Verso e reverso

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ELeS ESTÃO NO LUGAR

DELaS

Conheça aqueles que superaram o preconceito para fazer o que amam

EU TAMBÉM SOFRI Homens que escondem abusos sexuais no lugar mais escuro da alma

NEM FOI TEMPO PERDIDO Desvende a história da banda Legião Urbana por meio dos que a trouxeram de volta à cena 3 /Verso E Reverso


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SUMáRIO

EDITORIAL

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ivemos no século XXI, já conhecemos a constituição do Cosmos, utilizamos aparelhos celulares que mais parecem seres pensantes e até em Marte o homem já se enfiou para descobrir que também existe água no planeta vermelho. Somos seres racionais e extremamente desenvolvidos, mas ainda temos uma mente bastante retrógrada. “Você é uma mocinha, senta direito”, “Macho que é macho não faz essas coisas”, quem nunca ouviu uma dessas frases? Que o preconceito existe, não é segredo para ninguém. Mas o que a equipe de Verso e reVerso quer é mostrar que homens e mulheres são, sim, diferentes em suas peculiaridades, mas que a linha que divide os dois universos é extremamente tênue. Quem foi que disse que uma mulher não pode sentar com as amigas numa mesa de bar e tomar uma boa cerveja gelada? E quem vai dizer que expor os problemas e se permitir ser frágil vai fazer de um homem menos homem? As páginas a seguir são destinadas a desmistificar esses estereótipos. Boa leitura e até a próxima!

EXPEDIENTE Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Reportagem e Diagramação: Ana Carolina Monari Ana Luiza Martins Deivide Sartori Larissa Roncon Mayara Castro Melanie Castro Murilo Barbosa Renan Moraes Soraia Alves Arte: Lucas Yuji Honma Orientação: Prof. Dr. Mauro Ventura e Prof.ª Ms. Tássia Zanini

4 Diversão

5 A relação entre gêneros na filosofia Opinião

6 Eles não estão conectados Tecnologia

10 Aprenda a casar vinhos com pratos culinários Gastronomia

11 Não é coisa só de mulherzinha Comportamento

15 Salgados e Refrigerantes Crônica

16 Ele está na ponta dos pés Esportes

20 Os bons realmente morrem jovens? Cultura

22 Câncer de mama masculino Saúde

25 Reconhecer e buscar ajuda Saúde

28 Conheça Downtown Disney Turismo

32 Papéis invertidos Capa


DIVERSテグ

Crテゥditos: Bill Watterson

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OPINIÃO

A relação entre gêneros na filosofia

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eralmente, no primeiro contato que os meus alunos têm com a filosofia, surgem os mais diversos questionamentos e curiosidades sobre essa disciplina “nova”. Dentre esses, alguém sempre me pergunta: “Não vamos estudar nenhuma filósofa?”. Walter Benjamin, filósofo alemão, dizia que a história é contada na perspectiva dos vencedores e tal ideia faz jus à história da filosofia, que procurou ressaltar o pensamento de eminentes filósofos e ignorou quase que completamente as mulheres, a não ser quando eram retratadas por meio da ótica deles. Ao recorrermos à Antiga Grécia, berço da filosofia, nos deparamos oficialmente com um discurso que ressalta um binarismo exacerbado, vide os escritos de Pitágoras ressaltando que a mulher representa a imperfeição e as trevas, enquanto o homem a perfeição e a sabedoria. Aristóteles não ficava muito atrás e se referia à mulher como um homem incompleto cuja, função se resumiria aos afazeres domésticos e à procriação. Entretanto, a diferença possibilita o acúmulo de riquezas à filosofia. Platão afirmava que a mulher poderia exercer o mesmo cargo que um homem, até porque tanto o homem quanto a mulher são dotados de alma racional e suas diferenças são apenas acidentais. Durante a Idade Média, o patriarcalismo filosófico foi ainda mais arrasador e a mulher foi associada ao pecado. Como Eva levou Adão a pecar, o sexo feminino tornou-se sinônimo de perdição, enquanto os homens detinham o poder político e religioso, e escreviam tratados sobre a relação do homem com Deus. Mas a grande contradição vem com o Iluminismo, que tinha como uma das premissas maiores a igualdade entre todos os homens, isso mesmo, HOMENS, isto porque, para muitos filósofos do período, a filosofia era coisa de Homem. Rousseau chegou dizer que ao homem cabem as palavras úteis, enquanto às mulheres somente as agradáveis. Olympe de Gouges sentiu essa visão unilateral na pele. A escritora foi guilhotinada após escrever “O direito da Mulher e da Cidadã” questionando diversos temas que ainda são atuais como a maternidade, o divórcio e a liberdade religiosa. As coisas só começaram a mudar no período contemporâneo com o aparecimento de diversas filósofas importantes como Hannah Arendt, Simone de Beauvoir, Rosa Luxemburgo, entre outras. O existencialismo fez com que pensássemos que não possuímos uma essência, mas nos construímos incessantemente durante nossa vida, sendo assim, não podemos definir a essência de um ser humano, cabe a ele traçar sua existência. É inadmissível que ainda existam pessoas que acreditam que o ato de filosofar é uma dádiva masculina, pois para criar um pensamento filosófico é necessário ser humano antes de qualquer outra coisa e, além disso, o que conta não é seu gênero ou orientação sexual, mas suas inquietações e uma mentalidade que vá além do óbvio e do aparente.

Felipe Camargo Professor de Filosofia

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TECNOLOGIA

8 /Verso E Reverso Foto: Reprodução


TECNOLOGIA

Eles não estão conectados Conheça os homens que, nadando contra a corrente, optaram por um estilo de vida offline, longe de internet ou redes sociais Renan Moraes

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ntes mesmo de escrever esta reportagem, a equipe de Verso e Reverso já teve dificuldades: onde encontrar homens que não usem internet num mundo onde a rede se tornou uma necessidade básica para quase todas as pessoas?

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TECNOLOGIA Nunca usei internet pra nada e estou aqui, vivo. Acho que os jovens estão gastando muito tempo no computador e se esqueceram de viver a vida real. José Eduardo

Somente no Brasil, o número de usuários de internet passou dos 80 milhões em 2012, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgada em setembro de 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. O estudo ainda revelou que houve aumento em relação ao ano de 2011, quando 77,7 milhões de brasileiros acessaram a rede. E é fácil entender a razão desse crescimento. Afinal, a internet é um compacto de facilidades para a vida cotidiana: nela é possível fazer compras, ter lazer, estudar, trabalhar, se comunicar, ou simplesmente passar o tempo. Apesar de sua ainda má distribuição no território nacional, é um meio que cada vez vem ganhando mais adeptos. Diante desse constante crescimento, há aqueles que preferem ficar de fora. “Nunca usei internet pra nada e estou aqui, vivo. Acho que os jovens estão gastando muito tempo no computador e se esqueceram de viver a vida real”, diz o motorista José Eduardo, 52, que se man-

Foto: Reprodução

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tém alheio a esse fenômeno. Para ele, o mundo offline ainda é mais atrativo. É o que também pensa o leitor de hidrômetro Luis Oliveira, 35. “Já fui praticamente coagido por alguns amigos a fazer uma conta no Facebook, mas não tenho paciência para ficar na internet, no computador... Acho que é uma ferramenta muita boa, bastante completa, mas, mesmo assim, não é a minha praia”, diz. E eles não estão sozinhos nessa. Um estudo feito pelo Instituto Pew Research Center, também divulgado em setembro do ano passado, detectou que 15% dos americanos não usam a internet e 92% dos entrevistados não pretendem usá-la nem em um futuro próximo, não se importando, portanto, em ficar de fora desse meio. Mas o que levou essas pessoas a adotarem esse estilo de vida? José explica que desde sempre teve pouco contato com o meio digital, já que durante o boom de utilização, no começo de dos anos 2.000, este serviço ainda custava caro, levando a um desinteresse dele pela área. “Eu também acho complicado mexer no computador, não tenho a habilidade de digitar, ler e pensar ao mesmo tempo, acho bastante difícil”, completa. Já para Luis, habilidade não é um problema. Há seis anos ele teve um contato próximo com a internet quando, por necessidade, fez um trabalho temporário em uma empresa especialista em manutenção de computadores. Assim que pôde, ele migrou de área. Para ele, a experiência foi uma confirmação: “computador só em caso de muita necessidade”.


TECNOLOGIA

Alguns homens não são tão radicais a ponto de abandonar totalmente o uso da internet; para eles basta ficar longe das redes sociais. Mesmo assim, ainda é incomum encontrar pessoas que não mantenham perfis em sites de relacionamento, em tempos em que as frases mais ouvidas são “me segue no Instagram”, ou “me adiciona no Facebook”. Para se ter ideia, em agosto de 2013, segundo dados do Ibope, 27,8 milhões de brasileiros com até 34 anos navegaram por sites de relacionamentos. O estudante Felipe Cruppe, 17, é um dos avessos à sua geração: ele não possui conta em nenhuma rede social. A pressão para ter uma é forte, ele diz, e o preço por ficar de fora é nem sempre saber o que ou de quem a turma de escola está falando, ou então não conhecer nada sobre os assuntos mais comentados da semana. Para ele, foi uma opção, já que não gosta de se expor. “Já tive uma conta no Facebook por duas semanas, mas não senti vontade em continuar; prefiro gastar meu tempo em outras coisas, como o videogame”, diz. Apesar disso, ele ainda não descarta a possibilidade de ingressar numa rede social: “O Instagram é a única que me atrai, pois gosto de fotografia... Quem sabe quando eu tiver um celular que suporte o aplicativo?”. Outro que se mantém alheio ao sucesso das redes sociais é o instrutor de autoescola João Paulo Silvério, 30. Há um ano, ele excluiu todos os seus perfis de sites de relacionamento. “Eu estava viciado, não conseguia cumprir minhas tarefas do dia a dia, chegou ao ponto em que estava me fazendo mal”. Ele ainda diz que não se sente excluído do mundo por não manter nenhuma conta nesses sites: “Consigo viver normalmente agora, a vida só melhorou”. E quem pensa que as redes sociais são garantia de popularidade, pode estar enganado. Felipe afirma que

nunca deixou de ter mais ou menos amigos por não manter um perfil no Facebook, por exemplo. “É algo normal, a vida social é a mesma”, diz. É o que confirma a antropóloga e professora da UNESP de Bauru Larissa Pelúcio, que explica que ter ou não um perfil em alguma rede social não transformará o sujeito em outra pessoa. Segundo a pesquisadora, que nos últimos anos vem investigando o uso de mídias digitais, os sites de relacionamento podem ampliar e potencializar a teia de contatos de quem os acessa, “mas isso não traz garantias de se ter uma vida mais dinâmica ou ter mais amigos e namorados”, finaliza. Foto: Arquivo Pessoal/Mário Pizzignacco

“E Facebook, você tem?”

Segundo a antropóloga Larissa Pelúcio, as redes sociais não garantem uma vida social agitada

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GASTRONOMIA

A arte de combinar Conheça a harmonização e leve muito mais sabor às suas refeições Mayara Castro

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Arte: Lucas Yuji Honma

vinho está em nossas mesas há séculos. Registros apontam que sua existência data cerca de 6.000 anos a.C., quando era considerado medicinal e usado até como cosmético. Com o passar dos anos, a produção da bebida, que antes era pequena e caseira, ganhou novas técnicas e tornou possível a existência de uma diversidade muito maior de sabores, tipos e famílias: tinto, rosé, seco, suave, etc. A partir daí, foi possível combinar cada vinho com um prato de culinária diferente, baseando-se nas características gustativas da bebida e criando um conjunto sensorial prazeroso. Essa técnica é conhecida como harmonização e você pode experimentá-la através da indicação do culinarista Fernando Santos. Confira!

Farfalle ao pomodoro e filé 500g de macarrão farfalle Azeite a gosto Folhas de manjericão para decorar Molho: 2 colheres (sopa) de manteiga 300g de filé mignon em cubos bem prequenos 1 cebola picada 2 colheres (sopa) de azeite 2 dentes de alho picados 8 tomates sem sementes picados 1/3 de xícara (chá) de água 1 colher (café) de açúcar Sal a gosto

Cozinhe o macarrão em água até ficar al dente. Escorra e regue com azeite. Para o molho, aqueça uma panela com a manteiga e frite o filé mignon e metade da cebola até dourar bem. Retire da panela e reserve. Volte a panela ao fogo com o azeite e frite a cebola restante e o alho até dourar. Adicione o tomate, a água e cozinhe em fogo baixo por 5 minutos. Junte o açúcar e sal e cozinhe até formar um molho encorpado. Divida a massa entre pratos de servir, regue com o molho e coloque um pouco da carne em cada prato. Decore com folhas de manjericão e sirva.

