Mulher
Moderna
Entrevista com
Teté Ribeiro
Biodança Conheça a Chapada dos Veadeiros
Da Redação
Editorial Por que Pitanga? Depois de muita discussão, muitos nomes e muitas alternativas: Pitanga. Essa é uma fruta tropical tipicamente brasileira e simboliza o que queremos passar sobre a mulher. Ela tem uma cor forte, ela é bonita, mas pequena, não precisa de muito para chamar a atenção. A pitanga também não é vendida, para provar o sabor dessa fruta, você precisa colher no pé. Sabor alias, que é uma mistura entre doce e azedo, como todas nós. Essa revista chega para satisfazer as lacunas deixadas pelas revistas femininas disponíveis no mercado, que pensam numa mulher superficial, presa ao corpo e refém de padrões de beleza. Aqui você não vai encontrar uma receita para emagrecer 5kg em uma semana, mas vai aprender como a alimentação saudável pode ser prazerosa. Os temas abordados interessam à mulher brasileira, mas acima de tudo, a mulher independente, que trabalha fora, cuida de casa, da saúde, da vida amorosa, tudo em equilíbrio. Nossa mulher tem seus dias doces e azedos, às vezes, tudo ao mesmo tempo, mas sem deixar de ser singular. Tudo interessa: viagem, alimentação, bem-estar e até mesmo roupas e cosméticos. Só que tudo com uma cara nova ou com um olhar diferenciado. Esse olhar também estará presente nos nossos ensaios, textos, entrevistas e crônicas. Prove!
6Mulher Moderna? 10(Des)Orientação As mulheres estão chegando
12e vieram para ficar!! 15A forte mulher de Nelson Rodrigues Ecologicamente correto, até que ponto?
18 20Alimentação viva
22De peito aberto 26Made in roça 29Medo ou admiração pela PM? 30Mulheres: um sexo nem tão frágil assim 34A mulher que eu quero ser 37Ensaio fotográfico: cidades alemãs e o que as faz especiais Revista produzido pelos alunos do 3º ano de Jornalismo da Faculdade de Artes, Arquitetura e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp)
SUMÁRIO
Mulheres e cerveja:
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Mulher moderna para se inspirar e refletir
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Mochilar também é coisa de mulher
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Chapada dos veadeiros
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A arte culinária de comer sem pressa
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Dançando para a vida
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Super mulher, super stress
A tecnologia a nosso favor Lista cultural
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Crônica: Quando a amizade vira amor EXPEDIENTE Alexandre Nogueira Bárbara Belan Beatrice Lesur Beatriz Almeida Guilherme Weimann Jéssica Godoy Luís Paulo Isnard Mariana Thomaz Regiane Folter Thatianna e Oliveira
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FAAC/UNESP Reitor: Julio Cezar Durigan Diretor da FAAC: Roberto Deganutti Coordenador do curso de Jornalismo: Juarez Xavier Professores responsáveis: Prof. Mauro Ventura Profa. Tássia Zanini
Mulher Moderna? Ao assumir diversos papéis sociais, a mulher não pode ser caracterizada apenas por um adjetivo
Mariana Thomaz
Limpar a casa, correr para o trabalho, trocar o almoço pela manicure, voltar para o trabalho para aquela reunião super séria, ir pra casa adiantar a janta, passar na academia para fazer um aeróbico, voltar pra casa, conversar com o namorado, jantar, ler um livro e finalmente dormir. Com certeza você conhece - ou é uma mulher que faz tudo isso. Muita gente pode falar que esse é o cotidiano de uma mulher moderna, mas será que esse conceito está certo? A Idade Moderna acabou em 1789, junto com a queda da Bastilha, então por que essas mulheres são chamadas de modernas?
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Segundo a professora e psicóloga Helena Miranda, mestra em Estudos sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, há um equívoco em torno da palavra ‘moder-
“há muitas maneiras de ser mulher, de viver o feminino (...) o correto é falar sobre mulheres” no’. “Em termos conceituais, realmente, o termo “moderno” não se aplica. Seria mais apropriado utilizar “mulher contemporânea”, que traz as construções no corpo, nas atitudes e nos comportamentos da pós-modernidade”. A pro-
fessora completa que a pós-modernidade é um contexto teórico e social marcado pela rejeição a conceitos e discursos totalizantes ou universais que marcavam a Modernidade. Ok, então não é mais moderna, é a mulher contemporânea, simples assim? Claro que não. Segundo a professora de Antropologia, Larissa Pelúcio, “há muitas maneiras ser mulher, de viver o feminino, aliás, o correto é falar sobre mulheres, já que todas se distinguem entre gênero, etnia, classe social, pertencimento geracional, enfim, não há ‘a mulher’, mas mulheres com distintas vivências, formadas por experiências múltiplas”. Igualdade O avanço do feminis-
mo ganha visibilidade no início no começo do século XX, com a entrada das mulheres no mercado de trabalho. A partir desse momento essas se tornam fundamentais para a movimentação da economia e passam a reivindicar seus direitos (políticos, sociais, sobre o próprio corpo, entre outros). Mas até hoje, mais de cem anos depois da criação oficial do Dia Internacional da Mulher, ainda não há liberdade plena. É o que afirma Helena Miranda: “A
busca pela igualdade ainda não acabou! Está longe de acabar. As mulheres sequer têm o direito de usufruírem do espaço público sem correrem o risco de serem assediadas ou mesmo estupradas à noite. E ainda são culpadas porque estavam sozinhas ou porque usavam uma roupa qualquer que algum homem achou sugestiva”. Já a professora Larissa levanta outro tópico que perpetua a desigualdade entre os sexos: a constante infantilização das
mulheres. “A propaganda e a publicidade se esmeram neste sentido, mas são reflexos de todo uma cena cultural que parece
“A busca pela igualdade ainda não acabou! Está longe de acabar” ainda relutante de que as mulheres venham a ter o mesmo status de pessoas autônomas que os homens”. Claro que existem avanços em vários níveis, mas ainda há resistência de alguns setores e evidenciar esses avanços, como na publicidade, no cinema, entre outros. “Ao fim a felicidade de mulher “moderna” ainda está em constituir um par heterossexual convencional”, sintetiza Larissa. Homens Apesar de não haver igualdade plena, com certeza todas as mudanças alteraram o relacionamento entre mulheres e homens. Num primeiro momento alguns deles podem pensar que feminismo é o contrário de machismo e que o motivo dessas reivindicações é inverter as posições de dominação/submissão entre homens e mulheres. Mas, pelo contrário, o advento da igualdade entre os gêneros permite que eles também se livrem de certas obrigações como: o homem ser forte, não ter
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sentimentos, não poder chorar... Por outro lado, existem aqueles que não conseguem ser flexíveis podem perpetuar o machismo. É o que explica Larissa Pelúcio: “para certos homens essas mudanças que já ocorreram não fizeram muita diferença, pois continuam sendo educados para reproduzirem desigualdades. Evidentemente estes terão que enfrentar desafios fora de suas relações pessoais e amorosas”. Jornadas Agora você está de volta à prímera discussão abordada do texto. As mulheres equilibram vários papéis sociais, mas em que isso é bom – ou ruim – para elas? Julgar como bom ou ruim é muito difícil o que se pode fazer é constatar que essa atitude tem a ver com a busca pela sua própria independência. A mulher alcança um posto em que ela se torna responsável e suficiente para sua própria vida. Além disso, assumir
“O acúmulo de trabalho dentro e fora de casa também merece uma reflexão no sentido de que as relações devem ser iguais”
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várias funções é simplesmente um pressuposto da Pós-Modernidade, que dissemina uma aversão aos dilemas, ou seja, você não precisa mais ser isso ou aquilo, você pode ser isso e aquilo, sem prejuízo de nenhum deles. Ao invés de dicotomias, vivem-se pluralidades. “O acúmulo de trabalho dentro e fora de casa também merece uma reflexão no sentido de que as relações devem ser iguais dentro e fora de casa. Não deve caber ape-
nas às mulheres o cuidado com a casa e com os filhos. Essas atividades precisam ser divididas. É costume, senso comum, dizer que a mulher buscou a tripla jornada: trabalho, cuidado com casa/filhos e a ditadura da beleza, mas não se discute o fato de os homens terem que se co-responsabilizarem pelas tarefas do lar”, reflete a psicóloga Helena Miranda. Gente que vive “Não sei se eu me con-
sidero uma mulher moderna, eu sou adaptada à realidade que vivemos. Eu estudo, trabalho, moro com meu namorado, mas em casa eu não sou a típica dona de casa. A gente tem dias certos para cada um cozinhar e lavar a louça. Eu não acho que hoje em dia a mulher tem um acumulo de funções, talvez isso aconteça mais quando o marido ou companheiro deixa todas as responsabilidades do lar com a mulher, mas comigo isso não acontece, as tarefas são divididas igualmente.” Selma Miranda, 26, jornalista. “Eu me sinto adaptada ao cotidiano no sentido de usar as tecnologias, dirigir, usar as roupas que eu uso, então eu sou, de certa forma, moderna, mas eu acho que a minha geração ainda traz muitos valores tradicionais, especialmente com o relacionamento familiar. Eu sinto presente esses dois pólos: se por um lado nós somos modernas, independentes, liberadas, por outro, quando o assunto é família, a gente acaba
assumindo esses valores mais tradicionais. Eu digo que a gente vive tentando se equilibrar, a mulher da minha geração se questiona o tempo inteiro, ela se reinventa, admite seus erros e diferenças. Por outro lado, ela quer chegar em casa e quer que o filho conte tudo o que aconteceu no dia dele, quer saber o nome e o sobrenome da namorada...” Maria Cristina Gobbi, 53, professora universitária. “No meu trabalho, a maioria dos colegas são homens, mas eu nunca me senti nem prejudicada nem favorecida por ser mulher. Eu sou casada, tenho dois filhos e sou engenheira com uma carreira bem estruturada numa das maiores empresas de construção do Brasil. Não acredito que abri mão de nada para poder chegar aonde cheguei, na verdade, eu só agreguei, sempre me dediquei para melhorar, tanto como pessoa quanto como profissional, afinal, nenhum sucesso é gratuito. Eu me considero uma mulher como qualquer outra, só não fui educada para ser dona de
casa, meu pai sempre me disse que o correto era trabalhar e ter uma vida independente, e é o que eu fiz.” Maria Tereza Fernandes R. de Campos, 49, engenheira. “Trabalho com tantas mulheres e confio em tantas mulheres que eu não acredito que exista esse paradigma de mulher antiga e mulher moderna, pra mim isso é mesma coisa que o preconceito, é como perguntar: ‘o que você acha dos negros na sociedade?’ ‘a mesma coisa que eu acho dos japoneses’. Nós temos muitos exemplos de mulheres interessantes, uma que eu me surpreendi foi a Dilma, ela, de certa forma, representa as mulheres com as quais eu convivo, principalmente porque ela encara os problemas e bate de frente com muitos homens. Eu não tenho essa visão de mulheres modernas e mulheres não-modernas, pra mim, isso se dá da mesma forma que existem homens modernos e não-modernos.” Bruno Varandas, 25, diretor de criação.
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(Des)Orientação Pesquisa aponta o conservadorismo sexual nas revistas teen
Créditos: Procsilas
Luis Paulo Isnard
As dúvidas perturbam a paz dos seres humanos há gerações. Ninguém nasce sabendo tudo, tampouco aprende esse tudo durante a vida. Algumas perguntas não podem ser respondidas, outras parecem requerer uma resposta imediata. Quem consegue esperar um mês por uma resposta? Principalmente se esta resposta estiver ligada às
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questões íntimas, como o amor. Todos os meses, dezenas de garotas enviam cartas e e-mails para as redações das revistas adolescentes em busca de respostas para indagações complicadas. Repórteres recém-formados mudam de profissão e tornam-se conselheiros de uma porção de meninas que passam pelo despertar da sexualidade e que preferem
confiar as soluções de seus problemas a fontes mais impessoais. Uma pesquisa feita pela psicóloga Marcela Pastana apontou que em muitos casos, as revistas podem influenciar de forma incisiva na compreensão das dúvidas e na sexualidade de uma leitora. Durante todo um ano, a pesquisadora analisou duas revistas teen de editoras concorrentes e compa-
rou as respostas dadas para garotas heterossexuais com as obtidas por meninas que assumiram a homossexualidade. “A heteronormatividade é muito frequente nos discursos da mídia em geral, e foi identificada de forma bem intensa nas revistas para adolescentes”. Em outras palavras, há nas respostas para as dúvidas de garotas gays uma tentativa de ajustá-las ao relacionamento padrão. O MELHOR AMIGO Um dos exemplos que melhor ilustram essa situação é a situação na qual a garota se apaixona pelo seu melhor amigo. Quando este amigo se trata de um menino, a resposta é composta de um conselho e um estímulo ao relacionamento, porém, ao se tratar de outra menina, a solução mais apresentada é o questionamento. De acordo com Marcela, resposta como “pense no que está fazendo” ou “ainda é muito cedo para se apaixonar” são frequentes para as dúvidas gays enquanto meninas heterossexuais têm a mesma pergunta respondida com “um namoro que nasce de uma amizade tem tudo para dar certo”. Na maioria dos casos, as redações
das colunas de dúvidas são acompanhadas por psicólogos, que podem ser até mesmo o responsável direto pela resposta dada, sem cortes, afinal, se trata da palavra do especialista. Mas como justificar tamanha injustiça tendo em vista a participação de uma profissional treinado para auxiliar as pessoas na plena compreensão de seus se-
“A heteronormatividade é muito frequente nos discusos da mídia em geral” res? A resposta está no código de ética da Psicologia. Alguns profissionais mais retrógrados nas questões sexuais descumprem desrespeitam as novas normas de condutas na abordagem da sexualidade. Pastana afirma em seu estudo que “alguns psicólogos que buscam repatologizar a homossexualidade como condição de possibilidade para a prática de terapias de conversão.” Esta atitude fere a o artigo segundo da resolução feita em 1999 pela Conselho Federal de Psicologia que diz que psicólogos devem usar
seu conhecimento para auxiliar na diminuição de preconceitos, e não reforçá-los. Em contrapartida à pesquisa de Marcela, a repórter Laís Modelli, que já trabalhou para revista de público adolescente e era responsável pelas dúvidas das jovens, afirma que muitos casos eram acompanhados por psicólogos e as respostas não eram diferenciadas. “Não havia diferenças, na maioria das situações gays tentávamos tratar igual”. Entretanto a repórter afirma que existe um espaço só para dúvidas gays, o que, segundo Marcela, já caracteriza diferenciação. Outro desafio encontrado pela redação são as dúvidas que podem expor demais as leitoras. “Recebíamos cartas de meninas confessando paixão pelo padrasto ou relatando abusos. Éramos aconselhados a não tentar fazer julgamento prévio de nenhuma dúvida das leitoras”. Em um ponto porém não há divergência. “A melhor forma de se orientar é com ajuda dos pais, com diálogo” afirma Pastana. “Nas edições da revista sempre aconselhávamos conversas com os pais”, conta Laís.
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As mulheres estão chegando
e vieram pra ficar!!
Bárbara Belan
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las se escondem atrás de fardas, uniformes, tatuagens ou até mesas de escritórios. Passam o dia dando e recebendo ordens de homens, com poucas amizades femininas ao redor para poder perguntar se a maquiagem ta boa ou se aquela alface ficou presa no dente, mas são mulheres normais, vaidosas, emotivas, e cheias de histórias pra contar. Apesar de estarmos no século XXI algumas profissões ainda são vistas como masculinas e muitas pessoas reagem com estranhamento quando encontram mulheres ocupando esses cargos. Foi por isso que resolvemos entrevistar algumas mulheres que desafiam esses preconceitos para que elas possam contar como é ser ela no meio deles. Para começar a policial. Eliana Spada é casada,
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Arquivo pessoal
Muitas profissões ainda são vistas como masculinas pela nossa sociedade e as mulheres que decidem se aventurar nesse mundo contam como é ser uma entre todos
Eliana cursou a Academia de Polícia com apenas mais uma mulher na turma.
mãe de três filhas e investigadora policial há 24 anos. Ela conta que fez dois anos da Academia de Polícia, onde aprendeu defesa pessoal, tiro e manuseio de armas, mas nunca precisou colocar isso em prática. “Quando cheguei à cidade de Santa Bárbara, onde trabalho até hoje, éramos em 10 policiais, sendo apenas eu mulher, e não foi permitido que eu saísse na rua com eles para trabalhar. Então fiquei como agente interna”. Essa resistência por parte dos investigadores em aceitar Eliana em campo era recorrente, e no começo foi difícil, mas depois ela acabou aceitando: “No início tudo é muito bonito então já assumimos o cargo com aquele “gás” de querer prender, atirar. Mas com o passar do tempo percebemos que é uma
profissão muito perigosa e nós mulheres que somos mães tememos pela nossa integridade física bem e dos nossos filhos.” E para quem acha que por trabalhar cercada de homens o dia todo a mulher não consegue se cuidar, isso não é um problema para Eliana. Ela conta ser muito vaidosa, e já fez até pelling e aplicações de botox, além de freqüentar o salão e a academia. Apesar de sofrer alguns preconceitos de colegas, a investigadora conta que as pessoas acham o máximo quando ela conta sua profissão, e suas filhas acham a mãe poderosa, afinal quem não gostaria de ter uma super mãe capaz de defender e atirar em qualquer pessoa que ameace sua família? As filhas de Eliana gostam. Outra mulher que desa-
lher nesse meio. “Aconteceu uma vez de uma pessoa desmarcar quando viu que era uma mulher que ia assumir o trabalho que ele estava querendo. Eu fiz o desenho, mostrei pra ele, mas mesmo assim ele desmarcou.” Também costuma acontecer o contrario. Muitas
“
Aconteceu uma vez de uma pessoa desmarcar quando viu que o tatuador era mulher
”
mulheres preferem se tatuar com tatuadoras porque se sentem mais a vontade. E como a procura de mulheres pela tatuagem está aumentando Eveline afirma ter mais clientes mulheres do que homens.
