A palavra

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A PALAVRA

maio 2015 · edição 1

O ESPIRITUALISMO DO ORIENTE E SEU LUGAR NO BRASIL

MÍDIA CRIA ESTEREÓTIPOS E MISTIFICA O ISLÃ a islamofobia em debate

budismo , tenrikyo e igreja messiânica


EDITORIAL A fé, sendo um elemento pertencente ao homem, não necessita de provas concretas ou verificação, ela é por si só. A fé é a confiança cega que se deposita em algo, ou alguém, sendo um deus, vários deuses e deusas, Buda ou qualquer outra divindade; sendo o amor, o homem, ou em uma “força maior”. Para a maioria das pessoas, a crença em algo impul-

siona suas ações, suas palavras, trilha seus caminhos e objetivos, dá esperança, consolo e conforto em momentos de fragilidade. É difícil falar de religião hoje em dia sem relacioná-la a tantas outras instituições presentes em nossa sociedade. Cada religião carrega inúmeros valores que são guias na vida de muita gente. Mas é difícil, também, deixar de falar sobre reli-

gião. As crenças religiosas seguem adentrando cada vez mais em nossa estrutura social, influênciando ações e decisões em nosso dia a dia. A religião tem como principal fundamento a fé, que tão pouco possui alguma definição concreta. “A Palavra” foi pensada com base nessa importância atribuida à religiosidade, trazendo uma abordagem geral dos diversos as-

pectos da fé e religiosidade no cotidiano da sociedade e também de sua importância e impacto na história da humanidade, a fim de entender o contexto atual, analisando o passado e relendo o presente. Seu principal objetivo é falar sobre diferentes formas de fé, de religiosidade; quebrar preconceitos e estereótipos, conhecer novas crenças e expressões de fé.

REDAÇÃO BÁRBARA CHRISTAN, 19 anos, futura jornalista, falante e muito curiosa. Na verdade, a curiosidade sempre a moveu: curiosidade por conhecer e aprender, pelas pessoas e pela vida. Isso a faz estar sempre em busca de algo a mais, um novo interesse, novo objetivo.

CAMILA PADILHA, 20 anos, apaixonada por arte e pelo Brasil. Adora escrever e ouvir música. Acredita no Jornalismo como um dever social e pretende realiza-lo em sua profissão. É bailarina de corpo é alma. Vive intensamente.

INGRID WOIGT, 21 anos, coração de criança e mania de organização de gente mais velha. Eterna curiosa, gosta do processo se desconstruir e construir de novo com as descobertas que faz. Vê beleza em tudo que é caos. Encontrou no Jornalismo a oportunidade de escrever sobre o que acredita.

DANIELA LEITE, 22 anos, demorou mas se encontrou no Jornalismo, gosta de escrever sobre praticamente tudo, mas com uma grande inclinação à cultura e à moda. É louca por uma boa história e seu maior prazer é escutar as pessoas. Nas horas vagas é aficionada por séries e livros.

EXPEDIENTE

ÍNDICE De onde vim, para onde vou e por que existo?

Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” Reitor: Dr. Júlio Cesar Durigan Vice-reitora: Marilza Vieira Cunha Rudge

Faculdade de Arquitetura, Artes de Comunicação - FAAC Diretor: Nelson Ghirardello Vice-diretor: Marcelo Carbone Carneiro

ENTREVISTA COM CLAUDIO BERTOLLI FILHO

Umbanda: uma religião essencialmente brasileira

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Por que o terrorismo é associado ao Islamismo?

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Mídia cria estereótipos e mistifica o Islã

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O preconceito que eu não sofro Departamento de Comunicação Social Chefe: Dr. Juarez Tadeu Xavier Vice-chefe: Dr. ângelo Sottovia Aranha Curso de Jornalismo Coordenador: Dr. Francisco Rolfsen Belda Vice-coordenadora: Dra. Suely Maciel Planejamento Gráfico Editorial II Professor: Dr. Francisco Rolfsen Belda Jornalismo Impresso II Professor e Jornalista Responsável: Dr. Angelo Sottovia Aranha (MTB 12.870)

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CRÔNICA

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Religiosidade e conservadorismo na política

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As formas de não se crer

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Crenças do Oriente no Brasil

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Pra você, o que é fé?

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DEPOIMENTOS


Ilustração: Jorge Lopez

DE ONDE VIM, PARA ONDE VOU, E POR QUE EXISTO?

Em “briga” de ciência e religião, o antropólogo Claudio Bertolli Filho mete a colher, sim, e traz esclarecimentos sobre os temas fé, razão e sociedade INGRID WOIGT

Quando se está em algum lugar propício para admirar as estrelas e, se a noite estiver especialmente boa para vê-las, é incrível olhar para cima e impressionar-se com a beleza do céu, ou deslumbrar-se com a vastidão do universo. A contemplação da noite, do escuro, do espaço sideral, muitas vezes nos leva à reflexão sobre o quanto somos pequenos em comparação a todo o resto. Mas, que resto? O que existe lá fora? Por que estamos justamente nesse planeta onde as condições de vida são extremamente favoráveis e não há indícios de mais nada parecido no universo? Como explicar a origem da vida e o salto das células procariontes simples para células eucariontes complexas, no comecinho de tudo? As dúvidas são muitas, e esta não é, claro, uma reportagem com estas respostas. É justamente uma reportagem sobre estas respostas. O antropólogo Claudio Bertolli Filho, livredocente pela Unesp, foi convidado a esclarecer o papel da fé e da religião na vida dos indivíduos e na esfera histórico-coletiva, visto que ambos os conceitos estão intrínsecos às indagações de ordem metafísica sobre a vida, a morte, o imaginário e o real. A Palavra: Podemos começar diferenciando os conceitos de fé e de religião, para evitar eventuais confusões? Claudio Bertolli Filho: Devemos. A religião está ligada a um sistema, um conjunto de dogmas, que comumente são consagrados em um livro, e que devem ser seguidos pelo grupo dos indivíduos que se declaram seus seguidores. Agora, como fé se entende um vínculo profundo entre o indivíduo e uma divindade, um ente espiritual.

A fé permite que uma pessoa alcance aquilo em que ela acredita

A Palavra: Por que temos fé? Bertolli: Nós, como seres humanos, buscamos explicações para tudo, mas, claro, não temos domínio sobre nossas vidas ou sobre o mundo. Justamente por isso, temos muitos questionamentos inerentes à nossa existência e relacionados a ela – “de onde vim?”, “pra onde vou?”, “por que existo?”, “quando vou morrer?”, “que eventos bons ou ruins vão se suceder em minha vida?” –, e através da fé podemos obter as respostas que procuramos. Existe uma predisposição humana em usar do imaginário para explicar qualquer acontecimento do mundo. Por exemplo, mesmo que você