Rendimento: 5 Porções

Bebida: Vinho tinto Chianti italiano

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Foto: Reprodução

NÃO É COISA SÓ DE MULHERZINHA

Violência sexual também acomete homens; casos ocorrem geralmente na infância e adolescência, o que explica a dificuldade em falar sobre o tema Ana Carolina Monari e Renan Moraes

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COMPORTAMENTO Há o atentado violento ao pudor, estupro, sedução de menores, abuso sexual infantil, pornografia infantil, abuso de poder com fins sexuais, entre outros. De maneira geral, pode ser descrito como ato ou toques sexuais sem permissão, através de força, abuso de poder ou chantagem Diego Henrique Viviani

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violência sexual é retratada na maioria das vezes como sendo “coisa de mulher”. O sexo feminino é tachado como a maior vítima desse tipo de crime, que pode ser cometido desde a infância até a fase adulta. O que pouco se fala, no entanto, é que esse abuso também pode ocorrer com homens. Os tabus que quase sempre estão presentes nas temáticas de sexualidade estão ainda mais nítidos na violência sexual masculina. Afinal, ser visto no papel da mulher pode ser um grande insulto à “masculinidade” deles. A vítima é, por muitas vezes, considerada como “sortuda”, uma vez que é papel do homem não recusar sexo à mulher nenhuma. Por causa desse pensamento machista, o abuso sexual masculino é ainda pouco reconhecido por grande parte deles. A violência sexual em homens ainda é menos comum que nas mulheres e, geralmente, acontece na infância e adolescência. Um estudo divulgado pelo Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo revela que 36,6% das 205 vítimas de abusos ocorridos entre 2005 a 2009 foram meninos. É preciso salientar que não é só o ato sexual que configura esse tipo de violência. “Há o atentado violento ao pudor, estupro, sedução de menores, abuso sexual infantil, pornografia infantil, abuso de poder com fins sexuais, entre outros. De maneira geral, pode ser descrito como ato ou toques sexuais sem permissão, através de força, abuso de poder ou chantagem”, diz o psicólogo e pesquisador do Instituto Paulista de Sexualidade Diego Henrique Viviani. A violência sexual não é característica só de um lugar ou outro: ela está presente no mundo todo. A Organização das Nações Unidas (ONU) lançou estudo em 2010 mostrando os países com maior registro de queixas de estupro. O campeão é os Estados Unidos com 82.767

casos, seguido pela África do Sul e o Reino Unido. Assim como existem numerosos relatos de casos pelo globo, há também inúmeras consequências físicas e psicológicas para as vítimas de abuso: “desde ferimentos nos órgãos genitais até a morte, podemos também encontrar situações graves como estresse pós-traumático, depressão, transtornos de ansiedade, problemas com a autoestima, autoconfiança e até indignação”, conclui o psicólogo. Autora feminina Na maior parte dos casos, o homem é o autor da violência sexual. Contudo, mulheres também podem abusar sexualmente do sexo oposto. Casos em que o homem é “forçado” a fazer sexo porque “não se deve negar dar prazer a uma mulher” podem ser classificados como abuso. O relato de Marcelo*, 21 anos, exemplifica o que seria o estupro masculino. “Minha colega de faculdade me forçou a fazer sexo com ela. Tudo aconteceu dentro do banheiro de um hotel em que estávamos hospedados para uma viagem escolar. Ela era comprometida e não me sai da cabeça que eu não a queria me tocando e ‘forçando a barra’. Eu não queria trair a confiança do namorado dela, que também é meu amigo, mas a situação saiu totalmente de controle e se eu não fizesse o ato em si, provavelmente seria chamado de frouxo pelos meus amigos. Não me sai da cabeça essa cena, mesmo depois de dois anos”. Tabu ainda maior Segundo pesquisas realizadas no Brasil, os presídios masculinos são os locais de maior incidência de abuso sexual em homens. Mesmo assim, a violência na vida adulta ainda é exceção: a maioria dos casos ocorre mesmo na * Nome fictício para preservar a identidade do entrevistado

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COMPORTAMENTO Minha colega de faculdade me forçou a fazer sexo com ela. Tudo aconteceu dentro do banheiro de um hotel em que estávamos hospedados para uma viagem escolar. Ela era comprometida e não me sai da cabeça que eu não a queria me tocando e ‘forçando a barra’ Marcelo

olência transformando-a em iniciação sexual natural e treino para a vida adulta. Silvia relata que é possível encontrar na internet declarações de homens sobre suas primeiras experiências sexuais com pessoas mais velhas e como isso gerou sentimentos desagradáveis até a velhice. “O machismo e a sociedade patriarcal exigem do sexo masculino uma vida e conduta sexual que não permite dúvidas ou sofrimento, que é negado o direito de abster-se de relações sexuais, e que oferece muitas parceiras”, explica.

Foto: Reprodução

infância. Por isso, as famílias têm maior dificuldade de identificar a situação como violação. Isso porque são dominadas pelo medo em denunciar e assim a criança sofrer sanções pelos próprios colegas e vizinhos, já que ela poderia ter a sua orientação sexual questionada. “Nesse sentido, discutir a violência contra os meninos ainda não é tão simples”, salienta a psicóloga e pós-doutoranda da Universidade Federal de São Paulo Silvia Regina Viodres Inoue. Além disso, é muito comum a descaracterização da vi-

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COMPORTAMENTO

Superação O Centro de Estudos e Atendimento Relativos ao Abuso Sexual (CEARAS) da Universidade de São Paulo atende somente famílias com denúncias de abuso sexual entre seus membros. Os pacientes são encaminhados pelos juízes da Vara da Infância e Juventude da capital paulista, e a eles é oferecida a terapia familiar com auxílio de psiquiatras e psicólogos. O instituto já recebeu 341 casos ao longo de sua história, iniciada em 1993. A psicóloga responsável pelo centro, Gisele Gobbetti, acredita que o modelo de tratamento pode gerar mudanças significativas. “Nosso tratamento é de um ano a um ano e meio, com sessões semanais de uma hora. Nós percebemos que as famílias que aderem a ele e vão até o fim passam por várias mudanças”. Para ela, a sexualidade ainda é um tema pouco discutido e falar sobre essas questões dentro do âmbito familiar, espaço que seria

Foto: Reprodução

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considerado um local de proteção das crianças, é mais difícil ainda. Contudo, segundo Viviani, a terapia não é necessária apenas nos casos de incesto. O homem pode procurar ajuda nos amigos, profissionais de saúde mental, e até mesmo na religião para superar o trauma da violência sexual, que poderá marcá-lo pelo resto da vida. Apesar da dificuldade em expressar o tema para qualquer pessoa que seja e pelos valores divulgados pela sociedade, o sexo masculino, bem como o feminino, deve buscar auxílio. A denúncia pode ser uma luz no fim do túnel aos abusados. “O Estado se vale de campanhas midiáticas para educação e conscientização das pessoas e mantém, nas unidades da federação, sistemas que funcionam para esses fatos criminosos. Além disso, existem delegacias especializadas”, ressalta a professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e especialista em direito processual e civil Iara Antunes de Souza.


CRONICA

Salgados e Refrigerantes Deivide Sartori

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e vez em quando, me pego a relembrar os tempos da infância e adolescência. A nostalgia me faz crer que aqueles sim eram bons tempos. Poucas preocupações e muito tempo livre para soltar pipa, jogar bola na rua, andar de bicicleta, enfim, diversões que me fazem ter vontade de voltar no tempo, desde que seja com joelhos novos. A preocupação, em grande parte, estava vinculada aos trabalhos e provas da escola. Mas preocupações escolares ficam na penumbra da memória, ofuscadas por um ambiente que também traz muitas recordações… Dias atrás, relembrava das festinhas com o tradicional “amigo secreto” que cada classe fazia ao final do ano letivo. O local para as confraternizações não era o mais original: a sala de aula. E uma divisão era clássica. Bolos, doces e salgados ficavam a cargo das meninas. Já aos meninos restava a dificílima (só que não) missão de levar os refrigerantes. É claro que aceitávamos o combinado. E para as meninas que reclamassem, logo vinha uma professora dizer algumas palavras em tom apaziguador: “calma, queridinha, estou aqui para ajudá-la no que for preciso”. Já outras tentavam, de alguma maneira, “incentivar” o lado culinário feminino: “quero ver quem vai fazer o bolo mais gostoso, hein”. Nosso comodismo aliado à ajuda das professoras fazia com que ano após ano o ritual se repetisse. Outra lembrança curiosa remete à sexta série. Por decisão do diretor da época, meninos e meninas foram separados. Da 6ª A até a 6ª E salas apenas com meni-

nas. Enquanto que as salas masculinas eram da 6ª F até a 6ª J. Nós, garotos, não achávamos aquilo de todo ruim. Pensando nas aulas de Educação Física, realmente estávamos de acordo: a quadra, finalmente, era só nossa e podíamos jogar futsal nela toda semana. Até a quinta série, dividíamos o uso da mesma quadra com as meninas. No entanto, praticar futsal, ou qualquer outro esporte de que gostássemos, em meia quadra era sufocante. Outra solução era repartir o tempo da aula, mas isso fazia o ponteiro do relógio girar mais rápido do que o normal. Mesmo assim, de um modo ou de outro, sempre acabávamos usando mais o espaço ou o tempo. Indignadas, as meninas recorriam novamente às professoras. Algumas vezes, a reclamação funcionava. Em outras, o que sobrava a elas era pegar a bola de vôlei e ficar brincando de levantamento num pequeno espaço ao fundo da quadra. Achávamos que alguém tinha ouvido nossas preces antes de montar as classes da sexta série. A divisão dos gêneros, no entanto, não durou muito. Pressões externas fizeram com que a direção voltasse atrás em menos de dois meses de aula. Hoje, ao relembrar tudo isso, penso no tanto de mea culpa que devo às minhas colegas da época e no que aconteceria se a sexta série continuasse com os gêneros separados. Será que no final daquele ano a festa da minha sala só teria refrigerante?

Verso E Reverso/ Arte: Larissa Roncon

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Ele está na ponta dos pés Collant, meia-calça e sapatilha são itens indispensáveis para qualquer bailarina, não é mesmo? Ou seria bailarino? Murilo Barbosa

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Foto: Murilo Barbosa

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ascido durante a Idade Média em berço italiano, o balé é um estilo de dança que se desenvolveu em países como França, Inglaterra e Rússia, chegando ao território brasileiro em meados de 1813 e trazendo ao povo da Ilha de Vera Cruz um espetáculo dono de técnicas e movimentos capazes de deixar qualquer espectador boquiaberto. Das salas de estúdios particulares até o salão de eventos dos clubes esportivos, o balé está presente do norte ao sul do país, criando praticantes apaixonados e admiradores vislumbrados.

Certa vez um casal de Jaú (SP) discutiu e resolveu dar um tempo até o clima normalizar. Para esfriar a cabeça, a esposa decidiu passar um tempo em Indaiatuba (SP) na casa de parentes com um dos filhos do casal, de 10 anos. Em um dia como outro qualquer, a mulher foi com o pequeno Wellington de Souza Silva até uma praça da cidade, onde uma companhia de balé se apresentava. Ao término da exibição, as crianças que assistiam foram chamadas à frente para praticar alguns movimentos. Wellington, que era fascinado por dança, adorou a oportunidade e levou de Indaiatuba para a cidade natal a ideia de iniciar na arte. “Quando voltamos para Jaú procurei uma escola para fazer street dance, e foi onde conheci minha primeira professora de dança. Ela me pedia para ajudá-la com os aluninhos na aula de balé, e como sempre gostei de crianças, ia. Passado um tempo ela me colocou na turma de balé com o pessoal da minha idade e então comecei praticar”, explica Wellington, hoje com 22 anos e professor de street dance, jazz, ritmos, balé, contemporâneo e neoclássico. Ainda que a história do balé tenha em suas páginas grandes referências masculinas, no Brasil a dança conta com público predominantemente feminino. Em casa e entre os familiares as opiniões sobre a prática escolhida por Wellington eram divididas, mas o jovem persistiu e ganhou o aval de todos. “Minha mãe sempre me apoiou e meu pai se mantinha neutro por ter certo preconceito, achava que balé era coisa de mulher. Meus irmãos, primos e alguns tios também mostravam certo preconceito, mas nada disso me fez parar de dançar. Não ligo pra essas coisas. Faço o que tenho vontade, vou atrás, me esforço e me dedico. Hoje eles se orgulham de mim por ver até onde cheguei”, explica o bailarino.

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Fotos: Murilo Barbosa

Mas se por um lado a família aprova, por outro, há resquícios de que a sociedade ainda discrimina. Durante a fase escolar, Wellington era motivo de piadas e chacotas. “Sofri muito preconceito na escola e dos amigos por dançar, diziam que eu deveria ser gay porque usava calça colada. Eu ficava mal, mas nunca discuti ou briguei por isso, pelo contrário: ao invés de palavras, eu mostrava que era bom no que fazia por meio de atividades e eventos que a escola realizava”, relembra. O que começou como uma resposta ao desejo de fazer dança, ao poucos se tornou atividade profissional. Aos 16 anos, o bailarino recebeu convite da proprietária de uma escola de dança e, aula a aula, movimento a movimento, transmitia a magia do balé aos alunos, aperfeiçoava sua técnica e ganhava fama no cenário da dança jauense. Com conhecimento em estilos de dança variados, hoje Wellington tem 160 alunos e as páginas da agenda cheias, com aulas de balé e dança de segunda a sexta-feira durante tarde e noite, e aos sábados de manhã e à tarde, totalizando cerca de 20 horas semanais entre aulas, treinos e ensaios específicos. Para progredir nos movimentos e buscar a perfeição, Wellington aderiu a novas práticas recentemente. “Em novembro iniciei treinos específicos na academia para fortalecer o corpo e melhorar minha técnica na dança, principalmente em movimentos que exigem força. Neste mês (janeiro), começo fazer capoeira e muay thai”, prevê o jauense. Mas com tantas aulas, treinos e atividades, como Wellington repõe as energias? “Descanso um pouco aos domingos, dia em que não marco ensaios e relaxo o corpo”, revela. Questionado por Verso E Reverso sobre onde busca inspirações para organizar suas aulas e seguir na dança, Wellington conta que tem duas fontes principais de motivação. “Minha inspiração vem de assistir apresentações de balé e principalmente acompanhar dia a dia e ver meus alunos conseguindo fazer algum movimento que estavam

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ESPORTES O balé para mim é tudo. Eu amo dançar, e se não faço isso, me sinto incompleto. É algo que não tem explicação, é como um vício Wellington de Souza Silva

Por que balé?

Foto: Murilo Barbosa

tentando. Eles chegam a dar pulos de alegria, isso me faz muito bem e me incentiva a melhorar para que eles também melhorem”, defende o professor. E se é para fazer propaganda da arte, Wellington não perde tempo. Para ele, o balé é para todos, não tem idade, nem gênero, nem hora certa. É apenas começar e fazer por gostar. “Sentir o que sentimos quando estamos dançando é algo que não tem explicação. No caso de quem não conhece ou nunca fez balé, o importante é não desistir nas primeiras aulas. Já tive alunas que de início disseram que a dança não era para elas, mas eu insisti e elas me agradecem por eu não as ter deixado parar. Hoje elas fazem os movimentos perfeitamente e amam subir ao palco. Se realizam ao terminar uma coreografia e serem aplaudidas por um público com sorriso no rosto. Esta é a melhor sensação do mundo”, conclui.

