ARISP JUS - Quadrimestral - Jan - Abril 2017

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Ano II - Janeiro - Abril / 2017 Informativo jurídico especializado

EDITORIAL

Francisco Raymundo

ENTREVISTA Ulysses da Silva

ENTREVISTA

Leonardo Brandelli

ENTREVISTA

Naila de Rezende Khuri

ENTREVISTA

Carlos André Ordonio Ribeiro

ARTIGO

José Marcelo Tossi Silva

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DIRETORIA

Presidente: Francisco Raymundo Vice-Presidente: Flauzilino Araújo dos Santos Diretor Financeiro: Rosvaldo Cassaro Diretor da Coordenadoria Geral: George Takeda Diretor de Tecnologia da Informação: Armando Clapis Secretário: Jersé Rodrigues da Silva

CONSELHO FISCAL

Carlos André Ordonio Ribeiro Adriana Aparecida Perondi Lopes Marangoni Frederico Jorge Vaz de Figueiredo Assad

ARTIGO

Paulo Cesar Batista dos Santos

ARTIGO

Leonardo Brandelli

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SEDE

Rua: Maria Paula, 123 - 1º Andar São Paulo - SP - CEP: 01319-001 Telefone: 11 3107-2531 Homepage: www.arisp.com.br | www.registradores.org.br www.iregistradores.org.br e-mail: imprensa@arisp.com.br

EQUIPE

Gestão: Francisco Raymundo Coordenação: Alberto Gentil de Almeida Pedroso Jornalistas: Dêni Carvalho e Jéssica Molina Galter Diagramação: Alessandra Giugliano Russo Editor-chefe: Vaner Caram Fotografia: Vaner Caram, Felipe Nunes e Nelson Oliveira

ARTIGO

Ivan Jacopetti do Lago

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Júlio Cesar Sanchez

Francisco Eduardo Loureiro

Hélio Lobo Jr.

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Francisco Raymundo EDITORIAL No dia 15 de março de 2017, foi realizada na Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – ARISP, reunião do Conselho Deliberativo para votação de alteração do estatuto da entidade. Após a reunião, o presidente da ARISP, Francisco Raymundo, fez um pronunciamento acompanhado pelos integrantes do Conselho Deliberativo, André Bochini Trotta (4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas – SP) e Maria do Carmo de Rezende Campos Couto (Oficiala do Registro de Imóveis da Comarca de Atibaia – SP). Abaixo, as palavras do presidente, falando como foi a reunião e a sua importância para os Registradores Imobiliários do Estado de São Paulo. “A ARISP está unida, fortalecida e preparada para um futuro ainda melhor. A reunião foi tranquila, com uma aprovação quase unânime e apenas um voto contrário. Hoje é um dia muito feliz para todos nós. Tenho certeza que nossos colegas do interior devem estar satisfeitos, já que tive várias reuniões com todos, sendo sempre bem recebido e, aquilo que prometi, estou muito satisfeito em agora cumprir. Contei muito com a colaboração dos meus amigos André Trotta e da Maria do Carmo, integrantes do Conselho Deliberativo da Arisp”.

Francisco Raymundo Presidente da ARISP 04 ARISP JUS


Ulysses da Silva ENTREVISTA

Como começou a trajetória do senhor na atividade registral? Comecei a trabalhar em um cartório na cidade de Bauru, onde nasci, no 1º Ofício, que compreendia o tabelionato, o processamento cível e, também, o criminal. No início, meu trabalho era comprar selos, mas logo aprendi datilografia e passei a tirar cópias de escrituras, procurações e a funcionar como datilógrafo nas audiências criminais, mesmo sem habilitação. Gostava do serviço, mas, ganhava pouco. Certo dia, a Coletora Federal de Bauru, Sra. Leonilda Pinto, que era irmã do titular do 8º Registro de Imóveis de São Paulo, sabendo que eu era bom datilógrafo, me convidou para trabalhar em São Paulo. Aceitei e vim. Corria o ano de 1946.

O cartório fora criado em 1939 por Ademar de Barros e concedido a Paulino Eugênio Meyer, que mantinha seu cunhado, Oscar Fontes Torres, como Oficial Maior (hoje seria o substituto). Éramos 15 ou 16 funcionários, sendo eu, com 18 anos e os demais bem mais velhos. Apesar da diferença de idade, estudando muito, e contando com a ajuda de Oscar, fui emancipado, habilitado e passei a ser o encarregado do exame dos títulos para registro. Com o falecimento de Paulino, Oscar Fontes Torres foi nomeado titular, de acordo com lei estadual, que então vigorava, e eu passei a substitui-lo. Com o desenlace dele, mais tarde, e por força da mesma lei, fui elevado a titular, depois da interinidade por alguns meses, tendo sido aposentado compulsoriamente em 1998, em virtude ARISP JUS 05


de entendimento judicial que nos considerava servidores públicos. Aproveitando sua vasta experiência, quais os casos mais curiosos presenciados pelo senhor? Uma de nossas preocupações, quando escrevíamos sobre a matéria registrária, era, sempre que possível, ilustrar o assunto técnico abordado com o relato de casos ocorridos, ou mesmo, fictícios. O leitor os encontrará em dois volumes de nossa obra intitulada Registro de Imóveis – O Lado Humano, editados por Sérgio Antônio Fabris, de Porto Alegre, em parceria com o IRIB. Escolhi um deles para esta oportunidade que envolve assunto polêmico e enseja boa discussão. Aí vai: Aspecto polêmico, mesmo no seio do judiciário, sempre foi o relativo à força da cláusula de inalienabilidade, que implicava incomunicabilidade e, mesmo, impenhorabilidade, independentemente de serem adotadas de maneira expressa, como defendiam vários autores, entre os quais Sílvio Rodrigues, Washington de Barros Monteiro e Orlando Gomes. Felizmente, a polêmica serenou e eventuais dúvidas se dissiparam com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o qual passou a dispor, em seu artigo 1.911, que: A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade. Serenada a discussão em torno desse ponto, eis que surge outro a nos cutucar. E o inverso é admissível? Washington de Barros Monteiro já se referia à possibilidade de a cláusula de incomunicabilidade implicar a de inalienabilidade, porém, sem muita convicção. Hoje a tese preponderante é de que inexiste tal implicação. Entrando, agora, no plano meramente especulativo, existe um caso que torna essa questão um prato cheio para quem gosta de uma boa discussão. Para torná-la mais atraente, vamos fazer um relato fictício, útil ao nosso propósito, e solicitar ao leitor que nos ajude a resolvê-la: 06 ARISP JUS

Julieta, moça prendada, de poucas letras, filha única, casou-se com Erasmo, um advogado tido como um dos mais competentes de pequena cidade do interior. O progenitor da jovem, viúvo era homem de negócios, proprietário de inúmeros imóveis, explicando, talvez, o motivo da preferência do causídico por uma mulher sem muitos atrativos. O casamento fora celebrado sob o regime da comunhão de bens, por imposição do noivo, contrariando a vontade do sogro. Sentindo a velhice chegar, o pai de Julieta desejava fazer-lhe doação de todos os seus bens imóveis, mas relutava porque não nutria nenhuma simpatia pelo genro. Ciente da antipatia do sogro, Erasmo disse-lhe que, se a intenção fosse evitar o ingresso dos bens doados no patrimônio comum do casal, que fizesse a doação com a cláusula vitalícia de incomunicabilidade. A sugestão foi aceita e lavrou-se a escritura. Algum tempo depois, não foi difícil a Erasmo convencer a esposa de que fora injustiçado. Afinal de contas, o regime patrimonial por eles adotado era o da comunhão universal, e a sugestão dada ao sogro foi com o propósito de não retardar a transferência dos bens para ela. Considerava justo, por tal razão, diante da ida do velho desta para a melhor, que ela lhe passasse a metade dos referidos bens. - Como posso fazer isso? A cláusula de incomunicabilidade, por você mesmo sugerida, pode ser ignorada? Disfarçando sua esperteza, Erasmo respondeu que agora isso era possível, em face do disposto no art. 499 do Código Civil, segundo o qual “É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão”, licitude essa extensiva, obviamente, às doações. Essa explicação convenceu Julieta. Acontece que, ao pretender a formalização da transmissão, o tabelião recusou-se a lavrar a escritura e suscitou dúvida ao seu juiz corregedor, sustentando a tese de que a cláusula de incomunicabilidade implicava, no caso, a de inalienabilidade. Além disso, acrescentou que a norma aludida referia-se apenas


a bens excluídos da comunhão por força do regime patrimonial adotado no casamento, não se aplicando, portanto, ao caso. Considerou, ainda, inaceitável que o legislador tivesse tido a intenção de abrir uma porta de escape na lei, propiciando, com isso, meios para se anular um gravame imposto com a plena concordância da donatária. Subscrevendo a própria contestação, Erasmo, bom advogado, serviu-se dos seguintes argumentos: Ao referir-se a bens excluídos da comunhão, o legislador incluiu aqueles gravados com a cláusula de incomunicabilidade, aplicando-se, portanto, a norma contida no art. 499 do Código Civil. Embora venha a frustrar a intenção do doador de tornar incomunicáveis os bens doados, o fato é que a doação pretendida virá restabelecer a plenitude do regime da comunhão universal. Como diz Washington de Barros Monteiro, em sua conhecida obra, “Curso de Direito Civil – Direito de Família”, atualizada por Regina Beatriz Tavares da Silva, em 2007, já na 38ª edição, publicada pela Editora Saraiva: “O regime da comunhão universal consiste na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges…”

Não há nenhum segredo nesse conceito, bem conhecido, adotado por todos os demais doutrinadores, acrescentou Erasmo. E indagou: pode a vontade de pessoa estranha à sociedade conjugal provocar alteração nesse conceito, mesmo em ato de liberalidade, tornando incomunicáveis bens que deveriam, por força do regime adotado, comunicar-se? Já vimos a posição do notário, recusando-se a lavrar a escritura, e a argumentação dos suscitados, mas qual seria o entendimento do registrador? Registraria a escritura, caso fosse lavrada? A nosso ver, o caso envolve duas questões a resolver. A primeira, mais simples, relaciona-se com a legitimidade da imposição da cláusula de incomunicabilidade em plena vigência de um casamento celebrado sob o regime da comunhão universal. É certo

que esse regime consiste na comunicação de todos os bens presentes e futuros, como afirma o legislador no art. 1667, mas, com as exceções do artigo, seguinte, acrescenta de forma clara. E lá está, no inciso I, do art. 1668, entre as exceções previstas, aquela que exclui da comunhão os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar. Não há, portanto, como negar a validade dessa exceção e, consequentemente, o direito de qualquer doador de impor gravames em seus atos de liberalidade, quando o beneficiado for casado sob esse regime de bens. A segunda questão, mais complicada, envolve o alcance da visão do legislador quando se refere a bens excluídos da comunhão. É inegável que os bens gravados com a cláusula de incomunicabilidade estão excluídos da comunhão, mas, terá sido intenção do legislador ir até esse ponto? Ou podemos inferir que a exclusão prevista é válida apenas quando determinada pelo regime patrimonial adotado? Paulo Luiz Neto Lobo, ao abordar esse aspecto da questão, na obra Comentários ao Código Civil, publicada pela Editora Saraiva, sob coordenação de Antônio Junqueira de Azevedo, afirma que, de fato, a exclusão estende-se a tais bens, acrescentando, porém, que a faculdade dada pela norma é a de venda para patrimônio particular de cada cônjuge e não para patrimônio comum. Maria Helena Diniz, em sua obra Código Civil Anotado, Editora Saraiva, 14ª edição, entende que a compra e venda entre cônjuges está proibida se o regime matrimonial for o da comunhão universal. Admite, porém, a venda quanto aos bens excluídos da comunhão, considerados particulares, como os mencionados nos arts. 1.668 e 1.659, o que inclui os gravados com incomunicabilidade. A obra Código Civil Comentado, de autoria de vários juristas, também editada pela Saraiva, 3ª edição, sob a coordenação do Ministro Cezar Peluso, confirma o parecer de Maria Helena Diniz e encerra com as seguintes palavras: ARISP JUS 07


A título ilustrativo, o marido pode comprar da esposa os bens que ela recebeu da herança paterna com cláusula de incomunicabilidade. Não deixam dúvida os autores citados quanto à possibilidade de transmissão entre cônjuges que objetive imóvel gravado com a cláusula de incomunicabilidade. Cautela, porém. As afirmações feitas são válidas apenas quando o imóvel negociado passar a

Quais são as principais qualidades do bom registrador? Para ser um bom registrador, o funcionário tem que estudar Direito e aprofundar-se no conhecimento das nossas leis básicas, como a 6.015/73, a 4.591/64, os Códigos Civil e de Processo Civil, especialmente o primeiro, que é onde se encontram as normas, nas quais se assentam as disposições das leis registrais

constituir bem particular do adquirente, o que pode ser alcançado com numerário que se encontre fora do patrimônio comum do casal, como, por exemplo, o proveniente da venda de outro bem particular. Porque, se assim não for, o bem incomunicável entra para o patrimônio comum, o que é inadmissível. E, pior, anula um gravame imposto pelo doador ou testador, em ato de liberalidade, com a plena concordância da beneficiada, o que não é correto.

mais importantes. O constante acompanhamento das decisões judiciais, o respeito às normas da Corregedoria Geral da Justiça e a participação em encontros da classe ou em cursos, como os ministrados pelo Dr. Ricardo Dip, concorrem para o aprimoramento.

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Como o senhor vê o passado, presente e futuro do Registro de Imóveis? Antecedendo o surgimento do registro imobiliá-


rio, podemos dizer que, quando teve início a efetiva colonização do Brasil, em 1534, o Rei de Portugal, Dom João III, dividiu o país em “capitanias” ou “governanças” e as atribuiu, por meio de “cartas de doação”, a homens de sua corte e confiança, então chamados “capitães” ou “governadores”. Como vastas eram as capitanias, os capitães as dividiram em partes, denominadas “sesmarias”, e as distribuíram a pessoas cristãs, sem exigência de foro ou outro direito, salvo o dízimo de Deus à Ordem de Cristo. Chamadas “sesmeiras”, as pessoas beneficiadas detinham uma espécie de posse feudal e se obrigavam a explorar a terra por força das Ordenações Manuelinas. Longo período de tempo transcorreu até surgir a necessidade de regulamentar a aquisição das terras, iniciando-se aí, timidamente, a história do Registro de Imóveis. Vamos encontrá-lo, ainda em sua forma embrionária, na Lei 601, de 18 de setembro de 1850, e no Regulamento n. 1318, de 30 de janeiro de 1854, que passaram a legitimar a aquisição das terras pelo reconhecimento da posse perante o Vigário da Igreja Católica, daí o sistema ser conhecido como “Registro do Vigário” ou “Registro Paroquial”. Esse registro era meramente declaratório e tinha por objetivo apenas diferenciar o domínio particular do domínio público. Mais tarde, pela Lei n. 1.237, de 24 de setembro de 1864, regulamentada pelo Decreto n. 3.453, de 26 de abril de 1865, é que foi criado o registro imobiliário, com a função de transcrever aquisições imobiliárias e inscrever ônus reais, substituindo a Lei Orçamentária n. 317, de 21 de outubro de 1843, que dispunha somente sobre a inscrição de hipotecas. Outras leis e decretos menos expressivos sucederam-se, introduzindo alterações e novos conceitos, inclusive adotando o “Registro Torrens”, até entrar em vigor, em 1º de Janeiro de 1917, o Código Civil. Regulamentando o disposto no Código Civil, quanto ao Registro de Imóveis, outros diplomas legais foram elaborados. Destacamos, entre eles, o Decreto 18.542, de 1928 e o Decreto 4.857, de 09 de novembro de 1939, modificado pelo de número 5.718, de 26 de