Mas não é só a tatuadora que sofre preconceitos. A mulher tatuada também recebe olhares de desaprovação. “Ainda existe certo grau de tolerância do quanto uma mulher é tatuada. Elas fazem tatuagem com qualquer idade, mas é em quantidade pequena, em tamanho reduzido e lugares discretos. Isso é tolerado pela sociedade. Uma menina com o corpo inteiro tatuado sofre muito mais preconceito que um homem com o corpo todo tatuado para arrumar emprego, parceiro...então a tolerância é até certo ponto.” Na maioria das vezes a diferença na quantidade de homens e mulheres em uma profissão já se reflete dentro da faculdade. Segundo a Seção de Graduação da Faculdade de EnBárbara Belan
fia os padrões da sociedade é Eveline Jacob. Com cabelo azul e dez tatuagens pelo corpo acha um absurdo uma mulher ganhar menos que um homem na mesma função em uma empresa, e afirma que a mulher está conquistando seu espaço e esse é um caminho sem volta. Eveline, formada em design e estudante de artes sempre gostou de desenhar e se interessou em aprender a fazer tatuagem depois que teve o corpo tatuado pela primeira vez. Sua primeira tatuagem como tatuadora foi feita em sua mãe, que serviu de cobaia e sempre apoiou a filha. Ela comenta que costuma ser respeitada como profissional, mas já sentiu o preconceito por ser mu-
Além de tatuar, Eveline é ilustradora e pretende abrir um estúdio e conciliar as duas profissões.
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Bárbara Belan
Bárbara Belan
Laís é estudante de engenharia e muito vaidosa. “Só em semana de provas que deixamos a vaidade um pouco de lado porque não dá tempo, mas costumo me cuidar sim!”
genharia de Bauru, a FEB, dos 1.218 estudantes dos cursos de engenharia, 996 são do sexo masculino e apenas 222 do sexo feminino. Até mesmo na docência dos cursos nota-se uma diferença, já que os departamentos de engenharia mecânica e elétrica não têm nenhuma professora. O vice-diretor da FEB, professor Dr. José Ângelo Cagnon afirma o aumento do número de mulheres nos cursos de engenharia é visível. “Se pegar de trinta anos atrás para os dias de hoje a presença feminina na engenharia tem aumentado. Logicamente que tem curso que tem uma tendência maior a ter mulheres como é o
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caso da engenharia civil e de produção. A mecânica e a elétrica ainda tem uma quantidade pequena.” Mas o próprio professor afirma que as engenheiras costumam ficar mais nos escritórios, pois ainda existe uma certa resistência: “se pegar engenharia civil vai trabalhar em campo com peão? Existe essa possibilidade, mas tem a possibilidade de trabalhar em escritório planejamento, projetos....” A estudante de engenharia mecânica Laís Nicoletti sabe que o curso não é fácil, mas decidiu deixar o preconceito de lado e encarar a mecânica porque sempre gostou muito da área de exatas. Ela conta que até hoje
sente resistência por parte da família, mas em compensação as amigas que fazem outros cursos a tratam como se fosse a inteligente da turma, pela dificuldade dos estudos. Tem apenas seis meninas na sala dela e ela já está acostumada a andar com vários meninos. “Os meninos tratam a gente normal. As vezes eles falam alguma besteira e depois falam: a agente esquece q a Laís ta aqui. Mas é bem de boa.” Quando pergunto sobre salário ela reflete e afirma acreditar que apesar de estarmos no século XXI existem diferenças no salário, e não acredita que vai conseguir ganhar o mesmo que um homem. Ao mesmo tempo conta que tem um tio que é engenheiro mecânico e ele disse que se tivesse que escolher entre ela e um homem para o mesmo cargo provavelmente a escolheria. Policiais, tatuadoras e estudantes de engenharia avisam: as mulheres estão chegando e vieram pra ficar.
A forte mulher de Nelson Rodrigues Como o dramaturgo representava as moças cariocas do século 20 e porque isso é até hoje marcante Alexandre Nogueira
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a precoce carreira jornalística nos anos 30 à fama que lhe rende homenagens neste ano que é comemorado o seu centenário, a vida e a trajetória de Nelson Rodrigues percorreram a história brasileira no século 20. Foi ele quem criou o teatro moderno nacional, com Vestido de Noiva, em 1943, quem mais exaltou o futebol da geração de Pelé nos anos 60, quem conquistou inimizades por se alinhar à ditadura dos anos 1970. Do teatro ao futebol, ele escrevia sobre tudo, usando como principal personagem a classe média carioca. Nelson representava-a em todas as suas vertentes, inclusive com o seu próprio modo de falar. Por conta dessa característica de linguagem, o dramaturgo muitas vezes foi criticado. Essa forma de comunicação popular não era bem aceita pela crítica. Para o professor da Unesp, Wagner Francisco Araújo Cintra, o teatro ainda era muito influenciado pelos moldes antigos, que era mais eloquente e poético. Como o próprio Nelson dizia, ”meus diálogos são realmente pobres. Só eu sei o trabalho que me dá empobrecê-los”. Por conta dessa nova interpretação, Nélson mudou a história do teatro brasileiro. Sua peça Vestido de Noiva, de 1943, dirigida pelo polonês Ziembinski, iniciou uma nova fase na dramaturgia nacional, com o surgimento do teatro moderno. Para Wagner houve mudança na própria arte de se fazer teatro. “Antes
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de Nélson Rodrigues, o teatro brasileiro era muito cru, muito sem graça, as peças eram bem escritas, mas sem nenhuma dose de ousadia. Graças a ele, o teatro se tornou uma verdadeira arte, uma indústria respeitada internacionalmente. Foi uma transformação que o cinema brasileiro ainda não sofreu”. Nélson também mudou a vida da estudante Laura Nogueira. Ela diz que antes de pensar em fazer artes cênicas, queria prestar Rádio e TV. Isso começou a mudar graças ao pernambucano. “Quando adolescente, minha mãe sempre me incentivava a ir ao teatro, o autor que eu mais gostava era o Nélson, eu ficava encantava com a qualidade das suas encenações e decidi naquela época que eu ia fazer faculdade de artes cênicas”. Laura lembra que a primeira peça que ela atuou na faculdade de Artes Cênicas foi “Vestido de Noiva “ interpretando a prostituta Geni. A estudante comenta que foi a peça mais difícil que ela já fez na vida. ”A personagem possui uma personalidade muito forte, foi muito complicado entrar na pele dela. Além disso, retratar uma garota de programa não é nada fácil, eu tive que fazer uma transformação na minha personalidade”, explica.
Existem histórias curiosas a respeito das peças de Nelson. Quando foi montar “Toda Nudez será castigada”, ele teve grande dificuldade para achar a atriz que interpretaria a prostituta Geni, de tão polêmica que essa personagem era na época. A primeira escolha dele seria Gracinda Freire, que recusou o papel dizendo o seguinte: “depois de ler as três primeiras páginas, tive a convicção de que jamais poderia interpretá-lo (o papel de Geni). A personagem principal me repugnou. Nelson Rodrigues é o maior comerciante do teatro. É o dono absoluto da indústria do sensacionalismo”. O dramaturgo convidou, então, a atriz Tereza Rachel, que abdicou do papel sob a afirmação de que a obra era ruim. Até mesmo Fernanda Montenegro teve que desistir da peça devido a compromissos profissionais que ela realizava na época. Sobrou então para a iniciante Cleyde Yáconis representar a polêmica Geni. Além de Geni, várias outras personagens do pernambucano marcaram e ainda marcam o imaginário brasileiro . Como se esquecer de “Aleide” de “Vestido de Noiva” ou ainda “Ritinha” de “Bonitinha mas Ordinária”. São mulheres que, ao longo de sete décadas,
espalharam pelo país a imagem de uma classe feminina forte, em quem os efeitos da repressão familiar, religiosa e social foram desastrosos, levando-as ao crime, ao ódio, ao assassinato e ao suicídio. Uma frase que representa bem a mulher a qual retrata “prefiro mil vezes ser pervertida do que idiota”, diz Lúcia em Vestido de Noiva. Por todas essas razoes, Wagner considera Nelson o maior dramaturgo que o Brasil já teve. “O maior mérito do Nelson foi ter libertado a personagem da aparência unitária do consciente” e “trazer à tona as forças da subconsciência”. Por isso a mulher de Nelson Rodrigues não é nem moderna, nem antiga: é atemporal, assim como muitos dos temas que o pernambucano tratava. É o caso dos incestos, dos homicídios e das traições. Junte-se a eles também as histórias envolvendo o aborto, o homossexualismo, a violência doméstica, a reprodução assistida, a prostituição, entre tantos outros temas longe de terem sido digeridos e que ainda chocam plateias e leitores. Isso representa bem o que era Nelson, mesmo depois de vinte e cinco anos de sua morte, ainda comenta-se muito das suas peças, livros e crônicas.
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Eco logicamente correto, até que ponto? Thatianna e Oliveira
A febre do “ecologicamente correto” tem afetado todos os setores sociais: política,economia, e por que não a moda? Flanêur, Iódice e Osklen exibiram vitrines baseadas na sustentabilidade,ou seja, é a tradução da ética ambiental em produtos de moda. Os tecidos ecológicos vão desde o couro vegetal até tecidos feito a partir de garrafas PET. As promessas são de preservação e conscientização ambiental, afinal não basta um produto ter procedênciasustentável,normalmente, ele tem que conter alguma mensagem em seu exterior que mostre seu caráter correto. O consumidor que compra tal peça, partilha da mesmaideologia,conformerelata a consumidora Sônia Magalhães: “Eu gosto de usar roupas naturais, porque além de confortáveis, elassemprepossuemmensagens favoráveis ao meioambiente, que traduzem o que eu penso”.
“Muitas pagam mal seus funcionários, não se preocupam em nada com a reutilização de materiais ou mesmo poluem o ambiente e depois lançam coleções ecologicamente corretas. Pura hipocrisia.” Há críticas sobre a utilização de materiais ecológicos e uma interrogação sobre até que ponto eles são ambientalmente bons. “Muitas marcas utilizam esses produtos para causar uma boa visão mercadológica. Muitas pagam mal seus funcionários, não se preocupam em nada com a
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reutilização de materiais ou mesmo poluem o ambiente e depois lançam coleções ecologicamente corretas. Pura hipocrisia.”, declarou o economista Marcos Antônio Ribeiro. E ainda sobra a dúvida sobre suas procedências e consequências ambientais, como é o caso da problemática do “couro ecológico”. Até mesmo um produto que seja feito a partir de substâncias naturais, pode ser prejudicial à natureza se estiver explorando-a. Daí, entra a questão da vigilância dessas empresas, que é outro problema grave no Brasil. A palavra chave para o “ecologicamente correto” é o “consumismo sustentável”. E ele não está
A palavra chave para o “ecologicamente correto” é o “consumismo sustentável”. no estímulo para que as pessoas consumam mais produtos considerados ambientalmente corretos. E sim, na conscientização das pessoasparaqueestasconsumam menos. Outra medida que sempre conta a favor do meio ambiente, é a reciclagem. Um bom exemplo são os tecidos feito a partir de garrafas PET.
Há 5 anos, Sonia opta por compra tecidos ecológicos.
A problemática do couro ecológico Há muitas formas de confeccionar o chamado “couro ecológico”: borracha de seringueira, polímero, e até mesmo o couro animal. Mas todas as alternativas geram conflitos ideológicos e ambientais. Até mesmo a denominação “couro ecológico” estaria inconstitucionalmente errada. O artigo 8º da lei 11.211/05 diz: “é proibido o emprego (…) da palavra “couro” e seus derivados para identificar as matérias-primas e artefatos não constituídos de produtos de pele animal”.
Encontra-se grande variedade de couros sintéticos.
O material produzido a partir do polímero, evita a matança de animais. No entanto, é um derivante do petróleo, demora para se degradar no meio ambiente e gasta muita energia para ser produzido. Segundo Luiz Carlos Faleiros, responsável pelo Laboratório de Couros e Calçados do IPT (Instituto de PesquisasTecnológicas), esse tecido só não prejudica o meio ambiente quando é feito de polímero reciclado. Matheus Rocha, fabricante de bolsas de couro, levanta mais uma questão. “Eu sou fabricante de bolsas e cintos de couro, porem sou totalmente contra ao uso de pele animal que é batido somente para o uso de sua pele Mas, se não houvesse a comercialização
de couro bovino hoje, qual seria a solução para esse monte de pele que é extraída diariamente nos matadouros?”. O couro da tilápia também advém da morte de peixes. Então, vale o mesmo argumento sobre a proteção dos animais. Já o tecido da borracha da seringueira, conhecido como couro vegetal, seria uma boa opção para substituir o couro animal. Ele é resistente e versátil, se decompõe no solo de 3 a 5 anos, apresenta respirabilidade superior à do sintético e o preço do produto fica entre o couro animal e o sintético. Por outro lado, é necessária uma fiscalização ferrenha sobre seus produtores para que eles usem árvores de reflorestamento.
“Couros ecológicos são aqueles menos poluentes, que usam substâncias naturais ou biodegradáveis, têm menos restrição de mercado e usam menos água”.
Gerusa Giacomolli, técnica responsável pelo Centro Tecnológico do Couro do Senai, defende o uso do couro animal, e diz que“couros ecológicos são aqueles menos poluentes, que usam substâncias naturais ou biodegradáveis, têm menos restrição de mercado e usam menos água”. Ou seja, até mesmo os couros animais podem ser ecológicos se respeitarem os parâmetros ambientais.
Bom exemplo nacional: Tecido de garrafas PET Os tecidos feitos a partir da garrafa PET são 15% mais leves e proporcionam uma economia de 30% de energia se comparados ao Poliéster. Antes de ser transformada em fibrade poliéster, a garrafa é lavada, moída e secada. Assim, vira um grão que vai para a fiação. Emseguida, vem o processo de tecelagem ou malharia. O Brasil é o país que mais recicla garrafa PET, entre aqueles que não possuem coletaseletiva. Segundo dados da Associação Brasileira de Embalagem, em 2008, mais de 54% dosprodutos consumidos foram reciclados, totalizando 253 mil toneladas. Até a Seleção Brasileira de Futebol entrou no clima do ecologicamente correto. O tecido foi aplicado na confecção da camiseta da Seleção, usada na Copa do Mundo da África do sul. Imagina se todos os times de futebol do país aderissem à essa moda? “Existem no Brasil 773 times profissionais registrados na CBF. Além desses times,existem os times das escolas, dos municípios, dos clubes, etc. Fui buscar dados no IBGE e cheguei a um número aproximado de 25 mil times. Se considerarmos a confecção de 35 mil camisetas, estamosfalandodoreaproveitamentode 630 mil garrafas por ano.” Ricardo Carvalho, especialista em sustentabilidade.
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Alimentação Viva
Dieta promove saúde e sustentabilidade ao extrair a vitalidade máxima do alimento Beatriz Almeida Fotos: Arquivo das entrevistadas
Preocupação com a saúde e busca por alimentação saudável são hábitos convergentes e que participam da vida de muitas mulheres. Propostas saudáveis costumam ser caras, mas acabam funcionando como via de compensação do pragmatismo urbano e como contestação à premissa de que rotina urbana e atitudes saudáveis são inconciliáveis. Para a gastronomia viva, a proposta de alimentação como fonte de bem-estar vai além do colorido de pratos estampados em semanários de receitas e enxergaanecessidadedeextrairelementos íntegros da natureza e de agregar ao corpo nutrientesintactosdosingredientesdadieta,formadabasicamenteporfolhasefrutos. Quando o assunto é alimentação saudável, o cardápio cru merece relevância. Thabata e Aline são crudívoras e explicam: “A alimentação viva é livre de intervenções que possam destoar os nutrientes de suas propriedades naturais.”; “Nada vai para o fogo, é tudo preparado com alimentos crus.” Thabata Lemos e Aline Santolia são estudantes de nutrição e economia respectivamente. As duas participam do projeto Terrapia, voltado para pesquisa e desenvolvimento da gastronomia viva, junto a Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro. Elas explicam que esse tipo de alimentação está totalmente relacionado à busca pela vitalidade dos ingredientes. Para elas, Nada vai para o termo resume o conceito de alimentação o fogo, é tudo viva:“Essa palavra define muito do que trapreparado com balhamos” afirma Aline.