Estudo divulgado pela Universidade de Hertfordshire (Reino Unido) em agosto de 2013 classifica o balé como a prática física mais completa e eficiente da atualidade. Os pesquisadores responsáveis pela avaliação compararam o desempenho de bailarinos com o de atletas pertencentes a outras modalidades e não houve dúvidas: quem calça sapatilhas e fica na ponta dos pés apresenta melhores resultados em aspectos como condicionamento físico, equilíbrio psicológico e flexibilidade. Para o educador físico e personal trainer Marcos Rogério de Castro, o resultado obtido com a pesquisa pode ser facilmente verificado junto aos bailarinos que praticam a dança regularmente. “O balé é uma atividade que trabalha variados grupos musculares, especialmente a musculatura das regiões abdominal, peitoral e das costas. Como ele promove o alongamento e trabalha os músculos ao mesmo tempo, passados três meses do início na dança, o fortalecimento passa a ser percebido por meio da hipertrofia”, observa Castro. (Pré)conceito Em uma sociedade marcada pela diversidade e em que se defende a liberdade de expressão, dançar não deveria ser motivo de chacota ou vergonha. Assim como Wellington, muitos rapazes sofrem discriminação quando iniciam ou são descobertos no balé. Para a psicóloga Ana Maria Floriano, a postura de resistência pode revelar insatisfações particulares de quem discrimina. “O preconceito muitas vezes está associado às frustrações pessoais do indivíduo. Quando ele não consegue fazer algo ou se perde em seu objetivo, se ‘blinda’ transformando a frustração em raiva ou atitudes hostis, expressadas contra pessoas que julguem inferiores ou que exerçam atividades tidas por eles como desqualificadoras”, explica Ana Maria.

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CULTURA

os bons realmente morrem jovens? Como o a Banda Legião Urbana voltou a chamar atenção após 17 anos com apenas dois filmes, uma história para contar e milhares de fãs Larissa Roncon “Bondade sua me explicar com tanta determinação exatamente o que eu sinto, como penso e como sou. Eu realmente não sabia que eu pensava assim. E agora você quer um retrato do país, mas queimaram o filme e enquanto isso, na enfermaria, todos os doentes estão cantando sucessos populares.” (Mais do Mesmo - Que País é Este - 1987)

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ão dá para saber exatamente o que um ídolo quer dizer com a letra de uma música, mas, mais importante que sua intenção, é o significado que ela adquire para quem a ouve. É essa a diferença dos grandes artistas. E com um dos maiores músicos do rock nacional brasileiro não seria diferente. Renato Manfredini Júnior nasceu em 27 de março de 1960, no Rio de Janeiro, em um contexto político de grandes mudanças que o acompanhou durante toda adolescência e que ajudou a formar os grandes músicos do Brasil. Desde pequeno, Renato se inspirou em grandes astros do rock

internacional e, anos depois, acabou virando a inspiração para uma grande geração de músicos. Em 1982, após algumas tentativas na música e de sair da banda que havia estourado em Brasília, o Aborto Elétrico, ele, que agora já era Renato Russo, junto a Marcelo Bonfá, Dado Villalobos e Renato Rocha, formou o conjunto que entraria para a história da música brasileira: A Legião Urbana. A banda que movimentou legiões de fãs atingiu seu ápice de sucesso na década de 80, lançou 9 discos durante a carreira e mais 7 póstumos. Terminou com a morte do vocalista em 1996, por complicações da HIV, que havia contraído um ano antes. “Quando nascemos fomos programados a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados dos U.S.A., de 9 às 6. Desde pequenos nós comemos lixo comercial, industrial, mas agora chegou nossa vez, vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês”. (Geração Coca-Cola – Banda Aborto Eletrico – 1979)

22 /Verso E Reverso Arte: Lucas Yuji Honma


CULTURA

de Renato e de sua banda, mas poder ver e ouvir essa história, mesmo que não seja o seu ídolo lá e sim uma representação dele, é fascinante!”. Essa nova publicidade que os filmes trouxeram para a Legião Urbana também repercutiram nas bandas que fazem shows de música cover. O líder da banda Rocksoba, Paulo César Frederice, é músico há quase 20 anos e percebeu a influência dos filmes em suas apresentações. “As pessoas têm pedido muitas músicas como Pais e Filhos, Faroeste Caboclo e Eduardo e Mônica. Eu me lembro dessa quantidade de pedidos do Legião, nesse volume, apenas quando a banda acabou”, comentou Frederice. O filme Somos Tão Jovens estreou em 560 salas, e teve um público recorde de 471 mil espectadores logo na primeira semana de lançamento e 5,3 milhões em pouco mais de um mês de exibição, alcançando a marca de melhor estreia do cinema brasileiro em 2013. Já o filme Faroeste Caboclo chegou à marca de 2,2 milhões de visualizações. “O que foi escondido, é o que se escondeu, e o que foi prometido, ninguém prometeu. Nem foi tempo perdido, Somos tão jovens, tão Jovens, tão Jovens!” (Tempo Perdido – Dois – 1986)

Arte: Lucas Yuji Honma

Essa infuência, que continua durando mesmo 17 anos após a morte de Renato, ficou ainda mais forte em 2013 com o lançamento dos filmes “Somos tão jovens”, em 30 de abril, que conta a história do músico desde pequeno até a formação da banda, e “Faroeste Caboclo”, lançado em 31 de maio e que retrata uma de suas músicas mais emblemáticas. As duas produções levaram milhões aos cinemas de todo Brasil. Para o roteirista dos filmes, Marcos Bernstein, eles apenas mostraram que o sucesso da banda nunca morreu e também ajudou a divulgá-la para uma nova geração: “A grande maioria dos que foram para o cinema foram ou porque já eram fãs ou por que já tinham sido algum dia e tiveram a vontade de relembrar essa parte de sua vida. Mas essas pessoas não vão sozinhas ao cinema e levaram com elas pessoas que conheceram e começaram a gostar da banda”, explicou Bernstein, que também roteirizou filmes como Central do Brasil e Meu pé de Laranja Lima. Um exemplo é João Pedro Rodrigues, de 15 anos, que só conheceu a banda através dos filmes que foi assistir com o irmão mais velho, que já era fã. Ele adorou. “Eu já tinha ouvido algumas músicas enquanto meu irmão as escutava, mas nunca tinha dado muita atenção. Depois do filme, procurei sobre a banda na internet e peguei todos os CDs dele. Fico horas e horas ouvindo, conhecendo e adorando”. Bernstein ainda acredita que essa retomada não se deve apenas à banda, mas ao modo pelo qual ela foi trazida à tona. “O cinema causa essa magia. Existem vários livros há anos que contam toda a história

Paulo César Frederice

Marcos Bernstein

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SAÚDE

Cancer de mama masculino Diagnóstico tardio é um dos problemas para os homens que enfrentam a doença Soraia Alves

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associação do termo “câncer de mama” ao universo feminino é uma prática inevitável, tanto pelo uso da palavra mama estar quase sempre associado às mulheres, quanto pelos numerosos casos de jovens e senhoras que sabemos que já enfrentaram essa doença. Mas, embora raro, o câncer de mama pode, sim, afetar os homens. A doença é diagnosticada com base em uma alteração na mama, geralmente notada pelo próprio paciente, já que não existe um rastreamento de câncer de mama em homens, como é o caso do exame de mamografia para as mulheres. A doença representa menos de 1% do total de casos de câncer de mama: para cada cem casos de câncer de mama em mulheres, existe um caso em homens. Por isso ainda é difícil encontrar pacientes em tratamento até mesmo em grandes centros que são referências no tratamento de câncer, como o Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, interior de São Paulo. Outra diferença entre o câncer de mama feminino

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e masculino apontada pelos estudos é a idade em que os pacientes são diagnosticados. A média de idade dos homens acometidos pelo câncer de mama varia de 60 a 70 anos, concluindo que esse tipo de câncer tende a ser diagnosticado em idade mais avançada nos homens do que nas mulheres. Além disso, na maioria dos casos de câncer de mama masculino, a detecção da doença é feita já em estágio avançado, o que dificulta o tratamento e aumenta as chances de ocorrer metástase e até mesmo o óbito. Dos homens diagnosticados com a doença, aproximadamente 20% têm algum caso de câncer de mama na família, enquanto 10% deles portadores de uma mutação genética que os predispõe ao câncer. Essa mutação acontece no gene denominado de BRCA2. Outros fatores para o desenvolvimento do câncer de mama masculino também podem ser diferentes tipos de mutações genéticas hereditárias, porém são ainda mais raras.


SAÚDE

CoMo se ProTeGer - FAÇA o AUTo-eXAMe Eleve o cotovelo e apóie a mão atrás da nuca. Com a outra mão, apalpe com atenção a mama e a axila - o QUe ProCUrAr Caroços, secreções e alterações na forma do mamilo (bico retraído ou pele grossa e avermelhada) - CoMo É o TrATAMeNTo Cirurgia seguida de sessões de quimioterapia e radioterapia

Verso e reVerso/ Arte: Lucas Yuji Honma

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SAÚDE

Como diagnosticar Alguns dos sintomas do câncer de mama masculino são aparecimentos de nódulo na região da auréola (bico do peito), secreções no mamilo, retração do mamilo, alterações no volume da mama e ulceração do mamilo. Já o tratamento depende do estágio do tumor, e poderá ser feito através de cirurgia, radioterapia ou quimioterapia. As chances de cura não se diferenciam entre homens e mulheres, o que acontece é, como já dito anteriormente, que a maioria dos casos masculinos são descobertos mais tarde do que nas mulheres. A mamografia pode identificar um nódulo ou microcalcificações suspeitas, embora estas sejam mais raras em tumores em homens que nas mulheres.

Foto: Reprodução

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Dados sobre o Câncer de Mama no Brasil - Tumor mais comum entre mulheres e o mais letal na faixa dos 35 aos 54 anos. - 13.000 mortes relacionadas à doença por ano. - Por região, o Sudeste lidera o ranking (29.360), seguido do Sul (9.350), Nordeste (8.970), Centro-Oeste (3.470) e Norte (1.530). - Aproximandamente 57.120 novos casos da doença por ano. - Menos de 1% dos casos ocorrem em homens. Os pacientes, geralmente, estão acima dos 50 anos. - Número de mortes: 13.345, sendo 120 homens e 13.225 mulheres (2011 - SIM) (Fonte: Istituto Nacional do Câncer - Inca)


Foto: Shutterstock Imgaes

Reconhecer e buscar ajuda

Cerca de um terço dos casos de depressão afetam homens. Atuação em duas frentes é necessária para superar o transtorno Deivide Sartori

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SAÚDE Por preconceito e por não acreditar em psicólogos, só fui procurar ajuda profissional depois de dois anos e em razão da insistência de uma pessoa próxima Elvis Nascimento

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solamento, recusa a convites para sair com amigos, alteração no sono, desânimo e mau humor com os familiares. Foram esses sintomas que, há cinco anos, fizeram o bancário Elvis Nascimento, 35, perceber que lidava com sentimentos nunca antes encarados.“Naquele momento, não estava muito ciente do que acontecia comigo, mas notava que estava sofrendo”. E não era uma tristeza passageira. Elvis passava pelo princípio de um quadro de depressão. Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 350 milhões de pessoas sofrem com o transtorno no mundo. Somente no Brasil, estima-se que sejam 17 milhões de pacientes, sendo que os homens respondem por cerca de um terço dos casos. E os números relacionados ao sexo masculino podem ser ainda maiores não fosse uma condição muito comum: o não reconhecimento de que a busca por ajuda é necessária. “Os sintomas estão presentes entre os homens, entretanto existe uma dificuldade de identificá-los e assumi-los perante a sociedade, a família e ao grupo social”, afirma a psicóloga Telma Ribeiro, do Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da Unesp de Bauru. Para Elvis, tal constatação também pode ser aplicada ao seu caso, sendo que o preconceito esteve aliado a outro fator: “Por preconceito e por não acreditar em psicólogos, só fui procurar ajuda profissional depois de dois anos e em razão da insistência de uma pessoa próxima”, salienta Elvis. De acordo com a psicóloga Telma Ribeiro, o preconceito está relacionado a conceitos indevidos associados à depressão, tais como: falta de vontade, fraqueza de caráter, doença de rico, desocupação. Telma também discorre sobre outras ocorrências: “Muitas vezes a depressão é confundida com a tristeza natural e pode levar ao entendimento de que seja ‘frescura’ e fragilidade, vistas como ‘coisas de mulher’”, completa a psicóloga. Em consonância com essa opinião, o psicólogo Breno Rosostolato analisa que a resistência demonstrada por parte dos homens ao buscar a ajuda de profissionais da saúde

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tem raízes no que ele chama de “cultura do machão”. Segundo o psicólogo, essa cultura ainda é muito presente no público masculino e criou conceitos e estereótipos de como os homens devem ser. “Diante deste contexto, os homens não demonstram que estão mal, com dor, enfermos, evitam as consultas médicas e negligenciam sua saúde, porque não podem demonstrar fraqueza. Esta é uma grande distorção e sustenta conceitos sexistas, em que a mulher é vista como frágil e o homem não”, define o psicólogo. Tristeza e depressão Tristeza e depressão são termos que aparecem juntos com frequência em textos sobre o transtorno. Não é para menos. A confusão entre os conceitos de ambos também é corriqueira. Neste texto, colocamos as duas palavras novamente lado a lado, mas com a definida intenção de diferenciá-las. Para o psiquiatra Laerte Moreira da Silva, a tristeza é um sentimento que tem uma causa marcante, como a perda de um ente querido ou de um emprego, por exemplo. Entendida como um fenômeno normal, a tristeza faz parte da vida psicológica de todos nós e, por isso, dispensa tratamento. “Todos temos períodos de tristeza”, enfatiza o psiquiatra. Já a depressão é entendida como um estado patológico. Segundo Laerte: “a depressão afeta profundamente o psiquismo e é duradoura. O indivíduo no qual ela se instala tem uma predisposição genética, em maior ou menor grau. É um transtorno grave que pode surgir sem motivo aparente e, em casos críticos, levar ao suicídio, se não tratado”. Em suma, entender as origens de um estado de abatimento emocional pode ser útil para a diferenciação entre os dois quadros, como explica o psicólogo Breno Rosostolato: “a melhor maneira de pensarmos nas diferenças é que a depressão é algo interno ao sujeito, acontece


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de dentro para fora, enquanto que a tristeza acontece no movimento contrário, ou seja, acontece por conta de eventos e situações sociais, cotidianas”. Para ajudar os pacientes na identificação do transtorno, especialistas afirmam que, em geral, a tristeza tem duração limitada, enquanto a depressão costuma afetar o indivíduo por mais de 15 dias (confira box). Tratamento Estudos da OMS revelam que a depressão é apontada mundialmente como a quinta maior questão de saúde pública e deverá estar em segundo lugar até 2020. Para conter o aumento dos casos, a medicina vem, nos últimos anos, aprimorando a produção de antidepressivos, que começaram a ser usados como forma de tratamento a partir da década de 1970. Antes do surgimento dos antidepressivos, o único tratamento disponível contra o distúrbio era a psicoterapia. Segundo os médicos, ela ajuda a reconhecer o início da doença e auxilia o indivíduo a lidar com os conflitos psicológicos resultantes. “É interessante que o tratamento medicamentoso seja complementado pela psicoterapia”, complementa o psiquiatra Laerte da Silva, que afirma não haver diferença em relação no tratamento recomendado a homens e mulheres. Para o bancário Elvis, a terapia por três meses com um psicólogo o auxiliou a se conhecer melhor. “Lá percebi que realmente eu precisava de ajuda. Comecei a me entender, me cobrar menos, ser mais confiante, enfim, comecei a encarar tudo de forma diferente”, reconhece. Ele ainda afirma que no começo foi difícil colocar o aprendizado em prática, mas com o tempo o comportamento se tornou um padrão. “Com as orientações do psicólogo, tenho uma vida mais tranquila e aproveito mais as coisas que não aproveitava antes”, finaliza Elvis. Há ainda outro elemento para que o tratamento dos pacientes com depressão seja bem-sucedido: a família.

