Voz ativa

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BAURU, MAIO, 2015, 1ª

DA QUEBRADA PRO PAPEL O HIP HOP PEDE PASSAGEM

ED


a galera

VOZ ATIVA

maio, 2015 Uma cultura pra quem precisa de voz ativa “Eu tenho algo a dizer, explicar para você, mas não garanto para você que engraçado serei dessa vez”. De Mano Brown a Coruja BC1, de Tupac Shakur a Thigor MC, de Grandmaster Flash a DJ Ding, de Queen Latifah a Sara Donato, de Banks Backspin no auge dos anos 80 na estação São Bento ao BBoy Luan Dos Santos, o Hip Hop salvou e ainda salva. Você vai encontrar ao longo das próximas páginas os cinco elementos desta cultura libertadora - e vai se libertar também. Com as pickups dos DJs, a lata de spray do Graffitti, a ginga do Breaking, o papel, a caneta e o microfone do Rap, a quebrada pede passagem. A favela resiste, o gueto sobrevive, a periferia conquista a voz que sempre mereceu. O que era marginal, hoje tá no horário nobre. Num flow enlouquecedor, na Sabotage do preconceito. Mais que arte, o Hip Hop é resistência. Quem nunca foi ouvido, hoje tem Voz Ativa. Bauru, famosa pela sua ferrovia, trilha outros caminhos para se salvar. Um celeiro de talento mostra que o interior tem voz. O Hip Hop manda a real, fala o que a mídia ignora

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Reitor: Dr. Julio Cezar Durigan

Vice-reitora: Dra. Marilza Vieira Cunha Rudge

Av Eng Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 Bairro: Vargem Limpa CEP: 17.033-360 – Bauru, SP Fone: (14) 3103-6063

e mostra o que o governo não quer enxergar: é um instrumento de transformação social por meio da consciência. Cultura de voz ativa que dá poder ao povo. O Voz Ativa vai te levar para este universo. Você vai conhecer cada elemento desta cultura, a indústria fonográfica, a fé, a apropriação, a arte, a luta política, o machismo, a relação com o poder público. Nas próximas páginas você vai descobrir que o Hip Hop liberta e contagia. Durante anos, a vida nas periferias foi considerada descartável. Toda cultura de milhões de seres Humanos foi colocada à margem. A luta pela emancipação e pela autonomia dos negros e pobres da favela, foi recebida com truculência e hostilidade pelo estado. O Hip Hop veio pra mudar isso e mostrar ao mundo que a arte pertence ao povo. Então embarque com a gente, em meio ao som, ao ritmo, as cores, as danças, as vozes. Na sábia loucura de gente que cansou de ser considerada cidadãos de segunda classe, nos jogamos em meio a essa cultura rica e alucinante. E você vem junto. Valeu Tio?

FIQUE LIGADO

PAPO RETO

V.A.

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3- O Pilar que sustenta os outros 4

4- O Maestro do Hip Hop/

Arte e Poesia em Movimento

5- Wise Madness, uma sábia

loucura na racionalidade bauruense

6- Ritmo, poesia e fé/ Thigor MC

7- A Mensagem X O Dinheiro/

O RAP de Coruja BC1 salvando vidas

8- “Muro branco, povo

mudo”

9- Grafite ou Pichação? 10- O Hip Hop e o Poder Pú-

blico/ A Criminalização do movimento

11- As minas querem voz!/ O

RAP de Sara Donato

12- Se pudessem deixar a Beyoncé branca, deixariam

Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – FAAC

Departamento de Comunicação Social

Diretor: Dr. Nilson Ghirardello

Vice-chefe: Dr. Angelo Sottovia Aranha

Vice-diretor: Dr. Marcelo Carbone Carneiro

Chefe: Dr. Juarez Tadeu de Paula Xavier

Curso de Jornalismo

Coordenador: Dr. Francisco Rolfsen Belda Vice-coordenadora: Dra. Suely Maciel

Planejamento Gráfico Editorial II Professor: Dr. Francisco Rolfsen Belda Jornalismo Impresso II Professor: Angelo Sottovia Aranha

REDAÇÃO E PROJETO GRÁFICO

GIOVANE NAVARRO ROCHA LUCAS ARANTES ZANETTI LUCAS DE TOZZI MENDES HEITOR ROSSI AMBIEL FACINI RAFAEL FRANCISCO DE PAULA

DIAGRAMAÇÃO: GIOVANE NAVARRO ROCHA


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O Pilar que sustenta os outros 4 Como o Hip Hop e o conhecimento se relacionam Heitor Facini

Q

uando se pensa em Hip Hop sempre vêm quatro coisas na cabeça: o Rapper, cantando, encantando e proferindo sua mensagem; o Grafitteiro, pintando sua idéia na parede permanentemente e passando para várias gerações a frente; o BBoy, agitando e contagiando com seu Break; o DJ, mostrando o seu vasto saber musical e encaixando perfeitamente uma batida na outra. Mas o esquecido é o elemento do Hip Hop que une esses quatro e norteia a cultura como todo: o conhecimento. “As nossas periferias precisam de referência e o Hip Hop tem um papel fundamental nisso. Direciona [o povo] para as artes, para a cultura, para a literatura. O Hip Hop é um portal para isso. São 515 anos de uma massa que é empurrada para a letargia”, disse Banks, do Backspin Crew, um dos grupos de Break Dance mais antigos no Brasil. “O Hip Hop liberta a mente. O chamativo é os elementos artísticos, mas por traz disso tem todo um trabalho de reeducação, de colocar a pessoa dentro da sociedade com mais poder de questionamento, com mais visão crítica de mundo, com mais participação ativa no seu meio social. Hoje a transformação dentro das periferias vem de forma gradativa. A gente não espera o governo, a gente age nas bases. Para a molecada, se você der uma arma ela atira, se você der um livro ele lê, se você passar um passo ele aprende… É questão de referencial mesmo”. Dom Black, um dos mais antigos rappers de Bauru, estava fazendo política sem saber que fazia. Ai ele perINFOGRÁFICO: LUCAS ZANETTI

cebeu o carater transformador do Hip Hop. “Eu quero que as pessoas saibam os assuntos que eu falo nas minhas músicas. Eu quero que discutam eles”, aponta. “Eu estudei muito mais quando eu sai da escola. Eu queria escrever minhas letras. Ai, eu estudava os temas para falar com propriedade. O importante não é o rapper falar por eles, é passar o conhecimento para que sejam a própria voz e consigam se representar a si mesmos”. Marcos Vinicius Fernandes, um dos coordenadores e criadores da Ong Wise Madness, vê o Hip Hop salvando pessoas.

‘‘Para a molecada, se você der uma arma ela atira, se você der um livro ele lê, se você passar um passo ele aprende’’ “Ao ensinar o que é bom, você tira aquilo que é ruim. Principalmente para o povo da periferia, o povo mais carente… Na periferia tem muita coisa que é ruim. Você ensinando aquilo que é saudável substitui aquilo que é nocivo”. Henrique Alves Tomás, um dos vocalistas do AlemDaRima, ressalta

que o MC apenas coloca na música todo o conhecimento de uma cultura.”A gente propaga tudo aquilo de uma cultura, o MC tá ali para dar voz para um monte de gente e fazer refletir o que o Hip Hop quer passar. Colocar essa mensagem que a cultura quer passar é fazer que quem ouça o som e a poesia consiga refletir sobre aquilo.” Um dos mais importantes rappers da história do Brasil, Genival Oliveira Gonçalves, o GOG, fala da importância do Hip Hop em mostrar ao cidadão que ele pode ser protagonista de sua própria história. “Nós vivemos o que nós falamos. A gente aqui quer bater com o preconceito. As pessoas tem de ter oportunidade de se colocar. Temos de escrever nossos livros, ter a oportunidade criar nosso diálogo”, comentou. O Hip Hop, antes de várias artes agrupadas, é uma cultura. A música não é a musica pela música, a dança não é a dança pela dança, a tinta na parede não é o grafitti pelo grafitti. A mensagem por trás daquilo é de politização, reeducação, conscientização e independência pessoal. A base é primordial. O Hip Hop salva vidas e o Hip Hop liberta e dá poder para que o cidadão possa usufruir da sua cidadania.

