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EDIÇÃO
ISSN 2525-3379
aquaculturebrasil.com
NOVEMBRO/ DEZEMBRO 2017
AquaScience: A revolução continua 1
AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
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Editorial “Sessenta por cento dos jovens estão aprendendo profissões que vão deixar de existir”. “65% das crianças que hoje estudam vão trabalhar em funções e profissões que não existem hoje”. “Mais de 800 milhões de trabalhadores vão perder seus empregos graças à automação”. Provavelmente você já leu estes cenários futuros e projeções em algum portal online. Sempre que uma notícia destas aparece em meu feed eu corro para abrir a notícia e saber o que dizem os especialistas sobre as profissões relacionadas com a aquicultura. Quem nunca? A verdade, como bem retrata o título da coluna Empreendedorismo Aquícola, do nosso grande André Camargo, é que “O que é nosso está guardado”. Conecto esta percepção à marca da empresa Camanor para 2018, capa e artigo especial de nossa 9ª edição impressa: “A revolução continua”. A aquicultura brasileira está se estruturando (ou se reestruturando!) para dar um salto gigantesco de produção nos próximos anos. Ainda que não tenhamos plena convicção de que espécies ou sistemas serão os carros-chefes de nossa “Aqua” daqui há 20 anos. Serão os bioflocos? Será o tambaqui, ou quem sabe o panga? E os RAS, não vingarão? E os cultivos orgânicos, porque não se fala mais nisso? (o mercado de orgânicos movimentou R$ 3 bilhões no Brasil em 2016... não queremos uma fatia?). E os peixes marinhos? Ninguém vai dar a devida atenção e ajudar de verdade os esforços e o pioneirismo da Redemar Alevinos? Não vamos criar em grande escala nenhuma espécie de clima frio? A despeito de Jorge Ben Jor que dizia morar num País Tropical, temos um bom pedaço do Brasil que não é bem assim... Mas ter tantas dúvidas sobre questões tão básicas e estratégicas, como qual espécie cultivar, significa que o Brasil está sem rumo? Em minha opinião, não necessariamente. Os negócios do futuro são pautados hoje num cenário de dúvidas e incertezas. Logicamente, falando em espécies, também não dá para sermos um “zoológico de peixes” (palavras do nosso entrevistado Geraldo Bernardino... adorei!). Se a aquicultura está entre os principais agronegócios do futuro? Podemos apostar nela? Sim, ela será o principal agronegócio do futuro... No Brasil e no mundo, disso temos certeza!
Ótimo 2018 a todos...
Giovanni Lemos de Mello Editor
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Fala Gringo!
O MAIOR PORTAL DA AQUICULTURA BRASILEIRA!
Comitê Editorial
“Caminhante não há caminho, se faz caminho ao andar” Parágrafo do poema de Antonio Machado e cantado por Juan Manuel Serrat E o Fala Gringo é assim mesmo Caminhando pela orla de Ponta Negra em Natal Pensando... Escrevi no celular: “A Aquicultura, apesar dos ataques dos conservacionistas extremos, das doenças, das dificuldades do dia a dia, apesar de tudo isso, vem crescendo e fazendo seu caminho, fazendo seu caminho ao andar”. Como a Aquaculture Brasil.
EDITOR-CHEFE: Giovanni Lemos de Mello redacao@aquaculturebrasil.com EDITORA-EXECUTIVA: Jéssica Brol jessica@aquaculturebrasil.com EDITORES ASSISTENTES: Alex Augusto Gonçalves Artur Nishioka Rombenso Maurício Gustavo Coelho Emerenciano Roberto Bianchini Derner Rodolfo Luís Petersen COLUNISTAS: Alex Augusto Gonçalves Andre Muniz Afonso André Camargo Artur Nishioka Rombenso Eduardo Gomes Sanches Fábio Rosa Sussel Luís Alejandro Vinatea Arana Marcelo Roberto Shei Maurício Gustavo Coelho Emerenciano Ricardo Vieira Rodrigues Roberto Bianchini Derner Rodolfo Luís Petersen Santiago Benites de Pádua As colunas assinadas e imagens são de responsabilidade dos autores. Instrução aos autores: www.aquaculturebrasil.com/submissao-artigos
Rodolfo Luís Petersen Coeditor
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Bem-vindo
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screvo essa nota enquanto meus alunos fazem o exame final. Não parece, mas o ano está terminando e essa é a última BEM-VINDO de 2017. Um ano atrás, quando escrevia pela primeira vez no Editorial, estávamos em um momento complexo e repleto de incertezas, mas com muita motivação, trabalho e postura otimista passamos por tudo e agora vivemos num cenário bem diferente. Então, o que esperar para 2018? Com base no meu otimismo e no contexto atual, acredito que a aquicultura continuará a crescer, principalmente em relação a formação de recursos humanos e disseminação e aplicação de conhecimento e tecnologias, e que começaremos a ver os resultados no aumento do volume e da qualidade da produção. Não sou muito fã de retrospectivas, mas gosto de reflexões. É bom refletir sobre o ano que está quase no final e assim colocar tudo em perspectiva: os ápices, os pontos baixos, os êxitos ou não de 2017, em resumo, tudo o que ocorreu. É interessante fazermos uma autoavaliação (não só como indivíduos mas também como parte de um todo, ou seja, como nos situamos, por exemplo, na empresa, no instituto, no departamento, no Estado, no País e no mundo) para que possamos traçar e atingir nossos objetivos de maneira mais fácil e eficiente. Gosto de pensar que apesar de faltar pouco tempo para completar esse ano ainda temos tempo suficiente para dar continuidade e finalizar o que colocamos como metas e objetivos. Recomendo que vejam essa reta final com ânimo, otimismo e motivação para fechar tudo da melhor forma possível e em seguida descansar para iniciar 2018 com energia renovada e sensação de dever cumprido. Também gostaria de parabenizar a Aquaculture Brasil por um ano excelente. Está cada vez mais atingindo um número maior de pessoas de formas diversas e inovadoras, disseminando conhecimento e informação de qualidade e contribuindo para o desenvolvimento e aprimoramento da aquicultura. Por fim, gostaria de agradecer o apoio de todos que utilizam e usufruem de qualquer serviço da plataforma Aquaculture Brasil. Não estaríamos aqui sem vocês! Desejo também boas festas e um 2018 repleto de realizações!
Artur Nishioka Rombenso Coeditor
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Opinião Alma renovada!
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ealmente a capital potiguar merecia o retorno do maior evento da aquicultura nacional: Fenacam! E não decepcionou! Presenciei piscicultores e carcinicultores animados nos corredores da feira, lotando não somente os stands mas as inúmeras palestras técnico-científicas. Ótimo sinal! Ampliar o conhecimento nunca é demais e novas experiências e informações são sempre bemvindas. Neste sentido destaco as brilhantes palestras dos colegas Oscar Henning, Oliver Decamp, Sergio Zimmermann, Fabrizzio Vanoni, entre muitas outras, que nos enchem de entusiasmo e levam-nos a acreditar que certamente estamos no caminho certo. A indústria também estava aquecida, novas empresas debutaram nos stands da FENACAM. Se tivesse que escolher apenas uma palavra para resumir o sentimento da feira seria “amadurecimento”. Ainda, vale ressaltar a excelente programação da sessão especial do Recarcina, a rede nacional de pesquisas de carcinicultura financiada pela FINEP. Nela foram apresentados os resultados dos últimos 4 anos de pesquisas em diversas temáticas como manejo, genética, nutrição, sanidade, etc. Foi nítido como avançamos e amadurecemos. Parabéns aos envolvidos e em especial aos organizadores da sessão! Outro ponto que me chamou atenção foram as diversas barreiras geográficas que foram quebradas. Quem imaginaria atuais e “futuros” carcinicultores de Goiás, Paraná e Mato Grosso? E ainda, as cativantes experiências vividas pela cooperativa Copacol do Paraná. Uma aposta de mais de 2 anos de trabalho duro que resultou em uma das mais admiradas experiências do setor aquícola nacional: o sistema de integração nos moldes da avicultura. Parabéns! E ainda a Camanor nos presenteando com mais resultados do sistema Aquascience. É louvável o empreendedorismo da empresa, sobretudo apostando e mostrando que a P&D dentro de uma fazenda pode dar resultados sim! Com ajuda das tecnologias atrelada aos novos manejos, escolha correta de insumos e coerência na hora das decisões, vamos trilhando um caminho ainda mais sustentável da atividade. Como mensagem final, deixo meus agradecimentos a toda a equipe da Aquaculture Brasil por mais um ano de muito aprendizado e companheirismo! Parabenizo também aos piscicultores, malacocultores e carcinicultores desse Brasilzão que acreditam, lutam e investem na atividade ao qual somos todos apaixonados: a Aquicultura! O ano de 2017 se foi. Quantas emoções!!! Que venha 2018!
Sucesso a todos e ótima leitura! Maurício Gustavo Coelho Emerenciano Coeditor AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
O MAIOR PORTAL DA AQUICULTURA BRASILEIRA!
DIREÇÃO DE ARTE: Taiane Lacerda taiane@aquaculturebrasil.com DIREÇÃO COMERCIAL: Diego Molinari diego@aquaculturebrasil.com COLABORADORES DESTA EDIÇÃO: Antonio Glaydson Lima Moreira, Artur Nishioka Rombenso, Bruno Cavalheiro Araújo, Delano Dias Schleder, Diego Molinari, Elenise Gonçalves de Oliveira, Fabrício Menezes Ramos, Francisco das Chagas Medeiros, Gabriel Teixeira Pinto, Ivã Guidini Lopes, Jéssica Brol, José Reges da Silva Lobão, Leopoldo Melo Barreto, Mara Cristina Pessôa da Cruz, Renato Teixeira Moreira, Rose Meire Vidotti e Sergio Alberto Apolinario Almeida. QUER ANUNCIAR? publicidade@aquaculturebrasil.com QUER ASSINAR? aquaculturebrasil.com/assinatura assinatura@aquaculturebrasil.com QUER COMPRAR EDIÇÕES ANTERIORES? aquaculturebrasil.com/edicoes NOSSA REVISTA É IMPRESSA NA: COAN gráfica Ltda./ coan.com.br Av. Tancredo Neves, 300, Tubarão/ SC, 88.704-700 A revista AQUACULTURE BRASIL é uma publicação bimestral da EDITORA AQUACULTURE BRASIL LTDA ME. (ISSN 2525-3379) www.aquaculturebrasil.com Av. Senador Galotti, 329/503, Mar Grosso, Laguna/SC, 88.790-000 A AQUACULTURE BRASIL não se responsabiliza pelo conteúdo dos anúncios de terceiros.
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SUMÁRIO
AQUACULTURE BRASIL
10 FOTO DO LEITOR 12 MÉTRICAS DA FANPAGE 14 Algas pardas como aditivo alimentar na dieta do camarão-branco-do-Pacífico 20 Tanques-rede de grande volume: nova fronteira da piscicultura brasileira 24 Aquicultura ornamental de água doce –Parte II
»»p.14
30 Importância dos ácidos graxos ômega 3 e seus níveis no pescado brasileiro 38 AquaScience: a revolução continua 46 O açude Castanhão e a cadeia produtiva da tilápia »»p.24
»»p.20
52 O dia a dia da compostagem orgânica: Manejo, relação C/N e aplicação 58 A importância da Segurança do Trabalho na Atividade Aquícola 64 ARTIGOS PARA CURTIR E COMPARTILHAR 65 CHARGES 66 BIOTECNOLOGIA DE ALGAS 68 GREEN TECHNOLOGIES
»»p.30
8
»»p.46
69 empreendedorismo aquícola AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
»»p.86
»»p.92
70 nutrição 72 atualidades e tendências na aquicultura »»p.38
73 Ranicultura 74 aquicultura de precisão 76 aquicultura latino-americana 77 piscicultura marinha 78 rECIRCULATING AQUACULTURE SYSTEMS
»»p.52
80 tecnologia do pescado 82 DEFENDEU 86 entrevista - gERALDO BERNARDINO 91 NOVOS LIVROS 92 ELES FAZEM A DIFERENÇA 96 ESPÉCIES AQUÍCOLAS
»»p.58
98 despescou
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FOTO DO LEITOR
Despesca com presenรงa de tambaqui amarelo (Ariquemes, RO) Autor: Jenner Bezerra de 'Menezes - Biofish
Fazenda Barra de Mamanguape (Aquafer) (Rio Tinto, PB) Autor: Fernando Gonรงalves de Souza Filho
Alevino de pirarucu (Rio Verde, GO) Autor: Hugo - Alevinos Rio Verde
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Sunset na fazenda (Paraipaba, CE) Autor: Augusto César
Camarão nativo do Rio Madeira (Porto Velho, RO) Autor: João Roberto F. Garcia
Futuras larvas de trairão (Não-Me-Toque, RS) Autor: Cleiton André Kissmann
Envie suas fotos mostrando a aquicultura no seu dia-a-dia e participe desta seção.
redacao@aquaculturebrasil.com AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
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Métricas Aquaponia como solução para produção sustentável de alimentos 10.618 Pessoas alcançadas 18 Comentários 90 Compartilhamentos 299 Curtidas
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Liberado o cultivo de tilápias em tanques-rede no Mato Grosso
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10.887 Pessoas alcançadas 19 Comentários 116 Compartilhamentos 472 Curtidas
Dica de leitura .
8.838 Pessoas alcançadas 22 Comentários 47 Compartilhamentos 184 Curtidas
20 de setemnbro
curta-nos no facebook:
19 de setembro
13.804 Pessoas alcançadas 24 Comentários 32 Compartilhamentos 1.182 Curtidas
15 de setembro
11 de setembro
Começou o AquaOnline!
da Fanpage 51.806 Pessoas alcançadas 56 Comentários 81 Compartilhamentos 2.437 Curtidas
18.868 Pessoas alcançadas 49 Comentários 86 Compartilhamentos 556 Curtidas
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Inscrições abertas para mestrado e doutorado
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Edição nova!
18 de outubro
13 de outubro 21 de setembro
12.362 Pessoas alcançadas 16 Comentários 647 Curtidas
44.014 Pessoas alcançadas 39 Comentários 266 Compartilhamentos 1.252 Curtidas
22 de outubro
Curso online e ao vivo: Como criar camarões marinhos em água doce
Vítimas da tragédia em MG contarão com banco de pele de Tilápia da UFC
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Algas pardas como aditivo alimentar na dieta do camarão-branco-do-Pacífico Prof. Dr. Delano Dias Schleder Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense - IFC, Campus Araquari delano.schleder@ifc.edu.br
14 © Ian Wallace
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Artigo
As algas pardas possuem alto valor nutricional e uma ampla diversidade de compostos bioativos. Por estas razões, a aplicação desse grupo de algas como ingrediente nutricional e funcional para alimentação humana e animal tem crescido nos últimos anos (Fleurence et al., 2012; Miyashita et al., 2013; Thanigaivel et al., 2016). Além disso, algas pardas, particularmente as oriundas de ambientes frios, demonstraram a capacidade de promover a resistência contra o estresse térmico em animais e plantas (Kandasamy et al., 2011; Kandasamy et al., 2014; Nair et al., 2012). O estresse por frio impõe múltiplas disfunções fisiológicas nos organismos ectotérmicos, tais como o camarão, incluindo perda da integridade de proteínas e das membranas celulares, mau funcionamento da respiração celular na mitocôndria, estresse oxidativo e desordens na homeostase de íons e coordenação neuromuscular (Hayward et al., 2014). Na carcinicultura, estresses ambientais desta natureza podem levar a perdas de produtividade, devido a problemas de crescimento, supressão da resposta imune e ao aumento da suscetibilidade a doenças (Kautsky et al., 2000). Neste sentido, o setor de produção de camarões do Brasil tem experimentado perdas econômicas expressivas com surtos de enfermidades, especialmente no Sul do Brasil. O clima desta região do Brasil é bastante instável, mostrando alta flutuação de temperatura durante os ciclos de produção, podendo servir como importante gatilho natural para tais surtos.
O objetivo deste trabalho foi Algas pardas, avaliar o uso da bioparticularmente massa seca das algas as oriundas pardas Sargassum de ambientes frios, filipendula e Undaria pinnatifida como adi- demonstraram a cativo alimentar para pacidade de promover o camarão-branco-do-Pacífico e seu a resistência contra o estresse térmico efeito sobre o desempenho zootécnico, em animais e morfo-fisiologia diplantas. gestiva, microbiologia do trato digestivo, status imunológico e resistência ao choque térmico e infecção com vírus da Mancha Branca (WSSV). Este trabalho representa uma síntese da tese “Algas pardas como ingrediente bioativo na dieta do camarão branco do pacífico”, defendida em 2017 pelo autor do presente artigo, orientado pelo Prof. Dr. Edemar Roberto Andreatta e coorientado pela Profa. Dra. Leila Hayashi, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Aquicultura da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Um dos capítulos foi premiado como melhor trabalho da América Latina, no programa “Alltech Young Animal Scientist”.
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Materiais e métodos Ao longo da tese foram realizados quatro experimentos. No primeiro, foram avaliados os parâmetros hemato-imunológicos, microbiologia do intestino e a resistência dos camarões ao choque térmico, após 15 dias de alimentação com dietas contendo 0,5, 2 e 4% da alga parda Sargassum filipendula (S) e 0,5, 2 e 4% da alga parda Undaria pinnatifida (U), e uma dieta controle (sem adição), totalizando sete dietas experimentais. No segundo experimento foi analisado o perfil de lipídeos e proteínas dos hemócitos de camarões alimentados durante 15 dias com 0,5% de S. filipendula e dieta controle, antes e após 15 min do choque térmico, utilizando a técnica de espectrometria de massa denominada MALDI-TOF MS (do inglês Matrix-Assisted Laser Desorption/Ionization – Time of Flight, mass spectrometry), com o intuito de identificar os possíveis mecanismos responsáveis pela resistência dos animais alimentados com 0,5% de S. filipendula frente ao choque térmico. No terceiro experimento, avaliouse o desempenho zootécnico, histologia do intestino, atividade de enzimas digestivas e a resistência dos camarões alimentados com os três diferentes níveis das algas pardas e dieta controle frente ao desafio com WSSV, após cultivo experimental de 38 dias. Com base nos resultados positivos dos tratamentos 0,5S e 4U nos experimentos anteriores, foi realizado um quarto experimento avaliando o efeito combinado de ambas espécies de algas pardas na dieta (0,5%:1%, 0,5%:2% e 0,5%:4% de S. filipendula e U. pinnatifida, respectivamente) sobre a resistência ao choque térmico e ao desafio com WSSV. Adicionalmente, foram realizada análises de MALDI-TOF MS para avaliar perfil de lipídeos e proteínas dos hemócitos antes e 15 min após o choque térmico, e antes e 24 h após ao desafio com WSSV, com objetivo de identificar possíveis mecanismos responsáveis pela resistência dos animais ao estresse térmico e à infecção viral.
Análise e equipamento MALDI-TOF
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ARTIGO
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Resultados De forma geral, os camarões do tratamento 4U apresentaram melhora nos parâmetros imunes e redução da contagem de Vibrio spp. no intestino. Os animais dos tratamentos 0,5S e 2S apresentaram maior sobrevivência após o choque térmico, já os níveis crescentes de U. pinnatifida (0,5U, 2U e 4U) reduziram a sobrevivência. As análises de MALDI-TOF MS revelaram que camarões do tratamento 0,5S, após o choque térmico, apresentaram maior diferença nos perfis de lipídeos (Figura 1) e proteínas dos hemócitos em comparação aos demais tratamentos. Após a identificação dos lipídeos e proteínas, constatou-se que a resistência ao choque térmico observada nestes camarões estava, pelo menos em parte, relacionada ao aumento da fluidez da membrana e da defesa antimicrobiana, associado à redução do estresse oxidativo e da morte celular causada por estresse, e à modulação diferencial do metabolismo energético. Ao final do cultivo experimental, foi constatado o aumento da área de superfície de absorção do intestino dos camarões alimentados com os menores níveis de adição das algas (tratamentos 0,5S e 0,5U), bem como o incremento da atividade da enzima digestiva amilase (tratamentos 0,5S, 2S, 4S e 4U) e lipase (tratamento 4U). No entanto, não foi observada diferença significativa no desempenho zootécnico.
