Tabu (1ª edição)

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EDIÇÃO ESPECIAL DE NÚMERO

TABU Edição 1

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Ano 1 Outubro de 2012

As novas

MULHERES

da FICÇÃO

DRAG QUEENS:

Vida e carreira de quem se transforma na noite CAPA:

VIDA ALTERNATIVA

Nossa equipe foi conhecer a comunidade sustentável de Alto Paraíso, interior de Goiás

E ainda: a arte do SEXO TÂNTRICO1 e o que rola numa casa de SWING


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expediente Revista realizada pelos alunos do sexto termo de jornalismo da UNESP para a disciplina de Jornalismo Impresso III e Planejamento Gráfico III, sob supervisão dos professores Mauro Ventura e Tássia Zanini. Idealização, Arte e Texto: Beatriz Haga Daniela Chiba Giovani Vieira Luciana Arraes Marcia Matsumoto Mariana Duré Millena Grigoleti Monique Nascimento Paula Monezzi Vitor Moura

V

ocê também acha que as revistas abordam os mesmos temas e de maneira muito similar? Nós achamos, por isso nossa proposta é fugir do comum e mostrar ao leitor uma visão alternativa dos fatos. Buscamos temas que raramente são abordados nas grandes mídias e procuramos explora-los de maneira diferente, com o olhar de quem viveu a situação - os repórteres de fato vão aos locais em busca da notícia e conhecem a rotina de seus personagens. A Revista TABU vem para informar, entreter e conectar os moradores das médias e grandes cidades do Brasil, projetando no mercado um “novo conceito em revista”. Não deixaremos de fora de nossas páginas nenhum assunto e aos poucos vamos romper com os tabus responsáveis pelo endurecimento das linhas editoriais dos impressos no país. Nosso conceito vai além das fronteiras existentes entre a megalópole e a tranquilidade das comunidades alternativas, do dia-dia dos freelancers à rotina bem humorada das drags, do tântrico ao swing, do clássico dos conservatórios ao romantismo do salão. En-

fim, uma miscelânea de temas e perfis que juntos colaboram para a inovação de conceitos que estamos propondo. Nessa edição, você vai poder se aprofundar em diversas temáticas como a arte do sexo tântrico, o universo dos fanáticos por coleções, um perfil atualizado das mulheres na ficção dentre outras temáticas com um toque especial, distribuídas pelas editorias de carreira, comportamento, sexualidade e cultura. O destaque desse primeiro número é o retrato de comunidades autossustentáveis. Nossa repórter passou três dias na Comunidade de Alto Paraíso, em Goiás - um canto no centro do país onde a correria dos grandes centros fez uma pausa e em seu lugar ficaram o prazer bucólico e a meditação coletiva. Você vai conhecer personagens que optaram por esse modo de vida, seus hábitos, costumes e descobrir por que escolheram o caminho da sustentabilidade. Aproveite para ler as outras revistas de sua casa antes de folhear as próximas páginas, porque você não vai conseguir parar de rever a TABU.

editorial

Reitor Herman Jacobus Cornelis Voorwald Diretor da FAAC Roberto Deganutti Coordenador do Curso de Jornalismo Juarez Xavier Chefe do Departamento de Comunicação Social Ângelo Sottovia Professores Orientadores Mauro Souza Ventura Tássia Zanini

SEU NOVO CONCEITO EM REVISTA


cultura

Exposições Pág. 06

comportamento Dança Comigo Pág. 26

carreira ensaio

Vida de Freelancer Pág. 08 Meio Urbano Pág. 14

c Mania de

ão Pág. 10 g a r aD h in a R

Pág. 38

eres da Ficç h l u M ão P as v o ág. N s 31 A

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Sumár sexualidade Crônica: Sombras no corredor

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Sexo Pág. 36 ém do

Jo v e n

Capa: Comunidades Sustentáveis Pág. 20

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exposições

sucesso de público...

N

Acima: Fila na frente do CCBB utrapassava 3 horas.Abaixo: Obra “Le Bain” do impressinista Divulgação

em mesmo o sol e o tempo seco impediram que os paulitanos tomassem a frente do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) que recebe a exposição Impressionismo; Paris e a Modernidade. No sábado, dia 08 de setembro, a espera ultrapassava quatro horas. “Muito orgulho de nós brasileiros que esperamos todo esse tempo, nem só de Tchu e Tcha vive o Brasil”, celebrou Régia Viana, mineira de 43 anos que deixou Belo Horizonte para ver a exibição. A exposição conta com 85 obras do acervo do Museu de d’Orsay que retratam a modernização da capital francesa sob as pinceladas de nomes como Van Gogh, Manet, Monet, Gaugi e Renoir. Logo em suas duas primeiras semanas de abertura ao público já havia recebido mais de 70 mil visitantes. Depois da temporada em São Paulo, as obras seguem para o Rio de Janeiro, onde devem ficar até Janeiro. CCBB SP

CCBB RJ

4 de agosto a 7 de outubro de 2012

22 de outubro de 2012 a 13 de janeiro de 2013

R. Álvares Penteado, 112 Centro – São Paulo Ter. a dom. - 10h às 22h

R. 1º de Março, 66 Centro – Rio de Janeiro Ter. a dom.- 9h às 21h

Informações: (11) 3113-3651

Informações: (21) 3808-2020

O Mestre e seus seguidores

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espera foi longa também em frente ao Museu de Arte de São Paulo, o Masp. O público enfrentou três horas de espera para contemplar os fortes contrastes do barroco de Caravaggio. A mostra “Caravaggio e seus seguidores”, trouxe a São Paulo seis obras do mestre italiano e outras 14 de seus principais seguidores. As pinturas estiveram em Belo Horizonte e ficaram no museu paulistano até o dia 30 de setembro. 6


>> Ilustração A viagem à lua, referente ao filme de Méliès.

O Mágico do Cinema

A

trajetória do cineasta francês Georges Méliès foi bastante conturbada. Considerado o inventor dos efeitos especiais para o cinema, lançou seu primeiro filme “Une partie de cartes” (1896) já com a proposta de explorar diferentes técnicas para criar um novo universo de fantasias e sonhos. As mais inovadoras formas de edição utilizadas foram a filmagem quadro a quadro, a fusão de imagens, o deslocamento de cenários e a pintura a mão das películas para criar filmes coloridos. O filme “Le voyage dans la lune” (1902) consagrou o cineasta pelo sucesso artístico e de público, tornando-o conhecido no mundo todo. Mas, após dezesseis anos de carreira, a vida de Méliès mudou complemente. Total-

mente falido, Méliès destruiu todo o acervo de negativos dos seus filmes e, para sustentar a família, começou a vender brinquedos na Estação Ferroviária Montparnasse, em Paris, antes de morar em um retiro para artistas no Château D’Orly. O Museu da Imagem e do Som de São Paulo montou uma exposição, de julho a setembro, para relembrar a vida do cineasta. A mostra denominada “Georges Méliès, O Mágico do Cinema” trouxe peças cedidas pela cinemateca francesa como fotos, desenhos, filmes e peças de figurino. Outra referência recente à Méliès foi o filme “A invenção de Hugo Cabret”, de Martin Scorsese, indicado a onze categorias no Oscar 2012.

+Cinemateca francesa www.cinematheque.fr Videoclipe: Tonight, tonight, da banda norte-americana The Smashing Pumpkins.

Textos da sessão Beatriz Haga Vítor Moura Imagens Beatriz Haga Vítor Moura

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carreira

Vida de freelancer O dia a dia dos profissionais sem carteira assinada tem vários pontos positivos e negativos. Cabe a cada um decidir o que acha melhor para si

A

procura por freelancers é grande no Brasil. Essa expressão significa, literalmente, “lançador livre”, e vem dos cavaleiros medievais mercenários, que se colocavam a serviço dos nobres que lhes pagassem mais para guerrear. Apareceu pela primeira vez no livro Ivanhoé, de Sir Walter Scott, em 1819. Apesar da preferência de muitos profissionais pela carteira assinada, alguns têm optado por essa forma de carreira, e o mercado tem correspondido à demanda. “A terceirização e o estilo de vida deles é uma tendência mundial, e aqui há muita terceirização, principalmente de perfis sem muita especialização como construção civil e callcenters. Estamos apenas começando essa revolução”, esclarece Robson Zunkeller, gerente de produto do site Prolancer, fundado em 2011. Algumas empresas preferem contratar esses profissionais por poderem pagá-los por dia de serviço, não tendo que assumir obrigações trabalhistas que a carteira assinada exige, como décimo terceiro salário e férias remuneradas. “É bom fazer contato com vários tipos de pessoas, elas que te indicarão para trabalho”, aconselha Priscila.

Fazendo o nome Quem vive nesse mercado precisa se destacar, pois a concorrência é grande, e é necessário dominar a área em que se atua. “Ser desinibido, proativo, criativo são fatores que sempre ajudam a crescer em qualquer carreira. Disponibilidade também é importante, pois é um tipo de profissão onde as oportunidades aparecem ‘de repente’”, aconselha Rafael Gimenez, que mora em São Paulo e faz freelas como jornalista para uma editora de revistas. Uma das maneiras de encontrar um lugar nesse mercado são sites. No Brasil, há vários deles em funcionamento, onde quem procura trabalho pode se cadastrar. No Prolancer, por exemplo, as empresas postam as oportunidades disponíveis e o sistema envia e-mails para os cadastrados com o perfil requerido. O site Escola Freelancer dá dicas para esses profissionais, e eles podem se cadastrar para ter acesso a vagas de emprego.