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alimentos crus.
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Alimentar-se de vida sugere a ingestão de frutas, legumes e verduras sem a perda de sua função nutritiva original. Ainda segundo Aline, o vigor natural da comida é preservado nesta forma de nutrição porque se impõe limite ao calor fornecido aos ingredientes na cozinha. “Na maioria dos casos os pratos são frios, mas quando precisam de aquecimento, deixamos amornar ao sol ou com alguma fonte de fogo próxima, nunca além do que as células suportam”. Pensando nisto, um grupo de pessoas no mundo todo estuda formas de se alimentar através de grãos germinados recém-colhidos e que, segundo Thabata, se encontram no auge de sua vivacidade. Thabata comenta que o projeto na qual trabalham no Rio tem a ideia de unir não apenas os princípios de uma alimentação totalmente saudável, mas concilia-lo a um modo de vida sustentável, sem agredir o meio ambiente e procurando a harmonia entre os elementos da Terra: “Por isso o movimento também é denominado comoummovimentoecológico.”,salienta. A germinação de um grão não é tarefa fácil e exige grande envolvimento com a alimentação, conforme aponta Aline: “Participamos de cada etapa do cultivo, somos nós mesmas que preparamos os grãos e os cultivamos até a germinação”. O processo funciona a partir do momento em que se adiciona água às sementes. Os grãos levam mais ou menos de dezesseis horas para começar a germinar. São consumidas as sementes depois de germinadas ou os brotos de cereais e leguminosas. O processodegerminaçãotornaosnutrientes mais digeríveis e mais ricos em vitaminas e proteínas. A vitamina C, por exemplo, é praticamente inexistente no grão de trigo comum, mas no grão germinado aumenta em até seiscentos por cento o seu teor. Os benefícios do consumo de alimentos crus para a saúde são extensos: vão desde o cuidado estético com corpo - uma vez que se alimentar a base de brotos, legumes, frutas e verduras promove o emagrecimento de forma gra-
HUMMM dual e sadia - até a prevenção de doenças, infecções e alergias, muitas vezes relacionadas ao consumo de produtos de origem animal e à ingestão de altos índices de conservantes e corantes concentrados. Foi o médico húngaro Edmond Székeli, principal pesquisador do assunto, que classificou os alimentos de acordo com a energia vital neles presentes em diferentes categorias: biogênicos (que favorecem a geração da vida): sementes germinadas e brotos; bioativos (ativam a vida, por ainda manterem a vitalidade): frutas, legumes, verduras frescas e cruas; bioestáticos (mantém a vida): alimentos cozidos, congelados e refinados; biocídicos (consomem a vida): alimentos com produtos químicos ou radiações, conservantes e aromatizantes. Thabata comenta que o corpo é energizado após apenas alguns dias de dieta. Segundo ela, o corpo passa a rejeitar hábitos comuns à culinária típica e se mostra muito mais disposto: “Cortados os biocídios, em poucos dias o nosso metabolismo se acostuma com a ausência deles, o apetite por alimentos difíceis deserdigeridosdesapareceeasenergiasserenovam.”. A princípio a ideia pode parecer pouco convidativa ao paladar, masThabata refuta:“O cardápio estimula o retorno às origens naturais de nossa alimentação e a adaptação de pratos típicos pode ser deliciosa. É uma verdadeira experiência de criatividade e sensações.”Existem dezenas de websites nacionais e internacionais direcionados à alimentação crua que fornecem receitas tradicionais recriadas. Quem duvida da gama de opções que o cardápio oferece por sua rigidez quanto às limitações pode ser surpreendido. As opções são muitas, e vão desde um cardápio básico composto por saladas até molhos elaborados, lasanhas emdiferentesversõesesobremesasvariadas. Uma lasanha preparada com elementos crus? Sim, é possível! A receita a seguir foi extraída do livro “Cruzinha Viva”, elaborado pelo projeto Terrapia no qual Aline e Thabata trabalham: 4 berinjelas médias, 150 gr de grão de bico germinado e descascado; Caldo de 2 limões, 1 dente de alho poró; Sal e molho tipo “shoyu” a gosto. Para preparar, comece cortando o alho poró em anéis e deixando-o marinar no molho de soja “shoyu” por pelo menos uma hora. Em seguida, corte as berinjelas em fatias finas, amasse-as com sal e limão e coloque-as em uma vasilha de vidro. Reserve e passe para o grão de bico. O grão de bico deve ser amassado com o auxílio de um rolo de pastel ou um vidro comprido que ajude na remoção das cascas. Laveepeneireatéqueascascassejamquasetotalmente extraídas. Faça uma pasta com o grão descascado, alhoesal.Senecessário,acrescenteumpoucodeágua para dar cremosidade ao molho. Coloque a primeira camada de berinjela ao fundo de um refratário e sobre elaomolhodegrãodebico,assimsucessivamente,até a última camada em que deve ser adicionado o alho poró marinado. Deixe amornar ao sol ou no forno aberto com uma temperatura de 42 graus Celsius, ou até quando a mão suporte segurar o recipiente. O Terrapia existe desde 2009 e tem como propó-
Pizza preparada com alimentos vivos
A Torta doce proporciona energia para o dia inteiro
sito a gratuidade das informações e do conhecimento. Os membros promovem ações para orientar e receber novosintegrantes,estagiáriosedemaisinteressadosem aprender sobre o preparo e cultivo das sementes. Para aprender o processo de germinação dos grãos, tirar dúvidas ou saber mais sobre o assunto, acesse: http:// www4.ensp.fiocruz.br/terrapia/
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De peito aberto Com ou sem roupa, mulheres saem às ruas por igualdade e respeito Guilherme Weimann e Luis Paulo Isnard
Foto: Portal G1
A
história da humanidade é marcada pela misoginia. Os registros e a estrutura das sociedades primitivas já mostram a habilidade, discutível, de subjugar as mulheres desde o princípio. Ao longo dos séculos, a mulher lutou contra a diferenciação imposta pelos
ferramenta de repro- meiras manifestações dução pairou sobre as apareceram nas duas
sociedades antigas – umas nem tão antigas assim- e aterrorizou o sexo feminino. O movimento feminista surgiu mundialmente no século XIX, com o objetivo de lutar pela igualdade de gênero. No Brasil, desde a sua formação, o feminismo contém homens. O estigma um caráter essencialde ser apenas uma mente político. As pri-
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primeiras décadas do século passado, reivindicando o direito ao voto feminino, que seria conquistado apenas em 1932. Nos anos sessenta, com a revolução sexual propagada pela geração hippie e com a explosão das manifestações estudantis de maio de 68 na França, o movimento feminista
ganhou novo expulso e visibilidade que atingiu o seu ápice com a declaração na Assembleia Geral da ONU, em 1975, do Ano Internacional das Mulheres. Posteriormente foi organizada a primeira Conferência Mundial sobre as mulheres, na Cidade do México. O que antes era considerado privado, apenas renegado à vida doméstica, passou a ser tratado como problemas a serem resolvidos com ações e políticas públicas. As mulheres iniciaram pautas que se mantém até hoje, como a luta contra a violência da mulher, direito a autonomia do próprio corpo, equidade salarial, etc. No Brasil, o movimento feminista vivia a conjuntura da ditadura militar. Muitas foram perseguidas, por serem vistas como degradadoras da família e dos bons costumes. Pode-se notar que o feminismo, principalmente aqui, sempre esteve ligado com as causas políticas. Também no ano de 1975, é criado na cidade de São Paulo, sob a liderança de Terezinha Zerbini, o Movimento Feminino pela Anistia (MFA), que lutava pela redemocratização do país e pela anistia dos presos políticos e exilados. O movimento
desencadeou um movimento nacional que culminou com a Lei de Anistia conquistada em 1979. Aos poucos, direitos políticos e sociais foram devidamente atribuídos às mulheres. Contudo, ainda existem no mundo culturas que preferem retardar os direitos femininos. As injustiças não fo-
Maria Júlia Montero, militante do Movimento Feminista. Do direto ao voto à Lei Maria da Penha, as mulheres percorrem uma trajetória da igualdade a passos, muitas vezes lentos, mas constantes, desafiado por culturas que subjugam a igualdade sexual. A paridade entre os sexos é o desafio das
Protesto da marcha mundial das mulheres na Avenida Paulista
ram resolvidas do dia para a noite, mas a busca da igualdade colocou as mulheres nas ruas. Da queima dos sutiãs na América ao contestado Femen na Ucrânia, as manifestações pelos direitos femininos se apresentam ao redor do planeta. Esta é prova de que a as mulheres estão em busca incessante pelos seus direitos e também reforça o fato de que ainda vivemos diante de uma sociedade que desvaloriza o sexo feminino, afirma
mulheres. A evolução da tecnologia e das comunicações são hoje as ferramentas utilizadas para divulgar as agressões ao redor do mundo. Alguns movimentos já são consolidados na busca pelos direitos femininos como a Marcha Mundial das Mulheres, criada em 2000, propondo a autogestão das mulheres como sujeitas políticas em uma luta anticapitalista. “O grande problema para divulgar nossas reivindicações é a pró-
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pria mídia. O foco dado é sempre ao corpo.”, conta Montero. Durante a Cúpula dos Povos na Rio +20, mais de dez mil mulheres gritaram pelo fim da desigualdade sexual. Poucas integrantes se despiram. As que assim fizeram, ganharam as páginas dos jornais. “O corpo fala mais alto. Há grandes
esforços e iniciativas das casas de atendimento às mulheres vítimas de violência, por exemplo, e nada disso é divulgado pela mídia. Nem os problemas pelos quais passam essas instituições, como falta de funcionárias, e até de móveis”, afirma Lira Alli, militante do Movimento Feminista. Racha ideológico Apresentar ao mundo a necessidade de se
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tratar homens e mulheres da mesma forma pode ser um dos únicos pontos de convergência entre os grupos engajados na luta feminina. Movimentos como a Marcha das Vadias e o Femen preferem ações mais radicais e “visíveis” às lentes dos jornalistas. Há quase um ano a cena se repete. Basta uma rápida olhada pelos portais de notícias da internet e lá está. Duas ou três mulheres com os corpos pintados e os seios de fora são fotografadas com cartazes na mãoem muitos casos já sem os cartazes e sendo carregadas pelas autoridades- em algum protesto ao redor do mundo. O Femen ganhou notoriedade com seus protestos extremistas pelos direitos das mulheres e colocou nos jornais as lutas pelas quais acredita. Porém, sua tática é questionada. “Os protestos do Femen são recente, mas todas as nossas conquistas não. Não surgimos ontem. Temos uma trajetória e uma história de luta que não pode ser ignorada”, afirma Maria Ju-
lia Montero. A Marcha das Mulheres acredita que o Femen entrega ao mundo justamente aquilo que ele quer ver. Belas mulheres com os seios de fora. Por sua vez, o Femen aponta o excesso de teoria e formalidade dos movimentos mais antigos. “O movimento feminista atualmente é muito discutido em universidades por intelectuais. A luta é na rua.”, afirma a integrante Sara Winter.
Em seu site na internet, o Femen Brazil, com Z mesmo, afirma sua estratégia “sextremista”. De acordo com o grupo, a sociedade não está preparada para dar ouvidos às mulheres na forma tradicional de debate e a desta forma a exposição corporal se torna um artifício para atrair os meios de comunicação. A ex- integrante do Femen, Gabriela Santos, em depoimento ao site Jezebel (blog americano que discute o feminismo) afirmou que na triagem para os protestos a beleza conta pontos. Apesar dos diferentes pontos de vista, a materialidade dos fatos não deixa dúvidas sobre emergência em se debruçar na questão: a cada 15 segundos uma mulher é espancada no Brasil,
20% das brasileiras já afirmaram sofrer algum tipo de violência física, 10 mulheres morrem por dia devido à violência. Independente da linha ideológica, a problemática da mulher exige urgência em soluções.
Elas gritam seu estilo. Punk Feminista. A banda russa Pussy Riot colocou a Rússia sob fortes protestos após a condenação das integrantes após uma manifestação em uma igreja. O histórico delas ainda contém ofensas ao presidente Putin e à Igreja Católica Ortodoxa. Elas foram condenadas a dois anos de prisão por vandalismo. Na sentença consta que elas “não expressaram arrependimento por seus atos”. Dentre os simpatizantes da banda está, claro, o Femen e o premiado enxadrista enxadrista Garry Kasparov.
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Made in Roça Sara Donato busca quebrar estigmas dentro do rap Guilherme Weimann Arquivo pessoal
“Desencana! Vai lá Sara, tira o errê do seu sotaque, porque na capital você não vai ter sucesso cantando assim”. A são carlense Sara não pôde acreditar nas palavras que ouviu após a entrega da demo a um produtor cultural de São Paulo. O episódio resultou na música que a cantora apresentou na sequ-
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ência do desabafo, na “Noite Hip Hop” do I Acampamento Estadual do Levante Popular da Juventude, realizado no mês de setembro, na cidade de Cajamar, interior de São Paulo. Levante Popular é uma organização criada em 2006 no Rio Grande do Sul, que busca reunir jovens na
luta pela transformação da sociedade. O primeiro acampamento estadual simbolizou a consolidação do movimento em São Paulo. No palco improvisado para a primeira noite cultural, Sara teve tempo de acrescentar: “Não é porque a gente é do interior que muda alguma coisa”. Sara Donato cami-
nha em direção oposta ao atual cenário do rap feminino no Brasil, carregado de sensualidade. A rapper são carlense, de 22 anos, não rebola no palco, não corresponde aos padrões estéticos da mídia e canta músicas com teor crítico e rima forte. Sara fala de si quando canta “Made in Roça” e defende o rap do interior. Com “Bela”, fala da supervalorização da beleza estética. Única mulher entre seis homens do coletivo Sinfonia Gangsta Sara afirma que “Rap é compromisso”. E nos contou como leva o rap como uma militância feminista e social. Quando você conheceu o Hip Hop? Como começou a fazer Rap? Na verdade eu sempre gostei de rap, eu já tinha contato porque a minha mãe ouvia e meu irmão já tinha até um grupo. Eu passei a gostar e um dia do nada conheci umas meninas na frente da escola e falei: “vamos montar um grupo?”. E elas: “vamos.” A gente não tinha nem idéia
do que era escrever, a gente só curtia, mas não tinha noção como era. Daí a gente escreveu uma música num dia e no outro já foi cantar. Foi uma vergonha, um vexame o primeiro show. Mas foi dai que a gente passou a assumir “o rap é compromisso”. A gente tem que se dedicar e assumir mesmo, não da pra fazer de qualquer jeito. Foi por aí, treze pra catorze anos. Hoje em dia participo de um coletivo. A Sinfonia Gangsta é um coletivo de várias pessoas que já tem seus corres solos, de caras do Sk Family, do Intelectus, do Jhow Flow, que tem o corre dele solo, e eu, que agora estou lançando um EP. Como você analisa a presença feminina no Rap? A verdade, a mulher sempre existiu no movimento Hip Hop, só que ofuscadas pelos caras. E normalmente elas ficavam fazendo back atrás do palco. Sempre teve músicas falando sobre mulheres, mas sempre criticando. A minha idéia mesmo é passar infor-
mação e levar conhecimento. A minha idéia é cada dia mais levar conhecimento, não só pras mulheres, mas para os caras também. Porque o rap é isso, ritmo, poesia, mas também a informação, que é o principal. E eu também faço parte da Frente Nacional de Mulheres do Hip Hop, que foi criada em 2010 e é legal porque consegue criar um diálogo de mulher para mulher, que é mais fácil. E como é a realidade do rap no interior? Eu nunca pensei nessa parada de segregação, de dividir, mas, infelizmente, acontece. O pessoal da capital acha que o rap é focado lá e não abria muito os olhos. Na verdade, sempre teve grupos fortes no interior. Em Campinas, por exemplo, tem o Realidade Cruel, o Inquérito, que são grupos com fama nacional. Mas sempre tem aquela coisa: interior é caipira, puxa o erre, fala de rodeio, mas não tem nada a ver. A gente tá no mesmo estado, só separado por alguns quilôme-
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tros, mas a situação é a mesma, a saúde é precária, a educação é precária. Mas as pessoas não entendem... Como o cara que falou pra eu parar de puxar o errê, porque era errado, não ia ser aceito em São Paulo. Eu falei: Foda-se, não tô nem ai! Eu canto assim, vou mudar meu jeito pra quê? Pra agradar vocês? Eu não faço rap pra agradar alguém, ou pra alguém gostar e falar: “nossa, olha que bonitinha, a menina canta”. Qual é a influência da literatura marginal no seu trabalho? Eu sempre gostei muito de ler, sempre. Eu lia muitas coisas, mas eu nunca me identifiquei com essas coisas românticas. Eu gostava de coisas relacionadas ao Hip Hop. E eu tinha um amigo virtual que tive prazer de conhecer chamado Dedinho (Fábio de Osasco) que me deu de presente o livro Hip Hop a Lápis. Aí que eu comecei a descobrir que existia Sérgio Vaz. A Literatura Marginal é feita com uma linguagem popular, que atin-
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ge todo mundo. Pra mim é essencial, porque ela conta a realidade e bate de frente mesmo com o sistema. Mas foi quando eu conheci a Carolina Maria de Jesus, que eu falei: “nossa, quero escrever um som sobre isso”. Uma amiga minha me mandou um link de um Sarau, e lá uma menina recitou um pedaço de um poema que era do livro Quarto do Despejo. Depois disso, fui pra biblioteca, comecei a pesquisar e li dois livros dela. Se você pegar a história, ela é mais conhecida fora do que aqui, o livro dela foi traduzido pra mais de catorze línguas. Ela catava papelão, catava coisas pra vender, sustentava três filhos, um de cada pai. Ela sofria preconceito por ser negra, ser mãe solteira, e ainda ter um filho de cada pai, e ainda tinha que trabalhar pra sustentar os filhos. Ela falava que a fome era amarela, porque por passar tanta fome enxergava tudo amarelo. Ela chegava a desmaiar de fome. Ela
falava que o maior obstáculo pra ela é ter o que comer.