não seja um relojoeiro, nem filho de um, você sabe formular um tipo de explicação para o funcionamento do relógio quando indagado sobre isso. Não é diferente quando o assunto é mais profundo do que as trivialidades diárias, quando é sobre nossa existência. Os antropólogos veem a fé como instrumento para o pensamento da realidade do homem e da sociedade em seus aspectos diversos. O cerne da cultura das civilizações muitas vezes é a religião, porque mais do que qualquer outro fator, ela infunde na cultura um senso de percepção da realidade no mais amplo sentido da palavra, oferecendo explicações sobre as origens do universo e dando significado a história e ao lugar que a humanidade ocupa nela. A fé e a religião definem a natureza do bem e do mal para as civilizações e criam imagens de recompensa e punição na vida após a morte, sancionando, desta forma, o comportamento humano. Além disso, de querer respostas e precisarmos de embasamento para códigos morais e éticos, nós seres humanos temos fé porque acreditar no divino muitas vezes é uma opção de fuga da realidade na qual vivemos. A Palavra: Então, é assim que podemos apontar a importância da fé e da religião para a sociedade e para o indivíduo? Bertolli: Sim, agora, vamos pensar em duas estâncias, primeiro em relação à sociedade. Tradicionalmente, a fé e a religião, principalmente a segunda, serviram como elementos estruturadores do Estado. Podemos pensar em Grécia e Roma, o passado clássico, como também na sociedade medieval, que tinha como elemento pautador dos comportamentos modelos, essencialmente, a religião. E isso não parou de existir: como o exemplo mais marcado tem-se o Estado Islâmico, onde a religião tem um papel realmente forte e respeitado pelo Estado. Isso não parou de existir nem nos Estados que se dizem laicos, não é mesmo? Agora, no plano individual, a importância da fé se concebe através da percepção de que tememos a morte e também de que buscamos respostas não existentes de maneira empírica. A fé e a religião vêm funcionar, então, de certa forma, como acalentadoras do medo do desconhecido e/ou como lanternas que permitem vermos no escuro, onde até então havia só falta de respostas. Desta maneira, apresenta-se a ideia de que a vida não se extingue com a morte, e as religiões de uma maneira geral falam de paraíso ou reencarnação. Então para o indivíduo é isso: ele se sente parte de um grupo de pessoas eleito; segue os dogmas e por consequência lhe é conferida a sensação correto em relação aos demais, eleva a autoestima; e tem o conforto de não temer a morte. Além disso,

a fé se configura muitas vezes como motivação, esperança, e permite que uma pessoa alcance aquilo em que acredita.

A moral é consolidada numa sociedade através de preceitos religiosos

A Palavra: Como podemos apontar o impacto da fé, articulada à religião, sobre a história da humanidade e a relação de ambas com a ciência? Bertolli: A legitimação de todos os atos políticos, econômicos, sociais e culturais estava ligada à religião até o século XVIII. Aí é quando surge um concorrente: a ciência. Isto é, ela já existia, claro, mas se, durante o decorrer da história, o Cristianismo conseguiu subordinar a ciência a seus interesses, no século XIX começa a se falar do “unbound Prometheus” (Prometheus desacorrentado), termo que dá nome a um livro influente no estudo da Economia, de David Landes, que remete às mudanças e ao desenvolvimento tecnológico do período, e se relaciona à forte dicotomia entre ciência e religião na época. Observa-se que os conceitos assumem posições antagônicas, um cientista não poderia ser religioso e um religioso não poderia ser cientista. Em relação à historicidade o que podemos citar é isto. Em se tratando de hoje, a religião se configura como importante no mundo ocidental pela construção de identidades, que é ponto primordial da constituição da sociedade em comunidades. Ou seja, a religião que se professa é fator constituinte da identidade, através da qual se identifica e se constituem as chamadas comunidades emocionais. Como vimos, a religião tem forte influência sobre a autoestima do indivíduo e sobre sua socialização. Num panorama mais complexo de análise, podemos ver que a identificação nas comunidades emocionais é o que rege as relações sociais. A moral, entendida aqui como um balizador das ações individuais e/ou coletivas, é consolidada em uma sociedade através, explícita ou implicitamente, de preceitos religiosos de bem e mal que assumem valor de certo e errado, e tudo isso se relaciona à fé. Mesmo que muito tenha mudado desde as organizações fundamentadas no teocentrismo, a religião é ainda muito presente em aspectos da sociedade dita pós-moderna. Persiste sendo seu elemento estruturador e basilar. O mesmo se aplica à fé, numa escala até mais considerável. Acreditar é o que, de fato, move as pesssoas, religiosamente falando ou não: a fé pauta o comportamento de crentes e de ateus.

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UMBANDA: UMA RELIGIÃO ESSENCIALMENTE BRASILEIRA Contemplando elementos da cultura afro misturados à cultura brasileira, os umbandistas seguem enfrentando uma dura realidade CAMILA PADILHA

Avante Filhos de fé, com a nossa Lei não há, Levando ao mundo inteiro, A Bandeira de Oxalá

O trecho faz parte de um hino da Umbanda, uma religião que se faz da soma de várias outras e que, por isso, se torna única. Por vezes confundida com o Candomblé, a Umbanda traz diversos elementos da cultura afro e tem seu fundamento na caridade, na ajuda ao próximo, como nos ensinamentos católicos e espíritas. Além disso, há também a influência dos costumes indígenas com o valor que os umbandistas dão às ervas. O candomblé influenciou o culto aos orixás que é seguido pelos umbandistas, porém, segundo o Pai Luiz, médium no Templo do Sol e da Lua (Rio de Janeiro), essa é a única semelhança entre as religiões e, mesmo assim, há diferenças na concepção desses orixás: “O Orixá na Umbanda é uma qualidade divina. É uma Força Cósmica eminente do Criador, que nunca viveu, nunca teve uma forma física. É pura energia eletro-magnética. Não tem consciência como a tem um ser humano. É uma partição do poder Criador. Já no Candomblé, o Orixá tanto pode ser um ancestral e, desta forma, com qualidades humanas, como pode ser uma Força da Natureza”. Um pouco de história Escrever e delimitar a trajetória da Umbanda não é uma tarefa fácil. As origens da religião e o sincretismo entre muitos grupos de escravos e entre deuses africanos e santos católicos torna esse trabalho mais complexo. Além disso, houve um movimento nos últimos tempos que aproximou a religião ao espiritismo kardecista. Mesmo assim, o que se diz é que a Umbanda nasceu com a prática religiosa de negros escravizados vindos da África para o Brasil no período colonial, que eram adeptos do Candomblé e que, por isso, comtemplavam os Orixás (deuses africanos). Porém, como esses escravos eram supervisionados por seus senhores e estes eram católicos, os negros começaram a utilizar as imagens de santos da Igreja Católica. (Por exemplo: quando rezavam para São Gerônimo na verdade estavam contemplando Xangô (um orixá relacionado a Justiça Divina). Dessa forma, os negros vão mantendo suas tradições e, ao mesmo tempo, criando uma nova religião aos poucos e transmitindo-as a seus descendentes, até que a Umbanda se espalha pelo país e ganha novos adeptos. A primeira tenda umbandista registrada em cartório foi feita pelo Pai Zélio Fernandinho de Moraes, em 1908, a Tenda de Umbanda Nossa Senhora da Piedade em Niterói (RJ). A prátca da umbanda só foi legalizada em 1940. Como funciona a umbanda Como resultado de misturas, a Umbanda tem várias vertentes que se diferem em alguns pontos. Porém, existem alguns elementos que são comuns em todas essas segmentações e que definem, de certa forma, a religião. Além do fundamento básico sobre a caridade, todas as vertentes possuem um deus único e onipresente, mais conhecido como Oxalá (ou Zambi, Olorum). Elas também cultuam os orixás (que serão explicados mais a frente) e

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acreditam na existência de guias, entidades espirituais; na imortalidade da alma; na reencarnação e em um carma. Segundo o Pai Alexandre Falasco, em seu site “Portal Giras de Umbanda”, a religião é muito vasta e sua transmissão vem sendo feita de pai para filho. Uma das características marcantes nos cultos/ rituais é a encarnação mediúnica, quando os guias prestam ajuda ao povo. O terreiro, local onde são realizados os rituais, é dividido em duas partes: o conga e a assistência. No primeiro ficam os médiuns que incorporam as entidades espirituais. No segundo ficam as pessoas que procuram ajuda. Existem também certas denominações e tipos de ritos dentro da umbanda, por exemplo os giras, os passes, as oferendas e ebós, etc. Os giras são os mais conhecidos: basicamente, são sessões que reúnem espíritos. Essas entidades que são incorporadas podem ser classificadas em categorias – Caboclos (entidades indígenas); Pretos Velhos (espíritos de escravos); Exus (espíritos menos evoluídos); Pombas Giras (o sinônimo feminino de Exu) e Crianças. Todos eles são “espíritos de luz”, pois trabalham para o bem. Intolerância Religiosa O Brasil tem como grande característica uma enorme variedade de culturas. Isso se reflete no âmbito religioso: há praticantes das mais diversas religiões no país. A Umbanda é uma religião de origem africana mas modificada e com traços únicos que a marcam como tipicamente brasileira. Os costumes, as tradições, os cultos, enfim, toda a essência dos umbandistas é vista com receio ainda hoje na sociedade brasileira.