Os profissionais mais procurados geralmente são jornalistas, publicitários, designers e web designers, tecnólogos da informação e músicos. Em várias outras áreas, porém, é possível conseguir oportunidades, como por exemplo personals (organizer, stylist, trainer), profissões em alta no mercado, principalmente nas grandes cidades. É importante tornar seu nome conhecido. “Isso aconteceu por meio das produtoras em que já trabalhei, e principalmente por indicações de amigos, mostrando portfólio e qualificação nos meus trabalhos, usando a internet como meio de divulgação. Costumo também pesquisar sites de produtoras e enviar meu currículo, me colocando disponível”, conta Priscila Fonseca, que trabalha com edição de imagens e vídeos e vive em São Paulo. 8


Carteira assinada ou tempo livre sem hora marcada? Um dos atrativos da vida de um profissional sem vínculos contratuais fixos com seus empregadores é a possibilidade de fazer seus próprios horários. Mas há também uma rotina. “A vida de um freelancer é incerta e ao mesmo tempo tem uma rotina, pois você pode trabalhar com os mesmos clientes sempre, ou pegar freelas por época, depende muito da área em que você trabalha”, explica Priscila. Não importa se o profissional é freelancer ou contratado fixo da empresa, os compromissos com o trabalho a ser realizado são os mesmos. “Recebo uma ou duas semanas de prazo para elaborar as matérias. É essencial cumpri-lo e não estourar deadlines, para não comprometer o trabalho da equipe”, afirma. Ele explica que é importante manter uma boa relação com os chefes, para que os prazos sejam negociados. Luciano Larrossa, editor do site Escola Prolancer, afirma que há vantagens e desvantagens nesse tipo de trabalho. A questão financeira pode se tornar uma grande preocupação na vida de um freelancer. “Há meses em que recebo muitas pautas e há outros em que a demanda é menor. Sou bastante requisitado pela editora e vivo com meus pais, por isso tem sido possível administrar o dinheiro. Se fosse de outra forma, certamente seria mais complicado e só esse freela não seria suficiente”, conta Rafael. “É muito comum vermos nossos rendimentos subirem 20% num mês e descerem 20% no mês seguinte. Cabe ao profissional saber lidar com essa situação. Um dos pontos negativos, além da instabilidade financeira, é o fato de trabalhar sozinho e muitas vezes passar das 8 ou 10 horas diárias trabalhando”, afirma Larrossa. Um dos pontos positivos apontados por Larrossa é a possibilidade de trabalhar

O jornalista Rafael (abaixo) pode redigir as matérias no conforto de casa, já Priscila (acima) , que trabalha com audiovisual, dá aulas como voluntária. em casa e gerenciar melhor o tempo. Rafael está satisfeito com seu trabalho porque tem tempo para se dedicar a outras atividades. Priscila faz curso de cinema duas vezes por semana, dá aulas de audiovisual em uma ONG e faz freelas aos sábados e domingos, trabalhando em casa com seus próprios equipamentos. “Não sei se gostaria de um emprego fixo neste momento. Querendo ou não, trabalho fixo tem mais benefícios. Mas por enquanto prefiro continuar como freelancer”, afirma. Rafael Larrossa também acha que a vida de freelancer pode deixar os profissionais felizes. “Claro que há muitas pessoas que tentam este tipo de trabalho e acabam não conseguindo muitos clientes. Aí o único caminho é voltar para uma empresa. No entanto, quem atua como freela fica bastante satisfeito com o seu dia a dia, toda esta liberdade na rotina é fator que não tem preço”, afirma T 9

Texto e Imagens Millena Grigoleti


Rainha Drag達o Vida e

carreira das

Drag Queens

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D

rag Queen. São muitas as dúvidas e preconceitos que essas duas palavras carregam. Diversas pessoas não sabem diferenciar Drag Queens, transexuais, e travestis. Mas as diferenças são grandes. O ator Paulo Balderramas dá vida á Drag Queen Rubya Bittencourt e quando as pessoas perguntam sobre isso a própria Rubya responde: “a diferença é que esse peito sai do meu corpo, você pode levar pra casa, brincar e me devolver na terça-feira. E o da travesti não, você vai ter que brincar ao vivo”. Travestis e transexuais fazem alterações em seu corpo para se aproximar ao máximo da imagem feminina, chegando a tomar hormônios e colocar implantes de silicone. A diferença é que a transexual faz a cirurgia de alteração de sexo e a travesti mantém o órgão sexual masculino. Esse é o caso de Giovanna Gery que descobriu logo cedo que queria se transformar. “Aos 17 anos eu já comecei a deixar o cabelo crescer e a tomar hormônio”. O ator Paulo nunca pensou em fazer alterações em seu corpo. “Eu sempre fui feliz com o meu corpo de homem. A coisa mais gostosa é quando alguém me conhece depois e fala: Meu Deus, como você é diferente! É nesse momento que eu sinto que o trabalho de caracterização valeu a pena”. As Drag Queens não deixam de ser transformistas, são homens que se vestem com roupas femininas para fazer apresentações, mas são figuras cômicas, escrachadas, exageradas nas roupas e maquiagens e têm como maior missão divertir e alegrar o público. “Quando eu comecei a ser Drag era exatamente isso. Ter essa alegria que contagiava as pessoas”, lembra o ator. Atualmente, as Drag Queens clássicas estão tornando-se cada vez mais raras. Hoje existem as chamadas Top, um estilo que está crescendo muito. “Diferente da Rubya eu faço maquiagens menos chamativas, roupas menos coloridas, mais femininas mesmo”, explica Giovanna, que é considerada uma Top.

Origem do termo Drag Queen Se formos traduzir ao pé da letra, Drag Queen significa “rainha dragão”, considerando-se drag uma abreviação para dragon. Mas na verdade, existem várias teorias para o surgimento do termo. Há quem diga que ele surgiu nos tempos de Shakespeare, quando os atores tinham que se vestir de mulher para representá-las. Desse costume surgiu a sigla DRAG, dress as a girl (veste-se como menina). Outra teoria relacionada a essa mesma época é a de drag, no sentido de arrastar, devido ao tamanho e peso, os atores arrastavam os vestidos e literalmente se arrastavam nos palcos. 11


Nasce Rubya Bittencourt

Paulo na boate Labirinthus em Bauru (acima) e Rubya na quinta Parada da Diversidade da cidade (abaixo)

Paulo nasceu em Outubro de 1971 na cidade de Bauru, interior de São Paulo. Aos 11 anos de idade começou a fazer teatro de bonecos, mas ele queria mais. “Tinha alguma coisa me incomodando, que na época eu não sabia o que era”. Ele queria ir para frente do palco. Paulo então começa a montar peças infantis de teatro como “A menina e o pássaro encantado”, de Ruben Alves. Com esse trabalho o grupo fez muito sucesso. Um belo dia a história começa a mudar. O grupo, como de costume, monta a apresentação para as escolas de Garça, cidade próxima a Bauru, mas uma das maiores escolas da cidade não comparece. “Eu tive um prejuízo imenso. Com isso decidi que não queria mais saber de teatro por um tempo”. Devido à frustração, Paulo decide abrir uma boate gay, a primeira de Bauru. Só que no dia da estreia da boate a pessoa que ia fazer a apresentação de Drag Queen não aparece. “Eu falei pro meu sócio, e agora o que nós vamos fazer? E ele me respondeu: vai lá, se ‘monta’ e apresenta. Você faz teatro desde criança, vai tirar de letra”. Assim nasceu Rubya, a primeira Drag Queen da cidade de Bauru, interpretada por Paulo até hoje. Apesar de nunca ter pensado em se “montar”, ele tomou gosto pela coisa. O começo foi muito difícil e naquela época não existiam muitas Drag Queens no interior. “Você não tinha acesso fácil ao material: roupa, maquiagem, peruca. Era tudo importado. Hoje você passa no centro e compra uma peruca maravilhosa por 100 reais, na época a gente pagava 500 reais. Hoje está tudo muito mais acessível”. Mesmo assim, ainda hoje não é fácil ser Drag Queen. Para virar a Rubya, Paulo passa duas horas na frente do espelho. “Tem que fazer a barba, se maquiar, se montar. E com o passar dos anos a pele vai resistindo à maquiagem” Para aguentar as sete horas de parada gay esse ano Paulo investiu em produtos de fixação de maquiagem. “Porque o tempo vai passando, você vai suando, vai derretendo, vai virando o demônio. Então, para no final você não levar fama de monstro, ou pior, de antipática, é que a gente investe tanto nisso para não decepcionar alguém que queria tirar uma foto com você”. Para Paulo, o trabalho de Drag é exaustivo física e psicologicamente. “Hoje eu já estou me cansando de me montar e de exercer as características que a personagem exige. Esse humor ácido, os gritos, essa coisa de tirar sarro e pegar no pé. Como homem, desmontado, eu sou super tranquilo”. Por isso Paulo pensa em parar. “Quando eu tinha 30 anos eu dei um prazo pra mim; quando tiver 35 anos eu paro. Mas não consigo. O ano vai terminando e as propostas do ano seguinte já começam a chegar. Além de que, quer queira quer não, é uma coisa que eu adoro fazer”. Atualmente Paulo também trabalha como diretor artístico da boate Gloss, em Bauru.