Além disso, foi observada uma redução de 26% da mortalidade dos animais do tratamento 4U em relação ao controle, após o desafio com WSSV. Por fim, a combinação das algas pardas incrementou a resistência dos animais contra ambas condições avaliadas, especialmente ao desafio. A adição de 0,5% de S. filipendula evitou o efeito negativo dos crescentes níveis de U. pinnatifida na resistência dos animais ao choque térmico, no entanto, não foi suficiente para reduzir significativamente a mortalidade dos tratamentos em relação ao controle. As análises de MALDI-TOF revelaram que a mortalidade dos camarões, observada em todos os grupos após o choque térmico, pode estar relacionada à redução na defesa antimicrobiana e antioxidante, à indução da apoptose e problemas no ajuste da fluidez da membrana. Interessantemente, os tratamentos 0,5S/2U e 0,5S/4U apresentaram mortalidade significativamente menor (28% e 30%, respectivamente) em relação ao grupo controle (76%) após a infecção com WSSV, demonstrando um efeito sinérgico entre ambas algas sobre a resistência dos camarões ao WSSV (Figura 1). As análises de MALDI-TOF relacionaram essa resistência ao incremento de peptídeos antimicrobianos específicos, indução precoce da apoptose nos hemócitos e diminuição do suprimento de lipídeos requeridos para montagem dos virions de WSSV.
Figura 1. (a) Espectro médio de massas por MALDI-TOF MS, referente ao perfil de lipídeos do sobrenadante do lisado de hemócitos do camarão-branco-do-Pacífico alimentado com dieta controle, sem suplementação, antes e 15 min depois do choque térmico (C e C-TS, respectivamente), e com dietas contendo 0,5% de Sargassum filipendula, antes e 15 min depois do choque térmico (0,5S e 0,5S-TS, respectivamente); (b) Diagrama da análise dos componentes principais dos perfis de lipídeos do sobrenadante do lisado de hemócitos dos quatro tratamentos (vermelho – C; verde – C-TS; azul – 0,5S; amarelo – 0,5S-TS). AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
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Figura 2. Mortalidade cumulativa de Litopenaeus vannamei alimentados com dietas contendo 0,5%:1%, 0,5%:2% e 0,5%:4% de Sargassum filipendula (S) e Undaria pinnatifida (U) respectivamente, e a dieta controle sem suplementação, em 96 horas pós-infecção (h.p.i.) com WSSV. Houve diferença significativa na mortalidade dos tratamentos 0,5S:2U (p=0,0001) e 0,5S:4U (p=0,0006) em relação ao grupo controle. Não houve diferença (p>0,09) entre o tratamento 0,5S:1U e o grupo controle.
Conclusão As algas pardas S. filipendula e U. pinnatifida causaram diversos efeitos fisiológicos benéficos aos camarões sem afetar o desempenho zootécnico dos animais. Em especial, a adição combinada dessas algas pardas na dieta apresenta enorme potencial no combate à doença da Mancha Branca, pois pode melhorar não só a resposta dos camarões à enfermidade, mas também a resistência frente aos seus mecanismos desencadeadores, tais como a variação de temperatura. © Delano Dias Schleder
© Lestaxinomes.org
Figura 3. (a) Sargassum filipendula; (b) Undaria pinnatifida.
Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos
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ARTIGO
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Artigo
© Francisco Medeiros
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Tanques-rede de grande volume: nova fronteira da piscicultura brasileira Francisco das Chagas Medeiros Diretor Presidente da Associação Brasileira de Piscicultura (Peixe BR) Sócio-Proprietário da Empresa Manso Aquicultura peixando@gmail.com
Tanques-rede ou gaiolas, como também são chamados, são estruturas flutuantes utilizadas para criação de peixes em altas densidades. Podem ser tanques pequenos ou de grandes volumes e tem sido um dos sistemas de produção que mais cresce no mundo. Possui algumas vantagens quando comparado ao sistema tradicional, como a alta produtividade, melhor gerenciamento e controle, baixo custo de implantação, facilidade na despesca com pouca mão de obra e o fato de serem técnica e economicamente viáveis em praticamente qualquer escala. Os primeiros trabalhos com criação de peixes em tanques-rede no Brasil chegaram através de uma publicação da Associação dos Produtores de Soja dos Estados Unidos (ASA), por volta de 1997. Na época, esses relatos preconizavam a criação de peixes em tanques-rede de pequeno volume
existe “vida” além dos pequenos tanques-rede. (1m x 1m) e alta densidade (PVAD). Muitos produtores e alguns pesquisadores nacionais acreditaram por alguns anos que essa era, de fato, a melhor maneira para criar peixe em tanques-rede, resultando no que temos hoje, praticamente 99% dos peixes de água doce produzidos no Brasil são cultivados nestas pequenas gaiolas, geralmente com volumes de 8m³ (2m x 2m x 2m) ou pouco mais que isso.
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Mudança de paradigmas Com a participação da internet na vida das pessoas, não só nos computadores, mas recentemente também de fácil acesso através dos celulares smartphones, foi possível perceber que existe “vida” além dos pequenos tanques-rede. Em um primeiro momento desta descoberta foi perceptível que os produtores procuravam motivos, e por incrível que pareça encontravam, para justificar a utilização dos pequenos tanques-rede. Entretanto, nos últimos seis anos houve grande participação de produtores brasileiros na feira AquaSur, uma das maiores feiras de aquicultura do Hemisfério Sul, que ocorre a cada dois anos no Chile. Neste grande evento internacional os piscicultores do Brasil tiveram os primeiros contatos com os tanques-rede de grande volume, amplamente utilizados na salmonicultura e no cultivo de outros peixes de importância comercial. Porém não foi o suficiente para uma mudança que os levasse a experimentar
um novo modelo de produção. Neste meio tempo houve a ocorrência do mexilhão dourado (Limnoperna fortunei), principalmente nos estados de São Paulo e Paraná, onde se concentra grande parte da produção nacional de peixes em tanques-rede. Com a necessidade de retirar as gaiolas para limpeza das telas, uma vez que tal incrustação dificulta a circulação de água dentro destas estruturas, resultando na queda dos parâmetros de qualidade de água e assim aumento do nível de estresse dos animais cultivados, ficava definitivamente mais difícil a quebra de paradigma e implantação das gaiolas de grande volume. Contudo, na mesma época, houve um grande avanço principalmente com a adoção dos tanques-rede de dimensões 6m x 6m, que não são de grandes volumes, mas o fato indicava uma mudança no ponto de vista produtivo.
© Manso Aquicultura
Figura 1. Em um tanque-rede de 18 m x 18 m é possível produzir 50 toneladas de peixes.
Surgem os primeiros projetos no Brasil O conceito de tanque-rede de grandes volumes persistiu e os primeiros projetos começaram a aparecer. Tanques-rede circulares de PEAD (polietileno de alta densidade), com 20 metros de diâmetro e os tanques metálicos com dimensões de 20 m x 20 m, e volumes que variam de 1.400 a 2.000 m³, já foram implementados em algumas regiões do Brasil. Atualmente esses tanques são utilizados para produção tanto de tilápia, quanto de peixes nativos como pintado, tambaqui e matrinxã ou híbridos como a tambatinga (cruzamento da fêmea de tambaqui com macho de pirapitinga). O passo inicial foi dado e este é um processo irreversível. O Brasil deverá caminhar como as principais
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ARTIGO
pisciculturas mundiais, aumentando gradativamente as escalas de produção e melhorando a competitividade, o que significa principalmente, redução de custos. Aliás é isso que atualmente torna o Brasil competitivo no agronegócio mundial. Desse modo, a piscicultura brasileira terá até o final de 2020 uma mudança substancial no modelo de produção, pois não adianta somente ter um tanque-rede de grande volume, é necessário máquinas de despescas, de seleção, alimentação mecanizada e principalmente frigoríficos com maiores volumes diários de abate, e isso também já vem ocorrendo.
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Conclusões Houve uma mudança muito rápida do negócio de criação de peixes em tanques-rede e pela experiência já observada nas demais cadeias de proteína animal, o modelo brasileiro estará mais próximo da tecnologia do Chile do que do modelo asiático. Existe atualmente uma demanda reprimida de cessão de Águas da União para uma produção da ordem de 3 milhões de toneladas, segundo levantamento da Associação Brasileira de Piscicultura, o que torna pratica-
© Francisco Medeiros
mente impossível implantar uma produção desta monta com tanques-rede de pequenos volumes. A competitividade poderia ser perdida em função da grande demanda de mão de obra exigida nesta situação e esta é talvez, uma das grandes vantagens dos tanques-rede de grandes volumes. O crescimento da produção traz consigo a mesma ordem de grandeza para os equipamentos. Os tanques rede de grande volume são um futuro que já está entre nós.
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Parte II
Aquicultura ornamental de água doce
Prof. Dr. Leopoldo Melo Barreto Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) leopoldo.barreto@ufrb.edu.br
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Prof. Dr. Fabrício Menezes Ramos Instituto Federal do Pará (IFPA) fabricio.ramos@ifpa.edu.br
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Artigo
No artigo anterior provocamos a curiosidade sobre a aquicultura ornamental, e agora iremos falar um pouco sobre as estruturas de cultivo utilizadas, as estratégias reprodutivas e pincelar sobre qualidade de água, pois sabemos que os peixes são diretamente influenciados por parâmetros bióticos e abióticos, os quais devem estar ajustados para a espécie, assim levando-os ao ápice biológico, a reprodução.
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Estruturas de cultivo A produção de peixes ornamentais pode ser realizada em diversos tipos de estruturas (viveiros, tanques e aquários) e diferentes condições de manejo. O valor intrínseco da espécie alvo é que irá determinar o nível de intensificação. Assim, o bom senso e experiência do produtor (contratar consultoria se necessário) devem orientar na projeção e construção da estrutura, reduzindo os custos de implantação, fornecendo condições de bem-estar aos peixes e facilitando as rotinas operacionais. Os viveiros se destacam na produção comercial de peixes ornamentais por serem a estrutura mais utilizada (Vidal Junior, 2006). São depressões naturais no terreno, reservatórios escavados ou elevados na terra, possuindo abastecimento e drenagem de água individualizado (Oliveira, 2013). Têm como principal vantagem o baixo custo de construção. Por outro lado, apresentam dificul-
© Fabrício Menezes Ramos
Figura 1. Aquário residencial confeccionado com piso cerâmico.
dade no manejo da água e dos peixes, assim empregados mais na produção de peixes de baixo valor comercial, baixo padrão genético e baixa exigência nos cuidados, como os Poecilídeos (Espada e platy - Xiphophorus spp., guppy e molinesia - Poecilia spp.), Cyprinídeos (Barbos - Barbus ssp. / Barbonymus ssp. / Puntius ssp., carpas - Cyprinus carpio, kinguios - Carassius auratus e paulistinha - Danio rerio) e alguns Ciclídeos, como o acará bandeira (Pterophyllum scalare). Outras estruturas comumente utilizadas são tanques, que diferem de viveiros por serem revestidos e não haver contato com o solo. Exemplo clássico são
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caixas plásticas ou Trabalhos rede fibra e piscinas centes, como o de lonas ou manta. Essas estruturas sude Fujimoto e portam cultivos mais colaboradores (2014), intensivos, pois há mostram redução nos maior controle da custos de produção de qualidade de água e aquários, em torno de facilidade na despes- 62%, utilizando o piso ca. Até o maior custo inicial, fator que cerâmico nas laterais e fundo do poderia ser levado aquário. em consideração, é afiançado pela alta produtividade por área. De forma análoga, havendo melhor controle na produção, podemos seguramente produzir peixes de alto valor agregado, como kinguios e guppy’s de alto padrão, Anabantídeos (peixe de briga - Betta splendens) e Ciclídeos de forma geral. Os aquários, construídos com placas de vidro ou acrílicos, são também utilizados como unidades reprodutivas. Trabalhos recentes, como o de Fujimoto e colaboradores (2014), mostram redução nos custos de produção de aquários, em torno de 62%, utilizando o piso cerâmico nas laterais e fundo do aquário (Figura 1). Os aquários facilitam a observação do comportamento reprodutivo dos espécimes e promovem o controle das condições ambientais. O acará disco (Symphysodon sp.) é um forte candidato para reprodução em aquários, inclusive mantendo-se nessa estrutura na fase de crescimento até o momento da venda. Quaisquer das estruturas devem fornecer aos peixes boas condições para sua manutenção, pois nenhum animal poderá expressar seu desenvolvimento e reprodução em condições estressantes (Galhardo; Oliveira, 2006). Desta forma, conhecer e compreender os processos que determinam a reprodução dos animais é parte primordial no sucesso de qualquer cultivo.
Estratégias reprodutivas: Os peixes desenvolveram diversas formas de reprodução que são divididas basicamente em quatro (França, 2007): (1) ovulíparos; (2) ovíparos; (3) ovovivíparos; (4) vivíparos.
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Nos ovulíparos a fecundação é externa, machos e fêmeas soltam seus gametas (óvulos e espermatozoides) na água. Após a fecundação os ovos são levados pela correnteza na maioria das espécies de piracema, como tambaqui - Colossoma macropomum e piau - Leporinus spp., ou podem ficar aderidos à superfície sem o cuidado dos pais (cuidado parental), como nas carpas e kinguios, ou ainda ficarem aderidos à superfícies, como na maioria dos Ciclídeos (Acará bandeira e disco), os quais praticam o cuidado parental.
Quando as fêmeas liberam ao meio os ovos após fecundação interna, são denominados de ovíparos. Pode ser observado em algumas espécies de tubarões e raias (Condrictes). Neste os embriões desenvolvem-se dentro dos ovos, mas fora do corpo da mãe, e se nutrem das reservas presentes no ovo.
Nos ovovivíparos o desenvolvimento embrionário é realizado dentro do corpo materno, se alimentando apenas da reserva nutritiva existente no ovo, sem nenhuma ligação com a progenitora. Após o desenvolvimento eclodem no oviduto da fêmea e são expelidos ao meio já como alevinos. Estratégia encontrada comumente nos Poecilídeos (Guppys, Lebistes, Platis etc).
Já nos peixes vivíparos os embriões se desenvolvem dentro do corpo da mãe, dentro de uma placenta com os nutrientes essenciais para seu desenvolvimento. O representante mais conhecido deste grupo é o tralhoto (Anableps sp.), porém sem muito interesse para aquicultura ornamental, a não ser pelo fato de possuir a córnea dividida em duas, parecendo assim ter quatro olhos.
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Dimorfismo sexual Para reprodução é necessário, muitas vezes, reconhecer o macho e a fêmea (dimorfismo sexual), logo formar casais ou grupos reprodutivos, principalmente quando se pretende realizar um trabalho de melhoramento genético. A observação das características morfológicas em exemplares maduros sexualmente geralmente fornece evidências para este procedimento. Os machos dos ovovivíparos apresentam um órgão copulador denominado gonopódio. Nos Condrictes este órgão é denominado de clasper. Os tetras machos (Ex. mato grosso - Hyphessobrycon spp., e neon - Paracheirodon spp.) apresentam espículas na nadadeira anal. Já nas carpas e kinguios, além da nadadeira anal, os machos apresentam espículas na nadadeira peitoral e nos opérculos, bem destacados na fase reprodutiva. Os Ciclídeos, de forma geral, apresentam um aumento na porção frontal da cabeça nos machos por deposição de gordura. Nos cascudos ou acaris (Loricarídeos) o dimorfismo sexual é realizado pela observação de espículas (odontódeos) na nadadeira peitoral e/ou no opérculo e prolongamentos de escamas em machos de Baryancistrus spp., Hypan-
cistrus spp. e Peckoltia spp., por exemplo. Nos Ancistrus spp. o macho apresenta tentáculos próximos aos olhos e boca, em maior quantidade, e mais alongados do que nas fêmeas. Geralmente os machos em peixes ornamentais são mais coloridos e com padrões corporais mais chamativos, como destacado na família Rivulidae (Killifishes). Quando o dimorfismo sexual não é evidente, como em acarás bandeiras, discos e peixe folha, a melhor estratégia é a disposição de vários exemplares maduros em aquários ou tanques para a formação de casais e posterior separação destes. Outra questão importante no processo reprodutivo é o conhecimento da biologia da espécie, inclusive sobre os fatores abióticos (temperatura, pH, salinidade, condutividade, dureza carbonatada, etc.) que regulam a maturação sexual, logo a reprodução. Sem a representação fiel desses parâmetros, não importa a estrutura de cultivo ou o tipo de alimento, dificilmente haverá reprodução.
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Figura 2. Dimorfismo sexual – Machos: aumento na porção frontal da cabeça em Citrinelos - Amphilophus citrinellus (seta amarela) e espículas no opérculo de kinguios - Carassius auratus, variedade telescópio (seta vermelha).
Aquicultura ornamental, por onde começar? Se o leitor nos perguntar: Qual a família de peixe é mais fácil para iniciar um cultivo? Com certeza, respondendo de forma simplificada, proporíamos os Poecilídeos (Lebiste, barrigudinho, etc) por possuírem fácil dimorfismo sexual, cores vibrantes, desejadas pelos aquaristas, protocolo reprodutivo simples e bem definido e sem fase larval. Assim, seria a primeira família a indicarmos para o empreendedor iniciante que deseja empregar pouco capital e, mesmo tendo pequeno retorno, conseguir pagar os custos de produção, escolhendo as variedades corretas e estudando o mercado consumidor da região. Para desfechar, no próximo (e último artigo desta série) abordaremos estratégias de alimentação para larvas e matrizes, citaremos estratégias para o bom crescimento de algumas espécies, levando-as até o momento da comercialização, tema que também será comentado, incluindo as dicas de transporte, do produtor ao consumidor. Até breve! Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos
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Importância dos ácidos graxos ômega 3 e seus níveis no pescado brasileiro Bruno Cavalheiro Araújo Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura Núcleo Integrado de Biotecnologia Universidade de Mogi das Cruzes (UMC); Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos Instituto de Biociências Universidade de São Paulo (USP) brunocavar@usp.br
Artur Nishioka Rombenso Laboratório de Nutrição e Fisiologia Digestiva de Organismos Aquáticos Instituto de Investigaciones Oceanológicas Universidade Autônoma de Baja Califórnia (UABC) artur.nishioka@uabc.edu.mx
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O pescado em geral é uma excelente fonte nutricional, sendo recomendado um consumo mínimo semanal para assegurar um bom desenvolvimento e estado de saúde adequado. Nele existe uma série de nutrientes importantes, porém alguns são vistos com maior relevância devido a sua limitada disponibilidade, como por exemplo os ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa da família n-3, os famosos ácidos graxos ômega 3. De acordo com dados da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2014), aproximadamente 16,7% de toda proteína animal consumida no mundo é composta por espécies de peixes, e dentro desta perspectiva a aquicultura já é responsável por mais de 50% do pescado consumido mundialmente. Este crescimento do 32
setor é significativo e talvez não seja da inclusão de óleos alternativos nas maior em virtude da nutrição, sendo dietas, o perfil de ácidos graxos do este processo o mais custoso para a produto final quando negligenciado, produção de espécies de peixes de pode ser drasticamente alterado, interesse comercial, representando dado principalmente por uma reaté 70% dos custos totais. Este fato dução significativa nos níveis de nuse dá principalmente pela inclusão trientes importantes como os ácidos de ingredientes de custo elevado, graxos ômega 3. como o óleo de peixe, que além do Atualmente são poucos os alto valor agregado, quando provin- trabalhos publicados no Brasil que dos dos estoques naturais podem abordam diretamente este tema e ser considerados altamente impac- que também reportem os níveis tantes, com composição nutricional desses nutrientes nos principais variável e de produção instável. produtos aquícolas nacionais. Na Devido a estes fatores, a in- realidade, apenas poucos estudantes dústria busca incessantemente ingre- de pós-graduação por todo país tradientes alternativos (normalmente balham com nutrição lipídica com provindos de espécies vegetais e de foco principal nos ácidos graxos e animais terrestres), que não afetem qualidade nutricional do produto a performance de crescimento dos aquícola final. Assim, nesse artianimais e que reduzam os custos go ressaltamos a importância desse produtivos. Com esta redução na uti- tema para conhecimento geral. lização de óleo de peixe e o aumento AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
O que são os ácidos graxos ômega 3? Os ácidos graxos são as unidades básicas mais comuns dos lipídios, formadas por uma cadeia de carbonos que possuem de um lado da molécula o grupo metil (-CH3) e do outro o grupo carbóxilo (-COOH). Os ácidos graxos podem ser classificados de acordo com sua estrutura química e funções fisiológicas, e entre outras formas.
