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A Responsabilidade para além do Contrato de Adesão - Pedro Carvalho Esteves

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Legislação

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A Responsabilidade para além do Contrato de Adesão

É amplamente sabido que o Direito é o conjunto de normas que, dotadas de coercibilidade, regulam os comportamentos dos Homens em sociedade. Sem Direito, os Homens organizar-se-iam de forma selvática, tal como acontece com os demais animais, em que o mais forte dita a regra do momento e os demais ou se transformam em mais fortes ou pura e simplesmente capitulam. Neste momento, alguns leitores expressam as suas subtis risadas, sendo possível presumir o teor de alguns comentários. O primeiro de todos é que, mesmo com o Direito, os mais fortes prevalecem: são mais fortes os que tendo dinheiro impõem o poder; os que estão nos lugares cimeiros da política e, então, com sorrisos e muita cortesia, impõem as suas vontades por meio da força política – que também é uma forma de força… E, por aí em frente. Apesar de eventuais juízos de caráter, dúvidas não restam quando se diz, convenientemente, que quer o Direito quer os Tribunais cá estarão para apreciar e julgar. Na praxis comercial hodierna, a força reveste-se de leveza, quando levíssimas folhas de papel transportam pesados e onerosos contratos que mais parecem montanhas em peso e masmorras em agonia. Um contrato tanto pode ser uma coisa airosa como um espartilho. Falamos, portanto, da força contratual. A Atividade Transitária é, pois, uma atividade essencialmente voltada para os serviços, alavancada na economia e estribada em contratos. Ganha, assim, quem tiver maiores recursos financeiros e melhores juristas para desenhar os seus contratos – aqui, outra vez, a força do capital a constranger o capital humano. Enquadram-se no exemplo uma pequeníssima parte dos operadores que, consabidamente, dominam as operações lucrativas, as mais das vezes em relação de grupo com os seus clientes. Existem, na sua maioria, concorrentes que, apelando à muito satisfatória capacidade comercial e veleidade operacional, conseguem seduzir os seus clientes, criando relações comerciais fortes, empáticas. Aqui, as relações interpessoais sobrepõem-se às forças acima veiculadas. E é esta a força que nos traz fraquezas. Ao contrário do ávido empresário calculista que investe mais em Advogados do que em whiskey e que faz contratos à medida das necessidades do momento, aqueloutro investe nas relações interpessoais descurando os contratos e colocando-se na mão de contratos de adesão pré-aprovados. Quem será mais vulnerável? Apreciaremos. Resulta do Art. 17.º do Decreto-Lei n.º 255/99 de 7 de Julho, na sua atual redação, que “as empresas transitárias e a parte ou partes a que respeita a relação jurídica de prestação de serviços podem contratar por instrumento negocial específico ou por adesão às condições gerais de prestação de serviços das empresas transitárias, sem prejuízo do estabelecido na legislação que regulamenta a validade e eficácia das cláusulas contratuais gerais”. Daqui resulta que os transitários podem negociar e firmar as vontades de duas formas distintas: ou através dos contratos individualizados; ou com recurso à adesão às condições gerais de prestação de serviços. Nascem aqui os problemas de grande monta. No primeiro caso, um contrato específico ou tendencialmente específico terá o inconveniente de ser pesado, lento e altamente negociado, o que o torna moroso. Já o segundo está pré-feito, é estabilizado no tempo, as regras são conhecidas, logo, é rápido, leve… E cheio de lacunas. Não quero com isto derreter o modelo, que já o li e apreciei, com o qual concordo, mas que me deixa muitas reservas. Uma delas prende-se com os Deveres de Informação. Desde logo, o Artigo 15.º - Outras obrigações do transitário – “O transitário só se obriga a promover trâmites ou formalidades junto das entidades competentes que expressamente lhe sejam solicitadas pelo cliente; em qualquer caso o transitário não responderá pelos prejuízos que possam resultar do indeferimento ou de demoras daquelas entidades ou de insuficiências nos elementos que, para o efeito, lhe tenham sido fornecidos pelo cliente.”, e o Artigo 22.º - Limitação da responsabilidade – “1) O transitário responde perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem haja contratado. 2) A responsabilidade do transitário resultante dos contratos celebrados é limitada pelos montantes estabelecidos, por lei ou convenção, para o transportador a quem seja confiada a execução material do transporte, salvo se for convencionado pelas partes outro limite. 3) Em qualquer caso, a responsabilidade do transitário não será superior ao valor real do prejuízo ou ao valor dos bens ou mercadorias, se este for inferior”. Nos termos das “Condições Gerais de Prestação de Serviços Pelas Empresas Transitárias”, aprovadas pela APAT em 22 de Outubro de 2000 e aplicáveis por força do Dec. Lei 255/99 de 7 de Julho, o transitário não está obrigado a nada mais para além do que estritamente resulte do Art. 15.º da Condições, supra menciona-

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Pedro Carvalho Esteves Advogado (maritimista) PMCE ADVOGADOS pedro.carvalho.esteves@pmce.pt

do. Vejamos, então, o seguinte exemplo: ao transitário é adjudicado o trânsito de uma mercadoria específica, do ponto A para o ponto B. No destino existem regras específicas de introdução das mercadorias no seu território, estando sujeita a informação com mais de 24 horas ETA sobre a mercadoria, seu proprietário, componentes, códigos de segurança, destino final, comprador, etc.. O expedidor, que contratou o transitário, desconhece – porque não sabe nem tem de saber – estes procedimentos. O transitário sabe e conhece, mas nada diz sobre isso. Ou seja, não alerta, não informa e nada faz. Tudo ao abrigo do Art. 15.º das Condições. A carga chega ao ponto B e fica retida por ausência de formalidades essenciais. O expedidor acumula prejuízos. O cliente do expedidor quebra o contrato com justa causa. Quid Iuris (ou, O que é de Direito?) Numa primeira abordagem, a responsabilidade do transitário está excluída. Mas, numa peneira constata-se que a responsabilidade contratual é omissa quanto aos deveres de informação. Assim, partimos para a responsabilidade extracontratual. E aqui encontramos o Art. 485.º, n.º 2 do Código Civil: “A obrigação de indemnizar existe, porém (…) quando havia o dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar. (…)”. E, no nosso exemplo, o dever jurídico de dar conselho, recomendação ou informação existe, e o facto de não o dar revela negligência. Por via disso será o transitário constituído na responsabilidade de indemnizar os danos que a sua negligência tenha ocasionado ao expedidor e ao cliente deste. É que, se por um lado as obrigações contatuais são limitadas, e prescrevem ao cabo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada, a responsabilidade civil extracontratual nos termos do Art. 485.º, n.º 2, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso. Portanto, na hora de optar, opte pela segurança e não pela facilidade. Aposte nas relações interpessoais, mas também na segurança contratual e não diga não à complexidade contratual – é que, quando fica tudo “preto no branco” é muito mais fácil dirimir os litígios com bom senso e sem recurso aos tribunais, do que optar pelos tribunais, bem sabendo do senso comum que a morosidade só beneficia a contagem dos juros e nunca a paz que se impõe. Sobre celeridade, vale a pena pensar na Arbitragem Voluntária. Esta via de resolução dos litígios, mais prática e menos morosa é uma boa via para agilizar os processos, prevenindo a escalada da desavença e permitindo às Economias florescer. Falarei sobre a Arbitragem no próximo número desta Revista APAT.

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