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4. Contexto nacional

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Referências

Referências

4. Contexto nacional

Na esfera nacional, podemos elencar duas experiências que se organizaram, em certo tom, a partir de uma noção mais integradora do patrimônio junto a outras esferas da vida e espaço urbano. Desenhado por um grupo multidisciplinar no início dos anos 1970, o Programa de Cidades Históricas tinha como finalidade a recuperação de cidades históricas da região nordeste do país através da organização descentralizada da preservação, destinando grande responsabilidade aos estados. O programa visava preservar monumentos tombados para torná-los economicamente viáveis principalmente para utilização de atividade turística. A coordenação nacional do programa era de responsabilidade do Ministério do Planejamento e Coordenação Geral (Miniplan) e as atividades estaduais entravam com compromisso financeiro de 20% para obras e planos de desenvolvimento local. As cidades eram escolhidas de acordo com nível de classificação de prioridades e os critérios eram descritos em ordem por: 1. possuir infraestrutura turística adequada; 2.possuir monumentos “em vias de destruição”; 3. possuir infraestrutura turística inadequada, mas em razoável estado de conservação. programa já recebia críticas tanto internas como externas, pois suas ações estariam voltadas aos monumentos históricos isolados e não numa compreensão geral do sítio histórico. No ano de 1975, a partir de uma nova formação do Grupo de Trabalho Interministerial, tem-se uma ampliação do programa para abranger os estados: Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. E, nos anos seguintes, foi configurada a Comissão de Coordenação e Acompanhamento (CCA), que era composta pelo IPHAN, Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU) e pela Secretaria de Planejamento da Presidência da República (Seplan/PR). Doravante à modelação desta comissão, os critérios de seleção das cidades visavam uma análise mais precisa do potencial da localidade. Com isso, ficaram assim os critérios para escolha das cidades: 1. em desagregação ou empobrecimento e que por suas características possam vir a se constituir em receptoras de fluxos turísticos; 2. com atividades turísticas consolidadas ou em vias de consolidação; 3. atingidas ou em vias de serem atingidas por obras ou atividades que por sua dinâmica possam representar perigo à preservação dos bens culturais; 4. em processo de crescimento urbano

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acelerado.

Segundo Sandra Magalhães Correa (2015), a partir disto os monumentos não foram mais vistos como objetos isolados, mas como um potencial organizador do espaço intraurbano, possibilitando usos econômicos e sociais. A partir de 1979, com o Decreto nº 84.198/1979, quando tem-se a transformação do IPHAN em Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)1, o PCH foi incorporado na estrutura da Secretaria e nos anos seguintes não se constituía mais em um programa específico,

1 Ao longo do tempo, a instituição passou por diversas fases de composição e recebeu diferentes nomenclaturas. Em 1979 transforma-se em Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, logo após, no ano de 1981, torna-se uma subsecretaria vinculada à Secretaria da Cultura. Com a criação do Ministério da Cultura (BRASIL, 1985) em 1985, voltou a ser uma secretaria. Neste período, entre 1979 e 1990, a Secretaria/Subsecretaria ficou conhecida como SPHAN/Pró-Memória. Foi substituída em 1990 com a criação do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC). Porém, no ano de 1994 volta a ser intitulado como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/59/secretaria-de-cultura-do-ministerio-da-educacao-e-cultura-1981-1985> Acesso em: 21 jul, 2021 <http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/ detalhes/60/secretaria-e-subsecretaria-do-patrimonio-historico-e-artistico-nacional-1979-1990> Acesso em: 21 jul, 2021 <http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/ detalhes/55/instituto-do-patrimonio-historico-e-artistico-nacional-iphan-1970-1979-e-1994> Acesso em: 21 jul, 2021 mas de âmbito geral da política preservacionista. De acordo com Correa, a criação do programa permitiu o exercício conceitual da intervenção em áreas urbanas e a inserção de novos agentes (equipes estaduais e órgãos federais), em especial, a autora chama a atenção para a participação da CNPU. Com um total de 17,3 milhões de dólares de investimento entre os anos de 1970 e 1979, o PCH realizou cerca de 143 obras em monumentos, 8 cursos de qualificação de mão-de-obra para os níveis superior, intermediário e operário, 7 planos urbanísticos, 6 obras em espaços públicos urbanos e 10 ações diversas. Em uma experiência mais próxima dos dias atuais, elencamos o Monumenta - Programa de Preservação do Patrimônio Histórico Urbano. O Programa foi concebido na década de 1990, realizou intervenções em 26 cidades conveniadas com o Ministério da Cultura e inovações nas políticas de preservação durante seus 11 anos de existência. O professor Nabil Bonduki (2010, p. 10) comenta que o objetivo das intervenções era qualificar os espaços públicos dos núcleos históricos e de gerar impactos, de âmbito econômico, urbano, social e cultural. Em outras palavras, proteger e incorporar o patrimônio à vida urbana. A atuação do programa contou com colaboração de agentes públicos e privados para dinamizar os procedimentos de preservação. O