Carreira As áreas de atuação de uma Drag Queen normalmente são boates, festas e eventos. “A gente faz de tudo um pouco, aniversário, casamento, chá bar”, conta Giovanna. Os preços para contratar uma Drag dependem do tipo de evento, tempo de trabalho, e o que vão fazer. As suas funções, principalmente nas boates, são receber o público, abrir a pista de dança e anunciar as atrações da noite, além de apresentar um número que é o principal. Os números são shows, apresentações artísticas, performances de dança e dublagem. “A gente escolhe uma roupa, pensa em uma música, tudo sempre pensando no conjunto, a roupa sempre depende muito da música e vice-versa”, explica a Top Giovanna. Na hora da escolha da música ela procura apresentar algo com o qual se identifica. Antes muitas Drags faziam números de comédia no estilo stand-up, como é o caso da famosa Nanny People e da própria Rubya. “A gente já fazia stand-up muito antes de ser chamado assim”, comenta Paulo. Em março desse ano surgiu o Drag Queen curso, idealizado pelo ator Zecarlos Gomes. O curso, que teve sua primeira turma em Santos, é voltado para pessoas de qualquer orientação sexual

com ou sem experiência na área. Ele encara as Drag Queens como artistas. Por isso possui na grade aulas de teatro, dança, maquiagem, canto, dublagem e de passarela. Como conclusão do curso os alunos apresentaram o espetáculo Sereia de salto. O espetáculo e o curso são mais uma forma de ajudar na luta contra o preconceito. “Pudemos ver na estreia do espetáculo uma plateia totalmente diversificada, desde crianças até os mais experientes”. Zecarlos completa dizendo que assim, “um novo olhar se forma para essa profissão que nasceu autodidata”. O idealizador do curso lembra que antes de mais nada, quem quer começar a ser uma Drag Queen tem que saber que “a vida de um artista é oscilante e é necessário foco e profissionalismo para manter-se bem financeiramente, pois não só de talento se vive”. Giovanna sabe bem disso. Ela vive a carreira dupla, possui outro emprego durante o dia e faz faculdade de administração. “É difícil conciliar, mas vale a pena. O show é uma coisa que eu amo, então, enquanto

eu puder vou continuar”. Dentre as vantagens de ganhar a vida nessa área Paulo conta que comparado com teatro é muito mais fácil ser Drag Queen. “Com teatro, você sempre viaja em trupe, tem que ir com a equipe toda, conciliar todo mundo. Sendo Drag não, você pega sua mala, viaja, chega à boate, se monta e pronto”. Em compensação, pode ser uma profissão bastante concorrida e as Drag Queens ainda têm de lidar com o preconceito. Giovanna ainda sofre por sua transformação e profissão, “mas eu procuro passar por cima. Porque as pessoas ás vezes têm um pré-conceito daquilo que elas não conhecem”. Mesmo com todas as dificuldades Paulo não se arrepende dos 17 anos da Rubya. “Se você me perguntar se esse mundo das Drags é mais feliz ou mais triste... ele é mais feliz do que triste” T

Texto

Luciana Arraes

Imagens

Francine Esqueda Leland Bobbé

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ensaio

Palavras e imagens espalhadas pela cidade de Bauru revelam mensagens de crĂ­tica, denĂşncia e amor 14


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Fotos

Monique Nascimento

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Figurinhas, latinhas de cerveja, pedras de rim, bolacha de chope, joias, embalagens usadas, defuntos, nada escapou dos fiéis seguidores da tradição de juntar e guardar bugigangas.

NA CABEÇA

Do passatempo à profissão, a mania de colecionar.

comportamento

>


A

final, por que alguém resolve gastar dinheiro com coisas que não vai usar? Por que é preciso possuí-las, e não só saber que elas existem? “A mania de colecionar é perfeitamente normal”, diz o professor de psicologia da Unesp Sandro Caramaschi. Guardar coisas de que se gosta faz parte do desenvolvimento do ser humano. “É muito comum que as crianças passem um longo tempo organizando e olhando seus brinquedos”, lembra Caramaschi. Para o cientista social Ricardo Camarotti, professor da Universidade de Santa Maria, o hábito de juntar quinquilharias tem justificativas históricas, filosóficas e psicológicas que tratam o colecionismo como algo mais que um simples passatempo de adolescentes. Tem a ver com sentimento de grupo, competição, medos, fracassos, desejos não realizados, vontade de se isolar num mundo e ser capaz de comandá-lo. Colecionar, para ele, também é uma tentativa de escapar da morte. “Um mundo diferente, mais significativo, mais ordenado, pode nos falar a partir de coisas humildes, como sapatos ou garrafas, autógrafos ou primeiras edições, os quais, em seu agradável arranjo, em sua estrutura e variedade, nos falam da beleza, da segurança; e cada objeto que tanto desejamos é, de fato, um atributo daquilo que desejamos”, reforça o pesquisador. Os dois professores concordam que colecionar quando criança tem suas vantagens. Para eles, a brincadeira ensina-nos a organizar e controlar as coisas e até mesmo decidir o tempo útil de cada uma, ou seja, é uma boa forma de aprender a tomar decisões e de lidar com o mundo exterior. Caramaschi reitera que colecionar quando criança também funciona como um jeito de se abrir para relações íntimas. “É por isso que muitas crianças param de colecionar na puberdade, quando o sexo passa a ser um novo caminho para se relacionar com o mundo e as coleções são substituídas por pessoas, tratadas com a mesma importância e intimidade”, declara. Para Camarotti, “quem passa da adolescência e continua colecionando pode ter sido fisgado pelo saudosismo” T

MAIS

INFÂNCIA >

Lisa Courtney, Inglaterra, coleciona Pokémons desde os três anos de idade.

restodonada.com

MAIS BIZARRO >

restodonada.com

Graham Barker, Australia, coleciona bolotas de pelo de umbigo há 26 anos.


estudante de Direito Jacqueline Novaes, de 24 anos, coleciona só por passatempo. Há cinco anos ela começou a juntar xícaras de diferentes tipos e épocas e hoje dispõe de cinquenta. Tudo começou quando ela ganhou a primeira xícara de um namorado em comemoração a um momento especial. “Aquela era especial, nunca tinha visto uma xícara com aquelas cores, aquele desenho e até mesmo o formato me surpreendeu. O que a paixão não faz com a gente, não?”, acrescenta a colecionadora. Jacqueline também conta que no começo todas as peças de sua coleção ‘falavam apenas brasileiro’, mas hoje são poucas as mantém a língua. “Sempre que viajo trago uma peça nova, não volta para casa sem uma ou outra. Meus familiares também já sabem: se forem viajar, precisam de me presentear”, euforiza. O diferencial da coleção da estudante, como ela mesma gosta de contar, é a delicadeza. “São poucas, mas todas têm histórias. Quando estou com saudades de uma pessoa ou de um lugar, uso a xícara e volto a me sentir melhor”, reitera a jovem. Mas se engana quem pensa que essa é mais uma daquelas coleções que ficam guardadas no armário. Apesar do carinho pela coleção, Jacqueline põe as xícaras em uso e não se importa quando alguma delas quebra. “O importante é que elas me proporcionam momentos agradáveis com os amigos”, enfatiza.

Passatempo: Colecionar

>>>

A

De cartões-postais a selos de Chico Buarque, Roberta e Raul aumentam a coleção.

A preferida de Jacqueline é uma xícara alemã que não sai do seu escritório.

P

Profissão: Colecionar

>>>

Texto e Imagens Giovani Vieira

ara a desenhista Roberta Matarazzo, de 39 anos, colecionar cartões-postais virou profissão. Ela e o marido, o designer Raul Matarazzo, compram e vendem cartões numa feira de antiguidadas em São Paulo. Tudo começou quando eles passaram a trocar os postais que sobravam de uma coleção pessoal, composta de 1.200 exemplares do início do século somente com imagens de cães. Esses o casal não vende. “Encontrei nos cartões uma maneira de substituir os cachorros de verdade, já que no meu apartamento não posso criar animais”, euforiza Roberta. Quanto mais raro, maior é o valor de um cartão e os preços podem variar de 50 centavos a 20 reais. “Não dá para viver apenas da venda de cartão-postal, pois não existem muitas pessoas com esse interesse tão diferente”, explica Raul. O casal também conta que a paixão de colecionar não parou e que outras coleções diferentes podem ser formadas. “Sempre tivemos apego a tudo que pudéssemos reunir em uma coleção. Já estamos com a mania de colecionar selos. Eu não mandei o Raul me presentear com uma coletânea do Chico Buarque que tinha alguns selos lindos”, confessa Roberta. Segundo a desenhista, a intenção é comprar selos conforme as viagens do casal. “Nada de internet”, ressalta. 19


Um dos portais de entrada da Chapada dos Veadeiros que carrega as energias do local, segundo os locais. 20


Simplicidade Sustentรกvel Longe das amarras da sociedade, as comunidades alternativas praticam a permacultura buscando preservar o planeta

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V

ivendo a pior crise de sua história recente, a Grécia tem enfrentado dificuldades de refinanciar suas dívidas, preocupando seus investidores e revoltando sua população. O pacote de medidas aprovado pelo parlamento em outubro do ano passado, que visava melhorar as contas públicas do país, prevendo cortes, criação de mais impostos, demissões de funcionários públicos e redução de salários no setor privado, acabou resultando em violentos protestos nas ruas de Atenas. Em contrapartida, sua atual situação econômica vem incentivando jovens gregos a buscarem outras formas de sobrevivência. A criação de comunidades alternativas foi uma delas. Segundo o webdesigner Apostolos Sianus da comunidade Free and Real (Livre e Real): “A crise financeira grega está dando uma enorme oportunidade às pessoas para verem que o sistema em que vivem não está funcionando, e que então podem começar a procurar alternativas”. Apesar de revolucionárias na aparência, as comunidades alternativas não são uma novidade. Comunidades como essas estão espalhadas por todo o mundo e procuram, de certo modo, contestar a maneira de viver do homem do século 21. Algumas ainda defendem os valores hippies da década de 60 e 70, e outras apenas buscam a paz espiritual e o cuidado da alma. Apesar das diferentes propostas, todas anseiam por um estilo de vida sustentável de convívio harmonioso com a natureza. Suas práticas cotidianas procuram se afastar do modo de viver do homem moderno capitalista das cidades. Hoje em dia, contam com a tecnologia e práticas aperfeiçoadas por meio de estudo e do aumento da consciência ecológica. Uma prática cada vez mais comum é a entre esses grupos é permacultura.