Biblioteca Móvel - Quinto Elemento quer levar leitura para a quebrada

Uma das idéias mais interes-

santes que a cena Bauruense de Hip Hop implantou é a Biblioteca Móvel Quinto Elemento. “A gente trabalha com o Hip Hop e estamos lidando com pessoas oriundas de classes menos favorecidas. A gente quer levar a leitura para essas pessoas”, afirma William “Índio”, um dos idealizadores do projeto sem fins lucrativos. A biblioteca surgiu em 2013. Durante a edição da semana do Hip Hop de Bauru daquele ano os idealizadores queriam fazer um Sarau. “A partir daí a gente entendeu que o povo precisava de um pouco mais de leitura. Já tinham o conhecimento oriundo das periferias de onde eles são. O livro talvez pudesse potencializar isso dentro daqueles sujeitos”, afirmou William. Assim começou a Quinto Elemento. Cada um levava seus livros para serem lidos pelos outros, e pegavam os livros que os interessavam. “Fomos percebendo que a partir daí foram surgindo letras mais elaboradas e o Hip Hop acabou descobrindo outro canal de comunicação: a literatura”. A Biblioteca Móvel não tem tanta burocracia como as bibliotecas tradicionais. Por mais que sejam públicas, o espaço não é para todos. Dentro das escolas elas são consideradas cantinhos dos castigos. “Isso inibe o sujeito a ler, aqui é bem diferente, a gente não pressiona ninguém”, completa William. A biblioteca móvel funciona assim: você vai leva o livro que você quer doar, pega o livro que você quer ler e devolve só quando terminar a leitura. Não há pressão, não há exigência de documentos nem nada. Apenas isso, simples assim.


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O maestro do Hip Hop

Arte e Poesia em Movimento

DJ Ding, importante EM Bauru, explica a importância do Disc Joquei Heitor Facini

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HE TO: FO

ITOR FACIN I

anks Backspin diz que o DJ do Hip V.A.: E quais as dificuldades da proHop não é “apenas um DJ de Pen fissão? D: É o público. Você tem Drive e sim um pesquisador todo o trabalho de pescultural”. O DJ tem a função quisar para montar de união entre a hisum set legal para tória e o momento a festa, tem um atual e mostrar O PRIMEIRO ELEMENTO e q u i p a m e n to aqueles que escaríssimo e o tão entrando cara vai lá e na cultura e contrata alligar aqueles guém despredois pontos parado. O cara temporais. vai lá, só colo Inicialca o notebook e mente dependeixa tocando. dendo de discos dificeis para V.A.: E quanto ao “DJ serem encontrados de Pen Drive”? agora com o aporte tecnológico a profissão teve uma D: Pra mim são duas coisas. Tem mudança considerável. Precisava-se os que começam por aí e depois evocomprar um vinil para conseguir uti- lui mesmo. Mas tem aqueles que vão lizar e compor uma batida e isso mu- lá para sempre aparecer e não tocar dou drasticamente. Os sons para serem mesmo. Eu tenho muita coisa contra e compostos podem ser encontrados na pouca a favor. Só resta a esperança que internet e podem ser remixados a par- o cara evolua, compre os equipamentos tir de equipamentos, de programas de para virar um DJ de verdade mesmo. O muito mais fácil acesso. importante é não desestimular quem tá Aubre da Silva Idesti, mais po- começando. pularmente conhecido como DJ Ding, é um dos maiores nomes de disc joqueis V.A.: E qual a importância para você de Bauru. Com 42 anos, Ding ajuda a fa- da profissão de DJ dentro do Hip zer crescer essa cultura em Bauru.

VOZ ATIVA: Desde quando você tá envolvido cultura? Quando virou DJ? DJ Ding: Entre 89 e 90 eu ouvia mui-

ta música. Aí na BAND FM eu ouvi o Grandmaster Flash, um DJ muito famoso nos Estados Unidos e curti. Comecei a ouvir o pessoal comentando e como tocar, etc. Aí eu mudei para Bauru e acabei conhecendo um pessoal que ia nas festas que tocava Black Music. Fiquei amigo deles e comecei a tocar em festinhas de garagem, na época era o que dava para fazer. Daí para começar a tocar em clube foi rapidinho.

Hop? D: O DJ foi o primeiro que apareceu,

quem abriu o caminho pra cultura. O MC era um ajudante que depois virou mestre de cerimonia. Não é porque eu sou DJ, mas sem ele não acontece. Ele é o maestro. Ele tem que pesquisar sempre, lançar novidade. Além disso ele tem que voltar no tempo, colocar umas músicas lá do passado para a pessoa que está chegando agora para acabar conhecendo, entendeu? FOTO: HEITOR FACINI

era mais prazeroso. Você tinha só o vinil e a fita cassete e tinha que correr atrás de tudo, ouvir no boca a boca os lançamentos. Eu, por exemplo, muitas vezes pegava o trem e viajava oito horas até São Paulo só pra comprar 2 ou 3 LPs e voltar. Era aquele desafio, né? Quanto mais difícil melhor. Hoje, em contrapartida, tá muito mais fácil. Você pesquisa muito mais e mais rápido. Você tem a informação ali na hora. Você tem muito mais informação para montar um set específico.

DJ DING, NO RAP HOUR

no ritmo das quebradas

Rafael de Paula

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O Breaking é um estilo de dança que representa um dos quatro elementos do Hip Hop. Nasceu em Nova Iorque nos anos 70, e foi criado dentro das comunidades afro-latinas que viviam nas periferias da Big Apple. O estilo ganhou esse nome porque os praticantes dançavam na “quebrada” da música. Ou seja, nas batidas que os DJs criavam. O “boom” do breaking veio nos anos 80, quando a grande mídia americana abraçou o Hip Hop e começou a vendê-lo de forma mais positiva, o que não aconteceu na década anterior. Foi justamente nessa época que o Breaking chegou ao Brasil. Assim como havia acontecido nos EUA, os jovens moradores de áreas periféricas, abraçaram o estilo, criando passos que juntavam os movimentos gringos com a malandragem brasileira. Em pouco tempo, os B-boys já estavam espalhados por todo Brasil.

Aqui

Quem passa pela praça Rui Barbosa, ou mesmo pela rodoviária municipal pode não saber, mas se voltarem nesses lugares no dia certo, na hora certa, poderão assistir um verdadeiro show. Esses locais são conhecidos por ocasionalmente, muitas vezes sem data marcada ou aviso prévio, reunir B-boys, que ao som de batidas contagiantes, despejam todo seu repertório de passos e acrobacias em quem por ali passa, tudo pelo simples prazer da arte. E entre eles, destaca-se Luis Frabetti, o Major. Major conta que teve seu primeiro contato com a dança em 2003. “Eu conheci o breaking mais ou menos em 2003 quando o pessoal de uma ONG, na época chamada Quilombo do Interior fez uma apresentação com o caminhão palco no Parque Jaraguá onde eu moro... tinham uns B-boys que se apresentavam, e eu vi e me apaixonei”. E essa paixão deu frutos. Nos úl-

timos 12 anos, Major se transformou em um ícone do breaking bauruense e um referencial para outros praticantes. Ainda assim, para ele o principal é inspirar uma nova geração de B-boys. “Você está inspirando outros, a molecada tá vendo você fazer, e eles se inspiram e assim que a gente vai mantendo nossa cultura.” Essa missão de inspirar e ser referência também é o que motiva Ericson Carlos Pires da Silva, o Banks. “As periferias precisam de referências, e o hip-hop tem um papel fundamental nisso (...) Através da dança, eles conhecem o mundo que ainda é selado dentro das quebradas. Através da dança, o cara pode tomar um outro rumo na vida.”

Do Geisel para o Mundo

Em Bauru, quando se fala em breaking é impossível não falar de Luan Carlos dos Santos. O jovem de 23 anos é considerado hoje, um dos melhores B-boys do mundo. O jovem criado no Geisel, começou a dançar em 2002, e não parou mais. Embora esteja hoje morando em Diadema, grande São Paulo, Luan ressalta sempre suas raízes. “Eu aprendi a dançar no Geisel. Tudo que eu sou hoje vem de lá. É lá que tá minha família e amigos. Foi lá que eu comecei.” Dono de um estilo provocativo, Luan venceu em 2014 o campeonato latino-americano de breaking. Com a vitória, ele se classificou para representar o Brasil no mundial que ocorreu em dezembro do mesmo ano, onde caiu em decisão dividida nas oitavas de final para o japonês Taisuke. Mesmo assim, ele afirma que ficou satisfeito. “Perdi pro cara que foi pra final, e sei que dei o meu melhor, pra mim o que importa é isso. E também me diverti pra caramba. Meu objetivo é sempre melhorar, fazer melhor do que já fiz.” FOTO: ARQUIVO PESSOAL

V.A: E qual a diferença da profissão de antes para agora? D: A diferença era a dificuldade e como

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B-boy na etapa latino-americana de breaking


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Wise Madness, uma sábia loucura na racionalidade Bauruense