E qual é a sua relação com o Levante? Eu conheci o Levante faz um ano. Eu conheci através da Babi (coordenadora da célula de São Carlos), que me chamou pra ir no ato pela Retirada Das Tropas do Haiti, que teve em São Paulo. O levante não dá pra explicar, é uma coisa essencial, mas tem que chegar pra toda população. A maioria ainda é universitária, de cursinho, mas a Babi tá fazendo um trabalho muito bom em São Carlos. O Levante e o rap são a mesma coisa, luta pelos mesmos ideais, não tem porque não unir. Pra mim, cantar aqui foi emocionante, até porque, quem não é visto, não é lembrado. Eu falo que eu sou mente fechada. E eu sou mesmo, porque eu filtro o que é bom. O que é ruim eu nem deixo entrar. Na verdade, ainda hoje, existe muito preconceito com o rap, apesar de estar na mídia. Mas o rap tá aí pra revolucionar, a gente tem que usar as ferramentas disponíveis. A voz e o conhecimento ninguém tira da gente.
MEDO OU ADMIRAÇÃO PELA PM
pessoas inocentes estivessem envolvidas. A justiça de SP acusou, na década de 1960, um delegado chamado Sérgio Paranhos Fleury de integrar o chamado “Esquadrão da Morte”. O método era Alexandre Nogueira simples. Pegavam um preso da Dia 2 de Outubro de 1992: A casa de detenção e o fuzilavam na PM de São Paulo, com autoriza- periferia de São Paulo. Forjavam ção do governador do Estado, o crime, a perseguição policial e invade o Pavilhão 9 da Casa de a resistência dos bandidos. E, asDetenção, no bairro do Carandi- sim, justificavam as execuções. ru, zona Norte da Capital. Uma Oficialmente não havia nada de briga entre presos no dia an- errado. O que existia era a resposterior faz explodir uma tensão ta da polícia da capital ao crime. que crescia há dias. Os detenA entrada da PM na Casa tos se dividiam entre dois gru- de Detenção seguiu essa lógica. pos rivais. Como de costume, Poucos dias antes da invasão, o haveria brigas, acerto de contas presidente Collor sofre impeae novas lideranças surgiriam. chment; a inflação era alta,assim O dia da invasão “coincidiu” como o desemprego e a falta de com a véspera das eleições mu- perspectivas. Quando os presos nicipais. Como sempre acontece perceberam que a PM iria invana politica brasileira, autorida- dir o Pavilhão 9, eles decidiram se des públicas tomavam suas ati- render. Ficaram nus, o que é uma tudes pensando nas urnas. O que conduta de rendição em todos interessa em véspera de eleição os presídios do mundo. Pessoas é fazer de tudo para prejudicar nuas não escondem armas. Antes os rivais e promover de algum dos soldados entrarem no Pavimodo os aliados, mesmo que lhão 9, muitos presos jogaram no isso traga consequências futuras. pátio interno, pelas grades, seus Em São Paulo, há um culto à estiletes, facas e outras armas que morte e à força policial. Percebe- possuíam. Eles sabiam que não -se isso nas declarações dadas tinham chances contra a PM. pelo governador Geraldo AlckDo lado de fora, oficiais da min, depois da ultima operação PM prepararam os soldados. Eles da ROTA, na qual nove pessoas foram perfilados e amedrontamorreram :“Quem não reagiu dos. Foram informados de que está vivo”. Para a classe média os presos estavam se espetando paulistana, polícia boa é a que com estiletes e facas, para conmata. Desde a década de 1950, taminar com o vírus da Aids os as autoridades públicas apren- policias que entrassem no Pavideram a usar eleitoralmente esse lhão 9. A estratégia dos oficiais pensamento macabro no Bra- foi simples: soldados amedronsil, em especial em São Paulo. tados puxariam o gatilho de suas Nos períodos em que a in- armas com mais facilidade. Housegurança aumentava, bastava ve oficialmente 111 presos mormatar alguns bandidos para que tos, uma verdadeira chacina. a população tivesse a sensação Após o Massacre do Carande que “algo estava sendo feito”, diru, disseminou-se em SP duas mesmo que nessas operações formas de pensar. A minoritária,
de que o que lá ocorreu foi uma barbárie, indigna de um país civilizado. A majoritária, que aplaude ações policiais espetaculares e que adora ver bandidos mortos às vésperas das eleições. Isso acontece até hoje, com ações como a da favela do Pinheirinho e a invasão do centro da capital paulista para expulsar os viciados em crack. Após 20 anos do massacre do Carandiru, o comandante da Operação, Ubiratan Guimarães, ingressou na política e foi eleito deputado por São Paulo. Tinha o número 111 no final de sua legenda, sendo muito bem votado. Pelo lado dos bandidos surgiu o PCC, cujo estatuto indica que o Massacre do Carandiru exigiu “organização”. Apesar dos impressionantes números de pessoas mortas pela PM de São Paulo, a população ainda se sente insegura. Só em 2012, 230 pessoas já foram mortas por ações da policia militar. O Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou a extinção da PM e a reformulação das polícias brasileiras.
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MULHERES UM SEXO NEM TÃO FRÁGIL ASSIM Beatrice Lesur
As mulheres costumavam se exercitar em academias, caminhadas, corridas, aulas de pilates ou dança. Praticar algum esporte, só se fosse para ser atleta mesmo. Hoje as coisas mudaram um pouco e as mulheres se cansaram da rotina repetitiva das academias e passaram a se dedicar mais ao esporte para manter o corpo saudável e de acordo com os padrões de beleza. Naturalmente, os esportes que vem à cabeça quando se fala de mulher praticando são aqueles coletivos mais comuns de encontrar times femininos: vôlei, handebol e até mesmo futebol. Mas, não são esses esportes que serão tratados aqui.
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“Além de emagrecer, existem vários movimentos (golpes) e exercícios diferentes, o que não deixa os treinos repetitivos”
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O individual A ideia da mulher como sexo frágil e que só pode praticar atividade com pouco contato físico e geralmente em equipe não existe mais, com a quantidade de mulheres que buscam as artes marciais como um meio de se exercitar. O Muay Thai é um exemplo e hoje em dia costuma-se encontrar inclusive turmas femininas nas academias. O Muay Thai é uma arte marcial tailandesa e se caracteriza pelo uso dos punhos, cotovelos, joelhos, canelas e pés para aplicar os golpes no adversário. É uma atividade de muito movimento e contato e dá ao atleta um excelente preparo físico e força em todo o corpo. Além de melhorar a ap-
tidão física do lutador e combater o sedentarismo, o muay thai possibilita o desenvolvimento de velocidade, flexibilidade e ainda considera-se que ajuda na concentração e auto-confiança. Por todos esses fatores que as mulheres tem se identificado com o esporte e passaram a procurá-lo como atividade física. Além da força e preparo físico, as mulheres querem estar com o corpo bonito e perder peso. O muay thai proporciona isso nos treinos, que são mais dinâmicos e envolvem tanto atividades aeróbicas como a própria prática da luta, com aparadores e sacos. Foi a dinâmica desse treino que atraiu Aline Aliberti, que pratica há três anos: “decidi fazer uma aula experimental e adorei, cansei muito no treino e vi que realmente seria um ótimo exercício para o que eu estava procurando. Além de emagrecer, existem vários movimentos (golpes) e exercícios diferentes, o que não deixa os treinos repetitivos”. Aline conta que decidiu treinar boxe para emagrecer e conheceu o muay thai por acaso quando foi fazer a aula experimental na academia. A partir disso começou a frequentar os treinos do boxe tailandês todos os dias da semana, conseguiu o resultado que queria, mas criou apreço pelo esporte e continua treinando para manter o corpo. “Agora toda vez que acontece alguma coisa que não posso ir ao treino, sinto muita falta”, conclui Aline. Ananda Mondini também escolheu o muay thai como atividade física há um ano e,
foto: arquivo
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diferente de Aline, seu objetivo era treinar para lutar como atleta. Ananda adquiriu o interesse pelas artes marciais e começou a pesquisar a respeito. Foi aí que conheceu o muay thai e começou a treinar. A preocupação com o corpo veio depois juntamente com a disciplina: “durmo muito melhor, me alimento melhor, antes eu ficava deitada no sofá o tempo todo, agora eu tenho vontade de me exercitar”, explica. Para Ananda não existe mais a ideia de um esporte ser masculino ou feminino: “hoje em dia está acabando o preconceito, acho que ainda tem um pouco, infelizmente, mas as meninas estão invadindo o espaço”. E mesmo que ainda pareça um esporte
extremamente violento para as mulheres, ela afirma que “com técnica a gente pode ver que não é tão violento como o pessoal pensa e a mulher também pode aprender”. Mesmo acreditando que as mulheres estão ganhando força no âmbito das lutas, Ananda defende que é preciso melhorar em alguns pontos a luta feminina no Brasil. O coletivo Não é só a luta que é considerada um esporte incomum para mulheres. Alguns esportes coletivos como o futebol americano, hockey e rugby, quando praticados por mulheres, também surpreendem. A surpresa acontece porque são modalidades de contato extremo, com empurrões,
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foto: Beatrice Lesur
nos estão surgindo e ganhando destaque. O rugby proporciona um ótimo condicionamento físico pela agilidade do jogo, segundo Bruno Ferraresi, que ajuda nos treinos para as mulheres em um time de São José do Rio Preto. “Quando você está com a bola na mão, não dá para cor-
rer de leve, é preciso acelerar o máximo que puder para o adversário não te alcançar e não te derrubar”, explica. Além do condicionamento físico, ajuda no emagrecimento e deixa o corpo bonito. A união da dinamicidade dos treinos e do bom resultado proporcionado pelo esporte atrai muitas mulheres e foto: arquivo
trombadas e quedas, que assustam e podem parecer violentos para serem praticados por mulheres. O rugby é um esporte originado na Inglaterra e é muito confundido com o futebol americano, pelo porte dos atletas e também pela agressividade que é vista nas partidas. Algumas regras o diferem do futebol americano, por exemplo: no rugby, a bola não pode ser lançada para frente a outro jogador, só para o lado ou para trás e também, quando um jogador é derrubado com um empurrão ou pelas pernas, o jogo segue normalmente. É por essas quedas permitidas que o esporte é considerado bruto para as mulheres praticarem. Mas, assim como nas artes marciais, as mulheres decidiram quebrar a ideia de que são frágeis e estão cada vez mais procurando treinos de rugby. Mesmo que ainda existam poucos times masculinos no Brasil, os femini-
A equipe feminina do time Javalis Rugby, de Bauru, treina para a participação de campeonatos no interior de São Paulos.
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com isso ajuda na divulgação da modalidade. Letícia Mouco treina há quatro meses e não tinha conhecimento do rugby, nem que havia time feminino. Um amigo que treinava no time de Bauru, Javalis Rugby, foi quem indicou e ela resolveu tentar. “Eu sempre fui adepta a esportes e na época estava lutando boxe. Como o rugby é um esporte de muito contato ele insistiu para que eu fosse, achava que eu levaria jeito. Por fim, eu fui conhecer e me apaixonei de imediato”, conta Leticia. E não foi só por gostar de esportes de contato, a questão da boa forma também chamou atenção: “O condicionamento físico me chamou atenção, afinal, que mulher não quer ficar com um corpinho em forma?”. Leticia explica que depois de conhecer as técnicas de queda, de empurrões e ataque, é possível observar que o esporte não é “um monte de brutamontes que trombam o tempo inteiro brigando por uma bola”. Ainda compara com o futebol e diz já ter visto muito mais agressividade e brigas de verdade em uma partida de futebol do que em um campo de rugby. As quedas e empurrões fazem parte das regras do jogo e por isso, com a prática e preparo é possível preservar todos os jogadores. Em muitos lugares, onde tem a prática do rugby no Brasil, os
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treinos masculinos e femininos são juntos, pelo fato de não existirem muitos times femininos completos. E mesmo assim, os treinos têm o mesmo nível e não são divididos exatamente por gênero, e sim pela capacidade que o jogador apresenta. Bruno Ferraresi explica que cada jogador deve ter uma habilidade especifica, dentre elas, agilidade, força e velocidade, e partindo dessas habilidades é que acontecem os treinos. Os treinos de tackle (quedas) são feitos separados entre masculino e feminino, por questão de cuidado com os jogadores. Leticia conta que “existem alguns treinos onde acabo treinando apenas com as meninas, mas existem muitos outros que envolvem o masculino. Claro, que não promovemos treinos de tackle com um jogador que tem 1,90 de altura e 100 kg contra uma menina com metade dessas medidas, isso machucaria com certeza”. Para ela a ideia de que a preservação da saúde dos atletas é um foco principal nos treinos. Quanto às lesões, por ser um esporte de contato extremo e quedas, vez ou outra o atleta se machuca, mas é por isso que os
treinos não são só para praticar as táticas de jogo, mas também adversário e como ele pode cair no chão sem lesões muito fortes. Conhecendo o esporte e se dedicando é possível ver que as lesões podem ser evitadas ao máximo. “Lógico que, como estamos falando de rugby, tacklear e cair em cima do adversário pode lesionar, sim! Mas isso é corriqueiro de qualquer esporte e posso afirmar que até agora nenhum esporte que eu conheci superou o futebol nos quesitos lesões dentro do campo”. É pelos treinos de queda e disciplina ao atacar o adversário que Letícia ressalta a ideia de que o rugby é um esporte brutojogado por cavalheiros.
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Pode lesionar, mas isso é corriqueiro de qualquer esporte e até agora nenhum esporte que eu conheci superou o futebol nos quesitos lesões.”