za lhe oferece, criando conexões sustentáveis entre a humanidade e o planeta. Apesar de pouco conhecida, a permacultura hoje representa uma rede socioambiental presente em mais de 120 países, graças aos inúmeros cursos ministrados por institutos e estações de permacultura. O Brasil tem dez institutos cadastrados e mais de 24 comunidades que procuram viver de maneira mais sustentável, seguindo as práticas da permacultura. O IPEMA, Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica, vem promovendo a prática desde 1999 por meio de cursos que estimulam a discussão e o debate, na busca de soluções criativas, originais e apropriadas aos problemas sociais, econômicos, ambientais e que tenham valor como políticas públicas. “O público é bem diversificado, porém a maior parte são jovens, estudantes ou profissionais formados e que estão buscando novos conhecimentos ou uma nova proposta de vida”, afirma a secretária executiva do IPEMA, Cristina Reis. Além de ser um centro de informações, prestar serviços em pesquisas e promover ações de recuperação e manutenção de áreas degradadas, o IPEMA trabalha para transformar a comunidade local de sua sede, em Ubatuba, litoral de São Paulo, em uma admirável eco-vila (assentamento que busca o desenvolvimento sustentável com o mínimo de impacto ambiental). Segundo Lenina Mariano, assessora do IPEMA, a prática da permacultura foi a maneira escolhida de mostrar que o Instituto acredita em outras formas de economia com menores impactos. “Esse estilo de vida pode amenizar desigualdades sociais, já que acreditamos no desenvolvimento de uma vida mais equilibrada, na garantia de alimentação saudável e geração de renda para as comunidades que praticam agricultura familiar. Além disso, as propostas de sustentabilidade já Permacultura implicam na redução do uso de insumos agrícolas, o que contribui certamente para A Filosofia da permacultura propõe redução desse desequilíbrio”. uma ética de cuidado com o planeta e com as pessoas. Criada nos anos 70 pelo aus- Comunidades Hippies traliano Bill Mollison, ela ensina como planejar sua casa, o sítio e até mesmo as A década de 50 e 60 foi marcada pelo cidades, aproveitando tudo o que a nature- surgimento de diversos movimentos de 22

contracultura. Muitos jovens passaram a contestar a sociedade e a questionar os valores tradicionais, o poder militar e econômico trazendo discursos e práticas que resistiam aos modos de vida capitalistas. As comunidades hippies se caracterizavam pela vivência comunitária, utilizações alternativas dos recursos naturais, preservação do meio ambiente, práticas espirituais, além de práticas políticas influenciadas. Apesar de pouco comentada, a cultura hippie continua a existir. Muitos se reúnem em festivais e encontros de celebração da vida e do amor. No Brasil, as comunidades hippies estão espalhadas pelas praias e em comunidades alternativas, como a cidade de São Tomé das Letras e o vilarejo de Trindade. Após ter passado uma temporada em São Tomé das Letras, a estudante de biologia Camila Mansur comenta sua estadia: “eu aprendi muita coisa. A impressão que temos do hippie é muito diferente. Eles realmente cultivam o amor e repassam isso de maneira tão simples, tão básica que não precisam atrair gente pra lá. As pessoas vão lá pela energia maravilhosa do local”. Mesmo depois de ter vivenciado uma experiência única, Mansur se mostra contra a publicidade feita por essas comunidades: “A pessoa tem que ir pra lá pelos ideais dela. Os nativos que realmente são de lá não gostam e não procuram atrair pessoas que não respeitam esse estilo de vida. Está virando moda e é realmente necessário dar valor a essas culturas, mas os turistas as estragam. Sim, São lugares que eram super preservados e que agora, se você for em janeiro, vai encontrar um monte de latinha de cerveja pelo chão e bitucas de cigarro na areia. As pessoas não vão lá pra aproveitar a praia e curtir a paz”. O assistente técnico Renato Garga que passou duas temporadas de quinze dias cada na comunidade de Cariava na Bahia mostra sua preocupação com o meio ambiente: “Acredito que as próximas gerações serão mais desenvolvidas mentalmente e espiritualmente para lidar com a natureza e com as questões ecológicas. O planeta é uma panela de pressão; uma hora tudo explode”.


Adubando a economia O sistema de compostagem proposto por comunidades que praticam a permacultura é uma maneira de unir resíduos orgânicos e economizar com fertilizantes

1.preencha Empilhe três caixas plásticas e as duas de cima com

2.na caixa Coloque restos orgânicos superior e cubra as

terra. Coloque cerca de 200 minhocas na caixa superior.

sobras orgânicas com palha.

3.duasAcaixas cada dois meses, troque as superiores de lugar. As minhocas migrarão para cima em busca de comida. A terra poderá ser utilizada como adubo em vasos e jardins.

4.de decomposição, Durante todo o processo um chorume

livre de mal cheiro e bactérias é armazenado na caixa da base. Ele pode ser usado como adubo e pesticida nas plantas.

Viver é conhecer

Para conhecer essas comunidades é preciso mais do que conhecer quem as frequentou. Com uma das histórias mais antigas de atividade comunitária e espiritualidade, Alto Paraíso já foi considerada destino certo para aventureiros, hippies e famílias que buscavam uma ambiente diferente da cidade. A repórter Márcia Matsumoto foi para Alto Paraíso, conhecer aqueles que tentaram, fizeram ou ainda fazem partes das primeiras iniciativas de comunidade alternativa do país. Um paralelo de buscas graus). Você devia ter vindo em agosto, se vê nas cidades, mas também difícil. “É À primeira vista, Alto Paraíso de Goi- amor”, a dona da pousada e moradora da preciso tolerância de todas as partes. Toás não mudou. Ao redor da rodoviária, região há 30 anos me diz com a voz sem dos têm que ajudar com as tarefas básia mesma lanchonete vende açaí, a pada- sotaque e que transparece uma calma além cas. E nem sempre é assim. É por isso que ria continua vendendo ingredientes para do normal. Toinha nasceu na Paraíba, mas não existem mais comunidades operantes montar sua própria mistura de granola. veio com o marido para Goiás em 1982, aqui”, afirma. Andando com a mochila nas costas e pro- em busca de um lugar para criar os filhos e curando a pousada em que minha família um pedaço de terra. Montou uma pousada O começo sempre se hospedou, a surpresa é grande e, desde então, recebe visitantes e os guia Alto Paraíso de Goiás tem quase sete ao ver que a cidade cresceu, seja pela che- pela Chapada dos Veadeiros. Conversamos sobre a região e conto mil habitantes e fica no coração da Chapagada de pessoas ou pela necessidade de que tenho interesse em descobrir porque da dos Veadeiros. A região é mais conheconforto de seus habitantes. O calor é extenuante e, segundo Toinha as pessoas vão para lá com a intenção de cida pelos cristais e pelo paralelo 14 – o Alves, vim na pior época do ano. “Muita formar comunidades, Ela diz que é uma mesmo que corta Machu Pichu, no Peru seca e esse calor insuportável (fazem 34º experiência única, muito diferente do que -, responsável pelas energias do local. A 23


ligação de Alto Paraíso com o esotérico só se tornou comum em 1950 com a inauguração da fazenda-escola Bona Espero que trouxe uma visão esperantista e espiritual. Dez anos depois, uma organização kardecista fundaria a Escola Cidade Fraternidade, divulgando e abrindo as portas para as doutrinas espirituais. A maioria dos forasteiros veio em meados de 1999 e 2000, seguindo os passos de mentores que proferiam que o Planalto Central brasileiro seria uma das poucas regiões a sobreviver ao Fim do Mundo, na virada do milênio. Desiludidos, muitos foram embora sem encontrar o que queriam: uma cura espiritual e um ambiente natural para criar uma família. Os Cavaleiros de Maitreya, que pregam a mudança baseados em ensinamentos de arcanjos e na Nova Era, já deixaram a Chapada há pelo menos quatro anos. Do grupo Osho Lua, com suas construções em forma de cúpula, sobraram poucos integrantes, que usam a fazenda-sede como área turística e não um espaço de ensinamentos e vivência comunitária. Apesar de não existirem mais, esses grupos ajudaram a reviver um pouco a mística existente na região durante os anos 1990 e 2000. Sobre comunidades Sandro “Sasá” Vieira nasceu em Alto Paraíso e fala sem pestanejar: “não acho que existam mais comunidades. Existem algumas vilas ao redor de Alto Paraíso. Mas são bem restritas, não permitem visitantes”. E é verdade. Duas vilas permitem meu acesso, mas sem fotos, sem perguntas, sem sair da rota de visita. Segundo o responsável pelo projeto, eles querem manter o ambiente sem manifestações negativas de pessoas de fora. A vila tem elementos de cidade: energia elétrica, água encanada. O lado sustentável também está ali com hortas espalhadas pela propriedade, o barulho de um rio próximo, a maneira de lidar com o lixo. “Não conseguimos fugir dos confortos da cidade. Podemos tentar, mas nem todos conseguem viver sem energia ou água quente”, diz Caio Andrade quando vê que não paro de pro-