fevereiro de 1940, que regulou a matéria registral por mais de trinta anos. Seguiu-se o Decreto-lei 1.000, de 21 de outubro de 1969, que introduziu alterações na legislação anterior e acabou sendo revogado. Várias modificações introduzidas por esse decreto-lei foram aproveitadas na lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterada que foi pela Lei 6.216, de 30 de junho de 1975, a qual se encontra em vigor até os dias de hoje, embora já necessitada de algumas modificações. Com referência ao presente e futuro do registro imobiliário, podemos dizer que, pelo menos nas regiões mais adiantadas do país, o Registro de Imóveis desempenha com eficiência a sua função e preserva a segurança jurídica dos atos que pratica proporcionada pelos meios técnicos atualmente disponíveis. É de se reconhecer, entretanto, a necessidade de algumas alterações na Lei 6.015/73, particularmente no que diz respeito à segurança do acervo eletrônico. O que o senhor espera do Registro Eletrônico? Como se nota, o sistema de registro eletrônico veio para ficar, embora a Lei 6.015 continue sendo citada em livros. É certo, porém, que a escrituração deles vem mudando com o tempo e foi a criação da matrícula que abriu caminho para o primeiro avanço. Em São Paulo, com apoio da Corregedoria Geral da Justiça e, também, em outros centros urbanos, ela, a matrícula, adquiriu a forma de uma ficha de cartolina, o que permitiu a sua escrituração mecânica, sistema esse logo estendido aos indicadores pessoal e real. Com a introdução do computador, a escrituração foi agilizada e tornou-se possível o armazenamento eletrônico de todos os atos praticados, inclusive os anteriores à entrada em vigor da citada lei, criando-se, assim, um arquivo virtual, embora fichas e livros continuassem a ter vida material. Foi significativo esse avanço, mas existem, ainda hoje, cartórios em pequenas comarcas, lugares distantes, sem recursos, que insistem em escriturar os livros manualmente. Outros podem ter adotado o novo sistema, mas contam com equipamentos ARISP JUS 09


e programas falhos e inseguros. Aliás, mesmo nas comarcas bem servidas, há registradores que ainda não computadorizaram os atos anteriores à Lei 6.015, mantendo-os no ultrapassado sistema. Logo se vê que o atraso da legislação registral em relação aos progressos tecnológicos criou essa situação, amenizada, em parte, por iniciativa do Judiciário. Felizmente, a Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, alterada pelas Leis 12.249, de 2010, 12.424 e 12.693, de 2012, regulamentada, parcialmente, pelos Decretos 7.429, de 2011, 7.795 e 7.825, ambos de 2012, criadora do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, dedicou os artigos de números 37 a 41 a essa importante matéria. De acordo com tais dispositivos, os serviços de registros públicos instituirão sistema de registro eletrônico, para cujo fim os documentos eletrônicos apresentados ou expedidos deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade do Governo Eletrônico). A adoção do novo sistema, agora sacramentada pela referida lei, passa a permitir a recepção de títulos e o fornecimento de informações e certidões também por meio eletrônico, conforme vimos no capítulo anterior desta obra, e torna obrigatória a inserção dos atos praticados na vigência da Lei 6.015 no sistema eletrônico dentro do prazo de até 5(cinco) anos, a contar da publicação da lei 11.977, o mesmo devendo ser feito com os atos e documentos arquivados anteriormente à mesma lei. Merecedora de atenção no texto da lei é a disposição contida no art. 41, segundo a qual, a partir da implementação do novo sistema, os serviços de registros públicos colocarão à disposição do Poder Executivo Federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados. Para efeito de cumprimento das novas disposições legais, o legislador acrescentou um parágrafo ao art. 17 da Lei 6.015 determinando que o acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando forem 10 ARISP JUS

realizados por meio da rede mundial de computadores (internet), deverão ser assinados com uso de certificado digital, que atenderá os requisitos da aludida Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP. Em São Paulo, a Corregedoria Geral da Justiça baixou vários Provimentos, com alterações nas Normas de Serviço, três deles já mencionados no capítulo anterior desta obra com o objetivo de possibilitar a imediata adoção do novo sistema. O de n. 42 declara implantado o Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), integrado por todos os Oficiais de Registro de Imóveis do Estado de São Paulo, merecendo destaque os seguintes pontos relativos à recepção eletrônica de títulos e ao fornecimento de certidões e informações via internet, além dos que já foram focalizados no capítulo anterior; I – a finalidade do aludido serviço de registro eletrônico é desmaterializar procedimentos registrais, bem como promover sua interação com o Poder Judiciário, governos, empresas e cidadãos na protocolização e registro eletrônicos de títulos e no acesso às certidões e informações registrais. II – até que a Corregedoria Geral da Justiça regulamente a matéria, a escrituração eletrônica, sem impressão no papel, fica restrita aos indicadores pessoal e real, ao controle de títulos contraditórios, certidões e informações, o que significa que as matrículas e os lançamentos no Livro 3, embora escriturados eletronicamente, continuarão sendo impressos no papel; III – os documentos apresentados poderão ser arquivados em formato digital ou microfilmados, salvo quando houver exigência legal de arquivamento no original e houver sido produzido no papel, o que não impede, neste caso, a digitalização por meio de captura de imagem; IV – todos os dados e imagens serão armazenados de forma segura e eficiente, que garanta fácil localização, preservação integridade e que atenda Plano de Continuidade de Negócio (PCN), mediante soluções comprovadamente eficazes de Recuperação de Desastre (DR – Disaster Recovery), dentre elas, testes periódicos;


V – o arquivo redundante (backup) deverá ser gravado em mídia digital segura, local ou remota, com cópia ora do local da unidade do serviço em Data Center localizado no País, que cumpra requisitos de segurança, disponibilidade, conectividade; a localização física do Data Center e o endereço de rede endereço lógico (IP), deverão ser comunicados ao Juiz Corregedor Permanente, assim como eventuais alterações; VI – facultativamente e sem prejuízo do armazenamento em backup, fica autorizado o armazenamento sincronizado em servidor dedicado ou virtual (private cloud) alocado em Data Center localizado no País, cujo endereço será igualmente comunicado ao Juiz Corregedor Permanente; VII – os documentos em meio físico apresentados para lavratura de atos registrais deverão ser devolvidos às partes, após sua microfilmagem ou digitalização. Ainda quanto ao ingresso do título, dispõe o art. 37 da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, resultado da conversão da Medida Provisória n. 459, de 25 de março do mesmo ano, criadora do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, que os serviços de registros públicos instituirão sistema de registro eletrônico. Essa iniciativa possibilita a recepção de títulos e documentos e, também, o fornecimento de certidões e informações por meio eletrônico ou via internet, estabelecendo o art. 38 que as cópias eletrônicas apresentadas ou expedidas deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP e à arquitetura e-PING – Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico, conforme regulamento. Para a implantação do novo sistema, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo baixou os Provimentos 1/2009, 4/2011 e 42/2012, instituindo o Portal Oficio Eletrônico www.oficioeletronico.com.br – operado, mantido e administrado exclusivamente pela ARISP – Associação de Registradores Imobiliários do Estado de São Paulo, integrado, obrigatoriamente, por todos

os Oficiais de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, que deverão manter acervo do Banco de Dados Light permanentemente atualizado. Entre os pontos focalizados nos aludidos provimentos, sobressaem os seguintes: I - poderão aderir ao Portal criado todos os entes e órgãos públicos, bem como entidades privadas que manifestem interesse por informações registrais, mediante celebração de convênio com a ARISP; II - a função do Portal é possibilitar o recebimento de consultas e o envio de respostas por meio aplicativo de Internet hospedado na Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados da ARISP, vedado o trânsito e a disponibilização de informações por correio eletrônico ou similar; III - o acesso ao Banco de dados light, por intermédio do Portal, coloca à disposição, em tempo real, do Poder Judiciário e das entidades mencionadas, informações sobre a existência de bens e direitos registrados nas respectivas Serventias; IV – a prestação de informações no formato eletrônico, a visualização de imagens de matrículas ou de outro documento arquivado, bem como a remessa de certidões, quando solicitadas por entidades privadas, dar-se-á na Central da ARISP, em seu endereço eletrônico www.arisp.com.br e estarão sujeitas ao pagamento de custas e emolumentos; V - tanto as requisições, como as certidões expedidas, serão assinadas digitalmente com a utilização de certificados digitais emitidos por autoridade certificadora oficial e credenciada, obedecidos os padrões estabelecidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil); VI – a criação do Portal não impede o fornecimento de informações pelos registradores diretamente aos interessados em terminal de autoatendimento, desde que seja operado e mantido exclusivamente nas dependências da Serventia; VII – os registros de imóveis poderão emitir e os tabelionatos de notas receber e arquivar certidões em formato eletrônico, por intermédio da ARISP, com as cautelas recomendadas; ARISP JUS 11


VIII – os registradores do Estado de São Paulo disponibilizarão serviços de recepção de títulos e fornecimento de certidões e informações por meio eletrônico; IX – o Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) será prestado aos usuários por meio de plataforma única na internet, que funcionará na Central operada pela ARISP; X – a postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos públicos ou particulares, elaborados por meio eletrônico, para remessa às serventias para prenotação ou exame e cálculo, bem como destas para usuários, serão efetivadas por intermédio da Central operada pela ARISP; XI – o título eletrônico poderá ser apresentado direta e pessoalmente à Serventia registral em dispositivo de armazenamento de dados (CD,DVD, cartão de memória, pendrive etc.); XII – A Central operada pela ARISP possibilitará o acompanhamento pelo usuário, gratuitamente, da tramitação do título eletrônico pela internet, o que permitirá a visualização das etapas percorridas, mediante indicação do número do protocolo ou da senha de acesso; XIII – o sistema da Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados da ARISP deverá contar com módulo para acompanhamento contínuo, controle e fiscalização pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo e Juízes Corregedores Permanentes das serventias registrais, criada, assim, a correição online. Complementando as informações acima, cumpre lembrar que a aludida Medida Provisória 459, presentemente convertida na referida Lei 11.977, já confirmava disposição contida da Lei 11.382, de 6 de dezembro de 2005, que alterou o disposto no § 6.º do artigo 659 do Código de Processo Civil e passou a admitir a realização da penhora e de sua averbação por meio eletrônico. Aliás, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, através do Provimento 22 de 2012, introduziu alteração nas Normas de Serviço, focalizando a penhora online, estendendo a 12 ARISP JUS

inovação ao arresto, à sua conversão em penhora, e ao sequestro de bens imóveis. Antes, a Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005, já determinava ao magistrado comunicar, ao registro imobiliário, a decretação de indisponibilidade de bens, preferencialmente, por meio eletrônico. Insistindo nesse tema, o Provimento 11 de 2013, também baixado pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, contém alguns dispositivos, com alterações nas Normas de Serviço, objetivando facilitar o registro de contratos celebrados no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV.


Leonardo Brandelli ENTREVISTA

A tendência de publicizar no Registro Imobiliário todos os fatos jurídicos que digam respeito ao imóvel é uma boa tendência? Parece-me que sim. Embora não se possa vulgarizar a publicidade registral imobiliária — assim como qualquer outra forma de publicidade, os fatos jurídicos que afetem bens imóveis, direta (pela via real) ou indiretamente (pela via obrigacional), devem ser publicizados, a fim de que possam ser oponíveis contra terceiros que deles não participaram. As situações jurídicas imobiliárias que pretendam obter eficácia ultra partes, devem ser publicizadas no registro imobiliário, sem o que não podem lograr tal desiderato, sejam elas decorrentes de relações privadas ou públicas, judiciais ou não. Não basta a lei dizer que determinada situação é oponível erga omnes. Se não

estipular uma eficiente publicidade, não se obterá tal publicidade, salvo alguma solução juridicamente totalitária. Isto sempre foi bem compreendido pelo Direito, e é demonstrado por excelentes romanistas ao longo da história. Infelizmente, por algum tempo, entre nós, houve um descaminho ideológico, desgarrado da boa técnica jurídica, o que, parece, começa a ser corrigido. Com isso, ganha a segurança jurídica e a estabilidade das relações que é fundamental para a vida humana em sociedade. Em sua opinião, nenhuma situação jurídica imobiliária pode, então, ter eficácia contra terceiros se não for levada ao Registro de Imóveis? Essa seria a situação juridicamente ideal, todavia, nenhum sistema jurídico conseguiu eliminar ARISP JUS 13


totalmente as chamadas hidden charges — as situações jurídicas que, apesar de ocultas, afetam a terceiros. É, porém, dever do Direito tentar evitá-las, mantendoas no mínimo possível, porque são indesejáveis, pegam as pessoas de surpresa, sacrificando sempre um interesse individual legítimo em nome de algo. A melhor opção é por um jogo honesto de publicidade, em que os direitos que possam afetar a terceiros estejam facilmente acessíveis a todos, decorrendo daí efeitos contra quem não participou da constituição

resposta deve ser positiva: Há necessidade de publicidade registral. Se a situação jurídica afeta direitos registrados, deve ser publicizada registralmente, caso contrário, haverá uma situação jurídica indesejada de concorrência entre publicidade e publicação, que acaba gerando instabilidade nas relações jurídicas, surpresa, ineficiência e litígios. Há uma tendência hodierna, no direito europeu, em se distinguir publicidade e publicação. Somente a primeira deveria gerar efeitos contra terceiros para as situações jurí-

da situação jurídica. Até mesmo situações jurídicas que decorram de atos públicos, como um ato administrativo por exemplo, deveriam ser publicizadas registralmente? Há que se distinguir, primeiramente, o que convém que seja objeto de cadastro, e o que convém seja objeto de registro. Integrando este segundo objeto, a

dicas. A atribuição de eficácia erga omnes para situações jurídicas privadas pela segunda, embora ocorra, deveria ser limitada ao mínimo possível, porque ela sempre decorre de uma ficção opaca, isto é, muda os direitos das pessoas às ocultas.