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A mulher que eu quero ser Inglaterra e Brasil, duas nações separadas não só por um oceano, mas também por trajetórias diferentes. Um país desenvolvido, um país periférico; uma potência em crise, uma economia emergente. Quantas diferenças são observadas quando comparamos a cultura e o estilo de vida dos habitantes de cada um? Equantas semelhanças? Serão as brasileiras e as inglesas duas espécies distintas de mulher ou dois exemplares bem semelhantes do gênero? Regiane Folter
Iguais tão diferentes Muito do que acontece por lá, Inglaterra, é imitado por aqui, Brasil. No Brasil, país emergente, com tantos problemas e deficiências, é comum ouvir dizer que a vida na Europa “não tem comparação”, que seus habitantes são mais civilizados e que a qualidade de vida é superior a nossa. Dentro dessa perspectiva, a mulher inglesa é vista como mais moderna, mais cosmopolita e ate mesmo mais evoluída. O período pós-Segunda Guerra Mundial inaugurou uma sociedade inglesa na qual a mulher se posicionou como independente e tão capaz quanto o homem. Já no Brasil, um país de tradição patriarcal, ideias de igualdade de gênero demoraram a chegar e ainda não se estabeleceram
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completamente. “Apesar das mulheres terem as mesmas aspirações, tanto na Inglaterra como no Brasil, a possibilidade de uma mulher brasileira realizar todas essas tarefas é diferente; isto é, se exige muito mais empenho de uma brasileira do que de uma inglesa”, explica o antropólogo Cláudio Bertolli. Tanto a mulher inglesa quanto a brasileira têm características em comum: trabalham fora, têm menos filhos, estudam mais tempo que os homens, prezam pela independência financeira. Mas enquanto na Inglaterra existe uma compreensão maior do papel que a mulher pode desempenhar, a sociedade brasileira tende a julgar aquelas que fogem do comportamento padrão: o homem como pro-
vedor, que sustenta a casa e trabalha fora; a mulher como a responsável pelo bem estar da família, que cuida do lar, dos filhos e do marido. Bertolli afirma que o machismo está enraizado na cultura e na consciência das mulheres brasileiras. Na Inglaterra, a mulher solteira que opta por não se casar ou as casadas que resolvem não ter filhos não são vistas como bichos de sete cabeças e suas escolhas podem não ser partilhadas por todos, mas são respeitadas. Já no Brasil, uma série de preconceitos atinge aquelas que fogem à regra: se não quer se casar, é sem-vergonha; se se destaca no mercado de trabalho, é sapatão, e por ai vai. “A [Margaret] Thatcher nunca foi considerada homossexual, mas a Dilma é”, exemplifica
o antropólogo. Família e carreira Elaine Laube da Silva, de 28 anos, sonha com o dia em que poderá acordar todas as manhãs ao lado do namorado. A publicitária compartilha com várias brasileiras o desejo de se casar e ter filhos, nem que para isso precise adaptar outros projetos de vida. “Quando você começa a dividir a vida com outra pessoa, você tem que repensar seu sonho, de modo que ambas as partes possam caminhar juntas. A carreira eu conquistei, e se eu perder posso conquistar de novo. A família é algo que não dá pra você perder e reconquistar”, diz Elaine. Segundo Bertolli, casar e ter filhos são cobranças feitas pela nossa sociedade católica e patriarcal, na qual a família é algo sagrado. Assim sendo, apesar de trabalhar fora e poder pagar as contas, a brasileira sente que precisa do casamento e da família para ser feliz. Na Europa, diferentemente, a família é um elemento fragmentado e opcional e o país enfrenta hoje problemas sérios na demografia. A professora Terri Mullholland, de 37 anos, é um exemplo de mulher inglesa que abdicou da família para investir na carreira. Apesar de ter um companheiro há 13 anos, Terri não vê espaço para filhos em seus planos de desenvolver uma tese de PhD. “Para mulheres na academia é particularmente difícil manter seu emprego e posição, já que precisam continuar publicando artigos mesmo quando estão de licença maternidade”, exemplifica ela, que observa em colegas pesquisadoras e mães de família um grande desgaste para manter ambas as
posições. A relações públicas Aline Gil Stein, de 30 anos, discorda que manter uma família e se desenvolver profissionalmente sejam posições difíceis de coexistirem. A gaúcha casada há dois anos e sem filhos acredita que sua prioridade seja a família, mas não pensa que um dia o marido vai obrigá-la a fazer uma escolha. “Acredito que se o relacionamento é estável e existe confiança no parceiro, é bastante simples conciliar trabalho e família”, afirma ela. Uma relação de cumplicidade também é o segredo para a garçonete Bedour Alshaigy, também chamada de Bee, que nasceu na Arábia Saudita, mas vive na Inglaterra há quatro anos. “Não diria que é fácil, mas muitas famílias conseguem fazer isso acontecer se tiverem o suporte dos parentes e amigos”, opina a jovem de 25 anos, que acha que esposas e maridos precisam manter seus empregos só por vontade própria, mas também pela necessidade, afinal contar com apenas um salário pode ser arriscado, ainda mais se tiverem filhos. Estudo Independente de suas opiniões envolvendo família e carreira, as quatro entrevistadas possuem algo em comum: todas passaram pela universidade. Aline, que está fazendo o curso de Direito, e Terri, que completou o mestrado na Universidade de Oxford em 2003, continuam na universidade; Elaine, formada em Publicidade, acalenta o sonho de fazer o curso de bacharel em Música e Bee completou o mestrado em Ciências da Computação e resolveu dar um tempo nos estudos e tentar
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a sorte no mercado de trabalho. “Foi difícil encontrar um trabalho na minha área porque não tinha experiência, mas como ter experiência sem trabalho? Então decidi tentar alguma coisa diferente – e pagar as contas!”, diz Bee, explicando como foi parar na posição de garçonete. Segundo o censo demográfico realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2010, as brasileiras passam mais tempo estudando do que os homens, mas, mesmo assim, ainda ganham salários menores do que eles. Enquanto o rendimento médio do homem era de R$ 1510,00 no ano da pesquisa, o salário da mulher girava em torno de R$ 1115,00. O mesmo problema é observado por Terri na Inglaterra. “Ainda existe uma lacuna entre os salários de homens e mulheres desempenhando a mesma profissão e ainda há poucas mulheres em conselhos de companhias ou em posições de comando”, lamenta ela. Elaine não vê desproporções de valor entre o desempenho do homem e da mulher em sua área, mas acredita que o preconceito está dentro de casa. “Minha mãe é machista. Na minha casa, as mulheres têm que fazer as coisas de casa e os homens não, eles têm que ser agradados. Isso sempre me incomodou muito, sempre quis ser independente”, conta a publicitária. Beleza No quesito estética, brasileiras e inglesas dividem as opiniões: enquanto Aline e Elaine afirmam se preocupar com a vaidade, mesmo que de uma forma leve e sem exageros, Terri e Bee colocam o conforto acima de tudo e não se consideram nem
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um pouco vaidosas. Bertolli reintera que esse é outro ponto de divergência entre as culturas dos dois países. “A mulher é um ornamento, e como todo ornamento, tem que ser bonitinho”, explica o antropólogo, ao falar do Brasil e países de cultura hispânica, nos quais há uma valorização da feminilidade e da beleza da mulher, vista muitas vezes como objetos de admiração. Quando o assunto é um país europeu, acredita-se que a in-
teligência e o desempenho intelectual sejam tão bem vistos quanto a aparência, mas Terri discorda, principalmente ao ver nas capas das revistas inglesas mulheres magérrimas e super maquiadas que servem de ideais para meninas cada vez mais jovens. “Que tal celebrar mulheres com cérebros e ideias interessantes?”, questiona a inglesa. Iguais ou diferentes? Diferenças ou semelhanças, somos todas mulheres e, como tais, desejamos conquistar reconhecimento e realizar nossos sonhos. A mulher brasileira, exótica, do país do Carnaval, do samba e do sexo livre, quer e pode mudar esses estereótipos. A inglesa, por sua vez, ainda persiste lutando mesmo em um mundo onde muitos acreditam que elas já conquistaram tudo que podiam. Já que as mulheres estão, tanto nas terras europeias quanto nas canarinhas, lutando para atingir seus objetivos, podemos imaginar que um dia seremos todas iguais? A cultura é manipulável, mas a identidade não é, garante Bertolli. “As mulheres brasileiras querem ser tão modernas quanto as inglesas, mas dentro de certo limite”, afirma ele. A brasileira pode até copiar a europeia, mas, na realidade, só copia aquilo que suporta suas próprias concepções. Em nosso país, por exemplo, podemos criar modelos de independência e realização profissional, mas no fundo existe a ideia de que mulher precisa ser feminina. E não importa o que as inglesas despreocupadas com a aparência digam ou façam: vamos continuar lutando por melhores empregos, oportunidades mais justas e maior autonomia. Mas sempre de salto alto.
Cidades alemãs e o que as faz especiais...
Ao total, somo mais de dez meses de moradia na Alemanha. Dez meses de viagens e experiencias incríveis. Mais de dez meses de amizades, de convivência com a cultura alemã e de novas aprendizagens. Um país que vem me cativando desde meus oito anos de idade, quando comecei a aprender Alemão, com belas imagens em livros didáticos. Hoje, é minha vez de mostrar o porquê de minha fascinação por esse país, que apesar de tão frio, me traz tanto conforto e que considero minha segunda casa. Neste ensaio, pretendo mostrar três cidades, que por mais que nao muito famosas, me encantaram: Bamberg, Dresden, Erfurt. Todas as fotos apresentadas são de minha autoria.
Thatianna e Oliveira
Bamberg, situada no estado da Bavaria, é conhecida também como “Nova Veneza” e desde 1993 é considerada patrimônio mundial pela UNESCO. No verão, é possível fazer passeios de jangadas pelas águas do rio Regnitz que corta a cidade. Bamberg também é famosa por produzir a “Rauchbier”, um tipo de cerveja “defumada”. Quem tomou a cerveja, garante que ela tem gosto de presunto.
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Dresden, capital do estado da Saxonia, ficou famosa por ter sido seriamente bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje, a cidade encontra-se reconstruída e o maior símbolo de sua superação é a “Frauenkirche” (foto central acima). Pessoas de toda a Alemanha enviaram dinheiro e suporte para seu reenguimento e ela simboliza a reconsciliação entre os inimigos de guerra. As duas fotos laterais foram feitas na “Kunsthofpassagem”, um pequeno corredor de arte, e representam respectivamente fogo e água. Quando chove, as águas da chuva percorrem os canos e produzem som. A foto abaixo mostra o rio Elba, que banha a cidade e a torna ainda mais bonita.
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Erfurt é uma cidade que tem pouco mais de 200 mil habitantes. Na Idade Média, foi importante ponto comercial e até hoje mantém preservadas muitas das construções da época. A atração mais interessante da cidade é a “Krämerbrücke”, uma ponte construída sobre o rio Gera em 1325. As fotos abaixo apresentam diferentes perspectivas da ponte. Uma dica para quem visitar a cidade é comer uma “Bratwurst”, uma salsicha alema que é especialmente famosa e gostosa na região de Turíngia.
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Mulheres e cerveja: uma comparação entre Brasil e Alemanha Thatianna e Oliveira
Mulheres brasileiras consomem mais cerveja e se aproximam da mentalidade alemã.
Nao é difícil encontrar uma mesa cheia de mulheres bebendo cerveja na Alemanha. Em qualquer bar que voce entre, encontrará mulheres com copos de meio litro de cerveja na mao. E nao pense que elas param no primeiro copo ou que elas tem dificuldade para bebê-los. E o mais interessante é que elas sabem o que estao bebendo, o que nao é fácil. Ao abrir o cardápio de bebidas, voce se depara com uma lista enorme de cervejas de diferentes tipos: Hefeweizen, Weissbier, Pilsner, Export, etc. Para quem nao entende, as diferentes classificações podem não significar nada, mas para uma boa entendedora, uma classificação basta para mudar o sabor da noite.
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A aprendizagem vem de casa, vem dos amigos, vem de todos os lugares. “Eu comecei a beber cerveja aos quatorze, quinze anos na minha casa. É normal a presenca de cerveja em festas familiares e nas festas populares.“ comentou Christl Thiele(24), estudante de Medicina. Nao é a toa que a legalidade do consumo de cerveja venha antes do consumo do resto das bebidas alcoólicas aqui. Aos dezesseis anos os adolescentes já podem comprar e consumir cerveja, o resto das bebidas alcoólicas somente aos dezoito. Além disso, há uma grande oferta de cervejas sem alcoól ou de misturas com refrigerantes, sucos e bebidas nao alcoolicas que tornam o consumo mais agradável e suave para as iniciantes. As misturas mais famosas sao a Radler e a Diesel. A Radler é uma mistura de cerveja com refrigerante de limao e a Diesel de cerveja com refrigerante de Cola. A contadora, Christiana Bels nao é uma fã de cerveja, mas gosta de beber Radler. “Minha mae nao bebia cerveja, meu pai também. Quando crianca, eu não percebia tanto a presenca de cerveja em casa. Eu não sou uma fã de cerveja. Radler eu gosto bastante de beber, porque acho refrescante ou uma cerveja escura. Depende da comida e de que cerveja combina, nao gosto de beber cerveja sozinha.“
Ao viajar pela Alemanha não é difícil encontrar uma “Brauerei“. Em todo o lugar há uma cervejaria artesanal, onde é possível fazer uma visitação e depois apreciar uma boa cerveja. É como o cafézinho brasileiro, sempre há tempo para uma cervejinha na Alemanha. Cerveja nao é algo que in
“ Eu comecei a beber cerveja aos quatorze, quinze anos na minha casa. É normal a presença de cerveja em festas familiares e nas festas populares.”
teressa somente as mulheres alemãs. A bebida ganha cada vez mais seguidoras no Brasil. Existem grupos espalhados por todo o país formados por admiradoras de cerveja. Um bom exemplo é a Confece. A Confece é uma confraria que reune somente bebedoras de cerveja. Surgiu em 2007 a partir de uma degustação de cerveja comemorativa ao Dia das Mulheres, e hoje chega a produzir duas cervejas próprias “Conceição“ e “Aurora“ com base em fórmulas belgas. No entanto, as cervejas são apenas para consumo próprio. Após a criação do grupo em Belo Horizonte, outras confrarias femininas surgiram pelo país, em cidades como Juiz de Fora, Rio de Janeiro e São
Paulo. Marcas investem mais e mais em pesquisas e novos lancamentos para agradar o paladar feminino. Para agradar as mulheres as empresas cervejeiras apostam em amenizar o amargo da bebida e diminuir a quantidade de gás. Como é o caso da Animeé da marca Molson Coors ou da Copenhagen, produtoda Carlsberg. Segundo levantamento feito com 35 mil mulheres, a Molson Coors descobriu que 79% das mulheres raramente bebem cerveja, e esse baixo índice seria decorrencia do gosto forte da bebida. Estudos realizados na cidade de Porto Alegre mostram que mais de 37% das mulheres bebem cerveja de 2 a 3 vezes por semana, sendo que 84% delas bebem somente nos fins de semana. As pesquisas mostraram também que 65, 7% das mulheres diminuem o consumo de cerveja durante o inverno. 70% das entrevistadas bebem somente em locais públicos, sendo festas e boates os locais preferidos para uma cervejinha. Já os homens, preferem os bares. Há três fatores que influenciam o comportamento do consumidor: cultural, social e pessoal. O principal é o pessoal. Nele estão implícitos os valores, percepções e preferências do grupo social no qual o individuo está inserido. O fator social está ligado ao status, ao papel social do indivíduo e reflete a opinião da sociedade sobre ele. O fator pessoal se relaciona com a auto-imagem e com a personalidade individual.
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Foto: Thatianna e Oliveira
Christiana Bels pede vinho para acompanhar sua refeicao.
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heres brasileiras de até 35 anos tem bebido tanta cerveja quanto os homens da mesma faixa etária. O levantamento foi feito pelo Painel Nacional de Domicílios da Kantar Worldpanel, que visitou 8.200 lares brasileiros.
Foto: Thatianna e Oliveira
Ou seja, é um conjunto de traços psicológicos que leva a reações continuas a um estimulo do ambiente. Geralmente, o consumidor escolhe marcas coerentes com a sua auto-imagem, como essa pessoa se vê ou como ela pensa que os outros a vêem. A cerveja no Brasil ainda é vista como uma bebida leve, para matar a sede e o calor. Na Alemanha, a visão é diferente. Já está intrinseca à cultura do país a degustação da bebida, e por isso, a escolha por gostos mais fortes e personalisados. A temperatura ideal para apreciação da cerveja nao é tao baixa como no Brasil, os alemãos preferem uma cerveja ao redor dos 7°C, o que seria considerado “quente“ para a maioria dos brasileiros e brasileiras. Por outro lado, a alta fermentação e o gosto encorpado sao exigências para as mulheres que apreciam uma boa cerveja. Um estudo divulgado no ano passado mostrou que mul-
A Erdinger é uma das cervejas mais servidas na Alemanha e famosa em todo mundo.
O crescimento do consumo delas é fruto da sofisticação da bebida. As cervejas artesanais atendem em cheio o público feminino que aprecia uma forma mais sensorial de tomar cerveja. Enquanto os homens gostam de beber em grandes quantidades, as mulheres optam por rótulos nobres e com copos elegantes. Ou seja, enquanto as marcas tentam agradar as mulheres suavizando seu sabor, quem realmente aprecia a bebida prefere os produtos marcantes e artesanais. “Quem não aprecia a bebida, ainda não teve a
oportunidade de provar a cerveja certa“, garentem as integrantes da Confece. É uma boa teoria, afinal, estima-se que exitam mais de 20 mil tipos de cerveja do mundo. As variações vem de pequenas mudancas no processo de fabricação como diferentes tempos de temperatura e cozimento, fermentação e maturação, e o uso de outros ingredientes além dos quatro básicos: água, malte, cevada e lúpulo. A grande variação de tipos de cerveja traz tambem distintas classificações, sendo as principais Pilsen, Export, München, Bock, Malzbier, Ale, Stout, Porter, Weissbier e Alt.
“Quem não aprecia a bebida, ainda nao teve a oportunidades de provar a cerveja certa” Segundo o Sindicerv (Sindicato Nacional da Industria Cervejeira) a cerveja do tipo Pilsen é a mais consumida no Brasil, representando 98% do consumo total. Ela seria a mais adequada ao nosso clima por ser mais suave do que as outras e por poder ser consumida a baixas temperaturas sem que isso altere seu sabor.
ENTREVISTA
Mulher Moderna... TetĂŠ Ribeiro, jornalista
Para se Inspirar e Refletir pitanga 43
B
astante discutido, ok! Mas na prática, o que seria a mulher moderna? Há um modelo fixo? Quais são as lutas diárias e milenares que enfrenta? Teté Ribeiro, editora da revista Serafina e apresentadora do Saia Justa da GNT bateu um papo com a Pitanga. Além de profissional, acima de tudo também é mulher, esposa, amiga e procura se adaptar aos novos tempos. Ela conta um pouco mais de si e coloca sua posição acerca desse perfil de mulher.