“No tratamento, o apoio e a tolerância familiar são de grande importância. Para tanto, é preciso que esteja bem informada sobre a doença e que aprenda a lidar com frustrações decorrentes de seus sintomas. Além disso, é necessário que não culpe e nem exclua o familiar com depressão”, destaca a psicóloga Telma Ribeiro.

sintomas característicos da depressão Tristeza, melancolia, desânimo, falta de disposição, incapacidade de sentir prazer em situações anteriormente agradáveis, alterações no sono, alterações no apetite, falta de esperança, pensamentos negativos.

Foto: Shutterstock Images

Aliados à psicoterapia, antidepressivos também são recomendados pelos especialistas para o tratamento da depressão

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Foto: Reprodução

Conheça Downtown Disney Especializado no setor varejista, distrito também oferece outras atrações aos visitantes Ana Luiza Martins

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egunda-feira, 9 de dezembro de 2013. Um grupo de roqueiros forma uma fila em frente à House of Blues para acompanhar o Megadeth em sua turnê Super Collider. Músicas de Natal embalam a espera do público, que aguarda pela abertura da casa observando o Village Lake, lago que separa Downtown Disney do Disney’s Saratoga Resort Spa, um dos hotéis da propriedade. Sim, o show da banda de thrash metal vai acontecer na Disney. Achou que a cidade construída por Walt Disney era só para crianças? Então conheça Down-

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town Disney, um distrito de entretenimento localizado em Lake Buena Vista, Florida, e que é o destino certo para quem quer encontrar lembranças da Disney para levar para casa, comprar aquele presente que estava esgotado nos parques ou jantar com a família. Mas você nem é tão fã assim do Mickey e da sua turma e quer se divertir fora do universo Disney? Downtown continua sendo o lugar certo para você. Confira as dicas que a equipe de VERSO E REVERSO preparou para você!


Foto: Reprodução

Downtown também dispõe de uma casa de shows, a qual já recebeu bandas de renome como Megadeth e Stone Sour siblidade da experiência do dine-in theatre, ou seja, o público pode ter um verdadeiro jantar enquanto assiste ao filme de sua escolha. Além disso, o AMC funciona 24 horas por dia! O cinema conta com 24 salas e 5400 assentos. Bom, agora que já deu para notar que Downtown Disney é muito mais que contos de fadas e aventuras para crianças, conheça um pouco sobre o complexo e suas atrações imperdíveis. Foto: Ian Tanaka

Downtown Disney abriga a House of Blues Orlando, casa de shows nada infantil que é palco de grandes apresentações de bandas como Stone Sour e Goo Goo Dolls além de grupos locais de rock não tão famosos no Brasil. Aos domingos, a casa, que funciona também como hamburgueria e bar, é a balada de vários dos funcionários que trabalham por toda a propriedade do Walt Disney World. Além da House of Blues, Downtown Disney é casa do espetáculo La Nouba, do Cirque de Soleil, que fica em cartaz no local durante o ano todo. A cada apresentação, são disponibilizados 1671 assentos para o público, que não cansa de prestigiar o que é considerado uma das melhores atrações não só do distrito, como de toda Orlando. O espetáculo já recebeu mais de um milhão de visitantes desde a sua inauguração. Entre eles, está a família Perez, que não poupa elogios: “Incrível, amamos cada segundo”, dizem. Quando questionados sobre o que estão achando do lugar, o pai, Sebastião Perez, diz que eles acreditavam que o Walt Disney World se restringia apenas aos parques temáticos, e que foi uma boa surpresa descobrir esse local para as compras. “Achamos mais prático e confortável, além de que é muito legal ver a atenção dos funcionários, que são sempre muito simpáticos e prestativos”, diz. O AMC Downtown Disney é o cinema da propriedade. Se você acha que por se tratar de Disney apenas filmes produzidos pelo estúdio de Walt seriam exibidos, mais uma vez se enganou. Além do popular Frozen e dos outros lançamentos Disney, o AMC exibe no momento Jogos Vorazes – Em chamas; O Hobbit - A desolação de Smaug, entre outros. O diferencial do AMC está na pos-

O distrito também conta com um teatro, o AMC Theatres

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Foto: Divulgação

West Side, Pleasure Island e Marketplace O distrito de Downtown é dividido em três partes. Você já conheceu o West Side, que é a casa da House of Blues, do AMC e do Cirque de Soleil. Mas essa parte de Downtown disponibiliza muitas outras atrações. Das oito da manhã até madrugada adentro, quem visitar o West Side encontra várias opções de compras. Além das lojas da House of Blues e do Cirque de Soleil, no West Side está a Disney Quest Emporium e a D Street, onde é possível encontrar produtos da Disney; a Candy Cauldron, paraíso dos aficionados por doces; e a Pop Gallery com esculturas e pinturas em edições super limitadas. Na Orlando Harley Davidson os fãs de aventura, potência e velocidade encontram itens colecionáveis, camisetas da marca e presentes, enquanto na Planet Hollywood é a vez dos fãs de cinema fazerem a festa. A magia combinada com a tecnologia de ponta desenvolvida pelos Imagineers da empresa (nome dado por Walt aos engenheiros da Disney) resultou no Disney Quest, um parque temático e interativo recheado de jogos e aventuras distribuídos em cinco ambientes. Se tantas atrações e aventuras assim te deixam com um pouco de fome, não se preocupe. Não é necessário iniciar a exploração das outras áreas de Downtown para encontrar comida. Vá ao Bongos Cuban Café Express, restaurante da cantora Gloria Estefan e seu marido, e experimente o melhor da culinária cubana. Está procurando algo mais tradicional? Os hambúrgueres, pizzas e sobremesas do FoodQuest estão esperando por você.

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Você também pode ir ao Wolfgang Puck Grand Café conhecer a culinária da Califórnia. Só o West Side já oferece entretenimento suficiente para uma semana, mas Downtown ainda conta com mais duas zonas prontas para serem exploradas. Na Pleasure Island, encontre um pedacinho da Irlanda no Pub & Bar Irish Raglan Road. Além de conhecer a legítima culinária e música irlandesas, adquira lembranças do país na Shop for Ireland. Gosta da Irlanda e quer mais? O Cookes of Dublin é uma opção mais barata de restaurante, que cumpre bem a tarefa de transportar o visitante para a capital irlandesa. Próxima parada: Marketplace. O paraíso de compras de Downtown é surpreendente. Você veio passar suas férias na Disney, mas não se sente confortável carregando sacolas e sacolas enquanto anda pelos quatro parques temáticos da propriedade? Que tal deixar para fazer suas compras em um lugar só, que tenha um pouco de cada loja que você viu nos parques enquanto passeava? O nome desse lugar é World of Disney, a maior loja da Disney não só do Walt Disney World Resort na Florida, como do mundo inteiro. Se tanta grandiosidade te deixa um pouco confuso, explicamos: doze salas com temáticas diferentes abrigam infinitas opções de souvenirs, vestuário, brinquedos, alimentação e tudo que você precisa levar para casa para ter lembranças infinitas da sua viagem. Mais de 700 funcionários são necessários para fazer essa gigante funcionar todos os dias da semana. Entre eles está a cast member (como são chamados os funcionários da Disney) Leticia Rossetto, 22, universitária brasileira


que tem muito mais além dos parques? Ficou curioso para conhecer Downtown? Mais algumas informações podem te ajudar: o estacionamento é gratuito para quem estiver visitando os parques. Não é preciso pagar nem comprar ingresso para entrar no local. Não se esqueça de fazer suas reservas nos restaurantes que durante certas épocas do ano podem estar bem lotados. As portas do entretenimento estão abertas para você em Downtown Disney!

Foto: Divulgação

que está fazendo intercâmbio em Orlando. Ela atua em um das lojas do complexo e classifica a experiência como “indescritível”. A estudante conta que o programa, que começou há pouco mais de um mês, já rendeu muitos aprendizados: “É legal porque há o contato com diversas culturas, a gente cresce profissionalmente, treina o idioma e, de quebra, podemos fazer parte dessa magia toda. Recomendo pra quem tiver a oportunidade!”. Achou que a Disney era só Magic Kingdom e percebeu

A World of Disney é a maior loja do complexo e oferece inúmeras opções de presentes

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Murilo Barbosa

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om a chave na ignição, o pé no acelerador e o batom nos lábios, Ivone Cristina Manzini Martins, 48, é referência em Jaú (SP) quando o assunto é mulheres pilotando táxi na cidade. Secretária aposentada e esposa de profissional deste ramo de transporte, ela assumiu o volante há 6 anos para auxiliar o marido e se deu bem na nova profissão. “Em 2008 meu marido precisou ficar em repouso por questões de saúde e, para ajudar, fiz algumas corridas para ele. Sempre gostei de dirigir e como falaram que levei jeito, iniciei no táxi”, conta Ivone. Questionada sobre a reação dos colegas (e concorrentes) de trabalho, que são majoritariamente homens, a taxista afirma que não sofreu nenhum tipo de represália, mas ganhou olhares um tanto enciumados por causa dos opcionais que seu veículo oferecia. “Fui a primeira taxista do ponto a ter carro com câmbio automático, então per-

Larissa Roncon “

V

er aqueles olhinhos brilhando para você enquanto você fala e perceber que, até aquele ponto, toda a evolução da criança é fruto do seu trabalho são os grandes motivadores para continuar nessa profissão”. Para Oridival Fernandes Junior, 27, professor de Educação Infantil pela primeira vez durante o ano de 2013, trabalhar com crianças extrapolou as suas próprias expectativas. Morador de uma cidade de apenas 13 mil habitantes do interior paulista, Junior é o único professor do sexo masculino da cidade a lecionar em uma escola de Educação Básica que atende crianças de, no máximo, 5 anos. “No começo foi difícil porque muitos pais e até professoras não acreditavam que eu pudesse lidar com uma sala de aula tão bem como as colegas do sexo feminino”. O professor conta que, na primeira semana de aula, alguns pais insistiram para que seus filhos trocassem de sala. Quando questionados sobre o motivo da exigência, a resposta vinha sem titubeio. “Não quero um professor dando aula para minha filha!”. Com o tempo, ele, que até então só recebia olhares

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desconfiados em sua direção, começou a ser tratado como um professor e não um homem. “A partir do momento que os pais me deram oportunidade, pude mostrar meu trabalho e, com muita dedicação, exercer a profissão que eu escolhi de forma consciente para mim. Sabia que as salas de aula eram dominadas por mulheres, mas, estando em pleno século XXI, não imaginei que a chegada de um homem nesse ambiente pudesse causar tanto desconforto”. Para ele, continuar na área é uma questão de princípios. “Tenho outras salas maiores, mas quero continuar ensinando as crianças. O mercado de trabalho é difícil para o professor em geral, mas, mesmo assim, só deixaria meus alunos pequenos de lado se precisasse deixar de vez a sala de aula”. Oridival ainda brinca que com a sua chegada à escola, além de assumir o posto de professor, ele também ficou responsável por outras tarefas: “Toda vez que alguém precisa carregar uma caixa pesada eu sou chamado para fazê-lo. Já ouvi colegas de profissão brincando e dizendo que, para isso, elas têm certeza que eu sirvo”.

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cebi que alguns taxistas comentavam ‘Como ela tem e eu não tenho?’”, diz. Se por um lado os homens ficam inquietos, por outro, a clientela simpatiza com Ivone. Com carteira de clientes composta por cerca de 30 fregueses, a profissional observa que eles são a maioria, mas elas inspiram mais confiança. “Aqui na rodoviária, quando mulheres desembarcam sozinhas ou é preciso transportar crianças, eles preferem que uma mulher faça o serviço. O homem pode até chegar mais rápido, mas a mulher tem mais cautela”, explica a taxista. Ivone conhece outras duas mulheres que exercem o mesmo tipo de atividade em pontos diferentes, e até as convidou para trabalharem no terminal, mas a chamada não surtiu efeito. “Convidei elas algumas vezes para virem neste ponto, mas não adianta, elas não vem. Acho que a vergonha acaba sendo maior”, observa.