HÁ 10 ANOS, A REFERÊNCIA DO HIP HOP EM BAURU Giovane Rocha e Rafael de Paula

EL O: RAFA DE PAULA FOT

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principal dos trabalhos. Ali são desenvolvidas a autoestima e a personalidade dos participantes. São realizadas no perí�odo noturno as oficinas de Streetdance e Street-Kids, STOMP (trabalho de percussão que usa objetos comuns e o próprio corpo para produzir sons), Pirofagia, Teatro, Clown (aulas que juntam o teatro e a comédia), Breakdance e a Escolinha de Skate e Roller. Todas as aulas são para todas as idades e gratuitas. A “Escola com Arte” funciona como um espetáculo itinerante, estimulando os participantes das oficinas do “Nosso Galpão” a colocarem em prática o que é aprendido. As apresentações são realizadas em escolas públicas de Bauru, seguindo as temáticas sugeridas. Nos encontros também são abordados temas como drogas, violência e convivência social, a fim de estimular os bons hábitos nos alunos. “Impactar com Arte” é justamente o objetivo final das oficinas da Wise. Nesta etapa, os integrantes do “Nosso Galpão”, devolvem a sociedade todo o conhecimento absorvido no projeto. Apresentações são realizadas em espaços públicos, geralmente a noite, de modo a integrar a cultura urbana de volta às ruas, só que de forma mais organizada e desenvolvida. Todas as apresentações são feitas em parceria com a Secretaria de Cultura de

WISE, AO SEU DISPOR

Bauru. A última área desenvolvida na Wise Madness, também é uma das mais importantes. O “Serviço de Fortalecimento de Ví�nculos” faz com que a Wise não seja totalmente um projeto desvinculado do poder público, como explica o cofundador Marcos Vinicius. “Na verdade, a gente tem uma certa ligação (com o poder público)… De 2014 pra cá, nos começamos com o serviço de fortalecimento no qual nesse sim, nós temos uma ajuda do poder público.” Por conta desta parceria, a Wise atende crianças e adolescentes, indicados pelo CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), com faixa etária entre 5 e 16 anos, no contra turno escolar, com aulas de artesanato, Hip-Hop, Skate, Dj, Breakdance, Reciclagem, Grafiit, Clown, StreetDance e Malabares. Além das aulas, os jovens recebem duas refeições diárias e reforço escolar. Todas essas atividades são realizadas em parceria com a SEBES (Secretaria do Bem Estar Social) de Bauru.

COMO AJUDAR

OFICINAS

Imposto de Renda 6% para pessoa física e 1% para pessoa jurídica

DJ e MC/ Skate - Seg. 20h - 22h

Depósito na conta da Wise ou via PagSeguro. Grife de Camisetas Wise Madness Clothing. Doação de alimentos, brinquedos, material escolar e livros.

FOTO: LUCAS MENDES/ INFOGRÁFICO:GIOVANE ROCHA

FOTO: BERNARDO FONTANIELLO

representasse a evolução do grupo e que grupo Wise Madness ganha impactasse os envolvidos. Surge assim espaço em Bauru como a casa do a Wise Madness, uma sábia loucura hip-hop e do skate na cidade na racionalidade e região, desde sua fundação. bauruense. Inspirados pelo evento Um dos trazido pelo projeto paulistano Extreme Impact, que em 2006 veio a Bauru com trinta dias de circo, street dance, hiphop e percussão, os amigos Marcos Viní�cius Fernandes, Danny Pagani e Anderson Ricardo espelharam-se naquele exemplo MARCOS VINICIUS, COFUNDADOR DA WISE MADNESS. para expandir a cultura do hip-hop no cerne da divisores sociedade bauruense. de água no Com o nome “Das ruas crescimento da pras ruas”, o grupo começou a se Wise se deu em 2010, reunir na praça Rui Barbosa, no centro quando os coordenadores conheceram da cidade, com oficinas de street o Promotor de Justiça Enilson David dance e pirofagia, fazendo crescer daí� Komono, 39 anos, que se interessou as chamas do hip-hop no coração de pelo projeto e passou a integrar as Bauru. O próprio nome utilizado era reuniões. Com sua entrada, o grupo carregado de simbolismos, afinal, o ganhou a infraestrutura que faltava, objetivo do grupo era levar às ruas chegando inclusive a adquirir uma bauruenses uma cultura que já era das sede própria, inaugurada em abril de ruas. Marginalizado e estereotipado 2012, contando com o primeiro e único como um fenômeno das periferias, bowl (rampa profissional de skate) de algo sem valor para a elite cultural, a Bauru. “Wise” queria provar que aquela era de fato uma cria das periferias, mas tinha, ATUAÇÃO sim, um papel fundamental como arte. O tempo foi passando e mais O projeto conta com inúmeras apaixonados, ou apenas curiosos, oficinas divididas em quatro áreas foram se juntando à iniciativa. Assim, especí�ficas. eles perceberam a necessidade de A “Nosso Galpão” é o foco pensar em um novo nome, algo que

STOMP - Ter. 20h - 22h Skate - Qua. 20h - 22h Street e breakdance - Sex. 20h - 22h Malabares e pirofagia - Sáb. 14h - 16h


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Ritmo, poesia... e Fé

Sem perder o estilo próprio, grupos de RAP fazem questão de professar sua fé Rafael de Paula

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how lotado. Na plateia, jovens,de camisas largas, bermudões, bombetas . Fjay é o primeiro a subir, confere o som, manda um salve pra galera e começa a batida. “Tche... tcheguedieguedie... tcheguedieguedie... eu to a pampa”. Três figuras aparecem marchando e cantando o refrão. “Tche... tcheguedieguedie... tcheguedieguedie... eu to a pampa”. A plateia canta junto. Acompanha o ritmo com as mãos, cabeça, com todo o corpo. A música contagia, a empolgação aumenta. O verso, sem muito sentido aparente é repetido mais uma vez. “Tche... tcheguedieguedie... tcheguedieguedie... eu to a pampa”. Boom. Começa o show. Qualquer desavisado, ao ver essa cena, em um primeiro momento pode imaginar que se trata de apenas outro grupo de RAP. Mas basta alguns minutos prestando atenção nos versos que aquele grupo destila no palco para perceber as diferenças. Letras que fa-

lam de Deus, de fé, de salvação se misturam às histórias cantadas em versos. Testemunhos de vida e orações são feitas no palco, e são acomp a -

“MAS VELHO, SE É PRA LOUVAR A DEUS, VALE A PENA”

nhadas fervorosamente pelo público. Aqueles quatro são mais do que rappers, eles são o Ao Cubo, um dos principais grupos de RAP Cristão do Brasil. Ao Cubo, que faz analogia a trindade cristã (o Pai, o Filho e o Espírito Santo), surgiu em São Paulo em 2003

Thigor MC: Um mensageiro de Cristo

Rapper de Bauru, trilha seu caminho aliando Hip Hop e a Igreja Rafael de Paula

com os MCs Feijão, Dona Kelly e Cléber, além do DJ Fjay. Seu primeiro álbum, Respire Fundo, alcançou em pouco tempo disco de platina, vendendo mais de 100 mil cópias, feito incrível, principalmente se tratando de música gospel. De lá pra cá foram quatro álbuns e três DVDs. O grupo só um exemplo de um estilo que vem crescendo no Brasil, o RAP Cristão. Com as tradicionais batidas do Hip Hop usadas para levar a mensagem de Deus, esses grupos conciliam seus estilos próprios com sua fé, tendo que muitas vezes enfrentar barreiras dentro das próprias igrejas. “Mano, até hoje a gente sente preconceito. Quanto começou era pior, os caras olhavam pra nós desaprovando mesmo o nosso som. Mas velho, se é pra louvar a Deus, vale a pena. Esses muleque que tão ouvindo a gente, que tão fazendo o som deles, tem que fazer mesmo. Fazer de coração”, disse MC Feijão.

E

m Bauru, muitas pessoas também se envolvem com o RAP Cristão. Misturando sua fé com o ritmo com que eles se identificam, homens e mulheres se juntam para fazer versos, construir rimas e orar. Um desses MCs é Thiago Luiz da Silva, o Thigor MC. Com seu estilo e sua música, ele acredita que o RAP, aliado com a mensagem cristã, pode fazer a diferença na vida das pessoas. “É bem espiritual no meu caso. Minha música consegue ir além, né meu? Consegue chegar em lugares que eu não consigo chegar... Eu consigo ver assim, o efeito disso na vida das pessoas. O Hip Hop não discrimina nada. Eu acredito que todos vêm pra somar, mas cada um tem sua área.” Thigor, hoje com 29 anos já está a 10 anos na estrada. Seu primeiro trabalho foi lançado em 2006 com o grupo Guerreiros da Luz, onde ele era vocalista. Após o fim do grupo, Thigor começou carreira solo, tendo lançado um CD e um DVD. Ao contrário da maioria dos rappers cristãos, que já gostavam do estilo antes mesmo de se converterem, com Thigor foi diferente. “Comecei a ouvir RAP depois que me converti. A partir desse momento me identifiquei com o que era cantado, comecei a usar pra me expressar. Sempre fui uma pessoa muito tímida, muito calada.