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No final de dezembro de 2.016, foi editada a Medida Provisória 759/2016. Quais são as suas pri-


meiras impressões sobre a norma jurídica recém criada? É muito cedo para emitir alguma impressão mais precisa à respeito da MP. Publicada, começa a obra de hermenêutica, que deve ser cautelosa. As primeiras impressões são sempre parciais. Mas a título de primeiras impressões, é possível perceber que a MP traz normas jurídicas importantes. Parece-me que melhora as normas referentes ao tema sempre tormentoso da regularização fundiária, indo além do que tinha ido a Lei nº 11.977/2009, tecendo algumas regras importantes, e algumas das quais já utilizávamos em nosso Estado, mediante normativa administrativa expedida pela E. CGJ. Parece que se dá mais um passo rumo à facilitação da regularização fundiária no Brasil, e se demonstra que é um objetivo social a ser alcançado, e se torna cada vez mais possível. Se Hernando de Soto estiver certo, esse movimento poderá ser algo que nos alçará a um novo patamar social e econômico no médio prazo. Há algumas normas de direito público, com reflexos no direito privado, que parecem desatar alguns nós encontrados até então para o exercício de alguns interesses públicos. Trata-se, por exemplo, das regras previstas nos artigos 52 e 63 (que incluiu o §7º no artigo 195-A, e o parágrafo único no artigo 250, ambos da Lei 6.015/73). Por fim, para o Registro de Imóveis, há importantes normas, e que me parecem de excelente qualidade, a respeito do registro eletrônico e de seu operador nacional, bem como a respeito da disponibilização das informações aos Poderes Públicos. Dentre as principais novidades da Medida Provisória 759/2016 está a ampliação do rol de direitos reais do artigo 1.225 do CC. Quais as principais consequências práticas para os Registradores de Imóveis? A instituição do direito real de laje talvez seja o ponto mais controverso da MP. De minha parte, tenho neste momento, como civilista e como Registrador, tentado refletir sobre ele. Tenho muitas perguntas e poucas respostas ainda. Porque a questão não

foi tratada dentro do direito de superfície, o que representaria em princípio uma solução mais sistêmica, uma vez que o direito de sobrelevar pode ser objeto do direito de superfície, como ocorre em alguns ordenamentos jurídicos alienígenas? O direito de superfície conseguiria abranger todas as situações fáticas da complexa realidade fundiária brasileira? Em caso negativo, o direito de laje consegue abarcar alguma situação que o direito de superfície não conseguiria, de modo a justificar tal inovação brasileira? Porque abrir-se matrícula para o objeto “flutuante” de tal direito? O senhor é um grande estudioso do instituto da usucapião extrajudicial. O art. 216-A da Lei dos Registros Públicos, acrescido pelo Novo Código de Processo Civil, proporcionará um avanço importante para a desjudicialização da matéria? O art. 216-A do CPC tem um papel altamente relevante para aqueles que como eu acreditam na profilaxia jurídica, na medida em que traz uma clara e importante mensagem: raras são as matérias que não podem ser desjudicializadas quando não houver litígio instaurado. Mesmo aquelas matérias que, por tradição estão afetadas ao Poder Judiciário, em regra, podem ser desjudicializadas em casos em que haja consenso. E com tal solução, todos ganham, em especial a sociedade. Se há profissionais altamente qualificados e imparciais, que em alguns sistemas jurídicos chegam a ser chamados de juízes extrajudiciais, quais sejam, o Oficial de Registro e o Notário, porque não passar a tais profissionais a resolução jurídica dos casos em que não haja conflito de interesses? A mensagem clara do CPC é: isto é possível e desejável. E há inúmeras hipóteses em que pode-se desjudicializar, se não houver litígio. A adjudicação compulsória de bem imóvel é um exemplo. Há hoje, por inúmeros motivos, um fenômeno de litigância social, que leva o Poder Judiciário à exaustão. É muito maior a quantidade de lides do que a capacidade laborativa dos MM — Juízes de Direito, impingindo-lhes uma carga de trabalho desumana. ARISP JUS 15


Os Oficiais de Registro podem colaborar e muito para minimizar tal situação, bastando que passem a atuar nas hipóteses em que podem fazê-lo: nas quais não haja lide. No que se refere especificamente à usucapião, parece que a resposta não é tão otimista, porque há empecilhos à sua efetivação, que poderão fazer com que sua ocorrência seja ínfima, sem reflexos importantes, que é o que, por sinal, se verifica até o momento. A exigência de anuência expressa de um legitimado passivo certo que tenha sido notificado pelo Oficial, por exemplo, sendo entendido o seu silêncio como discordância, é um exemplo. Parece-me que se a pessoa demonstra não ter interesse na questão, deve ter seu silêncio entendido como desinteresse, e portanto concordância, e não como discordância. Nosso sistema abarca a noção de atas notariais de presença. É possível dizer que, para fins de usucapião extrajudicial, haverá mudança no norte para a elaboração da ata? Não me parece adequada a assertiva, salvo melhor juízo. Dizer que no sistema notarial brasileiro a ata aceita é a de presença, significa dizer que o que é acolhido na ata notarial deve ser captado pelos sentidos do tabelião, por si ou por seu preposto, e, portanto, deve estar presente para que seus sentidos captem a situação. Isso é importante para diferenciar de outras atas admitidas no direito estrangeiro, em que isso não ocorre, como, por exemplo, nas atas de depósito, ou as atas de subsanação, que não têm existência entre nós. Na ata a ser lavrada na usucapião extrajudicial, o Tabelião deverá captar o máximo de elementos possíveis acerca da qualidade da posse exercida (por quem, qual prazo, que tipo de posse, etc.). Evidentemente que o Notário não terá presenciado os atos de posse ocorridos em tempo pretérito àquele da lavratura da ata, mas a ata será necessariamente de presença, na medida em que tudo o que estiver na ata terá sido captado pelos sentidos do notário, por sua presença. Assim ocorrerá com a declaração de alguém à respei16 ARISP JUS

to da posse havida, por exemplo. Na forma que atualmente redigido, o art. 216-A da LRP apresenta alguns entraves para o sucesso da usucapião extrajudicial. Há como superá-los por meio de interpretação, ou somente via alteração legislativa? Em meu livro sobre a usucapião extrajudicial, tratei de dois pontos que me parecem fulcrais para que se possa ter uma aplicação efetiva do instituto: a possibilidade de notificação por edital dos legitimados passivos certos, e a presunção de concordância decorrente do silêncio do notificado. No primeiro caso, não há previsão legal de notificação por edital dos legitimados passivos certos, embora haja para os incertos, de modo que em relação àqueles, se estiverem em local incerto, desconhecido, ou inacessível, somente pela via judicial se poderá solucionar a questão, embora, provavelmente, não possa não haver litígio ali. No segundo, a situação é mais tormentosa. Os legitimados passivos certos que não concordarem com a usucapião voluntariamente, poderão ser notificados para tanto, devendo proferir manifestação no prazo de 15 dias, sendo entendido o silêncio como impugnação. Parece-me que aí temos um sério óbice. Aquele terceiro, que recebendo uma notificação do Oficial de Registro de Imóveis para se manifestar a respeito de um procedimento de usucapião extrajudicial, não tiver interesse no procedimento, tenderá a silenciar; tenderá a manifestar-se expressamente aquele que restar contrariado. Porém, a presunção legal é exatamente oposta a essa lógica. Parece-me que são dois problemas a serem resolvidos, e que, em minha opinião, podem ser solucionados, mas por alteração legislativa. Não há consenso entretanto, havendo aqueles que entendem não ser possível a alteração legal, vendo necessidade de concordância pessoal e expressa, sempre, já que não pode haver lide, e havendo aqueles que entendem que é possível superar tais óbices por meio hermenêutico.


Naila de Rezende Khuri ENTREVISTA

Quais foram as principais dificuldades enfrentadas ao assumir a delegação da Comarca de Votorantim no Estado de São Paulo? Votorantim é uma cidade com 110 mil habitantes, em franco desenvolvimento industrial, comercial e imobiliário, mas que não dispunha de uma unidade de Registro de Imóveis, Registro de Títulos e Documento e Registro Civil das Pessoas Jurídicas na comarca, já que os respectivos registros eram feitos na Comarca de Sorocaba. O Registro Civil das Pessoas Naturais funcionava como anexo ao Tabelionato de Notas e Protestos da cidade e com a nova delegação passou a fazer parte do bloco dos registros púbicos. Assim, eu me deparei com vários desafios para instalar a nova unidade registral na cidade.

Procurar um local, adquirir softwares e mobiliário, treinar e formar uma equipe e transferir o acervo do Registro Civil das Pessoas Naturais eram tarefas prioritárias. O registrador Joélcio Escobar me ajudou a encontrar um local e adequá-lo à acessibilidade. Contratei um arquiteto para a elaboração de um projeto que atendesse às normas da ABNT de acessibilidade, mas no final, o colega Joélcio Escobar foi quem aperfeiçoou e modificou o projeto. O colega e amigo Joélcio praticamente descartou o projeto do arquiteto, e foi ele quem desenhou um elevador, o banheiro adaptado, a disposição das mesas de atendimento e a sala de casamento. O projeto do Joélcio ficou tão bom que após a conclusão das obras, eu convidei o presidente da AssoARISP JUS 17


ciação dos Portadores de Necessidades Especiais de Votorantim para convalidar a autonomia e acessibilidade e ele ficou muito satisfeito. A única recomendação que ele fez foi a troca de torneiras com temporizadores por torneiras com alavancas apropriadas para manuseio com cotovelos, o que foi prontamente atendido. Houve ainda a preocupação com a instalação da parte elétrica, informática, aquisição de softwares, móveis, armários adequados para os livros e guarda de documentos, portas de ferro, alarmes, câmeras e muitos outros detalhes. Cabe lembrar que o prazo para a instalação era de 30 dias, prorrogável, por igual período, mas em razão dos cuidados com a remoção dos livros do Registro Civil das Pessoas Naturais, o ideal era aproveitar o feriado de finados, o que daria 30 dias. Então, eu tinha um prazo exíguo para concluir as tarefas. A remoção dos livros foi uma operação muito delicada, já que tinham alguns livros que datam de 1920. Contratei um transporte adequado, e, com o auxílio dos funcionários novos contratados procedemos à remoção de aproximadamente 280 livros de forma muito cuidadosa. Como o cartório era novo, o segundo desafio era formar uma equipe. Com a anuência da Tabeliã de Notas contratei duas funcionárias que atuavam no Registro Civil das Pessoas Naturais e o 1º Registro Cartório de Imóveis da Comarca de Sorocaba, cartório de origem, me indicou uma escrevente que cuidava no Registro Civil das Pessoas Jurídicas e do Registro de Títulos e Documentos. Contratei mais três funcionários que não tinham experiência na área. O Joélcio me cedeu por um mês uma funcionária com larga experiência em Registro de Imóveis. Quando abrimos as portas no dia 3 de novembro de 2009, um dia após o feriado prolongado, recebemos uma avalanche de pessoas. Me recordo que uma das funcionárias ficou tão assustada que se trancou no banheiro. Mas no final, deu tudo certo, e dia após dia, aprendemos cada vez mais e procuramos aperfeiçoar o nosso serviço, com a ajuda dos colegas e 18 ARISP JUS

com o empenho de todos que integram a nossa equipe. Começamos com 7 pessoas e hoje somamos 28. Mas os desafios não se esgotam. Temos inúmeros planos para concretizar nesse ano. tanto do ponto de vista funcional quanto do operacional. Estamos trabalhando na gestão de pessoas para aperfeiçoar o nosso sistema de motivação por meio de pagamento de bônus e na construção de um plano de carreira, por empresa especializada no assunto. Pretendemos também envidar esforços em conjunto com o novo governo municipal para alavancar a regularização fundiária da cidade. De acordo com plano diretor, existem 31 núcleos inseridos em ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) e já fizemos três regularizações fundiárias importantes para a cidade. Compartilho essas experiências com os novos colegas para deixar uma mensagem: não desistam, não desanimem. Busquem os seus objetivos com perseverança. Por falar em regularização fundiária, no seu ponto de vista, quais foram as principais alterações promovidas pela Medida Provisória nº 759/2016 na Regularização Fundiária Urbana? As minhas primeiras impressões dizem respeito às seguintes alterações: a) incremento da arquitetura principiológica; b) definição estruturada de assentamento informal; c) nova forma de aquisição originária de propriedade, denominada de legitimação fundiária; d) possibilidade de aquisição de propriedade de imóveis públicos; e e) criação de um novo direito real, denominado de direito de laje. O conteúdo principiológico adotado no art. 48 da Lei Minha Casa Minha Vida espelhava os primados constitucionais arraigados no Estatuto da Cidade, que preconizava a ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, com prioridade para sua permanência na área ocupada, assegurados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental; a articulação com as políticas setoriais de habitação, de meio ambiente, de saneamento bá-


sico e de mobilidade urbana, nos diferentes níveis de governo e com as iniciativas públicas e privadas, voltadas à integração social e à geração de emprego e renda; a participação dos interessados em todas as etapas do processo de regularização; o estímulo à resolução extrajudicial de conflitos; e a concessão do título preferencialmente para a mulher. De acordo com a nova Medida Provisória, são inseridos os princípios de competitividade, sustentabilidade econômica, social e ambiental, ordenação

diária mais funcional e notadamente efetiva, sem se descurar dos primados já incorporados no nosso sistema jurídico urbanístico. Disso resulta algumas inovações. Quanto à definição de assentamentos informais, a Lei Minha Casa Minha Vida apresentava um conceito aberto: “ocupações inseridas em parcelamentos informais ou irregulares, localizadas em áreas urbanas públicas ou privadas, utilizadas predominantemente para fins de moradia” (art. 47, VI, da Lei nº

territorial, eficiência energética e complexidade funcional para que o solo se ocupe de maneira eficiente, combinando seu uso de forma funcional (art. 8º, § único). Penso que a Medida Provisória incrementou a base principiológica para tornar a regularização fun-

11.977, de 2009). Com o objetivo de construir critérios para definir o que seja um assentamento informal, a doutrina brasileira urbanística apresentou inúmeros elementos que englobam muitas dimensões e variações nas cidades latino-americanas, com destaque à violaARISP JUS 19


ção da ordem jurídica, seja pela afronta às normas urbanísticas ou pela falta de inscrição e tributação. De forma principal, detectou-se a falta de segurança jurídica da posse pela ausência de titulação dos ocupantes desses assentamentos informais. A meu ver, o legislador compilou toda discussão urbanística sobre o tema e definiu o assentamento informal como aqueles núcleos “clandestinos, irregulares ou aqueles nos quais, atendendo à legislação vigente à época da implantação ou regularização, não foi possível realizar a titulação de seus ocupantes, sob a forma de parcelamentos do solo, de conjuntos habitacionais ou condomínios, horizontais, verticais ou mistos” (art. 9, II, da MP nº 759, de 2016). O conceito representou um avanço à medida que ofereceu critérios objetivos que retiram do Poder Público qualquer conduta discricionária no reconhecimento de um assentamento informal, o que lhe impõe a obrigação de aplicar a regularização fundiária toda vez que se deparar com um assentamento informal. Houve, ainda, uma grande evolução na nova forma de aquisição da propriedade pelos ocupantes, reduzindo o desgaste com ações de usucapião ou com a comprovação do justo título e quitação do preço. Pela sistemática da Lei Minha Casa Minha Vida, após o registro do parcelamento do solo ou da instituição do condomínio, conforme o caso, competia aos ocupantes apresentar no Registro de Imóveis os contratos ou documentos que representavam a manifestação das partes da venda e compra do imóvel, acompanhado da prova da quitação. Aqueles que conseguiam êxito em comprovar os requisitos legais, obtinham a imediata aquisição da propriedade. De outro lado, os ocupantes que não dispunham do justo título, ficavam à mercê do Poder Público para obter o título de legitimação da posse. Após a concessão desse título e o decurso do prazo para usucapião, a posse converte-se em propriedade mediante requerimento ao Registro de Imóveis e preenchimento de requisitos legais. Apenas para elucidar, registramos em Votorantim 20 ARISP JUS

uma regularização fundiária que resultou em 510 lotes. Dos 370 (trezentos e setenta) contratos particulares apresentados, 340 (trezentos e quarenta) foram registrados com a imediata transmissão da titularidade dominial para esses moradores. Em contrapartida, a Prefeitura outorgou apenas 15 (quinze) títulos de legitimação de posse. As razões do baixo número de outorgas de legitimação de posse não foram esclarecidas pela Prefeitura, mas os números mostram que a Prefeitura deveria ter outorgado logo após o registro do parcelamento do solo todos os 510 títulos, pois esta providência não obstaria a transmissão da propriedade àqueles que apresentassem os contratos no Registro de Imóveis. Se os títulos de legitimação de posse tivessem sido outorgados, as famílias que não possuem nenhum contrato já teriam a seu favor mais de 2 (dois) anos na contagem do prazo para a conversão da posse em propriedade. Com efeito, a nova legitimação fundiária veio para possibilitar a imediata aquisição da propriedade pelos ocupantes, inclusive sobre os imóveis públicos, mediante indicação dos ocupantes e lotes pelo Poder Público de uma só vez. Esse novo instituto representa um novo marco, à medida que permite a imediata aquisição da propriedade daqueles que integram núcleos urbanos consolidados. Outra inovação de extrema importância, é a possibilidade da aquisição da propriedade imobiliária de imóveis públicos, o que reforça o entendimento que a função social da propriedade não se aplica apenas para a propriedade privada. Muito se avançou. O problema desse novo instituto, que logo me chamou a atenção, reside na discricionariedade atribuída ao Poder Público de conceder ou não o título de legitimação fundiária. Esse é um tema que merece reflexões para não retrocedermos. Por fim, o direito de laje, independentemente da discussão que se inicia sobre o instituto, se direito de superfície ou não, o fato é que contribuirá de sobremaneira para a regularização das favelas, uma vez


