O Boêmio

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o boêmio dezembro 2012

Qual a importância social do boteco? Ele pode ser tratado como um segundo lar?

Entrevista em quadrinhos com Xico Sá, o maior boêmio do Brasil

Conheça os processos de produção da cerveja, do vinho e da cachaça


editorial

o boêmio Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) Suplemento produzido pelos alunos do 4º termo do curso de Comunicação Social - Jornalismo, para as disciplinas de Jornalismo Impresso II e Planejamento Gráfico-Editorial em Jornalismo II Reitor Julio Cezar Durigan Diretor da FAAC Nilson Ghirardello Coordenação do Curso de Jornalismo Juarez Tadeu de Paula Xavier Professores Orientadores Angelo Sottovia Aranha Tássia Zanini Endereço Departamento de Comunicação Social Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01. Vargem Limpa, Bauru - SP Telefone (14) 3103-6000 Ramal 6066 Reportagem Amanda Tiengo Breno Thadeu Bruno Ferrari Carolina Ito Carolina Baldin Meira Isadora de Moura Julia Germano Travieso Leonardo Manffré Lucas César Lucas Leite Ricardo Coslove

No mesmo bar, na mesma mesa – Ei, moça, me traga mais uma dose de pinga e também aquela breja bem gelada, trincando! Fui ao bar que costumo frequentar, encontrei alguns amigos que estão por ali quase sempre, cumprimentei a Loira dona do bar (que mesmo depois de algum tempo não sei seu nome) e pedi uma mesa. “Tá sozinho hoje?” – me perguntou a garçonete. Respondi que sim: “vou escrever um trabalho hoje”. Ela riu, como se não acreditasse no que eu havia dito. Trouxe uma porção de amendoim japonês, bem como eu gosto. Fiquei imaginando quais seriam os motivos para aquelas pessoas estarem ali, tomando uma gelada, trocando uma ideia. Uma delas me chamou a atenção: um homem que sempre está por lá. Ás vezes acompanhado de seu filho, e sem-

pre com um copo cheio na mão. Por que será que ele sempre está por ali? Seriam problemas em casa, talvez? Ou mesmo um vício, ou prazer de beber uma gelada ao final do dia? Bom, essa reflexão me levou a outro ponto. Quantas histórias diferentes devem ter sido contadas naquele lugar? Várias pessoas chorando, seja por problemas de relacionamento ou de família. Muitas outras às gargalhadas, com amigos, contando como se deram bem naquela prova da faculdade ou comemorando uma promoção no trabalho. Concluí que não importa se estão felizes ou tristes, as pessoas sempre recorrem ao bar como uma segunda casa, uma segunda família, é um local onde se encontram amigos, se fazem novas amizades, é uma terapia descontraída.

Edição Angelo Sottovia Aranha Diagramação Julia Germano Travieso Lucas Leite Agradecimentos Ana Cristina Amgarten, Antônio Reginaldo Tonon, Ayrton Jesus Fernandes, Bar Estação Panorama (Valdir), Capitão PM Alan Terra, Carmen Cecília Fernandes, Cervejaria Rasen Bier, Cláudio Bertolli Filho, Eliana do Carmo Robis, Galpão Paulista, Hélio de Souza, Irineu Bessi, Jornal da Cidade de Bauru, Mariana Canela, Rafael Mariachi, Sandra Calais, Vinícola Miolo, Wagner Dalilio, Xico Sá

índice

2 O SEGUNDO LAR

8 CACHAÇA

Quem nasceu pra malandragem

das bebidas

Nós viemos aqui pra beber ou pra conversar? Nossa capa Foto: Lucas Leite Cenário: Galpão Paulista

não qué ser dotô

3 QUADRINHOS

Entrevista com Xico Sá

4 CERVEJA

Ela é a mais brasileira

9 CULTURA ETÍLICA Dicas do Tonon Quem é quem?

10 BOEMIA PRUDENTE

A artesanal é mais gostosa Na terra do chimarrão Sob a sirene da Antárctica

Equilibrando a dose Lei Seca versus Balada

7 VINHO

Sertanejo regado a álcool Do outro lado do balcão

Por dentro do Lote 43

11 PONTO DE VISTA


e

3 o segundo lar

Nós viemos aqui pra beber ou Quem nasceu pra malandragem pra conversar? não qué ser dotô texto de Leonardo Manffré

“silêncio, charóp, Afinal de contas finarmente, Nóis viemos aqui pra beber ou pra conversar?” João Rubinato, mais conhecido como Adoniran Barbosa, estabelece a questão: Vamos ao boteco para beber ou para conversar? O compositor argumenta na música que quem gosta de discurso é orador, tal como quem gosta de conversa é camelô. Assim, pede que não o amolem, pois combinou de ir beber, e não conversar. Tio Norberto, grande tio avô, já falecido, não era italiano. Era alemão, mas também vivia no boteco. Já velho, evitava falar sobre a vida boêmia. Mas todos sabiam desse seu lado. A mãe, bióloga, fazia questão de lembrar a cada dia: “Não beba demais, é genético.” Que nada! Tio Norberto e suas piadas, suas histórias da época, seus amigos de noitada. Tudo parecia tão fictício à maneira que era incrível! O alemão trazia a boemia para dentro de casa. Sempre vinha à imaginação a lembrança do Tio: traje social, cabelos puxados com gel e um pente de bolso, sentado por horas no bar, sozinho ou entre amigos, com um sorriso aberto. O maço de cigarros: um potencial parceiro. Tanto para Adoniran, quanto para tio Norberto, o boteco era necessário. Ali, parecia ser um subterfúgio, uma “fuga” essencial para a rotina. Ou aquilo já fazia parte da rotina? Em muitas organizações sociais, em muitos cotidianos, temos a presença desse ambiente. Mas, afinal, qual seria a sua real importância?

Entre conversas de bar

O bar tem um grande papel social, tanto individualmente quanto coletivamente. Adoniran, na música, parece não fazer questão de um acompanhante. Privilegia a bebida, mas isso é momentâneo, histórias de suas músicas; o sambista colecionava amigos pelos bares, tal como Tio Norberto, e, inclusive, compunha suas músicas no boteco. Pedro Paulo Thiago de Melo, estudioso na relação do botequim com a cidade do Rio de Janeiro, ressalta, em seu artigo “O pé sujo que recusa saideira”, o papel social que o bar tinha para os operários cariocas. Ele usa a metáfora de que o ambiente pas-

texto de Breno Thadeu

sou a ser visto como um desvio no caminho entre o lar e o trabalho. “Nele, o trabalhador escapava da rígida hierarquia das fábricas, com seus chefes, capatazes, gerentes e diretores, e também de suas responsabilidades como provedor do lar”. Mais do que uma fuga da casa, o boteco é, para muitos, um cômodo fora dela, a extensão do lar.

O cômodo mais livre

Cada boteco é um boteco. Só quem frequenta o conhece. No Bar do Valdir, Nenão, Mané, Zé, Português, Gaucho, o ambiente é leve. No boteco, tudo se torna assunto. A maioria é de homens, mas não só. Hoje, as mulheres marcam forte presença. A solidariedade é forte, os grupos de diferentes frequentadores travam grandes amizades entre uma cerveja e outra. Estão à vontade, estão em casa, entre amigos e passam muitas horas por ali.