Os ômega 3 formam um grupo de ácidos graxos que possuem ao menos três ligações duplas sendo que a primeira está localizada no terceiro carbono do lado metil, por isso tal denominação. A nomenclatura mais utilizada para caracterizar a composição bioquímica da molécula de ácido graxo é a numérica, por exemplo, o ácido docosaexaenói-
co (DHA; 22:6n-3; Figura 1). Neste caso o primeiro número (22) consiste no número total de carbonos da molécula, o segundo número (6) se refere ao número de ligações duplas da molécula, e o terceiro número (3) indica o carbono da primeira ligação dupla a partir do lado metil.
Todos os ácidos graxos ômega 3 são importantes? Existem vários exemplos de ácidos graxos ômega 3 como: 18:3n-3, 18:4n-3, 20:4n-3, 20:5n-3, 22:5n-3, 24:5n-3, 24:6n-3 e 22:6n-3. Porém alguns são fisiologicamentes mais importantes que outros, como é o caso do DHA (22:6n-3) e EPA (20:5n-3). Diversos estudos atestam a importância do DHA e EPA para nutrição humana, principalmente na
prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares (o consumo adequado pode reduzir em até 65% as chances de infarto do miocárdio), neurológicas como Alzheimer, depressão e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDHA), dentre outras. Além disso são fundamentalmente importantes para um adequado desenvolvimento neu-
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rológico e visual, sendo ainda considerados importantes precursores de compostos bioativos bastante relevantes para o sistema imunológico. Dessa forma torna-se impressindível diferenciar qual tipo e qual quantidade de ácido graxo ômega 3 estamos consumindo em nosso pescado.
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Figura 1. Estrutura química do ácido graxo poliinsaturado de cadeia longa ômega 3 DHA (ácido docosaexaenoico; 22:6n-3).
Ácidos graxos ômega 3 vs. ômega 6 Alguns benefícios dos ácidos graxos ômega 3 são ressaltados quando comparados com os ômega 6. De forma geral, os ômega 6 possuem propriedade pró-inflamatória, porém o excesso dos mesmos pode resultar em uma exaltação do processo inflamatório, como ocorre por exemplo nas dietas Ocidentais que utilizam frequentemente óleos vegetais (ricos em ômega 6, principalmente 18:2n-6), aumentando assim o consumo de ômega 6 e desequilibrando a importante relação ácidos graxos ômega 3/ômega 6. Já os ômega 3 possuem propriedades anti-inflamatórias, seu valor nutricional se torna mais importante nesse contexto. Atualmente é recomendado o consumo 300-500 mg de DHA + EPA por dia, sendo que alguns trabalhos recomendam um consumo
de até 2g de DHA + EPA por dia. Vale ressaltar que a recomendação é para DHA + EPA e não para outros ômega 3. Enquanto o setor aquícola luta para reduzir a utilização de ingredientes contendo níveis adequados de DHA e EPA nas dietas dos animais em cultivo (visando principalmente a redução de custos produtivos), outros segmentos como a indústria de laticínios e de ovos, investem massivamente na produção de alimentos “enriquecidos” com altos níveis destes importantes nutrientes. Podemos afirmar então que a aquicultura (em especial a produção de animais dulciaquícolas) caminha no sentido oposto destes outros segmentos, ignorando seu principal fator de marketing, o de alimento rico em ômega 3 (DHA e EPA).
A aquicultura (em especial a produção de animais dulciaquícolas) caminha no sentido oposto destes outros segmentos, ignorando seu principal fator de marketing, o de alimento rico em ômega 3 (DHA e EPA).
Nível de ômega 3 nos produtos aquícolas brasileiros Como dito anteriormente, informações relacionadas com o perfil de ácidos graxos das principais espécies cultivadas nacionalmente são escassas. Apesar de resultados prévios apontarem para uma baixa concentração (muitas vezes ínfima) de DHA e EPA nas nossas principais
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espécies produzidas, de fato definir o perfil destes nutrientes no nosso pescado é realmente uma missão árdua, uma vez que a composição do produto final é diretamente influenciada pelas condições de cultivo (como temperatura e frequência alimentar), composição da dieta, forma de
armazenamento do pescado, dentre outras variáveis. Sendo assim torna-se necessário um grande esforço amostral em mercados, portos de descarregamento de pescado, pisciculturas, feiras-livres, dentre outros pontos.
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Quais as espécies produzidas no Brasil com maior potencial de se tornarem um produto rico em ômega 3? Esta é uma questão realmente complexa e que necessita de muita investigação para ser respondida. No geral espécies com maior potencial de deposição de gordura intramuscular, como alguns peixes redondos (exemplo o tambaqui, pacu, tambacu), são mais propícios ao aumento de DHA e EPA, dado principalmente pela manipulação
da composição da dieta. No entanto alguns estudos apontam para uma melhora significativa na concentração destes ácidos graxos em espécies consideradas “magras”, como a tilápia e algumas espécies de camarão. Com isso, além da importância da incorporação de maior percentual de DHA e EPA na dieta, o investimento em programas de
melhoramento genético que visam um aumento no percentual de gordura intramuscular destes animais torna-se essencial para a produção de um pescado rico nestes ácidos graxos.
centros de pesquisa e universidades focadas nos estudos de ácidos graxos na aquicultura, a grande maioria investiga sobre a importância das proteínas na nutrição animal. No Brasil, o Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos – LAMEROA (Instituto de Biociências da USP) em conjunto com o Laboratório de Genética d e
Organismos Aquáticos e Aquicultura – LAGOAA (Núcleo Integrado de Biotecnologia da UMC) e o Laboratório de Nutrição e Fisiologia Digestiva de Organismos Aquáticos (Instituto de Investigaciones Oceanológicas – UABC / México), iniciaram um projeto que visa caracterizar o perfil de ácidos graxos das principais espécies consumidas nacionalmente. Os resultados permitirão traçar estratégias adequadas para a produção de um pescado mais saudável, devido principalmente, pela maior concentração de DHA e EPA na musculatura destes animais.
Projetos de pesquisa
Atualmente existem p oucos
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AquaScience: A revolução continua Jéssica Brol Diego Molinari
AQUACULTURE BRASIL *jessica@aquaculturebrasil.com
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Introdução A fazenda Cana Brava, localizada no município de Canguaretama, litoral Sul do Rio Grande do Norte, foi fundada em 1983, sendo a primeira unidade de produção da empresa Camanor Produtos Marinhos. A propriedade operou no modelo semi-intensivo com excelentes resultados até meados de 2011, quando o vírus da síndrome da mancha bran-
ca (WSSV) atingiu o Estado e, como é característico desta enfermidade, ocasionou mortalidades massivas. Na época, a sobrevivência despencou para 5 a 10% e a fazenda obteve os menores resultados produtivos de sua história, representando apenas 50 toneladas de camarões despescados ao longo de todo o ano.
Tabela 1. Dados produtivos da Fazenda Cana Brava antes de ser acometida pelo vírus da Síndrome da Mancha Branca, em 2011.
*Média dos três últimos anos antes da mancha branca.
* Média dos três últimos anos antes da mancha branca.
Primeiros ensaios intensivos De toda forma, antes mesmo do vírus atingir os cultivos, dentro da empresa já se pensava em um modelo diferenciado de produção. Os primeiros experimentos seguiram o chamado “modelo asiático”, caracterizado por viveiros cujo solo é recoberto com geomembrana, além do aumento da aeração e da densidade de povoamento (100 camarões/m²). A ideia deu certo, sendo realizados quatro ciclos produtivos de sucesso. Com isso, projetava-se fazer a transição deste sistema em escala experimental para o restante da fazenda. Contudo, isto não foi possível, uma vez que a mancha branca também atingiu a unidade experimental.
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Para continuar a produzir foi preciso pensar além, experimentar novamente, mas desta vez com foco total no sistema intensivo e acrescentando elementos que o modelo asiático não preconizava, como por exemplo a tilápia (Oreochromis niloticus), o recobrimento dos viveiros (inicialmente com sombrites) e o sistema de recirculação. Após 10 ciclos consecutivos de tentativa e erro, foi possível encaixar um modelo de produção que apresentava sucesso do início ao fim, sem mortalidades ocasionadas pelo WSSV. Os 10 mil quilos que constam no gráfico de produção (Figura 1) foram resultado deste primeiro sucesso, a partir de 100 camarões/m² e peso final de 10 gramas.
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Após 10 ciclos consecutivos de tentativa e erro, foi possível encaixar um modelo de produção que apresentava sucesso do início ao fim, sem mortalidades ocasionadas pelo WSSV. AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
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Figura 1. Evolução da produtividade da Fazenda Cana Brava, pertencente à empresa Camanor Produtos Marinhos, ao longo de 4 anos. Fonte: Camanor
“Foi aí que encontramos o caminho”, comenta Luiz Henrique Peregrino, Engenheiro de Pesca e um dos mentores do sistema AquaScience.
O nascimento do “AquaScience” Naquele momento faltavam ainda alguns aspectos para que o sistema se encaixasse no modelo AquaScience, mas a ideia principal estava concebida: tentar equilibrar o ambiente de cultivo, proporcionando bem-estar aos animais. Dessa forma, mesmo que a doença estivesse presente, os camarões não iriam manifestá-la, porque estavam saudáveis.
A ideia partiu da percepção dos animais em ambiente natural, convivendo com a presença de doenças. A chave estaria em como é possível se manter essa relação. Depois, a observação voltou-se para unidades de tratamento de água e efluentes. Era preciso que a água se mantivesse por vários ciclos recirculando no sistema, sem a necessidade de troca. Juntando os fatos e muita engenharia, surgiu o AquaScience.
A lógica do sistema AquaScience O princípio básico do sistema AquaScience é manter a água com os parâmetros de qualidade estáveis, em constante movimento e recirculação, reaproveitando todos os nutrientes e matéria orgânica dentro do próprio sistema.
Para isso, extinguiu-se a ideia de viveiros de cultivo, para a concepção de módulos de cultivo. A estrutura do AquaScience é composta de módulos que contemplam:
Dois viveiros de camarão (3500 a 5000m²) com dreno central; Uma estação de recirculação; Dois viveiros de tilápia também com dreno central.
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A recirculação dentro do módulo é dupla, tanto saindo dos viveiros para a estação e retornando aos viveiros, quanto do viveiro para a estação, indo para o berçário de tilápia e, após, voltando para o viveiro de camarão. Esse processo é dinâmico, funcionando 24 horas por dia e impede o acúmulo de material orgânico, uma vez que todo resíduo sólido é bombeado aos tanques de tilápia, justamente para que estes animais filtrem e consumam todo esse material, que acaba sendo uma fonte de alimento. Nas fases finais do cultivo de camarão onde o arraçoamento é maior, as tilápias são alimentadas com apenas 20% de ração. Todo o restante da energia necessária à sua manutenção e crescimento é ob-
tido através da filtração dos sólidos. O AquaScience produz tilápias com o mínimo de ração fornecida aos peixes! Na água há a predominância de bactérias que contribuem para a manutenção da qualidade de água, como as nitrificantes, através da assimilação dos compostos nitrogenados, e as bactérias heterotróficas que realizam a degradação da matéria orgânica convertendo-a em biomassa bacteriana, que também serve de alimento aos animais. Há também a presença de microalgas que atuam na remoção do fósforo e adicionalmente no tratamento do material orgânico.
Figura 2. Modelo explicando o funcionamento do Sistema Aquascience. Fonte: Camanor
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*Média dos três últimos anos antes da mancha branca.
Modelo em constante evolução Quanto maior a capacidade de Tabela 2. Dados zootécnicos das diferentes gerações do sistema AquaScience. ciclagem dos nutrientes maior é a caGerações do sistema AquaScience pacidade de estocar animais/m² e consequentemente maior a produtividade. Geração 1 Geração 2 Geração 3 Geração 4* Baseado nisso, a Camanor vem evoluindo constantemente o sistema AquaAnimais/m² 170 a 180 270 a 280 380 a 410 500 a 700 Science e desde que foi concebido, em 2013, passou por três melhorias, denominadas de G1, G2 e G3. Este último, Produtividade 25 a 30 35 a 45 45 a 55 80 a 90 G3, é o modelo atual que está em am(t/ha) pliação, mas já há estudos para um G4, a ser implantado dentro dos 25 ha que Número de 7 20 14** a Camanor projeta expandir. O recorde de produção alcançado em novembro de viveiros 2017 com 73,6 t/ha produzidas, já é fruto das novas experiências de ampliação Área de 5,99 7,85 5,22 utilizando densidades mais altas. Em todas as gerações a sobre- produção (ha) vivência é próxima aos 90% e é possível Projeções. realizar 3 ciclos de produção por ano, ***Encontra-se em fase de construção mais 8 viveiros da Geração 3 com 3,84ha de área de produção. despescando camarões com peso entre 17 e 18 gramas. Com a tilápia é possível realizar 2 ciclos por ano, com peso final entre 1000 e 1500 gramas. Em cada tanque de tilápia é produzido de 2 a 2,5 t. Antes atuando somente como componente do sistema, agora as tilápias passaram também a ser comercializadas.
Objetivos futuros
Dentre as metas futuras comentadas pela equipe da Camanor para a Aquaculture Brasil estão:
Construção de um laboratório para produção própria de pós-larvas de camarão, adaptadas ao sistema AquaScience; Implantação de um sistema bifásico de produção para os camarões dentro do novo projeto de ampliação. Atualmente os crustáceos entram no sistema como PL10 permanecendo até o final do cultivo; Como os alevinos de tilápia são produzidos pela própria Camanor em uma unidade denominada
Questionados sobre metas de produtividade, o sócio e superintendente da Camanor, Luiz Henrique afirma não terem metas, pois, uma vez que se estabelece uma
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Núcleo de Peixes, há estudos visando o melhoramento genético da linhagem para uma maior tolerância a salinidade; Criar um centro de treinamento para capacitação dos funcionários; Criar um centro de pesquisas especificamente voltando à produção. Atualmente os ensaios são desenvolvidos diretamente nos módulos de produção.
meta, se estabelece um fim, e se estivessem estabelecido um fim, a produtividade teria parado nos valores do G1. AquaScience, continuando a revolução...
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O recorde de produção alcançado em novembro de 2017 com 73,6 t/ha produzidas, já é fruto das novas experiências de ampliação utilizando densidades mais altas.
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O açude Castanhão e a cadeia produtiva da tilápia Profa. Dra. Elenise Gonçalves de Oliveira Departamento de Engenharia de Pesca Universidade Federal do Ceará (UFC) elenisego@yahoo.com.br
Prof. Dr. Sergio Alberto Apolinario Almeida
Curso de Engenharia de Aquicultura Instituto Federal do Ceará, Campus de Morada Nova sergio.alberto@ifce.edu.br
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O açude Padre Cícero, conhecido pelo nome de açude Castanhão, teve a sua construção iniciada em 1995 e concluída em 2003, com a finalidade precípua de drenar as águas da bacia hidrográfica do Médio Jaguaribe/CE e receber as águas da transposição do Rio São Francisco. O Castanhão, cujo complexo é administrado pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), é apontado como o maior açude para usos múltiplos da América Latina, estando à aquicultura entre as finalidades para ele projetadas.
O Castanhão possui uma bacia hidráulica de 44.800 km², vindo sua barragem a ser construída no leito do principal rio do Ceará, o Rio Jaguaribe. Em junho de 2004 o açude já acumulava 4,99 bilhões de m3 de água (74,58% de sua capacidade). Em 2008 o açude registrou o seu segundo maior volume (6,01 bilhões de m3 = 89,73% de sua capacidade) e em maio de 2009, o maior (6,55 bilhões de m3 = 97,82 % de sua capacidade).
Implantação dos primeiros projetos de piscicultura Enquanto os primeiros projetos aquícolas do Castanhão se instalavam (Estação de Piscicultura Rui Simões de Menezes - DNOCS; o projeto Curupati-Peixe de iniciativa da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República – SEAP/ PR; e o projeto Piscicultura Castanhão, de iniciativa do SEBRAE), a piscicultura cearense se consolidava em outras localidades do Polo de Produção Aquícola do Médio Jaguaribe e nos demais Polos de Produção (Alto Jaguaribe; Baixo Jaguaribe; Curu; Região
Metropolitana e Região Norte). Em todos os Polos, a produção tinha como foco a tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus), linhagem chitralada. Em 2013 a Agência Nacional de Águas (ANA), outorgou ao Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA – hoje extinto), as áreas de três parques aquícolas (Alto Santo, Jaguaribara e Jaguaribe/Jaguaretama), estabelecendo uma capacidade de suporte de 10.800 t de peixes/ano, e uma carga diária de ração da ordem de 47.342,5 kg de ração.
Os produtores de tilápia em tanques-redes, escolhidos por meio de processos licitatórios com vigência de 5 anos, foram subdivididos em duas categorias: não onerosa (674 lotes, sendo 337 para o parque aquícola de Jaguaribara, 199 em Alto Santo e 138 em Jaguaribe/Jaguaretama) - concedida a produtores locais, sem aporte de recursos; e o restante de forma onerosa - concedida a empresários, os quais obrigam-se a pagar pelo uso da água.
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Migração de produtores e mudanças Na metade da década atual (2013-2014), houve grande expansão da tilapicultura no açude Castanhão, expansão essa que pode ser atribuída à redução do volume de água dos demais reservatórios do Ceará, maioria dos Polos Aquícolas do Estado. Assim, para não paralisar as atividades, os piscicultores migraram para o Castanhão, se instalando em fazendas com “base terrestre”, para atender as demandas de alevinos, e com “base aquática”, para realizar a recria e terminação (engorda) em tanques-rede. O influxo de produtores fortaleceu a cadeia produtiva da tilápia no Castanhão, mas exigiu do setor o enfrentamento de grandes desafios, dentre os quais podem ser citados: implantação de estradas, energia elétrica, galpões, residências e laboratórios; convivência com a falta de saneamento básico no local; readequação das instalações de cultivo, substituindo os tanques-redes de
pequeno volume (6 a O influxo de 9 m3), pelos de médio e grande volume produtores (15 a mais de 150 fortaleceu a m3); construção de cadeia produtiva plataformas flutuda tilápia no antes para suportar Castanhão, mas operações de estoexigiu do setor o cagem, classificação, enfrentamento repicagem, vacide grandes nação e despesca desafios. de grandes volumes de peixes; atração de fornecedores de insumos e serviços para a região; mortalidades repentinas e de forma massiva dos peixes cultivados.