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Ana Carolina Monari

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profissão de frentista foi algo inesperado na vida de Juliana Coleta, 35. Por curiosidade, ela decidiu abandonar a carreira de garçonete e ingressar no universo de graxa e bomba em um posto de combustível na cidade de Jaú. Os atrativos para o novo emprego eram muitos. “O horário e o tipo de serviço eram melhores porque não precisava trabalhar à noite. Eu verifico o óleo e água do motor, calibro os pneus e coloco água, gasolina e diesel”, diz. Ela comenta que no início da profissão os homens costumavam a olhar ressabiado por não acreditarem que uma mulher poderia dar conta do recado tão bem. “Antes eu percebia certo receio por parte deles, mas agora muitos até pedem para que eu verifique a frente do carro. Dizem que eu sei melhor que eles (risos). Sempre entendi de veículos porque meu pai ensinou a mim e aos meus irmãos como funcionava o motor e a perceber o

que cada barulho significava”, conta orgulhosamente sobre o seu passado. Ela, muito tímida, fica sorridente ao atender cada um dos clientes que passam pela sua mão. Bem uniformizada, com direito a boné e macacão, Juliana não teme o dia estressante que um posto de combustível poderia oferecer e até ri dos erros que já cometeu, como, por exemplo, colocar gasolina ao invés de etanol. A rotina, segundo a frentista, não é dura. Ela trabalha em uma semana no período da manhã e no outro no período da tarde, em turnos de oito horas. Apesar de vencer os preconceitos e aparentar estar à vontade em meio a carros, motos e caminhões, Juliana não pretende continuar na profissão pelo baixo salário. “Gosto muito do que faço, mas a gente sempre tem que buscar melhorar, né?!”

Mayara Castro e Renan Moraes

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“ anicure ou manicuro?”. Foi assim que começou a nossa conversa com Marcos de Oliveira, 40. Visualmente, ele não tem nada de diferente dos outros homens que trombamos diariamente na rua. Poderia dizer que ele é um engenheiro, comerciante ou até um empresário. Contudo, Marcos decidiu seguir outro caminho. Há cinco anos ele ficou desempregado e, pela necessidade de sustentar sua família, ingressou em um curso de manicuro e pedicuro e logo se juntou a um grande salão de beleza de São Paulo. “O Marcos está aí?”. Essa é a frase mais ouvida por quem passa um dia ao lado do profissional das unhas. Hoje, ele consegue uma boa renda pela sua profissão e chega a ser disputado pelas clientes, não só como profissional, mas também como ouvinte e conselheiro. Porém, quem pensa que tudo sempre foram flores, está enganado. Marcos sofreu preconceito inúmeras vezes por estar inserido em um ambiente onde, originalmente, só circulam mulheres, tanto clientes quanto profissionais. Na profissão há um bom tempo, ele relembra um fato

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curioso que marcou a sua trajetória profissional. Ainda quando frequentava as aulas do curso que o profissionalizou, uma cliente se recusou a ser atendida por ele. “Esta mesma pessoa um dia retornou e pediu para ser atendida por mim, ela gostou muito do meu serviço no salão com as outras clientes. Felizmente, hoje posso dizer que meu trabalho é muito maior que o preconceito nele existente”, diz. Por meio do seu trabalho, Marcos venceu também as adversidades que a vida lhe proporcionou. Tendo em vista as dificuldades proporcionadas pelo desemprego em uma grande cidade como São Paulo, a coragem em assumir a profissão que é majoritariamente ocupada por mulheres só lhe rendeu bons frutos. A história dele, e de muitos outros que se aventuram nesse mesmo caminho, é de superação e sucesso. Hoje, feliz e realizado, ele não titubeia ao afirmar que a distinção de gênero entre as profissões é irrelevante. “O importante é gostar do que se faz. Quando é assim, nos tornamos bons profissionais e alcançamos sucesso na vida”, finaliza.

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TURISMO rock and roller Coaster starring Aerosmith Possivelmente a montanha mais radical do complexo, faz seu rápido trajeto com loopings no escuro, e ao som de Aerosmith. Samanta Calichman, da Mickey’s of Hollywood, maior loja do parque, não titubeia: “é a MELHOR da Disney inteira. O frio na barriga começa naquela acelerada no começo e vai até o fim da montanha russa. E a trilha sonora é muito boa, né?”. Fotos: Reprodução

Kilimanjaro safaris

Animal Kingdom Prepare-se para ver bem de perto esquilos, guaxinins e todo tipo de pássaros por todo o parque. Aqui, a diversão é se integrar à natureza. E as melhores maneiras de fazer isso são: expedition everest Aventureiros nesta montanha russa terão que encarar, além das tradicionais quedas e curvas, um trecho em marcha ré, para depois serem atacados por um Yeti do tamanho de um mamute (!). Só os mais corajosos enfrentam a escalada da montanha proibida.

Entre em um jipe com destino a um safári e veja girafas, zebras, rinocerontes, tigres e elefantes que parecem estar em seu habitat natural. “A melhor coisa é fazer o safári de manhãzinha, assim que o parque abre. Os animais estão todos acordando, então as chances de vê-los são maiores”, lembra Mary Hamasaki, vendedora de uma das lojas da África, área onde fica o passeio. o Complexo Disney em números - A propriedade abriga, além dos 4 parques temáticos, 2 parques aquáticos e 24 hotéis, numa área equivalente à cidade de São Francisco, ou duas ilhas de Manhattan. - A atração mais alta de todo a propriedade é a montanha-russa “Expedition Everest”, no Animal Kingdom, com 60 metros de altura; seguida de muito perto pela “Twilight Zone Tower of Terror”, no Disney’s Hollywood Studios, com 59,5 metros. - Um total de 700 mil lâmpadas de LED são usadas nas decorações de Natal do complexo. Se enfileiradas, elas se estenderiam por 150 km. - São consumidos anualmente na propriedade da Disney: 75 milhões de Coca-colas, 13 milhões de garrafas de água, 10 milhões de hambúrgueres, 6 milhões de cachorros-quentes e 4 mil toneladas de batatas fritas.

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Soarin Este voo de asa-delta vai te imergir nas lindas paisagens da Califórnia, passando pelas metrópoles, as praias e os campos. “Não é a toa que tá sempre com fila. É lindo demais” opina Dana Narita, enquanto distribui cardápios de um restaurante da The Land, prédio onde fica a atração. “Além de ser relaxante depois de um dia cansativo de parque”. Mission: Space Neste simulador de treinamento de astronautas, você poderá sentir a claustrofobia, o enjoo e a pressão que a tripulação enfrenta durante a decolagem. Priscila Tavares, que trabalha na loja de lembranças do brinquedo, dá a dica: “tem a Missão Verde, que é mais leve, e pros mais corajosos a Missão Laranja. Mas é melhor ir antes do almoço porque enjoa mesmo!”

Além disso, é possível dar a volta ao mundo em um só lugar, visitando os pavilhões dos 11 países do World Showcase. Jonathan Sá, da equipe de limpeza dessa área, recomenda fazer as refeições aqui. “Não tem jeito melhor de mergulhar na cultura de um país do que experimentando a culinária, né? Todos os restaurantes são ótimos, alguns até luxuosos, e vale muito a pena essa experiência.” Fotos: Reprodução

Twilight Zone Tower of Terror

os caras são tão bons que o show acontece até em dia de chuva. Imagina, fazer aquilo tudo com o chão escorregadio?” elogia Bruna Oliveira, veterana da Hollywood Scoops, trailer com os melhores sorvetes do parque.

Um impressionante show de carros, com muito fogo e manobras executadas por profissionais do cinema. “E

Entre numa jornada eletrizante a bordo de um elevador assombrado. A atração te faz subir e cair várias vezes, com uma vista do parque que vai fazer seu estômago subir até a boca. “O legal é que, não importa quantas vezes você vier, vai continuar sendo surpreendente, porque o tempo que demora pra cair é aleatório: entre 3 e 10 segundos”, revela Juliana Schmitt, funcionária da loja de lembranças da atração, entre outras do parque.

O mundo do cinema dá o tom deste parque, que tem as atrações que mais vão entreter os adultos pelo dia inteiro. Vale reservar dois dias da viagem para conhecer tudo.

Disney’s Hollywood Studios

Light, Motors, Action

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TURISMO

Space Mountain Buzz Lightyear Space Ranger Spin Atração interativa de tiro, em que você testará sua mira contra aliens. Raíssa Santos, que cuida das filas desta atração, aconselha: “acho imperdível, pelo menos para ver o (robô) animatrônico do Buzz”. E garante que “parece bobo, mas você acaba querendo ir de novo e de novo pra bater sua pontuação”.

A enorme estrutura branca abriga uma montanha russa com curvas e quedas de dar frio na barriga. A fila é longa, mas tem janelas que oferecem uma “vista” bastante realista do espaço, além de mini-jogos para disputar com seu grupo. Para Ana Carolina Ramos, que trabalha no restaurante Pecos Bill, “é a atração mais adulta do parque, com certeza, por ser mais radical e pela temática”. Splash Mountain Você vai sair molhado, então prefira dias quentes. A atração é um passeio de barco que conta com duas grandes quedas que espirram muita água em todos a bordo. “É minha atração favorita para tirar foto fazendo poses engraçadas. Saem ótimas!”, completa Hélio Inagake, funcionário da Emporium, maior loja do parque. Fotos: Reprodução

Epcot No projeto original, Walt Disney imaginou uma cidade experimental que implementaria todo tipo de projeto tecnológico e ecológico, ditando tendências para o futuro. Hoje, o parque ainda impressiona por sua modernidade. Não deixe de visitar!

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Foto: Divulgação

Walt Disney World para crescidos Saiba mais sobre as principais atrações dos parques de diversão mais famosos do mundo Melanie Castro

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e, durante sua infância, você não teve a chance de conhecer “o lugar mais mágico da Terra”, ainda é tempo! O Walt Disney World, em Orlando (EUA), tem várias opções para adultos em seus parques. Montamos um pequeno roteiro com a ajuda de quem mais entende do assunto: os funcionários do Walt Disney World Resort, conhecidos como “cast members” (membros do elenco). O resultado é capaz de surpreender qualquer adulto em sua viagem ao reino da fantasia. Eles também dividiram conosco suas curiosidades favoritas sobre os parques, que você confere ao lado.

Magic Kingdom Voltar a ser criança e mergulhar nos clássicos que coloriram a infância já é o bastante para atrair visitantes de todas as idades ao Magic Kingdom para viver momentos inesquecíveis, como encontros com as princesas e rodar nas xícaras de chá do Chapeleiro Maluco. Mas se você não curte muito o clima de magia e nostalgia, ainda é possível se divertir no parque. Aqui vão as dicas:


SAÚDE A prevenção está no SUS Fonte: Ministério da Saúde

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SAÚDE O HPV raramente apresenta sintomas e esse é justamente um de seus maiores riscos Dr. Marcelo Steiner

Como prevenir? o uso de preservativo. É importante esclarecer que o HPV pode existir até mesmo dentro de relações estáveis, como namoros ou casamentos. Como a manifestação dos sintomas não é regra, você ou seu parceiro podem ter contraído o vírus em algum momento da vida e nem desconfiarem. Esse foi o caso de Vivianne Domingues, de 38 anos, que contraiu a doença do próprio marido. Vivianne só procurou ajuda quando a dor e a queimação nas partes íntimas eram tantas que mal conseguia andar. Ao chegar ao ginecologista, precisou primeiro controlar as lesões para depois poder fazer os exames ginecológicos, que vieram a confirmar o diagnóstico de infecção por HPV. Assim como ela, Yasmin Asseiro, de 21 anos, também foi contaminada dentro de uma relação monogâmica. Yasmin não chegou a desenvolver a doença, tendo descoberto a presença do vírus em um de seus exames de rotina. Ela faz acompanhamento frequente e ainda é portadora do papiloma, apesar de não corre risco de desenvolver um câncer.

Já existem no mercado vacinas que protegem contra quatro dos tipos de HPV. O número ainda é baixo, levando em conta a variedade de subtipos do vírus, mas exclui aqueles que são mais comuns e perigosos. Além disso, o uso do preservativo masculino, a camisinha, diminui em 60% a transmissão do papilomavírus. Vale ressaltar que 10% das mulheres infectadas desenvolverão a doença e, mesmo quando ela não se manifesta através de sintomas, o vírus está presente e, portanto, pode ser transmitido ao parceiro.

Foto: Arquivo Pessoal

Mas, espera aí, câncer? A maior parte das doenças causadas ou induzidas por uma infecção pelo vírus HPV tem cura. Segundo o doutor, no caso das verrugas, deve ser feito um tratamento direto nas lesões através de cauterização; quando o sintoma aparece em alterações no colo do útero, então, deve ser feita a retirada de uma pequena parte do tecido lesionado; já no caso de a mulher portar o vírus, mas não apresentar manifestações da doença, a mesma deve ser monitorada, realizando frequentemente os exames de rotina, principalmente o Papanicolau, que é a principal ferramenta utilizada na hora de detectar o vírus. Porém, se não tratado ou diagnosticado precocemente, esse vírus contribui de maneira significativa para o desenvolvimento do câncer de colo de útero. “Este, por sua vez, pode ser fatal”, avisa o Dr. Marcelo.

O médico ginecologista Marcelo Steiner alerta para a possibilidade de não manifestação do vírus em pessoas infectadas

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SAÚDE

Silencioso, mas não menos perigoso Entenda do que se trata a doença sexualmente transmissível mais comum entre as mulheres e saiba como se proteger do HPV Mayara Castro

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uando falamos em doenças sexualmente transmissíveis, logo pensamos em AIDS, Sífilis, Clamídia e outros nomes assustadores como esses. Porém, o que muitos não sabem ou, se sabem, parecem não dar muita atenção, é que existem outras enfermidades muito mais comuns e frequentes na vida de um ser humano sexualmente ativo. Esse é o caso do papilomavírus humano, que atinge cerca de 75% da população feminina e pode ser uma doença bastante silenciosa. “O HPV raramente apresenta sintomas e esse é justamente um de seus maiores riscos”, afirma o médico ginecologista Marcelo Steiner. Grande parte dos infectados

passa anos sem saber de sua condição e só procura ajuda quando a doença já está em estado avançado. Verrugas e lesões na mucosa são os sintomas visíveis mais comuns, mas podem ou não aparecer dependendo do tipo de HPV contraído, que se divide em mais de cem subtipos. Relações monogâmicas não excluem o risco de contágio A falta de conhecimento ajuda consideravelmente na disseminação da doença, visto que a maior forma de contágio é através da relação sexual desprotegida, sem

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Fotos: Shutterstock Images


SAÚDE

Quando é alcoolismo? Outra alternativa para as mulheres que tem problemas com o alcoolismo são as clinicas de reabilitação. Os preços variam entre R$ 1 mil e até R$ 5 mil e tem tempo médio de internação de 6 meses. Os métodos usados dependem de cada clínica e todas as regulamentadas pelos órgãos de saúde federal e estadual oferecem tratamento psicológico, médico e muitas vezes químico.