Jéssica Godoy
Fale um pouco de você, da sua vida, dos seus compromissos. Tenho dois empregos atualmente, um como editora da revista Serafina e que me toma mais tempo. Outro, como apresentadora do programa Saia Justa, que gravo toda segunda-feira. Isso faz com que o resto da semana seja bem corrido na redação da revista, 4 dias devem valer por 5. Os horários no Saia não são flexíveis: toda segunda chego ao meio-dia e saio mais ou menos às 17h. Aí vejo os emails do dia inteiro. Nos outros dias da semana, chego na redação por volta de 13h e saio depois das 20h. Na semana de fechamento, que precede a publicação da revista, a hora da saída é sempre depois de meia-noite. Como é o cotidiano de uma editora de revista, participante de um programa de TV como o Saia Justa, como é ser jornalista? Como é geralmente sua semana e como você se organiza? Tenho em geral 3 semanas de produção da revis-
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ta e uma de fechamento. Durante o tempo de produção, leio e guardo sugestões do que pode valer matéria para a edição corrente ou a seguinte e me informo lendo a Folha, mais os cadernos culturais do Estado e do Globo, revistas semanais brasileiras, mensais e semanais americanas, inglesas, francesas. E vou muito ao cinema, ao teatro, estou sempre ligada no que acontece no mundo. Vida de jornalista é assim, o que é notícia importa, o que importa é notícia. O que vale como preparo para a revista também me ajuda como apresentadora do Saia Justa. Para comentar aqueles assuntos e ajudar a pautar o programa preciso ficar atenta ao que está rendendo boas discussões no mundo, na imprensa, nas redes sociais. Falta tempo, como todo mundo, para fazer exercícios e levar a vida que já sabemos ser mais saudável. Mas ainda não sei como resolver essa equação. Faço pilates dois dias por semana, juro sempre que um dia volto para a ioga ou a academia, e nos fins de semana tento
unir atividades saudáveis com culturais e informativas. E para escrever bem, deve-se ler muito, dos clássicos aos contemporâneos, além de assuntos que nos interessam naturalmente (no meu caso, os de cultura) como aos que nem tanto (no meu caso, os de economia).
“Vida de jornalista é assim, o que é notícia importa, o que importa é notícia” Pra você o que é a mulher moderna e independente? Existe um padrão ou ela pode ter várias facetas? Reconhecendo você como uma delas, qual a dica você dá pra quem almeja ter esse perfil de mulher? Não vejo isso como uma questão, acho que eu, como muitas mulheres de hoje em dia, não tivemos como não ser independentes. Ser dependente requer outra pessoa que nos pague as contas, mas
ENTREVISTA quem paga as contas sem- Não fiz nada para isso, de trabalho na redação). pre exige algo em troca e sempre tive orgulho de Às vezes tem-se a impresnão acredito que ninguém ser reconhecida como fi- são de que esse perfil de mais aceite viver sob as lha dele, o legado sempre mulher sente-se sufocaregras de outra pessoa. Ou foi bem vindo, assim como da com os compromissos você continua para sempre os conselhos, as dicas, os e a correria do dia-a-dia. morando com os pais, ou contatos. Mas trabalhei em Como você enxerga isso? precisa ser independente. outra área e fiz minha pró- Acredita que tem como leE i n d e p e n d ê n c i a e s t á pria carreira. Sou jornalis- var uma vida tranquila e ligada a trabalho. A me- ta há mais de 15 anos, com ao mesmo tempo com a nos que tenha rendas ou o passar do tempo isso foi agenda cheia? Como enganhe na loteria, não há acontecendo naturalmen- contrar o meio-termo, ser outro jeito de produzir di- te. Também me casei com independente, moderna, nheiro. Talvez o que me um jornalista, Sérgio Dá- mas sem cair no estresse? diferencie de alguma ma- vila, editor-executivo da neira é fazer o que gosto, Folha. Ele sempre foi mais Vida tranquila de jornalisque sei fazer bem, e ter bem-sucedido do que eu e ta? Nunca vi... Já vi muita mais visibilidade por estar isso nunca me incomodou. gente sonhando com isso, na TV. Mas minha vida é As relações pessoais não largando a profissão. Na exatamente igual a de mi- podem sofrer a competiti- minha experiência, quem nhas colegas de revista e vidade da vida profissional, quer ser jornalista precijornal. Minha conquista é ou a vida fica impossível. sa esquecer essa hipóteser bem-sucedida profis- Talento e capacidade só se. Tranquilidade você tem sionalmente. O resto vem são reconhecidos quando nas férias, nos fins de secomo consequência disso. você os têm. Se eles não mana sem plantão... Fora A dica que eu tenho é tra- existissem na minha vida, isso, o estresse está aí. balhe, muito, no que gos- talvez eu passasse mais Para quem não é jornalista e tem a ta, e seja p r e o c uboa no “Ser dependente requer outra pessoa que pação de que faz. conseguir A modernos pague as contas, mas quem paga as a l g u m nidade é contas sempre exige algo em troca e não equilíbrio, a parte acredito que ninguém mais aceite viver o jeito é fácil, não ter muitem o que sob as regras de outra pessoa” to amor pens a r e carinem ranho pezão para se esforçar por isso. O im- tempo me preocupan- las coisas que faz, tanto portante mesmo é ser ver- do com a sombra do meu no trabalho como na vida dadeira, ser quem você é, Não chego aos pés do meu pessoal, passando até pee ter seu próprio dinheiro. pai como jornalista, mas los compromissos com a nem pretendo. E fiz minha manutenção de cada um. vida, com menos alcance, Se você não se apaixonar Como você conseguiu menos conquistas, menos um pouco pela sua própria desvencilhar a bagagem prêmios, mas tenho o meu rotina, aí essa sensação do seu pai, o legado que lugarzinho. Que defendo de sufoco não passa nunele deixou pra você e fa- com trabalho, todos os ca. Porque sim, as novas zer com que você fosse dias (hoje, por exemplo, tecnologias preencheram reconhecida pelo seu pró- é feriado, 12 de outubro, todos os buracos de temprio talento e capacidade? e estou terminando o dia po, o tédio é um luxo que
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a gente não pode mais ter. E isso faz falta, sim. Mas agenda cheia não é problema, o problema é agenda cheia de coisa chata. Tempo à toa também não é solução para ninguém. Nunca vi alguém ser feliz porque em vez de trabalhar assiste TV o dia inteiro. A Antropologia e a Psicologia são ciências que permitiram ao homem entender melhor o conflito existente entre o papel social e o Eu. Como você vê a pressão da sociedade sobre as mulheres? Como lidar com a obrigação de hoje para ser aceita e incluída, ter de ser “moderna”? Vejo qualquer pressão social com muita raiva. Seja para seguir a moda, seja para viajar para países exóticos, seja para ter alguém, seja para ter (ou não) filhos. Não me preocupo com isso, e faço esforço para isso. Quando vejo que começo a cair nessa cilada, faço força para sair dela. Não é fácil, mas fica mais fácil com bastante prática. Todo mundo quer ser querido, aceito, admirado. E muita gente abre mão de se aceitar de verdade em função do modelo imposto pela sociedade. Mas, no final das contas, a pressão que a gente faz sobre a gente mesmo só piora tudo. E foi na hora em que abri mão de seguir qualquer modelo que fui considerada uma pessoa
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interessante o suficiente para fazer parte de um programa de TV. Que, por conta do alcance da TV, fez algumas pessoas acha-
“Minha conquista é ser bem-sucedida profissionalmente. O resto vem como consequência disso” rem que eu era algum tipo de modelo. Uma ironia. Como você consegue conciliar cuidados com a beleza, por exemplo, ir a um salão e a sua vida como jornalista e mulher independente? O gerenciamento do tempo é a coisa mais importante da vida. A adaptação à novas regras é a segunda, no meu ponto de vista. Não sou especialista nisso, e muitas vezes quebro minhas próprias regras (ir ao cabeleireiro no fim de semana, por exemplo, o que rouba tempo de lazer com meu marido). Procuro usar as noites e as manhãs para meus cuidados pessoais, já que meus horários hoje em dia não são tão rígidos. E tenho um casamento tranquilo, então eu e meu marido já começamos a fazer exercícios juntos no fim de semana quando não conseguimos cumprir nossas metas durante a semana. Claro que é tudo mais fácil nessa fase, em que não temos filhos. Se isso acontecer, será o caso
ENTREVISTA de mudar as regras. E aí, se adaptar à nova rotina.
Essa é a parte difícil. Amigos e amigas com filhos praticamente desaparecem por alguns anos. Os sem filhos conseguem se ver mais, mas a triste verdade é que, em São Paulo, para ter bastante contato com uma pessoa, o segredo é trabalhar com ela... Não é fácil, vejo minhas amigas muito menos do que gostaria. Tem gente que combinou de me ver no meu aniversário, em janeiro, e ainda não conseguiu. É o que é. Nos vemos no Facebook, alguns nos fins de semana, outros acabam escapando do radar. Sobra tempo pra viajar? Pra fazer o que você gosta? Comente sobre. Claro! Todo mundo tem férias, não? Vou uma vez por ano para Nova York e algum outro lugar, para conhecer ou revisitar. E passo Natal com a família. Fazer tudo o que eu gostaria não dá tempo mesmo, nado no mar pouquíssimas vezes por ano, ando a cavalo uma, se tiver sorte. Mas vou ao cinema duas vezes por semana, janto em lugares deliciosos todo fim de semana, conheço lugares interessantes perto de São Paulo, passo óti-
Greice Costa
Em relação à família e aos amigos, como concilia um tempo para todos eles? Atrapalha?
mos fins de semana no Rio. Como você vê a discriminação em relação ao gênero e etnia? Quais são os desafios da mulhe r moderna hoje? O desafio das mulheres é mudar o mundo. O mercado de trabalho foi feito por homens, adaptado às necessidades dos homens. Entrar nesse mercado foi uma conquista. Afinal, trabalhar é importante, mas ter filhos e criá-los é muito mais. E temos que fazer o ambiente profissional ser mais confortável para mães e mulheres. Sejam elas brancas, negras, asiáticas, o que for.
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PELO MUNDO
Mochilar também é coisa de mulher Arquivo de Jackeline Motta
Literatura e filmes Road podem inspirar, mas duas de três amigas contam como é ter a experiência Jéssica Godoy
T
ermo de origem americana e já incorporado nos dicionários de Língua Portuguesa, mochilão - backpacking -, além de substantivo já virou também verbo de ação. Mas o que seria mochilar? Antes de mais nada, vale a pena fazer uma breve retrospectiva histórica. O mochilão se popularizou durante o boom dos movimentos de contracultura nas décadas de 50 a 70 principalmente com a chamada Beat Generation. Jack Kerouac, um de seus maiores expoentes, legou o que ficou como um marco da Geração Beat, a obra-prima On The Road. De inspiração autobiográfica e carregando a bandeira da liberdade, o livro narra a travessia de Sal Paradise (Kerouak) e Dean Moriarty (Neal Cassady) dos Estados Unidos ao México. Saindo da literatura de aventura e passando para o campo das telonas, muitos filmes, chamados de Road Movies, também entraram no pique. O mochileiro, seja de combi, ou bicicleta, ou mesmo a pé,
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Da esquerda para a direita: Evelyn, Jackeline e Evelise em Torres Del Paine no sul da Patagônia chilena
de carona, ou ainda de Harley Davidson, passou a ser retratado como protagonista e o tema central tornaram-se as viagens independentes. Pequena Miss Sunshine, Diário de Bicicleta, Sem Destino, Na Natureza Selvagem são alguns dos títulos de uma lista interminável de filmes do gênero para assistir e não só inspirar-se, mas colocar o pé na estrada. Não se tem uma data certa para o início desses filmes, nem dizer com precisão quem pode os ter influenciado. Para o diretor e produtor de cinema brasileiro,
Walter Sales, as hipóteses são várias. “Em Homero, no desejo de Ulysses retornar à casa? Nos primeiros documentários de cineastas-viajantes como Robert Flaherty? Na influência dos fotógrafos humanistas que, como Cartier-Bresson, cruzaram fronteiras para entender como viviam os outros, aqueles que não faziam parte de sua própria cultura?”, ficam os questionamentos. Porém, respondendo – ou pelo menos tentando – à pergunta inicial: mochilar é viajar independente
sem muita grana; é explo- albergues filiados em 90 a baiana Jackeline. Além rar em roteiros já conhe- países. Segundo a Fede- de se tornarem grandes cidos, lugares que poucos ração Brasileira de Alber- amigas, compartilham o já foram e interagir com a gues da Juventude, cresce mesmo gosto: mochilão cultura e a população lo- 25% a quantidade de hos- de aventura. Essas três cal; é estar aberto a novas tels por ano. gurias de coração se coe inusitadas experiências O mochilão vem cres- nheceram por meio de um durante o percurso, apesar cendo e cada dia mais atrai fórum online voltado para de um roteiro tramochileiros. Evelyn “O solo rochoso dificultava que nós çado, embora não Laitz conta que, na definitivo; pode ser fincássemos as estacas da barraca, época, procurava por também viajar com dormimos as três juntas para que ela pessoas interessadas os próprios pés liteem fazer trekking ralmente com uma não voasse com o vento e para nos (montanhismo) nas esquentar, porque era muito frio” serras do Paraná, foi mochila nas costas e alguns suplemenquando conheceu Jatos, ou ainda de duas ou o gosto dos brasileiros. ckeline Motta. Mulheres quatro rodas, mas há quem Para quem está aí pensan- independentes, Evelyn asseja mais radical e prefira do que isso é coisa de gen- pirante pelo prazer de desdesconsiderar a última op- te desocupada ou aventu- cobrir e formada em Admição. Camping e Hostel são reira sem juízo, ou ainda nistração, morou em 2002 os lugares preferidos dos mais, restrito aos homens, nos EUA enquanto estuaventureiros em qualquer está enganado! Apresen- dava inglês. “Tive a midestino, quando não, no to-lhe as irmãs paulistas nha primeira experiência de caso do Ecoturismo para Evelyn e Evelise e também viajar independente quancontemplar do estive nos mais de perto Estados Unidos. a natureza, seja Fui para Nova uma lua cheia, Iorque ficar dois seja o nasdias com meu cer e pôr do namorado, sem sol, em um nenhum lugar deacampamenfinido para ficar. to improvisaJá íamos passar do no topo de a noite na rodouma montaviária, quando nha. No Braum senhor cesil, são cem deu um quarto hostels creem reforma de denciados na um hotel. Demaior rede pois dali, não de albergues parei mais”. Hoje, do mundo, o residente em CuriHostelling Intiba com a irmã ternational. e aos 32 anos, A meta da HI é professora de Hostel Brasil é inglês. Jackeline de que cheterminou três regue a 140 em lacionamentos anAs montanhistas, Jackeline (à esquerda) 2014. No muntes do casamento, e Evelyn (à direita), durante o trajeto do, são 4,5 mil atualmente com
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PELO MUNDO 34 anos, faz mochilão há sete e montanhismo há quatro anos. “Desde então, já conheci no Brasil o estado do Paraná, a cidade de Porto Alegre, mais de 20 municípios só em Santa Catarina, as cidades históricas de Minas Gerais, Espírito Santo e algumas cidades no Nordeste”. Hoje, reside temporariamente no interior da Bahia, onde nasceu, para tratamento de saúde; é concurseira e formada em Ciências Contábeis. As três decidiram, juntas, prepararem um roteiro de trip com a ajuda de um amigo e saíram em 40 dias com coragem na cabeça, atitude nos pés e mochila nas costas para desbravar a Patagônia Chilena, além também de uma parte da Argentina. Evelyn explica
que a ideia surgiu quando ouviu de uma garota que a Patagônia era um lugar surreal. “Conseguimos fazer tudo o que havíamos planejando dentro do período”, comemora Jackeline. A baiana relata que nem sempre puderam tomar banhos regularmente e que durante a estada no deserto, onde montaram barraca para ficar, dormiam as três juntas. “O solo rochoso dificultava que nós fincássemos as estacas da barraca, dormimos as três juntas para que ela não voasse com o vento e para nos esquentar, porque era muito frio”. Ela revive com emoção o momento da subida da famosa Torres Del Paine, onde, ainda para piorar, estava com o tornozelo
machucado. “Elas acharam que eu não conseguiria chegar até o topo, mas eu lutei e quando eu consegui, a sensação foi indescritível, de superação. Por conta desse esforço e por meu tornozelo já estar machucado por movimentos repetitivos, tive tendinite e é por isso que estou de volta à Bahia fazendo fisioterapia todos os dias por seis meses”. Ela também comenta da vez que ficaram dois dias de carona em um caminhão. “As pessoas são realmente muito solicitas lá, já estão acostumadas. Só não recomendo esse tipo de coisa no Brasil, aqui é perigoso”, comenta Jackeline. Para quem tem vontade, as mochileiras recomendam: preparação física Arquivo de Jackeline Motta
Cuernos Del Paine, como é chamado na Língua espanhola as Torres Del Paine, foi declarado serva da Biosfera pela Unesco em 1978
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Arquivo de Jackeline Motta
Na trilha chilena as amigas subiam em direçao ao topo das Torres
“As pessoas acham que precisam de grana pra mochilar e isso é o menos importante. O que você realmente precisa é de tempo” é importante, alimentação balanceada também e o que não pode faltar na mochila são alimentos que dão bastante energia. “Tento fazer academia pelo menos duas vezes na semana, tenho uma alimentação balanceada, evito condimentos”, relata Evelyn. “Durante o mochilão, você precisa comer bem, pra aguentar bem o dia”, aconselha. Quando questionada sobre o lugar que mais
queria conhecer, a paulista sorri e diz de maneira espontânea: “o mundo!”. Mas que se for pra dizer um lugar específico, tem muita vontade de conhecer Laos, na Ásia, país vizinho da China. Ela ainda adianta o próximo destino, onde planeja ir sozinha em janeiro: a Chapada dos Veadeiros em Goiás. “As pessoas acham que precisam de grana pra mochilar e isso é o menos importante. O que você realmente precisa é de tempo, é isso o que tem me faltado ultimamente, mas quando sobra, fim de semana, ou feriado, procuro sempre viajar, mesmo que de carro”. Nesse sentido, ela
aponta também sua visão: “acho que viajar de carro também é mochilar, porque estou viajando sem o respaldo de uma agência, de maneira independente, mas há quem não reconheça”. Além de estreitarem mais ainda a amizade, também ampliaram ainda mais a maneira como veem o mundo. “Quando nos propomos a viajar por nossos próprios pés, vemos o mundo de maneira mais humildade e passamos a viver de maneira mais simples. O mundo é muito mais do que a realidade pequena que estamos acostumados a viver”, exterioriza Jackeline.