O bar e a articulação social

O Bar representa o espaço público, tão escasso nos dias de hoje. Em um tempo em que tudo é de alguém e é controlado por outrem, o bar propôs a diversidade de vozes e o contato entre elas. Discussões sobre a situação do Palmeiras até a política nacional do Partido dos Trabalhadores fazem do bar um ambiente democrático, escancarando o conflito de classes, mas favorecendo o contato, a articulação e a movimentação delas.

O boteco hoje

Hoje é diferente. As relações interpessoais mudaram, a individualidade triunfa e o tempo não para. Mas o boteco continua lá, agora com menos força. Tio Norberto se surpreenderia com a predominância de “barzinhos” onde a relação entre pessoas é artificial, fluida e instantânea, onde o garçom é um mero empregado e nem se conhece o dono. Hoje, o boteco é um microcosmo que contraria, é fuga dos conformados e dos adeptos de uma cerveja gelada e do velho bom papo. Mas, pelo que tudo indica, sempre trará consigo um grande potencial de humanização e conforto.

“Não adianta por botequim no nome, boteco é um estilo de vida” Depois de uma semana inteira trabalhando, na hora que o relógio bate seis da tarde da sexta-feira todo mundo já começa a se agitar para ir tomar uma. Não adianta falar, lugar bom é no boteco, aquele bem estilo “copo sujo”, com ovo em conversa, salsicha, amendoim e o sempre famoso dono, que é amigo de todo mundo e a gente conhece por nome e apelido. O bar é uma atração à parte, não falo porque teria música ao vivo, gente bonita e bem arrumada, o esquema é ir e ficar bem à vontade. Chinelo, camisa com o botão aberto e mostrando a bela barriguinha que a cerveja construiu desde o primeiro gole até hoje. É isso que torna o boteco o bom lugar pra descansar. Se a gente falar do boteco, tem que falar do dono e que às vezes um se confunde com o outro. O nome do boteco e do dono são iguais, formando uma espécie de pessoa jurídica e física ao mesmo tempo. Boteco do Vardi, do Wagnão, do Tio Tonho, o dono é a alma do boteco e mesmo que um dia ele mude de lugar, todos os seus seguidores vão junto e nunca o traem. Lá não tem frescura, o dono mesmo te atende e te trata com uma cumplicidade sem igual, mesmo que você nunca tenha ido lá. Se você quiser ir de terno ou de chinelo e sem camisa pode ir, se quiser comer um ovo em conversa há mais de 10 anos no balcão vai em frente. Só não vale pedir pra pendurar. O negócio é já sentar no bar e mandar descer o famoso amendoim e uma cerveja trincando, aí logo depois vem toda a sequência de porções, uma salsicha picada com um queijo, torresmo, tremoço e se tiver cozinha aí o cardápio de porções fica mais chique. Se o seu time de coração vai jogar o lugar pra ver o

jogo é lá, todo mundo torcendo contra ou a favor e rola o famoso bolão, dois reais de cada um e no final o prêmio acaba sendo dividido entre todo mundo, porque no boteco porção e cerveja sempre tem que se oferecer a todos os que estejam no bar, mesmo que você nem conheça a pessoa. E o jogo continua até o boteco fechar e pra fechar tem que todo mundo ter ido embora, mesmo que tenha um único e solitário bebum no bar, o dono não pode começar a recolher as cadeiras e ir fechando as portas. Q u a n do o ba r f ec ha r é s ó p eg a r o r u m o de c a s a m a i s p r a lá do qu e p r a c á e c o m eç a r a c a m i n ha da , n o bo t ec o qu a s e n i n g u ém va i de c a r r o , é t o do m u n do da r eg i ã o e o bo t ec o vi r a u m a s eg u n da c a s a p a r a a m a i o r i a da s p es s o a s do ba i r r o . O bo t ec o bo m é o m a i s p er t o da s u a c a s a , qu e vo c ê n ã o p r ec i s a a n da r qu i lô m et r o s s ó p r a p o der c heg a r , o n eg ó c i o é c heg a r r á p i do p r a i r lo g o s en t a n do e p r a i s s o n ã o p o de t er f i la . No boteco todo mundo tem seu cantinho quase que reservado, seu horário de permanência e seus hábitos. Sempre tem o cliente que pede um conhaque com duas pedras de gelo e senta encostado na parede sempre no mesmo horário e no mesmo canto. S e vo c ê p a s s a lá e ele n ã o es t á , a g a ler a já c o m eç a a f i c a r p r eo c u p a da e a p en s a r n o qu e a c o n t ec eu p r a ele n ã o t er i do ba t er o p o n t o . Quem vai ao barzinho para ver a mulherada e os homens todos arrumados para se exibirem, para gastar altas quantias para beber a mesma marca do boteco, paga couvert para ver umas bandinhas mequetrefes e não saber nem o nome do garçom direito, pode ficar a vontade Mas é no boteco que temos nossa segunda vida, numa outra casa e com o u t r a f a m í li a .

Carolina Ito


quadrinhos 4


5 cerveja

A artesanal é mais gostosa texto e fotos de Julia Germano Travieso

Antônio Reginaldo Tonon é um homem que gosta de fazer as coisas com as próprias mãos. Trabalha como serralheiro, está fazendo trabalho de reforma da casa, tirava e revelava suas próprias fotos na época das câmeras analógicas e construiu seu computador com partes de outros que tinham sido jogados fora. Esse gosto pelo trabalho manual, além do incentivo de um amigo, fizeram com que Tonon começasse a produzir sua cerveja. Fora um ou outro item que precisou comprar, sua própria cozinha, com o fogão, o moinho e as panelas improvisadas de casa serviram como ponto de partida. A decisão de começar a fazer a bebida veio junto com a aposentadoria e, depois de um cursinho específico, em 2009, ele foi atrás dos maltes, lúpulos e fermentos que comporiam seus experimentos. Como qualquer iniciante, Tonon baseou suas primeiras receitas em kits, conjuntos que contém quantidades determinadas de malte, lúpulo e fermento. Mas na terceira já tinha desistido deles: “pensei ‘poxa, vou ficar fazendo kit, ficar na mão do fornecedor, sem saber o que tem dentro?’ aí não tinha graça. A partir de então, nunca mais comprei kit. Agora eu compro o que acho que devo”. Mas por que, afinal, ele havia escolhido a cerveja, não o vinho ou a pinga? “Vinho depende da uva, da safra. A pinga depende da cana, da chuva. A cerveja depende só de mim!”. E, exatamente por isso, pelo desafio, pelas inúmeras possibilidades de combinação dos vários tipos de malte com os vários tipos de lúpulo e fermentos, é que essa foi a bebida escolhida. Seria um hobby muito mais interessante e animador que o esporte, por exemplo. “Nunca funcionou pra mim. Tentei atletismo, mas não deu, nunca fui esportista, não nasci pra isso”, explica. A diversão está na criação constante de algo novo. Tonon está agora na receita de número 76 e ainda não fez uma que fosse exatamente igual à outra. “Não porque eu não queira, tenho tudo anotado, se quiser repetir é só olhar lá e fazer. Mas

