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Transportadores marítimos – concorrentes leais? - Pedro Carvalho Esteves
from Revista APAT 133
by Apat
Transportadores marítimos – concorrentes leais?
O desenvolvimento de práticas comerciais leais é essencial para assegurar a confiança dos consumidores no mercado, para garantir a concorrência e para promover o desenvolvimento de transações comerciais transfronteiriças. A Economia, cada vez mais global, busca nos transportes transnacionais (aqueles que, por variadíssimas razões, tocam vários ordenamentos jurídicos, lançando desafios constantes à ciência do Direito) a sua via de crescimento. São os transportes de mercadorias o motor da economia global, uma vez que são estes que permitem a deslocação dos bens de um ponto para o outro, aumentando as exportações e permitindo o escoamento de bens produzidos, criando riqueza. É do conhecimento geral que aproximadamente 90% das mercadorias que circulam a nível mundial o fazem com recurso ao transporte marítimo. É igualmente sabido que navegam diariamente uns milhares de navios de carga. Olhando para a organização de mercado, verifica-se que a concorrência é mais forte nos afretamentos e tendencialmente mais concertada nas linhas regulares. Isto dá-se porque nos primeiros a negociação é feita ponto-por-ponto, as mais das vezes com recurso a shipbrokers; e nos segundos (tendencialmente) inexiste qualquer negociação, uma vez que se recorre a contratos de adesão com condições gerais de serviço e preços tabelados. Todavia, tal não impede de dizer que existe concorrência – “feroz” – nas linhas regulares, o que por si pode originar práticas “concorrenciais” desleais. O “negócio” do Shipping é um negócio de capital intensivo. A aquisição de navios ou o seu afretamento, a operação desses navios e a sua exploração, são utilizadores de elevadas quantias de dinheiro, o que origina a necessidade dos operadores se agruparem através de consórcios. Estas operações de enforcement empresarial – visando a otimização económica das empresas – possuem a virtude de gerar valor económico com riscos compartilhados. Mas, pelo facto de os operadores de linhas regulares serem “poucos”, tal concentração acabará por distorcer a concorrência. Assim, de forma simplista, exemplificar-se-á da seguinte forma: três armadores deficitários exploram determinada rota. Para tornar o negócio atrativo, os três unem-se e passam a explorá-lo em conjunto. O consórcio otimiza os recursos; o cliente fica entregue à falta de opções, pagando o que lhe pedirem, sem concorrência. A concorrência – livre – é um dos pressupostos do Mercado Comum. Daí que todas as operações que visem reduzir a concorrência são fiscalizadas e interditas pela Comissão Europeia e, no plano interno, pela Autoridade da Concorrência. Acontecem casos em que a própria Comissão propõe e autoriza, de forma limitada no tempo, a possibilidade de estabelecimento de consórcios com distorção da concorrência, sempre que o Mercado a isso aconselhe. Estas limitações da concorrência – pela via da concentração de operadores – são, em si mesmas, limitadas; ou seja, não podem colocar o Mercado em manifesta desproteção do consumidor. Por outro lado, o facto de serem permitidos, a título excecional, consórcios destorcedores da concorrência, a muito obriga que as instâncias formais de controlo – Comissão, Autoridade da Concorrência – tenham especiais cautelas no modus operandi desses consórcios, impondo-se sanções “anti-abuso”. Se não estão a ser aplicadas, deviam estar! O exercício do comércio faz-se por sujeitos profissionais, organizados em empresas, dotados de competência técnica, recursos humanos e meios bastantes para promover a transação de determinados “produtos” – entendendo-se, aqui, “produtos” como quaisquer bens ou serviços – junto de outros profissionais ou
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Pedro Carvalho Esteves Advogado (maritimista) PMCE ADVOGADOS pedro.carvalho.esteves@pmce.pt
…o facto de serem permitidos, a título excecional, consórcios destorcedores da concorrência, a muito obriga que as instâncias formais de controlo – Comissão, Autoridade da Concorrência – tenham especiais cautelas no modus operandi desses consórcios, impondo-se sanções “anti-abuso”. Se não estão a ser aplicadas, deviam estar!