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado em 21 de janeiro, relembra o caso da sacerdotisa de candomblé, Gildásia dos Santos (a Mãe Gilda), que sofreu um infarto e faleceu após uma divulgação no jornal Folha Universal, seguimento da igreja pentecostal, na qual foi julgada por charlatanismo. O Disque 100 é um órgão que recebe denúncias sobre casos de intolerância religiosa. No ano passado, foram registrados 149 casos no país. Mesmo com o número menor em relação à 2013 (223 casos), percebe-se que a questão não foi superada no país – e a maioria das vítimas são seguidoras de religiões de matriz africana, como a Umbanda e o Candomblé. Segundo dados do Disque 100, 35,39% dos casos de 2014 foi contra negros. Curiosidades A Umbanda também possui outra peculiaridade: sua cozinha ritualística. Também conhecida como “cozinha de Santo”, é uma tradição que a religião mantém com uma pessoa responsável por esse conhecimento gastronômico – chamada Iabassê, que sabe o gosto e as preferências dos Orixás, além de como preparar as receitas. Essa tradição parte do princípio de que os Orixás eram Reis em tempos passado e, por isso, mantinham uma culinária peculiar, juntamente ao modo de preparo e ao modo de servir a comida. A cozinha ritualística é mais uma das características marcantes da Umbanda, marcando seu espaço também na cultura gastronômica brasileira.

PRINCIPAIS ORIXÁS DA UMBANDA Orixás são elementos chave dentro da tradição umbandista. Eles representam ancestrais divinizados que fazem parte da mitologia yoruba e correspondem a elementos/forças da Natureza. Cultuar os orixás significa cultuar também forças elementares como a água, o fogo, a terra, o ar, etc.


POR QUE O TERRORISMO É ASSOCIADO AO ISLAMISMO? História e cultura dos muçulmanos permitem entender o cenário político e social contemporâneo DANIELA LEITE

mais rígidos e há os mais liberais, há onde a mulher seja reprimida e onde seja livre, há ditaduras e democracias, há extremismo e há quem queira somente viver em paz. Uma primeira generalização comum no Ocidente é achar que todo muçulmano é árabe. O termo “árabe”, na verdade, diz respeito à localização geográfica em que se vive. Designa qualquer pessoa que resida no Mundo Árabe, ou seja, em um dos 22 países e territórios situados no norte da África e na Ásia Ocidental que têm o árabe como idioma oficial. Não

necessariamente todo árabe crê no Islamismo. Estima-se que vivam no Mundo Árabe apenas 18% do total mundial de muçulmanos, de acordo com pesquisa da socióloga Silvia Montenegro, publicada na Revista Mana de 2002. A Turquia, por exemplo, é um país de maioria muçulmana, no entanto, não faz parte do Mundo Árabe, pois sua língua oficial é o turco. O Islã reúne uma enorme variedade de raças, nacionalidades, línguas e culturas. Sabe-se que durante sua história, nunca houve uma tentativa de “purificar” o grupo.

Foto: Al Jazeera

O que é “fanatismo”? O termo é associado a partidarismos extremos a uma causa ou religião. Há os fanáticos por política, por futebol, pela Bíblia e há também os fanáticos pelo Islã, por exemplo. Mas até que ponto pode-se generalizar uma categoria em função de alguns fanáticos? Sabe-se que há, espalhadas pelo mundo, cerca de 1,5 bilhão de pessoas que creem no Islã, portanto, naturalmente, existem muitas variações de estilos de vida e comportamento dentre os seguidores de Maomé. Há os

O maior centro de peregrinação do mundo e o local mais sagrado do islamismo: a mesquita Al Masjid Al-Haram, em Meca, Arábia Saudita Um pouco de história A revelação do Corão foi dada ao profeta Maomé – ou Muhammad – em Meca, cerca de 620 d.C. A pregação dessa palavra causou uma perseguição pelo Império Bizantino ao profeta, que, na fuga conhecida como Hégira – Hijra –, foi para Medina. Nessa travessia, Maomé já contava com alguns seguidores, que foram os primeiros fiéis, conhecidos como Muslimin. Medina foi o primeiro Estado muçulmano. Quando o profeta – considerado o último pelo Islã – faleceu, cerca de 10 anos depois da hégira, a religião já havia se popularizado por toda a Arábia central. A autoridade – tanto religiosa, quanto militar e jurídica – foi suplantada a um Califa (Khalifa), que passou a reger a comunidade islâmica, conhecida como umma. Esse sistema durou cerca de 30 anos, um período de grande expansão islâmica. Na passagem para o quinto califado, houve um grupo discordante da escolha do califa; esses dissidentes, revoltados, originaram os Xiitas, que até hoje são contestadores da ordem vigente. Posteriormente, com a conquista de territórios, quando a umma se tornou o Império Omíada, passou a abrigar outros povos, conhecidos como dhimmis, que deveriam pagar impostos e tinham menor poder político. No entanto, em relação às crenças divergentes sempre houve bastante tolerância e todos podiam professar sua

fé, tendo liberdade inclusive para se converter ao Islã. Os novos convertidos – mawali – tinham uma tendência mais identitária e, após um tempo, causaram uma rebelião, tomando o poder e originando o Império Abássida em 750 d.C., que veio a durar meio milênio. Seus primeiros séculos foram marcados por relativa paz e crescimento econômico e cultural, período conhecido como “Época de Ouro” da civilização muçulmana. O principal objetivo das correntes fundamentalistas do Islamismo que fomentam atos terroristas nos dias atuais é reinstaurar a Época de Ouro. Eles acreditam que é seu direito converter o mundo ao Islamismo e estabelecer um novo califado global, como registra a pesquisa “Olhares sobre o Outro” da jornalista e doutora em Comunicação Social Ingrid Gomes, e o livro “O mundo muçulmano” (Ed. Contexto, 2008) do historiador Peter Demant. Sabe-se que o último califado oficial terminou no século XIII, na Idade Média, devido às invasões mongólicas, que mataram o último califa e formaram um novo império. A época trouxe grande devastação e massacres aos muçulmanos. O ímpeto de reerguer o mundo muçulmano partiu dos turcos, que impuseram intensa rigidez religiosa ao povo. A partir daí nasceu a dicotomia entre o “Islã alto” e o “Islã popular”, que se tornou uma marca permanente nas sociedades muçulmanas e, nos dias de

hoje, serve como base para a atuação dos fundamentalistas. “Fundamentalismo”, aliás, é a interpretação literal do livro sagrado, atrelada à concepção de que o puro e “alto” Islã deve ser estabelecido às demais pessoas. Os turcos sunitas reconstruíram o império a partir do século XVI e conquistaram territorialmente parte significativa do atual Mundo Árabe, fundando o Império Otomano. O período foi marcado pelo progresso científico e pelo contato com os europeus, que visavam explorar as riquezas do Oriente Médio. Séculos mais tarde, enfraquecido pela divisão do território em millets – nações religiosas autônomas – e pelo consequente sentimento de nacionalismo somado à derrota na 1ª Guerra Mundial, em 1914, o império chegou ao fim. Os imperialistas franceses e ingleses repartiram o território entre si, fazendo nascerem, violentamente, os Estados árabes. Desde promessas não cumpridas até o apoio à Israel no controle da Palestina, muitos foram os motivos dados pelos europeus para gerar o repúdio muçulmano à cultura ocidental. Nesse cenário consolidou-se o movimento Pan-arabista, contra a partilha do Mundo Árabe, mas que, abalado por divergências e contradições, perdeu força, deixando um vazio ideológico dentre a população. Isso, aliado ao sentimento de revolta e humilhação ocasionados pela guerra, sedimentou o início do movimento islamista, a base da ideologia radical.