sempre acontece de alguém falar ‘poxa, você já fez isso? E se botar tal fermento? Pô, por que você colocou tanta água? Ah, achei essa com pouca espuma’. Então essas sugestões me fazem ir atrás de mudar uma característica ou outra, criando sempre algo novo”, comenta. Apesar da liberdade de criação, existem algumas regras para a produção de cerveja. Não é bom guardar a garrafa deitada porque o precipitado que fica no fundo tem mais proteínas e um gosto diferente; existem também “macetes e técnicas corretas de engarrafamento, se você não tomar cuidado pode acabar criando uma bomba”, adverte Tonon, lembrando: “uma das primeiras vezes em que tentei acabei colocando muito açúcar fermentável na garrafa e ela explodiu dentro da geladeira. Eram 3 horas da madrugada, aquele barulho de vidro, eu saí voando e fui direto no carro, pensando: quebraram o vidro do meu carro!, não era. Quando voltei, a geladeira com a porta aberta, um monte de garrafa quebrada...” Além disso, há um obstáculo um pouco problemático: o fornecimento de material, que não existe para pequenos compradores em Bauru ou São Paulo. Mas com fornecedores de Campinas, Belo Horizonte e do Rio Grande do Sul é possível realizar todo o processo pela

internet, depositar o pagamento em conta no banco e receber a encomenda por transportadora. “Eu gosto desse cara de Porto Alegre pelo tratamento, o cara me manda copinho, camiseta, chaveirinho, telefona: ‘ó, não tem tal coisa, tem isso ou aquilo’”. O motivo seria a tradição maior que existe no sul, quando comparado com as outras regiões do país. Na visão de Tonon, o brasileiro não tem muita tradição de bebida nenhuma, mas com o crescimento da indústria de cerveja artesanal, o Brasil vem ganhando vários prêmios em festivais internacionais e é muito bem reconhecido lá fora, porque é a cerveja “que o cara fez porque gosta, não pra ganhar dinheiro. Preza pela qualidade e não pela quantidade”. Tonon é um desses. É possível perceber seu orgulho ao sentar à mesa e abrir uma de suas garrafas para a degustação das visitas. Seu forte não é a quantidade – uma vez que ele produz entre 50 e 55 litros por mês – mas sim a qualidade, pois faz o que ama. Como qualquer hobby que se preze, a produção não visa lucro. A bebida não está à venda. “A intenção é a seguinte: é o seu aniversário, você vem aqui, com seus amigos e bebe a cerveja. Depois, no fim do dia, a gente conta quantas garrafas você bebeu e você paga o custo. Sempre um grupo fechado, aniversário de alguém, um jogo, assistir a um filme, jogar videogame”, brinca. Sem medo de dividir seus truques, Tonon exibe no rótulo da garrafa as porcentagens de malte, lúpulo e fermento que utilizou na receita. Além disso, está sempre disposto a dar algumas dicas aos eventuais curiosos que desejam começar sua própria empreitada: “o que os cervejeiros fazem é a divulgação da cultura. É bebida, é alcoólica? É. Mas você já viu algum bêbado caído por causa de cerveja artesanal? Aposto que não”. Leia algumas dicas do Tonon na página 10.


Na terra do chimarrão cerveja 6

texto e fotos de Lucas Leite

Quem acredita que a bebida preferida dos gaúchos é o chimarrão está muito enganado. O frio da região não é desculpa, e a tradicional cuia com água quente e erva mate tem uma concorrente à altura, gelada e à base de cevada. Essa relação começou com a grande imigração alemã, em 1824, passou por gerações e se mantém até hoje, fazendo do estado do Rio Grande do Sul o maior produtor brasileiro de cerveja. Milhares de litros saem de grandes indústrias e alguns poucos das casas de pequenos produtores artesanais, mas os rótulos mais apreciados têm a mesma origem: as microcervejarias. Elas são pequenas cervejarias, com capacidade para produzir até 300 mil litros por mês, o que tira o foco da quantidade e prioriza a qualidade. A pioneira foi a porto-alegrense Dado Bier, de 1995, que inspirou muitas outras na capital. Mas elas não pararam por ali e, desde então, se multiplicaram pelo interior do estado. Fui conhecer justamente uma delas, na cidade mais famosa da serra gaúcha. Gramado fica a 120 quilômetros de Porto Alegre e na alta temporada é inundada por turistas, atraídos pelas baixas temperaturas, instalações aconchegantes, parques, boa comida e chocolate melhor ainda. Mas fora do centro e longe das atrações turísticas é que estava meu destino. A Rasen é a primeira microcervejaria de Gramado, fundada em 2006. Discreta e com a fachada semelhante à de um celeiro, ela passaria despercebida, se não fosse pela faixa que anuncia o nome da marca. Ao cruzar a primeira porta, porém, tudo muda, e me deparo com um bar minimalista, mas de fazer inveja aos grandes. Enquanto o admiro, a recepcionista aparece me oferecendo um chopp, que aumenta a curiosidade de conhecer o processo de fabricação.

Cevada maturada

Tudo começa quando o malte – grão que resulta da germinação e dessecação da ce-

vada – é misturado com água e aquecido, liberando o açúcar e outros componentes importantes. Em seguida, a mistura passa por uma peneira e o líquido volta para a panela, onde é acrescentado o lúpulo, responsável pelo amargor. Essa nova mistura chega a 99ºC e o lúpulo é diluído, não havendo a necessidade de uma nova separação. Ao passar pelo trocador de calor, a temperatura chega a 12ºC e é acrescentado o fermento, que varia de acordo com o teor alcoólico desejado. São quatro dias de fermentação e em seguida a maturação, quando o fermento decantado é retirado dos tanques. A Pilsen, a Dunken e a Âmbar Ale maturam por oito dias e passam por um filtro para a retirada de impurezas. Já a Weizen, de trigo, matura por vinte dias e vai direto para a garrafa. Até ai, todas são chopp. Só podem ser chamadas de cerveja quando são lacradas na garrafa e pasteurizadas – aquecidas a altas temperaturas e logo em seguida resfriadas –, o que as torna um pouco mais amargas, mas mata o fermento e prolonga sua duração para até seis meses em temperatura ambiente. A Rasen também disponibiliza o chopp no barril – que dura um mês lacrado e resfriado e seis dias depois de aberto – e em garrafas retornáveis de cerâmica, mantidas resfriadas e consumidas no mesmo dia. O processo é parecido com o de uma cervejaria industrial. Mas com particularidades que fazem a diferença. Enquanto ele leva quinze dias e segue a Lei de Pureza da Alemanha – determina que a cerveja deve ser feita apenas com água, malte, lúpulo e levedura –, as grandes produtoras precisam apenas de seis dias, mas usam corantes e conservantes. Entre a menor qualidade da industrial e a dificuldade de achar uma artesanal, a microcervejaria surge dando um ótimo equilíbrio. Muitos já provaram e aprovaram; garanto que para ser um desses ninguém precisa ir até Gramado, mas seria uma ótima idéia.