Para saber se uma pessoa é alcoólatra basta analisar quanto e quando ela bebe. Os especialistas criaram então uma espécie de “unidade de medida” conhecida por Binge, que serve para padronizar o consumo de álcool e saber quem passa da conta. O Binge é a ingestão de quatro doses ou mais de bebida para mulheres e cinco doses ou mais para homens, em duas horas. A frequência em dias também influencia. Três dias ou mais por semana, principalmente se alguns desses dias forem de segunda-feira a quinta-feira, podem ser indícios de alcoolismo.

Fonte: Divulgação

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Não conseguia ficar no emprego porque é muito difícil trabalhar de ressaca ou fedendo a bebida. O ponto crucial para eu pedir ajuda foi quando meu filho, já com três anos, enquanto brincava e bebia com ele no chão do quarto, veio pegando a garrafa da minha mão por que também queria experimentar. Tenho dificuldade até hoje, mais de 20 anos depois, para aceitar minha vida como ela é, acho que as coisas poderiam ser diferentes, ter sido diferentes. Fico remoendo o passado e, nesses momentos, sinto vontade de beber. Minha luta, porém, não é apenas com a garrafa. Quando conto que não bebo mais parece que sou um ET. Não faz mal. Olho para mim e vejo que já consegui avanços. Desinchei tanto que calçava 36 e agora uso 35. A minha forma de falar mudou, estou mais calma e tolerante. Quero ter o direito de escolher o que fazer da minha vida. Para isso, no entanto, preciso estar sóbria.” O alcoolismo entre mulheres é uma realidade pouco comentada que afeta cerca de 18,5% da população feminina no país e 1 em cada 4 mulheres da população mundial. É entre elas que a doença mais cresce, cerca de 140% a mais que nos homens. Invariavelmente, a história muda e o caminho para o alcoolismo costuma quase sempre ser o mesmo. Segundo Arthur Guerra, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), as mulheres chegam à bebida para ter autoafirmação, ficarem desinibidas e, principalmente, se sentirem em pé de igualdade com os homens. Até a década de 80, elas começavam a beber com 17 anos e hoje, a média é de 13 anos para o primeiro copo. O grande problema é que o álcool acaba afetando muito mais o organismo da mulher do que o homem. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o metabolismo do álcool nas mulheres não é igual ao dos homens. Se dois indivíduos de sexos opostos ingerirem a mesma dose de álcool, proporcional ao peso, a mulher apresentará níveis alcoólicos maiores no sangue. E ficam embriagadas com

Foto: Larissa Roncon

doses mais baixas e progridem mais rapidamente para o alcoolismo crônico. Além disso, para os mesmos níveis de consumo de álcool, a mulher apresenta primeiro problemas hepáticos, tem três vezes mais chance de desenvolver cirrose e problemas cardiovasculares. Outro problema intimamente ligado ao alcoolismo feminino é a depressão. Cerca de 35% das mulheres que desenvolvem a doença tem uma relação com o vício. O que muda é se a depressão foi a porta de entrada para o alcoolismo ou se é uma consequência. Mas a pior dificuldade do alcoolismo na mulher e justamente em ser uma mulher alcoólatra. Segundo o psiquiatra e professor da UNIFESP Ronaldo Laranjeira, as mulheres sofrem ainda mais preconceito ao se assumirem alcoólatras. “Por serem as mães de famílias e por terem um postura a seguir determinada pela sociedade patriarcal em que vivemos, as mulheres normalmente sofrem mais para assumir que são alcoólatras. Para a própria família, é mais fácil entender quando essa doença afeta o pai do que quando é com a mãe e tudo isso pesa para elas também na hora de buscar um tratamento”, explica o médico. Alcoólicos Anônimos e Clinicas de Reabilitação Uma das associações mais procuradas para quem deseja aprender a controlar o problema com a bebida é o A.A.- Alcoólicos Anônimos. As reuniões são baseadas em trocas de experiências e, se preferir, a pessoa não precisa revelar o nome. Apesar disso, as reuniões ainda são extremamente marcadas pela presença dos homens e em algumas cidades há encontros separados para que as mulheres possam se sentir mais à vontade. Como o A.A. não mantém registros de seus participantes, não é possível saber hoje quantas mulheres fazem parte da associação. Suas diretrizes se baseiam em 12 promessas que são renovadas a cada encontro e na luta dia-a-dia pela sobriedade.

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Nem tão

Foto: Larissa Roncon

ch

a Sex on the Be assim

As mulheres terem o direito de beber livremente pode ser um avanço, mas o problema é como e quanto elas estão bebendo Larissa Roncon

M.

J.G., de 46 anos, é moradora de uma cidade do interior de São Paulo, e durante 4 anos vivenciou o drama do alcoolismo. Tendo desenvolvido a doença com apenas 22 anos, há 20 aprendeu a como conviver com ela. Confira um relato de sua vida: “Meu primeiro porre foi no meu aniversário de 18 anos. Fiquei feliz de saber que a partir dali não seria crime beber, mas bebi demais. Entrei em coma e por isso fiquei três anos sem tomar uma gota. Aquilo tinha me assustado: meu pai morreu por causa do alcoolismo. Mas em qualquer lugar que eu ia, a bebida era sempre presente. Todo mundo bebe - embora em mim subisse mais do que nos outros. Comecei a beber todo final de semana e meu

final de semana começava na quinta, as vezes na quarta. Transava com estranhos sem camisinha e sem medo de engravidar ou pegar doenças. Mas engravidei de alguém que eu não sabia. Minha mãe me colocou para fora de casa por isso. Bebi durante a gravidez inteira, mas por um presente de deus, meu filho nasceu saudável, perfeito. Demorei três anos para perceber toda essa perfeição dele. Uma vez bebi tanto que, me sentindo depressiva, tomei 50 comprimidos de fluoxetina. Tive de fazer lavagem estomacal. As ressacas foram ficando fortes, tinha dor de cabeça, vômito, tremedeira, frio - e, aí, não saía de casa, chorava desesperada. Bebia com meu Henrique no colo. Morava de favor no fundo da casa de uma família maravilhosa.

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V&R - De qual música da carreira do pai vocês mais gostam? Por qual razão? Theo - São muitas, não dá pra ressaltar uma. Só pra montar o show já foi muito difícil. Se fôssemos tocar todas que tínhamos vontade daria pra montar repertório para uns 4 shows diferentes. Sebastião - Além de “O Mundo é Bão, Sebastião” [música que Nando Reis fez dedicada ao filho], uma que ando escutando muito é “No Recreio”, pois, como várias outras, me identifico com a letra. V&R - Em pouco tempo de projeto, vocês já dividiram o palco com Arnaldo Antunes e com o próprio pai. Como foi a sensação? Theo - Foi muito bacana. Com nosso pai já estamos acostumados, embora dessa vez ele fosse nosso convidado e não nós dele. E com o Arnaldo foi muito bacana, ele participou do primeiro show do projeto, realizando assim um sonho antigo nosso de dividir o palco com ele, dando a benção pra seguirmos em frente. V&R - A parceria já conta com uma produção autoral, que é a música “Passageiro do vento”. Vocês trabalham na produção de outras canções? Theo - Sim, estamos começando agora um trabalho em cima de nossas músicas. Devemos aos poucos ir incluindo uma ou outra no repertório do show. V&R - Quais são suas influências musicais? Theo - Sou bastante eclético, ouço de tudo, Rock, Reggae, Rap... Com certeza a maior influência é do meu pai, não só através da música que ele faz, mas também por tudo o que conheci através dele, coisas como Beatles, Bob Marley, Jorge Ben, Gilberto Gil, e mais uma porção de coisas. Ele tem um acervo enorme de discos e está sempre pesquisando coisas novas. Sebastião – Meu pai me apresentou a maior parte das coisas que escuto, entre elas estão duas das minhas

Foto: Bruno Trindade Ruiz

maiores influências, que são Led Zeppelin e Neil Young. Mas, além disso, escuto bastante Rap, Reggae, Soul e estou aos poucos entrando no mundo do Jazz. V&R - De que forma vocês lidam com as comparações com o pai? Theo - Acho que é natural a comparação. Com certeza as pessoas já têm certa expectativa e a figura dele serve como parâmetro pra avaliar a nossa. Isso aumenta nossa responsabilidade, buscamos transformar esse desafio no próprio estímulo pra que possamos nos aprimorar a cada dia. Sebastião - A comparação é inevitável, mas de forma alguma me sinto intimidado, lido bem com ela, mas realmente serve como um desafio e um estímulo. V&R - As letras de “Me Diga”, “Família”, entre outras interpretadas pelo Nando Reis, falam sobre as relações familiares. Como vocês analisam essas letras? Theo - Com certeza possuem um significado especial, seja porque tratam diretamente de nossas vidas, seja pelo convívio que tivemos com elas ao longo dos anos. É sempre emocionante tocar essas músicas. Sebastião - São especiais, exatamente pelo fato de serem sobre nós, assim com outras que retratam momentos que passamos, sejam eles em relação ao meu pai ou à família como um todo. V&R - Ambos possuem bandas paralelas. Vocês pretendem continuar com o projeto 2 Reis? Se sim, quais são os planos para 2014? Theo - Sim, pretendemos, claro. O plano agora é gravar um disco. Sebastião - A minha banda paralela não está muito ativa no momento, meu plano é seguir em frente com os 2 Reis, fazendo shows e quem sabe conseguir gravar um disco.

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CULTURA

Par de REis Músicas da carreira de Nando Reis ganham releituras em projeto dos filhos Deivide Sartori

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os meus filhos eu sinto saudade, eu tenho “ medo que eles achem que eu não sinto a falta deles, como eu acho que eles sentem de mim”. Nesse trecho da canção “Me Diga”, escrita e lançada por Nando Reis em 1995, o cantor mostrava preocupação em relação ao que seus filhos poderiam pensar sobre ele. Quase vinte anos depois, a canção faz parte do repertório do projeto 2 Reis e o medo do ex-titã já não parece fazer mais tanto sentido. Em julho de 2013, Theodoro Reis, 27, e Sebastião Reis, 18, chamaram alguns amigos músicos para criar o grupo 2 Reis, que tem como proposta realizar uma travessia pela carreira de Nando Reis. Em poucos meses de parceria, os irmãos já realizaram diversos shows na capital paulista e em cidades do interior do estado. Em entrevista para VERSO E REVERSO, Theo (vocal) e Sebastião (violão) falaram sobre como surgiu o projeto, os planos para 2014 e a relação com o pai.

V&R - Como foi a criação do projeto 2 Reis? De quem foi a ideia do nome para a parceria? Theo - A ideia do projeto surgiu quando viajávamos para acompanhar meu pai em um show. De vez em quando a gente participa fazendo uma ou duas músicas com ele, daí resolvemos montar a banda pra tocar um repertório de músicas que ele compôs. Pensamos em vários nomes, Dois Reis, se não me engano, foi ele quem sugeriu. V&R - O que o Nando Reis achou da iniciativa? Theo - Ele ficou bastante feliz e deu todo apoio. V&R - Como é a elaboração do repertório? Sebastião - No começo nós sentamos junto com o meu pai para pensar nas músicas e chegamos à conclusão de usar as músicas mais “lado B”. Pra chegar ao repertório final escolhemos as músicas que mais nos identificamos, apesar de terem várias outras que gostaríamos de tocar. ji Honma

s/Arte: Lucas Yu

Fotos: Peu Roble

Para tocar as músicas da carreira do pai, Theodoro (esq.) e Sebastião (dir.) criaram, em julho de 2013, o grupo 2 Reis


E se de um lado a Bruna pensa em fazer boxe tailandês, de outro, a Regiane já está treinando pesado. Regiane Aparecida Correia divide suas atividades semanais entre o trabalho no comércio, a musculação na academia, a caminhada no parque, o passeio com os amigos e a prática do muay thai. A vendedora começou na luta em março do ano passado, inspirada por um amigo que hoje é seu professor. Por conta de preceitos religiosos, os pais de Regiane não apoiaram a decisão, mas ela seguiu em frente. “Minha família não costuma intervir em minhas escolhas, mas por motivos religiosos meus pais não aprovam muito o fato de eu praticar muay thai. Meus irmãos e amigos acham que o importante é eu estar bem e fazer o que gosto”, conta a lutadora, que está prestes a participar da primeira graduação na modalidade. Assim como o kung fu praticado pela Bruna, o muay thai da Regiane concentra mais homens que mulheres, mas a Regiane deu um jab na timidez e persistiu nos treinos.

ESPORTES

Se antes Regiane não sabia muito sobre a luta e a achava um tanto bruta, hoje ela tem nova perspectiva, tendo superado seus limites e aderido ao pensamento de que pode ir além. E o “ir além” trouxe vários benefícios para Regiane, que perdeu peso, ganhou definição, melhorou o condicionamento físico e aumentou a autoestima com o esporte tailandês. “Sempre quis encontrar algum esporte com o qual me identificasse, e depois de anos conheci uma luta que me dá a oportunidade de me dedicar com gosto”, explica. Assim como nos relacionamentos, quando a vendedora conheceu a modalidade, começou criar expectativas, e das grandes. “Me apaixonei pelo muay thai e logo comecei a sonhar. Sempre quis participar de campeonatos e hoje vejo este sonho bem perto de ser realizado: ingressar nas competições está entre meus projetos para 2014”, comenta esperançosa.

