens no movimento do Tai Ji. O exemplo de Chenjiagou pode ser seguido no Brasil, na linha da boa informação, da divulgação, do esporte, fazendo, sem dúvida, ecoar as outras dimensões, da saúde e mesmo Eliete inicia sua fala dizendo que a palavra que a dimensão espiritual. Termina agradecendo à sempre ouviu na Sociedade Taoísta de São ancestralidade do Tai Ji, aos grandes mestres. Paulo e também na Plataforma Bem Estar é
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Ensinar e praticar Tai Ji nos reconecta a essa carga ancestral poderosa e nos permite olhar adiante com mais confiança.
Renato Frade
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trazer sempre esse espírito global nas práticas locais. Encerra, pedindo que todos continuem a construir o TJSF, um projeto de grande emoção.
Angela Soci
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Rio de Janeiro - RJ
São Paulo - SP
Renato diz estar muito honrado, feliz de estar no TJSF e nesta reunião. Pergunta: quais as fronteiras que precisamos ultrapassar? E responde: justamente os limites da ignorância, do preconceito e da maldade. Pode parecer uma utopia, mas o cultivo da grande potência do Tai Ji pode permitir essa superação. Expressa sua gratidão por tudo o que aprendeu, estudando e vivenciando a potência vibracional do Tai Ji. Encerra, mais uma vez expressando a grande honra de falar nesse grupo da live.
Angela inicia sua fala, pedindo para fazer suas as palavras do João Eduardo, lembrando que cada um deve encontrar em seu coração a verdadeira arte do Tai Ji, cultivando um jardim que não cabe em uma única vida. A imagem do jardim é excelente. Não é preciso sair buscando as borboletas, elas chegarão se o jardim for bem cuidado. Lembra também das falas do Gabriel e da Analiz sobre a juventude. Já há em nosso país muitos jovens praticantes. Há 40 anos atrás as dificuldades eram imensas e já havia preconceitos e nós temos conseguido quebrar as fronteiras. Juntos, nessa grande família, com os irmãos Tai Ji, como diz o Adriano, podemos, sim, crescer e florescer.
Chang Whan
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Niterói - RJ
••• Eduardo Almeida Porto Alegre - RS
Chang lembra o aniversário de um ano do TJSF, neste dia 6 de junho, menciona o rico painel de ideias que vem sendo construído e o estímulo que é estar nesse grupo. Destaca que o entendimento de mundo que se obtem através do Tai Ji é emocionante e nos desafia a
Fez uma chamada por cada vez mais encontros, aulas palestras. Pontuou que embora haja
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grande medo nesse contexto da pandemia, o Tai Ji cai como uma luva nesse momento, propiciando respiração e renovação. Propõe que convidemos sociólogos, psicólogos, explorando mais ainda as inúmeras dimensões do TJSF. O Tai Ji tem uma enorme adaptabilidade e esse movimento do TJSF não tem volta.
Violeta Sun
São Paulo - SP
••• Estevam Ribeiro Rio de Janeiro - RJ
Violeta diz que se sente como parte do grupo de Analiz e Gabriel porque iniciou suas práticas de Tai Ji apenas há quatro anos. Nessa época difícil o Tai Ji tem sido sua âncora. Agradece ter encontrado e sido aceita no TJSF. Tem certeza de que o Tai Ji se tornará uma pandemia – no bom sentido – pois só há benefícios para todos nessa arte. Só cada um de nós pode avaliar o quanto ganha com o Tai Ji. Inicia lembrando que, de fato, 5 minutos de fala para cada um é muito pouco para tantas ideias importantes que foram trazidas à reunião. Agradece ao Jay e à Ursula que desenvolvem um projeto fabuloso, por ter trazido essa preocupação sobre o racismo que ele ainda não tinha visto por aqui e que considera preocupante e inaceitável. Principalmente no Tai Ji, pois se todas as civilizações têm lados obscuros, o patrimônio que o Tai Ji traz para o mundo é das expressões mais luminosas. O Tai Ji é, sem dúvida, uma filosofia profunda de entendimento da realidade que, embora tenha se cristalizado, inicialmente como marcial, desde o início do Século XX vem se libertando dessas amarras e se abrindo cada vez mais para a saúde, para a arte e para as práticas nos parques. Nesse momento da pandemia em que surge um novo funil e nos prende a todos dentro de casa, quando muitas fronteiras terríveis foram impostas, o TJSF nasce como uma reação a essas fronteiras. O Tai Ji não é uma religião, mas Estevam aponta a fé inabalável que se sente no coração todos os presentes – Always a peaceful heart. A arte do Tai Ji é o cultivo do coração pacífico, aceitando as pessoas como são, com todas as suas limitações, podendo construir um mundo melhor através do nosso instrumento maravilhoso – o Tai Ji.
••• Marcus Maia Niterói - RJ
Marcus faz uma revisão de muitos conceitos veiculados no encontro, tais como a importância da empatia, mesmo nas divergências, lembrando que o Tai Ji nos dá ferramentas poderosas para construir o futuro, com flexibilidade, mas também com firmeza no enfrentamento dos adversários de sempre – a ignorância e o medo. Faz votos de que continuemos juntos na construção desse futuro luminoso. Estevam encerra a live, agradecendo a cada um dos presentes.