o Sob a sirene da Antárctica

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texto de Ricardo Coslove

Que uma cervejinha gelada ao fim de uma sexta-feira é um ótimo pretexto para unir os amigos, todos sabem, mas qual cerveja pedir? Das diversas marcas disponíveis no mercado, 69% são do grupo AmBev, o maior produtor de cerveja da América Latina. Com um volume anual superior a 17,6 bilhões de litros, dos quais 12,8 bilhões de litros são produzidos no Brasil, a empresa se destaca com 17 diferentes marcas de cerveja, para agradar a diversos paladares. Dentre as marcas da AmBev que se destacam nos copos dos brasileiros estão a Skol (3ª cerveja mais consumida no mundo), Brahma, Antárctica, Bohemia, Original e Stella Artois. Além dessas, há aquelas para os que apreciam saborear um lúpulo e um malte mais artesanal, como a Hoegaarden e Leffe, para os que apreciam uma cerveja com sabores mais acentuados. A história da Companhia de Bebidas das Américas, a AmBev, iniciou-se em 1999, a partir da fusão entre duas grandes cervejarias brasileiras, a Brahma e a Antárctica. Na época, 16 mil pessoas estavam empregadas, hoje já são mais de 40 mil, fator importante para o desenvolvimento econômico do país. De acordo com o estudo “Cerveja, uma indústria a serviço do Brasil”, da FGV, a contribuição econômica e a importância do setor de cerveja no Brasil, somente na cadeia produtiva da bebida, extrapola os R$ 16,4 bilhões pagos em salários para seus empregados. No ano de 2011, R$ 14,9 bilhões foram gerados de impostos pela Ambev, um aumento de 11,4%, em relação a 2010. No ano de 2004, a Ambev e a cervejaria belga Interbrew se fundiram, for-

mando um gigantesco grupo sob o nome de Inbev. Anos depois, em 2008, a Inbev comprou a maior cervejaria norte-americana, Anheuser-Busch (dona das marcas Budweiser e Budlight), tornando-se assim, a maior cervejaria do mundo. Neste ano, ainda sob o nome de Ambev, a cervejaria brasileira negocia a compra da SABMiller, a segunda maior produtora de cerveja do mundo, líder anglo-africana, jogada essa que divide opiniões. Alguns economistas temem a falta de concorrência no mercado.

Quem foi o Grupo Antárctica?

A companhia Antárctica foi um grupo que originalmente produzia cerveja, mas que posteriormente estendeu sua participação no ramo de bebidas, passando a industrializar também refrigerantes. Durante vários anos, foi líder no mercado cervejeiro, junto com sua concorrente, a Brahma. Essa disputa somente parou com a fusão das duas, dando origem à Ambev. Fundada no ano de 1885, a cervejaria Antárctica sempre esteve presente nos copos dos brasileiros. Com sua crescente participação e aceitação de mercado, abriu diversas filiais de Norte a Sul do Brasil. As fábricas da Antárctica tinham grande importância nas cidades em que se instalavam, pois eram responsáveis pela geração de um grande número de empregos. Ayrton Jesus Fernandes, aposentado pela Antárctica relembra como foi trabalhar nessa companhia por quase 30 anos: “Trabalhar nessa empresa foi algo que gerou boas recordações. Iniciei minha carreira como auxiliar de escritório, sai de lá como membro da diretoria. Aprendi muito enquanto estive por lá, Quioshi Goto/Jornal da Cidade

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7 cerveja

afinal, foram muitos anos trabalhando em uma mesma empresa”. Reconhecida por auxiliar seus funcionários por meio da fundação ‘Antonio e Helena Zerrener’, tanto na compra de alimentos, quanto para medicamentos e auxílios médicos para seus funcionários, a cervejaria Antárctica hoje seria considerada paternalista. “Posso dizer que a relação da Antárctica com seus funcionários foi paternalista. Sempre preocupada com seus funcionários, oferecendo oportunidades para a gente crescer, além dos auxílios médicos que a fundação oferecia e ainda oferece aos antigos funcionários”, reconhece Ayrton. A Companhia Antárctica aumentava sua produção a cada ano por meio da criação de novas filiais ou de empresas coligadas à cervejaria, sempre valorizando sua qualidade, utilizando ingredientes de qualidade, incluindo a água, que é o principal deles no processo de produção da cerveja.

Bauru também gosta de cerveja!

A cidade de Bauru recebeu, com muita expectativa, a abertura de uma fábrica de cervejas, refrigerantes e gelo no ano de 1923. Foi instalada na avenida Nações Unidas, em área próxima à rodoviária e era cortada pela linha do trem que, à época transportava passageiros. O local onde seria construída a cervejaria começara as terraplanagens. Tão grande foi a importância da vinda da fábrica a Bauru, que a região ao redor da construção foi chamada de Vila Antárctica, em homenagem à empresa que geraria centenas de empregos para a comunidade bauruense. Às onze horas ouvia-se a sirene vinda da fábrica, todos sabiam que já era horário de almoço. As crianças corriam para casa, o marido chegava em casa, a esposa já deveria estar com o almoço pronto. Muitos viveram em função daquele apito. Alguns anos depois veio a terrível notícia para o povo bauruense, a água que era retirada dos poços artesianos da cidade não era de qualidade suficientemente boa para a produção de cerveja. A produção ficou apenas nos refrigerantes. Em 21 de maio de 1995 veio a “bomba”. A fábrica da Antárctica iria encerrar suas atividades em Bauru, demitindo, ao todo, 90 dos 110 funcionários, sendo transferida para Ribeirão Preto. Quatro anos mais tarde, todas as unidades do país fecharam, com a fusão com a Brahma, somente algumas reabriram as que não foram consideradas obsoletas. Não foi o caso de Bauru, tampouco de Ribeirão Preto. Hoje, 7 anos depois da desativação da fábrica, um shopping está sendo construído no local. Mas a chaminé, que marcou a memória do povo bauruense, ainda permanece intacta para aqueles que gostam de recordações.


Por dentro do Lote 43 texto e fotos de Lucas Leite

Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, é considerada a Capital Brasileira do Vinho, mas mesmo quem não sabe dessa fama pode imaginar. E a imaginação dá lugar à certeza, quando uma placa na beira da estrada anuncia a chegada ao Vale dos Vinhedos da serra gaúcha. A ocupação do vale começou com a chegada de imigrantes no fim do século XIX, e Giuseppe Miolo era um deles. O italiano desembarcou por lá em 1897 e, com as economias que havia guardado, comprou um pedaço de terra, o lote de número 43. O clima frio e úmido ajudou, a família começou a produzir uvas e, em 1989, a vinícola foi fundada. Os negócios deram certo, e hoje o grupo Miolo é o maior produtor do país, com terras espalhadas por várias regiões. Em Bento Gonçalves, são 320 hectares produzindo as uvas Merlot e Cabernet Sauvignon, utilizadas para a produção do vinho ícone da marca, o Lote 43. A estrutura impressiona, centenas de turistas são recebidos todos os dias com água na boca e curiosos para conhecer a história e o processo de produção. A história você já sabe, o que significa que é hora de conhecer a prática.

