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“O hospital do futuro vai funcionar como o ponto central de uma rede que garante os cuidados de saúde mais adequados”
from Revista "O Hospital" | Nº 33
by APDH
Qual a importância da realização, em Portugal, do 46º Congresso Mundial dos Hospitais (da Federação Internacional dos Hospitais), em outubro próximo?
Em outubro Portugal será a capital mundial dos hospitais. Todos os olhos estarão voltados para cá e esperamos ter em Lisboa 1.500 especialistas de hospitais de todo o mundo: gestores, profissionais de saúde, académicos, pessoas de IT, da formação, etc., todos estarão cá a discutir a situação atual dos hospitais, as tendências que sentimos e as novas respostas que procuramos.
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Portugal é unanimemente reconhecido como um país que recebe bem e tem já tradição na organização de grandes eventos. A organização do 46º Congresso Mundial dos Hospitais em Lisboa será mais uma prova de que somos um destino de confiança e no qual se cria ambiente propício a debates abertos e profícuos.
Em termos de futuro, a realização do Congresso mundial em Lisboa permitirá que muitos mais portugueses possam participar num evento global e assim reforçarem network, partilharem as suas práticas e envolverem-se nas discussões mais atuais sobre o setor da saúde e, em especial, os hospitais. No fundo, todos esperamos que também o sistema de saúde português possa tirar proveito dos trabalhos e conclusões que saírem deste congresso, em termos de melhoria de acesso, eficiência, gestão de recursos humanos e sustentabilidade.
Quais as temáticas que considera mais relevantes a serem discutidas neste encontro maior dos hospitais e porquê?
Muitos dos diagnósticos estão feitos, são comuns à generalidade dos hospitais e temos de encontrar soluções. A maioria dos problemas não são do hospital A ou do hospital B, do setor privado ou do setor público. Para além de questões macro que envolvem decisões políticas, como sejam a do acesso e instrumentalmente do financiamento, há temáticas estratégicas e de gestão decisivas. Diria que a mais óbvia prende-se com a atração e retenção de recursos humanos, dado que o aumento da procura de cuidados de saúde tem que ser satisfeito e já hoje sentimos escassez. A motivação e o papel das lideranças são essenciais. Por outro lado, a atenção do doente e eficiência do sistema exige que pensemos a articulação entre serviços e respostas e reforcemos a importância da prevenção e da análise do ciclo de vida.
Um elemento que causa alguma apreensão, mas que tem um enorme potencial na saúde, é o da transição digital, seja no diagnóstico e tratamento, seja na gestão ou no modelo das instituições. Estamos numa fase de profundas e aceleradas mudanças e temos de perceber o que está em causa e como podemos colocar o digital como ferramenta dos grandes desideratos da saúde (acesso, proximidade, eficiência).
Estou também muito motivado para continuarmos a discutir o papel das instituições de saúde no ambiente e de que forma podemos mitigar as emissões associadas à atividade dos hospitais.
O lema do evento é “Global Learning, Local Action”. Qual a importância desta temática e como vai ser debatida?
A COVID-19 fez a demonstração plena de que a doença não respeita fronteiras pelo que temos de responder com uma abordagem em que a saúde não deixe ninguém para trás. Um Congresso Mundial é o espaço ideal para encontrarmos essas respostas globais, mas também para motivarmos os decisores, todos os decisores, para uma atuação determinada.
Temos países cultural e economicamente muito distintos e há sistemas de saúde também muito diferentes, mas em qualquer dos casos os desafios e os objetivos são similares e quanto mais alinhados estivermos maior o sucesso global que poderemos atingir.
Todos temos a aprender uns com os outros e a “boa” resposta pode não ser igual para todos e ser adaptada à realidade e às necessidades, mas ninguém está fora desta convocatória e cada país, cada sistema, cada organização “tem um papel a desempenhar”, como bem ensina o estudo de antologia da Fundação Calouste Gulbenkian.
Sendo um debate muito virado para um futuro incerto, que papel podem ter os hospitais mundial na definição de regras para um mundo e uma saúde melhor?
Os hospitais tiveram, têm e terão um papel fundamental nos sistemas de saúde e na melhoria das condições de saúde dos cidadãos. O hospital do futuro funcionará como ponto central da rede na qual se estabelecem as interconexões para garantir a prestação de cuidados de saúde nos termos e na forma que forem mais adequados.
O hospital há muito que deixou de ser “apenas” um local para tratar de doentes agudos, fazer cirurgias e ter consultas de especialidade. O hospital moderno tem as competências “tradicionais”, mas cada vez acompanha mais a vida dos seus cidadãos que a ele recorrem. O crescimento dos procedimentos de ambulatório foi um dos primeiros elementos a diluir as paredes do hospital enquanto edifício e que reforçou a ótica do hospital enquanto integrador de serviços de saúde. O conceito (aplicado) de hospitalização domiciliária veio alargar o âmbito de atuação.