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Chapada dos Veadeiros Vanessa Cancian
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PELO MUNDO A natureza à disposição de todos no centro do Brasil Um pouco da história desse lugar incrível. A 230 quilômetros de Brasília está localizada uma das paisagens e pontos turísticos mais incríveis do país. Ainda não muito conhecido pelas pessoas, mas já com estrutura para atender turistas do mundo todo. O parque todo possui 60 mil hectares onde se encontram as belezas do cerrado e das cachoeiras, rios, cânions, águas termais etc. que se escondem por detrás das trilhas e das montanhas. Em uma região onde até hoje existem comunidades indígenas e quilombolas que constituíram o início da civilização do local, foi descoberta um lugar tomado por belezas naturais incríveis. Mas, que só foram constatadas por conta da mineração de cristais, onde a primeira jazida foi encontrada no ano de 1912. Foi nesse contexto que nasceu a pequena Vila de São Jorge, onde hoje está localizado o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Os acampamentos dos mineradores fez com que nascesse a vilinha que hoje atrai pessoas do mundo todo em busca do contato com a natureza e da tranquilidade que só existe lá.
de carro para facilitar os passeios. A publicitária goiana Aline Mendes esteve no mês de julho pela primeira vez na Chapada. “Eu precisava descansar da correria do dia-a-dia, e mesmo estando perto não conhecia esse lugar lindo” conta ela. Segundo Aline, as cachoeiras e lugares que visitou são atrativos turísticos que agradam a todos e inclusive famílias. “É muito boa essa sensação de fazer uma trilha, e depois de certo tempo de caminhada chegar a uma cachoeira de águas cristalinas” afirma Aline. Além disso, a moça conta também que a tranquilidade do lugar transmite segurança e paz ao turista, que não precisa ficar se preocupando ou com medo de ser assaltado, explica a publicitária. A dica para aqueles que moram em outros estados é ir de avião até Brasília, e lá alugar um carro para poder percorrer os lugares da Chapada. Hospedagem e alimentação são encontradas com ótimos preços, e os passeios guiados também. Além das belas paisagens, há opções de turismo para toda a família.
A preservação do local pode ser observada desde a chegada através da vegetação, e mais ainda quando se faz os passeios pelas cachoeiras e pontos turísticos. As formações vegetais características do cerrado –flores e árvores exóticas- junto à animais como a ema, o lobo guará e diversas aves raras mostram que o local de fato abriga uma natureza difícil de se ver em outros lugares.
O que fazer por lá A entrada parque Nacional da Chapada está localizado na vila de São Jorge, que pertence a cidade de Alto Paraíso. Nos dois locais o turista tem a opção de hospedagem e alimentação com tranquilidade. Na vila há pousadas e muitos camping, casas que alugam para temporada, além de muito sossego para quem procura descansar e curtir a natureza. O acesso a algumas cachoeiras é feito através de trilhas guiadas ou não. Também há a possibilidade de conhecer as belezas das cidades vizinhas como Cavalcanti, Colinas do Sul e São João D’aliança. Nesse caso é interessante estar
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A arte culinária de comer sem pressa Vanessa Cancian Devagar, aproveitando cada pedaço e cada sabor. Já faz algum tempo que no Brasil, a expressão “sair para comer alguma coisa” está tendo seu significado alternado, por um ir em busca do prazer através da gastronomia. Cada vez mais pessoas estão em busca de algo que proporcione um pouco mais do que o simples se alimentar de forma rápida – econômica ou não-. A ideia dessa proposta surgiu em resposta ao velho e conhecido Fast-food. Por isso, o nome dado a essa associação internacional é Slow-food. Ainda que desconhecido por muitos adeptos da gastronomia, a associação existe desde o ano de 1986, e possui mais de 100 mil associados espalhados por 150 países do globo. Diferente de tudo que já se ouviu falar, a nova tendência representa a alimentação que se preocupa com fatores como a origem do alimento, à forma de produção, o respeito ao meio ambiente e é claro, como ele chegará à mesa e na qual será celebrado e degustado sem pressa pra acabar. O caracol foi propositalmente escolhido como símbolo desse nicho cultural-gastronômico, e, a ex-
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HUMMM plicação é simples. Esse animal se movimenta lentamente e vai comendo calmamente ao longo de seu ciclo de vida, ou seja, é através da tranquilidade e da calma – muitas vezes é deixada de lado- na hora de comer, que o prazer dos sabores e temperos se multiplicam.
Alta gastronomia no interior de São Paulo Walter Abbott, chefe de cozinha internacional argentino, formado no Instituto Mause Sebiss de Buenos Aires, atualmente vive em Bauru, onde trabalha a ideia do slow-food em um bistrô recém-chegado á cidade. “Nós buscamos fugir do padrão, e inovar através de pratos servidos separadamente, dando tempo para que o sabor da comida seja aproveitado a cada momento”. “Aqui eu preparo especificamente pratos inspirados em tendências da culinária argentina, para que as pessoas possam ter esse percepção mesmo estando no Brasil”, afirma o chefe. Segundo ele, apesar de vizinhos e próximos, quando se trata de gastronomia, Brasil e Argentina divergem muitos – mais que no futebol, brinca Walter-. Mas, quando questionado sobre os sabores brasileiros, o especialista fala com água na boca sobre a diversidade de frutas e frutos desta terra. “Eu amo preparar os pratos com ingredientes daqui porque tudo é fresco, há legumes de diversos tipos e formas que eu nunca tinha experimentado em meus pratos”, conta. Ele afirma que acaba, por estar vivendo no Brasil, mesclando sabores das duas culinárias para encontrar o ponto certo, essa é a forma encontrada de aproveitar os ingredientes brasileiros, com a técnica argentina. “Os pratos que eu faço aqui, têm seus detalhes pensados a cada momento, nada de utilizar micro-ondas nem coisas congeladas”, diz o chefe. “Na hora da montagem, me preocupo muito com a arquitetura dos pratos e com a beleza da mescla de ingredientes, além de pensar principalmente no contraste de texturas, que vão proporcionar uma explosão de sabor no paladar do cliente” explica. E ele ainda deixa a mensagem de que uma comida preparada dessa forma, merece ser aproveitada com tempo para que não se perca nenhum detalhe.
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Beleza e sabor dos pratos “Slow Food também representa
a dedicação no preparo dos pratos e na atenção ao cliente.” afirma Walter.
Os ingredientes são pensados junto a estética dos pratos para que tudo fique harmonizado, realçando os sabores e o prazer na hora de comer .
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DANÇANDO PARA A VIDA Beatriz Almeida Fotos: Vitor Salciotti
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ilvia já havia praticado diversas formas de terapia, exercícios corporais e atividades físicas. Insatisfeita com o que já conhecia, não desistia de sua procura por autoconhecimento e pelo bem-estar corporal. Em meio às comuns divagações de semanas inacabáveis, buscava algo capaz de harmonizar seu corpo e desviar um pouco da racionalidade diária. Algo que lhe fosse naturalmente benéfico. Um conceito que sintonizava música e movimento lhe chamou a atenção. Logo encontrou a solução e se viu imersa na prática criada pelo professor e psicólogo chileno Rolando Toro de Arañeda: Biodança. Nas palavras do próprio criador, um sistema de aceleração de processos integrativos
existenciais: psicológico, neurológico, endocrinológico e imunológico. Assim como Silvia, outros adeptos da prática a encontraram enquanto exploravam uma possível solução para problemas cotidianos, uma porta da saída para um momento difícil ou menos pretensiosamente, uma pausa para relaxar. “A Biodança salvou minha vida.”, diz um comentário publicado em resposta a um vídeo disponível no portal Youtube. Outro, logo abaixo, sinaliza: “Biodança mudou minha vida ao me fazer superar meus traumas de infância.” O vídeo traz imagens de uma roda dançante. Vê-se um grupo de pessoas, jovens e outros não tão jovens. Unidos ombro a ombro, dançam - cada
MEXA-SE um à sua maneira, mas juntos - ao som instrumental de cordas. Os comentários ao vídeo foram postados a um oceano de distância do interior paulista, onde mora Silvia. Mas a proximidade ideológica que a atividade possui parece unificar os praticantes em positividade plena, única e contagiante. Toro iniciou seus primeiros trabalhos de dança com pacientes do Hospital Psiquiátrico de Santiago do Chile, onde trabalhava. Para aquelas pessoas, ele decidiu oferecer um método curativo não convencional: a dança. É no espaço Castelinho, em Barretos/SP, que Silvia Carmo se reúne semanalmente com a professora de Biodança Elisete Martins Diamantino. Elisete, ou “Li”, como é conhecida pelos amigos e alunos organiza todas as terças feiras, às 19h45 um encontro unificador de dança e terapia.
experiência vivida com grande intensidade, num lapso de tempo aqui-agora, abarcando várias funções emocionais, sinestésicas e orgânicas.”
Vivência sinestésica Embalado por ritmos latinos, instrumentais, clássicos; de mãos dadas, em círculo ou em grupos. Não há padronização para o exercício da Biodança. Já nas primeiras vivências, os alunos são estimulados ao processo integrativo. Elisete comenta que o exercício se fundamenta na conciliação da atividade motora com o sistema neurológico: “O aluno inicia sua integração motora
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O homem primitivo dançava para Deus. Era uma forma de comunicação.
Em uma visão mais subjetiva, Elisete define o método como uma proposta de buscar ao significado primordial da dança, estruturada a partir de gestos naturais do ser humano e destinada a ativar a potencialidade afetiva que nos conecta a nós mesmos, aos semelhantes e ao Universo. Segundo Elisete, em muitos países – é o caso do Brasil - a dança é frequentemente limitada à associação com o ballet clássico e outros similares, como danças de salão. Para ela, esta visão formal da dança exclui seu significado original. “O homem primitivo dançava para Deus. Era uma forma de comunicação. O processo civilizatório contribui muito para a morte desta manifestação da experiência da vida por meio do movimento. A dança na Biodança se transforma em vivência e nos transporta em uma
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vezes chego para a aula exaurida e saio de lá achando que poderia dançar a noite inteira, energizada e cheia de vida; mas o que acho mais incrível é que traz presença pra vida, estar no aqui e agora, permitindose experimentar a emoção que vier. É transformador.” Qualquer pessoa está apta a praticar Biodança. Elisete faz questão de destacar seu caráter democrático que pressupõe e valoriza as peculiaridades de cada um. São as diferenças que a dança especial. “Não se trata de dançar a base de coreografias preestabelecidas, mas de dançar cada música com o ritmo e a coreografia que cada corpo em particular tem dentro de si. Para nós não há quem “dance bem” e quem “dance mal”: todos dançam sua própria dança, e cada dança é bonita, porque é única.” explica.
Poder de cura no desenvolvimento do ritmo, na liberação do movimento, e no início da dissolução das suas tensões crônicas, superando suas dissociações”. Aos poucos, a integração é desenvolvida através do ritmo, do lúdico, dos jogos e da fluidez, promovendo a unidade orgânica, a alegria e elevação do humor endógeno. O bem-estar promovido é resultado progressivo da quebra da rigidez interior, presente em todos nós, como explica a instrutora: “Nosso corpo uma historia afetiva congelada, toda rigidez muscular contém a historia de sua origem. Nossa dança induz a diminuição progressiva dessas defesas psicológicas.”. Silvia confirma e enfatiza que os benefícios são transformadores. “Às
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Rolando Toro iniciou a Biodança com objetivo de inserir um viés mais humanizado na medicina tradicional. Os experimentos da dança como tratamento terapêutico partiram do pressuposto de que a dança e a música poderiam auxiliar na busca pela identidade dos pacientes em tratamento psiquiátrico, muitas vezes fragilizada. O resultado foi muito positivo. Muitos internos manifestaram um melhor discernimento da realidade, diminuíram as crises de alucinação e ao mesmo a comunicação passou a se fazer mais presente. Pessoas não diagnosticadas, mas que se sentiam vulneráveis, tensas ou angustiadas, passaram a procurar Toro em busca da proposta de exercícios. Em pouco tempo também apresentaram sensível melhora.
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Assim, o modelo teórico da Biodança foi sendo construído. Até sua morte em 2010, Rolando continuou a investigar e aprimorar seu sistema, expandindo sua compreensão e aperfeiçoando o método. Hoje a técnica se aplica em hospitais especializados e em reabilitação. Os efeitos terapêuticos são reconhecidos nos meios científicos e clínicos. Para a professora de Barretos, a grande importância da Biodança não apenas é o fator curativo em si, mas o estímulo que promove à auto cura. “O fator curativo fundamental é a sua capacidade de estimular a auto regulação orgânica e despertar os mecanismos naturais de auto cura.”, afirma. Existem mais de dez linhas de sensibilidade desenvolvidas por Rolando, direcionadas ao estímulo de diferentes áreas do sistema nervoso, comovitalidade,criatividade
esexualidade.Direcionamentosàparte, a dança une um propósito: a ênfase ao amor à vida, que segundo Elisete é a base da Biodança: “Através dos gestos evolutivos humanos geradores de integração, harmonia, força expressiva, criativa, afetiva, de expansão, conexão, coerência, encontro, vinculo total com a vida, Biodança resgata no ser humano contemporâneo a essência da sua humanidade.”, finaliza.
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Supermulher, super stress No computador, divido minha atenção entre um texto pela metade, quatro abas abertas no navegador da internet e a uma conversa via Skype. Ao mesmo tempo, vou dando bocadas em um jantar improvisado e troco mensagens via SMS pelo celular. O foco muda constantemente de lugar, a atenção vai de um lado para o outro e eu suspiro: sou mulher, sobrecarregada e multitarefa. Mas até que ponto uma coisa tem a ver com a outra? Regiane Folter
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Mulheres conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo, enquanto homens só se concentram em uma coisa por vez. Já ouviu esse chavão? Provavelmente sim, mas não se engane: teorias sobre a capacidade da mulher ser mais multitarefa do que o homem dividem opiniões no cenário científico. Um estudo realizado pela Universidade de Hertordshire no Reino Unido reuniu 100 pessoas, 50 mulheres e 50 homens, para a realização de um teste que pretendia verificar a capacidade de concentração em atividades simultâneas. Os participantes do estudo tinham que desempenhar três ações simultâneas, como re-
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solver problemas de matemática, procurar um lugar num mapa e pensar onde poderia estar um objeto perdido. Além disso, durante o teste, um telefone tocava e os participantes podiam escolher se atendiam ou não e adicionavam assim mais uma tarefa às que já estavam sendo executadas. O resultado da pesquisa mostrou que o sexo feminino consegue refletir sobre um problema enquanto faz outras atividades, ou seja, nesse caso a necessidade de achar o objeto perdido e criar estratégias de onde procurá-lo não prejudicou a realização das outras tarefas. As mulheres conseguiram realizar bem as quatro atividades, en-
quanto os homens encontraram mais dificuldade em planejar a procura e manter as demais tarefas. A Universidade de Bar-Ilan em Israel, em parceria com a Universidade de Michigan, dos Estados Unidos, chegou a um resultado semelhante e também concluiu queasmulheressededicammuito mais a atividades simultâneas do que os homens. Os participantes do estudo, 368 mães e 241 pais, se dividiam durante o dia entre cuidar dos filhos e da casa e trabalhar fora. O método adotado foi entregar a cada pessoa um aparelho que emitia um som específico em sete momentos aleatórios do
precisa descartar uma informação para se dedicar a outra, logo é impossível focar em coisas que interferem umas nas outras. O que acontece é que mudamos nosso foco de uma coisa para
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A mulher quis tanto ser um ser humano, porque antes era apenas um apêndice do homem, que ela continuou fazendo o que fazia e agregou mais, explica Sandra.