consumidores finais que daqueles produtos, em princípio, careçam. Diz-se “em princípio”, pois não raros são os casos em que as técnicas comerciais são de tal forma agressivas que induzem o cliente a adquirir o que precisa, o que necessita, e também o que não precisa, não necessita e que acabará por sobrar. Aqui, poderemos, pois, encontrar os transportadores marítimos - operadores de linhas regulares – que, através das técnicas de vendas, conseguem estar na linha-fronteira que separa a prática comercial leal da prática comercial desleal. Veja-se, pois, o seguinte caso prático: a companhia A, que opera uma linha regular para o Panamá, no sentido de aumentar as suas vendas decide oferecer descontos colossais. Tal prática consegue motivar os habituais carregadores para aquele destino a trocar a companhia X por aquela. A linha operada pela companhia A é financeiramente deficitária, mas porque incluída numa companhia que explora linhas altamente lucrativas, acaba por ter os seus resultados sempre positivos. Já, por sua vez, a companhia X fica de tal forma depauperada que acaba por extinguir aquele serviço regular. A companhia A, agora operadora única daquela rota, aumenta os preços para valores nunca vistos, e mais caros do que os que eram praticados pela companhia X. Neste caso, estamos perante distorção da concorrência ou práticas comerciais desleais? Adianto a resposta – ambas! Sabemos que o Direito da União Europeia possui dois grandes instrumentos legislativos: os Regulamentos - que são de aplicação imediata a todos os países da União Europeia (p.ex. o Regulamento Geral da Proteção de Dados); e as Diretivas - destinadas a algum ou alguns países, e que para entrarem em vigor nos ordenamentos jurídicos internos têm que passar por um processo de transposição, ou seja, adaptando as diretivas às regras internas de cada estado-membro destinatário. Chegados aqui, apreciemos a legislação nesta matéria. A Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores do mercado interno (e que alterou um conjunto de outras normas comunitárias) foi transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 57/2008 – também este já com duas alterações. Estas regras visam prevenir a distorção da concorrência e acautelar os interesses dos consumidores diretos e indiretos.
PORTUGAL CONTINENTAL, AÇORES, MADEIRA, ESPANHA, CABO VERDE E GUINÉ-BISSAU
- MAIOR SHIPOWNER PORTUGUÊS NA LISTA ALPHALINER DOS 100 MAIORES DO MUNDO - ÚNICO GRUPO EMPRESARIAL PORTUGUÊS A INTEGRAR O CONSÓRCIO MULTINACIONAL QUE OPERA O TERMINAL DE CRUZEIROS DE LISBOA - MAIOR OPERAÇÃO LOGÍSTICA DE GNL, NO ATLÂNTICO, ASSEGURANDO O ÚNICO GASODUTO VIRTUAL NA MACARONÉSIA
TRANSPORTE DE CARGA TRANSPORTE MARÍTIMO DE PASSAGEIROS ENERGIA


‣ TRANSPORTE MARÍTIMO
SHIPOWNER
OPERAÇÃO PORTUÁRIA
SERVIÇOS DE REBOQUE
AGENTES DE NAVEGAÇÃO
SHIPMANAGEMENT ‣ LOGÍSTICA INTEGRADA PLATAFORMAS LOGÍSTICAS TRANSITÁRIOS TRANSPORTE TERRESTRE MANUTENÇÃO ‣ NAVIO FERRY ‣ UNIDADES HOTELEIRAS ‣ AGÊNCIA DE VIAGEM ‣ TERMINAL DE CRUZEIROS ‣ GASODUTO VIRTUAL DE GÁS NATURAL ‣ UNIDADE AUTÓNOMA DE GÁS (UAG) ‣ PARQUE EÓLICO ‣ PARQUE FOTOVOLTAICO
Enquadrado juridicamente o que será o presente artigo, centremo-nos nos atos que configuram “práticas comerciais desleais” e nos “Códigos de Conduta”. O art. 5.º da mencionada Diretiva dispõe que uma prática comercial é desleal se for contrária às exigências relativas à diligência profissional, e se distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou afeta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores. Em especial, são ainda desleais as práticas comerciais enganosas ou as que sejam agressivas. Já no plano interno, o DL n.