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MÍDIA CRIA ESTEREÓTIPOS E MISTIFICA O ISLÃ É um engano associar o Islã ao terrorismo e generalizar toda uma crença com base em estereótipos DANIELA LEITE

O passado conflituoso com a cultura europeia ocidental soma-se a um histórico mais recente – principalmente a partir de 2000 – de confrontos entre árabes e norte-americanos, relacionados tanto à economia quanto à cultura ocidental pós-moderna conflituosa com a muçulmana – por exemplo, estilo de vida consumista e hedonista, materialismo, ateísmo, laicidade dos Estados. Somado ao passado que deixou algumas lacunas ideológicas, esse cenário de repulsa ao Ocidente e disputa de poder culminou no surgimento de alguns grupos radicais, que se expressam por meio de ações terroristas. Uma das marcas do terrorismo é sua dependência da mídia para se empoderar e propagar sua mensagem. O cientista político Maurício de Sá explica que o terrorismo se utiliza do alto impacto de suas ações, potencializado pela globalização e instantaneidade da informação, para angariar adeptos a sua causa. O atentado de 11 de Setembro de 2001, por exemplo, foi um dos mais notórios acontecimentos do início do século XXI, pois atingiu diretamente o símbolo do poder dos EUA, o World Trade Center, dando grande visibilidade ao Al-Qaeda. A socióloga Silvia Montenegro aponta em sua pesquisa “Discursos e Contradiscursos: o olhar da mídia sobre o Islã no Brasil” (2002) que, a partir de então, o mundo islâmico tornou-se centro da opinião pública, devido à grande divulgação feita pela mídia que após o fato. “O terrorismo não é uma exclusividade de muçulmanos. O século XIX está repleto de casos de terrorismo perpetrados por não muçulmanos. Ele é melhor compreendido sob o aspecto da disputa de poder político, que pode, ou não, ter componentes ligados à religião”, analisa o cientista político Maurício de Sá.

O terrorismo depende da mídia para propagar sua ideologia

Quando os próprios perpetradores de grupos como o Estado Islâmico justificam sua luta através da religião, eles partem de interpretações radicais de episódios do Corão, já Foto: Atphalix

Guerrilheiro fundamentalista palestino

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que este não prega de modo evidente a não-violência como uma virtude. “A religião pode ser considerada um amálgama que une os membros do Estado Islâmico para um objetivo comum e uma justificativa para as suas ações, mas por trás desses grupos existem interesses políticos, econômicos e estratégicos”, aponta Suellen Lanes. Muitos dos combates se dão no próprio território árabe, em disputas nacionalistas por poder. A população da região vem sofrendo muito com a ação desses grupos.

As pessoas que estão morrendo em combate a essa aberração [o terrorismo], em grande parte, são muçulmanos! A maioria maciça de muçulmanos é totalmente contra o terrorismo; mas as pessoas mal-informadas pela mídia atribuem coisas como essas a nós

ao dia (Salat); dar esmola (Zakat), o que pode ser entendido também como fazer doações para ações sociais; fazer jejum no mês conhecido como Ramadan, abstendo-se de comida, bebida e relações sexuais; e peregrinar (Hajj) à Meca pelo menos uma vez na vida, se tiver condições físicas e materiais. No xiismo há outros componentes.

O Corão é referência na vida dos muçulmanos, já que no Islamismo não houve uma divisão entre Igreja e Estado Foto: Arquivo pessoal/ Gisele Rocha

(Gisele Marie Rocha, muçulmana)

A burca não é para todos Ao longo dos séculos o Islamismo passou, naturalmente, por vários conflitos de interpretação e aplicação, sendo que até hoje cada Estado regido por líderes muçulmanos segue os ensinamentos do Islã de maneiras diferentes, aplicando-os com mais ou menos rigidez à sua população. A fonte primária da tradição islâmica é o Corão, cujo tema básico é a relação entre Allah e suas criaturas. A cientista social Suellen Lanes explica que o livro também apresenta normas e regras para organizar uma sociedade, como a administração de tributos, juros e punição de criminosos. “O Corão é referência na vida dos muçulmanos. Esse aspecto é fortalecido pelo fato de não ter ocorrido no islamismo uma divisão entre Igreja e Estado. Isso faz com que a doutrina religiosa seja muito influente tanto na organização estatal quanto no dia a dia dos muçulmanos”. O antropólogo e professor de História da Arte do Mundo Árabe da UNIFESP Youssef Cherem, explica que outra importante fonte sagrada para a religião é a sunnah de Maomé, que são relatos (hadiths) transmitidos sobre a vida do profeta. A interpretação desse conjunto de informações resulta em um código moral, a Sharia, que rege muitos níveis da vida do religioso – desde o individual, até o familiar e social. As regras aplicam-se não só para os muçulmanos, mas também para todos os submetidos a um governante muçulmano disposto a aplicá-las. Por exemplo, “A Arábia Saudita incorporou em sua legislação cível e penal diversos preceitos oriundos da Sharia. Já na Turquia, a separação entre o Estado e a religião foram bem delimitados, reduzindo os efeitos das leis religiosas sobre seu ordenamento jurídico”, observa Maurício de Sá. Cherem explica o motivo das diferentes interpretações do Corão: “Há quatro escolas canônicas de direito islâmico sunita: malikitas, hanbalitas, shafi’itas, hanafitas; e há escolas xiitas também. Uma escola exige permissão do responsável para casar depois da maioridade, outra não. Uma vai dizer que uma mulher não pode mostrar o rosto e as mãos, e outra que pode. Uma escola acha que blasfêmia é apostasia, punível com morte, e outra não; uma acha que não-muçulmanos não são passíveis de punição por blasfêmia, e outra sim. E assim por diante”. Apesar das possíveis interpretações do código, Cherem esclarece que todas exigem o cumprimento dos cinco pilares do Islamismo, sendo eles: testemunhar que há um só Deus e Maomé é seu profeta (Shahada); rezar a Deus 5 vezes

A muçulmana Gisele Marie Rocha é guitarrista da banda Spectrus e não deixa de ussar a burca nem nos palcos