Arte: Lucas Yuji Honma

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Foto: Murilo Barbosa

ESPORTES

Além das conquistas no pódio, com o kung fu a jovem ganhou também amizades, durante 4 anos de treino, Bruna conheceu várias pessoas e fez grandes amigos. E já que estamos falando de conhecer pessoas, o kung fu atrai mais homens ou mulheres? “Nos meus treinos a turma é composta aproximadamente 60 homens e 10 mulheres. Mas nunca tive problemas com isso, na academia há muito respeito entre os alunos e a disciplina está sempre em primeiro lugar”, observa. Por conta de recentes conflitos de horário entre faculdade e treinos, Bruna precisou se afastar da luta. Mesmo assim, ela recomenda a prática, elenca benefícios e pensa em retornar às artes marciais. “O kung fu é uma modalidade em que você aprende ter disciplina, respeito e dominar sua própria mente. As pessoas sempre mudam para melhor quando começam a praticar. Pretendo voltar para as artes marciais em breve, mas quero um novo desafio, talvez muay thai”, prevê a lutadora.

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ESPORTES

Foto: Murilo Barbosa

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runa tem 19 anos e trabalha no departamento de projetos de uma empresa especializada em engenharia civil. Regiane tem 29 anos e atua no setor comercial de uma loja instalada no Centro da cidade. Mas o que estas moças têm em comum? VERSO E REVERSO responde: paixão por artes marciais. Bruna Wenzel Pereira faz um pouco de tudo: musculação e spinning durante a manhã, estágio na parte da tarde e quando a noite cai, segue para a faculdade. Aos finais de semana, presta serviços de recreação em festas infantis e sai com os amigos para se divertir e dar boas risadas. Em 2008, diferenciando-se de boa parte das garotas de sua idade, Bruna visitou algumas academias e resolveu praticar kung fu. “Não conhecia nada sobre kung fu, mas como sou apaixonada por esportes, inclusive lutas, decidi conhecer essa arte marcial treinando”, conta a jovem. Apesar dos arranhões e hematomas conquistados nos treinos suados, o apoio que a família deu para Bruna foi moral e prático, com direito a irmã e pai vestindo quimono e adentrando o tatame junto com a jovem para desferir os golpes da arte oriental.

Fã dos golpes certeiros de Bruce Lee, Bruna não faltava às aulas e, na academia, ganhava e mantinha inspiração para continuar lutando. “Algo que me motiva é saber que ao chegar para treinar, vou descarregar toda a negatividade acumulada durante a semana. O kung fu me faz bem não só pelo físico, mas também pela mente”, revela. O que começou pela curiosidade de saber mais sobre determinada arte marcial, com o tempo trouxe grandes vitórias. Bruna sempre treinou por se sentir bem praticando luta e por aprender defesa pessoal, algo que considera de grande importância. Já tendo adquirido alguma experiência na modalidade, participou de competições e torneios, tendo vencido grandes disputas. “Participei dos Campeonatos Interestaduais em 2009 (São Carlos), 2010 e 2011 (Araras), onde fui campeã na modalidade de Defesa Pessoal / Luta Combinada. Em 2009 também fui campeã no ‘Kati mãos livres’, que são sequências de movimentos usados na arte marcial. Foi uma experiência ótima, pois não há sensação melhor do que ir para um torneio e voltar de lá com um troféu ou uma medalha de ouro”, relembra Bruna.

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ESPORTES

Foto: Murilo Barbosa

Sombra nos olhos, batom nos lábios e punhos cerrados Trabalhar, estudar, sair e lutar: VERSO E REVERSO mostra que as artes marciais não são apenas para homens. As mulheres estão dando rasteira na vergonha, vestindo quimono e desferindo socos mais fortes que o de muito macho por aí Murilo Barbosa

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OPINIÃO

Mulheres são de Vênus, homens de Marte e outros planetas

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olítica é lugar de homem! Mas, será mesmo? Não! O que existe, na realidade, são posições diferentes. Nesse contexto, podemos dizer que a frase que melhor se encaixa na questão entre os gêneros é a de que “Mulheres são de Vênus e os homens são de Marte”. Ambos vivem no mesmo ambiente, porém, pensam e agem de maneiras diferentes. Porque, afinal de contas, são diferentes. Apesar de o cenário político ser geralmente hostil às mulheres, elas sempre o frequentaram, mesmo que não sejam as figuras principais. Elas sempre estão por trás dos grandes acontecimentos! Cleópatra foi um grande exemplo disso, afinal, conduziu os rumos de Roma por bons anos. A mulher tem em seu DNA o poder de articulação. Costumam comunicar-se bem e têm grande força em suas atitudes. É claro que ainda existem barreiras a serem superadas, como fazer com que elas se interessem mais pela vida pública em si. A situação está mudando, mas ainda é incomum encontrar alguém do sexo feminino disposto a abdicar de sua vida para concorrer a uma eleição. Elas ainda acham que o ambiente é coisa para homem, que não conseguirão colocar suas ideias, mas isso não é verdade. É a arte do convencimento e nisso elas dão de dez a zero nos homens. Já os homens, que são de Marte, tratam muitas vezes a política como um cenário de guerra. Costumam ser mais agressivos, mais impositivos. Talvez pelo fato de enxergarem a política como meio de dominação. E, pela natureza do sexo masculino, que tem como instinto a guerra para sobreviver e o domínio para procriar, talvez se crie nele um maior interesse pela vida pública. Até o inicio do século, a política era feita pela imposição e muitas, mas muitas vezes, pela guerra, pelo poder. Com o tempo, e principalmente com a implantação de democracias mundo afora, pôdese verificar a pacificação da política e um maior encaixe das mulheres nesse ambiente. A política virou disputa de ideais, de posições e, cá pra nós, o sexo feminino tem muito mais poder de oratória que o masculino. No meio político invertem-se os papeis. A mulher é a voz da razão e o homem comove pela emoção. Mas ficaria muito vago simplesmente colocar as coisas dessa maneira. Hoje, a mulher já igualou espaços com homens, principalmente em Estados que assumem a democracia como forma de organização política. Mas ainda falta quebrar algumas barreiras sociais promovidas pelo machismo, para que elas possam participar mais ativamente desse cenário. Engana-se quem acredita que, por termos uma presidente do sexo feminino, teremos igualdade entre os gêneros. Falta muito a ser feito e mudado. A derrubada do mito da fragilidade delas é um exemplo. Já nos países árabes as mulheres ainda têm muito a conquistar. Mas lá é de outro planeta...

Moacir Pontalti Assessor parlamentar e bacharel em direito

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COMPORTAMENTO Quando o abuso é perpetrado por pais ou responsáveis contra menores, é cabível a pena de perda do poder familiar e afastamento do agressor da residência da família André Costa

Casos reais “Levei muito tempo para conseguir falar sobre o assunto. São 31 anos de agonia. Não acredito que existam profissionais de saúde que possam arrancar de dentro de mim o que eu sinto, e muito menos, o que penso. Aos cinco anos, eu costumava frequentar a casa de um amigo de minha mãe, sem que ela soubesse de tal fato. Tinha consentimento da babá, que me deixava ir sozinha até o local. Todas as crianças do bairro iam até ele porque havia oferta de brinquedos, muitos dos quais diferentes dos que eu possuía em casa. Depois de algum tempo, eu percebi que o homem que me oferecia brinquedos retirava o pênis para fora da calça e começava a esfregá-lo toda vez que eu ia lá. Sabia que era errado e isso me incomoda até hoje”. O relato de Flaviana*, 37 anos, traz culpa, vergonha e medo. Culpa porque ela estava fazendo “coisas erradas” com um homem casado; vergonha porque o fato poderia cair na boca do povo e a ridicularizar em seu próprio convívio e medo porque o homem que lhe oferecia de bom grado brinquedos poderia querer se vingar dela em um momento oportuno. Apesar dos anos terem se passado e ela nunca mais ter visto seu abusador, ela ainda sente na pele as marcas do trauma sofrido na infância. Justiça brasileira: combate à violência A lei 11.340/06, conhecida como Maria da Penha, conceitua violência sexual como forma de violência doméstica e familiar contra a mulher. Se a vítima for uma criança, como foi o caso de Flaviana, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê o delito como submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual. A punição na justiça brasileira pode ser desde penas de reclusão até multa. “Quando o abuso é perpetrado por pais ou responsáveis contra menores, é cabível a pena de perda do poder familiar e afastamento do agressor da

residência da família. Essa punição também é cabível nos casos em que o agressor é o marido ou companheiro da vítima”, afirma o professor de direito penal da Universidade Federal de Ouro Preto André Costa. O Ministério da Saúde orienta que todo caso de abuso sexual deve ser denunciado ao serviço de Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescente. O Disque 100 é coordenado e executado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e funciona diariamente das 8h às 22h, inclusive aos fins de semana e feriados. A identidade do denunciante é mantida em total sigilo e as demandas são analisadas em até 24 horas.

Não fique em silêncio. Disque 100!

Para mulheres, é possível fazer a denúncia nas delegacias da mulher em qualquer cidade espalhada pelo Brasil. O primeiro passo, além da denúncia, é procurar ajuda especializada, seja de psiquiatras ou terapeutas. A superação do trauma depende muito do tipo de violência sexual, do tempo e da personalidade de cada vítima. A conquista da confiança, da segurança e o espanto dos medos são feitos por etapas, que podem durar muitos anos, porém sem a desistência da vida e com a certeza de um futuro bem melhor que o passado.

* Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada

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COMPORTAMENTO Quase todos os e-mails que recebo incluem frases do tipo ‘Nunca contei isso para ninguém’ e/ou ‘Já me sinto mais aliviada só em desabafar. Lola Aronovich Foto: Arquivo Pessoal

Machismo perpetua os abusos sexuais O estupro não ocorre apenas em ruas escuras e desertas cometidas por monstros desconhecidos, como é mostrado em filmes, novelas e seriados. Na realidade, ele pode acontecer em plena luz do dia, quando mulheres (adultas, adolescentes ou crianças) voltam para suas casas após longas horas de trabalho ou estão saindo do lar para defender suas lutas diárias. O abuso sexual ocorre a qualquer hora e em qualquer lugar, pode até mesmo acontecer com sua prima ou amiga. O blog Escreva Lola Escreva da professora de literatura em língua inglesa da Universidade Federal do Ceará (UFC), Lola Aronovich, traz um rico acervo de histórias de violência sexual e debate o feminismo para que as mulheres conquistem seus direitos em relação ao próprio corpo. Ao combater o machismo, ela resgate o conceito que abuso sexual não é apenas assunto de mulheres. “Homens só falam sobre isso se for para fazer piada, ou pra desejar pena de morte e tortura para um ‘monstro’ (ou seja, um estuprador dentro do clichê). Essa postura de ‘não sou estuprador, então não tenho nada a ver com o assunto’ é terrível”. Por semana, ela recebe pelo menos três mensagens de leitores contando sobre suas experiências com a violência sexual. O trabalho exercido por ela no mundo virtual ajuda na superação dos traumas. “Quase todos os e-mails que recebo incluem frases do tipo ‘Nunca contei isso para ninguém’ e/ou ‘Já me sinto mais aliviada só em desabafar’”. O trabalho exercido pela professora universitária pode ser considerado único quando comparamos com as terapias tradicionais. A sexualidade ainda é um grande tabu, apesar de toda a modernidade desfrutada nos dias atuais. Segundo a blogueira, o sexo ainda é um assunto pouco falado ou falado de forma leviana e a mídia deveria ter como dever a prevenção da violência sexual por meio de campanhas institucionais.

A professora Lola Aranovich mantém o blog sobre feminismo Escreva Lola Escreva e nele expõe vários casos de violência sexual. Lola cita que a discussão do tema está ganhando cada vez mais repercussão, mas ainda é longe do ideal. Ela acredita que as pessoas devem ver a violência sexual como uma questão de gênero, porém sem enaltecer que elas são apenas vítimas e sim que é algo presente na vida de todo ser do sexo feminino. O Equador, nosso vizinho não tão distante, já possui campanhas governamentais contra o machismo. “Somente campanhas institucionais não são suficientes. Seria bom que a mídia tratasse do tema nas séries e novelas. A violência sexual, muitas vezes, é tema, mas de forma totalmente equivocada, como podemos ver em quadros de humor, em que a uma mulher é constantemente bolinada e a amiga diz ‘Aproveita’”, conclui.

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COMPORTAMENTO

Essa cena é comum em centros urbanos e pode ser configurada como violência sexual, cujas vítimas são frequentemente as mulheres, sendo elas crianças ou adolescentes. A lei 12.015 do Código Civil Brasileiro de 2009 define o crime como constrangimento a alguém, mediante violência ou grave ameaça; conjunção carnal, praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso; e ter conjunção carnal ou praticar outro ato Foto: Arquivo Pessoal

Professora e coordenadora do serviço às vítimas de violência sexual do Hospital das Clínicas da UFMG, Marilene Vale de Castro Monteiro declara que a penetração é o tipo mais comum de violência às mulheres

libidinoso com menor de 14 anos. “No Brasil, a forma mais comum de violência sexual é a penetração vaginal, anal ou oral”, diz a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do serviço às vítimas de violência sexual do Hospital das Clínicas da UFMG, Marilene Vale de Castro Monteiro. Somente em 2012, o Ministério da Saúde identificou 62.140 mulheres entre 20 e 59 anos como vítimas de algum tipo de violência, sendo 7% sexual. A maioria dos casos apresenta o autor como alguém próximo à família ou da mulher, principalmente pai, irmão, marido, primo, tio e chefe. As consequências do ato são inimagináveis, podendo ser físicas e psicológicas com duração a longo prazo. “De imediato pode ocorrer o transtorno de estresse pós-traumático, que é um quadro de ansiedade que pode ser bastante grave e incapacitante para vítima. Em longo prazo, podem ocorrer depressão e dificuldades de relacionamento, sexuais e com a alimentação. Os sentimentos carregados por toda a vida da vítima são culpa, vergonha, medo e raiva”, comenta a professora de psicologia e direito da Universidade Tuiuti do Paraná Maria da Graça Saldanha Padilha. Dois agravantes da violência sexual, quando ela culmina em penetração, são as doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada, que pode ocorrer às mulheres em idade fértil. Contudo, a melhor forma de prevenção do abuso é informar as meninas, desde muito cedo, sobre os direitos que elas têm sobre o seu próprio corpo. Além da educação sexual, o país precisa oferecer ambientes próprios para o atendimento às vítimas. A assistente social do Programa de Atenção à Violência Sexual (PAVAS) da Universidade de São Paulo, Sandra Eloiza Paulino, acredita que a ampliação de programas como o que ocorre na capital paulista pode auxiliar na superação de traumas, mas os profissionais precisam estar mais preparados para entender com maior clareza esse tema tão pouco discutido em nossa sociedade.