Acrescente-se a isto a capacidade de proporcionar a generalidade dos meios de diagnóstico, uma alargada rede capilar de proximidade (clínicas em torno de um hospital de referência).
Com as pessoas a verem o seu hospital como o seu hub de saúde e uma abordagem de ciclo de vida e não tanto de tratamento de doença, também tem crescido de forma muito significativa a medicina geral e familiar nos hospitais.
Os temas que preocupam os responsáveis dos hospitais europeus são os mesmo que preocupam os gestores hospitalares portugueses? Quais?
A convicção que tenho nas reuniões internacionais é que hoje as preocupações e desafios dos hospitais são genericamente iguais para todos, embora com diferentes tons. As questões do efeito da inflação na saúde, da recuperação da atividade pós-COVID e os impactos da guerra na Ucrânia têm sido uma urgência de 2022-2023. Acrescem os temas transversais que se prendem com a falta de recursos humanos na saúde (veja-se a recente Declaração de Bucareste da OMS), com o aumento da procura e o preço crescente das terapêuticas inovadoras, questão intimamente ligada à contratualização e ao acesso. Outra questão presente em toda a Europa prende-se com a articulação entre operadores em cada sistema de saúde, a necessidade de otimizar os recursos existentes e o potencial das parcerias.
A organização que dirige vai ter encontros específicos com os dirigentes internacionais? Com que objetivos?
A APHP especificamente terá um evento de précongresso, no dia 23 de outubro, em que discutirá o valor económico da saúde. Por outro lado, com os colegas da APAH e da APDH teremos uma sessão em português no congresso, tal como já aconteceu no Dubai o ano passado, naquele que será um evento que potenciará o diálogo com colegas dos PALOP e do Brasil. Na componente da hospitalização privada estamos a trabalhar com a nossa associação europeia, a UEHP, no sentido de que os nossos congéneres possam vir a Portugal e reforçarem a voz dos hospitais privados na partilha de experiências e identificação dos pontos dos sistemas de saúde a melhorar.
Como está a correr o trabalho entre as três associações responsáveis pela organização do evento em Portugal (APDH, APAH e APHP)?
Uma das vantagens que a organização do Congresso Mundial dos Hospitais já trouxe para Portugal foi colocar-nos a dialogar e a construir um projeto comum.
Trata-se da primeira vez em que o WHC é coorganizado por um Consórcio de três Associações de Saúde e este nível de articulação permitiu-nos apresentar a candidatura portuguesa como verdadeiramente nacional e agregadora. Sempre considerámos que este evento é uma oportunidade para refletir sobre os temas de relevo para os hospitais, todos os hospitais, e o seu papel nos sistemas de Saúde.
A APDH, a APAH e a APHP estão a trabalhar de forma dedicada e articulada entre si, trazemos diferentes experiências e pontos de vista e isso enriquece a discussão e reforça Portugal como um player de relevo, diria mesmo exemplar, em termos de hospitalização.
Podem já desvendar algumas ideias que vão ser relevantes neste encontro e que podem fazer a diferença para o futuro dos hospitais em todo o mundo?
Ainda é cedo. Este não é um congresso com conclusões definidas, é um congresso que será o que os seus participantes quiserem que seja e por isso é tão importante para nós que haja muitos participantes e muita participação. Dito isto e conhecendo o setor, tenho expetativa que possamos ter recomendações muito claras e robustas sobre:
O ecossistema hospitalar como atrativo para a realização pessoal e profissional;
A redução das emissões e a consciência da economia circular no âmbito da One Health;
A transição digital e, em particular, os registos de saúde eletrónicos e a Inteligência Artificial na Saúde.
Scar Gaspar
Licenciado em Economia (FEP)
Secretário de Estado da Saúde (2009-11)
É presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada e vice-Presidente da União Europeia da Hospitalização Privada (UEHP).
Membro da Comissão Executiva da CIP e membro do Conselho Económico e Social.
Vice-Presidente do Conselho Estratégico de Saúde da CIP, membro do Conselho Nacional de Saúde e do Conselho Nacional de Saúde Pública, dos Conselhos Consultivos do Instituto de Higiene e Medicina Tropical e da Faculdade de Farmácia UL e do Conselho Geral e de Supervisão da Dignitude.
Membro da Direção do Conselho Português para a Saúde e Ambiente e Presidente do Conselho Fiscal do ISBE.
É administrador da Fundação do Gil.