que permite a instituição de unidade imobiliária autônoma, que tenha acesso exclusivo, no espaço aéreo ou subsolo. Em suma, os instrumentos urbanísticos, enquanto etapas da regularização fundiária, foram revisitados e receberam uma nova roupagem como institutos que garantem o direito à moradia. Ao instituir um inovador procedimento extrajudicial de aquisição da propriedade mediante legitimação fundiária, a Medida Provisória consagra-se, nesse quesito, como marco institucional da realização dos direitos sociais dos moradores de assentamentos urbanos informais, agora, bem definidos. Prevalece o direito essencial à moradia em face do direito constitucional à propriedade, ainda que se trate de imóveis públicos. Contudo, muitos estudos e reflexões serão necessários para alcançar a efetiva operabilidade da regularização fundiária. Na opinião da senhora, qual é a importância do Registro de Imóveis no contexto da titulação dos ocupantes dos assentamentos informais? A legitimação de posse que ainda permanece no sistema e o novo instituto da legitimação fundiária são etapas da regularização fundiária que se processam perante o Registro de Imóveis, cujo registro dos títulos conferirá a segurança jurídica da posse e a publicidade perante a sociedade. A titulação dos ocupantes e o registro de imóveis, portanto, são realidades conexas, pois o ingresso do título no registro é que garantirá o reconhecimento jurídico da posse erga omnes e declarará a aquisição da propriedade quando da conversão da posse em propriedade, na hipótese de legitimação da posse, ou a imediata aquisição da propriedade no caso da legitimação fundiária. Sob esse aspecto, o Registro de Imóveis exerce uma importante função social à medida que delimitará o direito de cada um dos legitimados e assegurará, em um primeiro momento, o reconhecimento da posse, e no segundo momento, o efetivo direito à propriedade, seja pela conversão da posse em pro-

priedade, seja pela aquisição originária. Como se sabe, o nosso ordenamento jurídico concebe a posse como uma aparência de propriedade, de sorte que, quando o título de posse ingressa no fólio real, ganha outro contorno, que é o reconhecimento jurídico-formal de uma realidade material. A publicidade, que decorre do registro de imóveis, e tão somente dele, é que tem a função de garantir eficácia ao título de legitimação, permitindo-se que todos conheçam quem é o titular desse direito e a posse que exerce sobre determinado imóvel. Isso sem falar no aspecto econômico, que é um dos princípios da regularização fundiária. É de se notar, que o nível de proteção conferido pelo registro de imóveis eleva-se para um nível de proteção jurídico e econômico, pois permite que a posse, agora legitimada, ingresse no mercado imobiliário formal, cuja consequência lógica, é a circulação de riquezas, uma das facetas da função social da propriedade. A circulação de riquezas, por seu turno, é a base econômica da função social da propriedade e da função social do registro imobiliário, que podem ser contempladas sob vários prismas, a começar, por possibilitar acesso ao crédito com juros menores. Enfim, é uma gama de valores e princípios que se agregam na busca de uma cidade justa. A senhora já realizou algum registro de usucapião extrajudicial? Sim, nós já registramos uma usucapião extrajudicial que se deu graças ao esforço conjunto do Tabelião de Notas, do Registrador e do Advogado. A partir de várias reuniões e estudos sobre esse novo instituto, conseguimos traçar uma linha de trabalho. A ata notarial feita pelo competente Tabelião de Notas e o esforço do Advogado para cumprir os requisitos legais foram fundamentais para o êxito do registro. Essa experiência mostra a importância da união de esforços do Advogado, do Notário e do Registrador.

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Carlos André Ordonio Ribeiro ENTREVISTA

O senhor prestou diversos concursos públicos – Ministério Público, Magistratura e Concurso para o Extrajudicial. Como foi sua preparação para estas provas? Na verdade, muito já foi escrito e falado sobre como obter sucesso em provas ou concursos públicos, de modo que entendo que não há, especificamente, um segredo a respeito. O que vale mesmo é dedicação, horas de estudo de modo concentrado e longe de distrações. Isso é o que funcionou e funciona para mim. Vale, também, estudar de maneira inteligente, analisando os detalhes do edital, pesquisando as provas anteriores, pois as questões tendem a se repetir. Pesquisar, também, a especialidade dos integrantes 22 ARISP JUS

da banca examinadora, sobretudo para as fases mais avançadas do certame. O avaliador pergunta aquilo que ele conhece com profundidade, sobre o qual, muitas vezes, escreveu artigos e/ou livros. Pensando no auxílio ao novo registrador – recém aprovado no 10º Concurso das Serventias Extrajudiciais de São Paulo – qual é a mensagem ou os principais conselhos que o senhor daria? Todos ou quase todos os novos tabeliães e registradores assumem a serventia com um desejo de mudança, de deixar claro que uma nova fase se inicia no cartório, o que é até certo modo natural e desejável. Entretanto, a minha recomendação é


muito simples: vá com calma, sobretudo para aqueles que nunca estiveram nessa situação. É importante, antes de mais nada, conhecer a prática do serviço e as rotinas internas do cartório. O novo delegado não precisa fazer uma verdadeira revolução para ganhar

Qual é a importância do Registro de Imóveis? Além do aspecto jurídico afeto ao registro imobiliário, o que se aprende em qualquer manual (aquisição de direitos reais, publicidade, segurança jurídica etc), chama-me muito a atenção para outros

o respeito dos colaboradores e usuários do cartório. O ideal é se familiarizar com o serviço e, aos poucos, realizar as mudanças e melhorias que se mostrarem necessárias. E, para isso, nada melhor que expor as ideias e ouvir os funcionários do cartório (sim, alguns são muito bons e amam o que fazem). Dando a eles a chance de opinar, o novo chefe tem, ao menos, dois ganhos: a) evita ter que voltar atrás em alguma alteração, por falta de experiência, visualizados todos os aspectos da situação; b) obtém o engajamento da equipe para que a mudança seja bem sucedida.

que, normalmente, ficam em segundo plano. Um deles é o econômico, pois diversos estudos revelam que os países que dispõem de um sistema imobiliário registral bem estruturado com maior circulação de riquezas, onde o crédito fica mais farto e barato, dadas as garantias inerentes a esse sistema. Além disso, o RI atua, fortemente, na fiscalização do cumprimento de normas ambientais e urbanísticas, o que traz impacto direto no cotidiano da população. Isso é pouco conhecido e merece ser divulgado.

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Qual é a sua opinião sobre o modelo de usucapião extrajudicial idealizada pelo Novo Código de Processo Civil? A ideia é muito boa e soma-se às outras iniciativas que visam desafogar o Poder Judiciário nos casos em que não há, verdadeiramente, um litígio, como nas retificações e inventários extrajudiciais. No entanto, no caso da usucapião, o legislador, no meu entender, foi receoso quanto aos efeitos dessa novidade, pois prevê a anuência expressa dos proprietários ou titulares de outros direitos sobre o imóvel objeto do pedido e também dos confrontantes. Na prática, como pude constatar, essa exigência torna a utilização desse novo instituto bastante limitada. Acredito que, com o tempo, a tendência é se caminhar para a regra prevista para a retificação administrativa: se não houver impugnação no prazo legal, presume-se a concordância de quem poderia ser prejudicado. Respondo, quase diariamente, a pedidos de orientações de advogados e outros interessados sobre o assunto e, todos, sem exceção, mostram-se desapontados quando são alertados para esse requisito legal. Quais são as primeiras impressões do senhor sobre a Medida Provisória n° 759/2016? A MP em questão é bastante extensa e complexa, misturando assuntos diversos, o que não é novidade para os operadores do direito no nosso país. Não há dúvida da importância do assunto, até porque o registro imobiliário será tão mais relevante quanto espelhar a realidade fática dos imóveis urbanos e rurais. O crescimento desordenado, infelizmente, predomina na maioria das grandes cidades brasileiras. Fechar os olhos a essa realidade e buscar um “mundo perfeito”, que só vai existir no papel, não é a melhor saída. Com a regularização dos imóveis, um incontável número de famílias terá maior suporte econômico e acesso ao crédito mais barato, possibilitando um círculo virtuoso que a todos beneficia. Nesse contexto, entendo que o governo foi audacioso, inclusive criando novos direitos reais, 24 ARISP JUS

como o de laje. Resta saber quais alterações serão feitas pelos congressistas e como tudo irá funcionar na prática.


ARTIGO

INTRODUÇÃO A exigência de atendimento a certos requisitos legais para o parcelamento do solo urbano, conforme esclarece Miguel Maria de Serpa Lopes1, tem como origem histórica a necessidade de imposição de limites aos proprietários que, a partir do século XIX, passaram, na Europa, a dispor de seus imóveis, mediante divisão em lotes, para atender à demanda decorrente do aumento da migração do campo para as cidades e do desenvolvimento excessivo destas. No Brasil o loteamento foi inicialmente regulamentado pelo Decreto-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937.

LOTEAMENTO URBANO José Marcelo Tossi Silva

Juiz de Direito no Estado de São Paulo. Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça no biênio 2013/2014. Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo nos biênios 2004/2005, 2008/2009 e de janeiro a abril de 2010. Juiz Auxiliar da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo (1997 a 1999). Professor do 1º e do 3º Cursos de Especialização em Direito Notarial e Registral ministrado pela Escola Paulista da Magistratura. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/ SP) na área de concentração Direito das Relações Sociais – Direito Civil. Especialista em Direito de Família pela Escola Paulista de Magistratura.

O Decreto-lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967 pretendeu equiparar o loteador ao incorporador, o que fez sem revogar o Decreto-lei 58/37. Atualmente o parcelamento do solo urbano é regulamentado pela Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Além disso, cabe lembrar que a Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009 (Lei Minha Casa Minha Vida) introduziu relevantes mudanças no que se refere à regularização fundiária, matéria que, porém, será objeto de exposição distinta. A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), por sua vez, estabeleceu diretrizes gerais para a política urbana que tem no parcelamento do solo um de seus instrumentos PARCELAMENTO DO SOLO URBANO: CONCEITOS Os conceitos de loteamento e de desmembramento estão contidos na Lei nº 6.766/79, que em seu art. 2º, §§ 1º e 2º, dispõe:

1 Miguel Maria de Serpa Lopes, in Tratado dos Registros Públicos, Vol. III, Brasília: Brasília Jurídica, 1996, pág. 48/51. ARISP JUS 25


a) loteamento é “...a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”. b) desmembramento é “...a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros púbicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes”. c) gleba: o loteamento e o desmembramento são feitos sobre uma gleba que consiste em área de terreno apta a receber o parcelamento do solo urbano. Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei a conceituam como: “...a área de terreno que ainda não foi objeto de parcelamento urbano regular, isto é, aprovado e registrado2”. d) lote: fixado o conceito de gleba, tem-se como lote o produto do fracionamento ocorrido que pode ser destinado à alienação pelo empreendedor. A existência jurídica do lote como imóvel autônomo em relação à gleba parcelada decorre do registro do loteamento (art. 18 da Lei nº 6.766/79), consistindo a venda, a promessa de venda, a reserva de lote ou qualquer outro instrumento de que decorra a intenção de vender lotes em loteamento ou desmembramento não registrado crime qualificado (art. 50, § único, I, da Lei nº 6.766/79). A Lei nº 8.935/79, de forma incompleta, conceitua o lote como sendo o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos previstos no plano diretor ou lei municipal específica. A área mínima do lote é de 125m², com ao menos 5 metros de frente, salvo se tratar de loteamento para urbanização específica ou edificação de conjunto habitacional de interesse social previamente aprovado pelos 2 Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei, Como Lotear uma Gleba, 2ª ed., Campinas: Millennium, 2003, p. 2. 26 ARISP JUS

órgãos competentes (art. 4º, II). Esse limite mínimo, porém, não impede o registro de sentença declaratória de usucapião ainda que o imóvel usucapido tenha área inferior3 (cf. AC 994.09.284744-6, TJSP, Rel. Des. Francisco Eduardo Loureiro). e) área remanescente: é a parte da gleba não abrangida pelo loteamento ou pelo desmembramento. O Manual de Orientação do Graprohab, que é órgão do Estado de São Paulo, conceitua área remanescente como: “...a porção territorial que integra área da gleba onde deverá ser implantado o loteamento, descrita na matrícula de registro de imóveis, mas que não faça parte da área loteada” (p. 54). Por não fazer parte da área parcelada deve-se tomar a cautela de não ser incluída no memorial descritivo e na planta como área sujeita ao parcelamento registrado. Também é de todo recomendável que uma vez registrado o parcelamento, seja aberta matrícula própria para a área remanescente, embora o item 192.3 do Capítulo XX das NSCGJ4 disponha que se trata de providência facultativa. A Lei nº 6.766/79 também traz o conceito de infraestrutura básica que: “... é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação” (art. 2º. § 5º); Nos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS), em que for autorizada menor infraestrutura, dela também farão parte as vias de circulação (art. 2º, § 6º, I). 3 AC 994.09.284744-6, TJSP, Rel. Des. Francisco Eduardo Loureiro, j. 25.2.2010, citado por Ricardo Dip, e outros, in Regularização Fundiária Urbana: Jurisprudência Paulista, São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 90/91, 4 Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, Tomo II.


No que diz respeito à infraestrutura básica a que se refere o art. 2º, § 5º, prevê o art. 4º, I, da Lei nº 6.766/79 que: “...áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem” (art. 4º, I, da Lei nº 6.766/79).

sos em que a sua natureza demonstra que a finalidade da referida lei será alcançada independente do cumprimento de todas as formalidades nela previstas (itens 17 e 170.5 do Capítulo XX das NSCGJ).

Contudo, a par da infraestrutura básica indicada em seu art. 2º, § 5º, o art. 18, V, da Lei nº 6.015/73 prevê que as obras de infraestrutura mínima do loteamento, que são as vias de circulação, a demarcação dos lotes, quadras e logradouros, e as obras de escoamento das águas pluviais.

Para essas hipóteses, porém, sempre é necessária a prévia autorização do Município (item 170.6 do Capítulo XX).

Infraestrutura básica e infraestrutura mínima não se confundem, podendo o loteamento ser aprovado, conforme as posturas aplicáveis e somente com previsão de implantação de infraestrutura mínima. Nada impede, por sua vez, que essa infraestrutura seja posteriormente completada pelo Poder Público, ao longo do tempo. Uma vez aprovado o projeto de loteamento, as áreas de infraestrutura nele indicadas, que abrangem os espaços livres de uso comum, as vias e as praças, as áreas destinadas a edifício e equipamentos urbanos, bem como as áreas verdes, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, salvo se ocorrer caducidade da licença ou desistência do empreendimento (art. 17 da Lei nº 6.766/79). Registrado o loteamento, o domínio dessas áreas se transfere ao Município (art. 22 da Lei nº 6.766/79). LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO: DISPENSA REGISTRO ESPECIAL Ao lado do loteamento e do desmembramento, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo dispõem sobre hipóteses em que dispensado o registro especial do art. 18 da Lei nº 6.766/79 para o parcelamento do solo urbano nos ca-

São as hipóteses de mero desdobro ou divisão em que inexistentes riscos aos adquirentes, ou em que não haverá venda de lotes em oferta pública.

