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Destaque
A ECONOMIA CIRCULAR E A EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
por Nelson Lage, Presidente da ADENE
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“Um alerta vermelho para a humanidade”, disse António Guterres. O limiar do aquecimento global (de + 1,5 graus centígrados) em comparação com o da era pré-industrial vai ser atingido em 2030, dez anos mais cedo do que foi projetado. Na Europa as temperaturas vão subir ainda mais, podendo atingir um aquecimento de 2ºC ou superior até meados do século. O nível das águas do mar também vai subir nesta região do globo. As inundações na costa europeia serão mais frequentes e mais intensas. No Mediterrâneo, vão aumentar os períodos de seca e vai aumentar o risco de incêndios florestais. Estas são descrições que constam do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e que levou o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, a deixar um aviso explícito às nações do mundo: “os países devem acabar com novas explorações e produção de combustíveis fósseis, transferindo os recursos dos combustíveis (fósseis) para a energia renovável. Para muitos, este é o último aviso dos cientistas sobre as consequências irreversíveis para a sustentabilidade do planeta. Se não travarmos já o aquecimento global estaremos a condenar a humanidade a novos desastres sem precedentes. Na reação a este ultimato dos especialistas das Nações Unidas, o Primeiro-Ministro, António Costa, afirmou que o documento confirma as prioridades estratégicas do Governo português: ‘mais eficiência energética e energia renovável; investir na economia circular, no uso eficiente da água e na mobilidade sustentável; reformar a floresta e liderar a agenda dos Oceanos”. Portugal foi o primeiro país do mundo, em 2016, a comprometer-se com a neutralidade carbónica em 2050, e desde então intensificou as políticas de combate às alterações climáticas. Segundo a Comissão Europeia o nosso país é o Estado-membro da União Europeia que está mais próximo de alcançar as metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa até 2030, relativamente aos níveis de 2005. Entre as prioridades nacionais está a economia circular. A razão é simples. Se continuarmos a explorar os recursos
Dr. Nelson Lage
naturais como o fizemos agora, em 2050 necessitaremos dos recursos de três planetas Terra para satisfazer todas as nossas necessidades. Nunca como hoje foi tão evidente que os recursos são finitos e que é urgente passarmos da sociedade do extrair, fabricar e deitar fora, para uma economia neutra em carbono, de prevenção, redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e de energia sustentável. A Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas classifica a economia circular como um tema fundamental da política climática, na medida em que cerca de 67% das emissões de Gases com Efeito de Estufa estão relacionados com a gestão de materiais. Em Portugal, a economia circular representa um desafio para toda a sociedade e deve potenciar a resiliência, a sustentabilidade dos recursos, a inclusão social, a competitividade das empresas, sem deixar de parte a coesão territorial. Ao apostarmos numa economia circular iremos reduzir as emissões de CO2, estimular o crescimento económico e criar novas oportunidades de emprego. A economia circular significa, ainda, desafios como a inclusão, a competitividade e a evolução demográfica da sociedade. O documento-chave da economia circular no nosso país é o PAEC – Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal (2017-2020), que está neste momento a ser revisto, mas também o Roteiro para Neutralidade Carbónica RNC2050 e o PNPOT – Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, são instrumentos relevantes na dinamização desta mudança. A economia circular é também uma prioridade para a ADENE que, em 2017, criou uma parceria com o ISA – Instituto Superior de Agronomia para a concretização do projeto CERTAGRI, que permitiu definir os requisitos necessários para a conceção de um sistema integrado de Rotulagem da eficiência hídrica e energética dos setores produtivos nacionais. Esta abordagem permitiu criar as bases para o desenvolvimento de metodologias de avaliação e classificação de práticas de gestão das empresas orientadas à transição para uma economia circular. O projeto CERTAGRI permitiu, em 2019, estabelecer uma metodologia experimental para a criação de um rótulo para a economia circular, um sistema de rotulagem integrado de eficiência energética, hídrica e do uso de materiais. No final de 2020, a ADENE iniciou o desenvolvimento e operacionalização de um sistema de certificação da economia circular mais abrangente e de aplicação transversal a diversos setores da atividade industrial. Atualmente em fase de conceção e teste, este sistema pretende ir mais longe numa avaliação integrada e baseada numa metodologia de aplicação universal, facilmente adaptável às diferentes fileiras. Contamos, em 2022, lançar este novo instrumento de avaliação que dê ainda maior acessibilidade ao conceito de economia circular e contribua para que o mesmo seja cada vez mais adotado no dia-a-dia das empresas e da sociedade em geral. A ADENE está assim alinhada com esta maior consciência política e social sobre a emergência climática e conscientes da pressão que já se faz sentir. A mudança tem que ser feita em duas frentes: as políticas públicas e as exigências dos consumidores. As empresas que passem a integrar nas suas políticas de gestão a economia circular estarão mais preparadas para a descarbonização do setor industrial e empresarial que é uma das fortes apostas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Portugal tem previsto na chamada ‘bazuca europeia’ 715 milhões de euros para usar até 2027, e mais 304 milhões para promover e apoiar financeiramente as iniciativas da indústria nacional no plano ambiental, com destaque para a implementação de processos e tecnologias de baixo carbono na indústria e a incorporação de fontes de energia renovável e armazenamento de energia. Sabemos que o esforço esperado da indústria e das empresas é gigantesco, pois Portugal só conseguirá atingir a neutralidade carbónica até 2050, se reduzir entre 85% e 90% as emissões de gases com efeito de estufa. Se tivermos em conta que as emissões da indústria representaram em 2018 cerca de 22% das