E no Brasil? Há hoje cerca de um milhão de fiéis muçulmanos, organizados em 58 instituições no país. A musicista Gisele Marie Rocha, 43 anos, é uma brasileira revertida – termo usado ao invés de “convertida” – ao Islã há quase seis anos, assim como o estudante de Relações Internacionais Leandro dos Santos, nome civil de Mehmet Yasser, 35 anos, que segue a religião há sete anos. Antes da reversão, Yasser frequentou por um mês aulas de religião em uma mesquita paulistana. Nas mesquitas existem aulas sobre Alcorão e língua árabe, e qualquer um que tiver interesse pode participar ou entrar no templo para fazer orações. “O dia sagrado é a sexta feira, quando muçulmanos de todas as partes se juntam na Mesquita para leitura e oração”, conta ele. Eles afirmam ter uma rotina bem normal, trabalhando, estudando e convivendo com seus respectivos amigos e familiares. Fazem a Salat diariamente, e se não for possível fazer uma das cinco orações no horá-

rio usual, podem fazer em outro período. A alimentação também é bastante comum, apenas isenta de carne de porco e de bebidas alcoólicas, como ensina o Corão. Gisele é uma Munaqaba, ou seja, uma mulher que usa o véu, Niqab, que cobre o rosto e também o véu integral. “O uso do Niqab é de minha escolha. Usamos véus por Allah, e não por conta dos homens. Quando existe alguma situação em que o véu ou qualquer tipo de vestimenta é imposto à mulher, isso é uma ofensa aos olhos de Allah”, ela declara. O hijab, roupa tradicional feminina do Islã, é usado pela maioria das muçulmanas, mesmo em países ocidentais. Em alguns países árabes, a depender da escola de pensamento que seguem, a burca é de uso obrigatório, como na Arábia Saudita e no Irã. Há outros países, no entanto, que somente aconselham as mulheres a usarem a vestimenta adequada, como diz no Corão, mas que não levam a questão tão a sério quanto o Ocidente imagina. Muitas mulheres fazem o uso do véu por escolha pró-

pria, como reverência a Deus, e não por serem obrigadas. O Corão iguala homens e mulheres em questão de direitos, e qualquer divergência disso parte de interpretações de determinadas sociedades. A muçulmana pode estudar e trabalhar, inclusive sendo dona de seu próprio dinheiro, pois o sustento financeiro da casa parte do homem. Ela também tem direitos em relação ao casamento. “Nós, mulheres, temos o direito de pedir um homem em casamento e também de pedir o divórcio, e isto foi estabelecido desde a época de vida do Profeta (saws)”, explica Gisele. É importante refletir sobre desmistificações para que se possa ter uma visão mais alinhada à realidade do Islã. É claro que ainda existem muitas sociedades regidas por muçulmanos com valores patriarcais e ditatoriais, mas mé preciso quebrar a barreira das generalizações para começar a entender essas questões que envolvem o Islamismo e o modo de vida de bilhões de pessoas, como sugerem, em unanimidade, aqueles que se dedicam ao estudo do mundo islâmico.

OS CINCO PILARES DO ISLAMISMO Infográfico: Ingrid Woigt

F É

(CHACADO, SHAHADAH OU CHAHADA)

professar e aceitar o credo

C A R I D A D E

O R A Ç Ã O

J E J U M

P E R E G R I N A Ç Ã O

(HAJ OU HAJJ) (ZACATE, ZACAT, ZAKAT OU ZAKAH)

pagar dádivas rituais (SALÁ, SALAT OU SALAH)

ORAR CINCO VEZES AO LONGO DO DIA

(SAUM OU SIYAM)

observar as obrigações * do ramadão calendário islâmico

FAZER A PEREGRINAÇÃO A MECA

*

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O PRECONCEITO QUE EU NÃO SOFRO Crônica INGRID WOIGT

Eu tinha um blog pessoal, no auge da minha adolescência, no qual escrevia regularmente sobre assuntos que pra mim eram relevantes. Acho que todo mundo passou ou deve passar por essa fase da vida um dia. Você quer falar de pensamentos, epifanias e coisas triviais, e econtra um lugar onde alguém parece querer te ouvir, mesmo que esse “alguém” seja uma plataforma Wordpress com opções de templates predefinidos. Um dia desses lembrei do endereço virtual e resolvi que iria reler as coisas que escrevi com 16, 17 anos. Em meio a algumas reflexões coloquiais, poesias e crônicas água-com-açúcar, tinha um texto entitulado “O preconceito que eu sofro”, que se tratava de uma espécie de desabafo acerca da discriminação que eu dizia sentir por ser cristã evangélica. Eu ter dito uma coisa dessas, ter me prestado a deselvolver um texto de uns bons 4 mil caracteres, é algo, além de estúpido, realmente engraçado. Não estou dizendo que existe graça em preconceito religioso, afinal de contas nem podemos chamar aquilo de que eu me queixava de discriminação, muito menos preconceito.

É engraçado porque era eu. Uma pessoa não-negra, não-pobre, não-transgênera, fazendo birra e apontando preconceito por confessar uma fé que a maior parte do país confessa. Você pode me contestar com pesquisas de órgãos renomados que apresentam que 65% dos brasileiros são católicos e 22%, evangélicos (enquanto isso, 2% são espíritas, e outras religiões não chegam a 1%). Eu respondo que essas pesquisas estão certas e não invalidam o que eu disse: a expressa maioria do país segue a doutrina do cristianismo. Isso se mostra nas notícias frequentes de terreiros de Umbanda que tem suas imagens destruídas. Isso se mostra inclusive em questões de ordem política. O que esse exercício de buscar meus pensamentos antigos me trouxe foi o reforço da noção de que nós temos que ter consciência do privilégio que detemos. É fundamental sermos críticos e entendermos nossas posições, muitas vezes não “assumidas”, no sentido da ação em si, mas sim ocupadas – predeterminadas pelo curso da história. É preciso olhar em volta. Agora, entender que existem posições socialmente

opressoras é diferente de generalizar. Ser cristão não significa não aceitar a homossexualidade. Ser cristão não significa ser contra a legalização do aborto. Eu acho que a minha queixa teria sido legítima se eu não usasse o termo “preconceito”, se eu não tratasse o assunto como uma discriminação, o que serviu para tirar o crédito de toda a minha fala. Afinal, ser cristã é um preconceito que eu não sofro. Em todo caso, a mensagem que pode ser aproveitada é: “por que se basear em retratos de uma religião que têm a mídia como autora e se informar com superficialidades para julgar o diferente?”. Ufa, pelo menos uma partezinha deu pra salvar. Na frase, você pode trocar “uma religião” por “islamismo”, “Umbanda”, “judaísmo”, “budismo”, “espiritismo”, “cristianismo”, por qualquer palavra que denomine uma fé particular, um credo, que ainda o sentido se mantém. As pessoas são diferentes, pensam e agem segundo tal premissa, e ao ato de socializar-se vem (ou devia vir) intrínseca a ideia de que a diferença é natural. É isso que eu quero ler quando, daqui a uns anos, folhear meus textos, minhas reflexões, meus blogs, meus portfólios: a noção de respeito.

RELIGIOSIDADE E CONSERVADORISMO NA POLÍTICA Nosso dia a dia está cada vez mais ligado à religião e, no âmbito político, essa invasão é ao menos discutível CAMILA PADILHA

Uma bancada cheia. Muitas pessoas presentes. Mais um dia estabelecendo parâmetros e necessidades da cidade. Quase como um ritual. Todos se levantam. Uma voz estridente rompe o silêncio: “Sob a proteção de Deus, iniciamos os trabalhos”. Depois de um versículo lido, a sessão pode, enfim, começar. Não, não se trata de uma missa, culto, ou qualquer reunião desse tipo. Sim, o cenário apresentado é o de uma câmara municipal. Pode parecer bizarro, mas a maioria das câmaras de vereadores pelo Brasil iniciam suas sessões da mesma forma. Em Bauru, por exemplo, esse “ritual” é estabelecido e garantido pela Resolução Nº 425 de 30 de setembro de 2003.Essa situação é apenas uma de inúmeras outras que envolvem e unem política e religião. Mas, afinal, há algum elo entre religião e política? Sila Guerriero, professor de Ciências Sociais na Pontífica Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), explica que existem diversos sentidos dados à função da religião na sociedade e que a mesma tem diferentes formas de atuação na vida das pessoas em seu cotidiano. Para ele, “o que é interessante é que toda religião sempre apresenta um modo de conduta mas isso depende, claro, de que religião”. “Há pessoas que vivem mais intensamente os valores e crenças religiosas; outras vivem religião por poucos momentos por semana”, observa Silas, dizendo que essa questão nos remete à ligação com a política: seria, talvez, o comportamento dos parlamentares presentes nas sessões das câmaras um excesso de conduta religiosa? Independentemente da resposta, sabe-se o quão im-