Mesmo com as dificuldades, esses grupos crescem em popularidade. Em várias igrejas, especialmente nas de bairros pobres, jovens se reúnem para ouvir as músicas do Ao Cubo, Apocalipse 16, DJ Alpiste, Pregador Luo. Mais do que apenas louvores, eles ouvem testemunhos que se enquadram na própria realidade. Preconceito, criminalidade, drogas são temas recorrentes nos sons desses grupos. Ao mesmo tempo eles passam esperança, dando uma alternativa a quem ouve. Para o DJ Fjay, esse é um dos segredos para o sucesso do Ao Cubo.“Velho, quem ouve a gente se identifica com a gente. Nossas letras falam do que esses conhecem. Eles querem louvar a Deus, mas não querem abandonar o estilo deles. É isso que a gente faz. Mostra pros caras que Deus não se importa com tuas roupas ou com teu som. A gente fala da nossa vida que é vida deles.”

Através da música consegui me expressar e me comunicar de alguma forma.” Ele ainda explica como foi esse processo. “Foi a quinze anos mais ou menos. Sempre fui envolvido com música, mas antes eu tocava samba. Nesse período eu comecei a ouvir e comecei a ouvir. Essa mensagem se comunicou comigo, me trouxe uma perspectiva de vida diferente. Me ensinou muita coisa que não aprendi na escola. Ai me identifiquei e comecei a escrever [as músicas].” Mesmo assim, ele não conseguir mudar sua vida de uma vez só. “Passei um ano longe da igreja. Me afastei e comecei a me envolver com muita coisa errada, com droga, e foi no momento que eu voltei pra igreja que eu comecei a escrever, que eu senti a necessidade de passar aquilo que eu tinha vivido pras outras pessoas que viviam a mesma situação.” Thigor vê uma importância muito grande no que escreve. “Eu comecei a ouvir o rap assim, o RAP Cristão, e trouxe uma mensagem que pode acrescentar muito cara. Eu acredito que ele consegue chegar em temas, em assuntos que outros tipos de RAP não tem tanta abertura. Eu acho muito legal, porque a gente consegue chegar mais afundo que o Hip Hop secular, por assim dizer.” Gostando ou não, o fato é que o RAP Cristão tem se alastrado como fogo por todo o Brasil. Letras que falam de fé estão nas bocas de quem se converteu já gostando do estilo e não querem abandoná-lo por causa de suas conversões. E também conquistam quem nunca teve contato com essa cultura, mas que se identifica com as letras. Com isso, o RAP tem se tornado não apenas uma forma de expressão, mas uma forma de evangelização.


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A Mensagem x O Dinheiro

A PRODUÇÃO DO RAP COLOCADA em PERSPECTIVA Giovane Rocha

PONTOS DE VISTA

Por ser a cultura que luta por dar uma voz ativa para as comunidades, o Hip Hop encara o preconceito desde sempre, a fim de buscar a melhora para todos seus irmãos, mas nunca para si mesmo. É com essa visão que Thiago de Tarcius Marmontel Fontes, o Thiago Negão, presidente e produtor da P.D.G. Records, não contesta o potencial dos rappers independentes. “Cada um tem o seu diferencial cada um tem sua meta e seu objetivo é isso que torna o RAP tão agradável, a diferença e a diversidade de ideias mas todos na mesma batida afim de ajudar a comunidade e ao meu ver todos temos potencial assim como qualquer outro rapper em destaque”, diz ele. MC aos 14 anos de idade no grupo Evolução Racial de Bauru, Thiago tem uma visão bem clara do outro lado do mic sobre a qualidade na produção dos RAPs.

“O RAP ele nunca perde a essência porque se o mano rima miojo com estojo, DS já vira uma rima. Agora em relação a qualidade acho que parte de cada um, porque nenhum rapper faz a letra igual a do outro. Cada um aborda aquilo em que acredita ou luta e os lucros são consequência né mano, quem não quer ganhar um din fazendo o que mais LOGO P.D.G. RECORDS gosta? Mas sim, tem os zoião que pega o bond andando e entra pensando só no bolso e não em espalhar a mensagem da qual a perifepara a indústria da música. O MC acha ria precisa”, completa. O rapper independente Coru- que a questão vai muito além de como ja BC1 vê a internet como uma ferra- as pessoas costumam taxar os músicos menta forte para divulgar os músicos que lutaram para vencer como “vendiindependentes, mas fala que enquan- dos”: “Tem um amigo meu, o Rashid, to mídia democrática, “já foi melhor,..., que fala um bagulho muito loco, numa antigamente não precisava pagar im- música ele fala assim: “Se vender é você pulsionamento,..., tipo assim, criaram fazer o que você não gosta por dinnovos meios de limitar a publicação heiro, você fazer o que você ama não é do artista independente nas redes so- se vender.” Eu acho que o MC tem que ciais,.., os cara vê o que dá dinheiro e aprender a fazer negócios também... quando eu vejo esses irmão bem mano, começou a limitar né.” Coruja ainda comenta sobre a pra mim é vitória,..., julgar um irmão de questão dos rappers que “se vendem” vendido é retrocesso.” O/ ODUÇÃ FB.COM/P .D.G EPR . RE CO R

dentes, que para não manchar as mensagens transmitidas através da poesia ritmada não se poupam de derramar o próprio suor para serem reconhecidos, não por um estereótipo criado, mas sim pelas experiências passadas.

:R TO FO

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estilo musical que hoje desconstrói preconceitos e constrói ideologias, surgiu na década de 60, na Jamaica, e foi importado para os Estados Unidos, onde ganhou o nome Rhythm and Poetry, Ritmo e Poesia, ou só RAP, um dos pilares fundamentais no cenário do Hip Hop. Em sua origem, esse modo de fazer música já buscava trazer na sua essência a mensagem que aqueles que cantam, os MCs (Mestres de Cerimônia), queriam passar, abordando assuntos que, lamentavelmente, faziam parte do seu cotidiano, como a violência sofrida nas periferias, situações políticas, e o preconceito que envolvia toda esta cultura. Com a Indústria Cultural já em jogo, o RAP não escapou da visão mercadológica das produtoras e logo entrou pro, não tão seleto, grupo de músicas que serviam como um mero produto “bom para ser comercializado”. Igual a outros estilos afetados por essa visão, o RAP perdeu na qualidade de sua mensagem e em como era passada, sendo que a mídia viu mais uma vez no poder do estereótipo a oportunidade para vender a verdade nascida das periferias. Em contraponto à visão de mercado e para preservar a essência do RAP, existem os rappers indepen-

O Rap de Coruja BC1 salvando vidas

Do repente ao Hip Hop, o MC continua fortalecendo a cultura que move sua vida

Voz Ativa: O que mais te atraiu no Hip Hop? Coruja: A chance de mudar vidas, a

parada da resistência, de educar, de construir e aprender entre nós mesmos. O Hip Hop chega na vida do morador de periferia e se posiciona como opção. Nos ensina coisas que a escola as vezes se omite em ensinar. As vezes

não, quase sempre. Eu, filho de pai negro, me considero negro. Ai chegou o Hip Hop e mostrou pra mim, que não gostava de ler os livros da escola, uma porrada de literatura da história negra. Você se interessa por aquilo. Quer ler mais e mais. O Hip Hop chega dessa forma, trazendo muitas coisas que o sistema se nega a mostrar.

VA: Qual você acha que o papel do MC na construção do conhecimento? C: Tem gente que faz RAP só pela mú-

sica, que não é MC. Eu respeito, acho que cada um tem sua escolha, ninguém é obrigado a fazer nada. Mas o MC tem um comprometimento com a cultura Hip Hop. Eu me posiciono assim, é outra fita, né? Acho que o MC tem a obrigação de agir e interagir com os demais elementos do Hip Hop. O importante é os elementos voltarem a andar unidos, entendeu?

vejo como parte dela. Em 2011 eu trabalhei no ponto de cultura junto com o [Renato] Magu. Olhando pra trás, eu vejo que a gente caminhou muito daquele tempo para cá. No entanto, eu acho que a cena de Bauru ainda tem muito a progredir. A gente, que vê o lado de fora, tá sempre tentando trazer coisa nova pra cá. Tem muito avanço para acontecer. Nunca pode achar que tá bom, porque não tá. Tá para ficar. Bauru tem grandes MCs, grandes grafiteiros, grandes BBoys, grandes DJs. Acho que o próximo passo da cena é fazer dinheiro, tio. Os MCs sobreviverem daquilo que amam fazer. Alguns fazem isso bem já, o Thigor, o AlemDaRima, o Dom Black, o Thiagão, o Canela… Uns caras já vivem da arte aqui. O grande passo seria uma casa do Hip Hop mas funcionando em todas as condições certinhas. Todo mundo que trabalhar nela tem que ter salário. Isso seria um passo muito louco para dar. O Hip Hop é forte para caramba aqui.