emissões nacionais de gases com efeito de estufa, depressa percebemos que este é, necessariamente, um dos setores de que se espera um importante contributo para cumprir a meta nacional de redução de emissões de 45% a 55% estabelecida no Plano Nacional Energia e Clima (PNEC 2030). Para atingirmos estes objetivos é fundamental apostar nas energias alternativas e renováveis, mas também na eficiência energética, numa estratégia assente na monitorização e redução dos consumos energéticos das instalações, em especial nas consideradas como consumidoras intensivas de energia (CIE). Para isso contribui o Sistema de Gestão dos Consumos Intensivos de Energia (SGCIE) em que a ADENE, enquanto gestor operacional do Sistema, tem um papel fundamental, a par da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), dos operadores que exploram instalações CIE, bem como dos técnicos reconhecidos para a realização de auditorias energéticas. Hoje, tanto as empresas como a indústria estão a desenvolver projetos inovadores e de cooperação que buscam soluções eficientes integradas que abarcam a água, energia e
resíduos, numa abordagem ambiciosa, responsável e sustentável. Os dados recolhidos pela ADENE, no âmbito do SGCIE, indicam que há razões para otimismo. Em 2020, o número de novas instalações registadas no Sistema perfaziam as 1.286, o que significa que, desde 2008, o número de registos por ano ronda as 75 novas instalações. A indústria lidera os novos registos com 85% das novas instalações do SGCIE, sendo que 60% destas instalações estão registadas nos distritos de Braga (16%), Porto (16%), Aveiro (15%) e Lisboa (13%). Para além dos novos registos, até 2020 foram apresentados pelos responsáveis das instalações 1783 auditorias energéticas e respetivos Planos de Racionalização dos Consumos de Energia (PREn), o que representa um consumo agregado de energia primária de 4 493 000 tep, cerca de 20% do consumo de energia primária nacional em 2019. O SGCIE é um Sistema que, desde 2008, está a fazer a diferença e devemos prosseguir este esforço conjunto, potenciando o aproveitamento de oportunidades para a eficiência energética nas empresas, em particular naquelas com consumos intensivos de energia. A adesão crescente ao SGCIE por parte dos novos operadores, conjugada com um uso cada vez mais extensivo da informação e das boas práticas, e a abertura a outras dimensões da economia circular (para além da energia) vai reforçar, ainda mais, o papel e a utilidade do SGCIE como instrumento de política pública. Através do site do SGCIE (www.sgcie.pt), a ADENE disponibiliza a informação e as ferramentas úteis e necessárias para apoiar as empresas no seu caminho para a eficiência energética. De destacar a estatística interativa, que contém informação relativa aos registos de operadores, auditorias energéticas, potencial e tipologia de medidas de eficiência energética. Outra ferramenta disponível no site do SGCIE são os cadernos setoriais que, além de estudos de natureza estatística, permitem igualmente a caracterização de subsetores de atividade económica registados no SGCIE e a comparação dos indicadores de eficiência energética entre as instalações do respetivo subsetor. O cumprimento dos Planos de Racionalização dos Consumos de Energia vai permitir a redução do consumo de energia primária das instalações em 295 000 tep (6.6%) e das emissões de gases com efeito de estufa em 8.5%, evitando-se assim a libertação de 740 000 toneladas de CO2. O investimento nas medidas de melhoria deverá rondar os 434 milhões de euros, em especial nas medidas de eficiência energética. A passagem de uma economia linear para a economia circular é absolutamente necessária, em especial para as empresas, já que permite poupanças significativas e contribui para uma maior sustentabilidade. A promoção da economia circular e a incorporação de energias renováveis e de biocombustível no processo industrial, vão permitir reduzir drasticamente as emissões de CO2 em mais de 80%. Segundo a Associação de Bioenergia Avançada (ABA), os biocombustíveis de resíduos e outros avançados, ou seja, produzidos a partir de matérias-primas residuais permitem uma redução de emissões de CO2 entre os 83% e os 98%, quando comparados com os tradicionais combustíveis fósseis. A economia circular é, assim, um modelo de sustentabilidade que contribui para a redução dos impactos ambientais e para a redução de custos, ao mesmo tempo que possibilita a criação de novos empregos e a promoção de uma maior justiça social. Se tivermos em conta que Portugal não é autónomo na maioria dos recursos que necessita, a economia circular apresenta-se como a solução mais inteligente, já que permite reduzir a necessidade de recursos, ao mesmo tempo que promove a vida útil de cada produto e a integração de materiais reciclados nos processos produtivos. Os desafios para as empresas e indústria passam também pela busca de novas soluções de financiamento, com novos modelos de negócio, a criação de cadeias de valor, desenvolvimento de novas tecnologias e aposta no ecodesign dos produtos. Acredito que a economia circular poderá ser um forte aliado na expansão da economia portuguesa. As empresas deverão passar a ser avaliadas pela sua diferenciação no mercado com um modelo de negócio assente nos princípios da economia circular. Este não é apenas um desafio nacional, mas antes global. A Agenda 2030 da ONU, com os seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) inclui a economia circular. O ODS 12, que visa alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais, não é mais do que um forte incentivo à economia circular. Hoje, todos estamos conscientes do real impacto da escassez de recursos naturais. Governos, empresas e cidadãos sabem que é urgente criar uma economia baseada não apenas na recuperação, reciclagem e reutilização de recursos, mas acima de tudo numa economia que se reinvente para salvar o planeta. Acredito que a indústria já está a viver uma nova revolução industrial ao implementar a suas próprias estratégias de economia circular, com benefícios ambientais e económicos. Estou certo de que todos juntos, unidos pela sustentabilidade do Planeta, vamos mudar o paradigma, mas não podemos esquecer o estado de emergência que estamos a viver, como lembrou recentemente a ministra alemã do Ambiente, Svenja Schulze, ao afirmar que "o tempo para a salvar o planeta está a esgotar-se".