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portante se faz a religião. “Podemos pensar que religião envolve vários aspectos, como poder, economia, sociedade e cultura etc. Pode haver um lado introspectivo, mas há todo um lado que tem a ver com a organização das sociedades. Nesse sentido, é importante entender a religião para compreender a ação dos países, os conflitos e os interesses das diferentes culturas”, complementa o professor. O elo entre política e religião causa desconforto sob certas visões que são específicas e determinadas por cada estilo de vida religioso. Por exemplo, o aborto: dentro dos moldes católicos (e até de outras religiões), abortar é um pecado – é tirar a vida de uma pessoa que foi dada por Deus, é ir contra suas vontades. Porém, há outros problemas que envolvem essa situação que estão além da religião (por exemplo, condições financeiras e falta de educação sexual para prevenção da gravidez). O Estado, que é laico, não assegura a legalidade do aborto, ele só é liberado em casos de estupro ou de risco à saúde da mulher. Sendo assim, milhares de mulheres procuram clínicas clandestinas para realizar a operação, correndo o risco de perder a própria vida – o que, infelizmente, não é incomum. A moral religiosa é um dos fatores que influencia e pressiona a legislação sobre esse assunto. Mesmo assim, não se pode afirmar que essa ameaça seja totalmente real. O teólogo Orivaldo Lopes Júnior, em entrevista, afirma que a religião só pode, de fato, abalar as estruturas democráticas “se os valores particulares de um determinado grupo, construídos pela fé numa dada revelação, forem impostos à sociedade como um todo com valores universais.” No Brasil, segundo Orivaldo, pode acontecer de forma

mais forte essa relação “não porque esses grupos sejam fortes suficientes para impor seus valores a toda da sociedade, mas porque os que tem esse poder podem se aliar a esses religiosos, e negociarem apoio em troca de fazer vista grossa à imposição dos valores particulares (o criacionismo, por exemplo).” Uma pesquisa feita pelo Instituto Pew Research Center, nos Estados Unidos, mostrou que vem aumentando o número de pessoas que acreditam que a religião deveria desempenhar um papel mais forte na política - 72% da população admite que a influência da religião sobre a vida pública está caindo. Isso explica, mesmo que de forma distante, como os cidadãos vem se sentindo representados por políticos com bases religiosas e, por isso, os elegem. Essa sensação de representação apoiada em figuras relacionadas a ideais religiosos é que dá espaço para esses assuntos se misturarem. Esse fato explica, por exemplo, o aumento do números evangélicos nas bancadas do Congresso - e estes trabalham, na maioria das vezes, de forma a estruturar projetos com base em seus dogmas, por isso, casos como o aborto (já citado) e a criminalização da homofobia não são aprovados. Enfim, a religião e a política são construções humanas que visam o bem de toda a sociedade, um bem comum. Elas não são absolutas e, por isso, não se pode estar presos somente a elas ou a alguma delas. A aliança entre poderosos e religiosos só pode se tornar uma ameaça caso os espaços republicanos de busca do bem comum forem fechados - “isso sim é uma ameaça gigantesca à democracia”, afirma Orivaldo. Saber administrar a prática política e a prática religiosa, esse é o grande desafio.


AS FORMAS DE NÃO SE CRER Além do ateísmo, existem outros tipos de ceticismo em relação às religiões DANIELA LEITE

Foto: Dreamstime

A fé pode dar sentido à vida e/ou ao sofrimento. Talvez essa seja uma das razões pela qual ainda não tenha sido extinta da humanidade ao longo dos séculos. Apesar disso, é crescente o número de ateus e agnósticos no mundo, principalmente em países onde se leva um alto padrão de vida.

Uma pesquisa do Instituto Gallup Internacional de 2005, feita em 57 países, constatou que neles um total de 3% se identificava como ateu. Seis anos depois, a mesma pesquisa indicou que esse número aumentou para 13%

No entanto, devemos relativizar os censos de religião, considerando que o termo “ateu” ainda é bastante estigmatizado pelas sociedades, principalmente em Estados não-laicos. Uma pesquisa do sociólogo Phil Zuckerman, Atheism: Contemporary Rates and Patterns [Ateísmo: taxas e padrões] (2007), aponta que fatores políticos e culturais são barreiras metodológicas para se determinar a porcentagem da população que acredita em Deus. Em países onde a religião é imposta pelo governo, e os não-crentes correm riscos, as pessoas podem não admitir sua descrença, mesmo em anonimato. Até quando não há coerção governamental, parece socialmente mais apropriado se declarar religioso ou então não usar o termo “ateu”. A pesquisa mostra que na Noruega, França e República Tcheca, onde quase 50% dos cidadãos declaram não acreditar em Deus, apenas em média 15% deles se identificam como “ateus”. A socióloga e doutora em Ciências da Religião Clarissa De Franco analisa que o preconceito com ateus se dá pois “No geral, muitas pessoas associam religiosidade à moralidade e isso acaba se convertendo em um pensamento do tipo: 'pessoas religiosas são mais corretas, de boa índole, solidárias', o que é um equívoco brutal, já que os valores morais e as ações dos sujeitos passam por mediações ideológicas, familiares, sociais de muitas instâncias.” Além dessa problemática, há muitas diferenças conceituais entre o que as pessoas consideram religião ou “deus” em cada cultura e como aplicam isso a si mesmas. Há, por exemplo, os que são adeptos de filosofias orientais, tais como budismo e taoismo; e do espiritismo, que é uma doutrina. Suas crenças não envolvem divindades, mas elas são dotadas de espiritualidade e têm rituais.

Muitos praticantes de religiões espiritualistas são enquadrados na categoria de ateus. Mas até que ponto é possível fazer uma divisão clara entre o que é crer e não crer?

Nesse sentido, é preciso eliminar o maniqueísmo, pois há também quem esteja “no meio do caminho”: os que pertencem a múltiplas religiões; os que não sabem definir sua religião; ou os “espiritualistas”, que têm uma espiritualidade própria, sem vinculação a uma instituição religiosa específica. Em um censo que leve isso em consideração, não é possível inferir, por exemplo, que uma queda no número de religiosos signifique um aumento do número de ateus e vice-versa, já que não existem só os dois polos. Já o agnosticismo, que vem de a-gnostikós, ou seja, “ausência de conhecimento a respeito da existência de algum ser absoluto”, como define o doutor em Filosofia Marcelo Primo, não é exatamente um meio termo entre ser ateu ou religioso. “Trata-se de uma posição de suspensão do juízo

A definição de ateísmo é a não consideração da existênca de deuses ou elementos do pensamento mágico diante de temas que fujam ao escopo das possibilidades humanas de conhecimento, como deuses e outras questões religiosas. É uma posição cética, que diz que não se pode afirmar ou negar com certeza a existência de deuses”.

O ateísmo é uma posição declarada e explícita que considera a não existência de divindades e outros elementos associados às religiões e ao pensamento mágico (Clarissa de Franco, socióloga)

O pensamento mágico envolve várias teorias da psicologia. Basicamente, é a crença de que pensamentos, simbologias e palavras podem interferir nos acontecimentos da vida, de uma maneira “não lógica”. Uma definição do antropólogo Phillips Stevens Jr., encontrada no Dicionário do Cético, diz que o pensamento mágico crê na “interconexão de todas as coisas através de forças e poderes que transcendem conexões tanto físicas quanto espirituais”. Além de religião, o pensamento mágico também está ligado às crenças populares e superstições, que desprezam a causalidade e racionalidade (bases estas do pensamento crítico), uma vez que relacionam a causa de um fato a outro sem que haja um aparente nexo causal entre eles. Traduzindo, isso seria, por exemplo, atribuir o fato de ter tido sorte em algum acontecimento ao ato de ter cruzado os dedos antes. O ateu tende a seguir o pensamento crítico, baseado no empirismo, portanto, refuta todas essas teses que firam a racionalidade dos eventos. A socióloga explica que sociedades que valorizam a ciência, o materialismo e a objetividade tendem a ter um número maior de ateus, como é o caso europeu. O continente apresenta altas taxas de ateus, agnósticos e não-crentes em Deus, chegando a 85% na Suécia. O filósofo Marcelo Primo aponta que nesse local há ensino religioso plural nas escolas e há mais debates sobre ateísmo e laicidade, não sendo um tabu dentre a população, o que incentiva a diversidade de opiniões.