VA: E como você vê aqui em Bauru o VA: E qual é a mensagem que Hip Hop? C: Eu ajudei a construir essa cena, me você quer passar no ‘A Voz

Heitor Facini

do Coração’? C: Eu odeio traduzir letra. A magia da

música consiste nisso, mano, no escutar e interpretar. É que nem você olhar pra uma parede. Dependendo do ângulo que você olha, você vai vê um detalhe diferente, então, a pessoa dependendo do sentimento que ela tiver no momento ela vai absorver de uma forma diferente cada pedaço da letra. ‘A Voz do Coração’ é para mudar vidas, mano. É um álbum único, acho que nunca mais vou fazer algo assim. Um álbum não, um CD único. O álbum ainda tá por vir.

FOTO:LARISSA CABELO/ FLICKR

C

oruja, de 20 anos, nasceu Gustavo Vinícius, mas desde a infância já é chamado pelo apelido. “Na real eu não lembro quando eu não era MC”, afirma Coruja. BC1 ainda agrega a importância do conhecimento na caminhada do Hip Hop: “em busca do conhecimento em primeiro lugar”. O primeiro contato cultural do rapper foi o com a cultura nordestina. Seu avô influenciou muito nisso. Mesmo assim as duas se misturam. “Ambas tem a mesma intensidade. Aqueles vem para São Paulo, vêem todo mundo querendo empurrar uma cultura americanizada persistem com a sua própria cultura. Isso é um ato de resistência”. O rapper tem um EP, o “Até Surdo Ouviu”, e um disco lançado recentemente, o “A Voz do Coração”.

CORUJA BCI, “A VOZ DO CORAÇÃO”


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“Muro branco, povo mudo” Como o Grafite e a pichação se relacionam com a cidade e o que ainda se pensa sobre eles Lucas Mendes

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rte, transgressão, vandalismo, expressão, repressão, cores, valores e muita tinta. Inúmeras são as características que podem estar associadas ao Grafite e à pichação. Também inúmeros são os estereótipos e o desconhecimento que ainda caem em cima do pessoal da Arte Urbana. Apesar de protestos escritos em paredes existirem desde os tempos da Antiguidade, foi só no final dos anos 60 que eles tomaram força, principalmente devido ao grande crescimento das metrópoles do ocidente. Nesse tempo o Grafite, como arte urbana, passou a ser desenvolvido nos EUA, nos bairros do Bronx e Brooklyn na cidade de Nova York, feito por jovens negros e latino-americanos. O Grafite supria uma necessidade desses grupos se manifestarem e se expressarem artisticamente. O movimento ganhou força com a contracultura da época, e buscava romper com os ideais da sociedade norte-americana, ao mesmo tempo em que ia na contramão da cultura de massa. O Grafite entra nessa história como algo que proporciona uma liberdade de expressão, uma espécie de “grito das ruas” dos jovens que viviam nos guetos e marginalizados pela cultura hegemônica do seu tempo. Aqui no Brasil, o Grafite tem ressonância já a partir dos anos 70. Para Sérgio Oliveira, artista do Grafite e professor de artes da Pinacoteca Municipal de Bauru, o grande precursor da arte no país foi Alex Vallauri. “Tanto é que dia 27 de março é comemorado o dia nacional do Grafite pelo fato da morte dele”, explica Sérgio. A cena do Grafite no início ti-

nha bastante influência do punk rock, e ganha repercussão no Brasil nos anos 80 e 90, a partir do trabalho de artistas como OSGEMEOS, Espeto, Vitche, ISE, Nina e muitos outros, que acabariam por influenciar toda a arte do Grafite para as próximas gerações.

FOTO: LUCAS MENDES

uma necessidade “fisiológica”. “Se eu não pintar fico louco”, admite o artista. “Fora todo o conceito que tem de despertar, de fazer a pessoa pensar que A essência das ruas é uma arte Com a popularização do Grafite democráti através do mundo, muitos dos artistas ca, que todo passaram a pintar por encomenda ou mundo tem mesmo expor em galerias. Apesar dis- acesso, que so, a essência da arte do Grafite ainda você não presão as ruas. “Eu vejo como uma valori- cisa pagar pra zação ao mesmo tempo em que se mer- ir lá na galeria cantilizou”, diz Sérgio. “Mas o Grafite, ver”. ARTE NO SUFOCO em si, ainda não perdeu essa essência Jota é formado em DA CIDADE GRANDE das ruas, e nunca se pode esquecer dis- publicidade e markeso. O suporte, a tela, são as ruas. Essa é ting e trabalha na casa paldi. A a essência do público de se manifestar de passagem do abrigo queixa é basnas cidades”, conta o artista. tante abrangente Centro Espírita Amor e CaridaEssa essência é alimentada por ser uma de, mas diz que sua paixão sempre foi e n - tre os grafiteiros da cidade. arte que está nos muros, nas ruas, ou a arte. Começou a fazer Grafite logo que Lucas Moreira faz pichações e Grafites seja, em lugares públicos, onde todos chegou em Bauru, há cerca de 8 anos, há pouco mais de 1 ano. Em Bauru ele é têm acesso e podem ver. Além disso é convidado por outro artista do Grafite responsável pelas intervenções nas pauma arte gratuita. “O que é legal tam- bauruense, o L7M. redes onde desenha um rosto a partir bém é o interesse de levar a arte e le- O grande impulso de sua car- de janelas que ele usa como se fossem vantar esses questionamentos. Por- reira veio no final de 2013, quando ele os “olhos” da figura. Atualmente trabaque um muro branco é como um povo venceu o concurso para fazer o Grafite lha no Instituto Graffiti Shop, loja esmudo”, confessa Sérgio. no metrô de São Paulo. “Depois disso pecializada dessa arte em Bauru. Para mudou tudo”, aponta Jota. “Muita gente ele, não dá para sobreviver do Grafite me procurou pra fazer Grafite, fui con- na cidade. Arte Urbana “Dá pra você ser visto, dá pra vidado para um monte de evento”. O maior desses concursos que ter sua exposição, mas é aquele bagu “A arte de modo geral e a arte Jota Crepaldi participou foi no fim de lho, na arte você tem que dar muito urbana mais ainda tem a obrigação de 2014, quando o artista foi selecionado certo, é muita sorte também”, reconhece fazer a pessoa pensar, sair da rotina para pintar o gabinete de Rodrigo Janot Moreira. dela, da zona de conforto, pôr a cabeça da Procuradoria Geral da República, em Muitos pichadores e grafiteiros pra funcionar e fazer questionar”. É o Brasília. O painel que ele pintou foi in- acabam fazendo pinturas comerciais, que diz João Crepaldi Nellis, o Jota Cre- corporado ao Patrimônio Histórico Cul- como letreiros de lojas e estabelecimenpaldi. tural. “Enquanto existir Brasil vai ter tos, para complementarem a renda ou Para ele, a pintu- meu painel lá”, brinca ele. ao menos bancar a compra de novas lara é da grande relevância tas de spray. Apesar FOTO: LUCAS MENDES dada ao Grafite em outros lugares, “Eu faço várias vertentes do dentro e fora do Brasil, em Grafite, até parti pra fazer letreiro e loBauru ainda parece ser gotipo de loja”, diz Diego Rodrigo, grafidifícil para o artista teiro e pichador em Bauru, um dos tanse manter apenas tos que começaram com a pichação e se com sua arte. “Aqui tornaram artistas do Grafite. [em Bauru] é pintar por prazer mesmo, O que falta é Cultura mas quando con- tratam a gente Jota Crepaldi acredita que falta tem que agarrar”, cultura em Bauru para que a arte urbarevela Jota. na possa ser melhor reconhecida. “Tem que acostumar a cabeça das pessoas de Arte pela que Grafite não é crime”, diz. Arte? Para Sérgio Oliveira, a pintura comercial é a sobrevivência da rua. As di- “Como que consegue tinta? Grafiteiro ficuldades em não tem dinheiro. Então a pintura codesempenhar a mercial ajuda na manutenção do trabaarte do Grafite lho na rua. Eu faço um trabalho comerem Bauru não cial, sobrevivo dele e tenho dinheiro são exclusivas pra comprar minha tinta, ou até pra RUA BENJAMIN CONSTANT, NUM TRABALHO DE VÁRIOS ARTISTAS de Cre comer”, explica ele.


