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Para grandes males, (muitos) pequenos remédios - Bruno Horta Soares

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Legislação

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Para grandes males, (muitos) pequenos remédios

correta análise à divisão de competências entre as diferentes instituições para a regulamentação desta matéria e o Programa Nacional de Segurança. Hoje, a principal questão levantada mantém-se: a remissão prevista no número 2 do artigo 19.º remete para a aprovação de um regulamento sobre requisitos de formação e certificação que continua sem ver a luz do dia. Desta forma, temos uma necessidade de mercado identificada, temos uma correta alocação de responsabilidades entre partes interessadas, será um problema de falta de regulamentação ou de posicionamento de entidades? Cremos ser possível excluir a primeira hipótese, pois não consideramos que a falta de publicação deste regulamento seja, por si, razão suficiente para a não aprovação pela Autoridade Nacional de Aviação Civil do uso de equipas cinotécnicas. Vejamos, os requisitos de formação e certificação dos cães detetores de explosivos (CDE) em Portugal são os previstos no ponto 12.9 do Regulamento de Execução (CE) 2015/1998 da Comissão. O seu uso está dependente da prévia certificação pela Autoridade, como previsto no ponto 12.9.1.7. No que diz respeito aos critérios de certificação, a lacuna é preenchida através da Decisão de Execução C (2025) 8005, de 16 de novembro, da Comissão. Este diploma, por se tratar de matéria de segurança, é de acesso restrito e como tal o cumprimento do mesmo deverá ser aferido junto da Autoridade. Posteriormente, é a relação entre custo da certificação, oportunidade e existência de mercado que ditará a sua utilização e execução. Desta forma, a certificação para o uso de equipas cinotécnicas na inspeção de carga aérea no transporte aéreo civil não está impossibilitado por falta de aprovação pela Autoridade, sendo possível o desenvolvimento de um programa de treino e certificação. O que encontramos na realidade é, como em várias outras áreas, falta de colaboração ativa entre partes interessadas com vista a aproximar todos os interessados. No cenário de economia neoliberalizada que vivemos, os agentes governamentais não podem viver presos a uma definição antiquada da palavra “autoridade”; precisam, também eles, de ser motivadores e facilitadores dos agentes económicos para que estes consigam oferecer o melhor serviço possível, especialmente aqueles que não se encontram presos sob contratos de concessão - só assim é possível desenvolver e melhorar o serviço prestado. As férias de verão são um bom momento para pensar em grandes problemas, assim podemos passar o resto do ano em busca de pequenas soluções para os resolver. Entre mergulhos no mar ou depois de um pires de caracóis, esta poderá ser a melhor altura para pensar em quais serão as “grandes apostas” que se devem começar a considerar agora e que terão um impacto relevante nas cadeias de abastecimento nos próximos anos. Deixo aqui algumas pistas que poderão ajudar à reflexão:

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1. A importância dos ecossistemas de indústria – Apesar dos conceitos de cadeia de abastecimento e de ecossistemas empresariais não serem exatamente a mesma coisa, podem e devem ser analisados em conjunto. As cadeias irão funcionar como um subconjunto tático/operacional de ecossistemas de indústria mais alargados onde a colaboração a montante e a jusante - facilitada por plataformas digitais desenvolvidas com recurso a tecnologias cloud - permitirá a inovação das ofertas de fornecedores, a evolução das capacidades dos parceiros e uma maior satisfação dos requisitos dos utilizadores finais. Os ecossistemas de indústria facilitarão o acesso e partilha de conhecimento e de tecnologias, mas talvez o principal recurso a ser partilhado nos próximos tempos seja o talento, pois só assim será possível dar resposta à escassez de competências e suportar operações cada vez mais digitais.

2. Dados e automação - Quando questionados sobre o que irá impulsionar a diferenciação entre cadeias que são apenas boas versus as que são muito boas, a resposta dos fabricantes é sempre a mesma: “As cadeias que melhor utilizarem os dados disponíveis serão mais resilientes e terão melhor desempenho do que as que não o fazem ou não podem fazer”. É óbvio que as cadeias onde as decisões são tomadas com base em conhecimento gerado por dados obterão melhores resultados do que aquelas onde as decisões continuarão a ser tomadas de forma intuitiva e com base em experiências passadas. A quantidade de dados disponíveis ao longo das cadeias que não são utilizados continua

i“Indicadores da competitividade regulamentar do transporte aéreo em Portugal” Bruno Horta Soares Assessor, Consultor e Auditor em Governance, Estratégia, Transformação Digital e Cibersegurança

Para grandes males, (muitos) pequenos remédios

a ser significativa. Apesar de se prever que a utilização de dados cresça quatro vezes entre 2022 e 2025, enquanto a geração de dados apenas duplicará, o “fosso” entre dados utilizados e não utilizados ainda deverá crescer quase 80%. Também aqui os dados poderão ter um papel determinante na resposta à escassez de talento, funcionando como matéria-prima essencial para a utilização de tecnologias analíticas, cognitivas e de automação.

3. Sustentabilidade – Para não perderem tempo, muitas empresas - talvez até a maioria - gerem os seus esforços de sustentabilidade com programas centralizados, supervisionados por “Chief Sustainability Officers” locais. Pode ser um bom começo, mas rapidamente deixará de ser suficiente. Para que os esforços de sustentabilidade façam verdadeiramente a diferença, as soluções terão de ser cada vez mais integradas nos ecossistemas. Não será suficiente exaltar “virtudes verdes”; a sustentabilidade terá de tornar-se parte do ADN das cadeias. Já agora, estudos indicam que os temas relacionados com a sustentabilidade M também são cada vez mais fatores determinantes na contratação e gestão de talento!

4. Do custo para a velocidade - A deslocalização da produção para beneficiar de assimetrias de custos laborais deixou de ser tão atrativa, mas ainda assim persiste. No entanto, com cadeias cada vez mais impactadas por restrições de recursos, pode ser K necessária alguma modificação dos modelos de deslocalização de trabalho/custos/ativos. É ingénuo sugerir que os custos não são importantes. O custo dos bens vendidos e as margens brutas resultantes são fundamentais para o sucesso da maioria das empresas, mas as margens mais atrativas no papel podem não pagar as contas se não se conseguir obter os abastecimentos de que se necessita. O foco na velocidade, e a capacidade de ser resiliente a ruturas a montante e a jusante das cadeias, será um importante motor do desempenho empresarial nos próximos anos.

Conhecer e entender os principais desafios de contexto continua a ser uma das competências mais críticas para os líderes dirigirem as suas organizações. No entanto, ao contrário do que diz a sabedoria popular de que “para grandes males, grandes remédios”, a complexidade do contexto e a magnitude dos “males” do presente e do futuro levam a que as organizações tenham cada vez mais de adotar abordagens mais ágeis e tomar muitos “pequenos remédios”. Esse talvez seja, na verdade, o principal “princípio ativo” para que as organizações sejam cada vez mais resilientes. Boas reflexões e boas férias!

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