Profissionalização do setor Não obstante aos desafios enfrentados, em 10 anos de atividade o setor piscícola do Castanhão investiu em capacitação, incorporou tecnologias inovadoras, adquiriu novas linhagens genéticas de tilápia (Chitralada, GIFT, SUPREME e Spring) e desenvolveu protocolos alimentares mais eficientes, utilizando ração com melhor balanço nutricional. Também passou a monitorar de forma sistemática o oxigênio dissolvido e temperatura da água, adotou programas de imunização dos peixes e de aproveitamento de resíduos sólidos e o uso de softwares para o gerenciamento da produção. Isso contribuiu para a melhoria de índices zootécnicos e econômicos, de forma que em condições de normalidade é possível obter taxas de sobrevivência entre 82 a mais de 95%; produção
que pode superar 50 kg/m3; conversão alimentar entre 1,4 e 1,8:1; duração do ciclo de cultivo de 140 a 220 dias, para tilápia com peso médio final de 1,0 kg, com rendimento acima de 70% para peixes dessa classe de peso; e lucratividade de R$ 0,50 a 1,00 por kg de peixe produzido. Graças a isso, Jaguaribara entrou nas estatísticas como o município com a segunda maior produção de peixes no Brasil, por três anos consecutivos (2014=16,92 mil toneladas; 2015=13,80 mil toneladas; 2016=17,36 mil toneladas), produção essa absorvida, na maior parte, pelos mercados da grande Fortaleza e região metropolitana, com destaque para o mercado do Carlito Pamplona, redes de supermercados e comércio varejista.
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Jaguaribara: Terra da tilápia! Jaguaribara, município sede do açude Castanhão, conta com uma população de pouco mais de 10.000 habitantes, sendo que a cadeia produtiva da tilapicultura envolve direta e indiretamente cerca de 2.000 pessoas, cerca de 80 empreendimentos entre pequeno e médio porte e centenas de produtores não onerosos, organizados em associações ou produzindo de forma individualizada. Além disso, a cadeia produtiva da tilápia envolve: 12 associações de piscicultores, 01 cooperativa de produtores de tilápia, cerca de 80 produtores privados não associados; 08 empresas produtoras de alevinos de tilápia, 02 unidades de pequeno porte para beneficiamento do pes-
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cado, 02 fábricas de gelo, 03 metalúrgicas fabricantes de tanques-rede e equipamentos diversos para auxiliar a produção, 08 empresas que trabalham com a revenda de ração e 01 empresa especializada no recolhimento de resíduos e transformação em óleo de peixe a partir das vísceras do pescado abatido. Importante destacar que todos os empreendimentos mantêm pelo menos um profissional com Graduação na área de conhecimento das Ciências Agrárias, e alguns dos empreendimentos mantem parcerias com instituições de ensino e pesquisa, recebendo alunos em programas de estágios e de pesquisas.
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Início dos problemas As características do açude, com períodos de ausência de ventos, dias nublados, entrada de água nova, temperaturas elevadas (acima dos 30°C) e ocasionais mudanças da qualidade da água, além de manejo inadequado de comportas do açude, são apontadas como os principais responsáveis por mortalidades repentinas de peixes. Esse fato se agravou nos últimos anos, em função da redução drástica do volume de
água do açude (31/12/2011 = 73,62%; 15/11/2017 = 2,92% da capacidade de armazenamento). Em 2015, o setor registrou uma mortalidade de aproximadamente 2.500 toneladas de peixes, o que suspendeu a atividade em várias fazendas e levou alguns produtores a transferirem suas atividades para reservatórios dos vizinhos Estados da Paraíba, Piauí, Pernambuco e Bahia.
A espera das chuvas... Em 2017 os tilapicultores do Castanhão entraram em compasso de espera para colocar o Ceará de volta ao ranking dos maiores produtores de peixes do Brasil. Para isso aguardam as águas da transposição do Rio São Francisco (a previsão inicial era para 2012 e a atual é para 2018), uma vez que são cada vez menores as expectativas de recuperar o nível das águas do açude com as poucas chuvas de 2017. Enquanto aguardam a recuperação do nível do açude, os tilapicultores vem buscando tecnologias
que diminuam o consumo de água (sistemas de recirculação de água – RAS; Bioflocos – BFT; cultivos integrados – Aquaponia, etc). Outra medida importante diz respeito à realização de estudos técnicos para um reordenamento dos parques aquícolas e o estabelecimento de novas diretrizes para o setor. Essa medida envolve uma parceria entre o DNOCS (órgão que gerencia o Castanhão), o setor produtivo e os profissionais da iniciativa privada e do setor público.
Figura 1. Volume de água acumulado no açude Castanhão, no período de janeiro de 2004 a maio de 2017. Fonte: Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH)/Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME).
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O dia a dia da compostagem orgânica: Manejo, relação C/N e aplicação Me. Ivã Guidini Lopes
Laboratório de Compostagem Centro de Aquicultura da Unesp (CAUNESP) ivanguid@gmail.com
Dra. Rose Meire Vidotti
Polo Regional Centro Norte Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios
Profa. Dra. Mara Cristina Pessôa da Cruz
Laboratório de Fertilidade do Solo Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV/UNESP)
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Minimizar impactos ambientais, aumentar o caráter sustentável da produção aquícola e possibilitar o incremento da geração de renda com um novo produto. Esses são apenas alguns dos múltiplos benefícios da adoção da compostagem orgânica em empreendimentos aquícolas, sejam eles piscicultura (alevinagem e engorda), frigorífico ou mesmo centros de pesquisas na área. O fato é que não podemos mais ser negligentes com os resíduos que geramos, pois mesmo quando o impacto não é visível prontamente, é certo que cedo ou tarde ele será sentido por todos. Por ser um método de baixo custo e de fácil implementação, além de se adequar a praticamente todos os resíduos sólidos gerados na cadeia,
a compostagem orgânica vem ganhando importância e maior visibilidade entre aquicultores, os quais, em sua maioria, não costumam incluir em seus projetos iniciais a gestão dos resíduos. A falta de planejamento leva os produtores a iniciarem o projeto de gestão de resíduos com certa desconfiança e desânimo, pois estes, de imediato, podem pensar apenas nos gastos e nas horas de dedicação ao processo que serão subtraídas das atividades consideradas principais. No entanto, a gestão dos resíduos gerados em qualquer produção animal possui tanta importância quanto qualquer outra atividade típica do empreendimento e deve ser realizada da forma mais adequada e consciente possível.
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Figura 1. Resíduos dispostos em uma pilha de compostagem.
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Materiais utilizados e relação C:N
Os resíduos de animais aquáticos variam significativamente de acordo com o tipo de empreendimento e incluem, de modo geral, carcaças de peixes mortos naturalmente em pisciculturas, resíduos do processamento de diferentes organismos ou mesmo carcaças oriundas de pesquisas científicas (Vidotti e Lopes, 2016). Esses resíduos podem ser destinados à compostagem da maneira como são gerados (p. ex. carcaças inteiras) (Figura 1), sendo desnecessária sua moagem. Além destes, para a compostagem é necessária também a inclusão de um substrato vegetal, o qual servirá primordialmente como agente estruturante das composteiras. Existem muitas possibilidades de substratos vegetais, como por exemplo, poda de árvores, serragem, cascas e palhas de grãos (p. ex. arroz, amendoim, milho), que não precisam estar secos para serem utilizados, pois a umidade desses materiais contribui de forma significativa para o bom andamento do processo de compostagem. Os resíduos de animais servem como fornecedores de um nutriente importante, o nitrogênio, enquanto os resíduos vegetais são fontes principais de carbono. Assim, é importante saber ao menos a relação carbono: nitrogênio (C: N) dos materiais que estão sendo utilizados, dado que auxiliará no planejamento dos manejos a serem feitos nas composteiras. Por exemplo, a relação C: N de resíduos de animais aquáticos (carcaças de peixes, camarões e rãs) pode variar entre 5,0 e 6,5, enquanto a serragem e a casca de amendoim possuem relações C: N de 257,9 e 38,4, respectivamente. Com isso, é possível planejar a relação C: N inicial de uma composteira no momento da montagem. Em diversos materiais didáticos é possível encontrar recomendações para a montagem de leiras com a relação C: N inicial de 30: 1, ou seja, 30 partes de carbono para 1 parte de nitrogênio (Inácio e Miller, 2009). No entanto, o cálculo dessas proporções
não se enquadra A gestão dos para todos os tipos de resíduos resíduos geraexistentes, como dos em qualquer no caso da com- produção animal pospostagem com sui tanta importância resíduos de ani- quanto qualquer outra mais aquáticos, atividade típica do emna qual é muito difícil atingir esse preendimento e deve critério, mesmo ser realizada da forma sabendo a quan- mais adequada tidade de C e N e consciente possível. dos resíduos utilizados. Mesmo assim, é possível trabalhar com proporções específicas de resíduos de animais e vegetais e verificar o andamento normal do processo de compostagem, obtendo-se um composto orgânico de boa qualidade (Lopes et al., 2017). Com o passar dos anos, fomos aprimorando os métodos de compostagem de animais e estabelecendo procedimentos essenciais, como a necessidade de altura mínima da leira de 55 cm para a temperatura atingir os valores recomendados, de revolvimentos periódicos e da manutenção da umidade no interior da composteira. Um dos aprendizados mais importantes foi que a relação C: N é de difícil equilíbrio. Contudo, vale destacar que apesar das dificuldades, o andamento da compostagem depende significativamente do “olho” do responsável pelo manejo, pois a cada dia surgem problemas novos, sem procedência, e que devem ser resolvidos prontamente. Tratando-se da compostagem orgânica, não há melhor aprendizado do que colocar a mão na massa e acompanhar o processo com seriedade. O acompanhamento de uma composteira deve ser feito diariamente, quanto à:
Temperatura; Aspecto da pilha (exposição de carcaças ou vazamento de chorume); e Umidade dos materiais dispostos.
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Figura 2. Adição de água em uma composteira com 10 dias de compostagem, para manutenção da umidade no interior e na superfície da pilha.
A temperatura pode ser verificada com a inserção de um vergalhão de ferro no interior da composteira, o qual deverá estar quente após a inserção. Já a exposição de carcaças e o vazamento de chorume devem ser evitados, adicionando mais substrato caso necessário. O parâmetro mais difícil de manter em níveis adequados, sem o uso de equipamentos específicos é a umidade, a qual dependerá muito do olho do observador (Figura 2). Uma composteira com baixa umidade possui grande quantidade de pó, o qual é levantado no ar quando se revolve a pilha, enquanto materiais úmidos não causam esse fenômeno. Além disso, é perceptível quando o material está úmido pelo seu aspecto geral,
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mas essa percepção só é obtida com o tempo. A umidade da composteira estará visualmente acima dos níveis recomendados (acima de 60%) quando a temperatura não atingir altos níveis (próximos a 65 °C) no primeiro ou segundo dia após a montagem da mesma, ou quando for perceptível um excesso de chorume sendo gerado na pilha. Para evitar o vazamento excessivo de chorume e o excesso de umidade, é recomendada a adição de mais substrato na composteira, até que esses eventos parem de ocorrer. Vale ressaltar que a temperatura no interior da leira estável com a temperatura ambiente, é o indicativo de que a compostagem está finalizada, desde que os manejos periódicos tenham sido realizados corretamente.
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Aplicação do composto orgânico no solo Compostos orgânicos de carcaças de animais podem ter uso direto, puros ou em mistura com outros materiais, para composição de substratos utilizados na produção de mudas de espécies frutíferas e ornamentais, que já são mercados consumidores de compostos orgânicos. Além do uso direto, os compostos podem ser aplicados no solo. A composição do composto depende da combinação dos materiais utilizados, entretanto, compostos produzidos a partir de carcaças de peixes são, de modo geral, ricos em nitrogênio e fósforo. Uma característica obrigatória do composto é que ele deve apresentar relação C: N menor do que 20. A aplicação e incorporação ao solo de materiais ricos em carbono e pobres em nitrogênio (com alta relação C: N) não é recomendável,
pois no processo de transformação do composto aplicado pode haver consumo do nitrogênio mineral do solo por microrganismos, o que pode resultar em deficiência temporária de nitrogênio para as plantas e perda de produtividade. No entanto, obedecendo aos princípios da compostagem e fazendo manejo adequado do produto no solo, a aplicação de compostos é altamente benéfica não só pelo fornecimento de nutrientes às plantas, mas pelo potencial de aumento do teor de matéria orgânica do solo. Aumentar o teor de matéria orgânica do solo não é um processo fácil, mas quando ocorre, o solo ganha qualidade: melhora a estrutura e a capacidade de armazenar água e nutrientes, o que é extremamente importante para manter e melhorar a produtividade das culturas.
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Figura 3. Setor de compostagem do Caunesp.
Conclusão A compostagem dos animais mortos, além de resolver o problema da destinação do resíduo, pode, com algum investimento, resultar em um produto que permite reciclar nutrientes e melhorar a qualidade do solo, com geração de renda extra para o aquicultor.
Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
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Segurança do trabalho é o conjunto de medidas técnicas, educacionais, médicas e psicológicas, empregadas para prevenir acidentes, quer eliminando as condições inseguras do ambiente, quer instruindo ou convencendo as pessoas da implantação de práticas preventivas (Chiavenato, 2002). Manter um ambiente de trabalho seguro e saudável é obrigação de todos os empregadores do Brasil, independente do ramo de atividade. Segundo o Artigo 7º da Constituição Federal
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Brasileira, são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Esta obrigação constitucional, em muitos casos, é desrespeitada por algumas empresas, já que nelas as normas de saúde e segurança do trabalho não são postas em prática. Neste artigo iremos abordar sobre a segurança do trabalho, aplicando-a a situações do dia a dia de quem trabalha com aquicultura.
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A imp ortância da S eg urança do Trabalho na A tividade A quícola Prof. Dr. Renato Teixeira Moreira* Prof. Dr. Antonio Glaydson Lima Moreira Prof. Dr. José Reges da Silva Lobão Instituto Federal do Ceará – IFCE, Campus Morada Nova *drrtm234@gmail.com Prof. Esp. Gabriel Teixeira Pinto Instituto Federal do Ceará – IFCE, Campus Fortaleza
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O que diz a legislação? Segundo a Lei 8.213/1991, em seu artigo 19, o acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Os colaboradores estão expostos a cortes no manuseio de equipamentos utilizados na aquicultura e utensílios como facas, facões dentre outros, a quedas e escorregões, choques elétricos, caso os equipamentos não estejam instalados e/ou aterrados de forma correta, presença de plantas urticantes e cortantes, presença de animais peçonhentos e/ou insetos nocivos e na manipulação dos próprios organismos cultivados. Este último pode ser exemplificado no cultivo da tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus), onde a espécie apresenta espinhos ósseos nas nadadeiras, e no cultivo do camarão Litopenaeus vannamei, que apresenta uma estrutura pontiaguda na extremidade da cauda denominada telson. Ambas estruturas corporais destes animais, podem provocar cortes, perfurações e outros ferimentos nos técnicos que inadvertidamente os manipulam sem a devida proteção. Ainda sobre a Lei 8.213/1991, em seu artigo 21, também considera como acidente de trabalho, o acidente de trajeto. Este é ocorrido no percurso entre a residência e o local de trabalho ou do local de trabalho para a residência do trabalhador e também as doenças (artigo 20) que os empregados possam adquirir no exercício de suas funções. A empresa deve comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte ao dia do ocorrido. Essa Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT, garante aos trabalhadores os benefícios previdenciários que porventura lhes sejam devidos (Lei 8.213/1991, artigo 22). Os trabalhadores que laboram tanto em empreendimentos aquícolas de água salgada, salobra e/ou em ambientes de água doce, estão constantemente expostos a outros riscos que
podem comprometer sua segurança e principalmente sua saúde. Devido às condições de trabalho, o ambiente pode tornar-se insalubre. Por definição, insalubre é considerado aquele ambiente que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos (Art. 189 da CLT). No entendimento geral da Norma Regulamentadora Nº 15 (NR-15), do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, insalubridade fica definida como sendo a exposição a riscos físicos, químicos e biológicos. Os trabalhadores de empreendimentos aquícolas estão constantemente realizando suas atividades à céu aberto, em algumas situações expostos ao sol, consequentemente, submetidos aos riscos físicos de radiação não ionizante (raios UV) e calor. Eles também estão expostos ao risco físico umidade, caso permaneçam em contato com a água do ambiente de cultivo sem a devida proteção, como por exemplo em procedimento de despesca por arrasto. Já em relação aos riscos químicos, estão expostos a materiais particulados (poeira) característico de ambientes rurais e sem cobertura vegetal, e ao pó proveniente dos “finos da ração” e outros produtos como os materiais calcários. O uso de conservantes para manter a qualidade do pescado pós-despesca, também pode ser considerado de risco químico. Em relação aos riscos biológicos, de acordo com a NR-15, em seu anexo 14, o trabalhador desta atividade só estará exposto a este risco caso tenha contato permanente com carnes, glândulas, vísceras e sangue de animais que estejam acometidos com doenças infectocontagiosas. Isso ocorre devido ao contato com vírus, bactérias, fungos ou qualquer outro microrganismo que possa afetar sua saúde, onde uma simples lesão ou corte superficial pode levar a infecção cruzada provocada pelo agente infeccioso.
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Levantamento dos acidentes de trabalho na aquicultura brasileira De acordo com o mais recente anuário estatístico de acidentes do trabalho, divulgado pela Previdência Social, entre os anos de 2013 e 2015 foram comunicados 221 acidentes (Tabela 1), incluindo os típicos, de trajeto e doenças, envolvendo trabalhadores na atividade de aquicultura em água salgada e salobra. Já em aquicultura de água doce foram comunicados à Previdência Social 291 acidentes, incluindo os típicos, de trajeto e doenças (Tabela 2). Um outro risco a qual os trabalhadores estão expostos é o ergonômico. Segundo a Norma Regulamentadora Nº17 (NR-17) do MTE, não deverá ser exigido nem admitido o transporte manual de cargas, por um trabalhador cujo peso seja suscetível de comprometer sua saúde ou sua segurança. Isso muitas vezes não é respeitado na aquicultura, já que é constante o manuseio de peso excessivo, como por exemplo a movimentação manual de vários sacos de ração ao longo da jornada de trabalho, fazendo com que os trabalhadores possam ter problemas (doenças) na coluna vertebral. De acordo com a NR 06 do MTE, toda empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, Equipamento de Proteção Individual (EPI) adequado
ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, orientações e treinamentos quanto ao uso adequado destes equipamentos. Já na NR 31, que, entre outros ramos de atividade, cita obrigações sobre saúde e segurança do trabalho na Aquicultura, o empregador rural, de acordo com as necessidades de cada atividade, deve garantir ao empregado, equipamentos de proteção individual, dos quais podemos destacar para atividades aquícolas, chapéu ou outra proteção contra o sol, chuva e salpicos; protetores faciais contra lesões ocasionadas por partículas, respingos, vapores de produtos químicos e radiações luminosas intensas; óculos contra a ação da poeira e do pólen; protetores auriculares para as atividades com níveis de ruído prejudiciais à saúde; proteção das vias respiratórias, luvas e mangas de proteção contra lesões ou doenças provocadas por materiais ou objetos escoriantes ou vegetais, abrasivos, cortantes ou perfurantes e picadas de animais peçonhentos; botas impermeáveis e antiderrapantes para trabalhos em terrenos úmidos e/ou lamacentos; botas com solado reforçado, onde haja risco de perfuração; calçados fechados, jaquetas, aventais, entre outros.
Tabela 1. Acidentes notificados na atividade aquícola praticada em ambientes de água salobra ou salgada nos anos de 2013 a 2015.
Tipo Tipo de de Acidente Acidente Típico Típico Trajeto Trajeto
Doenças Doenças Total Total
Aquicultura Aquicultura em em água água salgada salgada ee salobra salobra 2013 2014 2015 2013 2014 2015 56 56 17 17
48 48 23 23
00 73 73
55 55 19 19
33 74 74
00 74 74
Tabela 2. Acidentes notificados na atividade aquícola praticada em ambientes de água doce nos anos de 2013 a 2015.