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Grafite ou pichação? Para onde vai a arte urbana em tempos de ‘Grapixo’ e ‘Disque-pichação’ Lucas Mendes

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iego Rodrigo começou na pichação, “No caminho da escola era cheio de pichação nas paredes”, conta ele, também grafiteiro, lembrando que começou cedo na pichação, com 10 anos de idade. “Aí a gente começa a rabiscar carteira, tinha sempre uns que apareciam com revista de Grafite lá na escola”, revela. “Quando eu comecei ninguém ensinava. A gente olhava nas revistas, ficava copiando as letras e os estilos”, continua ele. “Depois foi expandindo, foi indo pra tudo quanto é bairro, pegava muro abandonado, terreno, e ficava lá tentando fazer”. Diego é sincero quando fala so bre a arte que faz. Quando se compara Grafite com pichação, ele não hesita. “Não vejo muita diferença não”.

E tem diferença?

A diferenciação entre o Grafite e a pichação é mais conceitual do que prática, uma vez que existem pichadores que fazem Grafite e grafiteiros que fazem pichação. Uma coisa tem tudo a ver com a outra. Pichação são caligrafias urbanas, inventadas na capital São Paulo e que tem uma influência inicial com o movimento punk, o que é bastante confundido com as letras do Grafite. As letras do Grafite são as modalidades, que podem ser das mais diferentes técnicas, como Bomb, Piece, Wildstyle, Freestyle, Throw-up dentre muitas outras. “Qual a diferença entre Grafite e pichação? Também não sei”, diz o artista do Grafite Jota Crepaldi. “Surgiu como uma coisa só. O que define se é Grafite ou pichação? O que faz ser Grafite ou pichação? Ter cor? Ter personagem? Porque tem Grafite que é só letra, mas é colorido, mais elaborado”, explica Jota. A existência da pichação revela uma profunda necessidade de expressão. As populações marginalizadas e periféricas

fazem uso da própria cidade para veicularem suas ideias ou mesmo para serem minimamente vistos ou notados. “Ao mesmo tempo que a pichação critica ela cria um embate pra pessoa. Aquele que tem mais pichações em lugares altos da cidade, tem um respeito entre as comunidades. Criar leis que punem o jovem ao invés de incentivá-lo, não vão adiantar nada. Só vai alimentar um ódio e um rancor”, acredita Sérgio Oliveira, professor e artista do Grafite.

A polêmica da Lei

Proposta pelo vereador Raul Aparecido Gonçalves (PV) e instituída em novembro de 2014, a Lei nº 6.606 gera controvérsias entre os envolvidos com o Grafite e a pichação e as autoridades municipais. A Lei dispõe sobre o Programa de Prevenção e Punição a Atos de Pichação, tanto nos bens públicos como nos de terceiros. Além disso, possui pontos polêmicos, como a proibição da venda de qualquer tipo de tintas e solventes para menores de 18 anos de idade e a criação de um “Disque Pichação”, canal de denúncias da população para quem estiver pichando. Contudo, não está especificado as diferenças objetivas entre pichação e Grafite. “O vereador criou uma lei inócua, que não serve pra nada, porque já existe uma lei federal, ou seja, ele criou uma lei pra ganhar voto da Zona Sul de Bauru”, desabafa um inconformado Jota Crepaldi. O vereador Dr. Raul Gonçalves é médico oftalmologista e vereador pelo Partido Verde. Segundo ele, a criação da lei teve por base uma lei federal sobre o tema, de 2012. “O que a nossa lei quer fazer é [com relação] à maneira que as pessoas querem se manifestar através da pichação. Uma linguagem

que só interessa a um grupo minoritário, pouco inteligível. A maior parte da população não concorda com isso (...) a cidade fica totalmente emporcalhada”, declara o vereador.

Expressão da liberdade ou liberdade de expressão

Em defesa de sua proposta, Dr. Raul lembra que no país o Grafite já é descriminalizado e, segundo ele, o crime é apenas para a pichação. Para o vereador, hoje em dia existem novas formas de expressão, o que tornaria a pichação algo desnecessário. “Hoje nós temos as mídias sociais, que você pode fazer a manifestação da forma que você quiser e atingindo um público muito maior”, conclui. “A gente tem liberdade de expressão, mas é uma liberdade reprimida. Em papéis nós temos liberdade de expressão, mas na prática a gente nunca teve”, declara Mateus Marques, o Fino, dono do Instituto Graffiti Shop, única loja especializada em Grafite na cidade. Para Fino, a politização da arte de rua é essencial por se tratar de uma arte de protesto. “O Grafite e a pichação fazem isso, pra ter essa liberdade, porque a gente pode fazer o que a gente quiser, e a cidade tá aí pra ser usada”, completa. Para Sérgio, a questão que envolve a pichação é mais profunda e traz alguns problemas crônicos da sociedade brasileira, como a desigualdade. Segundo ele, as pessoas que fazem as pichações são em sua maioria jovens que vêm de locais sem estrutura básica, sem bibliotecas, clubes ou quadras de esporte decentes. Além disso, existe a falta de estrutura familiar. “O moleque não tem nada disso, vem de

DES

N AS ME

LUC FOTO:

GRAFITE DE PROTESTO POR JOTA CREPALDI E OUTROS ARTISTAS NA RUA MINAS GERAIS

um mundo de problema social, então a revolta dele se dá nos muros da cidade” reflete Sérgio. “Ele [o pichador] tá provocando, tá dando um tapa na cara da sociedade, mas não percebe o quanto a sociedade julga sem ao menos conhecer”, conclui.

Um local pra se ‘trombar’

Localizado no centro de Bauru, na rua Presidente Kennedy, o Instituto Graffiti Shop é referência no assunto grafitagem e pichação, tanto na cidade como na região. Fino começou a pichar e grafitar ainda na adolescência, inspirado por um grupo paulistano. A loja existe há 3 anos, e virou referência para artistas. “Virou um ponto de encontro nem só da cidade, mas pessoal da região, como Lençóis, Jaú, Botucatu, Marília”, diz ele. “Aqui a gente vai se trombando, isso é legal porque virou um ponto de encontro de artistas”, completa.

Afinal de contas, dá pra di ferenciar?

“São duas coisas diferentes”, diz o vereador Raul. “Quem é grafiteiro diz quem um bom grafiteiro ás vezes vem de um bom pichador. Eu acho que não é assim. A grafitagem é arte, o indivíduo vai ser bom num muro, numa tela a óleo, ele vai ser bom em tudo”, analisa. “A pichação é uma linguagem atípica, onde as pessoas criam símbolos pra se comunicarem entre eles, e fazem verdadeiras disputas de espaço”, atesta o vereador. Para Sérgio oliveira, as coisas não são tão simples assim. Ele enxerga uma relação de “primo rico e primo pobre” entre o Grafite e a pichação. “Hoje já se criou um nova modalidade”, diz ele. “Aqui no Brasil as coisas se criam, porque a gente tem a imaginação muito fértil. Surgiu o ‘Grapixo’, que só existe aqui, no mundo todo”. O grapixo seria a fusão entre o Grafite e a pichação, uma forma híbrida que une marcas características das duas linguagens numa figura só. “É uma letra de pichação gorda, estilizada. Aí pode fazer ‘firula’, criar uma estética própria da letra, fazer escorrendo, coisas da linguagem própria do Grafite”, ensina Sérgio. Para Fino, a invenção do grapixo é uma coisa “muito original brasileira”. “Eu acho que é muito legal porque o movimento não ficou parado só na pichação. Aí você vê que os pichadores querem fazer Grafite também, e inventaram o grapixo”, conclui.


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O Hip Hop e o poder público

As relações entre o movimento e a prefeitura de Bauru Lucas Mendes

E

m Bauru, a Semana Municipal do Hip Hop acontece há quatro anos. Desde sua estreia, a Secretaria de Cultura apoia o evento, em co-realização com o Ponto de Cultura Acesso Hip Hop, que é o principal responsável para que as atividades aconteçam. Em 2013 a Semana ganhou um caráter oficial, instituída por Lei municipal. A partir de então ela passa a constar no calendário de eventos da cidade. “Assim fica mais fácil ter apoio, dá um pouquinho mais de segurança para que as próximas administrações continuem investindo”. diz Elson Reis, secretário municipal de cultura de Bauru.

Colaboração

Por ser um evento que é re alizado colaborativamente – com diversas pessoas ou coletivos ligados ao movimento - a prefeitura de Bauru entra no apoio organizacional, logístico e financeiro. “O grupo que acaba concentrando e organizando isso é o Acesso Popu-

lar, que consegue aglomerar e trazer as pessoas pra organização da Semana” diz o secretário. “Mas a programação é basicamente sugerida pelas pessoas que participam do movimento”, relata Elson. Além disso, ideias como o Projeto Ensaio e o Rap Hour movimentam a cidade durante o ano, ocupando espaços públicos e levando cultura à periferia.Outra forma de apoio da prefeitura de Bauru é através de fomento direto com o Programa de Estímulo à Cultura, que financia projetos com verbas de R$ 10 mil ou R$ 20 mil. Rafael Schiavo é responsável pela inscrição do “Centrão Hip Hop”, e conta que Bauru sai na frente de outras cidades por possuir um programa como esse, porém “também fica atrás de diversas outras cidades que possuem um programa de estímulo mais maduro e justo”, opina.

