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Reinserção Social
A CERÂMICA AO SERVIÇO DO IMPACTO SOCIAL
por Duarte Fonseca, Diretor Executivo da APAC Portugal
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Quando a Reshape Ceramics foi criada tínhamos 3 grandes objetivos em mente, para além de criarmos postos de trabalho e caminhos de reinserção concretos para a população reclusa. Contudo, é importante dar algum contexto de como surgiu este negócio social. A APAC Portugal, é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, que trabalha com as pessoas que estão ou estiveram presas e as suas famílias. O sistema prisional tem neste momento cerca de 11.000 pessoas presas e estima-se a nível internacional que 7 em cada 10 pessoas voltem a cometer crimes depois de libertados, a chamada reincidência criminal (este dado infelizmente não é publicado em Portugal). Imaginemos o que seria 7 em cada 10 crianças que vão à escola não aprenderem a ler e escrever, ou 7 em cada 10 pessoas que vão a um hospital não verem os seus problemas resolvidos. Penso que enquanto sociedade exigiríamos melhores resultados. Isso é o que nós APAC fazemos. Trabalhamos para melhorar o sistema e as ferramentas de reinserção social existentes no nosso país. Outro fator muito importante a ter em conta que se sabe, é que existe uma correlação forte e direta entre a taxa de desemprego de pessoas que estiveram presas e a taxa de reincidência. Assim, a empregabilidade tem sido um foco grande da associação e foi nesse contexto que se começou a pensar que tipo de negócio social poderíamos lançar que trabalhasse vários objetivos em paralelo e melhorasse a reinserção social de pessoas que estão ou estiveram presas. Em primeiro lugar queríamos criar um negócio social que fosse b2c, ou seja que lidasse diretamente com o cliente final. Isto porque para nós era muito importante que a sociedade em geral começasse a ficar cada vez mais sensibilizada para esta temática e conhecesse os desafios que a reinserção social de quem está preso tem. A reinserção social nunca poderá ser responsabilidade última de nenhum governo, tem sim que ser uma responsabilidade de todos nós, das comunidades locais. Assim, um produto de cerâmica utilitária ou decorativa seria uma boa forma de entrarmos com o “sistema prisional” para dentro da casa das pessoas. Cada peça feita transporta uma história de vida. Cada peça a ser utilizada em casa dos portugueses é uma peça que conta não só esta história como despoleta conversas sobre o sistema prisional. Nada melhor que uma peça de cerâmica, uma peça tradicional portuguesa,
para transportar histórias e desafios concretos. Queremos fazer de cada uma das famílias portuguesas, uma família embaixadora da causa e sensível a este público também. Em segundo lugar queríamos que fosse um negócio. Ou seja, queríamos demonstrar a outras empresas (não só do setor da cerâmica) que era possível fazer negócio com o enorme talento que está a ser desperdiçado nas nossas prisões. Para além disso, existem imensas infraestruturas e potencialidades que podem e devem ser exploradas em meio prisional. Assim, estaríamos a utilizar dois recursos que por norma são desperdiçados, recursos humanos (que estão presos, mas cheios de talento) e recursos de infraestrutura vazios e sem utilidade no presente. Foi nesse sentido que, por exemplo, encontramos no Estabelecimento Prisional de Caxias uma antiga olaria desativada que com um investimento mínimo ficou de novo operacional. Este objetivo é mais ambicioso, mas aquilo que queremos é que todas as empresas em Portugal deixem de olhar para o registo criminal e passem a olhar para a pessoa, para as suas potencialidades e os seus talentos. Um dos grandes lemas da Associação é que todo o Homem é maior que o seu erro. E quem de nós nunca cometeu erros? Será que devemos ser julgados e perseguidos toda a vida por um erro cometido no passado? Muitas vezes quando tínhamos 20 ou 30 anos? Acreditamos verdadeiramente que todas as indústrias com falta de mão de obra especializada deveriam olhar para esta oportunidade que está à mão de semear de todos nós. Por último, mas não menos importante, queríamos que fosse um processo produtivo, que o resultado não fosse imediato e que no final tivéssemos um produto físico. A cerâmica tem imensos processos morosos e complexos, como sabem, e no final, devido a uma série de fatores externos muitas coisas podem correr mal. Este tipo de processos de tentativa-erro, de repetição até à perfeição, de algumas coisas correrem mal, mesmo tendo feito (em teoria) tudo bem, são do mais pedagógico que existe, e trazem imensas analogias para a nossa vida. Quantas vezes não fizemos tudo bem na nossa vida e mesmo assim parece que tudo corre mal, ou que não temos sorte. Aprender a integrar as derrotas e os momentos difíceis por que todos passamos é essencial para uma reinserção social de sucesso e de volta à sociedade. Assim, a cerâmica pela transformação da matéria-prima, que demora tempo e mesmo assim pode não sair bem, traz-nos mensagens de vida em si muito poderosas para quem trabalha o barro. A cerâmica tem o poder de transformar vidas e de tornar as nossas comunidades e os nossos bairros mais seguros. Contudo, não basta colocar as pessoas que estão ou estiveram presas a produzir peças de cerâmica utilitária e decorativa para que consigamos garantir uma reinserção de sucesso. É por isso que desenvolvemos uma metodologia própria, a que demos o nome de metodologia reshape que é um processo holístico e que trabalha as várias dimensões da vida de cada beneficiário. Primeiro, começamos sempre com uma
formação de desenvolvimento de competências sociais. Todos precisamos de trabalhar competências de gestão emocional, de comunicação, entreajuda e espírito de equipa (não só quem está preso). Depois segue-se uma fase de emprego transitório (que começa dentro do estabelecimento prisional e continua cá fora) na própria reshape ceramics. Temos dois locais de produção para permitir que este emprego na cerâmica seja também uma forma de transição mais suave para a liberdade. E por fim, através do gabinete de integração socio-laboral da associação, trabalhamos com dezenas de empresas disponíveis a integrar estas pessoas, pois sabem que são comprometidas, trabalhadoras e que estão desejosas de agarrar uma oportunidade. Não sabemos ainda qual o impacto social que a Reshape Ceramics terá a médio/longo prazo, mas sabemos que a mensagem que está a passar e o processo que está a criar está a ter um eco enorme na nossa sociedade. Acreditamos no poder dos negócios para criar valor social e acreditamos que a indústria da cerâmica tem uma responsabilidade acrescida e é por isso que recentemente foi celebrado um protocolo de colaboração entre a APICER e a APAC Portugal no qual depositamos muita confiança, para crescermos o nosso impacto com e para todos os in-