Tipo de Acidente
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Aquicultura em água doce 2013
2014
2015
Típico
115
76
63
Trajeto
12
12
12
Doenças
1
0
0
Total
128
88
75
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Conclusões Para finalizar é importante ressaltar o comprometimento em cumprir as normas de saúde e segurança do trabalho, não só para as atividades aquícolas, mas para todas as atividades realizadas em ambiente rural. Assim como é muito importante que os empregadores comuniquem, de forma oficial, todos os acidentes de trabalho, seja ele típico, trajeto ou doenças adquiridas no trabalho. Esta comunicação, além de ga-
rantir aos empregados seus direitos previdenciários, mantém os dados estatísticos de acidentes de trabalho, que ocorrem na atividade aquícola atualizados. Essa não é uma forma de punir o empresário, mas sim de possibilitar o desenvolvimento de melhores práticas laborais e construir uma atividade mais responsável, segura e saudável.
Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos
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Artigos
pa r a c u r t i r e c o m pa r t i l h a r A quaponia
em
RAS!
Editada pelo brasileiro Wagner Cotroni Valenti, em parceria com os pesquisadores A. A. Van Dam e W. Zhang, a revista científica Aquaculture Reports é mais um periódico científico superinteressante e disponível online para consultas em geral. Em seu 7º volume (páginas 77-82, agosto de 2017), foi publicado o artigo “Valuation of vegetable crops produced in the UVI Commercial Aquaponic System”, de autoria de Donald S. Bailey e Rhuanito S. Ferrarezi. O trabalho está na lista dos mais baixados da Aquaculture Reports e, de fato, vale a pena a leitura!
O sistema “UVI Commercial Aquaponic” foi projetado com intuito de produzir peixes e vegetais em um sistema de recirculação aquícola; Os aquicultores podem produzir uma variedade de culturas ou se especializarem nas culturas mais valiosas para aumentar a lucratividade; Cada ciclo produz um valor diferente por unidade de área. Neste contexto, a seleção de variedades é importante visando o maior retorno do investimento.
Confira os resultados do trabalho e o artigo completo no link: https://doi.org/10.1016/j.aqrep.2017.06.002
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C
h a r g e s
Fonte de cรกlcio?
Brincadeira tem hora!
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BIOTECNOLOGIA DE ALGAS
Sistemas de Cultivo de Microalgas – Parte II Dr. Roberto Bianchini Derner Laboratório de Cultivo de Algas Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Florianópolis, SC roberto.derner@ufsc.br
S
eguindo com o assunto sobre a produção de microalgas, a escolha do sistema de cultivo a ser implantado deve ser feita levando em consideração o produto a ser obtido e/ou a sua aplicação. Na literatura são encontrados artigos apontando tanto as vantagens e desvantagens dos sistemas abertos quanto dos sistemas fechados, entretanto, é consenso que os sistemas abertos têm menores custos de implantação e de operação e manejo simplificado, no entanto, não permitem o controle dos parâmetros ambientais que implicam no crescimento das culturas e na qualidade da biomassa. Tanto em sistemas abertos quanto em sistemas fechados é possível a aplicação de diferentes Métodos de Cultivo: Estacionário (batelada ou “batch”), Semicontínuo ou Contínuo; que podem im-
plicar em grandes variações na produtividade das culturas, no valor nutricional da biomassa e nos custos de produção. Quase como uma regra, nos cultivos para a alimentação dos organismos de aquicultura (rotíferos, copépodes, artêmias, cladóceros, larvas de camarões e moluscos etc.) a produção de microalgas é desenvolvida com o emprego do Método Estacionário, no qual um recipiente (garrafa, bolsa plástica, cilindro, tanque etc.) é enchido com água tratada (através de filtração, cloração, UV ou ozônio, p. ex.), logo são adicionados os nutrientes e na sequência é feita a inoculação (geralmente uma cultura com menor volume). Esta cultura é mantida por algum tempo - sem qualquer manejo, enquanto as microalgas se multiplicam por sucessivas divisões mitóticas, e após alguns dias é integralmente
Figura 1. Curva de crescimento de uma cultura de microalgas em cultivo do tipo/método estacionário (batelada ou “batch”).
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empregada na alimentação dos organismos, ou pode servir de inóculo para o desenvolvimento de culturas com maior volume. Neste método de cultivo o crescimento das culturas pode ser representado por uma Curva de Crescimento (Figura 1) que apresenta (teoricamente) cinco fases distintas: 1) Fase de Aclimatação (Indução ou Lag), na qual as células microalgais recém inoculadas podem sofrer temporariamente alguma forma de estresse por conta das novas condições ambientais (irradiância, concentração de nutrientes, pH, temperatura etc.), e até ocorrer a morte de parte das células em casos de estresse extremo - na prática, isto ocorre por falta de atenção ou de conhecimento do microalgicultor; 2) Fase Exponencial (Log), na qual a multiplicação celular é intensa e constante. Ao final desta fase (Fase Exponencial Tardia) as culturas alcançam elevada densidade celular e as células têm significativos teores de proteínas e de ácidos graxos poli-insaturados, assim apresentam a melhor qualidade nutricional para uso na alimentação em aquicultura. Além disso, em geral a contaminação microbiana - sempre presente em culturas em maior escala – ainda permanece em baixo nível. Cabe apontar que o crescimento das culturas decorre da assimilação (ou consumo) dos nutrientes do meio de cultura e, recomendamos o desenvolvimento de estudos da nutrição das microalgas visando que os nutrientes sejam integralmente consumidos até o final desta fase; 3) Fase de Redução do Crescimento Relativo, onde, por conta da diminuição da passagem da luz para o interior da cultura causado pelo autossombreamento - e não necessariamente pela falta de nutrientes – ocorre redução na taxa de divisão celular; 4) Fase Estacionária, na qual, devido ao agravamento do autossombreamento e da depleção dos nutrientes, a taxa de divisão celular é contrabalançada pela taxa de morte, assim, a densidade celular permanece constante por algum tempo. A limitação do crescimento da cultura
causa intensas alterações metabólicas que refletem na composição bioquímica da biomassa, e que podem levar à perda do valor nutricional, mas isto pode ser interessante se o objetivo é a extração de alguns pigmentos, ácidos graxos saturados e outros produtos de valor comercial; 5) Fase de Morte, quando as condições de cultivo já não mais permitem o desenvolvimento da cultura. Apesar da informação geral sobre o cultivo de microalgas, é incomum que nos laboratórios tenham sido desenvolvidos estudos para o conhecimento da máxima densidade celular (ou biomassa) possível de ser alcançada nos sistemas de cultivo – é ainda menos comum que seja conhecido o momento em que a biomassa apresenta o maior valor nutricional para os organismos a serem alimentados. Em geral, alguém decidiu (sem conhecimento aprofundado) que as culturas em cultivo estacionário estão “prontas” em três dias, por exemplo, e daí aquela informação é propagada ad aeternum. Ocorre que, na maioria dos casos, neste tempo de cultivo as culturas ainda não atingiram a maior densidade celular possível de ser alcançada naquelas condições de cultivo, podendo levar a um gasto desnecessário de água e de nutrientes. Dentre diversos pontos que precisam ser considerados, um muito importante é que o nitrogênio do meio de cultura (usualmente nitrato) quando não corretamente dosado pode levar a um consumo luxuriante (excessivo e sem vantagem para o desenvolvimento da cultura) e, pior, caso ainda esteja em elevada concentração no momento de uso da cultura na alimentação dos organismos pode se tornar tóxico (nitrogênio amoniacal) para estes organismos. Portanto, o profundo conhecimento dos sistemas de cultivo e, principalmente, do metabolismo das microalgas é fator determinante nos laboratórios, quando devem ser considerados os custos de produção, e principalmente a qualidade das culturas e da biomassa.
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G r e e n Te c h n o l o g i e s
Bioflocos:
todas as espécies são aptas?
Dr. Maurício Gustavo Coelho Emerenciano UDESC, Laguna, SC mauricioemerenciano@hotmail.com
sas sobre o potencial e aplicação do sistema de bioflocos para diferentes espécies de organismos aquáticos. Mas afinal, quais seriam os fatores que devem ser levados em consideração antes de escolher uma espécie? Durante muito tempo, precisamente desde 2011 no meu primeiro curso ministrado sobre BFT realizado no México, sempre indago e questiono
• Hábito alimentar filtrador e/ou detritívoro: neste sentido haveria um melhor aproveitamento dos agregados microbianos, com consumo direto dos bioflocos e consequentemente redução na conversão alimentar e economia com rações; • Aparato morfológico adequado: como rastros branquiais mais desenvolvidos nos peixes e maxilípedes diferenciados nos camarões, onde facilitaria a apreensão das partículas suspensas e/ ou aderidas em algum substrato (biofilme); • Tolerantes a níveis intermediários dos compostos nitrogenados: visando um melhor enfrentamento dos picos de amônia e nitrito que normalmente ocorrem durante os ciclos produtivos; • Tolerantes aos sólidos suspensos: presentes nos sistemas e que devem ser monitorados e, se necessário, controlados, visando o bem-estar da espécie e a manutenção da qualidade de água do cultivo; • Tolerante a altas densidades de estocagem: item importante para uma correta formação dos bioflocos e ajudando a viabilizar o sistema; • Preferencialmente de ciclo curto de produção: “fugindo” dos riscos inerente de qualquer cultivo intensivo; • Possuir bom valor de mercado: justificando os altos custos de investimento necessários para o sistema. 68
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os participantes sobre quais seriam os fatores que devem ser levados em consideração antes de escolher uma espécie apta. Muitas vezes nossas “fronteiras” são limitadas às tilápias e aos camarões marinhos Litopenaeus vannamei. Mas em diversas regiões do Brasil e também em outros países, outras espécies desempenham papel fundamental na aquicultura regional e o sistema BFT poderia ser uma alternativa, ao menos em alguma etapa de produção. Neste sentido alguns pontos devem ser atendidos ou levados em consideração, tais como:
© Tayna Sgnaulin
após ano depois de diversas visitas, cursos e realizados no Brasil e fora dele, cada vez A notreinamentos mais venho escutando nas rodas “informais” de conver-
Figura 1. Exemplos de espécies alternativas como piracanjuba Brycon orbignyanus e pacu Piaractus mesopotamicus sendo testadas no Laboratório de Aquicultura da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Campus Laguna-SC.
Estes são apenas alguns fatores, mas certamente com o avanço da ciência nas Universidades e Centros de pesquisa, somados às experiências da iniciativa privada, vamos ampliar os horizontes do conhecimento e poder aplicar com maior segurança este desafiador sistema (BFT) nas espécies alternativas brasileiras e mundiais. É ver para crer! Nas próximas colunas iremos relatar algumas experiências que deram certo e perspectivas para o futuro do sistema BFT para espécies alternativas!
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Empreendedorismo Aquícola O que é nosso está guardado André Camargo Escama Forte andre@escamaforte.com.br
co se fala nos enormes potenciais que temos para a produção de peixes tropicais de água salgada. Falamos pouco pois trata-se de um potencial ainda mais distante. O mar oferece uma realidade distinta da água doce que torna o processo muito mais difícil de se transformar em realidade produtiva. Se pensarmos em pacote tecnológico, a piscicultura marinha encontra-se um pouco atrás, pois a alevinagem comercial, por exemplo, somente há poucos anos foi dominada de forma a garantir a instalação de unidades de engorda em todo o País. Contamos com apenas duas espécies com volume comercial, o bijupirá (Rachycentron canadum) e a garoupa (Epinephelus marginatus), enquanto na água doce temos mais de 20 espécies em produção. Mas serão estes os motivos pelos quais a atividade ainda não deslanchou? Não! A piscicultura marinha possui um dificultador maior que torna o processo muito mais complicado: o Mar. Este ambiente exige mais em todos os pontos de vista: investimentos, instalações, tecnologia, logística e assim por diante. Se na água doce já é difícil viabilizar pequenos projetos, na água salgada isso passa a ser praticamente impossível. Os investimentos necessários em processos básicos como embarcações, tanques-rede, fundeio das estruturas, entre outros, são caros e devem ser planejados de forma extremamente profissional para que o dinheiro investido não se perca. Projetos como os das empresas Redemar Alevinos, da Fazenda Marinha Ilha de Búzios e da Maricultura Costa Verde, devem e com certeza serão extremamente valorizados pela aquicultura brasileira, pois o pioneirismo empenhado por estes empresários é digno de reverência por todos aqueles que sabem o quanto foi difícil chegar até aqui. Não podemos deixar de citar também os esforços realizados pelos pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa, com destaque para UFSC, FURG, UFC, Instituto de Pesca, entre outros. Agora, uma coisa é fato, este pioneirismo ajudou o Brasil a caminhar e a estarmos cada vez mais
próximos de encontrar o caminho para investimentos de maior porte que venham a originar a indústria da piscicultura marinha brasileira. Indústria que tem tudo para ser muito grande e forte, levando para o Brasil e o mundo um pescado de alto valor agregado que não pode mais ser ofertado pela indústria da pesca extrativa. Portanto caros leitores, o que é do Brasil está guardado e quando se tornar realidade será feito de forma triunfal.
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© André Camargo
ue temos os maiores potenciais do mundo para Q produção de peixes tropicais de água doce, todos já estamos cansados de saber, porém muito pou-
NUTRIÇÃO
Manejo alimentar Parte II: Taxa de arraçoamento Dr. Ar tur Nishioka Rombenso Laboratório de Nutrição, Instituto de Oceanografia, Universidade Autônoma de Baja California, Ensenada, México. artur.nishioka@uabc.edu.mx
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a coluna passada apresentei o conceito de manejo alimentar e abordei com maiores detalhes a frequência alimentar. Se você ainda não teve a oportunidade de lê-la, recomendo que busque a edição número 8! Hoje continuarei no mesmo assunto, porém tratando sobre a taxa de arraçoamento. Vale ressaltar novamente que existe uma sinergia entre a frequência alimentar e a taxa de arraçoamento, portanto, para resultados mais precisos, recomendo avaliar esses dois parâmetros em conjunto através de um desenho experimental fatorial. A taxa de arraçoamento consiste na quantidade (em unidades de peso como kg e g) de alimento ofertado diariamente, que pode ser: (1) preestabelecida em função da porcentagem de biomassa de um tanque que, para muitas espécies de peixes, por exemplo, pode variar entre 3% e 7%; ou (2) baseada na saciedade aparente, a qual é definida pela redução do frenesi alimentar dos organismos, porém é algo subjetivo, variando de acordo com o bom senso de cada um. Ambas têm suas vantagens e desvantagens, e são utilizadas dependendo do objetivo da alimentação, sistema experimental ou de criação, espécie em questão, fase do ciclo de vida, entre outros fatores. É fato que quanto mais alimentarmos um organismo, mais ele crescerá, porém isso ocorre até certo ponto. O mais importante a ser considerado é o quão eficiente será o crescimento, pois o excesso de alimento pode alterar a composição proximal (principalmente acúmulo de gordura no filé e na região intraperitoneal), aumentar o fluxo gastrointestinal (aumento de fezes), aumentar o desperdício
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de alimento e ainda aumentar a entrada de nutrientes no sistema de criação, deteriorando a qualidade da água do mesmo. Como ilustração, cito um experimento realizado com juvenis de 3g do peixe marinho enxada (Chaetodipterus faber, de potencial aquícola comercial e ornamental) alimentados com duas frequências alimentares (1 e 3 vezes ao dia) e três taxas de arraçoamento (3, 5 e 7% da biomassa). Foi utilizada uma ração comercial de 1,4 mm para peixes marinhos com 50% de proteína bruta, 10% de lipídio, 3% de fibra e 16% de cinzas. Após 39 dias, observamos que quanto maior a taxa de arraçoamento maior o crescimento, e quanto mais frequente a alimentação maior o crescimento, independente da taxa de arraçoamento. Assim, para essa espécie, tamanho de organismo, tipo de alimento e sistema de criação, a melhor frequência alimentar foi de 3 vezes ao dia. Já em relação a taxa de arraçoamento, vale ressaltar que apesar do maior crescimento dos peixes alimentados a 7% da biomassa, o mesmo é menos eficiente que 5% da biomassa. Nesse mesmo estudo foram observados acúmulo de lipídio e redução de proteína na composição proximal de peixes inteiros conforme o aumento da taxa de arraçoamento. Para mais informações, sugiro a leitura do artigo Trushenski et al., (2012). O intuito dessas duas últimas colunas foi demonstrar a importância do regime alimentar na aquicultura e sua influência na produção, na qualidade nutricional do produto final, na sustentabilidade e viabilidade da fazenda.
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Figura 1. Crescimento (peso final individual) de juvenis de peixe enxada alimentados com diferentes frequências alimentares (1 e 3 vezes ao dia) e taxas de arraçoamento (3, 5 e 7% da biomassa) por 39 dias. (Trushenski et al., 2012).
Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/colunas
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ATUALIDADES & TENDÊNCIAS NA AQUICULTURA
Fenacam 2017: um mar de otimismo
Fábio Rosa Sussel - Zootecnista, Dr.; Pesquisador científico da Apta - UPD Pirassununga, SP. sussel@apta.sp.gov.br
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té já tinha um outro artigo começado para esta edição, porém, após ter participado da Fenacam 2017 achei mais pertinente deixar registrado o meu relato sobre o evento. Tecnicamente impecável e comercialmente fantástico. Recorde de público e de negócios concretizados. Palestras da programação e eventos paralelos disputados. Entre outras observações, estas listadas representam bem o que foi o evento. Notou-se ainda uma postura diferente do público presente. Tanto estudantes quanto produtores, extremamente interessados em novas informações, tecnologias. Fazendas enviaram seus funcionários para conhecer o evento e as novidades do setor. O otimismo estava estampado no rosto de todos. Com todos os expositores que conversei, a reação foi a mesma: “Superou a melhor das expectativas. ” E com uma particularidade bem interessante: preferência por produtos e marcas mais conceituadas, tecnificadas. Ou seja, estão captando a mensagem que o novo momento da aquicultura exige profissionalismo e dedicação. É possível sim conviver com a mancha branca e é viável financeiramente investir, mas é necessário mudar a postura para produzir. Me chamou a atenção ainda a participação expressiva da piscicultura no evento. Paralelamente ao XIV Simpósio Internacional de Carcinicultura ocorria também o XI Simpósio Internacional de Aquicultura, onde as palestras eram mais voltadas para a parte de peixes. Piscicultores de todas as regiões do país estavam presentes no evento. Aliás, que bela iniciativa da ABCC abrir mão de qualquer vaidade e pensar na aquicultura como um todo. É de iniciativas assim que precisamos cada vez mais.
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Por sinal, está mais que na hora de pensarmos em uma associação nacional que represente a aquicultura como um todo. Não tenho dúvidas que seria muito mais estratégico levar nossas reivindicações por meio de uma representação nacional bem consolidada (e temos condições pra isto) que continuarmos vinculados (e sem representatividade) a pesca extrativa. Por que não a fusão da Peixe BR e ABCC? Precisamos urgentemente pensar na aquicultura como um todo. Por casualidade, no intervalo de uma semana tive a grata oportunidade de conversar sobre este assunto com Itamar Rocha (Presidente da ABCC) e Ricardo Neukirchner (Presidente da Peixe BR). Ficou claro para mim o entendimento e o desejo de fusão entre as duas entidades. Peixe BR tem muito a agregar com a ABCC e vice-versa. Algumas “vaidades” (não sei se seria este o termo mais adequado) precisam ser superadas. O mais importante é que ambos os lados possuem o entendimento da importância disso. Uma associação nacional forte com seus respectivos representantes estaduais. Lembrando da necessidade urgente de conscientizar todos os associados e envolvidos que associação não é para ajudar produtores em suas particularidades. E sim representatividade dos interesses comuns. Associação é para reivindicar e não reclamar. Vale a pena refletir sobre o assunto. Voltando a Fenacam 2017, sem sombra de dúvidas o maior evento da aquicultura brasileira dos últimos anos. Evento técnico e objetivo, que conciliou transferência de tecnologias e negócios. Fica o exemplo para todos os outros eventos técnicos e científicos a serem realizados no Brasil: quanto de dinheiro público será usado, qual a abrangência do evento e qual o resultado prático esperado/obtido?