Como em quase todos os lugares de Alto Paraíso, o Flor de Ouro é decorado com artigos feitos pelos próprios moradores da região.

curar pelos painéis solares e outras formas de energia renovável. Ainda na procura por uma comunidade em Alto Paraíso, sou aconselhada a ir até Moinho, um distrito com menos de 100 moradores que vivem de subsistência em faixas de terras pequenas e casas que vão desde madeira e tijolos até barro e cobertura de palha. Moinho dista 12 km de Alto Paraíso, onde se encontra o Flor de Ouro. O Flor de Ouro existe há mais de 30 anos e foi criado pela paulista Ellen Pires, 56, que desistiu da cidade por motivos bem diferentes de muitos que estão ali. “Eu não me sentia em casa em São José dos Campos. Era como se eu não fizesse parte da cidade, da minha própria casa”, Ellen me conta durante o passeio pela propriedade. A paulista nunca conseguiu um emprego e só recebeu um salário na vida enquanto trabalhava para um amigo com fotografia. Em uma excursão com amigos, ela conheceu Alto Paraíso, sentiu um ‘chamado’ do lugar e pensou em nunca mais voltar: “foi imediato. Eu me lembro de ter me sentado durante a caminhada até um dos pontos turísticos e ter começado a chorar, mas ninguém entendeu”. O Flor de Ouro se tornou um camping para aque24

les que desejam um ambiente mais natural e uma boa oportunidade para conhecer outros naturalistas que buscam uma vida em comunidade e sem compromissos. Eles cultivam quase todo o alimento que consomem, fazem uso de cozinhas comunitárias e dormem em pequenas casas que hospedam entre três e seis pessoas. Ellen ainda fala das experiências com jejuns, dietas, limpezas espirituais de todos os tipos. Os cinco hectares do Flor de Ouro guardam muito do cerrado, além de fontes naturais e um rio. Às margens dele, uma espécie de sauna natural foi erguida e é uma das áreas de limpeza espiritual para os visitantes. Ellen me conta mais sobre sua vida enquanto tira as roupas e pula dentro d’água. Ela diz que um dos problemas de se morar numa cidade é o sistema, que acaba oprimindo e fazendo com que as pessoas desejem e façam atividades em que nem sempre tem interesse. Depois de passar por uma limpeza espiritual com cristais, saio do Flor de Ouro com uma sensação mais leve, apesar do sol do meio-dia. Caminho um quilômetro de volta a Moinho, onde vou à casa de Dona Flor, parteira e curandeira local. A


senhora de 73 anos nasceu em uma fazenda próxima, mas já habitou diversas localidades na Chapada dos Veadeiros. “Tive três filhos em uma casa perto de uma das cachoeiras. Foi uma época incrível”, comenta. Mãe de 18 filhos (deu a luz a todos sem ajuda), ela não sente vontade de sair da vila mesmo com todos seus defeitos: “nasci aqui e quero morrer aqui. E esse é o desejo de mais de uma pessoa nessa vila”. Quando pergunto sobre todos os partos que fez, ela abre um sorriso, orgulhosa da profissão e diz que fez o parto de várias estrangeiras que queriam um método mais natural de ter seus filhos. Em mais de um momento, precisou de interpretes e diz que acha que nunca fez o parto de uma mulher africana, mas que aguarda a oportunidade. A conversa continua ao som das promessas dos candidatos locais e, mais de uma vez, Dona Flor divide sua raiva a respeito dos políticos da região que vêm pedir voto na porta da casa, mas não tem coragem de ouvir o ‘não’ que direciona a todos. Em águas mais pacíficas, pergunto sobre o que ela acha dos estrangeiros e personalidades ‘estranhas’ que vieram morar

na região. “Eu não tenho do que reclamar. Essas pessoas só vieram para nosso bem. Eles nos ajudam como podem, muito mais do que os políticos e qualquer outra pessoa. A [Geetika] Sampatti, minha vizinha, é uma das pessoas mais queridas dos Altos. Ela fez muito pela gente”, diz. Dona Flor é uma das principais vozes da comunidade do Moinho. Quando se precisa de um médico, hospedagem ou qualquer ajuda, ela é a primeira a ser procurada. É quase uma e meia da tarde e ainda não almocei. Saio em busca de uma garrafa de água em uma vila que não tem bares, restaurantes ou pousadas, e as pessoas são incrivelmente atenciosas. Converso com uma senhora que está limpando as palhas do feijão que acabou de colher. Em outra casa, um homem tira alfaces do pomar. Algumas garotas colhem frutas na beira da estrada. Existe um ponto de trocas perto dali. Nunca me vi em um ambiente tão próximo de uma comunidade. Fugindo de casa Geetika Sampatti é conhecida em Alto Paraíso por tocar violino e cantar no Gota

Marcas de moradores anteriores estão espalhadas pelo Planalto Central. Boa parte se decepcionou com as dificuldades de se organizar uma comunidade.

Som Sat, cúpulaauditório para encontros todos os fins de semana. A aposentada de 58 anos era professora universitária e deixou o Recife em busca de uma vida diferente. Visitou comunidades na Índia, onde passou dois anos e, depois, tentou buscar algo no Brasil, mais perto da família e amigos. “A princípio, quem veio para Goiás foi meu filho. Ele disse ‘estou saindo de casa’ e eu disse ‘eu também. Para onde você vai?’”, Geetika conta enquanto enche um copo com uma mistura curiosa que é muito utilizada em Moinho para reidratação durante o calor. A vida se resume aos produtos que cultiva, além de conservas, frutas secas e as oficinas que oferece aos moradores locais, mostrando como fazer produtos para venda e consumo próprio. Geetika é uma das poucas pessoas que diz não se importar de ter de deixar Alto Paraíso, se um dia for preciso. Ela conta que não foi a primeira opção de comunidade que encontrou, mas que foi uma das mais interessantes: “morei com muitas pessoas em um mesmo teto durante meus anos de professora de faculdade. Quando fui para Paris fazer doutorado, fiquei na Casa Brasil que sempre me lembrou muito uma comunidade. Acho que Alto Paraíso só intensificou essa sensação”, conta. Geetika diz que não consegue parar em um lugar e criar raízes, por isso, talvez deixe Goiás. Mas talvez volte. Ela nunca tem certeza. Chego à pousada com todos os depoimentos borbulhando. A imagem que tinha dessas pessoas parece se dissolver aos poucos, criando uma visão muito maior a respeito de Alto Paraíso. O Planalto Central parece aproximar os que buscam um novo conforto espiritual, mas também aqueles que desejam crescer e mudar a forma de ver a vida T Texto

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Daniela Chiba Márcia Matsumoto Imagens Márcia Matsumoto Vitor Moura


Dança Comigo? A “O que elas precisam é desenhar seus passos dentro do pulso da música”

dança a dois ou de casal. É assim que se define, de forma bem simplificada, a dança de salão. Temida por uns e apreciada por outros, foi, por muito tempo, taxada de “coisa de avós”. Mas de uns anos para cá esse conceito vem mudando e os jovens estão cada vez mais aderindo à prática. Um grande incentivo aos novos dançarinos foi a abertura de casas noturnas especializadas e a modernização dos ritmos. Samba, forró, bolero, maxixe, soltinho, lambada, zouk, salsa e tango, estão entre os tipos de dança de salão mais praticados no Brasil, e a sua popularização está diretamente ligada à diversidade cultural do país. No Nordeste e no Norte, por exemplo, o samba e o forró são comuns nas festas e na vida noturna. Já no Sul e Sudeste, eles ainda estão sendo incorporados. Mas não importa a região e nem o país. “A dança de salão é a união dos povos”, afirma o professor da academia Dançando na Lua, Lucas Santiago. Formado em Fisioterapia e cursando Educação Física, Santiago percebeu que a dança “não é só o movimento em si”, é preciso conhecer o corpo. Para ele, não existe quem não consiga dançar; “é como se você estivesse caminhando. As pessoas tem um ritmo natural, como a batida do coração. O que elas precisam é desenhar seus passos dentro do pulso da música”. Além de ser uma atividade física, a dança de salão também aumenta a confiança, a auto-estima e a sensibilidade. A procura dos jovens por aulas particulares é grande, mas a terceira idade ainda sustenta as escolas de dança. “Os mais novos estão na época de terminar os estudos, procurar emprego e formar suas famílias. Já os aposentados, aproveitam seu tempo livre para fazer as aulas”, explica Santiago. A alternativa encontrada para a correria do dia-a-dia foi a criação de casas noturnas voltadas à dança de salão. Abertas, normalmente, 26

de quinta a domingo, conquistaram o público jovem por serem uma alternativa às baladas de música eletrônica. “Chega uma hora que o batidão cansa. As pessoas de 20, 30 anos começam a procurar um ambiente mais calmo e intimista”, argumenta Manuela Lopes, sócia -proprietária da casa noturna Diquinta, em São Paulo. Inaugurado há 10 anos, o Diquinta não tinha a proposta de ser uma casa de dança de salão. “Primeiro começamos a balada com músicas que a gente gostava, como samba e black. Depois o processo foi natural. As pessoas começaram a dançar samba rock e queriam aprender novos ritmos”, explica Manuela. Com o aumento do público, o bar passou a oferecer 1h de aulas gratuitas antes da abertura da casa e um dia dedicado aos ritmos latinos. Apesar de todo o incentivo, ainda há aqueles que não arriscam uns passos na pista. “Eu sinto que todo mundo tem vontade, mas algumas pessoas tem vergonha de chamar outra pessoa para dançar ou acham que são incapazes”, observa o professor de dança do Diquinta, Ricardo Garcia. As aulas realizadas no local são do nível básico e quem quiser se aperfeiçoar pode pedir dicas aos professores. “O mais importante é as pessoas dançarem. Elas erram é quando ficam sentadas”, acrescenta. Mais uma vantagem da dança de salão é que ela ajuda na paquera. O termo também pode ser considerado de “velho”, mas a informação é comprovada. “Nunca vi nenhuma menina que não goste ou ache feio homem que sabe dançar”, brinca Ricardo. E para quem já encontrou o seu par, a dança de salão ajuda a manter o romance. Bruna Moriconi, 28 anos, começou a fazer aulas para dançar com o namorado nas festas: “a gente se diverte, faz bem para a cabeça e integra o casal” T Texto e Imagem Beatriz Haga


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e ntr o

d L á de A música no maior

conservatório do país, desde sua formação até seu consumo.