A Suécia é o país com a maior porcentagem de ateus de todo o planeta

Outros motivadores da não-crença apontados por ele podem ser o olhar histórico de crimes, conversões à força e outras calamidades feitas em nome de um deus; ou a constatação da contradição entre o que os religiosos predizem e o que fazem na prática. “Quanto aos argumentos, um básico é: se existe um deus onipotente – que tudo pode –, onisciente – que tudo sabe –, e onipresente – que está em todos os lugares, como é possível a existência do mal no mundo?”, critica ele. Muitos são os argumentos, porém em grande quantidade também existem os contra-argumentos dos religiosos. Mas entrar no cerne do debate de quem está certo ou errado já é outra pauta. Ou, talvez, a grande questão da humanidade.

OS 5 PAÍSES COM AS MAIORES PORCENTAGENS DE ATEÍSMO DO MUNDO Ranking inclui ateus, agnósticos e não-crentes em Deus

85% 81% 80% 72% 65% Suécia Vietnã Dinamarca

Noruega Japão

Fonte: Phil Zuckerman (2007)

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O ESPIRITUALISMO DO ORIENTE E SEU LUGAR NO BRASIL Budismo, Tenrikyo e Igreja Messiânica: crenças orientais e espiritualistas de presença forte no país

Mesmo possuindo um povo predominantemente cristão, o Brasil é um dos países com a maior diversidade religiosa, herança de sua colonização, primeiro pela escravidão e depois pelo grande número de estrangeiros imigrantes. As crenças orientais sempre são alvo de curiosidades por parte da cultura ocidental, e uma vez que fé e cultura são diretamente ligadas, conhecemos muito sobre a expressão cultural de um povo quando conhecemos e entendemos suas religiões.

Foto: Bárbara Christan

BÁRBARA CHRISTAN

Nosso primeiro princípio é: salvar os outros para sermos salvos (Paulo Akira)

Igreja Tenrikyo Dendotyo Quando se conhece a Igreja Tenrikyo percebe-se algumas semelhanças estruturais com o catolicismo – a crença em um único, generoso e poderoso Deus; assim como notamos sua semelhança com as raízes orientais, vindas do xintoísmo, crença espiritualista que valoriza a pureza espiritual. Ao visitar a Igreja Tenrikyo Dendotyo em Bauru, a primeira coisa que se nota é a paisagem destoante do resto da rua: uma casa em moldes japoneses com suas formas e cores diferentes das que as pessoas estão acostumadas. Dentro da Igreja, na sala onde são realizados os cultos, veem-se os missionários usando as vestes apropriadas ao seu ofício do plantão, com duração de uma hora, no qual atendem às pessoas que querem conhecer a religião ou necessitam de ajuda. Fundada no século XIX, a Tenrikyo é uma religião monoteísta nascida no Japão, e se destaca por ser a maior religião fundada por uma mulher atualmente. Segundo sua doutrina, Deus revelou-se ao mundo através de Miki Nakayama, a fundadora, cujo nome sacro é Oyassama (Nossa-Mãe). Os fiéis se referem a Deus por vários nomes, como Oyagamissama (Deus-Parens) ou Tenri-O-no-Mikoto (Senhor da Razão do Céu). Tenrikyo, segundo a doutrina, é o ensinamento de Deus-Parens, que é o Parens de toda a humanidade e todos os indivíduos são seus filhos e irmãos entre si. O ensinamento de fé da religião é baseado na leitura de Os Três Textos Originais: Ofudessaki (Escritura Divina), Mikagura-uta (Hinos Sagrados) e Ossashizu (Indicações Divinas). A Escritura Divina foi escrita por Oyassama, contendo as revelações divinas que recebeu, com 1711 versos divididos em 17 partes. Os Hinos Sagrados são hinos transmitidos diretamente por Oyassama em forma de música, os quais são acompanhados por movimentos das mãos e praticados regularmente por seus missionários. Já as Indicações Divinas são transcrições coletadas através dos ensinamentos transmitidos verbalmente por Deus Parens

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A Sede Missionária do Brasil da Igreja Tenrikyo Dendotyo é ponto de encontro dos missionários e padres de todo o Brasil para dedicação através de Oyassama e Honseki, chamado Izo Iburi, um dos primeiros seguidores de Miki Nakayama. A organização hierárquica da religião possui vários níveis, sendo que o mais alto é o título de Shimbashira (Primaz Mundial), parente de sangue da fundadora, e que mora na Sede Mundial, localizada no Japão. O atual líder chama-se Zenji Nakayama, sendo o 4º reverendo após Oyassama. O propósito central da religião é buscar o caminho da gratidão, para que o ser humano atinja a alegria e felicidade plena. Paulo Akira é missionário e dedica-se à função na Sede Missionária do Brasil em Bauru, mas mora em São Paulo. Para o fiel, Deus queria que tivéssemos uma vida plena e de felicidade. “Mas aí veio o egoísmo e fugimos do princípio. Temos que evoluir de qualquer forma. Nosso primeiro princípio é salvar aos outros para sermos salvos”, explica. O missionário também completa que, por serem espiritualistas e acreditarem em reencarnação, tudo o que temos é emprestado. “Nossas roupas, nossos objetos e até o nosso corpo é emprestado de Deus, sendo necessário que as pessoas façam bom uso de seus bens”, completou Paulo.

Igreja Messiânica Mundial A primeira coisa dita pelo Reverendo Nobuhiro Amagata, diferentemente das outras conversas, foi que o objetivo da religião é a construção do paraíso na Terra. Com essa constatação, percebe-se o pragmatismo característico à religião messiânica. “A religião messiânica é pragmática, do ‘agir’. Como o egoísmo nos desviou do objetivo proposto por Deus, Meishu- Sama nos ensinou o altruísmo, dizendo que precisamos ajudar ao próximo para que possamos

viver num mundo melhor; sem doenças, pobreza ou conflito”, diz o Reverendo. A Igreja Messiânica é espiritualista, e a mais recente religião japonesa presente no Brasil, com apenas oitenta anos. Ela foi fundada dia 1 de janeiro de 1935, por Mokiti Okada, através de quem Deus se revelou. O nome religioso de Mokiti Okada é Meishu-Sama, “O Senhor da Luz” em português, e a ele foi dada a missão de construir o Paraíso Terrestre, por meio das Três Colunas de Salvação, práticas Foto: Ingrid Woigt

Meishu-Sama nos ensinou o altruísmo, dizendo que precisamos ajudar ao próximo para que possamos viver num mundo melhor; sem doença, pobreza ou conflito (Nobuhiro Amagata)