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Figura 1. Vista a partir do Centro de Convenções de Natal - Fenacam 2017
RANICULTURA MONITORAMENTO DA QUALIDADE DA ÁGUA: CONCEITOS INICIAIS Dr. Andre Muniz Afonso Universidade Federal do Paraná (UFPR), Palotina, PR. andremunizafonso@gmail.com
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aros leitores, pode parecer surreal, mas existe um grande grupo de produtores que nunca avaliou a qualidade da água que abastece a sua propriedade. O mesmo pode ser extrapolado para a quantidade, também conhecida como vazão. A produção aquícola tem a sua base na água, ela é, sem sombra de dúvida, o elemento mais importante da aquicultura. As soluções e os problemas passam por ela, inclusive, a causa destes pode estar nela. Sendo assim, a pergunta é: “-Por que isso ocorre?” Falta amadurecimento no setor produtivo aquícola nacional. Quando vemos as notícias recentes da proibição da importação do pescado brasileiro por mercados tradicionais, nos deparamos com essa triste realidade. O país ainda não amadureceu para o que pode ser uma das suas grandes riquezas econômicas! Para começar a falar da água de abastecimento, assim como faço com meus alunos, antes de entrar no detalhamento dos quesitos de qualidade da água, é importante falar sobre a quantidade disponível. Pelo que foi exposto no início, quando não se sabe a vazão, principalmente na época de secas, não se tem a real dimensão do quanto de água disponível existe para a execução do projeto aquícola. Ainda que existam modernos sistemas
Figura 1. Exemplo de filtro mecânico e biológico compartimentalizado.
de recirculação e de reaproveitamento de água, e acredito que o caminho seja aprimorá-los e adotá-los mesmo, a noção da quantidade de água disponível para o sistema por dia é fundamental para iniciar qualquer aquicultura. Outro fator de importância se refere à fonte da água de abastecimento, que pode limitar todo o planejamento inicial de uma ranicultura. Normalmente encontramos ranários que utilizam água proveniente de poço semiartesiano ou artesiano, de rios, de córregos, de represas e de nascentes na própria propriedade. Poucos são aqueles que se utilizam de água encanada tratada, principalmente por conter cloro, prejudicial a girinos e a reprodutores. Em todos os casos, ao se elaborar um projeto de ranicultura, deve-se atentar para o volume de água que será utilizado por dia, prevendo-se as futuras expansões e estimando-se um reservatório de pelo menos três vezes esse valor, de modo a evitar aqueles imprevistos que acontecem na sexta-feira à noite e que não poderão ser resolvidos no final de semana. Uma vez estabelecido o volume, o segundo passo é a análise fisicoquímica e microbiológica da água, realizada em laboratórios da rede privada ou pública. Ainda que esses valores sejam compatíveis com uma boa qualidade de água, recomenda-se a instalação de filtros, que podem ser construídos pelo próprio produtor e irão servir como grandes aliados na manutenção da qualidade da água e como barreiras físicas à entrada de problemas externos ao ranário. A água, por ser veículo de patógenos, por exemplo, pode determinar o sucesso e o fracasso de um ranário muito bem estruturado. Os filtros mais comuns podem ser do tipo mecânicos, químicos, biológicos, um misto de dois ou mais de dois desses fatores, ou ainda purificadores. Têm como propósito a separação e a eliminação de partículas físicas, químicas ou biológicas da água, tais como sólidos de argila em suspensão na água, ferro e ovos de parasitas, respectivamente. Ainda que existam argumentos para invalidá-los, são sempre bem-vindos, uma vez que seu custo-benefício se prova na eficiência produtiva dos modelos que o adotam, independentemente da escala utilizada. O assunto da água ideal para a ranicultura se estende, portanto, esses comentários iniciais são apenas uma introdução ao assunto, que será desbastado em futuras colunas... até breve! SAUDAÇÕES RANÍCOLAS!
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Aquicultura de Precisão “Precisão nas pesquisas aplicadas”
Dr. Eduardo Gomes Sanches - Instituto de Pesca / APTA/SAA, Ubatuba, SP esanches@pesca.sp.gov.br
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ecentemente li um editorial de Carole R. Engle, editor do Journal of the World Aquaculture Society, intitulado “High-Impact Research: The Critical Need for Strong Engagement with Aquaculture Producers” (traduzindo: Pesquisas de alto impacto: as críticas necessárias para um forte envolvimento com o setor produtivo da aquicultura) e resolvi escrever esta coluna baseado nas discussões sobre este assunto que tive com minha colega, a Dra. Vanessa Villanova Kuhnen. O editor discorre sobre a importância em produzir pesquisas que gerem resultados com potencial para publicação em periódicos científicos de elevado fator de impacto (termo relacionado com o número de citações que recebe um artigo). Ele destaca a importância dos pesquisadores ao realizarem pesquisas não apenas em seus laboratórios, mas nos empreendimentos comerciais de aquicultura. Acho que seria “chover no molhado” discutir a relevância destas afirmações. Mas onde podemos chegar com esta abordagem simplificada do problema? E o que está acontecendo hoje no Brasil? Há mais de duas décadas trabalho com pesquisa em aquicultura. Desde minha graduação sempre fui ligado ao segmento produtivo da aquicultura, seja implantando cultivos, realizando atividades de assessoria e consultoria e até mesmo produzindo peixes. O que tenho visto, ao longo do tempo, foi realmente um significativo distanciamento entre as necessidades do setor produtivo e as pesquisas realizadas pela academia (onde podemos incluir as universidades e outras instituições de ensino, pesquisa e extensão). Mas posso garantir, por experiência própria, que este distanciamento nem sempre ocorre por vontade das partes mas sim pelas necessidades ditadas por entidades diversas que estabelecem as “regras do jogo”. Existe uma expressiva dificuldade de publicar, em periódicos de elevado impacto, artigos que apresentem pouca precisão estatística (ex. poucas réplicas) e que não abordem fronteiras do conhecimento. Por outro lado, as demandas do segmento produtivo apresentam muitas interfaces que exigem estudos em períodos de tempo mais prolongados, com indivíduos de maior peso, o que consequentemente, exigirá mais espaço e infra-estrutura para realização das réplicas exigidas para precisão estatística e a obtenção de resultados confiáveis. Por exemplo, os estudos de nutrição de peixes marinhos, são feitos, em sua maioria com formas
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© Eduardo Sanches
Figura 1. Pesquisa em fazendas.
jovens, e em curtos períodos de experimentação. Decorre que os maiores desafios da cadeia produtiva estão na nutrição de peixes de maior peso (acima de 500 gramas) até o peso comercial (muitas vezes acima de 3 kg). Desta forma, podemos ver a dificuldade em transpor este desafio para compor parcerias. Claro que este assunto é bem mais complexo que isto, mas dizer simplesmente que o pesquisador deve se aproximar e desenvolver seus trabalhos junto ao segmento produtivo, sem considerar as dificuldades inerentes do rigor no delineamento amostral que os periódicos
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científicos exigem para publicação, me parece uma forma de apenas “falar o que os ouvidos gostam de ouvir”... Pensem em como é difícil um pesquisador entender a dinâmica de um empreendimento de aquicultura. Agora imaginem um empresário e os funcionários entenderem a forma de trabalhar do pesquisador. Tente alinhar as expectativas de ambos os lados. Vejam que expectativas não alinhadas geram frustações. E críticas de ambos os lados são comumente ouvidas em diferentes fóruns.Além disto, se por um lado os produtores esperam ansiosamente aplicar os resultados obtidos com a pesquisa, os pesquisadores são alijados pelas regras impostas pelos órgãos financiadores de suas pesquisas, que exigem cada vez mais volume de publicação em periódicos internacionais.
© Eduardo Sanches
Figura 2. Pesquisa em fazendas.
Apesar das dificuldades, muitos pesquisadores no Brasil têm rompido esta barreira, trabalhando alinhados com as necessidades do setor produtivo, o que tem resultado em excelentes artigos publicados em periódicos de elevado impacto e desatando grandes “nós” que existiam para produção nos empreendimentos comerciais de aquicultura. Apesar de ainda estarem longe de ser maioria, estão mostrando que este caminho é possível. Neste sentido as universidades e seus programas de pós-graduação podem fazer toda a diferença na formação dos jovens cientistas em possibilitar a aproximação destes com o setor produtivo. Assim como também cabe aos produtores “abrirem as porteiras” tendo a compreensão de que parte de seu empreendimento não irá produzir no ritmo comercial, pois estará seguindo o ritmo da ciência. Neste sentido, o programa de financiamento Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas, da Fundação de Amparo a Pesqui-
sa no Estado de São Paulo (FAPESP), tem possibilitado a aproximação entre pesquisador e empresa, com resultados animadores. Acredito que temos muito o que evoluir para realmente aproximar a academia do setor produtivo. O setor produtivo tem demandas que precisam ser atendidas pela ciência. E a ciência tem que ser realizada, também, dentro da realidade de produção de organismos aquáticos. Como pudemos abordar, temos muitos bons exemplos de trabalhos feitos em cooperação pesquisador & empreendimentos de aquicultura no Brasil, o que nos deixa a certeza de que, apesar do longo caminho ainda a ser trilhado, nossos resultados indicam que estamos no rumo certo. Neste sentido, a Aquaculture Brasil tem um importante papel em proporcionar a aproximação entre estes dois mundos. Vida longa para esta iniciativa. Até a próxima coluna.
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Aquicultura Latino-americana FENACAM: m a i s q u e u m a Fe i r a !
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ão existem dúvidas que a FENACAM é umas das principais feiras de negócios aquícolas da América Latina. As principais empresas do mundo inseridas no mercado brasileiro, ou querendo entrar, vêm apresentar seus produtos e serviços. Renomados conferencistas nacionais e internacionais financiados pelas empresas. A maioria das apresentações são comerciais, porém, longe de tirá-las o mérito. Do meu ponto de vista, a parte acadêmica de apresentações orais e de pôster não são muito relevantes. Como reunião científica, no Brasil, o AQUACIÊNCIA é o evento principal. Nos anos em que a FENACAM fez parte da agenda da Sociedade Mundial de Aquicultura (WAS), como a histórica edição da conferência anual em Salvador, ou nos capítulos Latino-americanos, a parte científica torna-se mais importante. A seção gastronômica lamentavelmente é praticamente inexistente. Eu retiraria como parte das programações do evento.
D r. R o d o l f o L u í s P e t e r s e n U n i v e r s i d a d e Fe d e r a l d o P a r a n á (UFPR), Pontal, PR. rodolfopetersen@hotmail.com
qualquer um com um pouco de conhecimento na plateia. Fábio mandou um recado muito certo ao setor acadêmico: os pesquisadores precisam de FOCO. Não é possível que numa mesma universidade tenhamos pesquisadores trabalhando em 4 a 5 espécies diferentes. Além disso, mandou outro recado contundente: temos que pesquisar os peixes realmente de destaque na aquicultura brasileira atual: tilápia e peixes redondos. Voltando ao camarão, palestra magistral do Dr. Daniel Lanza (UFRN), pontuando claramente as consequências de uma possível abertura do mercado para o camarão de fora com relação aos riscos de entrada de novos patógenos. Bela justificativa para ABCC defender a manutenção do fechamento das importações em Brasília! Ninguém reclamou da Fenacam2017 ter sido ruim de negócios. Esperamos que o novo governo e o sindicato de restaurantes não tenham suficiente força para abrir o mercado, despencando o preço salvador na era WSV. Se isso acontecer, a FENACAM 2018 estará banhada de lágrimas.
Das 14 edições devo ter ido a 12. No início os protagonistas eram as fábricas de ração, hoje é a biotecnologia genômica e os manejos in- © Aquaculture Brasil tensivos de berçários, juvenis e engorda. A primeira totalmente futurística e a segunda já sendo aplicada com resultados promissores, principalmente pelo fantasma da mancha branca para o povoamento final de uma larva mais robusta. Outro tema coadjuvante e apavorante foi o de doenças emergentes, principalmente o EMS- AHPND. Achei esquisito o pessoal não comentar nada nos corredores sobre a chegada do EMS- AHPND nas larviculturas equatorianas. Outro dos fatores interessantes que vieram a enriquecer a FENACAM foi a incorporação de temas de piscicultura em suas edições. Isso foi herdado da época do IMNV onde o desespero por alternativas colocou a piscicultura na Feira. Destaque para a palestra de Fábio Sussel, nosso correspondente na TV, divulgando e defendendo a aquicultura em todo canto do País. A palestra de Fábio, como ele mesmo diz, não foi motivacional mas Figura 1. Itamar Rocha, presidente da ABCC, encerrando as palestras do Simpósio de Carcinicultura na foi contundente e objetiva, motivando a Fenacam 2017.
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Piscicultura Marinha Brasil x México Dr. Ricardo Vieira Rodrigues Estação Marinha de Aquicultura (EMA) Universidade Federal do Rio Grande (FURG) vr.ricardo@gmail.com de 2017 tive a oportunidade de participar Congresso Latino Americano de AquicultuE mdora novembro (LACQUA), realizado na cidade de Mazatlán, no
México. Na ocasião, pude conversar com vários colegas Latino-americanos e visualizar o que vem sendo realizado a nível de piscicultura marinha. Foram poucas as apresentações sobre a temática, mas me impressionou o que vem sendo realizado no México. Várias espécies nativas desse país sendo estudadas e produzidas comercialmente. Exemplo esse que poderia servir de espelho ao Brasil, pois temos muito em comum com nossos amigos mexicanos. Ao que pude ver, as semelhanças são a nível climático, cultural, diversidade de espécies, níveis econômicos e burocráticos... E, no entanto, ao contrário do Brasil, a piscicultura marinha deu grandes passos no México. Na terceira edição desta revista, foi publicado um artigo onde se comenta que além da produção do atum azul do Pacífico (Thunnus orientalis), o México vem produzindo ainda a totoaba (Totoaba macdonaldi), a corvina (Scianoeps ocellatus) e o olhete (Seriola dorsalis). Pude acompanhar durante o LACQUA, que além dessas espécies ainda há o robalo (Centropomus undecimalis), o pargo (Lutjanus guttatus) e o © Artur Rombenso
Figura 1. Fazenda de produção de atum Baja Aqua Farms, no México.
olhete (S. rivoliana) sendo estudadas e/ou produzidas. Outra questão que me chamou muito a atenção é que as dificuldades são as mesmas que enfrentamos no Brasil para o desenvolvimento da piscicultura marinha. Uma grande diversidade de espécies sendo estudadas, a escala de produção ainda é pequena - o que acaba dificultando o desenvolvimento adequado e específico de uma dieta para cada espécie - e a escassez de mão de obra qualificada, principalmente para a produção de juvenis em larga escala. Observando essas dificuldades, chama a atenção a comparação com o Brasil, pois são exatamente as mesmas dificuldades enfrentadas aqui. Por outro lado, um aspecto importante impulsiona o desenvolvimento da piscicultura marinha no México: sua proximidade com os Estados Unidos e Canadá! Essa proximidade facilita a importação de equipamentos americanos para desenvolvimento dos laboratórios de produção de juvenis (por exemplo: equipamentos de sistemas de recirculação de água), facilitam a importação de ração comercial para peixes marinhos e de mão de obra especializada, e a proximidade com um mercado consumidor com grande poder de compra. Esses aspectos acabam encarecendo a produção, mas, por outro lado, proporcionam aos poucos o desenvolvimento da atividade e uma nova geração de renda ao país, que já é um grande produtor de camarão e tilápia. Falando em produção de camarão e tilápia, tive a oportunidade de visitar uma fazenda de produção de camarão que aos poucos está migrando para a produção em sistema de bioflocos. Outra iniciativa, junto a universidades locais, é a inclusão da tilápia em bioflocos como alternativa e diversificação da produção de camarão em fazendas comerciais, devido as doenças que vêm afetando a carcinicultura. E por que a tilápia vem sendo introduzida em sistema de bioflocos marinho? Justamente pela falta de juvenis de peixes marinhos e de espécies adaptadas a esse sistema de produção, ou seja, mais um nicho de estudo com espécies marinhas, as adaptadas a sistemas de bioflocos!
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Recirculating Aquaculture Systems
UMA INTRODUÇÃO AS MOTOBOMBAS Dr. Marcelo Shei Altamar Equipamentos e Sistemas Aquáticos shei@altamar.com.br www.altamar.com.br
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ndependente da espécie ou do sistema de produção, movimentar ou transportar a água é uma necessidade contínua na maioria dos sistemas de aquicultura mais atuais. Em um sistema de recirculação (RAS), o sistema de bombeamento é uma etapa fundamental, possibilitando que a água circule continuamente entre as diferentes etapas de tratamento e os tanques de cultivo. Nessa edição irei abordar alguns aspectos básicos que devem ser considerados na seleção, instalação e manutenção desse processo. Demanda e energia: como o processo de bombeamento de água opera de forma ininterrupta e requer uma quantidade substancial de energia, a seleção do equipamento e instalações adequadas são importantes para manter os custos operacionais mais baixos possíveis. A demanda de bombeamento é conhecida a partir da soma da elevação total necessária, da perda de carga da tubulação, das conexões e equipamentos que estiverem nessa linha e da vazão requerida no sistema. A partir dessas informações, podemos fazer a seleção do tipo e modelo de motobomba que atenda essas condições com o menor consumo elétrico possível. Instalação: quanto as motobombas centrífugas externas (instaladas fora da água), apesar de existirem modelos auto escorvantes, o ideal é que a água chegue até a motobomba por gravidade, conhecida como “sucção afogada”. Desse modo, a motobomba opera com maior eficiência, sem a necessidade de puxar a água que será bombeada. As bombas auto escorvantes são utilizadas em locais aonde não é possível utilizar um modelo submerso ou uma instalação afogada. Essas motobombas possuem um reservatório acoplado que fica permanentemente preenchido de água e garante a partida do sistema quando a motobomba está acima do nível de água. Prevenção de problemas: por esse ser um equipamento crítico em um RAS, o recomendado é que ele seja instalado com um outro reserva ou opere com dois ou mais equipamentos em paralelo. Essa estratégia visa garantir que mesmo com a falha 78
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de um equipamento, exista outro para que o sistema continue a funcionar, diminuindo as chances de falha. O uso de inversores de frequência permitem ajustar a velocidade dos motores, otimizando a relação entre pressão, vazão e consumo elétrico. A operação em velocidades mais baixas também diminui o desgaste do selo mecânico e do motor.
© Altamar Figura 1. Motobombas plásticas, com motores blindados e de baixa rotação instaladas em paralelo.
Manutenção: O ideal é que as motobombas sejam instaladas sempre com válvulas, e uniões, permitindo que o equipamento seja desconectado facilmente para a manutenção. Válvulas de retenção também podem ser usadas para evitar acidentes, principalmente em bombas instaladas em paralelo. Também é recomendado que a cada seis meses os equipamentos passem por uma revisão, principalmente nos rolamentos e selos mecânicos, isso aumentará a vida útil dos equipamentos e evitará surpresas desagradáveis. A Altamar possui experiência e suporte de diversos fabricantes para selecionar e fornecer soluções que podem ser utilizadas em sistemas de água doce ou marinha.