Da parreira à garrafa

Cada parreira dura em média 25 anos, e os ciclos no sul são regulados pela temperatura – diferentemente do nordeste, por exemplo, onde são controlados pela água. A colheita acontece de janeiro a abril, e as uvas vão direto para os tanques de fermentação. No caso do vinho branco, elas são prensadas para eliminar casca e semente. No vinho tinto, porém, vão inteiras para o tanque, e a casca é que

dá a cor. Quanto mais tempo ela fica, maior a quantidade de tanino – responsável pela adstringência e conservação. A fermentação dura 25 dias, mas pode chegar a 55, caso o objetivo seja uma bebida mais estruturada e com mais cor. Nessa fase são adicionadas as leveduras, que transformam o açúcar da uva em álcool e gás carbônico. O álcool interessa, mas o gás não, por isso os tanques ficam abertos. Os primeiros eram feitos de madeira de araucária, mas ela deixa a bebida muito amarga e retém o calor, podendo chegar a 40ºC. Por isso, foram substituídos em 1998 por tanques de aço, que preservam as características e o aroma do vinho e possibilitam o controle da temperatura – 12 a 14ºC no branco e 25 a 28ºC no tinto. O próximo passo é a maturação, que dura cerca de um ano e nada mais é do que o descanso da bebida em barricas de carvalho. Elas agregam características agradáveis e aromas de baunilha, pimenta, coco, cravo e canela. Mas como a madeira dos barris é queimada por dentro, também é possível sentir aromas de café e chocolate. Em seguida, o vinho vai para a garrafa, onde fica por um determinado tempo até ser comercializado. O Lote 43, por exemplo, atinge seu auge 10 anos após ser engarrafado, e não pode esperar muito para ser consumido. Pois é, aquela história de “quanto mais velho melhor” é lenda. O vinho é considerado um ser vivo: é elaborado, evolui por um período e chega no seu ápice, mas a partir daí começa a morrer, ou seja, oxidar até virar vinagre. Portanto, não tenha dó de abri-lo, afinal, quem merece um Lote 43 é você, e não a sua salada.

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Ela é a mais brasileira das bebidas texto e fotos de Carolina Baldin Meira

Aguardente, pinga, caninha, cachaça. Quatro termos, dentre uma infinidade, para denominar o mesmo produto – só o escritor pernambucano Mário Souto Maior levantou, em 1973, mais de mil palavras designativas no “Dicionário Folclórico da Cachaça”. Mas qual seria, então, a diferença entre esses nomes? Essas denominações, além de variarem de acordo com as regiões do Brasil, também levam em conta nuances de produção: o último termo, cachaça, se refere a uma bebida com graduação alcoólica mais controlada, que varia de 38% (fraca) a 45% (forte). No caso da artesanal a preparação também é um pouco diferente. A cachaça é obtida da destilação do caldo de cana-de-açúcar fermentado (vide infográfico). As pingas e aguardentes mais baratos são os que contêm o óleo fúsel (“cauda”), considerado um subproduto prejudicial: é ele um dos responsáveis pela ressaca. Já nas cachaças artesanais, durante a destilação, há separações para eliminar os contaminantes e substâncias impróprias para o consumo, como o metanol. Depois, aproveita-se 80% da produção, o chamado “corpo” da cachaça, a parte nobre. Curiosidade de produção: consegue-se somente 80 litros de cachaça em uma tonelada de cana, enquanto de aguardente são aproveitados 180 litros, mas com qualidade inferior.

História popular

É impossível pensar em história do Brasil sem pensar em história da cachaça – uma das primeiras atividades da colônia portuguesa em meados do século XV foi a produção de cana-de-açúcar nos grandes engenhos. Mas onde entra a pinga nesse processo? Há diversos mitos sobre a sua origem. O mais famoso no

ita e f o éhaça? m Co cac Cana a moída

nordeste é o da “água ardente”. Essa versão conta que o vapor de álcool obtido na fervura do melado, depois da condensação, caiu nas costas dos escravos e os queimou: daí os nomes “pinga” e “aguardente”. Não demorou muito para que eles experimentassem o líquido da goteira e se sentissem mais “leves”, “alegres”. A partir disso, a bebida se tornou frequente nos engenhos e era tomada pelos escravos como uma espécie de droga para suportar o trabalho pesado na plantação.

surgiu a ideia de agregar valor a essa matéria-prima com a produção de cachaça”, conta Bessi. No começo, o intuito era produzir única e exclusivamente a cachaça – Irineu confessa que, particularmente, gosta da cachaça forte. Lembra que naquela época o público era apenas masculino, mas, com a necessidade de ampliar o mercado consumidor a jovens e mulheres, o Engenho Bessi passou a fabricar licores, com receitas que vêm desde sua avó. Ao todo, são 25 sabores de licor, como os tradicionais de jabuticaba, figo, café e mel. “São produtos a base de cachaça. O nosso licor nada mais é do que a fruta ou extrato natural e uma calda adoçada à base de cachaça. A finalidade do licor seria um aperitivo pós-refeições, mas essa ‘cachaça de sabor’ tem sido muito atrativa em festas”, constata o proprietário.

Pinga artesanal

“Cachaça Bessi: no calor refresca e no frio aquece”. A frase vem de Pederneiras, cidade que abriga o Engenho Bessi. Uma discreta placa indica a estrada de terra no quilômetro 202 da rodovia de Jaú sentido Bauru. Em um galpão aos fundos, os tonéis de madeira não deixam enganar: ali são armazenados os litros de cachaça produzidos em um dos engenhos pioneiros da região. Quem recebe os visitantes com simpatia é o proprietário, Irineu Bessi. Empresário e técnico em química, ele toca o negócio da família desde 1991, mas a vivência no engenho vem desde que ele se entende por gente. “Minha família não tinha condições de comprar muito mais terras para agricultura. Nós tínhamos uma matéria-prima de qualidade [cana-de-açúcar] e repassávamos para a indústria a preços muito baixos, não valia quase nada. Foi aí que

Preparação do caldo ou melado

(diluição em água)

Segredo

Hoje em dia, apesar da grande saída de bebidas como o licor de marula e a jurupinga, o carro-chefe de vendas é a pinga Segredo. “Foram várias tentativas, e quem decidiu qual seria a Segredo foi o próprio público: na época eu fiz três tipos de cachaça, numerei e foram para votação dos apreciadores, que elegeram essa receita. É o que eu sempre digo: se contar a receita, deixa de ser Segredo”, brinca Irineu. O máximo que ele revela da fórmula é que a cachaça é misturada a mel e mais oito componentes, como raízes e ervas, que

Fermentação do caldo

Destilação

ficam em fusão. Com tantas inovações no mercado, o Engenho Bessi criou também a pinga Juízo, como uma brincadeira: todo mundo quando sai de casa escuta da mãe “tome juízo”, mas não encontra. O Engenho garante que agora o pessoa encontra juízo por lá. A cachaça vai ser lançada em breve.

Quebra-gelo

Irineu conta que uma das finalidades da cachaça seria ser tomada antes de refeições. Existe uma tradição também do “quebra-gelo”, de se tomar cachaça antes de beber cerveja, por exemplo. Sobre a relação entre bebida e vida social, ele conta: “uma coisa que me deixa feliz é que hoje em dia o número de consumidores que bebem ‘pra cair’ diminuiu. Atualmente, quem bebe cachaça quer apreciá-la.” E isso vai além do público mais conservador: cada vez mais os jovens se interessam por essa tradição também. Outra coisa que mudou, segundo Irineu, é que dez anos atrás, se você abrisse um cardápio de bar ou restaurante, dificilmente encontraria cachaça nele. Atualmente, é possível que você abra e não encontre apenas uma, mas várias marcas de cachaça. Em geral, quem quer se embebedar escolhe a “caninha”, até pelo valor mais baixo, e não a cachaça. O correto seria degustar o produto, saborear, e não “virar” a dose cachaça. “Eu acho que não tem serviço que seja semelhante ao boteco. As pessoas que sabem degustar a bebida costumam frequentar bares para encontrar os amigos, aproveitar o ambiente, jogar uma conversa fora. Tem também os que bebem para ficar mais desinibidos. Quando bem apreciada, a bebida facilita a vida social”, conclui o proprietário do Engenho Bessi, encerrando a conversa com a degustação do Segredo da casa.