O Johrei Center realiza cultos diários e mensais aos membros e frequentadores messiânicos


básicas da filosofia de Mokiti Okada. As Três Colunas são o Johrei, a Agricultura Natural e o Belo. Johrei (Joh: purificação; rei: espírito) é uma oração ministrada pelos messiânicos através das palmas das mãos. Acredita-se que é a transmissão da Luz Divina, capaz de erradicar doenças, trazer bem estar e felicidade. Ao se tornar membro, cada pessoa recebe uma medalha, chamada Ohikari, que permite ministrar o Johrei. A Agricultura Natural diz respeito ao cultivo de vegetais e hortaliças sem o uso de agrotóxicos, e à criação de animais como o frango sem antibióticos ou hormônios. Além de fazerem muito mal ao corpo, adubos químicos e substâncias tóxicas prejudicam também a fertilidade do solo. A última coluna fala sobre o Belo, que nada mais é que a representação da arte. A arte enobrece o sentimento humano e traz enriquecimento, proporcionando alegria e sentido a sua vida; e Meishu-Sama fala em seus ensinamentos sobre a importância em sempre ter alguma obra de arte ou flores em nossa casa. A Igreja foi introduzida no Brasil apenas vinte anos mais tarde, e hoje conta com mais de 500 unidades, chamadas de Johrei Centers, e mais de dois milhões de membros no mundo todo, com filiais em mais de setenta países. Atualmente, o líder espiritual da Igreja é o Yoichi Okada, denominado Kyoshu-Sama pelos fiéis, e parente de sangue de Meishu-Sama. Segundo a doutrina, o elo de ligação en-

tre Meishu-Sama, que se encontra no Mundo Divino, e os membros messiânicos, que estão no Mundo Material, é Kyoshu-Sama. O Reverendo Nobuhiro Amagata frisou a quantidade de pensamentos negativos que temos todos os dias, e como isso se manifesta muito mais que nosso lado positivo. Cada vez mais o lado negativo polui a nossa alma, e aos poucos isso vai se acumulando e gerando problemas de saúde, conflitos e falta de prosperidade. Além do Johrei, os membros messiânicos buscam o equilíbrio através dos cultos e trabalhos voluntários, campanhas de solidariedade e visitas em asilos. Para realizar ações e projetos sociais da filosofia messiânica no país, existe a Fundação Mokiti Okada, sem fins lucrativos.

Cada um deve se conhecer e se esforçar para que aconteça o que queremos que aconteça

(Terezinha Itou)

Budismo Shin O budismo sempre foi cercado de muitas curiosidades pela maioria dos indivíduos criados sob as crenças ocidentais e influência cristã. Sendo a quinta maior religião do mundo, o budismo é também uma filosofia não teísta, ou seja, não inclui a ideia de uma deidade – acreditar em um Deus ou vários deuses. Sua crença envolve tradições e práticas dos ensinamentos de Sidarta Gau-

tama, Buda, que em pali/sânscrito significa “O Iluminado”. Para o budismo, o Nirvana é o ponto alto, a meta das práticas dessa filosofia, trazendo iluminação, paz extrema e permitindo quebrar o ciclo de sofrimento da reencarnação. Buda é reconhecido como um mestre iluminado que atingiu o Nirvana e compartilhou seu conhecimento para que os seres humanos atingissem o fim do sofrimento (Dukkha). De acordo com a tradição, Buda viveu na parte leste do subcontinente indiano em algum momento entre os séculos VI e IV Antes da Era Comum – viveu no período entre 566 e 483 a.C. Existem duas principais ramificações do budismo, o Mahayana e o Teravada. O Teravada, ou Escola dos Anciãos, é o mais tradicional e é presente no sudoeste da Ásia – em países como o Sri Lanka, a Tailândia, o Laos e o Camboja. Já o budismo Mahayana, ou Grande Veículo, absorveu grande parte das tradições dos países onde foi disseminado. Esta vertente engloba as escolas Zen, Terra Pura e o budismo tibetano, sendo presente na China, no Japão e no Tibete. Mesmo com as várias ramificações e diferenças dentro do budismo, a base de sua tradição é prática são as Três Joias: O Buda, sendo o mestre; o Dharma, sendo os ensinamentos baseados na lei do universo; e a Sangha, a comunidade budista. O Budismo Shin, ou Budismo da Terra Pura, possui mais de dez ramificações. Foi fundado no Japão pelo Mestre Shin-

ran Shonin, cerca de 760 anos atrás, e é um dos ramos que não possuem meditação. Em uma conversa com o Monge Kou Itou, do Templo Budista Nambei Hongandi em Bauru, a comunicação só foi possível através de uma intérprete – sua esposa, Tereza – já que o Monge não fala português. A esposa de Kou, Terezinha, como se apresentou, mesmo sendo católica, sabia muito sobre o budismo Terra Pura, e comentou que o autoconhecimento é a característica marcante da religião. “O budismo não ensina a pedir para que se cure de doenças ou tenha dinheiro, e sim que cada um se torna o que é através do esforço, não por acaso. Cada um deve se conhecer e se esforçar para que aconteça o que queremos que aconteça”, falou. Ela ainda acrescentou que o budismo não é uma religião como as outras, que dizem para as pessoas pedirem suas graças com fé para recebê-las. Antes dos cultos, os budistas colocam frutas, um bolinho chamado manju e flores no altar, como uma espécie de oferenda ao Buda. Durante a oração queima-se o incenso, enquanto o Monge recita o Nenbutsu (Homenagem ao Buda Amida), que é a contração do mantra do budismo japonês Namu Amida Butsu. Natural do Japão, o Monge expressou receptividade durante a conversa, com um semblante de tranquilidade, que se refletia no modo em que falava com a esposa. E mesmo com o barulho frenético dos car-

Foto: Ingrid Woigt

Antes dos cultos, coloca-se frutas, um bolinho chamado manju e flores no altar budista, oferecido à Buda. Durante as orações, também é costume queimar um incenso em um lugar específico

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PRA VOCÊ, O QUE É FÉ? “Para mim, fé é ter um objetivo, orar e agir para concretizá-lo, sem jamais deixar qualquer fagulha de dúvida invadir minha mente. Acredito que orando e me exercitando na fé budista, minha vida entra no que chamamos de revolução humana: consiste na minha tranformação interior, ou seja, minha vida entra em equlíbrio com o ritmo fundamental do Universo”

“Hoje, com a fé, o meu amor às pessoas melhorou. Hoje eu consigo me olhar no espelho. Ter amor à vida, ter amor às pessoas; assim a fé é mais bonita e mais profunda”

PAULO AKIRA, 54, tenrikyo

ANGELA GALLO, 48, budista

“O homem criou Deus e, citando Marx, a religião é o ópio do povo, pois o acalenta e o anestesia diante de um sistema tão injusto e desigual, afinal, segundo o livro de Mateus, ‘é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus’”

“Fé é a certeza interna e totalmente pessoal em algo, ou uma idéia, ou filosofia, e ela surge a partir de muitas maneiras, todas totalmente legítimas e totalmente pessoais, e não tem nada a ver com instituição religiosa, grupo, ou conjunto de regras”

GABRIEL DOS OUROS, 20, agnóstico

“Para mim, fé é a certeza daquilo que espero, a prova daquilo que não vejo. Fé é se dispor a subir as escadas sem degraus na certeza de que estes aparecerão à medida que se avança na caminhada. Fé é dar o passo sem ver o chão, é crer que o impossível do presente é certeza no futuro”

“Acho que todo mundo tem fé, até quem é ateu, porque tem fé que Deus não existe e que existe outro tipo de força. Talvez uma maneira de o ser humano sobreviver seja acreditar em algo maior, para que ele saiba que tudo não acabou ali e que existe algo que o espera após a morte. Diante disso, eu me considero uma pessoa que tem fé”

GISELE MARIE ROCHA, 43, muçulmana

MATTEUS CORTI, 19, evangélico

“Uma vez já me perguntaram no que eu acredito. Já que nego a existência de Deus, por muito tempo eu acreditei no homem. Hoje digo que acredito no amor! Para mim, ele é a última esperança e o único sentimento de quem perdeu a fé, perdeu tudo”

AMANDA TAVARES, 22, católica

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ALEXANDRE DOHNAL, 23, ateu


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