º 57/2008 estabelece uma proibição geral única das práticas comerciais desleais, que distorcem o comportamento económico dos consumidores e aplica-se às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, que prejudica diretamente os interesses económicos dos consumidores e indiretamente os interesses económicos de concorrentes legítimos. A indicada proibição geral verifica-se antes, durante e após qualquer relação contratual. As ações enganosas são todas aquelas que contenham informação falsa, ou que mesmo sendo verdadeira induza o consumidor em erro ou seja suscetível de o induzir em erro, sendo aplicável entre empresas e particulares e entre empresas e empresas. É agressiva toda a prática comercial que limite ou seja suscetível de limitar a liberdade de escolha e conduza a uma tomada de decisão que não tomaria caso não estivesse sob pressão das circunstâncias. Por força do n.º 2 do art. 2.º do DL n.º 57/2008, estas normas aplicam-se às relações entre empresas nas ações enganosas, na aceção do n.º 3 do art. 7.º. Assim, nas relações entre empresas é enganosa a prática comercial que contenha informação falsa ou que, mesmo sendo factualmente correta, por qualquer razão, induza em erro ou seja suscetível de induzir em erro em relação aos elementos identificativos do serviço e que, dessa forma, levem a empresa a contratar quase que por impulso. Por último, existem ações consideradas sempre enganosas em qualquer circunstância como, de resto, dispõe o art. 8.º do DL n.º 57/2008 - centremo-nos na alínea a) dessa norma: “afirmar ser signatário de um Código de Conduta, quando não o seja.”. Um Código de Conduta é um acordo ou conjunto de normas não impostas por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, que define o comportamento de profissionais que se comprometem a ficar vinculados pelo Código no que diz respeito a uma ou várias práticas comerciais ou setores de atividade específicos. Do conteúdo mínimo do Código de Conduta não poderão resultar diferenças com as normas imperativas – que não podem ser afastadas por vontade das partes, sendo, portanto, normas imperativas - relativas à Responsabilidade Civil – pela qual o consumidor ou empresa (nos limites já abordados) sentindo-se lesado pelas práticas comerciais desleais de outro operador de mercado tem o direito de ser ressarcido pelos danos que tenha sofrido, nos termos gerais da Responsabilidade Civil, prevista nos art. 483.º e seguinte do Código Civil. Também, por acordo, não se poderá limitar o Direito de Ação – uma vez que aos consumidores e às empresas concorrentes que na ação inibitória demonstrem ter um interesse legítimo, com vista a prevenir, corrigir ou fazer cessar as práticas abusivas. Ainda, na senda do Direito de Ação, não poderá por via do Código de Conduta ser o sujeito que demonstre ter um interesse legitimo em exercer o Direito de Ação, e pela mesma via, pedir a determinação de medidas cautelares. Por última, por via dos Códigos de Conduta não podem ser limitadas ou até excluídas as responsabilidades contraordenacionais, impostas e imperativas por efeito de norma emanada de órgão legislativo constitucionalmente competente. Concluímos, assim, por dizer que a regulação do mercado – autorregulável de per si – não está nem pode estar (ou não deveria estar…) sujeita à “Lei da Selva”, e para que a “Lei de Murphy” não se harmonize com uma eventual hecatombe dos princípios enformadores do Mercado Único, pugnando-se assim pela livre prestação de serviços de transportes marítimos, em ambiente de saudável concorrência, beneficiando-se o emprego e o crescimento comum, sem atropelos às justas expectativas dos interessados no transporte marítimo.