exercício deste programa leva em consideração alguns pontos importantes para se pensar a intervenção em um centro histórico, como por exemplo, a interferência das atividades turísticas, permanências e usos da população local, enfeixamento com outras políticas urbanas e sociais e também o papel do Estado e do mercado na proteção deste patrimônio. Bonduki (2010, p. 12) escreve que as intervenções realizadas nos centros históricos através do Monumenta desempenham um papel de extrema importância, tanto na qualidade de vida urbana quanto na criação de novas possibilidades econômicas, gerando um impacto no desenvolvimento local - quer dizer, dar base para a sustentabilidade na preservação do patrimônio histórico. De grande importância também é o impacto que gera na imagem da cidade perante os cidadãos, pois possibilita enxergar que as políticas de preservação vão muito além do caráter de restauração de edifícios isolados. Estas mudanças são causadas pela destinação de bens preservados para usos comuns - como habitação, universidades, parques, mercados públicos, áreas de lazer, entre outros, e que acabam por afetar diretamente a vida urbana. Com essa postura, minimiza a ideia de que o bem preservado tenha que ser destinado especialmente ao uso turístico-cultural. O Programa trouxe uma nova forma de reabilitar os núcleos históricos no país, uma vez que articulou intervenções no espaço público e em imóveis públicos ou privados à formulação de uma política nacional de preservação com o desenvolvimento urbano, econômico e social. Foi proposto pelo BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento e começou a ser pensado no ano de 1995. Sua ideia é originária de Quito, a partir dos desdobramentos do terremoto que atingiu a cidade equatoriana em 1987. Antecedentes do Monumenta datam das décadas de 1960 e 1970, no qual se tinha um movimento de arquitetos modernistas no trabalho de preservação do patrimônio arquitetônico e artístico de tradição luso-brasileira - ideias pioneiras formuladas ainda na época do Estado Novo. A renovação de pensamento vem anos depois a partir de consultores da UNESCO, que ampliam o debate teórico acerca da noção de patrimônio cultural, e buscando articular a política de preservação com o desenvolvimento econômico. De forma colateral à atuação do SPHAN, na década de 1970, surgem projetos que visam ampliar a noção de patrimônio, abraçando o patrimônio imaterial e o saber popular e com objetivo de envolver as três esferas: União, estados e municípios. Dentre esses projetos, podemos destacar o já citado Programa das Cidades Históricas - PCH e o Centro Nacional de Referência

Cultural - CNRC. De certa maneira, o Programa “foi concebido [...] como um instrumento capaz de criar referências para uma prática de gestão sustentada do patrimônio cultural brasileiro” (BONDUKI, 2010, p.23).

Em termos financeiros, o Programa investiu cerca de 125 milhões de dólares (aporte financeiro superando em quase 8 vezes o do PCH) em intervenções relacionadas a obras e documentação, difusão, educação patrimonial e fortalecimento de órgãos de proteção. A intenção básica das ações do Programa era de “criar consciência sobre a importância da preservação e da memória”, como escreve Bonduki (2010, p. 24). Ainda segundo o autor, a atuação do Monumenta não foi linear ou homogênea, mas esteve no entremeio da visão neoliberal (atividades econômicas voltadas e fomentadas ao mercado) e às práticas de uso cotidiano dos moradores. Dessa maneira, o projeto teve uma atuação flexível, no qual as duas visões tiveram espaço para se desenvolver. A idealização do Programa vem para contrariar a ideia, até então vigente no país, de “tutela paternalista” sobre os bens tombados, em seu máximo sentido de proteção, excluindo-os dos processos econômicos e da dinâmica urbana.

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