As NSCGJ também dispensam o registro especial do art. 18 quando o parcelamento for anterior à vigência da Lei nº 6.766/79, desde que devidamente comprovado (item 170, “e” e “f ”, do Capítulo XX), Essa norma não contraria o Art. 71 da Lei nº 11.977/09 que dispõe: “As glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19 de dezembro de 1979 que não possuírem registro poderão ter sua situação jurídica regularizada, com o registro do parcelamento, desde que o parcelamento esteja implantado e integrado à cidade”, podendo o registro ser feito sobre o todo, ou parcelas da gleba. Sobre os parcelamentos anteriores à Lei nº 6.766/79, é necessário considerar que o Decreto-Lei nº 58/37 obrigava os proprietários a promover a inscrição do loteamento antes do início das vendas quando pretendessem dividir seus terrenos para vendê-los em lotes mediante oferta pública e pagamento do preço a prazo em prestações sucessivas e periódicas (art. 1º). Nos demais casos, ou seja, quando o parcelamento não implicava na venda dos lotes com pagamento do preço em prestações periódicas, as plantas deveriam ser arquivadas no Registro de Imóveis competente, com transcrição da venda conforme apresentado o respectivo contrato. Em razão disso, em se tratamento de parcelamentos daquela época, é necessário que antes de exigir a regularização o Oficial de Registro, verifique-se sobre a existência de planta do parcelamento regularmente arquiARISP JUS 27


vado em seu cartório, ou no que então era competente, pois não haverá, nesse caso, parcelamento irregular. CONJUNTOS HABITACIONAIS As NSCGJ conceituam o conjunto habitacional como o parcelamento do solo urbano feito mediante alienação de unidades habitacionais já construídas pelo empreendedor (item 172.1 do Capítulo XX). No Estado de São Paulo esses conjuntos necessitam de autorização estadual quando implicam em abertura ou prolongamento de vias públicas (Decreto-lei 52.053/2007), e estão sujeitos ao registro do art. 18 da Lei nº 6.766/79 quando não promovidos por órgãos federais, estaduais e municipais, sociedades de economia mista com participação majoritária do poder público, que financiem habitações e obras conexas, ou fundações, cooperativas e associações para aquisição de casa própria sem finalidade de lucro (item 172.1 das NSCGJ). O financiamento pelo SFH não afasta a necessidade do registro do art. 18 da Lei nº 6.766/79 quando o empreendimento for promovido por particular (item 172.2 das NSCGJ). Em todas essas hipóteses deve ser exigida a aprovação do Município para o conjunto habitacional (item 173.1, “e”, das NSCJG). PARCELAMENTO REGULAR, IRREGULAR E CLANDESTINO São regulares o loteamento e o desmembramento implantados mediante aprovação pelo Município, e pelo Estado ou outros entes quando necessário, com registro no Registro Imobiliário e execução das obras conforme o cronograma e o projeto aprovados. Parcelamento clandestino é o implantado, ou em processo de implantação, sem prévia aprovação do Poder Público. 28 ARISP JUS

Parcelamento irregular é o que apesar de aprovado pelo Poder Público é implantado sem registro no Registro de Imóveis, ou é implantado em desacordo com a aprovação concedida, ou não é executado conforme o cronograma aprovado. A promoção de parcelamento irregular do solo urbano constitui crime contra a administração pública, sendo punível de forma qualificada a realização de parcelamento por quem não tem título legítimo de propriedade, ou omite de forma fraudulenta fato a ele relativo (art. 50, § único, II, da Lei nº 6.766/79). Incorrem nesses crimes quem de qualquer modo concorre para sua prática, incluídos os mandatários do loteador, o direito e o gerente de sociedade (art. 51 da Lei nº 6.766/79). REQUISITOS DO PARCELAMENTO O parcelamento do solo urbano deve atender a requisitos de ordem urbanística e ambiental e requisitos de ordem jurídica distinta, os últimos visando a proteção dos adquirentes dos lotes. REQUISITOS URBANÍSTICOS E AMBIENTAIS O art. 182 da Constituição da República prevê que a política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo Poder Público municipal, deve observar as diretrizes gerais fixadas em lei e tem por objetivo “...ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Em seu § 2º esse artigo dispõe sobre a função social da propriedade: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Dispõe, ainda, sobre a obrigatoriedade de cidades com mais de vinte mil habitantes contarem com plano diretor como instrumento da política de desenvolvimento e expansão urbana (§ 1º), e sobre a possibilidade do Poder Público municipal dispor em lei específi-


ca sobre o parcelamento compulsório do solo urbano quando não edificado, subutilizado ou não utilizado, o que faz com consonância com o dever de se atender à função social da propriedade. O atendimento das normas urbanísticas e ambientais no parcelamento do solo urbano é requisito para a obtenção das licenças que ao Poder Público compete outorgar. Seu controle é feito na fase administrativa de aprovação pelo Município e de aprovação pelo Estado nas hipóteses em que exigida. Nos limites da qualificação, faz-se posterior controle pelo Oficial de Registro de Imóveis que deve exigir a apresentação das licenças necessárias para o registro do parcelamento do solo urbano. A aprovação do projeto de parcelamento pelas entidades de direito público competentes e o registro no Registro de Imóveis são obrigatórios tanto para o loteamento como para o desmembramento do solo urbano (art. 18 da Lei nº 6.766/79). PROJETO DE LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO O art. 12 da Lei nº 6.766/79 determina que o loteamento ou o desmembramento deverá ser aprovado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal. O art. 13 da Lei nº 6.766/79 prevê que ao Estado compete disciplinar a aprovação do parcelamento (loteamento e desmembramento) pelos Municípios, nas hipóteses que relaciona: “I - quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de proteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou federal; II - quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área limítrofe do município, ou que pertença a mais de um município, nas regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei estadual ou federal; III - quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m²”.

Aos Estados compete definir por decreto as normas a que devem ser submetidos os loteamentos e desmembramentos nas hipóteses do art. 13 da Lei nº 6.766/79, em que procurará atender às exigências urbanísticas do planejamento municipal (art. 15, e seu § único, da Lei nº 6.766/79). Além disso, aos Estados compete definir por decreto as áreas de proteção especial indicadas no inciso I do art. 13, que são as áreas de proteção aos mananciais, ao patrimônio histórico, cultural, paisagístico e arqueológico conforme definido em lei estadual ou federal. Definidas essas áreas e disciplinadas, pelo Estado, as normas de aprovação pelo Município, em tese não haveria outra manifestação do Estado sobre o projeto de parcelamento. Contudo, o Estado de São Paulo mantém a exigência de aprovações separadas do Município e do Estado nos casos de projetos de: a) loteamentos para fins habitacionais; b) conjuntos habitacionais com abertura ou prolongamento de vias públicas; c) Projetos de desmembramentos para fins habitacionais com mais de 10 lotes não servidos por redes de água e coleta de esgoto (art. 5º do Decreto Estadual nº 52.053, de 13 de agosto de 2007). As aprovações pelo Estado de São Paulo para os parcelamentos habitacionais são realizadas por meio do Graprohab que se trata de grupo de que participam representantes de todos os órgãos estaduais com competência para análise dos projetos de parcelamento do solo e do condomínio, respeitada a atribuição de cada órgão (Decreto Estadual nº 52.053/2007). O art. 10 do Decreto Estadual nº 52.053/2007 dispõe que a aprovação final do projeto depende da unanimidade de todos os membros que integram o Graprohab, ARISP JUS 29


isso sem prejuízo do pronunciamento de eventual órgão ou entidade pública que não o integrar (art. 12). O item 186, “b”, das NSCGJ prevê a apresentação de autorização da CETESB para os loteamentos industriais, ou prova da dispensa da análise. O loteamento ou o desmembramento localizado em área de município integrante de região metropolitana deverá ser submetido à prévia da autoridade metropolitana (art. 13, § único, da Lei nº 6.766/79). Quando localizados em terrenos de marinha e nos casos de enfiteuse da União é necessária a aprovação do órgão público respectivo, assim como quando abrange área de preservação permanente (APP). A enfiteuse não impede o loteamento, mas deverá constar no Registro de Imóveis e obrigará os adquirentes dos lotes assim como obrigava o anterior proprietário da gleba. Em se tratando de parcelamento a ser implantado em zona de expansão urbana, é necessária também a averbação da lei municipal que incluiu o imóvel em zona urbana e prova da ciência ao INCRA mediante certidão por esse expedida ou comprovante do protocolo de sua cientificação (art. 53 da Lei nº 6.766/79 e itens 168, 168.1 e 168.II, das NSCGJ). Em qualquer hipótese, não se permite parcelamento do solo urbano: “I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; II - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados; III - em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes; IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação; V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas 30 ARISP JUS

onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção” (§ único do art. 3º da Lei nº 6.766/79).

O art. 12, § 3º, da Lei nº 6.015/73 dispõe que: “É vedada a aprovação de projeto de loteamento e desmembramento em áreas de risco definidas como não edificáveis, no plano diretor ou em legislação dele derivada”. O § 2º do referido artigo contém restrição para a aprovação de projeto de loteamento em municípios que integrarem cadastro nacional de municípios com áreas de suscetíveis a deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos correlatos. Conforme o Manual de Orientação do Graprohab, não são admitidos lotes e arruamentos em áreas de várzeas (que deverão ser consideradas como non aedificandi, com respeito das faixas de preservação em seu entorno) e não são admitidos sistemas de lazer em áreas verdes, ao passo que somente são admitidos parcelamentos em áreas aterradas com materiais nocivos, ou onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, depois da correção desses fatores. O parcelamento implantado em área de preservação permanente, porém, pode ser objeto de regularização fundiária de interesse social, pelo Município, quando a ocupação ocorreu até 31 de dezembro de 2007 e quando estudo técnico demonstrar que a regularização implicará em melhoria das condições ambientais (art. 54 da Lei nº 11.977/09). O art. 6º da Lei nº 6.766/79 dispõe sobre as providências preliminares à elaboração do Projeto de Loteamento, imputando aos Municípios com mais de 50.000 habitantes, que não tenham plano diretor em que já fixadas diretrizes de urbanização para a zona em que situado o loteamento, a incumbência de definir as diretrizes para o uso do solo, o traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamentos urbanos e comunitários.


Para essa finalidade, deve ser apresentada planta do imóvel com os requisitos definidos no referido artigo, dos quais cabe destacar a localização dos cursos de d’água, dos bosques, do arruamento contíguo a todo o perímetro com as áreas livres e equipamentos urbanos e comunitários já existentes no local e adjacências, o tipo de uso a que o loteamento se destina e as características das zonas de uso contíguas.

com possibilidade de requerimento de renovação do certificado após o decurso desse prazo.

O tipo de uso a que o loteamento se destina deverá, também, ser delimitado no contrato padrão de compromisso de compra e venda mediante fixação de cláusulas restritivas definindo, por ex., limite de construção, tipo de uso do lote e proibição de desdobro.

O prazo de 180 dias é material, ou seja, tem início na data da aprovação do projeto, e em sua contagem exclui-se o dia do começo e inclui-se o do final, como esclarecem Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei5.

Superada, ou inaplicável, a fase da orientação do traçado e das diretrizes, o projeto de loteamento deve ser apresentado à Prefeitura com os documentos referidos no art. 9º da Lei nº 6.766/79 que incluem a certidão atualizada da matrícula da gleba.

Cuida-se de prazo decadencial, razão pela qual não é prorrogável ou passível de interrupção, mas o seu término será no primeiro dia útil subsequente caso seja precedido por data em que não houver expediente.

A certidão da matrícula deve representar a situação jurídica atual da gleba, sob pena de serem consideradas insubsistentes as diretrizes fixadas e as aprovações subsequentes (art. 9º, § 3º), sem prejuízo das sanções cíveis e penais cabíveis, sendo crime qualificado promover o parcelamento sem título legítimo de propriedade do imóvel desmembrado ou loteado (art. 50, § único, II), exceto quando promovido o parcelamento pela União, Estado, Município ou entidades delegadas que apresentarão para registro o decreto de desapropriação publicado e a decisão de imissão de posse (art. 18, §§ 4º e 5º). PRAZOS

Aprovado o projeto de parcelamento pelo Município, tem o empreendedor o prazo de 180 dias para solicitar o registro do parcelamento ao Oficial de Registro de Imóveis, sob pena de caducidade da aprovação (art. 18 da Lei nº 6.799/79).

Ocorrida a caducidade da aprovação municipal, pode o empreendedor solicitar nova aprovação pela Prefeitura iniciando-se, a partir dessa nova aprovação, outro prazo de 180 dias para o registro do loteamento. O art. 18, V, da Lei nº 6.015/73 prevê que, caso não anteriormente executadas com expedição de “termo de verificação” pela Prefeitura ou Distrito Federal, pode ser fixado pelo Município o prazo máximo de quatro anos para a execução de obras de infraestrutura que forem exigidas para o loteamento que, ao menos, deverão abranger as vias de circulação, a demarcação dos lotes, quadras e logradouros, e as obras de escoamento das águas pluviais.

O art. 7º, § único, da Lei nº 6.766/79 prevê o prazo de validade de quatro anos para as diretrizes fixadas pelo Município para o projeto de loteamento.

Essas obras e prazos constarão em cronograma aprovado pelo Município, podendo cada uma das obras ter prazo distinto, a ser estabelecido de forma escalonada.

O Manual de Orientação do Graprohab indica o prazo de dois anos para que o Certificado de Aprovação do empreendimento seja protocolado no Município visando a aprovação final do projeto de parcelamento,

5 Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei, ob. cit., p. 211. ARISP JUS 31


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Além disso, com o cronograma será apresentado o instrumento de garantia para a execução das obras em favor do Município. Contendo cronograma para as obras de infraestrutura, deve o Oficial de Registro exigir do loteador a apresentação do instrumento das garantidas dadas ao Município para sua realização, a fim de que sejam registradas, ou mencionadas no registro se não consistirem em garantia real sobre imóvel com registro de sua competência (item 187 do Capítulo XX das NSCGJ). Se for garantia real sobre imóvel de competência distinta, deve ser exigida prova do registro. Ao término do prazo para conclusão das obras, deverá o empreendedor apresentar “termo de verificação” pela Prefeitura Municipal atestando que foram realizadas, com implantação da infraestrutura prevista para o loteamento. Se o “termo de verificação” não for apresentado no prazo previsto para execução das obras, deverá o Oficial de Registro, no Estado de São Paulo, comunicar o fato à Prefeitura Municipal e ao Ministério Público, para as providências cabíveis (item 187.1 do Capítulo XX das NSCGJ). O art. 12, § 1º, da Lei nº 6.766/79, dispõe que a aprovação do parcelamento caduca se o projeto não for executado no prazo constante do cronograma de execução. A consequência dessa caducidade, contudo, não é o cancelamento do registro do loteamento, tanto que assim não previsto no art. 23 da Lei nº 6.766/79. Nesse caso, devem ser consideradas diferentes hipóteses, sendo uma a existência de lotes já comercializados, e outra a inexistência de qualquer alienação ou promessa de alienação. Se não existir alienação ou promessa de alienação, ou se houver anuência da Prefeitura (ou Distrito Federal) e de todos os adquirentes de lotes, pode ser promovido o cancelamento do registro do loteamento, com

autorização judicial, o que atinge diretamente a aprovação expedida (art. 23, I, da Lei nº 6.015/73). Se, porém, existirem lotes já alienados, ou compromissados à venda, a caducidade não atinge seus adquirentes e não produz efeitos em relação à preservação dos contratos que celebraram. Nessa situação, Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei6 lembram que uma consequência é a de ficar o loteador proibido de comercializar novos lotes até obter nova aprovação municipal e apresentá-la ao Oficial de Registro. O loteamento aprovado, registrado e com obras não implantadas no prazo é irregular conforme os conceitos já expostos e, portanto, passível de regularização pelo loteador ou pelo Município. Diante disso, regularizado o loteamento, com apresentação do “termo de verificação das obras de infraestrutura” não há razão para que o loteador não possa retomar as vendas dos lotes, ressalvada a execução das garantias constituídas em favor do Município e o direito de valer-se de outros meios para se reembolsar das obras que tiver custeado caso as garantias sejam insuficientes. LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO – PROCEDIMENTO DE REGISTRO O registro do parcelamento do solo urbano depende da apresentação de requerimento ao Oficial de Registro de Imóveis competente, em consonância com o princípio da rogação que vigora do Registro de Imóveis. Esse registro será efetuado na circunscrição em que está situada a gleba, ou em todas, se for mais de uma, iniciando-se naquela em que existir maior área.

6 Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei, ob. cit., p. 218/220. ARISP JUS 33


Para cada registro deverá ser apresentada prova dos realizados nas circunscrições anteriores e a negativa de registro em uma das circunscrições importará em cancelamento dos demais, competindo ao Oficial de Registro comunicar o fato aos outros oficiais.

Não há, por óbvio, impedimento para o parcelamento do solo em imóvel objeto de condomínio voluntário, ou seja, que tenha mais de um proprietário, devendo todos, porém, anuir com o registro do loteamento e figurar como loteadores.