(vapor é condensado)

Álcool

(80% é a CACHAÇA, ou “parte boa”)


cultura etílica 10

Dicas do Tonon Quem é quem? E texto de Julia Germano Travieso

Se quiser começar a fazer cerveja hoje, do que eu preciso? Panelas com torneira, um moinho, termômetro, densímetro, um chiller (resfriador), galões de água, um balde fermentador e um fogão. O que é o lúpulo? O lúpulo é a flor de uma trepadeira, que dá o amargo da cerveja e a conserva. Alguns a gente usa só pra dar aroma, outros dão o amargo. Dependendo do tempo em que eu acrescentar cada um, vou ter um resultado diferente. Alguns preferem as cervejas mais doces, outros as mais amargas. Os ingleses têm tradição de tomar cervejas muito lupuladas, como a India Pale Ale (IPA). O que é o fermento? Existem duas grandes famílias de fermentos, os lager (trabalham a 12ºC na superfície do fermentador) e os ale (trabalham a 20ºC no fundo do fermentador). O que é o malte? Malte é qualquer cereal que começa a germinar, você interrompe o processo e depois torra. Então se pode fazer malte de arroz, feijão, milho, etc. Para a cerveja se usa, basicamente, o malte de centeio, de cevada e de trigo. O quanto o malto é torrado determina a cor da cerveja. O pilsen é o malte base, mas são infinitas possibilidades. Você vai morrer sem saber nada de cerveja! Como a temperatura influencia o paladar? Quando minha cerveja fica pronta eu bebo ela quente, pra saber o sabor verdadeiro. Por quê? Porque abaixo dos 4ºC a sua língua começa a perder a sensibilidade, abaixo de -4ºC, qualquer água colorida, amarela e que fizer espuma, se falar que é cerveja você bebe. Se você meter um detergente amarelo, encher de água e gelar como as geladeiras de bar, você bebe e não consegue sentir o gosto. O que acontece que faz a gente ter ressaca? No processo de fermentação são produzidas cadeias de álcool, no caso da cerveja artesanal, só há cadeias pequenas de álcool, as grandes são arrastados pelo gás carbonico.

As industrializadas têm mais álcool de cadeia grande porque os barris de fermentação são gigantes, o que impede o gás carbônico de arrastar a cadeia grande para a atmosfera, então ela permanece na cerveja e causa ressaca. O meu fermentador tem menos de um metro de altura, é fácil de sair. As melhores são fermentadas em umas piscinas de meio metro de profundidade. Quem faz a cerveja artesanal se preocupa com isso, a indústria não tem nem espaço, e retirar o álcool quimicamente encarece o processo. Eu deixo as proteínas, pra que vou filtrar duas vezes? A cerveja é uma grande fonte das vitaminas do complexo B. Além de vários minerais que vêm da água utilizada no processo. Porque não se faz uma cerveja com índices alcoólicos maiores? É preciso encontrar um fermento que aguente, porque, na verdade, o álcool é veneno para o fermento. O fermento é tão bobinho, coitado, que ele faz o próprio veneno. E ele produz mais álcool quanto mais malte e mais açúcares eu der pra ele. Existem cervejas comerciais com 25%, é uma das maiores porcentagens conseguidas com fermento cervejeiro. Você já pensou em interromper o processo e fazer o chopp, ao invés da cerveja? E você sabe qual é a diferença entre o chopp e a cerveja? A cerveja é pasteurizada. Então eu nunca fiz cerveja, sempre fiz chopp, porque nunca pasteurizei, não precisa, só serve pra tirar os nutrientes. O Brasil é um dos poucos países que pasteuriza cerveja, eles fazem isso porque têm medo dela estragar. Aqui é o único lugar do mundo em que se conhece esse significado de chopp, nos outros lugares chopp significa a medida de uma caneca, assim como o pint. De onde vem a ideia de que em alguns países europeus as pessoas tomam cerveja quente? Na verdade é uma grande confusão. Não é quente, é em temperatura ambiente, que nesses países é mais baixa, por volta de 12 graus.

texto de Isadora de Moura ilustrações de Carolina Baldin Meira

vodka 40%

cerveja 4 a 15%*

Bebida fermentada de grãos de cevada ou trigo, com água e lúpulo - 60% dos brasileiros preferem cerveja - O país que mais consome cerveja é a República Tcheca, o Brasil está em 33º lugar - 3 cervejas brasileiras (Baden Baden, Bamberg e Bierland) foram premiadas no World Beer Awards 2012

Bebida destilada de cereais ou tuberculos, como a batata - Junto com outros destilados, a vodka soma 12% da consumo nacional - Os estilos ocidental, polonês e russo são definidos com base nas variações de aroma, sabor, suavidade e pureza

whisky 38 a 54%

vinho 9 a 14%

Bebida destilada de cereais envelhecido em barris de madeira - O whisky não envelhece na garrafa, apenas nos barris, que acrescentam sabor - Os brasileiros ingerem cerca de 300ml por ano, enquanto os franceses chegam a 2,8 litros

Bebida fermentada do sumo da uva - 25% dos brasileiros consomem vinho - A garrafa deitada e o líquido em contato com a rolha impedem a entrada de ar, evitando a oxidação - Mas após aberta, a garrafa na vertical evita contaminação entre a bebida e o ar que já entrou na embalagem - O saquê também é um vinho, mas obtido a partir de arroz - Se destilado e envelhecido, o vinho chega a 40% e se torna conhaque

licor 15 a 54%

Mistura de uma fonte de açúcar e uma fonte de álcool (como whisky ou vodka), além de ervas ou frutas - O licor Curaçau, um dos mais conhecidos, é feito a base da casca das laranjas da ilha de Curaçau, hoje, qualquer licor de laranja é chamado assim - O licor mais antigo data de 1510, é o francês Benedictine, feito à base de ervas e destilados

cachaça 38 a 54%

Bebida destilada de caldo de cana-de-açucar previamente fermentado - A cachaça e a pinga variam de 38 a 48% e a aguardente de 49 a 54% - A fermentação do melaço dá origem ao rum

tequila 40%

Bebida destilada da babosa Agave tequiliana, previamente fermentada - Pode ser 100% agave ou blended (misturada) e varia com o tempo de envelhecimento - Caballito é o copo de 60ml, específico para essa bebida - O Mezcal é o parente casca-grossa da tequila, que traz na garrafa a larva que se desenvolve na planta

absinto 40% a 89%

Bebida destilada de anis e ervas - A Artemisia absinthium, principal erva do destilado, é responsável pela polêmica sobre a bebida, por conter substância alucinógena conhecida como tujone - No Brasil, o teor máximo é de 54% de álcool e 10mg de tujone, mas ele já foi produzido com até 350mg por quilo de bebida em outros países

*

Teor Alcoólico Fontes: Arte e Ciência da Cerveja (Kaiser), Inmetro, Associação Brasileira de Enologia (ABE), Rafael Mariachi colunista do site Mixology News), “Tecnologia, composição e processamento de licores”(UFES).