D

o lado de fora, o prédio lembra colégios antigos. A portaria barra quem não apresenta, pendurado no pescoço, o cartão do Conservatório. O ambiente é regrado, “silencioso” e comportado. O som de um saxofone é tudo o que se pode ouvir do lado de fora. O autor da melodia está logo ali, sentado num banco visível a quem está na portaria. É a segunda vez que vejo Elisa do Amaral. Ela passa por mim correndo com sua maleta e entra apressada no prédio. A primeira vez que a vi estávamos no ônibus que saiu de Sorocaba às 13:15 com destino a Tatuí. De longe, observei a jovem que dedilhava os dedos no ar como se estivesse tocando piano. Segurava uma folha com partituras. Durante um tempo, ela estudou. Depois, cansada, o sono a venceu. Minha vontade era entrevistá-la. Seria a viagem uma rotina? Que instrumento ela guardava em sua maleta? Quem era ela? Porque música clássica? Em vez disso, a perdi de vista ao entrar no auditório do Teatro Procópio Ferreira e deixá-la seguir seu rumo, lá acontecia um ensaio. Jovens estudavam música regidos pelo maestro, que demonstrava rigidez. Ao final, uma frase me chamou a atenção: “Vocês são o quanto vocês ouvem”.


Em vez de correrem em fuga como fazem estudantes tradicionais, os aspirantes a musicistas se espalharam pelo auditório e passaram a tocar seus instrumentos como se os demais não existissem. Imaginando diversos instrumentos tocando simultaneamente, há quem pense em desordem. No entanto, por trás de melodias e canções diferentes, havia algo harmonizando os ritmos presentes. Eles ensaiavam para a mesma apresentação e ninguém ali parecia atrapalhar ninguém. Na verdade, José Antonio Pereira é um senhor muito carismático que me recebe com sorrisos e comentários engraçados. “Prefiro fazer a entrevista num lugar fechado, pois o vento pode despentear o meu cabelo”, brinca o maestro, quase totalmente careca. Um dos veteranos do conservatório – o maestro está no conservatório desde 1975. Pereira dá aulas de música de câmara e prática de conjunto na escola. Para quem pensa que música não exige tanto estudo, Pereira explica logo de cara a trajetória de quem pretende se formar ali. “O estudante chega a partir dos seis anos de idade e faz um curso de iniciação, que dura em média dois anos. Os alunos que entram a partir de dez anos fazem um ano desse curso e o professor os coloca numa determinada sala, já que provavelmente já estudaram música e não são totalmente leigos”, diz. A segunda etapa é aquela em que o aluno já está tendo aulas do instrumento escolhido, mas ainda tem outras disciplinas teóricas. Os cursos já são voltados para estudantes de nível intermediário e são mais sofisticadas. “A partir disso, eles podem começar a tocar na banda e na orquestra profissional”, conta. A formação leva anos e exige muita dedicação e esforço. Viagens diárias, estudo regrado, sacrifícios e, principalmente, vontade fazem parte da rotina desses pequenos – ou nem tão pequenos – musicistas. O diretor executivo do Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos, Henrique Autran Dourado fala com satisfação do que também ajudou a construir. Depois de conversar com outras pessoas, fomos

“Vocês são o quanto vocês ouvem” para uma sala onde ele calmamente se dispôs a contar a história do Conservatório, pausando para lembranças e outros comentários.

A história Henrique é mineiro, foi criado no Rio e é cidadão paulistano. Docente da Universidade de São Paulo desde 1988, é um homem muito culto. O cargo de diretor já havia sido ocupado por ele entre 1989 e 1998. Voltou ao cargo em 2001 e permanece até hoje. O diretor conta que a fundação do conservatório foi possível graças aos trabalhadores imigrantes ligados às usinas de tecelagens. “Eram europeus que vinham para o Brasil trabalhar, tinham seus instrumentos musicais e acabaram por influenciar o início do que é hoje o conservatório”, lembra. A primeira turma de alunos se formou no ano de 1954. O local ainda era provisório e só viria a ter novo endereço no ano de 1969. Mantida pelo governo do Estado de São Paulo, a instituição possui cerca de 600 alunos. Como os estudantes nem sempre são de Tatuí, a escola conta com alojamentos, auxílio com transporte e bolsas. Conhecido hoje como o maior conservatório do país, mantém uma briga acirrada pelo título de melhor em qualidade com os mais renomados do país. Pereira enfatiza que o conservatório é “completo em professores e de uma qualidade excelente”.

Os alunos Para um bom colégio, bons estudantes. De acordo com Henrique, os alunos apresentam excelente rendimento. O Erik Heimann Paes, assessor artístico da instituição, diz que são feitas cerca de 800 apresentações ao ano. “Os grupos avançados tem metas a cumprir, ou seja, um número mínimo de apresentações. Além disso, nós acreditamos que não há outro 29


modo mais eficaz de aprender do que tornar público o que foi estudado, ou seja, apresentando.” Ele revela ainda que a grande maioria das apresentações é em Tatuí, mas há produções externas e inclusive fora do estado e do país. Pensando no produto – música clássica, música de raiz etc – automaticamente liguei os estudantes a um nível social: classe média alta e classes A e B. Qual não foi minha surpresa quando Henrique anunciou quem são seus alunos: “aqui a maioria esmagadora é das classes C, D e E. Há pouca procura das classes mais elitizadas nos cursos oferecidos. Eles aparecem mais na hora de conferir o produto. Ai há uma inversão de perfil”. O maestro Pereira também reforçou essa ideia ao informar que a assiduidade dos alunos se devia ao fato de que estar ali era a realização de um sonho e uma oportunidade única. Neyl de Souza Queiroz tem 16 anos e toca fagote. Sua relação com a música é de amor. “Música vem da alma. É preciso escutá-la com o coração para entendê-la.” Antes do fagote, seu amor era o violão. Um dia, seu professor o apresentou ao instrumento que hoje é objeto de estudo e dedicação. Sua única queixa? “Muitas pessoas não entendem o porquê de estudar música, tocar fag-

ote. É diferente do que toca por aí, mas é o que eu gosto”, diz. Já o cearense Ramon Diego, de 14 anos, acabou de entrar no conservatório. Recém-chegado do estado natal, Ramon já tinha experiência em música e a trata como seu mundo. “Eu sempre gostei de música, mas nunca fiz aula. Isso é o meu sonho. Eu tocava numa banda lá no Ceará e isso é minha vida”, conta. Todos ali pareciam iguais. Não via luxo no modo de vestir, predominavam jovens – nem adultos, nem crianças – e o ambiente tinha a aparência de uma escola pública. Tanto Neyl como Ramon estavam ensaiando numa arquibanda, com várias pessoas em volta, focados no que estudavam. Senti que se houvesse uma infraestrutura melhor, eles não estariam ali, no sol, numa arquibanca precisando de pintura. Como em todos os outros setores da educação, essa precisava de mais incentivo e auxílio financeiro. Fui embora pensando nisso.

A rodoviária A rodoviária fica exatamente na frente do conservatório, o que ajuda um bocado os estudantes que vem de outra cidade, como a moradora de Salto de Pirapora Elisa do Amaral, de 17 anos. Ela estava na fila, novamente com sua

maleta, esperando sua vez para retirar a passagem para Sorocaba. Não, ela não toca piano, mas bombardino, instrumento de sopro, parecido com uma trompa. Na verdade, o motivo de pegar o ônibus é que sua vida é dividida em três cidades: Sorocaba, Salto de Pirapora e Tatuí. “Eu moro em Salto de Pirapora, faço colégio de manhã em Sorocaba, vou para Tatuí de segunda, terça e quarta-feira e faço cursinho na UFSCar à noite, todos os dias, em Sorocaba de novo”. Vestibulanda, quando perguntei o que queria prestar no fim do ano, ela sorriu como se eu tivesse feito piada. “Música é meu sonho. E a Unicamp é meu sonho. Quero estudar lá. Sei que tenho uma rotina pesada, mas é preciso correr atrás. Quando terei outra oportunidade? Se não estudar música aqui no conservatório, quando vou fazer? Apesar de ser ano de vestibular, resolvi enfrentar. Está dando certo e eu estou amando”, sorri. E o fim da viagem ela passa com sua maleta por perto, fones de ouvido, olhos e fechados e foco para sua próxima jornada T Texto

Paula Monezzi

Imagens

Divulgação Conservatório


As novas

mulheres

da

ficção

cultura

Livres dos paradigmas presentes na sociedade, as mulheres encontram nova representatividade na literatura, no cinema e nas histĂłrias em quadrinhos.