Se o motivo do indeferimento não se estender às outras áreas e houver nova aprovação municipal, poderá ser mantido o registro do loteamento da área não abrangida pela negativa numa das circunscrições.

O art. 18 da Lei nº 6.766/79 relaciona os documentos necessários para o registro do parcelamento do solo, o que faz também para garantia aos futuros adquirentes dos lotes que terão meio único e relativamente seguro para aquilatar os riscos do empreendimento e, portanto, aqueles que podem atingir os contratos que celebrarem.

Ainda, nenhum lote poderá situar-se em mais de uma circunscrição (art. 21 da Lei nº 6.766/79). Quando o imóvel for de propriedade de pessoa física bastará a anuência do cônjuge do empreendedor para o requerimento de registro do parcelamento, mas não para os posteriores atos de alienação dos lotes em que todos os proprietários deverão intervir (pessoalmente ou regularmente representados), com seus respectivos cônjuges se não forem casados pelo regime da separação de bens a que se refere o art. 1.687 do CC (art. 18, VII, da Lei nº 6.766/79). Se o imóvel for de propriedade de pessoa jurídica deve ser apresentado o contrato social, com suas alterações, ou o estatuto social com prova da ata da assembleia que elegeu a diretoria atual, para comprovar a regularidade da sua representação. Se a pessoa jurídica for representada por procurador o item 179 do Capítulo XX das NSCGJ prevê que o traslado do mandado deve ser atualizado pelo prazo de 90 dias. O mandatário que representar o proprietário do imóvel, em qualquer caso, deve ser constituído por instrumento público com poderes especiais para representar na solicitação de registro do parcelamento, e com poderes especiais e específicos para os atos de alienação dos lotes. O autor do parcelamento deve ser o proprietário da gleba a quem competirá celebrar os contratos de alienação dos lotes, por si ou representado por mandatário regularmente constituído. 34 ARISP JUS

Ademais, o requisito da comprovação da aprovação do parcelamento pelo Poder Público implica na prévia análise e apuração do atendimento dos requisitos urbanísticos e ambientais, e o registro permite dar ciência aos pretensos adquirentes dos lotes de que também em relação a essas licenças ficarão protegidos porque, em tese, está afastado o risco de ser o lote situado em área que não permita o uso conforme a finalidade do loteamento. Assim, por ex., poderá o adquirente do lote crer que o controle público da aprovação do parcelamento impede que seja implantado em área inutilizável por ter servido de aterro de produtos tóxicos, ou sanitário, ou por estar o lote em área de várzea, ou outra que impeça a destinação econômica esperada pelo adquirente. O adquirente, diante disso, poderá voltar-se contra o autor do parcelamento e contra o poder concedente da autorização eventualmente indevida para ressarcir-se dos danos que em razão disso sofrer. A responsabilidade do Oficial de Registro, por sua vez, é a que decorre do art. 22 da Lei nº 8.935/94, ou seja, causada por culpa ou dolo, sem prejuízo da sanção prevista no art. 19, § 4º, e da responsabilidade penal prevista no art. 52, ambos da Lei nº 6.015/73. O art. 18 da Lei nº 6.766/79 se refere ao prazo de 180 dias contados da aprovação Municipal do projeto de parcelamento, não contendo referido artigo referên-


cia às aprovações de outros entes federativos que devam manifestar-se. Porém, por questão de lógica, deve o empreendedor apresentar ao Oficial de Registro todos os documentos necessários ao registro do parcelamento, pois a qualificação deverá ser promovida no prazo de quinze dias previsto no art. 237-A da Lei nº 6.015/73 (ou 10 dias conforme o item 43 do Capítulo XX das NSCGJ, prazo que, apesar de prorrogável em outras hipóteses, no caso de parcelamento do solo não pode ultrapassar 15 dias). No Estado de São Paulo os documentos apresentados para registro do parcelamento, em seu original ou cópias autenticadas, devem ter suas folhas numeradas e rubricadas, com sua autuação em procedimento separado para cada parcelamento (item 176 das NSCGJ). A formação de um procedimento para cada parcelamento do solo é providência de inegável utilidade e mantém consonância com o art. 24 da Lei nº 6.766/79 que prevê que o processo de loteamento e os contratos depositados em Cartório podem ser examinados por qualquer pessoa e a qualquer tempo, independentemente de custas e emolumentos, ainda que a título de busca. São documentos previsto no art. 18 da Lei nº 6.766/79: “I - título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula, ressalvado o disposto nos §§ 4o e 5º ; II - histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 (vintes anos), acompanhados dos respectivos comprovantes; III - certidões negativas: a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel; b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos; c) de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública. IV - certidões: a) dos cartórios de protestos de títulos, em nome do loteador, pelo período de 10 (dez) anos;

b) de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 (dez) anos; c) de ônus reais relativos ao imóvel; d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez) anos. V - cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da aprovação de um cronograma, com a duração máxima de quatro anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras; VI - exemplar do contrato padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta Lei; VII - declaração do cônjuge do requerente de que consente no registro do loteamento”.

Apresentada a certidão da matrícula da gleba, ou certidões da matrículas e transcrições até que completado o prazo de 20 anos, não é exigível outro título de propriedade ou histórico desses títulos, porque o registro do imóvel faz presumir o domínio em favor daquele indicado com essa qualidade. O prazo de 20 anos para as certidões não foi alterado pela legislação mesmo com a redução do prazo de usucapião de imóvel previsto no Código Civil para o máximo de 15 anos (art. 1.238 do CC). Sendo o loteamento implantado em vários imóveis do mesmo proprietário, com transcrições ou matrículas distintas, deverá ser promovida a unificação dos registros, salvo se o projeto englobar mais de uma área já seccionada por ruas, estradas ou outros bens públicos, hipótese em que o “processo” de registro será único, mas o registro deverá ser feito em cada uma das matrículas atingidas (itens 177 e 177.1 das NSCGJ). Deve haver perfeita correspondência entre a descrição do imóvel contida na certidão da matrícula e a contida na planta aprovada e no memorial do parcelaARISP JUS 35


mento, sendo necessária a prévia retificação caso assim não ocorra (item 178 das NSCGJ).

mônio e a Administração Pública devem ser negativas conforme o art. 18, III, da Lei nº 6.015/73.

A retificação cabível poderá ser do registro ou, eventualmente, da aprovação caso ao final se constate que o registro contém área distinta à da aprovação do parcelamento pelos órgãos públicos, ou seja, que a totalidade da área projetada não corresponde à de domínio do empreendedor. Nessa hipótese, haverá devolução dos títulos apresentados para registro do parcelamento, para que o empreendedor promova as medidas cabíveis. Cabe lembrar, porém, que para a aprovação do projeto de parcelamento é necessária a apresentação de prova do domínio do imóvel, razão pela qual, embora se cuide de hipótese em tese possível, deve sua ocorrência ser considerada rara e poderá implicar em responsabilidade do empreendedor na forma do art. 9º, § 3º, e 10, ambos da Lei nº 6.766/79.

Quanto aos tributos, se o imóvel era rural há menos de cinco anos, o item 184 do Capítulo XX da NSCGJ determina a apresentação de Certidão Negativa de Débito de Imóvel Rural, expedida pela Receita Federal.

Constando das certidões das matrículas ou transcrições ônus ou garantias reais em favor de terceiros, caberá ao Oficial de Registro verificar sua natureza e exigir as autorizações cabíveis, ou negar o registro se esses gravames impedirem a livre transmissão das áreas do loteamento. Havendo, por ex., servidão de passagem de linha de energia elétrica, deverá ser apurado na planta e no memorial que tal não prejudique os adquirentes dos lotes ou a destinação das áreas que serão transmitidas ao domínio público.

A razão de ser da exigência dessas certidões negativas é que os tributos incidentes sobre o imóvel são de responsabilidade do proprietário, ou seja, a obrigação de pagá-los transmite-se aos adquirentes.

Se a gleba ainda for objeto de transcrição, para o oportuno registro do parcelamento será necessária a abertura de matrícula, na forma do art. 176, § 1º, I, da Lei nº 6.015/73. Compete ao Oficial de Registro qualificar a totalidade dos documentos apresentados para o registro do parcelamento, nesses incluídas as certidões negativas e as certidões de protesto de letras e títulos e de distribuições cíveis, trabalhistas, e de ações penas. As certidões de tributos federais, municipais e estaduais relativas ao imóvel, de ações reais pelo período de 10 anos, e de ações penais por crimes contra o patri36 ARISP JUS

As certidões positivas com efeito de negativa, expedidas pelo Município, não impede o registro conforme o item 184.1 do Capítulo XX da NSCGJ. Contudo, se no prazo do registro for apresentada impugnação com o fundamento de que aquela certidão perdeu sua validade porque reconhecida a exigência do tributo, nova certidão negativa deverá ser exigida do empreendedor que poderá, se o caso, provar que o tributo continua inexigível.

Também porque atingirão os adquirentes é necessário que a certidão de ações reais ou pessoais reipersecutórias, sobre a gleba, sejam negativas. Havendo ação dessa natureza ainda não julgada em favor do empreendedor, mesmo que não registrada a citação, não pode ser promovido o registro do parcelamento. As ações penais que digam respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública, não julgadas em favor do empreendedor, de igual modo impedem o registro do parcelamento. A razão, novamente, é que a ação real, ou pessoal reipersecutória movida contra o empreendedor poderá levar à perda do domínio ou parte do domínio do imóvel, igual ocorrendo com as ações penais indicadas porque podem ensejar a declaração da perda do bem, ou sua constrição para garantir indenização.


Essas certidões, assim como as do inciso IV do art. 18, devem ser extraídas em nome de todos os que foram proprietários no prazo de 10 anos, com seus respectivos cônjuges se casados (observado o regime da separação convencional de bens adotado na vigência do Código Civil de 2002), e abrangem, para a distribuição de ações, a Justiça Estadual e a Justiça Federal. O item 181 do Capítulo XX das NSCGJ dispõe que devem ser relativas ao local da situação do imóvel e aos domicílios onde os proprietários (atuais e pretéritos se houver) residiram nos últimos dez anos, e devem ser extraídas há no máximo seis meses. Tratando-se de pessoa jurídica, as certidões serão extraídas na comarca em que sediada, e as dos distribuidores criminais serão relativas aos seus representantes legais, salvo se constituídas por outras pessoas jurídicas quando as certidões deverão referir-se aos representantes legais destas últimas (item 181.2 do Capítulo XX das NSCGJ). Sendo positivas as certidões a que se refere o inciso III do art. 18 da Lei nº 6.766/79, deverá o autor do parcelamento apresentar as certidões esclarecedoras para comprovar que em razão de seu julgamento as ações indicadas não mais apresentam riscos aos adquirentes dos lotes. Sobre a impossibilidade de registro de parcelamento havendo certidão positiva de ações a que se refere o inciso III do art. 18 da Lei nº 6.766/79, cabe citar a Apelação Cível nº 1.114-60/Poá, do Conselho Superior da Magistratura do TJSP, de que foi relator o Des. Ruy Camilo.

mos dez anos, com seus cônjuges, impedem o registro se for apurada existência de protestos com valores que não possam ser suportados pelo restante do patrimônio livre do empreendedor, ao qual caberá essa prova. De igual modo ocorre com as certidões das ações pessoais e penais (por outros crimes) contra o autor do parcelamento, seu cônjuge, e os proprietários da gleba nos últimos dez anos. Essas certidões, de feitos cíveis e penais, devem ser extraídas na Justiça Estadual e na Justiça Federal, e acompanhadas de certidões ou documentos esclarecedores do desfecho ou estado atual da ação, bem como de seu objeto. O item 182 do Capítulo XX das NSCGJ dispensam a apresentação de certidões ou documentos esclarecedores se, desde logo, a certidão de distribuição comprovar que a ação não tem repercussão econômica, ou a ação real não tem relação com o imóvel objeto do loteamento. A inexistência de repercussão econômica para o loteamento é evidente em alguns casos, como ocorre com ação para declarar inexigibilidade de título de crédito emitido em favor do empreendedor. Igual não ocorre com certidão de ação em que promovida penhora do imóvel parcelado, pois grande o risco de atingir o adquirente de lote.

As certidões a que se referem o inciso IV do art. 18 da Lei nº 6.766/79, por seu lado, ensejam a negativa do registro do parcelamento se não for demonstrado que não acarretam riscos aos adquirentes dos lotes.

As certidões indicadas no inciso IV do art. 18 da Lei nº 6.766/79, assim, devem ser qualificadas individualmente, competindo ao Oficial de Registro, no exercício do controle de legalidade, exigir as certidões ou documentos esclarecedores que forem necessários e verificar se os valores dos protestos e as ações existentes têm ou não possibilidade de repercutir no empreendimento, atingindo eventuais adquirentes dos lotes.

As certidões de protesto de letras e títulos, do local do imóvel e do domicílio do autor do parcelamento e de todos os que foram proprietários da gleba nos últi-

O item 182.1 do Capítulo XX das NSCGJ autoriza que se o empreendedor for empresa de capital aberto o Oficial de Registro, a seu critério e no exercício da ARISP JUS 37


qualificação, autorize a substituição das certidões esclarecedores pelo Formulário de Referência previsto na instrução CVM 480, de 07 de dezembro de 2009, mas não autoriza a dispensa da apresentação das certidões indicadas no art. 18 da Lei nº 6.766/79. O inciso IV, “c”, da Lei nº 6.766/79 prevê que devem ser apresentadas certidões de ônus reais relativos ao imóvel. Os ônus e garantias reais decorrentes de atos inter vivos são constituídos pelo registro do respectivo título no Registro de Imóveis e, portanto, sua situação decorre, em princípio, das certidões das matrículas apresentadas para registro do parcelamento. Esses ônus e garantias não devem ser de natureza que impeça que os adquirentes dos lotes lhes deem a destinação esperada, nem que impeça a transmissão das áreas destinadas ao Município, como, por exemplo, se dá com o usufruto, o direito de superfície em favor de terceiro etc. Se assim ocorrer, deve o titular do direito real apresentar, por meio de instrumento público, a anuência com o parcelamento e com a liberação do ônus, ou com sua liberação de forma que não prejudique o empreendimento. As onerações decorrentes de penhora, ou as anotações preventivas em razão do ajuizamento de ação de execução, devem ser averbadas na matrícula (ou transcrição) do imóvel para a que a alienação seja considerada em fraude à execução, ressalvada a hipótese do art. 792, IV, do CPC (ação que possa reduzir o devedor à insolvência). Contudo, no caso de parcelamento do solo urbano a concentração desses atos na matrícula não afasta a obrigação de apresentação das certidões de distribuição cível e criminal.

mento imprescindível para o registro do parcelamento do solo urbano. Trata-se de negócio jurídico típico, ou seja, em que todos elementos previstos em lei para a sua caracterização devem estar presentes, dentre os quais se encontram os indicados no art. 26 da referida lei (qualificação das partes, identificação do parcelamento, descrição dos lotes compromissados, preço, prazo, forma e local de pagamento, taxas de juros e multa decorrentes da eventual mora do comprador, indicação do responsável pelo pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote, e declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento suplementares da legislação vigente). A atividade de promover o parcelamento do solo urbano com a finalidade de alienação dos lotes caracteriza relação de consumo tutelada pelo Código Defesa do Consumidor. Por sua vez, a qualificação realizada com o registro do loteamento é ampla e abrange, em consequência, as cláusulas da minuta apresentada para o contrato padrão de compromisso de compra e venda. Nesse sentido, entre outros, o parecer apresentado pelo Des. Walter Rocha Barone no Proc. CG 73948/2008, e o parecer apresentado pelo Des. Cláudio Luiz Bueno de Godoy, no Processo CG nº 1314/2003. As NSCGJ, em seu item 188 do Capítulo XX, dispõem: “O contrato-padrão não poderá conter cláusulas que contrariem as disposições previstas nos arts. 26, 31, §§ 1º e 2º, 34 e 35 da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, bem como na Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 (Código do Consumidor)”.

LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO – CONTRATO PADRÃO

Dentre as cláusulas do contrato padrão que merecem atenção do Oficial de Registro por terem potencial para impedir o registro podem ser citadas, como exemplo, as que preveem:

O exemplar do contrato padrão de promessa de compra e venda, ou de cessão ou de promessa de cessão a que se refere o art. 18, VI, da Lei n 6.766/79 é docu-

1) a possibilidade de resolução do contrato por iniciativa unilateral das partes, afastada a hipótese de inadimplemento, porque o compromisso de compra e ven-

38 ARISP JUS


da, suas cessões e promessas de cessões são irretratáveis na forma do art. 25 da Lei nº 6.766/79; 2) a cobrança de multa moratória superior a 2%, por violação ao disposto no art. 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90); 3) a cobrança de multa decorrente de mora do compromissário comprador inferior a três meses, por violar o disposto no art. 26, V, da Lei nº 6.15/73; 4) a exigência de anuência do autor do parcelamento para a cessão do contrato de compromisso de compra e venda, ou a cobrança de taxa para essa cessão, por violar o disposto no art. 31, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.766/79; 5) a renúncia do compromissário comprador ao direito de receber indenização pelas benfeitorias que forem introduzidas sem violação de restrição urbanística decorrente de lei ou convencional (art. 34, § único, da Lei nº 6.766/79 e art. 51, XVI, do CDC). Por outro lado, obrigam melhor reflexão e análise individualizada as cláusulas que:

para ação própria, contenciosa, da análise de cláusulas eventualmente prejudiciais aos adquirentes, cabendo anotar que se o pagamento tiver superado 1/3 do preço do imóvel deverá ser feita a restituição integral do valor pago ao compromissário comprador, razão pela qual cláusula contrária a essa disposição não poderá ser aceita (art. 35 da Lei nº 6.766/79). 3) contenha cláusula que obrigue o adquirente a se filiar em associação de moradores ou outra entidade equivalente (art. 5º, XX, da Constituição Federal). Sobre a filiação a associação de moradores, o Superior Tribunal de Justiça fixou o seguinte entendimento: (...) 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram”. 2. No caso concreto, recurso especial provido para julgar improcedente a ação de cobrança (REsp 1439163/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/03/2015, DJe 22/05/2015).

1) importem em violação do direito do consumidor mediante cláusulas que em tese possam violar o art. 51 do CDC e, portanto, ser consideradas nulas de pleno direito, hipóteses que devem ser avaliadas caso a caso por consistir referido artigo em norma aberta ao dispor que são nulas as cláusulas que restringem direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual, e que são nulas as cláusulas que se mostrarem excessivamente onerosa para o consumidor considerados a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso;

O estatuto da associação, ou outra entidade equivalente, não pode ser depositado com o registro do loteamento ou registrado por Oficial de Registro de Imóveis, com a finalidade de suprir o registro, diante da competência exclusiva do Oficial de Registro de Títulos e Documentos.

2) contenham valor pré-fixado para retenção, a título de indenização na hipótese de resolução do contrato decorrente do inadimplemento do comprador, calculado em porcentagem do preço do imóvel ou do preço pago pelo compromissário comprador (art. 35 da Lei nº 6.766/79). Nesses casos, não se afasta a relegação

O art. 18, V, da Lei nº 6.766/79 prevê que compete ao loteador realizar as obras de infraestrutura previstas na aprovação do loteamento e o art. 26, V, que o contrato de alienação (compra e venda, promessa de compra e venda ou de cessão) deve conter a indicação do preço a ser pago, o que impediria a previsão de cobrança

Existe divergência, por sua vez, no que tange à validade de cláusula em que transferida ao adquirente do lote a obrigação de pagar separadamente pelas obras de infraestrutura previstas na aprovação do loteamento.

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separada das obras de infraestrutura pendentes de realização. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já decidiu que não há vedação para que as despesas de implantação de obra de infraestrutura sejam custeadas pelos adquirentes dos lotes (REsp 191.907/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, j. 06/04/2004, DJ 24/05/2004, p. 276). Em tese, os custos dessas obras sempre serão repassados aos adquirentes dos lotes, pois a intenção de obter lucro é inerente à atividade do empreendedor do loteamento. A questão a ser considerada, contudo, é que o empreendedor cauteloso prevê os custos das obras de infraestrutura ao projetar o loteamento, e quando embutido no preço do imóvel esses custos são previamente conhecidos pelo adquirente. Porém, as normas do loteamento não contêm previsão para contratação da venda de lote com futura realização de obra a preço de custo (como pode ocorrer com o condomínio), razão pela qual afigura-se abusiva a previsão contratual de que o adquirente arcará com os custos das obras de infraestrutura sem que antecipadamente fixado seu valor. Convém, por sua vez, lembrar que o § 2º do art. 51 do CDC dispõe que: “A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”. Contudo, em nenhuma hipótese se autoriza a aceitação de contrato padrão com cláusulas violadoras de normas de ordem pública quando a constatação da nulidade for realizada nos limites da qualificação pelo Oficial de Registro. Restrições urbanísticas convencionais: O art. 26, VII, da Lei nº 6.766/79 dispõe que o con40 ARISP JUS

trato padrão deve indicar as restrições urbanísticas convencionas do loteamento, supletivas da legislação pertinente, se existirem. Essas restrições são impostas pelo autor do loteamento e em geral visam atrair os adquirentes por garantir que será dado aos lotes uso compatível com aquele a que o loteamento se destina. Porém, o contrato padrão não pode revogar restrições urbanísticas legais mais gravosas, mas somente acrescentar restrições às já previstas na legislação específica. Assim, por ex., o contrato padrão não pode permitir a construção em limite superior ao autorizado para aquela zona na respectiva legislação, nem o uso do lote para finalidade distinta da autorizada por lei como, v.g., o uso comercial de imóvel em área estritamente residencial. Em parecer que apresentei no Processo CG nº 1095/2009 (Parecer nº 165/09), o entendimento então prevalente no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo sobre as restrições convencionais foi assim resumido: 1) a imposição de restrição urbanística convencional com o registro do loteamento não depende de prévia autorização municipal; 2) a restrição urbanística convencional prevista no contrato padrão arquivado com o registro do loteamento deve ser mais gravosa que a legislação então vigente, desde que não colida com norma de ordem pública; 3) a restrição perdura enquanto for compatível com a legislação que lhe seguir, não for regularmente revogada, ou não cair em comprovado desuso; 4) a autorização municipal para o desdobro do lote, não decorrente de legislação que tenha alterado as normas urbanísticas para a zona em que situado, não revoga restrição convencional imposta com o registro do loteamento;


5) a incidência e a obrigação de respeitar as restrições urbanísticas, que têm a natureza de obrigação propter rem, decorre do arquivamento da minuta do contrato padrão com o registro do loteamento (REsp 302.906/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 26/08/2010, DJe 01/12/2010, e CSM, Ap. Civ. 44.565-0/0-Capivari, Rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição). Reconhecia-se, na época, o dever do Oficial de Registro promover o controle dessas restrições. A orientação administrativa sobre os limites da atuação do Oficial de Registro no controle das restrições urbanísticas por parte do loteador e dos adquirentes do lote, contudo, alterou-se ao longo do tempo, dispondo as NSCGJ atualmente vigentes: “191. Todas as restrições presentes no loteamento, impostas pelo loteador ou pelo Poder Público serão mencionadas no registro do loteamento. Não caberá ao oficial, porém, fiscalizar sua observância”.

Diante disso, o controle das restrições urbanísticas deve ser promovido pelos adquirentes dos lotes, ou pelo loteador mesmo que já tenha vendido todos os lotes (art. 45 da Lei nº 6.766/79). Não há vedação para a substituição do contrato padrão arquivado com o registro do loteamento, mediante averbação de nova minuta de contrato, desde que: 1) não importe em alteração dos prazos para as obras de infraestrutura previstos no cronograma, ressalvada a autorização municipal com o novo prazo que em seu total, ou seja, somado ao prazo anterior, não poderá ultrapassar quatro anos previstos no art. 18, V, da Lei nº 6.766/79; 2) a alteração conte com a anuência unânime dos adquirentes dos lotes (Processo CG 2008/27313 - Parecer nº 183/2008-E, do Estado de São Paulo).

LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO – PROCEDIMENTO DE REGISTRO Não havendo exigência a ser formulada para o registro do parcelamento, ou seja, estando em ordem a documentação apresentada, incumbe ao Oficial de Registro promover a publicação de edital que contenha o resumo do ato (ao menos os nomes dos autores do parcelamento, indicação do imóvel a ser parcelado, finalidade do registro do parcelamento, ou seja, a venda de lotes, e prazo para impugnação), assim como pequena planta do loteamento, em três dias consecutivos, em jornal local ou, se não houver, em jornal da região. O item 189 do Capítulo XX da NSCGJ prevê que a publicação será feita em três edições consecutivas se a circulação do jornal não for diária. Nas capitais o edital também será publicado no Diário Oficial (art. 19, § 3º, da Lei nº 6.766/79). A partir da última publicação do edital tem início o prazo de 15 dias para impugnação por terceiros (art. 19 da Lei nº 6.766/79), sendo admitida a legitimidade do Ministério Público para a impugnação (REsp 194.617/ PR, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, j.16/04/2002, DJ 01/07/2002, p. 278). Oferecida impugnação, cabe ao Oficial de Registro intimar o requerente do parcelamento e o Município (ou Distrito Federal) para que se manifestem em 5 dias. Com a resposta, o procedimento de registro de loteamento, com a impugnação oferecida e a resposta do requerente do parcelamento e da Prefeitura (se oferecida), será encaminhado ao juiz competente que, após ouvido o Ministério Público que tem prazo de 5 dias para se manifestar, decidirá de plano ou após instrução sumária (art. 19, § 1º, da Lei nº 6.766/79). No Estado de São Paulo fixou-se a orientação de que a competência para apreciar a impugnação ao registro de loteamento é do Juiz Corregedor Permanente. Nesse sentido, entre outros, o parecer apresentado pelo Des. Roberto Maio Filho no Processo CG nº 32866/2010 ARISP JUS 41


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(parecer 252/2010-E). Em igual sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça em ação em que a impugnação foi apreciada por juiz no exercício da função de corregedor permanente, como se verifica no REsp 1370524/DF, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. em 28/04/2015, DJe 27/10/2015. Sendo apreciada pelo Juiz Corregedor Permanente, tem a impugnação oferecida ao registro de loteamento natureza administrativa, razão pela qual a decisão nela prolatada não impede o recurso à ação contenciosa. O art. 19, § 2º, da Lei nº 6.766/79 prevê, ademais, que o juiz remeterá os interessados às vias ordinárias se a matéria exigir maior indagação, ou seja, não puder ser resolvida na via administrativa. Por vias ordinárias entende-se qualquer ação contenciosa que for apta para a solução do litígio que existir entre o impugnante e o requerente do parcelamento do solo. Ressalva-se que a atribuição para o julgamento das impugnações e das suscitações de dúvidas em matéria extrajudicial não é tratada de maneira uniforme pelas diferentes leis de Organização Judiciária, havendo algumas que as conferem ao Juiz Diretor do Fórum e outras para magistrados distintos, razão pela qual a questão da competência deverá ser verificada conforme as normas vigentes em cada um dos Estados da Federação.

Registro, ou pode manter a recusa do registro do título em razão de outras matérias não apontadas pelo Oficial registrador (CSM, Ap. Civ. 024587-0/3, j. 06/12/95, Comarca de Itu, Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga). Não há razão, diante disso, para impedir que o Juiz Corregedor Permanente aponte motivos impeditivos do registro do parcelamento distintos daqueles contidos na impugnação apresentada. A via administrativa, por seu turno, não é adequada para apreciar o mérito das licenças e aprovações concedidas pelos órgãos públicos, pois a qualificação não abrange eventuais vícios intrínsecos das aprovações, ou seja, não formais, que essas possam conter. Não apresentada impugnação, ou sendo rejeitada, o Oficial de Registro promoverá o registro do parcelamento que conforme o art. 20 da Lei nº 6.766/79 é feito por extrato, na matrícula da gleba, com uma indicação para cada lote, averbando-se as posteriores alterações, a abertura de ruas e praças, e as áreas destinadas a espaços públicos e equipamentos urbanos. A publicação do edital deve ser comunicada à Prefeitura Municipal (art. 19 da Lei nº 6.766/79), sendo de se entender que é conveniente a comunicação também do registro do parcelamento, para que o Município possa efetuar a fiscalização de sua implantação.

A impugnação deve ser fundamentada, ou seja, indicar as razões que impedem o registro do parcelamento, e sua apreciação será realizada nos limites da qualificação atribuída ao Oficial de Registro de Imóveis e ao Juiz competente.

No Estado de São Paulo, os itens 194 e 194.1 das NSCGJ preveem que não é necessária a repetição da descrição dos lotes na matrícula da gleba, sendo suficiente a elaboração de quadro resumido com indicação do número de quadras e quantidade de lotes em cada uma, abrindo-se ficha auxiliar para o controle de disponibilidade dos lotes, em que será anotado o número da matrícula aberta para cada um desses.

No Estado de São Paulo, encontra-se sedimentado o entendimento de que a suscitação de procedimento de dúvida devolve ao Juiz Corregedor Permanente a qualificação do título por inteiro, razão pela qual pode afastar uma ou mais exigências efetuadas pelo Oficial de

Ainda, dispõem que é facultativa a abertura de matrículas para as áreas públicas (vias e praças, espaços livres e outros equipamentos urbanos), o que será feito por conveniência do serviço e sem ônus ou despesas para o interessado (itens 192 e 192.1 do Capítulo XX). ARISP JUS 43


Embora facultativa, se não houver solicitação, devem ser abertas matrículas para as áreas transmitidas ao domínio público quando houver solicitação do Município, sendo vedado o registro de alienação ou oneração dessas áreas sem a prévia averbação da desafetação e autorização para alienação promovida por meio de lei municipal (item 192.2 do Capítulo XX das NSCGJ).

confirma anterior jurisprudência e entendimento administrativo no sentido de que nos loteamentos irregulares e clandestinos as áreas destinadas ao uso público têm seu domínio transmitido à Administração Pública por força da afetação ocorrida, pois ao loteador clandestino não é dado maior direito que ao loteador regular.

Por sua vez, se a gleba loteada não abranger todo o imóvel, o item 192.3 das NSCGJ autoriza a simples averbação da área remanescente, relegando para momento posterior a abertura de matrícula de acordo com a conveniência do serviço ou solicitação do interessado.

Ademais, ocorrendo a execução do loteamento não aprovado não é possível ao loteador alterar a destinação das áreas públicas previstas no art. 4º, I, da Lei nº 6.766/79, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal (art. 43 da referida Lei).

Os registros dos contratos de alienação de lotes (compra e venda ou compromisso de compra venda) e das cessões serão efetuadas nas matrículas abertas para cada lote.

LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO – CANCELAMENTO DO REGISTRO

EFEITOS DO REGISTRO A partir da data do registro do parcelamento passam ao domínio público municipal as vias e as praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos previstas no projeto e no memorial descritivo (art. 22 da Lei nº 6.766/79).

Conforme o art. 23 da Lei nº 6.766/79, o cancelamento do registro do loteamento dependerá, sempre, de apreciação judicial e poderá ser efetuado a requerimento do loteador com anuência do Município (ou Distrito Federal). Havendo alienação, o cancelamento dependerá da anuência de todos os adquirentes dos lotes, do Município (ou DF) e dos Estados quando for o caso.

Essas áreas, porém, ficam vinculadas à destinação prevista no projeto de loteamento desde a data em que for aprovado o loteamento, salvo se ocorrer a caducidade da licença ou desistência do loteador (art. 17 da Lei nº 6.766/79).

A impugnação pelo Município ou pelo Estado somente poderá ser fundamentada na comprovada inconveniência para o desenvolvimento urbano ou na prévia realização de melhoramento na área loteada ou adjacências.