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dia, sinal para que os participantes anotassem o que estavam fazendo no momento. Como conclusão, a pesquisa mostrou que as mulheres se dedicam cerca de 10 horas a mais por semana em tarefas simultâneas, como fazer o jantar enquanto lavam a louça, se comparadas aos homens. Os participantes do sexo masculino se mostraram mais multitarefas se as atividades envolviam alguma questão de trabalho, como conversar com o chefe por telefone e olhar dos filhos. Segundo a psicanalista Sandra Rodrigues, o fator que determina a tendência da mulher em realizar várias funções ao mesmo tempo tende mais para o social do que para o biológico. Entre os anos 1950 e 1960, a mulher deixou o lar para trabalhar, mas sem abdicar das outras tarefas que já realizava dentro de casa. Além de ter as funções de mãe, esposa e administradora da casa, a mulher acumulou também a função de profissional. Mas até que ponto conseguimos mesmo desempenhar várias tarefas simultâneas? Segundo a pesquisa do neurocientista Paul W. Burgess, da Universidade College, da Inglaterra, homens e mulheres desempenham atividades simultaneamente com a mesma eficiência, só que cada um escolhe estratégias diferentes para realizar essas tarefas. De qualquer modo, tanto o gênero masculinho quanto o feminino deveriam focar em uma atividade por vez, já que nosso organismo não foi desenvolvido para ser multitarefa. O cérebro humano não consegue realizar tarefas ao mesmo tempo e geralmentesomosincapazesdeprestar atenção em mais de uma coisa, até porque atividades semelhantes dependem das mesmas partes da nossa massa cinzenta. O cérebro
outra muito rapidamente, criando a ilusão de que podemos prestar atenção em mais de uma tarefa por vez. Para Sandra, o que a mulher possui de diferencial é uma ca-
pacidade de gerenciar várias coisas ao mesmo tempo, característica comum principalmente na mulher moderna, que precisa se desdobrar entre mãe, esposa e profissional. Por uma panela para ferver e enquanto isso lavar a louça está baseado no quesito administração: ambas as tarefas são feitas uma por vez, mas a mulher consegue se organizar para ir intercalando uma à outra. Dos anos 1990 para cá, porém, a mulher começou a dividir as funções, principalmente as tarefas de casa, e o homem passou a desempenhar papeis que antes não fazia não por falta de competência, mas porque não era necessário. Sandra comenta que atende um número significativo de pais solteiros, desde pedreiros até empresários, que trabalham e também cuidam dos filhos. “São pais que trabalham fora e estão começando a se virar nos 30 também”, brinca ela. Ser multitarefa, de acordo com uma pesquisa da Universidade Emory, pode ser mais prejudicial do que parece. Mesmo que realizar várias coisas ao mesmo tempo possa soar atrativo, ainda mais para os workaholics de plantão, cuidado: um maior desgaste do cérebro prejudica o autocontrole, que tem consequências diretas na balança. Enquanto maior for a fragmentação do meu foco, maior é a tendência de se deixar seduzir por alimentos menos saudáveis (sanduíches, pratos prontos, etc); por outro lado, focar em uma só atividade garante que o autocontrole se mantenha. Além disso, qualquer um pode reparar que, ao tentar executar várias coisas ao mesmo tempo, acaba por não fazer nada direito e inclusive prejudicar sua capacidade de concentração.
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A tecnologia a
nosso favor Bárbara Belan
A
mulher do século XXI não é só moderna na sua essência. Ela também carrega pra cima e pra baixo equipamentos tecnológicos que facilitam sua vida e a deixam cada vez mais antenada. Seguindo a onda da adesão feminina às tecnologias, pesquisas e empresas se voltam ao grande mercado que isso gera, lançando vários produtos que utilizam a tecnologia em favor das mulheres. Mas antes de aderir a novas tecnologias é importante analisar a importância de cada coisa. Por isso listamos as tecnologias a seguir falando sobre as vantagens e desvantagens de cada uma para que você possa escolher o que tem espaço na sua vida.
Depilação a Laser
Ficar livre dos pelos para sempre. Mas isso é mesmo possível?
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A depilação a laser é um método mais eficaz e duradouro de eliminar os pelos do que a depilação convencional, mas ela não extermina os pelos para sempre. A cada sessão cerca de 30% dos pelos são eliminados, e ao final do tratamento o crescimento de cerca de 80% deles é bloqueado. O método funciona da seguinte maneira: Quando a luz do laser atinge o pelo, ela gera uma energia aquecida que o destrói,
quando esse aquecimento atinge as células da raiz, o pelo não volta a crescer. A vantagem da depilação a laser é que mesmo durante o tratamento os pelos podem ser raspados e não temos o grande problema da depilação à cera de ter que esperar o pelo crescer. A parte ruim é que dói mais do que os métodos convencionais e também custa mais caro. Além disso, o ideal é não se expor ao sol duas semanas antes da sessão e até três semanas depois, pois a pele bronzeada fica com mais melanina que pode atrair o laser e deixar manchas na pele.
CONEXÃO
Criolipólise Se ficar com a pele sem pelos já é bom imagine se livrar também das gor-
Impressora para unhas Unhas decoradas com apenas uma impressão!!
GPS O companheiro de viagens para mulheres indepen-
A Criopólise é um método para reduzir a gordura localizada através do congelamento das células lipídicas. O aparelho puxa a gordura da área selecionada por sucção e a resfria por uma hora. A cada sessão o paciente reduz aproximadamente 20% da gordura na área tratada. Mas é importante observar que esse não é um método de emagrecimento, ele é indicado apenas para retirar gorduras localizadas em pessoas com o peso ideal. Além disso, devemos ficar atentos: esse método não elimina a gordura visceral, que fica entre os órgãos internos e causa aumento de glicose, triglicérides e problemas circulatórios e cardíacos. Essa gordura pode ser eliminada apenas com dieta e exercício físico.
Impressoras feitas especialmente para decorar unhas estão ganhando força no mercado e aparecem com um tamanho até mais portátil. O procedimento é bem fácil e rápido: basta passar uma base branca e encaixar os dedos na máquina. Após, centralizada a imagem basta apertar enter e esperar. Outra coisa interessante é que as máquinas também fazem decorações em unhas postiças, é só escolher o desenho preferido e imprimir 10 unhas de uma só vez. O desenho feito pela impressora também foi considerado mais durável do que o esmalte convencional. A desvantagem é que a máquina ainda é bem cara e varia de três mil à doze mil reais.
Muitas vezes por mais que nos informemos antes do trajeto acabamos nos perdendo pelo meio do caminho.Com o GPS basta inserir o local de partida e chegada para que o sistema trace a rota e forneça os comandos de direção. Além disso, ele sempre calcula o caminho mais rápido, mas é bom lembrar que nem sempre o melhor caminho é o mais rápido. A tecnologia está se desenvolvendo cada vez mais no país e muitas cidades que antes sumiam no GPS já estão incluídas, mas ainda é comum aparecer um completo verde em cidades menores como se estivéssemos no meio do mato.
E para as atletas dePlatão chegouumanovidade: O mp3 player NWZ – W262 da Sonwy já vem acoplado ao fone de ouvido e ainda é a prova d’água. Ideal para quem quer correr sem se preocupar com o MP3 caindo. E ele ainda pode ser lavado. Além disso, ele tem um recurso na bateria que permite a proporção: 3 minutos de carga = 60 minutos de bateria. Portanto se a bateria acabar apenas 3 minutos resolvem o problema. A desvantagem é que ele tem apenas 2 Gigas de memória, mas mesmo assim isso cabe uma média de 470 músicas gravadas em mp3.
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O livro, o álbum e o filme parecem bem diferentes entre si , mas no âmago tratam do mesmo assunto: a solidão e como escapar dela. Samuel, do livro Amor em Minúscula, sempre foi um ermitão, que, por um momento de descuido, deixou entrar um gato em sua casa, e a partir disso, mais uma série de pessoas e oportunidades novas apareceram na sua vida. Já no longa de Woody Allen, Meia Noite em Paris, mesmo em companhia da namorada Inez, Gil
se sente só por que não é apoiado, ou por que não está na mesma fase que Inez. Quer dizer, mesmo acompanhado ele está completamente sozinho. E sua vida só se transforma a partir do momento que rompe as amarras e se dedica a seu romance, dessa vez sozinho, masacompanhado da bela cidade de Paris.
Fiona Apple é uma solitária inveterada, mas será que a música não sua forma de estar acompanhada? Quando a cantora compartilha com o público suas aflições e sofrimentos, de certa forma, está em companhia desse ouvinte e conta cantando o que se passa em seu coração.
Amor em Minúscula – Francesc Miralles A capa de Amor em Minúscula pode não conquistar logo à primeira vista, ou então pode dar uma idéia errada sobre o livro. Mas talvez seja isso o que Francesc Miralles queira: que nós ultrapassemos esse limite para entrar na realidade que o personagem vive. O protagonista, Samuel, é professor na Universidade de Barcelona e vive solitário. Na primeira manhã do ano ele se depara com um gato na porta de seu apartamento, e a partir da entrada sorrateira desse bichano na sua vida, o professor de filologia alemã vive o desencadear de uma série de acasos e coincidências que vão desde conhecer o vizinho do andar de cima até se reencontrar com um amor de infância. O conceito de amor em minúscula, que dá nome à obra, está presente no livro: “Entendi de repente que nosso futuro depende de atos tão mínimos como o de alimentar um gato... Mas qual era o sentido daquilo tudo? Aonde levavam os elos desta cadeia? Amor em minúscula, pensei, esse é o segredo.” A essência do livro está em dar oportunidade para as pequenas ações que muitas vezes passam despercebidas no cotidiano. A leitura de Amor em Minúscula é suave e
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ágil, os capítulos são curtos e bem amarrados. Miralles também inclui uma série de citações e referências que vão de Goethe até Pink Floyd, sempre transcrevendo trechos que se adaptem às transformações na vida de Samuel após a aparição do gato Mishima. Por meio do livro é possível conhecer uma Barcelona diferente, não turística, caminhando pelas alamedas, praças e casas de comércio. O livro não é para ser levado a sério demais, mas com certeza alguns ensinamentos podem ser tirados da trajetória de Samuel. Quem sabe o livro não pode ser seu Mishima?
CULT Fiona Apple - The Idler Wheel Is Wiser Than The Driver of The Screw And Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do Fiona Apple está no cenário musical desde 1999, mas sempre muito discreta em relação à vida pública. Essa discrição se resume só às suas aparições, nas suas composições Fiona se abre, se expõe e não tem pudor ao mostrar sentimentos, medos, paixões e descontroles. Depois de sete anos sem lançar nenhum álbum, em junho desse ano ela lança o “The Idler Wheel...”, na verdade, o nome completo é The Idler Wheel Is Wiser Than The Driver of The Screw And Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do (A roda menos usada é mais sábia que a chave do parafuso e os chicotes te servirão mais que as cordas). Complicado, assim como os sentimentos e a vida de
Fiona. E, por que não, de todos nós. A primeira música do “The Idler Wheel...” já nos dá uma amostra de como será a seqüencia do CD. Em Every Single Night Fiona diz “Toda noite é uma luta com o meu cérebro/Eu só quero sentir tudo”. Ela não quer ser racional, não se importa com a dor enquanto estiver sentindo. E Fiona quer sentir tudo. Ela sofre sozinha, mas compartilha com quem está ouvindo, como em Left Alone: “como posso querer que alguém me ame/Quando tudo que faço é implorar pra ficar sozinha”. Mas ela também tem seus momentos de efusão, como na última faixa, Hot Knife, em que vozes, batuques e piano se misturam, se confundem e nos hipnotizam pela audição (se é que isso é possível). O mais fantástico de The Idler Wheel… é saber que tudo o que Fiona Apple diz pode ser aplicado na vida de qualquer um.
Meia Noite em Paris - Woody Allen
Meia Noite em Paris é um cartão postal em movimento. Várias cenas mostram cenários belíssimos da cidade-luz, mas sem a artificialidade turística. Woody Allen filma a capital da França com o mesmo zelo que trata sua musa Nova Iorque. O filme conta a história de Gil Pender (Owen Wilson), um roteirista de grande sucesso que está cansado de fazer filmes “adoráveis, mas esquecíveis”. Gil está a passeio em Paris com sua noiva Inez (Rachel McAdams) e os pais dela. O sonho de Gil é deixar sua vida na América e ficar na Europa para se dedicar a seu primeiro romance, coisa que Inez não apóia e até chega a desprezar. É nesse contexto que a história começa de verdade. Gil caminha bêbado pelas ruas parisienses e, ao badalar da meia noite, ele se vê dentro de um Peugeot rumo a uma festa onde encontra Hemingway, Zelda e Scott Frtizgerald, Jean Cocteau e Cole Porter. Ele atravessa o tempo e se depara com a efervescência cultural da Paris dos anos 20, onde encontra pessoalmente todos seus ídolos e inspirações artísticas. Depois de conviver por vários dias com esses personagens e de se apaixonar por uma “art groupie” (Marion Cotillard), Gil resolve o problema que o
tinha levado para a Europa. Ele finalmente decide ficar em Paris para produzir seu livro, e deixa para trás sua namorada. Meia Noite em Paris marca a volta de Woody Allen aos sucessos de bilheterias. A narrativa é envolvente e o público entra na história junto com Gil, conhece os personagens históricos, ri das tiradas e aproveita para admirar tanto a Paris atual, quando a requintada cidade dos anos 20. A sensação que temos após assistir o filme é que não há existência medíocre. Mesmo enquanto o protagonista está sofrendo com suas dúvidas as paisagens parisienses curam qualquer mal-estar.
QUANDO A AMIZADE VIRA AMOR Beatrice Lesur
E
les se conheceram como novatos em um novo emprego. Ela o achava lindo e ele via nela uma princesa, e foi isso que os aproximou e fez nascer uma amizade. Uma boa amizade a ponto de se chamarem de irmãos. Todos os dias se encontravam, confidenciavam suas historias, dividiam suas alegrias e tristezas. Bebiam juntos no bar, tocavam violão e cantavam juntos em muitas noites de tédio. Conheceram as famílias, uma intimidade incrível. Mas, era só amizade. O tempo passou, e os abraços começaram a ser mais demorados, os filmes até de madrugada agora assistiam bem juntos, um com a cabeça no ombro do outro. Ela já não suportava a ideia de vêlo perto de alguma outra mulher na balada. Mas ainda era só amizade. Para ela, na verdade, já não era amizade. A perfeição dele era muito mais do que a perfeição de um irmão. Enfim ela assumiu que a amizade tinha virado amor. O medo de tomar iniciativa e ele recuar, a dúvida se deve falar tudo ou deixar acontecer e a vontade de saber o que ele pensava. Era tudo isso que ela conseguia pensar quando estava ao lado dele. Mas também pensava naquele problema de que se declarar é sinônimo de espantar a outra pessoa ou parecer uma pessoa frágil. Afinal, quem inventou a regra de que dizer “eu te amo” é uma prova de vulnerabilidade? Ela já sabia o que sentia por ele fazia muito tempo, só tinha medo de assumir, inclusive para ela mesma. E o problema era a tal
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amizade e aquela coisa de “você está confundindo” ou “você vai por tudo a perder”. “Mas que preocupação tola! Dois adultos sabem lidar com isso! Vou falar tudo”, ela estava determinada. Quebrar paradigmas e regras não torna a pessoa vulnerável, mas sim forte e corajosa. É muito mais fácil ignorar e deixar passar, do que levantar a cabeça e gritar para todo mundo o que sente. E foi isso que ela fez, falou tudo! A resposta? “É... Somos só amigos mesmo”. Ela ficou sem entender, ele dava todos os sinais de que também sentia, também gostava. Até um beijo partiu dele e para ela parecia que tudo ia ser até mais fácil. Mas, para ele, foi só um beijo porque ela era bonitinha. A principio parecia que nunca passaria, que, além de tudo, o amigo já não seria mais amigo e que olhar para ele todos os dias no emprego seria pior do que o fim do mundo. Mas ninguém morre de desilusão amorosa. Se ela conseguiu ser forte para contar tudo para ele, ela também consegue ser forte para superar. Agir naturalmente era o primeiro passo, ou pelo menos tentar. Nos primeiros dias nada de abraço, no máximo um sorriso amarelo e um “oizinho” de longe. A sensação que ela tinha era de que nunca voltaria ao normal. Os dias foram passando e as coisas se normalizando. A amizade voltou, na verdade no fundo nunca tinha acabado. Mas, ela e ele sabiam que não seria como antes, ele com medo de magoá-la e ela com cautela para não se magoar.