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A mulher que não precisava dos homens...

“E

u controlarei a sua vida. Se eu te encontrar com uma mulher, ou se me tocar outra vez, eu te mato, pode ter certeza” o trecho acima, retirado do romance do sueco Stieg Larson, Os homens que não amavam as mulheres, deixa claro que Lisbeth Salander não é uma heroína convencional. Na sequência, a garota se vinga de seu tutor legal, o doutor Nils Bjurman, penetrando-lhe o ânus com um bastão de ferro. Para finalizar, Lisbeth presenteou Bjurman com uma denúncia vergonhosa, tatuando-lhe na barriga os dizeres “Sou um porco estuprador”. Com isso, a heroína garantiria que o velhaco jamais voltasse a abusar sexualmente de uma tutelada, como havia feito com ela própria. Desde a infância, Lisbeth se acostumou com a violência. Sua mãe sofria agressões constantes do parceiro. Uma tarde, quando tinha doze anos, chegou em casa e encontrou a mãe desacordada devido a uma pancada na cabeça. Não pensou duas vezes; desceu as escadas para a rua a passos firmes, munida de gasolina e um isqueiro, e ateou fogo no próprio pai. Lisbeth atravessa a adolescência sendo negligenciada pela sociedade, passando por instituições psiquiátricas e lares adotivos. A criança franzina torna-se uma adulta fechada, sem trato social, coberta de piercings e tatuagens, escondendo uma inteligência sobre-humana e uma sexualidade aflorada, apesar de sua aparência pouco convencional. Alexandre Callari, um dos autores do livro Quadrinhos no Cinema, lançado pela editora Avorá, acredita que o mais interessante na personagem de Lisbeth é que “ela tem uma psiquê muito bem desenvolvida. Ela é crível, e não um amontoado de clichês”. Um dos focos do romance de Larson é a relação pouco ortodoxa que Lisbeth desenvolve com o jornalista Mikael Blomvinsk, com quem procura solucionar os crimes de um assassino de mulheres. Lisbeth se envolve sexualmente com o parceiro, o primeiro homem em quem confia e tem essa confiança abalada ao vê-lo abraçado com sua editora e amante de longa data, Érica Berger. “Ela não demonstra sua fragilidade, contudo, lá no fundo, ainda conserva alguns ideais românticos, herdados e arraigados por séculos de contos de fadas marretando na cabeça das mulheres – e isso fica claro no final do primeiro livro/ filme”, revela Alexandre.

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Sobre o muro... “Meu primeiro grande filme foi O Diário da Princesa e durante as entrevistas, as pessoas perguntavam se eu sempre sonhara em ser uma princesa; a verdade é que não! Eu queria ser a Mulher-Gato. Acho que várias meninas sentem a mesma coisa, certamente muitas mulheres também”. Essa declaração é da atriz norte-americana, Anne Hathaway durante coletiva de imprensa para divulgar o mais novo filme de Batman a chegar aos cinemas. Em The Dark Knight Rises, o herói terá que enfrentar não apenas o brutamontes Bane, mas também ficará a mercê dos caprichos da maior ladra de todos os tempos. Diferentemente da personagem interpretada por Michele Pfeifer na década de 90, uma mulher insegura e que sofria abusos do chefe, a Mulher-gato/Selina Kyle de Hathaway é uma resposta à altura à sociedade corrupta da Gotham City construída pelo diretor Christopher Nolan. “A mulher-gato de Tim Burton estava querendo se libertar das pressões sociais, mas precisou que seu chefe a jogasse de uma janela para isso. Nessa nova versão, ela não precisa desse gatilho”, explica Giovanna Pennati, uma das fundadoras do site Garotas Geek. “A Mulher-Gato do filme do Burton era caricata. Ela existia para preencher os requisitos do roteiro e servir como interesse romântico do herói, diferente da versão de Anne, que é bem mais do que isso”, defende Alexandre Callari, “a nova Mulher-Gato é dona de si e do seu destino, ela é a mulher do século 21”, completa. A nova Selina Kyle é uma ladra high-tech, autora dos mais diversos golpes. Mas isso não implica dizer que a personagem seja totalmente desprovida de caráter. Apesar de ser peça fundamental no plano de Bane, a gata não se sente completamente à vontade com os métodos do vilão, o que a faz pender para o lado de Batman e por vezes, colaborar com o herói. “Adoro o senso de humor da Mulher-Gato. Adoro como ela é esguia. Adoro - usando uma metáfora felina - como ela anda em cima do muro e você não sabe muito bem de que lado ela vai descer. Ela é totalmente independente”, declarou Anne Hathaway em seu pronunciamento a imprensa. Selina está procurando uma forma de recomeçar. Marcada por diversas passagens por instituições sociais e envolvimentos com inúmeros crimes ao longo dos anos, tudo que ela busca é limpar o seu nome e desfrutar sua fortuna (adquirida de forma ilícita, é claro!).

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Princesa sem príncipe Era uma vez um castelo, um rei, uma rainha e sua amada filha, a princesa. A fórmula perfeita para começar um conto de fadas. Mas onde está o príncipe? A primeira protagonista feminina de uma animação da Pixar já começa quebrando regras por aí. Merida é obstinada e quer ter o poder de escolher seu próprio futuro. Para isso bate de frente com a mãe, a rainha Elinor, que quer transformar a filha em uma “verdadeira princesa”. O objetivo disso é casá-la com o primogênito de um dos clãs vizinhos. “Ela é uma personagem aventureira, gosta de cavalgar, escalar montanhas e praticar arco e flecha; não cantarola e não possui coadjuvantes animais engraçadinhos”, explica Lucas Carrijo, do site Disney Mania. Os primeiros filmes que contavam histórias de princesas como Branca de Neve (1937), Cinderela (1950) e A Bela Adormecida (1959) foram lançados em épocas em que as mulheres tinham como sonho se casar com um príncipe e “ser feliz para sempre”. Com o tempo, o perfil da mulher na sociedade foi mudando e o perfil das princesas acompanhando essa evolução.

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Algumas “antecessoras” de Merida na Disney, como Mulan, Tiana e Rapunzel, já traziam transformações significantes em relação às princesas do passado. Mulan, por exemplo, foge de casa para tomar o lugar do pai doente no exército e lutar pela China, correndo o risco de ser morta se descoberta ou mesmo em batalha. A grande novidade trazida por Merida foi a inexistência de um par romântico complementando a jornada da personagem ou a salvando em determinadas situações. “Merida é jovem e não possui intenção de se casar tão cedo, muito menos com alguém escolhido pela mãe. Ela quer quebrar a tradição e quer escolher quando e com quem irá se casar. Os pretendentes dos outros clãs não atraem a princesa, mas talvez, em algum momento, ela encontre alguém que a agrade”, explica Lucas. Merida é uma prova definitiva de que antigos valores caíram por terra. A nova mulher da ficção está se disseminando em nossa cultura e agora atinge até mesmo o público infantil. Nada mais de desenhos ensinando meninas a brincarem de casinha e sonhar com o príncipe. As novas heroínas infantis têm vontade própria e lutam por aquilo que querem.


mamente grossas e cinturinha de pilão. Além disso, a orientação sexual da personagem representa um grande avanço. Kate é lésbica assumida e mantém um relacionamento com a policial Reneé Montoya. A personagem até ganhou o prêmio da GLAAD, Gay & Lesbian Alliance Against Defamation (Aliança Gay & Lésbica Contra a Difamação) deste ano, na categoria revistas em quadrinhos. A própria forma como as mulheres são desenhadas é criticada, mas Mariane defende que corpos perfeitos, também são atribuídos aos homens; “nunca vi nenhum Super alguma coisa obeso”. E completa “essa imagem de corpos esculturais e belezas deslumbrantes, sem nenhum defeito, é também imposta na publicidade, na televisão, no cinema, só para citar alguns exemplos. A questão é as HQ’s retratarem somente esse tipo físico, quando deveriam abrir espaço para as baixas, as gordas, as magrelas...”. Mariane acredita que isso não é um problema exclusivo dos quadrinhos, mas “algo maior que engloba a visão de beleza da sociedade e o tratamento da mulher como objeto sexual”. Para ela, a saída é melhorar cada vez mais a participação feminina no mercado quadrinístico e criar personagens femininas bem desenvolvidas, importantes na trama e, porque não, poderosas de verdade T

Traços marcantes O universo dos quadrinhos de super-heróis sempre foi conhecido como “clube do Bolinha”, feito de homens para homens. Não era permitida a entrada de mulheres. O primeiro passo para a mudança desse cenário foi a criação da primeira super-heroína, a Mulher Maravilha, em 1941. Em tempos de Segunda Guerra Mundial, ela representava a mulher nesse contexto de conflito e de movimento feminista. “Era necessário criar uma heroína que propagasse a imagem da nova mulher americana. Com os homens na guerra, a mulher saía de casa para o trabalho e cuidava da família no lugar dele, então as mulheres precisavam de uma personagem que as representasse e encarnasse suas necessidades”, explica a colunista do site Garotas Geeks, Mariane Gaspareto, especialista em quadrinhos. Antes e após a criação da Mulher Maravilha, as personagens femininas ainda se resumiam a complementos para o herói principal. “Eram sombras dos super-heróis ou tinham função de atribuir algo a eles, como a Lois Lane que humaniza o Super Homem, ou a Carol Ferris para amadurecer o Lanterna Verde, Hal Jordan”, ilustra Mariane. Uma personagem que vem fazendo alvoroço nas HQ’s por quebrar padrões é Kate Kane, a nova Batwoman. Kate é uma mulher bonita e que usa uniforme colado, mas seu tipo físico é mais real, sem seios descomunais, coxas extre35

Texto Monique Nascimento Vítor Moura Imagens Divulgação


Muito Além do

Sexo

Q

sexualidade

uebra de tabus, desmistificação do sexo e questionamento dos conceitos morais. As novas gerações vêm experimentando novos modos de sentir prazer, casas de swing e centros de massagem tântrica têm se tornado cada vez mais comuns, e até as comunidades de amor livre vêm ganhando seu espaço na sociedade. Mas estas práticas têm relação entre si? Todas elas encaram o ato sexual da mesma maneira?

