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Escondidas pelo organograma João Paulo Feijoo
from Edição 136
by Apat
Escondidas pelo organograma
Num mundo em transformação exponencial, com novos operadores e novas soluções tecnológicas a surgirem todos os dias e com as preferências dos clientes sempre a mudar, as empresas estão condenadas a inovar permanentemente, sob pena de desaparecerem. A inovação não resulta do acaso de um ou mais “momentos eureka!”. Exige uma cultura e uma estrutura organizacionais capazes de suportar o lançamento de múltiplos projetos, alguns deles em simultâneo, todos eles apostas de risco perante a complexidade dos problemas e todos urgentes para não perder a janela de oportunidade. Por outras palavras, inovar exige a mobilização de equipas multidisciplinares capazes de desenvolver soluções eficazes para problemas complexos o mais rapidamente possível. Os membros destas equipas provêm das diferentes áreas funcionais e trazem consigo o leque de conhecimentos e competências necessários para abranger todas as facetas do problema. Por exemplo, o desenvolvimento de uma app para os clientes de um serviço de transportes pode juntar numa mesma equipa de projeto técnicos do planeamento, da logística, do customer service, da tesouraria, do marketing, etc.. Para cumprirem este papel, precisam de funcionar como “verdadeiras equipas” – “um pequeno grupo de indivíduos com competências complementares, unidos por um propósito comum, comprometidos com os mesmos objetivos, e mútua e solidariamente responsáveis pela sua concretização” –, em contraponto a outras pseudoequipas em que a diversidade de competências e de contributos está ausente ou em que cada membro tem objetivos próprios e é pessoalmente responsável por eles. A generalidade das empresas ainda não adotou plenamente este modelo transdisciplinar e continua a operar com base em “silos funcionais” estanques que não comunicam uns com os outros, adaptados a processos repetitivos e recorrentes e a ambientes de negócio estáveis. Mas a realidade tem muita força e às tantas duas áreas funcionais contíguas lá vão começando a conversar entre si para tentar resolver uma questão que afeta ambas, depois junta-se-lhes uma terceira, e passado um bocado temos uma equipa informal, espontânea, surgida para resolver problemas que pela sua natureza precisam de um contributo transdisciplinar. Ciente desta génese informal de muitas equipas, a Cisco Systems – um gigante mundial de equipamentos de telecomunicações – decidiu investigar a incidência deste fenómeno e pediu a um dos seus quadros, Ashley Goodall, que liderasse essa investigação (com o sugestivo título de Senior Vice-President, Leadership and Team Intelligence). Em “Nine Lies About Work” (2019), escrito em coautoria com Marcus Buckingham, Goodall relata as conclusões da sua investigação: 15 mil equipas (contagem não fechada) numa multinacional com 140 mil trabalhadores, 40% acima do que ele tinha inicialmente estimado (pois a Cisco Systems, como boa filha de Silicon Valley, não era propriamente acanhada na criação de equipas transdisciplinares como motores de inovação). Estas equipas tinham na sua grande maioria um caráter temporário, ligado à duração de um projeto, e muitas não eram reconhecidas na estrutura formal do conglomerado. Incitados por este resultado, Goodall e Buckingham decidiram investigar se este fenómeno era específico de grandes empresas ou afetava também as PME. E de facto, afetava – em menor grau, mas qualitativamente análogo: nas empresas com 150 ou mais trabalhadores, 82% estavam inseridos em pelo menos uma equipa e 72% em duas ou mais equipas; nas PME (menos de 150 trabalhadores) estas percentagens, embora inferiores, ainda eram apreciáveis – 68% e 49% respetivamente. Perante estes resultados, é inevitável concluir que os organogramas das empresas são cada vez mais peças decorativas sem correspondência com o que se passa na vida real, felizmente mais animada e mais orgânica que o seu cartesiano retrato a régua e esquadro. O problema é que esta discrepância tem pesadas consequências na gestão das pessoas, que continua a tomar como único objeto o trabalhador individual e o seu desempenho, como se cada posto de trabalho funcionasse de forma autónoma e independente. Ora, quando o trabalho é exercido no contexto de uma equipa, o seu resultado torna-se difícil de individualizar, pois o desempenho não depende apenas do “mérito” individual mas sim da interação entre os vários membros da equipa; tão pouco é sempre claramente visível: um contributo pode ser extremamente discreto e ao mesmo tempo ter uma importância vital para o resultado coletivo. Nestas circunstâncias, insistir numa análise exclusivamente individualizada dos desempenhos introduz um enviesamento que pode levar a grandes injustiças e a decisões desajustadas do que seria aconselhável em matéria de desenvolvimento, de recompensa ou de carreira. Os treinadores de desportos de equipa têm uma aguda noção desta dificuldade e procuram equilibrar a indispensável atenção devida a cada atleta com o constante foco nos resultados coletivos, nos comportamentos de entreajuda e nos fatores interindividuais que os suportam, como a confiança recíproca. Um domínio (entre outros) em que as empresas muito poderiam aprender com o mundo do desporto! Na sua empresa, tem alguma equipa escondida pelo organograma?
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João Paulo Feijoo Professor, consultor, investigador e conferencista nas áreas de Capital Humano, Liderança e Qualidade