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A VIDA E A MORTE NÃO PODEM DEPENDER DE LEIS
from Revista "O Hospital" | Nº 33
by APDH
A lei que pretende regularizar a Eutanásia, foi aprovada na AR, mas muitos portugueses como eu, não concordam.
Nos meus 45 anos de atividade médica, maioritariamente passados nas enfermarias de Medicina Interna, acompanhei tantos doentes na chamada fase terminal. Atravessei uma época em que os avanços do tratamento analgésico, foram felizmente, enormes.
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Dos muitos doentes que tive, lembro-me de um jovem com um tumor do esófago, que o impedia de se alimentar, e com um quadro álgico terrível. Não tínhamos na altura, terapia analgésica, eficaz para estes quadros. Eu era o diretor de serviço, e juntamente com os enfermeiros e a família do doente, acordámos aquela que achámos na altura ser a melhor solução para o doente.
Entretanto, a Medicina evoluiu, e apareceram os cuidados continuados e paliativos. Onde estes doentes, têm hoje melhores cuidados assistenciais. E equipas médicas e de enfermagem, treinadas para os tratar.
Quem já trabalhou nestes departamentos, sabe que muito raramente um doente, ou as famílias por eles, pedem para morrer. Pelo contrário, todos ajudam, para que se encontre a melhor solução, que acima de tudo, é um trabalho de equipa e de diálogo.
Falar de Eutanásia, não é pensar que com uma lei, os doentes podem pedir para morrer, e as coisas estão resolvidas. E depois de um, são dois e depois são muitos. Os doentes recorrem aos hospitais, para continuarem a vida. Sendo uns casos mais complicados que outros. Mas compete, desde sempre, aos hospitais, dar início à vida dos bebés, tratar das doenças de quem adoece, e conferir dignidade de vida aos idosos, mais doentes, e que por isso acorrem mais vezes, aos cuidados hospitalares.
Não concordo por isso com as posições da deputada Isabel Moreira, sempre presente nestas questões fraturantes e sociais, quando diz que ao aprovar-se esta lei, se cumpriu Abril. Eu estava em Coimbra a estudar, na manhã límpida do 25 de Abril, como disse a poetisa Sophia. Julgo que a deputada em questão ainda nem era nascida. E nessa manhã de todos os sonhos, cumprir abril, eram tantas outras coisas, que não a Eutanásia. E admira-me até, que o PS, partido onde eu próprio militei, não a tenha corrigido.
Salgueiro Maia, o militar que melhor interpretou abril, morreu há alguns anos, vítima de um cancro. Morreu internado, com um quadro terminal e não me consta que, ele sim, não tenha cumprido abril na morte, com a mesma dignidade que teve sempre. Ele que de alguma forma, deu vida e melhorou a vida de tantos portugueses. Como médico, eu penso que não deve haver uma Lei como esta, que a ser implementada, vai com certeza ser alvo de abusos e exageros.
A vida e a morte de cada um de nós, nunca podem depender de leis. Podem e devem depender do que a ciência nos oferece hoje em dia, e do contacto permanente dos médicos e enfermeiros, com cada doente e com as suas famílias.
Por isso eu acho, que esta procissão ainda vai no Adro. Não são as Isabéis Moreiras, a poder liderar estes temas. São naturalmente os doentes, as suas famílias e as equipas de saúde.
Os médicos quando se formam, fazem o juramento de Hipócrates, onde não cabe esta Lei. E porque cada doente, é um caso, como relatei no início deste artigo de opinião, as melhores soluções para cada doente, nascem do diálogo entre os médicos, os enfermeiros, os doentes e as famílias.
Sem precisar de Leis, que não sejam o bom senso, e o diálogo entre todos!
ANA RITA OLIVEIRA GOES
Escola Nacional de Saúde Pública, Centro de Investigação em Saúde Pública, Comprehensive Health Research Center, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa.
FILOMENA BORGES
Associação NOVA Saúde Pública