Acesso Popular

O grande aglutinador do Hip

Hop em Bauru é o Instituto Acesso Popular, uma Associação sem fins lucrativos. Além de outros projetos, ele cuida do Ponto de Cultura Acesso Hip Hop, surgido através de um edital do Ministério da Cultura em parceria com a prefeitura. Segundo Rayra Pinto, uma das coordenadoras do Ponto de Cultura, a maior parte da verba que viabiliza o projeto não é da prefeitura, mas federal. “O incentivo especificamente financeiro é o que a gente tem em virtude do Acesso Hip Hop, que na verdade não é um aporte só municipal” diz. Nas duas primeiras edições da Semana do Hip Hop “a prefeitura apoiava no sentido de verbas para os shows maiores e abertura de espaço”, lembra Rayra. “Agora com a lei, além da verba pra construir uma programação maior, temos abertura de escolas para atividades e apoio de outras secretarias”, explica. Para Elson Reis, o apoio da prefeitura muitas vezes não é reconhecido. “Tem pessoas que acabam sem saber

que a prefeitura está envolvida, e acha que ela não apoia o movimento”, lamenta. “Na verdade a gente apoia o movimento, a ponto de dar ciúmes em outras linguagens artísticas”, confessa ele. Rayra já enxerga de outra forma. “Eu acho que o investimento que a Cultura dá ao movimento é proporcional ao que o movimento faz pela cidade e pela juventude”, que é o movimento que mais mobiliza a juventude na cidade, pondera. “É uma mobilização enquanto movimento social, uma movimentação política dentro da cidade, se [a prefeitura] não investisse seria uma incoerência”, avalia a ela. Dificuldades à parte, a atual reinvidicação do Acesso Popular é de uma sede própria, “pra se transformar na Casa Municipal do Hip Hop”, diz Rayra. A última casa encontrada pela Secretaria de Cultura não passou na avaliação da SEPLAN (Secretaria do Planejamento), devido a falta de acessibilidade. “A gente está nesse intuito pra fazer essa locação, que vai ser um braço da secretaria” garante Elson Reis.

A criminalização do movimento

Cultura marginal, o Hip Hop carrega o preconceito e discriminação social Lucas Zanetti

O

os segmentos marginalizados. ‘’São 514 anos de uma massa que é empurrada para letargia por meio do consumo de massa. O Hip Hop liberta a mente e pelo meio artístico repõe a pessoa na sociedade com mais senso crítico, poder de questionamento e participação ativa no meio social’’, explica. ‘’Eu não posso vender meu trabalho no calçadão que a polícia vem me enquadrar’’, reclama Dom Black, rapper negro bauruense. Isso mostra que o esteriótipo criado pela sociedade acerca dos negros da periferia respalda nos aristas do Hip Hop, mesmo quando eles só querem promover o seu trabalho, o que dificulta a própria ascensão desta cultura.

Ao mesmo tempo em que a Semana do Hip Hop é instituida em lei, a pichação nos muros é proibida na cidade de Bauru. A contradição mostra que apesar da abertura ao diálogo, falta entendimento do poder público sobre o que seria a proposta desta cultura. A lei que proíbe a pichação legitima o que há muito já ocorre. “Na última vez o policial me pegou, não quis deixar a gente continuar e levou a gente pra delegacia. Perdi 200 reais de lata de tinta porque levaram tudo’’, lamenta o grafiteiro Lucas Moreira. O rapper GOG acredita que o primeiro passo para que o preconceito e discriminação

RAP X POLÍCIA

sejam vencidos é a criação de canais de comunicação próprios dos integrantes do movimento, para que haja um diálogo direto com a sociedade. ‘’Nós nunca tivemos espaço televisivo, circuitos de comunicação e gravadoras nos contratando. O preconceito é uma arma do desconhecimento das pessoas que não querem pesquisar, buscar a verdade(...) O movimento precisa ser protagonista da própria história para que a gente possa escrever nossos livros, criar um circuito de comunicação próprio”, defende o rapper. Para ele é preciso espaços que rompam com a mídia tradicional, que não traz uma visão positiva do movimento e querem ser apenas ‘’um quarto poder no país’’.

INFOGRÁFICO:HEITOR FACINI E LUCAS LANETTI

Hip Hop é uma expressão cultural e política vinda da periferia, tendo em sua essência a crítica social. Por ser marginalizado, carrega em si todas os preconceitos e opressões que a população negra e pobre sofrem no Brasil. Os elementos do Hip Hop são constantemente associados à criminalidade tanto pela mídia quanto pelo Estado. ‘’As pessoas acham que por ser de origem da rua, ser marginal é ser bandido. Ser marginal é estar à margem da sociedade’’, contesta o artista do Grafite Sérgio Oliveira. Banks Backspin, um dos pioneiros do Breaking no Brasil, acredita que é função do Hip Hop dar voz, informações e instrumentos para


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As minas querem voz! Mulheres querem espaço e lutam para reduzir machismo no movimento Hip Hop

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Hip Hop é um movimento artístico e de crítica social, mas não está fora dos alicerces em que a sociedade é construída: assim como vários movimentos culturais, é um espaço majoritariamente masculino em que as mulheres são invisibilizadas pelo machismo e pela misoginia. Um dos primeiros gêneros do RAP, o estilo gangsta, surgiu nos EUA nos anos 80 e já objetificava a mulher em sua expressão, criando um rótulo de mulher ‘’fácil, em busca de dinheiro e fama’’. No Brasil, alguns grupos do novo movimento, como Facção Central e Realidade Cruel, receberam influências do estilo gangsta, principalmente a visão negativa acerca das mulheres. Em 1989, Queen Latifah lança seu primeiro álbum de RAP, intitulado ‘’All Hail the Queen’’, onde já contestava a imagem feminina criada pelos homens. No Brasil, a rapper Sharylaine é pioneira no movimento. Em 1986 montou o primeiro grupo de RAP feminino do país, o Rap Girls, e em suas letras, a rapper ressalta a identidade da mulher negra. Apesar dos visiveis avanços, a

Lucas Zanetti imagem masculina no Hip Hop é tão consolidada que o protagonismo das mulheres é considerado por muitos uma invasão de espaço. ‘’Sempre que se vê uma mulher no movimento Hip Hop ela está acompanhada por um homem, seja ele marido, namorado ou irmão, pois são eles quem realmente compõe o movimento’’, afirma Rayra Pinto, integrante da Frente Feminina de Hip Hop de Bauru.

Invisibilidade Feminina

das Flores, Tássia Reis, BellaDonna e Karol Conká.

Frente Feminina de Hip Hop

Em novembro de 2012, foi criada na cidade de Bauru a Frente Feminina do Hip Hop com o intuito de proporcionar espaços de discussões entre as mulheres, a desconstrução do machismo presente no Hip Hop e possibilitar conforto às mulheres para que elas mesmas protagonizem sua arte. A Frente Feminina foi pensada durante a organização da II Semana Municipal do Hip Hop, quando notou-se a necessidade de discutir as questões de gênero. ‘’Durante os preparativos, a gente percebeu que várias mulheres participavam da organização, discutiam e estavam sempre presentes nas reuniões, mas não eram atuantes em nenhum elemento do Hip Hop. Então a gente re-

‘‘QUEREM CALAR A GENTE A TODO MOMENTO’’

A rapper Sara Donato tem 24 anos e em sua música aborda temas como o feminismo, preconceito e padrões de beleza. Ela reclama que o movimento resiste à presença femnina. ‘’Querem calar a gente a todo momento, colocar o que a gente deve cantar’’, contesta. Além de Sara, diversas mulheres vem conquistando destaque no cenário do Hip Hop nacional, como a Odisséia

solveu se organizar enquanto coletivo, e criamos um evento próprio na II Semana do Hip Hop’’, lembra Rayra. A partir de então, a Frente Feminina passou a se reunir regularmente para debater a questão da mulher e pensar em propostas que permitissem a inclusão feminina no cenário Hip Hop. Ana Karolina Lombardi, uma das integrantes do coletivo, ressalta a importância da organização das mulheres nesse espaço: ‘’A Frente Feminina foi extremamente importante para que eu pudesse me sentir representada e para não me sentir oprimida’’, observa.

Espaço conquistado

Após a criação da Frente Femi nina, esse espaço voltado para as mulheres incentiva a atuação e o protagonismo feminino nos 5 elementos do Hip Hop, sendo que o breaking é o espaço de maior participação. ‘’O espaço artístico e militante das mulheres não é um favor dos homens. As mulheres conquistaram isso, assim como a mulher conquistou o voto, por meio da luta’’, ressalta Ana Karolina.

