EM - Julho | Agosto - 2021

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MOMENTO VAI FALTAR ENERGIA?

F

PAULO LUDMER

azem-me esta pergunta desde meus artigos na desaparecida revista Mundo Elétrico, em 1988, dos saudosos Gruenwalds. Os planos econômicos dos presidentes Sarney e Collor fulminaram aquela importante concorrente desta Eletricidade Moderna. Por benção aqui cheguei, em 1989, assumindo esta coluna Momento, convidado pelo saudoso publisher José Rubens Alves, hoje sucedido por José Roberto Gonçalves. Eram muito jovens que corajosamente haviam comprado títulos da Editora Abril, como Máquinas & Metais, além desta EM. Em 1987/88 vivemos o racionamento Norte/Nordeste, antecedido por outro na região Sul. Em 2001/2002, repetiu-se o constrangimento, incluindo o Sudeste/Cen-

todo o Brasil. Vi nascer a possibilidade de uma companhia poder usar mais energia em uma planta no Sul, reduzindo a carga no Nordeste; vi o aluguel de térmicas velhas, a óleo, algumas flutuantes, para apressar o fim do drama; vi erros do Copom do Banco Central incapaz de medir a queda no PIB na véspera da epopeia; vi nascer a Comissão de Monitoramento de aversão ao risco no abastecimento e, para ainda esperar virtudes na humanidade, vi o pequeno consumidor residencial desligar uma lâmpada, enquanto na paralela, empresários ineficientes transformavam gorduras em oportunas vantagens para manutenção da sua produção. Vai faltar energia? A pergunta se renova com razão. Os reservatórios estão abaixo de níveis suportáveis para a operação nacional do sistema. Em 1987 representavam perto de 90% do fornecimento de kWh do sistema interligado e agora pouco superam 60%. Cheios duravam até dois anos, eram plurianuais. Hoje não ultrapassam quatro meses.

“É elevada a ameaça de faltar água e energia, da mesma maneira que o risco é de uma dupla tenaz: elevação de preços finais ao usuário conjugada com corte” tro-Oeste, o que contribuiu para a eleição do presidente Lula. Não houve trégua para prevenções de falta de energia elétrica, seja súbita (apagão de alcance imprevisível, chegada e duração incertas) ou de racionamentos (cortes de consumo planejados, de porte e início calculados e de data de encerramento desconhecida). De 1986 a 2010, diretor e depois conselheiro diretor da Abrace - Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres, participei ativamente das reuniões de gestão governo-sociedade desses eventos em Paulo Ludmer é jornalista, engenheiro, professor, consultor e autor de livros como Derriça Elétrica (ArtLiber, 2007), Sertão Elétrico (ArtLiber, 2010), Hemorragias Elétricas (ArtLiber, 2015) e Tosquias Elétricas (ArtLiber, 2020). Website: www.pauloludmer.com.br.

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E a sociedade, pela voz dos ecologistas, não permitiu a implantação de novos reservatórios de acumulação desde os anos 80. Por sua vez, o comportamento das pessoas intensificou fortemente a dependência da eletricidade, para não falar do carro elétrico. O questionamento hoje é se vai faltar energia e água para consumo, transporte fluvial, pesca, turismo, hotelaria, regularização de rios e bacias, para a produção industrial ou para as exportações de soja, milho, boi, aves, suínos, açúcar, etanol, frutas, etc.? O Brasil é um exportador indireto de água em falta no mundo. Vários países desmineralizam água do mar com usinas a carvão mineral. Vários outros estão predando seus lençóis freáticos. Infortunadamente é elevada a ameaça de faltarem os dois: água e energia, da

mesma maneira que o risco é de uma dupla tenaz, qual seja a elevação de preços finais ao usuário conjugada com corte. Para evitar com sucesso tudo isso são precisos (e não temos): 1) governo forte, coeso e articulado com o Congresso e o Judiciário, em todas as instâncias, além de comando, disciplina, escuta, velocidade, eficácia, quadros humanos qualificados e blindados; 2) boa comunicação educativa e transparente; 3) interrupção nas queimadas no Pantanal, Amazônia e cerrados tentando estimular os corredores aéreos de chuvas da selva para o Sudeste; 4) uma reversão exógena ao ser humano, qual seja do fenômeno La Niña no Oceano Pacífico; 5) a adesão a um sacrifício coletivo que exige renúncias paroquiais como a dos 60 prefeitos dos municípios banhados pelo lago de Furnas; 6) um forte empenho de todos os agentes sociais em prol de maior eficiência energética; 7) a assunção de perdas por parte de agentes da cadeia ofertante, mormente distribuidoras e transmissoras protegidas por contratos que socializam prejuízos mas não os sucessos; e, por último mas não por fim, 8) a sorte. A escolha mais fácil por parte do governo já começou, ou seja: pesado aumento nos preços da energia, sempre que possível repassados ao consumidor e ao contribuinte com aumento da inflação. Por desdobramento, impactam na corrosão da dívida pública interna, o que embevece ao ministério da Fazenda, mas judia dos extratos de renda mais baixa, nunca devidamente protegidos. Sofre o PIB, ganham as catracas do capital internacional a beber de nossos juros. Se o câmbio não se mover – e ele já caiu –, em dólar norte-americano a contabilidade das multinacionais aqui radicadas incorpora preços finais de energia elétrica mais barata em moeda conversível. Assim nossa indústria de base, de bens intermediários, com produtos cotados nas bolsas de Chicago e de Londres, ganha competitividade. No entanto, elevações em reais trabalham em sentido contrário ao câmbio e trazem ao final imprevisibilidade na competitividade de nossos tradables exportáveis. O governo Bolsonaro se enredou em terrível escolha de Sofia: ou proíbe desmatamento, contém atividades agropastoris ou seca as bacias hidrográficas. Encarece a energia elétrica ou corta o consumo, talvez pratique os dois. Politicamente, os custos são imensuráveis. Estamos a ver.


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