Texto

Mariana Duré

Fotomontagem

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Vítor Moura


O

tantra é uma filosofia comportamental surgida na Índia há cerca de 5 mil anos, posteriormente propagada pelo resto do mundo e incorporada a diversas correntes filosóficas e religiosas como o hinduísmo, o yoga e o budismo. Por meio de meditações, dinâmicas em grupo ou individuais e estimulação dos pontos sensíveis do corpo, o tantra busca estabelecer uma conexão com a fonte geradora da vida e conduzir o indivíduo ao estado de supra consciência. Hoje, o conceito abrange uma ampla variedade de crenças e práticas, na maioria das vezes antagônicas e divergentes de acordo com o país. Um dos pontos principais do tantra é seu caráter sexual. O sexo, dentro da filosofia tântrica, visa conduzir o praticante a um novo estado de consciência e percepção, fazê-lo interagir com outras formas de vida. Por meio de uma descarga neuromuscular - o chamado “orgasmo cósmico” - grandes proporções de energia são liberadas, provocando a expansão da mente. “Foi a primeira vez que senti meu corpo inteiro pulsar, como se tivesse sido despertado. Esse êxtase me deixou mais viva”, conta a fisioterapeuta Thaís Cardoso. Em suma, o sexo perde sua finalidade reprodutora e geradora de prazer físico e sua meta passa a ser o estado transcendental de união do feminino e do masculino em sua propagação ao infinito. O ato se torna muito mais espiritual do que físico. Ainda que haja diversas vertentes da filosofia tântrica, as bases do ato sexual são as mesmas. Este começa antes do toque, preparando-se o ambiente com incensos, flores, música e velas - a iluminação, mesmo que escassa, deve existir, para que o casal não perca o contato. Primeiro, a fase das carícias e beijos. O processo deve ser calmo, sensorial, observando-se os sinais do corpo do parceiro. Em seguida, a penetração. Como o objetivo é o prolongamento do prazer além dos próprios limites, para que haja a fusão com o todo, o sexo tântrico dura, no mínimo, duas horas. Cada posição é levada ao máximo, com movimentos lentos e profundos. Dentre as mais indicadas, está a posição em que a mulher fica por cima do homem, já que ela é considerada a deusa do tantra e deve controlar a situação. Com o objetivo de difundir a filosofia do tantra, foram criados centros que oferecem sessões e cursos de massagem

tântrica, além de grupos terapêuticos e de meditação. Pashupati Alex, terapeuta e coordenador de cursos do Centro Metamorfose, explica que eles trabalham com técnicas específicas de massagem tântrica, sejam elas objetivando questões terapêuticas ou potencializando a energia bioelétrica do corpo, para que a quantidade “extra” possa ser utilizada em outras áreas da vida. Quando questionado sobre o público que frequenta o centro, ele atesta a predominância de homens sozinhos, mas conta que o número de casais tem crescido exponencialmente. “As pessoas nos procuram por conta de problemas psicológicos, físicos ou emocionais. Até mesmo as que vêm apenas por curiosidade acabam reconhecendo a necessidade de desenvolvimento”, afirma Pashupati. Swing Enquanto a filosofia tântrica é contra a banalização do sexo, trabalhando a mente em conjunto com o corpo e buscando um estágio avançado de consciência, o swing aposta no sexo praticado unicamente pelo prazer físico, sem compromisso ou afeto. O termo swing se refere ao ato sexual grupal. Embora o tipo mais conhecido seja a troca entre casais, existem diversas vertentes da prática que vão desde encontro de solteiros a relações homossexuais e voyeurismo. A prática do sexo grupal geralmente ocorre nos clubes de swing, os quais são divididos em dois ambientes: a boate e o “espaço íntimo”. A primeira conta com a pista de dança e o bar, e se diferencia das boates normais pelas brincadeiras eróticas e apresentações de strip-tease. Já o espaço reservado varia de acordo com a casa de swing, exceto pelos tradicionais “camão” e darkroom – um grande tatame onde todos fazem sexo ao 37

mesmo tempo e uma sala completamente escura, respectivamente. Além disso, é possível encontrar labirintos, confessionários, cabines, cadeiras eróticas e aquários. Os motivos que levam as pessoas a visitarem clubes de swing são diversos, desde apimentar o relacionamento a buscar novas experiências ou por simples curiosidade. Ricardo Ferraz, frequentador de casas de swing há dois anos e meio, conta que busca diversão e liberdade em um lugar onde você pode optar por um programa mais leve ou por transar com quantas pessoas tiver vontade. “Lá você pode fazer o que quiser, e ninguém te condena por isso. Pelo contrário, as pessoas o incentivam”, conta Ricardo. Quanto às regras, elas existem sim, e é fundamental que a liberdade do swing não seja confundida com libertinagem. É importante lembrar que nem todos os frequentadores estão dispostos a trocas ou relações sexuais, alguns estão lá na condição de voyeurs, apenas para observar. Além disso, deve-se respeitar a vontade e a velocidade de cada pessoa e é terminantemente proibido qualquer tipo de ofensa, seja pela cor, sexo ou porte. O swing prega o amor livre, sem amarras, constrangimentos ou barreiras sociais. No entanto, muitos casais vão ao clube de swing para esquentar a relação e no fim da noite acabam se separando. Uma conversa prévia entre o casal é indispensável, e a experiência requer que ambos estejam na mesma sintonia. “Tem gente que vai lá, bebe e acaba criando confusão, não entende a dinâmica da casa. Ou então um dos parceiros não está preparado e acaba tendo crise de ciúme”, conta Ricardo T


crônica

Sombras no corredor...

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arrakesh. De fora, parecia um bar dançante como qualquer outro, embora meio vazio por ser dia de semana. Lá dentro, muitos espelhos no teto, decoração estilo marroquina e pouca luz. Numa pequena pista de dança, o discreto público se movimentava. Música eletrônica, seguranças nos cantos. Era começo de noite e tudo parecia normal. Paredes amarelas e vermelhas, desenhadas pelas sobras de pequenos coqueiros e sofás de couro preto. Começo a notar uma movimentação constante rumo ao fundo do lugar. Na maior parte casais, mas também alguns solteiros alterados pelo álcool ou caminhando timidamente. Todos desapareciam no fim de um corredor preto cheio de espelhos. Ricardo, frequentador assíduo da casa, tirou uma camisinha do bolso, levantou-se e fez sinal com a cabeça indicando o corredor, depois se perdeu na escuridão. Seus amigos o acompanharam. Sozinha, resolvi tomar uma dose de vodca com energético e observar o lugar. À minha frente, um casal discutia sorridentemente, dando olhadinhas furtivas. Atrás deles, um sujeito mais velho, de jaqueta de couro, abordava uma jovem até então desacompanhada. Na última mesa da fileira, cinco pessoas bebiam cerveja e trocavam de parceiros com a naturalidade de quem vai dar uma volta de bicicleta ou liga a televisão apenas para zapear pelos canais. Mais gente se aventurando na pista de dança. Uma mulher alta e loira inaugura o pole dancing. Por que não conhecer o final daquele corredor? Levantei e fui andando, fiel à legião dos solteiros tímidos, lentamente e sem saber bem como agir. O que tinha atrás do corredor, afinal, era uma sucessão de portas. Algumas trancadas por dentro, a maioria aberta, um convite a qualquer um que quisesse ver ou participar. Fui me esgueirando, discreta, por entre a meia dúzia de velas que iluminavam o ambiente e acendiam o mistério. O lugar exalava energia sexual, e eu era tomada por uma curiosidade pura e incontrolável. Do primeiro quarto, escapavam sons e sombras que despertaram meus sentidos. Aproximei-me, e tudo foi se tornando cada vez mais nítido. Com uma espiadela, pude enxergar o cômodo pequeno, mobiliado simplesmente com sofá e espelhos. Lá dentro, um homem mais velho desabotoava a calça de uma garota enquanto beijava seu pescoço, e ela se contorcia, gostava. Do sofá, uma terceira personagem acompanhava tudo extasiada, ameaçava tirar a camisa, mas no fim não se atrevia a desviar os olhos do casal. No quarto ao lado, eram quatro os participantes, e ninguém ficava só observando. As roupas de todos eles jaziam no chão, e seus gestos, ao invés de carinhosos, eram brutos e urgentes. No entanto, mesmo que a falta de intimidade fosse perceptível, os quatro pareciam gozar de uma liberdade desprovida de constrangimentos. Paro em frente de uma porta encostada, cujo filete de luz cortava o chão. Lá de dentro, uma voz forte se dirige a mim. “Quer entrar?” T Texto Mariana Duré Fotomontagem Luciana Arraes

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