Feminismo, negritude e padrões de beleza: o RAP de Sara Donato

Rapper busca trazer ao Hip Hop suas vivências como mulher negra da periferia e enfrenta com garra o machismo no movimento

Lucas Zanetti ara Donato não veio para brincar, incomoda muita gente, e está sempre levantando debates no meio Hip Hop. Desde a infância, resiste diariamente contra os preconceitos e opressões que cercam à sociedade e hoje usa o RAP para dar voz às mulheres negras da periferia. Em suas letras, a rapper são carlense luta intensamente contra o machismo, o racismo, a gordofobia e todas as formas

S

: TO FO

de discriminação. ‘’Quando a mulher se empodera e bate de frente, as pessoas se ofendem, por isso fiquei como a chata do rap’’, explica ela. Sara acredita que por meio de sua arte, pode empoderar cada vez mais mulheres para não aceitar serem subjulgadas. “Meu peso não é problema. É minha mentalidade que acaba incomodando”, dispara em seu último single, ‘’Peso na mente’’, no qual aborda diretamente a gordofobia. Na letra, também critica o padrão imposto pela mídia e uma sociedade baseada nas aparências. ‘’Ei, pelo amor, tire seus padrões do meu corpo!’’. Nascida num bairro periférico de São Carlos, ela pode se instrumentalizar através da música. ‘’Foi por causa do RAP que peguei gosto por SARA DONATO, A VOZ FEMININA DO INTERIOR RU AU AB RT CU

ler. Meu primeiro livro foi de literatura marginal, ‘O RAP à Lápis’, do Toni C’’, conta. Dentro de casa, a rapper conviveu com um padrasto dependente químico, que agredia sua mãe e chegou a tentar assassiná-la. Hoje, Sara tira das situações que viveu força para seguir na luta contra a violência e a opressão. Aos 14, quando começou a entender a mensagem de crítica social do Hip Hop, Sara montou seu primeiro grupo de RAP com mais 5 meninas, o Conduta Feminina. Após o fim do grupo, foi para o grupo de seu irmão, o Universo Consciente, onde ficou algum tempo. Com intuito de ser protagonista da própria expressão e para cantar sobre a questão da mulher e suas vivências, resolveu cantar em carreira solo. O início foi muito difícil para ela. Boicotes, falta de visibilidade, falta de outras mulheres no RAP foram

as maiores barreiras no começo de sua carreira. Já sentiu, na hora de se apresentar, que o som não estava com a qualidade dos rappers anteriores. Sara Donato foi a primeira mulher de São Carlos que canta, compõe e tem carreira própria. Neste sentido, o feminismo a ajudou a ter perseverança e enfrentar um movimento dominado por homens. ‘’Cansei de ter que encarar o machismo como algo normal, não são casos isolados, a todo momento as minas estão sendo oprimidas, violentadas”, ressalta. Hoje, Sara integra a Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop e o Mulheriu Clã, espaços que buscam a presença feminina no movimento. Sua militância nunca para quando se é minoria historicamente oprimida e discriminada. Porém, Sara mostrou que veio para deixar sua marca, e a de milhões de mulheres, em um espaço onde os homens ditam as regras - pelo menos por enquanto.


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“Se pudessem deixar a Beyoncé branca, eles deixariam” Como a apropriação cultural muda o Hip Hop conforme a indústria fonográfica manda Heitor Facini

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INFOGRÁFICO: HEITOR FACINI/FONTE: GRAMMY AWARDS ™

. Cole, rapper norte-americano de 30 anos, escreve em Fire Squad, música de seu mais recente CD Forest Hills Drive: “Mesma coisa que meu mano Elvis fez com o Rock’N’Roll, Justin Timberlake, Eminem e então Macklemore. Enquanto a gente discute quem vai pegar a coroa, gente branca está roubando o nosso som. Esse ano provavelmente vou aos prêmios vestido elegantemente, enquanto a Iggy [Azalea] vence o prêmio enquanto eu tento sorrir”. Eminem mesmo já assumiu uma mea culpa no disco The Eminem Show na música Without Me: “Eu sou a pior coisa desde Elvis Presley, fazendo música negra de forma tão egoísta, e usando para me deixar mais rico”. J. Cole inclusive disse numa rádio norte-americana que ele não está criticando Macklemore, Timberlake, Iggy Azalea ou Eminem, que ele é um grande fã, ele critica todo o sistema que capitaliza em cima deles. “Outro dia fui até uma página do iTunes de Jazz e quando olhei fiquei assustado. Era 99.9% branco. E era uma página de Jazz. E o que acontece? Quando o povo negro surge com uma forma nova de cantar sobre a opressão que sofre, seja Jazz, Soul, Rock, Hip Hop, o sistema pega pra ele e destrói aquilo”. A apropriação cultural é uma forma de destruição. Alguém e\ou um grupo pega elementos de sua cultura sem ao menos pertencer a ela.

Tira a identidade e normaliza. No caso do Hip Hop, gênero que surgiu nos Estados Unidos por latinos e

“POR QUE NÃO TEM SHAMPOO PARA CABELO CRESPO? EU QUERO QUE MEU CABELO FIQUE CADA VEZ MAIS CRESPO, NÃO MAIS LISO”

negros (minorias na população norteamericana), é bem emblemático como Iggy Azalea e Macklemore cheguem ao sucesso e o obtenham de forma muito mais fácil que os negros que cantam o estilo. Um exemplo é o Grammy de 2014, onde Macklemore e seu CD “The Heist” passaram por cima de Kendrick Lamar e seu “Good Kid, M.A.A.D City”. Lamar recebeu ainda uma mensagem de Macklemore dizendo que ele estava infeliz com a premiação: “você foi roubado, você merecia ter ganho”. O professor Juarez Xavier é direto na sua opinião sobre isso. “Racismo, não existe outra palavra melhor para definir essa distorção!”, declara.

Kendrick ainda retrata o ódio que a cultura negra recebe “The Blacker The Berry”, canção do seu último disco “To Pimp A Butterfly”. “Você me odeia, não é? Você odeia o meu povo, o seu plano é terminar minha cultura”. Juarez observa um aumento do racismo na cultura, fazendo com os artistas tomem posições mais radicais quanto ao assunto. “Lamar diz o que se houve dos produtores culturais há anos: anos a cultura negra, mas sem os negros”, complementa o professor. ‘ Coruja BC1, ou Gustavo Vinicius, rapper Bauruense explica o que é apropriação cultural. “É desde a mina que bota um dread por estética e desrespeita uma cultura até várias outras coisas. É muito delicado tocar nesse assunto, mas tá ai todo dia, tá ligado?”, declara ele. “Tem os comerciais de cabelo liso o tempo inteiro passando por aí. Por que eu tenho de alisar o meu cabelo? Nada contra quem alisa o cabelo, o problema é obrigarem isso. Por que não tem shampoo para cabelo crespo? Eu quero que meu cabelo fique cada vez mais crespo, não mais liso”. Sobre isso, o professor Juarez diz que “alisar o cabelo pode ser um ato de liberdade - faço da minha vida o quê eu quiser, e do meu cabelo o quê me interessar ou um ato de negociação e um ato de insubordinação”.

NÚMERO DE GRAMMY AWARDS™

3

É o número de Grammy Awards de Macklemore como rapper em 2013 vencendo Kendrick Lamar.

Nas, Ice Cube, Tupac Shakur e Notorius B.I.G., apesar de ter muito mais tempo de carreira nunca ganharam um Grammy.

Mas ele ressalta que “mais importante do que o cabelo alisado é o quê há dentro da cabeça”. Além disso, ele retrata que um dos simbolos de empoderamento negro na sociedade, a Beyoncê, tem de se adequar para entrar nos padrões que a industria fonográfica quer. “Por que a Beyoncê precisa alisar o cabelo? Por que a mídia tem que impor o cabelo liso? A real é que se a mídia pudesse fazer ela ficar branca, ela faria”. “Então o Hip Hop trabalha tudo isso, essa desconstrução, tenta combater essas pequenas coisas. Penso numa criança, num pretinho e numa pretinha da quebrada. Eles tiram os nossos representantes e colocam pessoas prémoldadas para nos representar e não nos representam. Mas isso a gente já sabe, quando eu quero escutar um bom RAP dificilmente eu vou colocar na TV para ouvir”, sentencia ele. O importante não é não deixar todo mundo conhecer as culturas por conta da era da globalização, onde todos conseguem ir aonde querem no globo. Mas porquê os brancos conseguem o sucesso mais fácil que os negros fazendo a mesma coisa? É só o talento que conta? Não é isso que a Indústria Fonográfica vem mostrando de geração em geração?


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