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TECNOLOGIA DO PESCADO
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) finalmente possibilita a entrada das inovações tecnológicas dentro das indústrias de produtos de origem animal. Prof. Dr. Alex Augusto Gonçalves Chefe do Laboratório de Tecnologia e Controle de Qualidade do Pescado - LAPESC Universidade Federal Rural do Semi Árido - UFERSA Mossoró, RN, Brasil alaugo@gmail.com
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onforme publicado na coluna da 8ª Edição, a evolução tecnológica na indústria do pescado está intimamente relacionada à globalização, competitividade, capacidade tecnológica da indústria e finalmente do conhecimento das tecnologias emergentes – das inovações tecnológicas. Nesse sentido, muitas indústrias internacionais estão se adaptando e seguindo esse caminho, principalmente na adoção de inovações em suas plantas de processamento. No Brasil, existia ainda um impasse, pois tais inovações tecnológicas ainda eram vistas pelo MAPA como preocupantes, principalmente por alimentar um problema muito discutido – a fraude econômica. Para melhorar ainda mais esse cenário, com uma visão global, buscando a maior competitividade, padronização, segurança e até mesmo vislumbrando possível implementação da rastreabilidade na indústria, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) recentemente publicou a Instrução Normativa Nº 30, de 9 de agosto de 2017 – SDA/MAPA, que estabelece os procedimentos para submissão de proposta, avaliação, validação e implementação de inovações tecnológicas a serem empregadas em qualquer etapa da fabricação de produtos de origem animal em estabelecimentos com registro no Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA/SDA. No Art. 2º, alínea III da IN 30/2017 temos a definição para “inovação tecnológica” como sendo o processo, equipamento, substância ou material, isolado ou em combinação, tecnologicamente novo ou significativamente aperfeiçoado, que proporcione a melhoria do processo de fabricação ou da qualidade do produto de origem animal. No Art. 3º estão apresentados os itens que o interessado em aprovar qualquer inovação tecnológica que possa ser implementada em sua empresa: I – Identificação e descrição da inovação tecnológica: denominação; objetivo; efeitos tecnológicos e sanitários benéficos, e possíveis efeitos adversos,
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no processo e no produto; fatores que a caracterizam como uma inovação tecnológica; revisão bibliográfica atualizada, incluindo legislação internacional, com os fundamentos da inovação tecnológica e justificativas que amparam sua aplicação no processamento de produtos de origem animal; II – Avaliação de conformidade com a legislação nacional: aqui talvez tenhamos alguma dificuldade, pois a evolução tecnológica e as inovações tecnológicas estão bem a frente da atualização da legislação brasileira, porém, podemos nos basear na lei maior, o Codex Alimentarius; III – Descrição detalhada dos seguintes itens relacionados à aplicação da inovação tecnológica: equipamentos e utensílios de processamento; método utilizado; parâmetros operacionais e medidas de controle; parâmetros de inocuidade, identidade e qualidade do produto; metodologias e frequência de avaliação desses parâmetros; IV – Descrição das etapas de validação e implementação da inovação tecnológica: entende-se por validação o procedimento, executado e documentado, que tem como objetivo comprovar com dados técnico-científicos que a inovação tecnológica descrita no Termo de Não Objeção (documento emitido pelo DIPOA/DAS após avaliação final do requerimento, no qual informa que não há objeção à implementação da inovação tecnológica nas condições), quando aplicada pelo estabelecimento, reproduz de forma consistente os efeitos tecnológicos previstos e que não compromete a inocuidade, identidade e qualidade do produto de origem animal. Nos casos em que a inovação tecnológica não encontre respaldo na legislação vigente, o requerente deverá identificar essa situação no requerimento e esclarecer como a inovação tecnológica proposta assegurará a inocuidade, identidade e qualidade do produto. No Art. 4º está previsto a obrigatoriedade do requerente na realização de experimento (através de
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um protocolo de experimento desenvolvido por profissional com comprovada formação e experiência na área do estudo, preferencialmente vinculado à instituição de pesquisa nacional ou internacional, o qual deverá, também, supervisionar a execução do experimento. Tal protocolo deverá conter a descrição detalhada do experimento pelo qual a inovação tecnológica proposta será testada e avaliada. Ao final do experimento o requerente deverá apresentar relatório ao DIPOA/ SDA, contendo os resultados e a argumentação técnica necessária para respaldar a avaliação) para avaliação da inovação tecnológica nos casos em que sua aplicação não esteja amparada pela legislação vigente ou que possa resultar em: risco à inocuidade, identidade e qualidade do produto; prejuízo aos procedimentos de inspeção sanitária oficial; prejuízo ao bem-estar animal. No Art. 5º está previsto que toda bibliografia técnico-científica usada como suporte ao requerimento e ao protocolo de experimento deverá corresponder à área de conhecimento da inovação tecnológica a ser avaliada e, quando tratar-se de artigo científico, deve ter sido publicada em periódico indexado (revista científica com padrões definidos e minuciosos de revisão e publicação, de periodicidade regular, indexada em bases de dados nacionais ou internacionais e com amplo acesso e difusão). No Art. 6º está previsto que o requerente deverá obter o parecer, licença ou aprovação dos órgãos competentes quando a proposta de inovação tecnológica envolva o uso de novas substâncias, questões ambientais, de segurança do trabalho, ou outros casos fora da competência do DIPOA/SDA. No Art. 8º o resultado da avaliação da proposta será expresso por meio do Termo de Não Objeção ou do Termo de Rejeição emitido pelo Diretor do DIPOA/ DAS, e o requerente terá o prazo de 60 dias para recorrer do Termo de Rejeição (Art. 9º). No Art. 10º está previsto que será rejeitada a proposta de inovação tecnológica na qual seja identifica-
da a possibilidade ou intenção de mascarar fraude, adulteração ou falsificação de matéria prima ou produto. No Art. 11º a inovação tecnológica para a qual o DIPOA/DAS tenha emitido Termo de Não Objeção deverá passar por processo de validação em todos os estabelecimentos onde for utilizada, como pré-requisito para sua implementação. E na ocasião da implementação da inovação tecnológica será obrigatória a atualização dos programas de autocontrole do estabelecimento (Art. 12º). No Art. 13º o estabelecimento que fizer uso de inovação tecnológica que tenha recebido o Termo de Não Objeção do DIPOA/DAS deverá manter os arquivos com os registros de validação e implementação da inovação tecnológica, os quais deverão estar acessíveis ao SIF para avaliação. No Art. 14º a não objeção a uma inovação tecnológica poderá ser suspensa cautelarmente pelo SIF ou pelo DIPOA/SDA para reavaliação, quando constatado o não atendimento à proposta avaliada pelo DIPOA/SDA. No Art. 15º a partir da divulgação da não objeção à uma inovação tecnológica pelo DIPOA/SDA, qualquer estabelecimento registrado neste Departamento poderá aplicá-la, desde que comunique essa intenção ao Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal da Superintendência Federal de Agricultura na Unidade da Federação onde o estabelecimento está localizado, e ainda, que a inovação tecnológica deverá ser adaptada às características específicas de instalações e de produção do estabelecimento que deseja aplicá-la. Portanto, chegou a hora das indústrias buscarem o apoio técnico-científico dos pesquisadores das inúmeras universidades espalhadas pelo país, e construírem um projeto bem alinhado com a inovação tecnológica (novos aditivos, novos equipamentos, novas tecnologias, como o ozônio, dentre outras), dentro dos padrões exigidos na IN 30/2017, respaldado principalmente com os resultados de pesquisas já publicadas na bibliografia técnico-científica nacional e internacional.
Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/colunas AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
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DEFENDEU!
Novidades em teses e dissertações
Em algum lugar do Brasil, um acadêmico de pós-graduação contribui com novas informações para nossa aquicultura.
Temos recebido em nossa redação uma série de trabalhos de conclusão de curso de graduação (TCC´s) que, em princípio, não se enquadrariam na Seção “Defendeu”, projetada para publicar somente dissertações e teses. Mas se os trabalhos têm qualidade, porque não publicar? A partir desta edição o “Defendeu”, aliás, mais uma seção da Revista Aquaculture Brasil que é feita por você, querido leitor, apresentará também TCC´s de excelência! No final ganhamos todos e ponto para a aquicultura brasileira!!! Vamos curtir um primeiro trabalho sobre a tambatinga?
Acadêmico: Leonilton Rodrigues Barbosa da Silva Orientadora: Me. Rosália Furtado Cutrim Souza Coorientador: Engº de Pesca Luciano Falcão Instituição: Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA campus Belém Curso: Engenharia de Pesca Título: “Morfologia e distribuição das espinhas intramusculares do híbrido tambatinga (tambaqui Colossoma macropomum Cuvier, 1816 com pirapitinga Piaractus brachypomus Cuvier, 1817) cultivado em cativeiro
A tambatinga é um híbrido do cruzamento da fêmea do tambaqui Colossoma macropomum com o macho da pirapitinga Piaractus brachypomus e apresenta espinhas intramusculares que dificultam a degustação da carne. As espinhas intramusculares são pequenas espículas colagenosas localizadas no tecido muscular em ambos os lados do corpo com diferentes morfologias.
Objetivo:
Analisar a morfologia e distribuição das espinhas intramusculares do híbrido tambatinga (tambaqui com pirapitinga).
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Foram selecionadas 42 tambatingas entre 36,5 a 53 cm provenientes de uma piscicultura do Estado de Tocantins. Os indivíduos foram submetidos ao raio-x (Figura 2) para geração de imagens lateral do corpo e depois colocados em estufa a 200°C por 20 minutos para extração Figura 1. Exemplar de tambatinga. das espinhas. As distâncias vertical e da primeira espinha para a vértebra mais próxima e o número da vértebra inicial e final foram registradas para cada lado do peixe (Figuras 3 e 4). As espinhas foram identificadas morfologicamente e registradas os comprimentos total, das hastes e de suas ramificações.
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Metodologia:
Introdução:
Ánalise e estatística: O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para verificar se as espinhas tinham as mesmas dimensões entre as formas iguais e se as distâncias verticais das espinhas foram iguais nos peixes. O teste t de Student foi usado para verificar se média das distâncias verticais das espinhas no peixe e da imagem do raio-x eram iguais com α= 0,05. O teste χ2 foi usado para verificar se a quantidade das formas em cada região do corpo foi igual estatisticamente com α= 0,05. O comprimento total do peixe e comprimento total da espinha foram correlacionados por equação linear do tipo Y=a+b*X, onde a existência de correlação foi avaliada pelo coeficiente de Pearson (r).
Figura 2. Nomenclatura para as regiões de distribuição das espinhas intramusculares.Nota: Epineural: Espinhas localizadas na região superior (dorsal); Epipleural: Espinhas localizadas na região inferior (nadadeira anal).
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A
Figura 3. Ilustração da metodologia para registro das distâncias da região dorsal (epineural): A) Distância da primeira vértebra a primeira espinha intramuscular e B) Distância vertical entre duas espinhas. Nota: Dt: Distância; V01: Primeira vértebra.
A
B
Figura 4. Ilustração da metodologia para biometria das espinhas intramusculares: A) Nomenclaturas dadas as hastes e ramificações e B) Nomenclatura dada para espinha não bifurcada.
Principais resultados:
Os resultados mostraram 7 formas de espinhas com predominância numérica das formas não bifurcada, bifurcada desigual e bifurcada igual;
O comprimento total das espinhas variou entre 4,78 e 62,39 mm e as formas não bifurcada, bifurcada desigual e bifurcada igual diferiam significativamente (p<0,05) enquanto que bifurcada duplahaste foi igual estatisticamente em suas dimensões (p>0,05); As espinhas se distribuíram principalmente entre as vértebras 1 e 25 na região epineural e entre 11 e 25 na epipleural e o t de Student mostrou que as distâncias médias entre as espinhas no peixe e no raio-x foram semelhantes estatisticamente para ambas regiões; A quantidade média total de espinhas por peixe foi de 82, sendo em média 28 espinhas para cada lado da região epineural e 12 para epipleural. O χ2 mostrou que as quantidades das formas são iguais entre os lados esquerdo e direito na região epineural e epipleural; O coeficiente r mostrou uma relação positiva do crescimento da espinha com o crescimento do peixe, onde as formas não bifurcada, bifurcada desigual, bifurcada duplahaste e polifurcada simples apresentaram correlação do tipo moderada enquanto que bifurcada igual a correlação foi do tipo forte (r= 0,93).
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Conclusões 1. O comprimento médio das formas foi crescente a medida que as espinhas se tornavam mais complexas; 2. Há simetria lateral na quantidade das formas e distribuição das espinhas; 3. As espinhas intramusculares não têm um único padrão de distribuição morfológica; 4. O crescimento da espinha acompanha o crescimento do peixe. O trabalho final será publicado em um periódico internacional.
Figura 5. Formas de espinhas intramusculares identificadas na tambatinga: 1 – Não bifurcada, 2 – Bifurcada desigual, 3 – Bifurcada igual, 4 – Polifurcada simples, 5 - Bifurcada duplahaste, 5 – Polifurcada multihaste e 7 – Bifurcada multihaste.
Figura 6. Comparação entre as técnicas de investigação de espinhas intramusculares: A) Técnica de extração eficiente para identificar a distribuição morfológica e B) Técnica do raio-x ineficiente para identificação morfológica. Nota: Setas brancas destacam algumas espinhas intramusculares.
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GERALDO B E R N A R D I NO O entrevistado da 9ª edição já percorreu uma longa jornada no setor aquícola brasileiro e recebeu, no ano de 2016, o título de cidadão do Amazonas, fruto de seus 15 anos de trabalho como Secretário Executivo Adjunto de Pesca e Aquicultura do Estado.
AQUACULTURE BRASIL: Geraldo, você é natural da Paraíba e formou-se em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1976, tornando-se, mais tarde, mestre em Ecologia e Recursos Naturais pela UFSCar. Conte-nos um pouco sobre estes mais de 40 anos de carreira profissional. Bernardino: Comecei no Pantanal Mato-grossense, em 1977, trabalhando como pesquisador no Centro de Pesquisa do Pantanal Mato-grossense (Cepimam/ Sudepe), na área de biologia pesqueira e dinâmica de populações. Fiquei um certo tempo nesta Instituição e depois comecei a trabalhar especificamente com o pacu (Piaractus mesopotamicus), indo para São Paulo, onde atuei desde técnico da parte de manejo, até chegar ao cargo de Diretor do CEPTA (Centro Nacional de Pesquisa de Peixes Tropicais). Além disso, já fui coordenador de ensino do Centro Regional Latino-americano de Aquicultura – CERLA/FAO/SUDEPE (1981-1984), presidi a Associação Brasileira de Aquicultura – ABRAq (19921999) e tive a oportunidade de ser Coordenador Nacional de Aquicultura do Ministério da Agricultura – DPA/ MAPA (1999 e 2001), logo depois que saí de São Paulo. Na sequência, em 2003, mudei-me para Manaus, onde prontamente fui nomeado como Secretário Executivo de Pesca e Aquicultura, cargo que ocupo até hoje. A Secretaria trabalha não somente na área de aquicultura, mas também em parcerias com os profissionais da ciência e tecnologia, auxiliando no desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão em geral.
A Q UA C U LT U R E BRASIL: A aquiculHá muitos tura sempre esteve projetos de presente em sua vida. Numa entrevista para pesquisas que não a AQUABIO no ano chegam a de 2012 você apontou conclusões que que para a aquicultupossam ser ra brasileira crescer era necessário superar utilizadas limitações e dificulpelo dades gerais do setor, setor tais como: pouca integração e gerenciaprodutivo. mento de cadeias de produção, escalas de produção inadequadas, carga fiscal elevada, entre outras. O que mudou de lá para cá? O que conseguimos superar e o que ainda nos limita? Bernardino: Nós tivemos uma melhora na aquicultura, principalmente nos cultivos em águas interiores, com a tilápia e as espécies nativas (peixes redondos). Entretanto, o setor ainda carece de uma equipe multidisciplinar que trabalhe dentro de ações específicas, possibilitando que seja dado um salto qualitativo e bem substanciado. Existem muitas novas tecnologias, porém, existe muito modismo em relação a isso, e muitos projetos de pesquisas que não chegam a conclusões que possam ser utilizadas pelo setor produtivo. E nós precisamos é disso! Por exemplo, recentemente estamos com um problema
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seríssimo que é a sanidade. Entretanto, estamos discutindo isto de uma maneira muito superficial. Temos que convocar a academia, institutos de pesquisa, Embrapa, e dizer: “- É isso que precisamos!”. Sanidade é um problema seríssimo. Um exemplo é o que vem ocorrendo com o camarão marinho e também a tilápia, tem muito vírus e parasitos no ambiente que estão comprometendo as produções desses organismos e em uma questão de tempo pode acontecer o mesmo com as espécies nativas. Mas a piscicultura cresceu, tivemos saltos de qualidade em toda a cadeia produtiva, incluindo o mercado e a comercialização. Outro aspecto importante é na área de qualificação profissional, com cursos profissionalizantes, formação de recursos humanos, o que é fundamental para o desenvolvimento da aquicultura brasileira. AQUACULTURE BRASIL: Recentemente (2016) uma legislação que permitia o cultivo de peixes
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não nativos nos rios do Estado do Amazonas foi publicada e logo depois acabou sendo revogada, sob apelo de instituições ambientais. Em sua opinião, valeria a pena arriscar a introdução de uma espécie não nativa nestes locais? Ou as espécies da aquicultura nacional tem potencial para alavancar a produção do Amazonas? Bernardino: A tilápia foi introduzida há muito tempo no Brasil e também no Amazonas. Porém não de forma oficial, mas desde a década de 70 já existe tilápia no Amazonas. Mas pensando em uma introdução nos dias atuais, previamente devemos analisar algumas perguntas que são chaves antes de tomar tal decisão. A primeira é sobre a questão econômica: “Ela vai aumentar o mercado?”, “Vai gerar emprego e renda para as famílias da região onde se está introduzindo a espécie?” a segunda pergunta é uma questão estratégica: “O que ela pode causar no ambiente natural?”, “Quais as doenças que ela
pode trazer àquele ambiente?” Estas questões são interessantes de serem discutidas. Precisamos ter pesquisas visando a estas respostas e não sair introduzindo a espécie de qualquer modo. Por mais que exista uma tecnologia de produção definida para a tilápia, será que esta tecnologia vai adaptar-se perfeitamente ao Amazonas, uma região com suas particularidades e peculiaridades? E hoje a tilápia está com problemas seríssimos de doenças, problemas com vírus, parasitas, etc. Antes de ser introduzida, temos que provocar uma discussão abrangente, com a participação dos órgãos de controle, para saber realmente o perigo das introduções. Outra espécie que está se introduzindo no Brasil é o panga. Assim, daqui há uns anos não teremos uma aquicultura comercial, com espécies selecionadas, mas sim, vamos acabar nos transformando em uma aquicultura de modismo. Devemos pensar antes, fazer trabalhos de observação, ter a certeza de que a espécie vai trazer emprego e renda para quem optar por cultivá-la, e depois se discutir a introdução, com os impactos sociais, econômicos e ambientais bem estudados. A bacia amazônica é o maior banco genético que temos, com a maior biodiversidade de águas interiores do mundo. Dessa forma, é interessante pensar estes vários aspectos antes de introduzir uma determinada espécie exótica. AQUACULTURE BRASIL: Os planos de manejo para a captura do pirarucu, que já esteve ameaçado de extinção, foram um sucesso no Amazonas, resultando em um aumento considerável da produção. Neste sentido, quais os esforços que estão sendo feitos para alavancar
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também o cultivo desta espécie? Bernardino: O plano de manejo de fato deu muito certo e hoje é um sucesso. Saímos de uma captura de mil indivíduos para sessenta e cinco mil indivíduos. Quanto ao cultivo, é um peixe de grande interesse. Entretanto, como qualquer peixe, para começarmos a cultivá-lo são necessários uma série de estudos visando dar sustentação técni-
ca à produção. Já iniciamos estudos do cultivo desta espécie não só em tanque-rede, como também em viveiros e raceways. E os resultados são positivos, apontando para uma alta biomassa produzida, com dados zootécnicos excelentes. Mas quando se refere à questão nutricional, esta ainda é um problema. A ração para peixe carnívoro ainda é muito cara e a conversão alimentar é alta, em torno de 1,8 a 2,3:1. Portanto,
cultivar o pirarucu ainda não é um grande negócio. Temos que estudar mais, buscar aprimorar as técnicas de manejo, estudar a capacidade de suporte para cada sistema de produção, identificar as rações para as diferentes fases de cultivo, e então, com base na tecnologia, poderemos propagar o cultivo da espécie, que tem muito potencial, uma vez que em um ano o pirarucu pode chegar a 10 quilos.