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Foto: Renan Moraes

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Violência sexual em mulheres é uma herança do machismo, que provoca diversos sentimentos conflitantes na vítima Ana Carolina Monari

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ua movimentada em um centro qualquer. Uma mulher caminha a passos lentos em frente a uma obra, quando escuta um assovio. Homens, em grupos, gritam palavras como “gostosa”, “linda”, “que corpo, hein!” e “assim você mata o papai”. Ela apressa o passo para fugir das “cantadas”, que eles não param de proferir até vê-la atravessar para a outra calçada.

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GASTRONOMIA

Aprenda a casar vinhos com pratos culinários Tenha uma simples refeição transformada em uma experiência gastronômica inesquecível Mayara Castro

S

eguindo a harmonização, que consiste na técnica de combinar bebidas com um respectivo prato culinário, o vinho deve ser servido com o prato de acordo com a forma que este é preparado. Se apreciado antes das refeições, por exemplo, um espumante ou um vinho branco seco pode agir como digestivo. Já durante a refeição, a bebida deve casar com a escolha dos ingredientes: peixes e frutos do mar pedem vinho branco, carnes brancas caem bem com vinho tinto ou espumante de qualidade, carnes vermelhas imploram por vinho tinto e massas podem ser combinadas com diferentes opções. Apesar de degustada mundialmente, a bebida não cai bem com alguns tipos de alimentos. Temperos acentuados, como o wassabi; alimentos ácidos, como o limão; e verduras, como a couve devem ser servidas com outro tipo de acompanhante. Agora que você já sabe como fazer as combinações, é hora de fazer o teste aí na sua casa. Confira a receita preparada especialmente pelo culinarista Fernando Santos!

Arte: Lucas Yuji Honma

Risotto de gouda, palmito e ervilha fresca 5 colheres (sopa) de manteiga 1 cebola picada 2 xícaras (chá) de arroz arbóreo 100ml de vinho branco seco 2L de caldo de legumes (aproximadamente) 100g de ervilhas frescas 200g de palmito em rodelas 100g de queijo gouda ralado 50g de queijo parmesão ralado

Aqueça uma panela em fogo alto com 4 colheres da manteiga e frite a cebola e o arroz por 3 minutos. Adicione o vinho e deixe evaporar. Acrescente o caldo de legumes, de concha em concha, mexendo sempre, até o arroz ficar al dente. No final no cozimento, adicione a ervilha, o palmito e misture. Abaixe o fogo, junte os queijos e a manteiga restante, misture e desligue o fogo. Divida em pratos de servir e sirva em seguida.

Rendimento: 5 Porções

Bebida: Vinho Branco Chardonnay ou Vinho Tinto Pinot Noir

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duas formas, tanto para o gênero, quanto para a idade. É importante, por exemplo, dizer para a garota que ela tem a mesma capacidade de um garoto para atravessar as muitas fases de um novo game lançado. Muitas vezes, ela pode até mesmo levar menos tempo que ele por ter uma forma diferente de enxergar o jogo”, diz. É interessante perceber que o público masculino, porém, acompanha de perto essa evolução geek feminina. No site Garotas Geeks, por exemplo, grande parte do público leitor é masculino: “Os homens gostam de ver o que estamos achando sobre o novo game lança-

TECNOLOGIA do no mercado, ou sobre os rumos que estão levando aquela série que está bombando ou a história em quadrinhos do herói favorito dele. Hoje em dia, ambos os sexos querem é ter assuntos para conversar um com o outro, e se esses assuntos são semelhantemente nerds, melhor ainda”, brinca a jornalista. Geeks ou não, as mulheres têm mostrado que estão se inseridos nos mais diversos campos e nichos, que antes eram limitados por pensamentos sexistas e preconceituosos. Já é um passo (mais um) por uma conquista de igualdade.

os 10 mandamentos da garota geek 01 – Não contarás spoilers de filmes, séries, finais de histórias em quadrinhos ou livros. 02 – Terás um 3g que nunca te deixa na mão (ou pelo menos quase nunca, já que no Brasil esse serviço ainda causa dor de cabeça em muita gente). 03 – Só desistirás de um jogo de vídeo-game depois que vencê-lo, não importa quantas madrugadas de sono isso lhe custe. 04 – Não deixarás de ver nenhuma adaptação cinematográfica das HQs de super-heróis, e acharás todas sempre inferiores aos quadrinhos. 05 – Baixarás todos os aplicativos que puder em seu smartphone para testar e avaliar.

06 – Andarás com amigos mais nerds que você, porém sempre haverá muito respeito entre as opiniões divergentes, a não ser que ele defenda uma adaptação cinematográfica de super-herói 07 – A internet será sempre sua aliada, não importa a circunstância. 08 – Não idolatrarás nenhum outro filme acima de Star Wars. 09 – O vídeo-game será seu melhor amigo por todo a vida. 10 – Não ligarás para piadas nerds machistas. Elas um dia, quem sabe, vão acabar.

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TECNOLOGIA

Foto: Reprodução

separação entre homens e mulheres nesse grupo? Sim, existiu um preconceito quando o assunto era mulheres geeks bem maior do que vemos hoje em dia, e não se pode menosprezar o papel da web para isso: “a cultura nerd feminina ganhou uma voz maior na internet. Muitas mulheres começaram a manifestar seu gosto nerd em sites, blogs, fóruns e comunidades da web, fazendo valer sua voz em meio aos homens já acostumados a debater entre si os assuntos desse meio cultural”, explica Melissa. Uma dessas mulheres a ajudar no aumento da representação nerd feminina é a também jornalista Tamirys Seno, uma das fundadoras do site Garotas Geek, que hoje tem o status de um dos maiores sites de cultu-

ra nerd do Brasil, e mais ainda no nicho feminino. Com uma linguagem cheia de gírias e ironias, o blog que era um trabalho para a faculdade acabou se tornando empreendimento, e ajudou revelar várias outras garotas geeks pelo país: “É importante a garota ter um lugar para se informar sobre os assuntos que gosta que fale diretamente com ela, com uma linguagem mais ‘feminina’, de uma forma que ela se sinta bem lendo”, é o que afirma Tamirys. Melissa concorda quanto à necessidade de a garota que se interessa por assuntos geeks encontrar um lugar em que possa se sentir familiarizada. “Por trabalhar com o público adolescente, acabo adaptando a linguagem de

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que estavam sempre estudando, tirando boas notas e cujo gosto para assuntos culturais se restringia a pequenas diversões com temas ligados à ciência, raciocínio, ficção e games. Com a propagação da internet, instaurou-se um estereótipo de que o nerd é também o individuo que não sai da frente do computador, o que mais uma vez ressalta a ideia de que uma pessoa geek (gíria inglesa) é quase sempre pouco sociável em suas reações interpessoais. A primeira “conquista” que temos então, não é apenas uma maior representação feminina nesse nicho, já que as mulheres sempre estiveram inseridas nesse meio, mas sim uma real mudança de pensamento sobre essa tribo: “Ser geek não significa viver isolado do resto

TECNOLOGIA Ser geek não significa viver isolado do resto do mundo, quase como dentro de uma bolha de tecnologia Melissa Marques Foto: Arquivo Pessoal

Melissa Marques é jornalista especializada na cobertura do universo geek do mundo, quase como dentro de uma bolha de tecnologia”, afirma a jornalista Melissa Marques, responsável pela coluna de tecnologia Toda Tech, dentro do site todateen, voltado para o público adolescente feminino. “Geek não tem nada a ver com relações pessoais , ou a falta delas. É um nicho cultural no qual as pessoas se identificam por gostarem das mesmas coisas: mangás, HQs, filmes, séries de TV. E internet também, mas não só internet como muitas pessoas também acreditam”, completa. Mas se os estereótipos estão dentro da própria visão que muitas pessoas têm dos nerds, o que dizer da

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TECNOLOGIA

Foto: Reprodução

Girl Power Geek! As mulheres assumem seu lado nerd

Foto: Reprodução

Apesar de sempre vinculado ao mundo masculino, cada vez mais mulheres mostram que no chamado “mundo nerd” também há lugar pra elas Soraia Alves

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ostar de jogar vídeo-game, ler histórias em quadrinhos, ter super-heróis como ídolos, amar filmes de ficção científica e estar sempre em contato com as novidades do mundo da ciência e da tecnologia. Essas são apenas algumas das muitas características das garotas que se identificam com o

universo geek. Mas, antes de entender a importância das mulheres estarem tomando seu lugar nesse mundo considerado tão masculino, é preciso entender o que é o universo geek. Os nerds eram pessoas vistas como sempre envolvidas com assuntos acadêmicos ou de difícil entendimento,

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OPINIÃO

Como a sociedade constrói “mulheres” e “homens”

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erá mesmo que as mulheres e os homens são tão diferentes quanto nos dizem a mídia, a ciência neurobiologicista, a religião e tantas outras instâncias da vida social? Será que ainda por meio delas justifica-se que no mercado aqui ao lado possamos encontrar panelas, sabonetes e pastas de dente no “espaço mulher”? Já não é tempo de repensar a educação diferenciada que é dada a meninos e meninas em vez de continuarmos justificando atos abomináveis como o estupro e o feminicídio (crimes de ódio à mulheres provocados pelo machismo)? É preciso parar de justificar consequências de uma educação de gênero machista, sexista e binarista com causas intimamente infiltradas dentro de cérebros “masculinos/femininos”, “gays/heterossexuais”. Se tudo isso é tão natural, por que nos é exaustiva e cotidianamente ensinado o que é ser mulher/homem de verdade? Vivemos rodeados por conselhos, dicas e análises sobre masculinidades e feminilidades que, no lugar de supostamente descrevevem a realidade, a produzem de acordo com interesses de quem detém maior poder. Antes mesmo de uma criança vir ao mundo, já a esperamos com minicozinhas e bonecas cor-de-rosa ou com espingardas e skates “irados”. É inadmissível a hipótese de que qualquer criança nasça detestando o adjetivo “mulherzinha”, antecessor do “bichinha” em sua função de vigiar quaisquer sinais de afetividade e sensibilidade em nossos jovens meninos. Na escola, quase não existem livros de história que ensinem nossas crianças sobre a luta das mulheres por direitos e igualdade ou sobre o feminismo; crianças gays e transexuais são violentadas de maneira insustentável até que não possam mais suportar frequentar as aulas e passem a fazer parte do que chamam “evasão escolar” (prefiro chamar de expulsão). Ensinamos desde cedo às meninas que seu valor máximo está em sua aparência, “lindinhas e princesinhas” dizemos nós, ainda que na melhor das intenções. É dito a elas que são o “sexo frágil”, ainda que cheguem a trabalhar três vezes mais que os homens nos afazeres domésticos, além da jornada de trabalho. Aos meninos, esvaziamento emocional, “homem que é homem não chora e pensa com a cabeça de baixo”, não? Quem ganha com esses absurdos? Acabamos vivendo em dois mundos subjetivos completamente distintos. Uma refinada engenharia da diferença sexual tem se esforçado para provar que não há nada em comum entre mulheres e homens. A pressuposição de uma “naturalidade” dos modos de ser feminino e masculino serve para (re)produção de uma forma “normal” (normatizada) de ser humano e de compreender as sociedades. Mais do que ficar atentos à naturalização histórica da diferença sexual, precisamos perceber, em nós, em nossas interações cotidianas, a naturalização e a reprodução dos gêneros e da sexualidade. Penso no mercado ao lado, já não é mesmo tempo de os homens serem responsáveis por sua escovação de dentes?

Tom Rodrigues Psicólogo e pesquisador de questões de gênero e sexualidade

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DIIVERSテグ

Crテゥditos: Quino

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SUMáRIO

EDITORIAL

V

EXPEDIENTE Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Reportagem e Diagramação: Ana Carolina Monari Ana Luiza Martins Deivide Sartori Larissa Roncon Mayara Castro Melanie Castro Murilo Barbosa Renan Moraes Soraia Alves Arte: Lucas Yuji Honma Orientação: Prof. Dr. Mauro Ventura e Prof.ª Ms. Tássia Zanini

65 Diversão

ivemos no século XXI, já conhecemos a constituição do Cosmos, utilizamos aparelhos celulares que mais parecem seres pensantes e até em Marte o homem já se enfiou para descobrir que também existe água no planeta vermelho. Somos seres racionais e extremamente desenvolvidos, mas ainda temos uma mente bastante retrógrada. “Você é uma mocinha, senta direito”, “Macho que é macho não faz essas coisas”, quem nunca ouviu uma dessas frases? Que o preconceito existe, não é segredo para ninguém. Mas o que a equipe de Verso e reVerso quer é mostrar que homens e mulheres são, sim, diferentes em suas peculiaridades, mas que a linha que divide os dois universos é extremamente tênue. Quem foi que disse que uma mulher não pode sentar com as amigas numa mesa de bar e tomar uma boa cerveja gelada? E quem vai dizer que expor os problemas e se permitir ser frágil vai fazer de um homem menos homem? As páginas a seguir são destinadas a desmistificar esses estereótipos. Boa leitura e até a próxima!

53 Sombra nos olhos, batom nos lábios e punhos cerrados Esportes

64 Como a sociedade constrói homens e mulheres

49 Par de reis Cultura

Opinião

63 Girl Power Geek! As mulheres assumem seu lado nerd

47 Nem tão Sex on the Beach assim! Saúde

Tecnologia

59 A arte de combinar Gastronomia

58 É muito mais que uma cantada Comportamento

54 Mulheres são de Vênus, homens de Marte e outros planetas

44 Silencioso, mas não menos perigoso Saúde

41 walt Disney world para crescidos Turismo

37 Papéis invertidos Capa

Opinião


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DESCE MAIS UMA TEQUILA

A linha tênue entre o prazer e a dependência

FAMÍLIA, E, FAMÍLIA, Á Os filhos de Nando Reis, que seguiram os passos do pai, em entrevista exclusiva

ELAS ESTÃO NO LUGAR

DELES

Mulheres mostram que não existe profissão só de “macho”


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