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TAIJIQUAN - UNESCO - unesco.org Patrimônio Imaterial Cultural da Humanidade
O Comitê 1. Toma nota de que a China indicou Taijiquan (no. 00424) para inscrição na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade: Taijiquan é uma prática física tradicional caracterizada por movimentos circulares relaxados que funcionam em conjunto com a regulação da respiração e o cultivo de uma mente correta e neutra. Originado em meados do século XVII no condado de Wenxian, na província de Henan, na China central, o elemento é agora praticado em todo o país por pessoas de todas as idades e por diferentes grupos étnicos. Os movimentos básicos do Taijiquan centram-se no wubu (cinco passos) e no bafa (oito técnicas) com uma série de rotinas, exercícios e tuishou (habilidades de empurrar com as mãos realizadas com uma contraparte). Influenciado pelo pensamento taoísta e confucionista e pelas teorias da medicina tradicional chinesa, o elemento se desenvolveu em várias escolas (ou estilos) com o nome de um clã ou nome pessoal de um mestre. O elemento é transmitido por meio de transmissão baseada no clã ou no modelo mestre-aprendiz. O último relacionamento é estabelecido por meio da cerimônia tradicional de baishi. O Taijiquan também foi incorporado ao sistema de educação formal. O elemento baseia-se no ciclo yin e yang e na compreensão cultural da unidade do céu e da humanidade. Tem se disseminado por meio de lendas, provérbios e rituais, entre outros veículos de expressão. Proteger o elemento aumentaria sua visibilidade e diálogo sobre as diversas formas como o Taijiquan é praticado por diferentes comunidades. 2. Considera que, pelas informações constantes do arquivo, a candidatura atende aos seguintes critérios para inscrição na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade: R.1: Taijiquan é uma prática física que promove a saúde física e mental, bem como uma vida comunitária harmoniosa. Por meio de sua transmissão e prática, as funções sociais e significados culturais do Taijiquan têm sido continuamente enriquecidos, proporcionando às comunidades, grupos e indivíduos preocupados com um senso de identidade e continuidade e aumentando a coesão social. A prática ajuda a preservar famílias harmoniosas, comunidades pacíficas e a interação entre os indivíduos em bases iguais. R.2: O arquivo descreve com sucesso como a inscrição do elemento contribuiria para garantir a visibilidade do patrimônio cultural imaterial nos três níveis. Ao nível local, promoveria o reconhecimento de saberes e práticas sobre a natureza e o universo. Em nível nacional, isso levaria à inclusão do Taijiquan nos programas de planejamento, servindo como um exemplo importante para outros elementos do patrimônio vivo. Além disso, graças aos benefícios do elemento para o bem-estar, a inscrição destacaria a importância do patrimônio cultural imaterial na sociedade. Em nível internacional, poderia chamar a atenção para a importância e a pertinência dos conhecimentos e práticas tradicionais em saúde. A inscrição também promoveria intercâmbios entre diferentes escolas, associações, sociedades e comunidades de pesquisa, e as diversas formas de praticar o Taijiquan promoveriam a criatividade humana. R.3: O arquivo descreve uma ampla gama de medidas de salvaguarda passadas e atuais relevantes, de manutenção de locais a atividades acadêmicas, treinamento e recrutamento de aprendizes e portadores, promoção através de sites e colaboração com idosos, mulheres e estudantes. O Comitê de Coordenação para a Salvaguarda do Taijiquan foi estabelecido para implementar o Plano Quinquenal para a Salvaguarda do Taijiquan (2021-2025). Este plano inclui transmissão, identificação, documentação e pesquisa, promoção e monitoramento. No processo de desenvolvimento das medidas de salvaguarda, representantes das comunidades envolvidas, portadores e profissionais, bem como os órgãos responsáveis pela salvaguarda do patrimônio cultural imaterial e instituições de ensino e pesquisa relevantes expressaram suas próprias sugestões e expectativas com base na situação concreta. R.4: Desde 2017, as comunidades, grupos e indivíduos envolvidos têm desempenhado um papel essencial ao longo da preparação do arquivo de candidatura. A nomeação afirma que o Comitê de Coordenação para a Salvaguarda do Taijiquan, que é responsável pela implementação das medidas de salvaguarda, adotou integralmente os materiais e informações fornecidos por cada comunidade. O processo de nomeação foi realizado por meio de consultas e discussões com os diferentes clãs e líderes comunitários, pesquisadores e instituições governamentais. 3. Considera ainda que, com base nas informações constantes do processo e nas informações prestadas pelo Estado requerente por meio do processo de diálogo, é satisfeito o seguinte critério de inscrição na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade: R.5: O elemento foi incluído na Lista Nacional de Elementos Representativos do Patrimônio Cultural Imaterial em 2006, 2008 e 2014, que é mantida pelo Departamento de Patrimônio Cultural Imaterial, Ministério da Cultura e Turismo da República Popular da China. Desde sua primeira inclusão, as informações sobre o elemento foram atualizadas em 2008, 2011 e 2014. Portadores e praticantes dos clãs de Taijiquan tiveram um papel importante no processo de inventário. 4. Decide inscrever o Taijiquan na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade; 5. Lembra ao Estado que a atualização é uma parte importante do processo de inventário e o convida a incluir informações detalhadas em seu próximo relatório periódico sobre a implementação da Convenção em nível nacional sobre a periodicidade de atualização da Lista Nacional de Elementos Representativos de Intangíveis Patrimônio cultural, de acordo com o artigo 12.1 da Convenção.
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LIVRO - Para dar de presente
Milhões de pessoas ao redor do planeta praticam Tai Chi, mas por quê? Segundo a conceituada “Harvard Medical School”, a prática do Tai Chi está entre os 5 melhores exercícios para ter uma boa saúde.
Esse livro de bolso é o resultado de uma série de depoimentos de mestres e profissionais da saúde que revelam os motivos que levam as pessoas a praticarem Tai Chi. 83
Disponível: Clube de Autores.com.br Amazon.com.br
Mulheres no Tai Chi Mei Maia Foto: Marcus Maia
Revista Tai Chi Brasil