AQUACULTURE BRASIL: O segredo para aumentar a produção nacional está em apostar nas diferentes espécies ou estaria na hora de focarmos mais em poucas espécies? Bernardino: Temos que organizar melhor a piscicultura. Começando a organizar politicamente. A piscicultura como qualquer outra atividade zootécnica tem que ter uma “casa” onde se pode reclamar os aspectos políticos da atividade, principalmente com relação a mercado e formação de recursos humanos e pesquisas. Nós temos que fortalecer e brigar para que a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca se encontre em um órgão que possa fortalecer isso. O segundo ponto é exatamente focar em cima de espécies com tecnologia padronizada e bem definida.
Neste ponto não adianta vulgarizar. Os chineses trabalham com poucas espécies, cerca de quatro, os americanos trabalham com uma espécie de água doce, o catfish, o chileno com uma espécie, o salmão. Nós não podemos ser um zoológico de peixes, trabalhando com espécies que não vão nos levar a nada. Temos que trabalhar com as espécies através de grupo formado, gerando tecnologia de acordo com as condições de cada região, evitando exatamente copiar as cartilhas prontas que muitas vezes não dão certo no Brasil.
Nós não podemos ser um zoológico de peixes, trabalhando com espécies que não vão nos levar a nada.
AQUACULTURE BRASIL: Quais as tendências e desafios para a produção de peixes nativos? Bernardino: Temos que ter pequeno quanto para o grande, ten- todas as fases. Feito isso, daremos especificidade, trabalhar com poucas do como subprodutos os embutidos, um salto no cultivo das espécies espécies. Eu acredito que o Piaractus triturados, defumados, etc, o que nativas. A perspectiva do mercamesopotamicus (pacu) e o Colosso- pode dar uma diferença. O terceiro do tanto interno quanto externo é ma macropomum (tambaqui) são aspecto é deter tecnologia para re- muito grande. Outros países já produas espécies que vão se desenvolver produção induzida, tendo assim dis- duzem as nossas espécies nativas. Se muito no Brasil. O segundo ponto é ponibilidade de alevinos o ano todo, demorarmos muito a gerar tecnoloter investimento pós captura, com e consequentemente a tendência da gia e alavancar a produção, esse merprodutos diferenciados e com valor produção é aumentar. E por fim, cado vai ser preenchido por outros agregado, e não vender somente o a ração. A ração representa hoje o países. Assim como já ocorre com peixe inteiro. Dessa forma é pos- maior custo de uma produção, de- nossos peixes ornamentais. sível ter mercado tanto para o peixe vendo ser muito bem estudada para
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AQUACULTURE BRASIL: O cooperativismo foi um modelo que deu muito certo no estado do Paraná, hoje um dos maiores produtores de peixe do país. Caberia o modelo do cooperativismo na região Norte? Bernardino: O cooperativismo dá certo em todo o canto. Porém existem cooperativas e cooperativas. Primeiramente temos que ter uma associação muito bem direcionada, com as regras “de jogo” muito bem definidas, para deixar de ser ape-
nas uma forma de agregar pessoas, mas tendo sempre como foco a produção. Assim, quando você tem um grupo de pessoas, empresários e produtores, de forma organizada e bem definida, englobando a parte de insumos, sistema de produção e pro-
cessamento, a cooperativa com certeza vai dar certo. Porque nesse sentido, ela tem um objetivo maior, que é diminuir os custos de produção e aumentar os lucros do pescado.
AQUACULTURE BRASIL: Finalizando, como você vê o retorno da SEAP – Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca? Bernardino: A princípio me preocupa muito. Principalmente pelo modo como ela está sendo reestruturada, levando em consideração o interesse de alguns políticos e não do setor aquícola e pesqueiro. E esse interesse político ligado a questões do seguro defeso, por exemplo, ao invés de objetivar fazer a política nacional da
pesca, o desenvolvimento das áreas pesqueiras, o investimento em recursos humanos, discussões sobre os grandes problemas políticos e econômicos do setor, entre outros aspectos, é o que me preocupa. Ou nós temos uma SEAP que leve em consideração que o Brasil tem um dos maiores potenciais do mundo
para a piscicultura, porque tem uma grande disponibilidade de matéria prima, que é a água, mas que precisa ter políticas para poder ter ração, tecnologia e ter comércio, ou então vamos ficar nos programas de parques aquícolas que até então não levaram a nada.
AQUACULTURE BRASIL: Uma mensagem, para finalizar... Bernardino: O setor pesqueiro e aquícola vem crescendo e tem um futuro interessante no Brasil. Não só através dos interesses a nível nacio-
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nal, mas a nível internacional. Nós teremos ainda grandes empresas e grandes projetos internacionais no país. O importante é que o setor
cresça com a certeza que vai contribuir ao desenvolvimento do país, gerando emprego e renda.
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NOVOS LIVROS Farmacologia aplicada à Aquicultura Editores: Bernardo Baldisserotto, Levy de Carvalho Gomes, Berta Maria Heinzmann e
Mauro Alves da Cunha Editora: Editora UFSM Idioma: Português - 654 páginas Lançamento: 2017 Este livro aborda a legislação existente para a utilização de fármacos de diferentes classes em cultivos aquícolas. Quais as doses ou concentrações, bem como o tempo de aplicação dos fármacos ou de outros produtos utilizados para tratar os animais contra bactérias, parasitas, fungos, vírus em aquicultura; como anestesiar animais aquáticos; quais produtos são úteis para melhorar o transporte de animais aquáticos; como utilizar prebióticos, probióticos, estimuladores do crescimento, antioxidantes e promotores da reprodução e inversão sexual em aquicultura. Este livro traz essas informações, que antes só eram possíveis de se obter através de uma busca em artigos publicados em revistas científicas especializadas.
Success Factors for Fish Larval Production Editores: Luis Conceição e Amos Tandler Editora: Wiley Blackwell Idioma:Inglês – 512 páginas Lançamento:março de 2018
O sucesso de uma produção aquícola depende fundamentalmente do sucesso da larvicultura. Neste contexto, o livro aborda os processos mais atuais na produção de larvas, e como os fatores externos (ambientais e nutricionais) e internos (moleculares, desenvolvimento, fisiologia, comportamento e fatores genéticos) interagem na definição do fenótipo e qualidade das larvas e juvenis de peixes. Tais informações tem as contribuições de um grupo de renomados pesquisadores e também especialistas de campo, o que o torna ainda mais completo.
Piscicultura Continental com Enfoque Agroecológico Editores: Graciane Regina Pereira, Henrique da Silva Pires, Leonardo Schorcht Bracony,
Porto Ferreira e Katiuscia Wilhelm Kangersk Editora:Publicação do IFSC Idioma:Português – 94 páginas Lançamento: julho de 2017 A obra conta com 16 capítulos trazendo métodos de aquicultura mais agroecológica, contextualizada para a região Sul do país. Com uma abordagem das formas mais sustentáveis de cultivo de peixes de água doce, o trabalho torna-se interessante, uma vez que os consumidores têm buscado cada vez mais uma segurança alimentar e preocupam-se com a origem destes alimentos. Entre os temas dos capítulos estão assuntos como aquaponia, probióticos, selo de rastreabilidade, policultivo, patologia e parasitologia, e alguns estudos com espécies como jundiá (Rhamdia quelen), cascudo (Pterygoplichthys pardalis), carpas (Cyprinus carpio) e tilápia (Oreochromis niloticus).
DIVULGUE AQUI O SEU LANÇAMENTO EDITORIAL! redacao@aquaculturebrasil.com AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
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Eles fazem a diferença! seção “Eles fazem a diferença” escolhemos sempre N auma personalidade da aquicultura para homenagear.
Nesta edição, entretanto, ela é válida no plural. Sim, “Eles” fazem a diferença. Todos eles que, após a partida do querido biólogo e empresário Alexandre Wainberg, pioneiro no cultivo orgânico de camarão no Brasil, possibilitaram que a fazenda PRIMAR não fechasse suas portas. A fazenda PRIMAR se localiza em Tibau do Sul, a 70 km da capital do Rio Grande do Norte, e nós da Aquaculture Brasil fomos visitar. Quem nos recepcionou e contou um pouco desta história foi a Designer Gráfica (e mais aquicultora que você possa imaginar) Marcia Kafensztok, esposa do fundador da PRIMAR, Alexandre Wainberg (in memoriam).
“Alexandre era formado em biologia marinha, com mestrado em bioecologia aquática e faleceu em 2015. Quando partiu deixou todo esse projeto da PRIMAR. Projeto que teve continuidade em função do apoio dos funcionários e várias outras pessoas, como amigos e o pessoal das universidades, que aceitaram dar seguimento mesmo sem tê-lo presente” comenta Marcia.
Fundada em 1993, a fazenda iniciou suas atividades com o cultivo de camarão nativo em sistema extensivo, mas logo intensificou a produção com a introdução do Litopenaeus vannamei. “Chegamos a ter aeradores por toda a fazenda, produção intensiva, 48 funcionários e toneladas de ração que chegavam a todo momento. Contudo, Alexandre, que era quem administrava tudo, achou que iria esgotar a área e resolveu “puxar o freio de mão”, entrando em um processo de conversão para uma fazenda menos intensiva e mais sustentável”.
Certificação orgânica – o pioneirismo que hoje tornou-se modelo no Brasil Na época, A PRIMAR dava o passo inicial para tornar-se a primeira fazenda com selo de certificação na produção orgânica de camarão marinho. O processo teve início em 2001 e só foi concluído em 2003, quando finalmente recebeu a certificação pelo IBD - Instituto Biodinâmico. “Como éramos a primeira no Brasil a entrar com o pedido da certificação, eles não tinham outra fazenda para se basear. Sendo assim, Alexandre sentou com o pessoal do IBD e juntos formataram quais seriam as normas para a aquicultura orgânica, porque não existia. Eles trouxeram para a aquicultura alguns conceitos que eram adotados na agricultura, como por exemplo o consórcio de culturas, cultivo em baixo adensamento e sem uso de produtos químicos”.
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O cultivo de forma orgânica Sem uso de ração, o camarão alimenta-se da biota natural existente no fundo do viveiro, que é formada graças a água rica em nutrientes bombeada do estuário. Após a captação, em um período de 10 dias já se tem a formação do alimento natural. Os animais são estocados a partir de PL10 e cultivados em um sistema extensivo e de baixa densidade, com 4 camarões/m². “O ciclo de produção leva entre 55 e 60 dias, com sobrevivência em torno de 70 e 80% e conseguimos despescar um camarão com peso final entre 10 e 12 gramas. Comercializamos o camarão fresco ou filezinho (sem casca) processado por mulheres da comunidade, que depois retorna e o embalamos para a venda”. Figura 2. Viveiros com cultivo integrado de camarões e ostras dispostas em travesseiros.
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Figura 1. Cantinho da Aroeira.
O impasse da comercialização como orgânico “Infelizmente hoje o camarão não é vendido como orgânico, porque para permitir o uso do selo na embalagem para comercialização como orgânico, temos que processar em uma unidade de beneficiamento com o SIF. Na época, conseguimos uma unidade de processamento que possuía as exigências necessárias e assim elaboramos um trabalho de marketing, criamos uma embalagem, etc. Contudo, a unidade acabou fechando a planta de camarão logo depois. Perdemos todo o trabalho construído, uma vez que na época essa era a única da região passível a ser certificada pelo IBD. Hoje, 10 anos depois, visitei duas unidades beneficiadoras que possuem os requisitos para serem certificadas. É um trabalho que estamos tentando retomar”. © Aquaculture Brasil
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Eles fazem a diferença! Ostras nativas e orgânicas - um exemplo de persistência Em 2005 a PRIMAR reFigura 4. Exemplar de ostra nativa Crassostrea gasar. solveu introduzir o cultivo de ostras, que deveriam ser nativas, tendo em vista que após a certificação, nenhuma outra espécie exótica, além do camarão que já estava presente, poderia ser introduzida na fazenda. Após muitas tentativas com ostras da espécie Crassostrea gasar, capturadas no ambiente natural e algumas provenientes do Laboratório de Moluscos Marinhos – LMM da UFSC, Alexandre percebeu que para manter uma regularidade na disponibilidade de sementes, teria que ter seu próprio laboratório. Assim, quase dez anos depois, em 2014 o laboratório foi montado e começou a operar. Mas nada foi fácil... “A primeira leva de sementes foi produzida com sucesso somente em 2015. Foram 43 larviculturas sem êxito. Alexandre já estava desistindo, ficou longe do laboratório por 20 dias, mas depois voltou e na 44° tentativa fez um milhão e duzentas mil sementes.” Três meses depois, veio a falecer, mas deixou todo o protocolo utilizado documentado em detalhes. Figura 3. Futuras instalações da estação de Ciência Alexandre Wainberg.
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O “tripé” que ajudou o laboratório a manter-se em atividade “Depois do ocorrido tivemos a força de pessoas essenciais que mantiveram o laboratório funcionando. Porque por mais que eu tivesse vontade de abrir, estava sem capital e além disso não entendia do funcionamento de um Depois do laboratório”. ocorrido tivemos “A primeira pessoa com quem fui falar, Ana Carolina da Aquatec, logo a força de pessoas se mostrou disposta a ajudar e deu suporte para que o laboratório funcionasse essenciais que por 6 meses. Depois apareceu o Sebrae Nacional, o qual já tinha um projeto de mantiveram o ostreicultura para o Nordeste que estava baseado na produção do nosso labolaboratório ratório. Eles queriam saber se iriamos reabrir. Comentei que apoio financeiro funcionando. nós já tínhamos, precisávamos de um técnico e gostaria que fosse o “Pancho” (Prof. Dr. Francisco Jose Lagreze Squella, da UFPR), porque foi ele quem estruturou o laboratório junto com o Alexandre. O Sebrae então solicitou junto a UFPR, instituição na qual o Pancho é vinculado, o deslocamento de um técnico para o programa AquiNordeste, e a UFPR então o liberou para vir algumas vezes orientar o pessoal”. “Assim, a Aquatec, o Sebrae e a UFPR foram os responsáveis pela reabertura do laboratório, e em nossa primeira tentativa, conseguimos produzir 600 mil sementes”.
Instituto Alexandre Alter Wainberg Mais de 30 trabalhos de graduação, mestrado e doutorado já foram realizados dentro da Fazenda PRIMAR. “Quando Alexandre faleceu o pessoal da Universidade ficava nos perguntando “E agora? Como vai ficar?” Porque poucas fazendas davam essa abertura para pesquisa e estágios”. O sonho de Alexandre era que a PRIMAR se tornasse um instituto, polo de referência para estudos em aquicultura. “Estou formalizando os contratos com as Universidades, aceitando estágio obrigatório, já temos estrutura de alojamento para poder receber os estudantes e coloquei a meta de 10 anos para que isso se torne um instituto, como queria ele”. “Nosso objetivo é realmente abrir para o pessoal entrar e fazer pesquisas. Estamos em um processo de construção coletiva de conhecimento. Porque eu acredito que quanto mais a gente se abre, mais a gente recebe”.
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Crassostrea gigas Ostra do Pacífico ou ostra japonesa
Com sua ocorrência natural no litoral do Japão, a C. gigas é a espécie de ostra mais cultivada no mundo e também no Brasil, sobretudo no estado de Santa Catarina. Sua rusticidade e rápido crescimento é o que fazem dela a preferida para a criação. No Brasil os primeiros exemplares chegaram em 1974, importados da Inglaterra pelo Instituto de Pesquisas Marinhas de Cabo Frio (RJ). Contudo foi em Santa Catarina que de fato a atividade se estabeleceu, graças a iniciativa do Laboratório de Moluscos Marinhos (LMM) da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), do órgão de extensão estadual (ACARPESC, atualmente EPAGRI) e do IBAMA, aliados, logicamente, ao clima favorável da região. Estas instituições realizaram diversas pesquisas a partir da década de 70, visando de fato tornar a ostreicultura uma atividade economicamente viável e uma fonte de renda às comunidades de pescadores artesanais do litoral catarinense.
Biologia reprodutiva
É uma espécie estuarina, que em ambiente natural prefere viver em áreas mais protegidas, como baías e estuários. São ovolíparas, ou seja, liberam os óvulos e espermatozoides na água para fertilização e desenvolvimento externos, não havendo dimorfismo sexual. São hermafroditas protândricas.
Alimentação
A ostra do Pacífico é um organismo filtrador, cuja alimentação é constituída de fitoplâncton (sendo as microalgas o alimento principal) e matéria orgânica particulada e dissolvida, naturalmente presentes na coluna d´água. Desta forma, o local preferido para a implantação das estruturas de cultivo situa-se em regiões costeiras, onde há maior influência de rios e assim um maior predomínio de nutrientes que auxiliam na produtividade primária.
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Figura 1. Fazenda marinha de ostras em Santa Catarina.
Obtenção de sementes No Brasil não há o estabelecimento natural da população de C. gigas, assim a obtenção de sementes é feita exclusivamente em laboratório. Em Santa Catarina o único laboratório que produz e comercializa as sementes é o LMM, da UFSC.
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Temperatura ideal e triploidia
Tamanho comercial
Apresenta faixa ideal de temperatura entre 15 a 19°C (Walne, 1979). Contudo, para evitar o alto índice de mortalidade ao final da primavera e início do verão em virtude do gradativo aumento da temperatura da água que desencadeia o processo de maturação sexual, e consequentemente provoca um alto estresse, emagrecimento do animal e esgotamento energético, foi adotado em alguns países, como Chile, o cultivo com ostras triploides. As ostras triploides possuem baixa capacidade reprodutiva, assim, a energia é armazenada e empregada para seu crescimento.
Sistema de cultivo
No litoral de Santa Catarina as ostras são comercializadas de acordo com seu tamanho: • Baby: 7 cm, atingidos com 7 a 8 meses de cultivo; • Médias: 9 cm, atingidos com 9 a 10 meses de cultivo; • Master: 11 cm, atingidos com 11 a 12 meses de cultivo.
Preço de mercado A dúzia direto do produtor é comercializada entre R$ 7,00 e R$ 9,00. Mas em restaurantes pode chegar a R$ 70,00.
Volume nacional produzido
No Brasil predomina o cultivo flutuante, tipo espinhel ou longline, cujas lanternas onde as ostras são acondicionadas estão presas ao cabo principal, que é sus- Os dados estatísticos fornecidos pelo IBGE, penso por flutuadores. Nas regiões norte e nordeste, as os- agrupam as ostras com os demais grupos de molustras (no caso, espécies nativas) são produzidas em travescos bivalves. Contudo, segundo a EPAGRI, o Estado seiros. de Santa Catarina, obteve uma produção em 2016 de 2.821 toneladas de C. gigas.
Principais parasitos que comprometem a produção
No Brasil não são registrados surtos de mortalidades em decorrência de parasitos, contudo, é relatado principalmente a presença do poliqueta causador da Polidariose (Polydora websteri), e do fungo causador da doença chamada “mal do pé”. Ambos causam alteração na parte interna da concha e consequentemente diminuem o valor de comercialização do produto.
ENTRAVES E DESAFIOS
CARACTERÍSTICAS POSITIVAS
O consumo é culturalmente na forma fresÉ uma espécie rústica, tolerante a variações de saca, ou seja in natura, o que causa uma dilinidade; minuição do seu tempo de prateleira, que é de apenas 4 dias. Consequentemente, isso limita o Pacote tecnológico já bem desenvolvido; produto de entrar em um dos mais importantes canais de comércio de alimentos, o varejista; Valor de mercado superior ao mexilhão; Demora na licitação de novas áreas em parques que já estão demarcados, no caso Atividade que possibilita à inclusão social. de SC; Falta de políticas de crédito. AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017
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DESPESCOU!
P roj e to A z u l – I ta p uã d o Oe s t e ( RO ) .
A despesca apresentada nesta edição é do híbrido pintado real e foi realizada na região Norte do país, em Itapuã do Oeste (RO). O cultivo tem parceria com a Biofish Projetos, sendo 22 ha em sistema trifásico de produção (sistema desenvolvido pela Biofish para cultivo de peixes nativos). Essa foi a primeira, de quatro despescas de pintado que ainda acontecerão nos próximos meses.
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