Ir ao corre

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11 boemia prudente texto de Amanda Tiengo

? Equilibrando a dose Lei Seca versus Balada

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, Rafael (UFES).

o balanço de vitaminas e minerais. Dê um tempo para seu corpo se recuperar, descanse e evite exercícios excessivos”. Ana Cristina lembra ainda que o ideal seria evitar abusos, quando se trata da bebida, mas uma vez que já tenha acontecido é necessário se cuidar. Vale ressaltar que o álcool também é calórico - cada grama de álcool fornece sete calorias - e se consumido com os famosos petiscos de boteco podem causar um acúmulo de calorias indesejadas. A nutricionista explica que ser saudável é mais do que se alimentar de maneira adequada, relaciona-se também com um bem estar psicológico e social. Frequentar o boteco pode proporcionar esse bem estar, levando-se em conta os efeitos do álcool no sistema nervoso, que provocam sensação de relaxamento e também momentos de interação social que caracterizam o ambiente do bar. Hélio concorda com o que Ana Cristina diz: “o consumo de bebidas alcóolicas pode facilitar a interação social uma vez que é possível identificar um componente social no ato de alimentar-se”. Ir ao boteco, portanto, pode até ser considerado terapêutico, nessa medida, como também ressalta a professora Sandra. O que a nutricionista, o médico e a psicóloga acham importante é que as pessoas devem saber beber, pois se a dose ingerida for maior do que a moderada e necessária para a interação social, o álcool pode trazer prejuízos. A professora da Unesp explica que a maioria das pessoas tem sua marca genética para o alcoolismo, que já pode ser considerado a partir do momento que a pessoa causa algum prejuízo para ela mesma – como perder compromissos ou bater o carro, por exemplo. “Quando chega nessas condições a pessoa já é considerada alcoolista”, adverte. Hélio de Souza conta que todas as civilizações fizeram uso de bebida alcoólica, assim, o alcool “não pode ser tão mal”. O interessante é cuidar para não exagerar na dose a ponto de prejudicar a saúde física e psicológica.

Os bares, baladas e botecos, apesar da diversão e do convívio social, têm a ver também com alguns fatos alarmantews. O álcool, como substância depressora do sistema nervoso central, prejudica a ação humana de dirigir. Misturar álcool e direção é, em toda situação, perigoso. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), morrem 35000 brasileiros por ano no trânsito. Pesquisa do Programa Acadêmico sobre Álcool e outras Drogas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por sua vez, afirma que, em 75% desses casos, o álcool está envolvido. O grande número de mortes e acidentes acarretou a mudança da legislação brasileira referente a álcool e direção. A “Lei Seca”, promulgada em 2008, elevou o Brasil à condição de um dos países mais rígidos do mundo em relação a esse assunto. O teto estabelecido para a combinação de álcool e direção passou a ser 0,6 gramas de álcool por litro de sangue, o equivalente a 3 latas de cerveja. Uma das polêmicas envolvendo a lei, entretanto, é a sua aplicabilidade. Quem não se submeter ao teste do bafômetro é protegido pelo príncipio constitucional segundo o qual “nenhum indivíduo é obrigado a produzir provas contra si mesmo”. ento

da ou úpulo erveja ública lugar rland) s 2012

Cerveja, caipirinha, cachaça, canelinha. Uma, duas, três... quantas doses dessas bebidas você tomou na sua última ida ao bar? Nem todos sabem a partir de qual quantidade a bebida deixa de ser saudável. A nutricionista Ana Cristina Amgarten, formada pela USP, explica que o consumo de álcool não é recomendado diariamente, mas quando for consumido deve ser limitado a duas porções para homens e não mais que uma porção para mulheres. Uma porção corresponde a uma latinha de cerveja de 355 ml, ou uma taça pequena de vinho de 150ml, ou uma dose de 30 ml de cachaça e suas variações. Esse consumo moderado de bebida alcoólica pode até reduzir os riscos de doença cardíacas, como obstrução das artérias e infartos. Por outro lado, se for consumido em exagero o álcool se torna vilão e aumenta os riscos para essas doenças. Além disso, o consumo excessivo e frequente pode causar lesões no fígado, no cérebro, na cavidade oral, no esôfago e no estômago. O armazenamento de vitaminas e minerais também fica prejudicado, o que leva o indivíduo a certa deficiência nutricional. Hélio de Souza, clínico geral, defende que o álcool deve ser melhor visto na sociedade, uma vez que seus efeitos não são apenas prejudiciais. O médico é apreciador de um bom whisky e acha que “devemos ser mais justos em relação ao álcool”. Para ele, “a bebida alcoólica facilita a relação social, se for ingerida em pequenas doses” e ameniza os sintomas depressivos. Mas a professora Sandra Calais, do Departamento de psicologia da Unesp de Bauru alerta: “o álcool aumenta os sintomas de depressão, ele é um inibidor. No início, ele tem um efeito de relaxamento, por isso a pessoa fica mais descontraída, mas no momento seguinte ele deprime. Beber só piora o quadro depressivo”. Considerando que nem toda ida ao boteco fica isenta de excessos, a nutricionista Ana Cristina dá a dica para quem exagerou na dose: “a melhor forma de curar uma ressaca é a reidratação, por isso beba muito líquido antes, durante e após beber. É importante também fornecer energia ao corpo, porém procure fazer uma alimentação mais branda, evitando alimentos muito gordurosos e de difícil digestão. Não faça jejum, prefira comer menores quantidades a cada três horas. Não se esqueça das porções de frutas e verduras, importantes para reestabelecer

Aplicação da lei sobre álcool e direção ainda é deficiente em Bauru e na maior parte das cidades brasileiras

Monique Nascim

%*

Ir ao boteco é mais do que sair pra beber, é uma descontração em meio a correria do dia-a-dia. Mas saber a hora de “largar o copo” é importante

texto de Lucas César

Olha a blitz!

Em Bauru e região, a lei vem apresentando bons resultados, segundo o capitão da Polícia Militar Alan Terra, oficial de relações públicas do 4º Batalhão de Polícia Militar do Interior, unidade da PM responsável pela segurança pública em Bauru e nos outros dezoito municípios ao seu redor. O oficial conta que, nessa região, há um bafômetro para cada cidade, e, em Bauru, são pelo menos quatro. No município são realizadas de quatro a seis “Operações Di-

reção Segura” (operações envolvendo blitz e uso do bafômetro) por semana, além de fiscalizações esporádicas por conta de ocorrências ou denúncias pontuais. Nessas operações, só neste ano, até o dia 25 de setembro, 4409 condutores foram abordados, dos quais 63 se submeteram ao teste do bafômetro. Apenas um deles foi autuado em flagrante delito por infringir o disposto na legislação brasileira, de acordo com o capitão. O número de policiais militares e de viaturas em cada ponto de bloqueio pode variar de acordo com a estratégia e a necessidade no momento, mas, diariamente, uma dezena de viaturas se dedica à atividade de fiscalização de trânsito em Bauru. Os horários, assim como os locais, variam conforme critérios estabelecidos pelos próprios comandantes territoriais de polícia preventiva, além daqueles de interesse da própria polícia estadual, quando operações simultâneas são desencadeadas em todo o Estado.

Lei Frouxa?

O caminho para a impunidade da Lei Seca no Brasil está justamente na não obrigatoriedade da submissão ao teste do bafômetro. José Nivaldino Rodrigues, mestre em Sociologia e especialista em Educação para o Trânsito pela Universidade de Brasília (UnB), salienta que a lei obteve maior sucesso no começo, mas a tendência é ser cada vez mais afrouxada e desconsiderada pelos motoristas: “Nos primeiros trinta dias de aplicação da lei seca houve uma redução aproximada de 30% na quantidade de acidentes com feridos e mortos, comparados os períodos correspondentes nos anos de 2007 e de 2008, respectivamente.”. No segundo mês, a redução foi menos acentuada ficando na casa dos 20% e, no terceiro mês, reduziu mais lentamente ainda, se aproximando dos 10 %. “A partir de então, a tendência é que haja uma estabilização nessa taxa de redução de acidentes com feridos e mortos. Essa estabilidade decorrerá da atenuação na fiscalização, que atua muito pautada pela mídia e esse assunto tende a ser cada vez menos tratado”, lamenta Rodrigues. ira

Carolina Baldin Me

Uma ou duas doses ao dia: consumo de baixo risco, minimiza os riscos de doenças cardiovasculares

Mais de duas doses ao dia com consumo frequente: risco de doenças como hipertensão, câncer e doenças cardiovasculares

Grandes volumes de álcool com consumo diário: caracteriza a dependência alcoólica, doença física e psicológica. Aumento dos riscos das doenças já citadas, bem como a cirrose

Este padrão se refere a homens com mais de 30 anos que não tenham predisposição a alcoolismo, infartos e outras doenças cardiovasculares. As mulheres são mais suscetíveis aos efeitos do álcool, por metabolizarem a substância mais rápido. Assim, o consumo de baixo risco para mulheres saudáveis seria metade do padrão masculino.


ponto de vista 12

Sertanejo regado a álcool Quando o assunto é bebida alcoólica, a mídia e setores ligados à saúde procuram sempre alertar sobre os riscos do consumo excessivo, mostrando os prejuízos causados por acidentes de trânsito e conflitos familiares. Apesar disso, o tema encontra um espaço de exceção na música e o consumo parece ser tratado em tom de incentivo em algumas composições de grande sucesso no Brasil. Nas músicas do sertanejo universitário, a bebida alcoólica geralmente é relacionada a momentos descontração com os amigos, festa, conquista de mulheres, além de oferecer solução para os mais variados problemas. O tema não é abordado apenas por esse gênero musical, pois, o rock, a música brega, o samba, entre outros gêneros, também

“Toquei direto, fui pra praia Com as gatinhas na gandaia Minha galera bota pra ferver Segunda de madruga travado cheguei em casa Sete horas acordei com uma ressaca Tinha prova pra fazer” Guilherme e Santiago - Bolo doido

texto de Carolina Ito

podem ser incluídos na lista. No artigo “O consumo de bebidas alcoólicas retratado pela música sertaneja: reflexo de valores e crenças na contramão”, os pesquisadores da área de Letras, Alexandre Zanella e Mariana Lioto, esclarecem que o sertanejo é um desdobramento da música caipira que foi rapidamente absorvido pela indústria musical e que precisa ser reproduzido e vendido em larga escala para atingir o grande público. Assim, os cantores “buscam eleger temáticas que considerem fazer parte do cotidiano” das pessoas para que elas se identifiquem e passem a consumir mais esse tipo de música. Será que a música pode realmente estimular o consumo excessivo de bebida alcoólica? Alguns trechos nos levam a refletir sobre isso:

“Vamos simbora pra um bar Beber, cair, levantar” André e Adriano - Beber, cair levantar

“Hoje é sexta-feira Traga mais cerveja Tô de saco cheio Tô prá lá do meio Da minha cabeça” Leonardo - Cerveja

“E daí se eu quiser farrear tomar todas num bar sair pra namorar O que é que tem?”

“As mina pira, pira Toma tequila Sobe na mesa Pula na piscina As mina pira, pira Entra no clima Tá fácil de pegar Pra cima!” Fernando e Sorocaba As mina pira

Guilherme e Santiago - E daí?

Do outro lado do balcão texto de Bruno Ferrari

O telefone toca. – Alô? – Fala Brunão, um cara não pode ir trampar hoje. Você poderia ir no lugar dele? – Hummm, hoje... Tinha planejado ficar de boa em casa, sei lá (pensei). Mas aonde? (Perguntei). – É lá no Madame Pimenta. – Caramba! (Na semana passada tinha acontecido um assassinato horrível em frente a esse bar... Disseram que foi um acerto de contas... O cara tomou uns vinte tiros nas costas) – Quanto? – 50. – Hummm... Vai ter que ser, né... (pensei)... Demorô, to dentro! – Cola lá de camiseta preta umas 11h, firmeza? – Opa, firmeza! Lá vou eu... Nunca tinha trampado nesse bar. De boa, pra mim não interessava o ambiente... O importante era a grana no final da noite. Soube que a atração principal seria uma banda de pagode... E eu odeio pagode... Sem problema, tava precisando dessa grana... Cinquentinha... Ta ótimo...

Cheguei e encontrei o Fernandão, o cara que me contratou. Ele me passou mais ou menos o esquema do bar. Troquei uma idéia com o segurança, o técnico de som e também com o pessoal da banda, pagodeiros... É importante conhecer os caras pra flagrar quem tinha direito a receber água de graça. O silêncio era mortal. Dizem que essa é a pior parte... Os momentos que antecedem a festa... Eternos... Os segundos que antecedem o caos... É dada a largada, abrem-se as cortinas, soltam-se os leões... Em poucos minutos, a casa que parecia espaçosa é tomada por uma multidão insana sedenta por álcool e músicas que entram na mente. O esquema era bem simples... A pessoa te dava a ficha e você entregava a bebida. Ficha de breja... Vale uma breja... Ficha de caipirinha... Fazer uma caipirinha, sempre atentando para colocar dois copos na hora de socar o limão, senão ele rasga embaixo! Tranquilo, não? É, mais

ou menos... – Ae maluco! Me dá uma breja e uma caipirinha! – Ei, irmão, vai de boa... Você só me deu uma ficha... Ta aqui sua cerveja e cai fora! – Você tá louco, mano? Acabei de te dar uma ficha de caipirinha também! Você deve ter perdido a ficha! – Sai fora cara, vou ter que chamar o segurança? É tenso, os nervos à flor da pele... Adrenalina mesmo... Vários pedidos ao mesmo tempo. Um monte de vozes entrando na cabeça... Aquele pagode infernal... Foi então que um cara alto e grande debruçou no balcão, rodeado de mulheres lindas, abriu um sorriso e disse: – Hey irmão, vê uma dose de whisky e um energético! – Cadê a ficha? – Não precisa de ficha não, meu irmão... Dou uma olhada pro meu supervisor, ele balança a cabeça dizendo que sim... Pego e sirvo a bebida... Cinco minutos depois... – Hey brother! Mais uma

dose e três energéticos pra minhas gatinhas... O cara tava mandando e desmandando! Olho pro meu supervisor e ele confirma com uma piscada de olho. Passa um tempo e a cena se repete... Dessa vez ainda: – Amigão! Será que você pode dar uma limpadinha aqui no balcão... Caiu bebida... Pego uma toalha e passo no balcão. Quem é esse maluco? Pensei... Cerveja, cachaça, limão, energético, whisky, gelo... Ficha vai, ficha vem... E não é que a balada chega ao fim?! No ar, aquele clima inconfundível... Fim de festa! Um camarada, então me conta: – Aquele negão é um cara importante aqui no pedaço, saca? – Saquei... Soube que era um dos maiores traficantes da cidade... Pego meus cinquentinha... E vou andando pra casa, sentindo a brisa do final da noite... Quem sou eu pra dizer que alguma coisa tá errada?


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