Por sua vez, se irregular, ou seja, implantando sem o respectivo registro, pode o Município requerer em seu favor, ao Oficial de Registro, a abertura de matrículas para as áreas destinadas a uso público, fazendo-o mediante apresentação de: I) planta do parcelamento elaborada pelo loteador ou aprovada pelo Município; II) declaração do Município de que o parcelamento se encontra implantado (art. 22, § único, da Lei nº 6.766/79).

Formulado o pedido de cancelamento do loteamento, será publicado pelo Oficial de Registro edital em que indicado o prazo de 30 dias para impugnação, contados da última publicação, com posterior remessa ao Juiz para homologação que será realizada após ouvido o Ministério Público e realizada vistoria do imóvel.

Essa disposição, introduzida primeiro pela Medida Provisória nº 514/2010 e depois pela Lei nº 12.424/2011, 44 ARISP JUS

O cancelamento a que se refere o inciso I do art. 23, ou seja, por decisão judicial, é o que decorre do julgamento de ação contenciosa, ou de decisão em procedimento administrativo, em que observado o contradi-


tório, pelo reconhecimento de nulidade do registro de pleno direito. O cancelamento a requerimento do loteador, referido nos incisos II e III, está sujeito à homologação do Juiz Corregedor Permanente, ou do que for competente conforme as normas de organização judiciárias do respectivo Estado, e sempre será precedido de vistoria judicial para apuração da inexistência de adquirentes instalados na área (art. 23, § 3º). O cancelamento do registro de desmembramento também pode decorrer de decisão judicial ou requerimento do seu autor, desde que inexistentes alienações ou que apresentada anuência de todos os adquirentes dos lotes, sendo nesse caso também justificável a ciência ao Município, pelo Oficial de Registro, para que adote eventuais providências que considerar cabíveis.

Civil com a exigência de escritura pública para os demais contratos a que se refere o art. 108 do Código Civil. Celebrado pré-contrato, promessa de cessão, proposta de compra ou reserva de lote, ou qualquer outro pacto escrito de que decorra a intenção de alienação, a indicação do lote, o preço e o modo de pagamento, pode o credor notificar o devedor para concluir o contrato de compromisso de compra e venda, ou de cessão, em 15 dias, sob pena de registro do pré-contrato que terá as demais cláusulas regidas pela minuta do contrato padrão (art. 27, §1º, da Lei nº 6.766/79).

CANCELAMENTO PARCIAL OU ALTERAÇÃO DO REGISTRO

Essa notificação será realizada pelo Oficial de Registro de Imóveis, que poderá valer-se do Oficial de Registro de Títulos e Documentos, e o registro dependerá da prova de que o requerente cumpriu sua prestação (pagamento de sinal ou outra pactuada) ou a ofereceu na forma devida (art. 27, § 2º).

A alteração ou o cancelamento parcial do registro de loteamento dependerá da anuência de todos os adquirentes de lotes e aprovação pelo Município, ou Distrito Federal, com sua averbação no registro do loteamento mediante apresentação da planta e do memorial descritivo retificadores (art. 28 da Lei nº 6.766/79).

Os sucessores do autor do parcelamento, por ato causa mortis ou inter vivos, o sucedem em todas suas obrigações (art. 29 da Lei nº 6.766/79), e a falência ou insolvência de qualquer das partes não rescinde os contratos de compromisso de compra e venda, ou cessão, que tiverem anteriormente celebrado (art. 30).

A alteração também dependerá de autorização do Estado, ou outros entes competentes, quando necessária sua aprovação, e não poderá servir de instrumento para burla dos requisitos previstos para as autorizações por esses anteriormente concedidas. CUMPRIMENTO DO CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA

Ocorrendo sucessão do loteador (ou autor do desmembramento) por ato inter vivos, mediante alienação voluntária do imóvel parcelado, havendo lotes ainda não alienados, deverá o Oficial de Registro exigir a apresentação das certidões pessoais previstas no art. 18, III, “b” e “c”, IV da Lei nº 6.766/79, pois necessárias à proteção dos que pretenderem adquirir esses lotes.

O contrato de compromisso de compra e venda de lotes para pagamento do preço em prestações, e suas respectivas cessões, podem ser celebrados por instrumento público ou particular, não havendo incompatibilidade dos arts. 26 da Lei nº 6.766/79 e 1.417 do Código

Não sendo apresentadas essas certidões, ou havendo ação que seria impeditiva do registro do parcelamento, deverá ser negado o registro da alienação do imóvel parcelado que, neste caso concreto, implica em cessão da posição contratual ARISP JUS 45


de loteador (ou autor de desmembramento). Importa observar, nesse ponto, que o art. 31, § 1º, da Lei nº 6.766/79 dispensa a anuência do loteador para a cessão do contrato de compromisso de compra e venda, mas não autoriza a cessão da posição contratual de loteador sem preenchimento, pelos adquirentes, dos requisitos do art. 18 da Lei nº 6.766/79, sendo que ao novo loteador competirá transmitir a propriedade dos lotes sem riscos aos adquirentes (antigos e futuros) e, mais, realizar as obras de infraestrutura que ainda estiverem pendentes. Os compromissários compradores e os cessionários podem consignar o valor da prestação do preço do compromisso que for recusada pelo loteador ou autor do desmembramento. Nesse caso o credor será constituído em mora mediante notificação pelo Oficial de Registro de Imóveis (que poderá valer-se do Oficial de RTD) para que receba as prestações em 15 dias, ou ofereça impugnação, sob pena de considerado efetuado o pagamento. O valor da prestação oferecida será depositado no Registro de Imóveis e somente poderá ser recusado o pagamento se o credor alegar inadimplemento (ou mora) do devedor e requerer a notificação desse para purgar a mora, sob pena de rescisão do contrato e cancelamento do registro (art. 33 da Lei nº 6.766/79). Uma vez pago o preço pactuado, o contrato de compromisso de compra e venda, as cessões e as promessas de cessões que forem acompanhadas da respectiva prova de quitação valerão como título para o registro da propriedade, na forma do art. 26, § 6º, da Lei nº 6.766/79. O registro da transmissão do domínio do imóvel será efetuado em favor do compromissário comprador ou do cessionário com contrato registrado, em atendimento ao princípio da continuidade, devendo a prova do pagamento dizer respeito tanto ao preço devido ao loteador como ao devido ao cedente, podendo 46 ARISP JUS

a quitação do valor da cessão estar contida no próprio contrato em que celebrada, ou decorrer da forma como realizada quando feita por trespasse no verso do contrato de compromisso em poder do cedente (art. 31 da Lei nº 6.766/79). No Estado de São Paulo existe o entendimento de que essa forma de registro da transmissão de imóvel loteado somente incide na primeira alienação do lote (independentemente do número de cessões dessa alienação). Incidindo o compromissário comprador ou cessionário em mora, para a rescisão do contrato o autor do parcelamento está obrigado a requerer ao Oficial de Registro de Imóveis que intime o devedor para purgar a mora mediante pagamento das prestações vencidas e das que se vencerem até a satisfação da obrigação, acrescida dos juros convencionados (que não podem superar os juros legais) e das custas da intimação. O pagamento deverá ser feito em até 30 dias contados da intimação (excluído o dia do início e incluído o do final, com sua prorrogação se não for dia útil). Não efetuado o pagamento, o Oficial de Registro de Imóveis expedirá certidão e o vendedor poderá requerer o cancelamento da averbação (art. 32, º 3º), ou seja, o cancelamento do registro do compromisso de compra e venda e de sua cessão em razão da resolução do contrato pelo inadimplemento do compromissário comprador. As intimações que competem ao Oficial de Registro de Imóveis podem ser feitas por esse, por preposto que para essa finalidade nomear, ou por Oficial de Registro de Títulos e Documentos a quem solicitar a prática do ato, e deverão ser dirigidas a todos os adquirentes dos lotes e seus respectivos cônjuges, nos endereços das comarcas em que forem domiciliados, ou no endereço indicado no contrato ou no do lote se não forem encontrados, por se tratar de direito real.


Não sendo encontrados, a intimação será por edital mediante três publicações consecutivas em jornal de circulação local e no Diário Oficial se o loteamento for situado na Capital (item 200 do Capítulo XX das NSCGJ).

Sendo o loteamento irregular ou clandestino, ou seja, não estando regularmente registrado, é nula de pleno direito a cláusula de rescisão do contrato por inadimplemento do adquirente (art. 39 da Lei nº 6.766/79).

O pagamento do preço será feito ao Oficial de Registro de Imóveis que entregará o valor ao credor, contra recibo.

Em razão disso, em nenhuma hipótese poderá o autor de parcelamento não regularmente registrado pleitear a rescisão do contrato de compromisso de compra e venda, ou de sua cessão, pelo inadimplemento do comprador.

Os itens 181.1 e 181.2 relacionam os requisitos mínimos da intimação (valor discriminado da dívida, com seus encargos; prazo para purgação da mora; valor do contrato; número e valor das parcelas já pagas). Pago mais de 1/3 do preço do contrato, esse fato será consignado na averbação do cancelamento e o imóvel somente poderá voltar a ser alienado se o autor do parcelamento comprovar a restituição do preço ao comprador, ou depositá-lo no Registro de Imóveis que promoverá a intimação do comprador para receber a quantia em 10 dias, sob pena de devolução ao depositante ou de depósito em instituição financeira se o comprador não for localizado (art. 35, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.766/79). As NSCGJ autorizam a resolução do contrato mediante intimação judicial dos devedores, desde que observados os mesmos requisitos para intimação previstos para sua realização no Registro de Imóveis e que tenha o Oficial de Justiça certificado que procurou os devedores em todos os endereços anteriormente citados. Além disso, o escrivão-diretor do Ofício de Justiça deverá certificar que não houve pagamento do preço devido (item 201 do Capítulo XX das NSCGJ), estando o procedimento de intimação judicial sujeito à qualificação pelo Oficial de Registro. Por se tratar de direito real, o item 196 do Capítulo XX das NSCGJ dispõe que o procedimento de rescisão por mora do compromissário comprador depende do registro do parcelamento e do contrato de compromisso, ou cessão.

Sendo o parcelamento clandestino ou irregular por falta de registro, ou pela não execução das obras de infraestrutura no prazo do cronograma, não pode o seu autor exigir o pagamento das parcelas dos contratos que celebrar sem antes promover a regularização. Os adquirentes, por sua vez, têm o direito de suspender os pagamentos das prestações restantes, notificando o loteador para suprir a irregularidade e depositando as prestações devidas no Registro de Imóveis competente que as manterá em contas bancárias que renda juros e correção monetária, com movimentação vinculada a autorização judicial (art. 38, § 1º, da Lei nº 6.766/79). Promovida a regularização do parcelamento mediante realização ou término das obras de infraestrutura previstas no projeto aprovado, ou no projeto de regularização, competirá a quem efetuou a regularização (Município ou loteador) solicitar judicialmente o levantamento dos depósitos feitos pelos adquirentes dos lotes (art. 38, § 3º, da Lei nº 6.766/79). A jurisprudência diverge sobre a obrigatoriedade, ou não, do Município promover a regularização de loteamento irregular ou clandestino. A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu ser dever do Município ao julgar o AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 109.078-AC, de que foi relator o Min. Sérgio Kukina, j. 09 de agosto de 2016.

ARISP JUS 47


O mesmo Superior Tribunal de Justiça, porém, também já entendeu que se trata de poder do Município que tem o dever de fiscalizar (REsp 1394701/AC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. em 17/09/2015, DJe 28/09/2015). CONDOMÍNIO FECHADO E DE LOTES Não há vedação para que o Município, mediante legislação própria, autorize aos proprietários o fechamento da área parcelada e das respectivas vias de acesso, assumindo os proprietários o dever de prestar determinados serviços como os de limpeza e conservação das áreas livres, verdes ou de preservação permanente e de manutenção dos equipamentos de lazer. Esses parcelamentos, porém, continuam regidos pela Lei nº 6.766/79 e não se confundem com o condomínio edilício que é regido pelo Código Civil (arts. 1.331 a 1.358) e pela Lei nº 4.591/64. Traço distintivo essencial entre ambos é que no loteamento as vias, praças, áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos têm o domínio transmitido ao Município com o registro do loteamento, o que também ocorre nos loteamentos fechados. No condomínio edilício, porém, o solo, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, que são utilizadas em comum pelos condôminos, são de propriedade dos condôminos (art. 1.331, § 2º, do CC), dispondo o º 3º do referido artigo que: “A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio”

Por sua vez, no loteamento cada proprietário é livre para construir em seu lote conforme lhe for conveniente, respeitadas as posturas municipais e as restrições convencionais do loteamento, não havendo 48 ARISP JUS

vinculação do lote com o prédio exceto pela norma de que a acessão se incorpora ao imóvel. No condomínio edilício formado por casas, ao contrário, as unidades autônomas são constituídas em casas térreas ou assobradadas, como previsto no art. 8º, alínea “a”, da Lei n. 4.591/64, que dispõe: “em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades”. O Código Civil de 2002 não revogou o artigo 8º da Lei n. 4.591/64, que é especial, porque não regulou a matéria de forma completa, interpretação que é respaldada pelo artigo 31-A da Lei n. 4.591/64, com a redação dada pela Lei n. 10.931/2004 (posterior ao Código Civil de 2002) que prevê a possibilidade de constituição do patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias que tenham por objeto os subconjuntos de casas referidos no artigo 8º da referida Lei. A melhor interpretação, ainda, é que essas distinções não se alteram pelo Decreto-lei nº 271/67, que pretendeu equiparar o loteador a incorporador, sendo nesse sentido o parecer apresentado pelo Des. Francisco Eduardo Loureiro no Processo 001536/96, da Comarca de Campos do Jordão, datado de 27/09/96. Diante disso, respeitados os entendimentos em contrário, não se mostra possível a instituição de condomínio edilício de lotes, ou condomínio de lotes sem vinculação das unidades autônomas à construção, regido pelos arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil e pela Lei nº 4.591/64, como decidido pelo Corregedor Geral da Justiça de São Paulo no Proc. CG 2014/00141294, em decisão prolatada em 13 de janeiro de 2016. Interpretação distinta, ao contrário, somente beneficiaria os empreendedores que ficariam livres do ônus de cumprir os requisitos da Lei nº 6.766/79 para o par-


celamento do solo urbano, em especial os de transmitir aos Municípios o domínio das vias, praças, áreas livres e destinadas à instalação de equipamentos urbanos. Ademais, compete aos Municípios legislar sobre as áreas que deverão ser destinadas para instalação de equipamentos urbanos, espaços de lazer e áreas verdes nos loteamentos, e também legislar sobre a forma de ocupação do solo nos condomínios edilícios, sempre tendo em conta o plano diretor e as diretrizes urbanísticas que traçar. E não podem os loteadores optar pela constituição de condomínio edilício, em seu proveito exclusivo, para se furtar da transmissão de áreas ao Município nos casos em tipificada a existência de parcelamento do solo urbano, ou para burlar as normas que nesse incidirem. FRAÇÕES IDEAIS Durante determinado período se disseminou a prática de implantar parcelamento do solo mediante uso do instituto do condomínio voluntário, ou comum, com venda de pequenas frações ideais de terrenos a diferentes pessoas que não mantinham entre si vínculos que pudessem justificar a compra do imóvel em conjunto, e com atribuição de área certa de terreno a cada fração ideal, o que se fazia para burlar as normas, cogentes, de parcelamento do solo urbano. Não se tratava, assim, de condomínios voluntários regularmente formados. No decorrer do tempo essa questão foi tratada de forma distinta pelo E. Conselho Superior da Magistratura, existindo diferentes decisões em que ora admitido o registro (Apelação Cível nº 6.083-0, da Comarca de São Roque) e ora vedado (Apelação Cível nº 6.163-0,da Comarca de Amparo), ambas citadas na Revista de Direito Imobiliário ns. 19/20). A grave situação decorrente da proliferação desses casos de parcelamentos irregulares do solo, porém, acabou por levar a Corregedoria Geral da Justiça a tomar

medidas destinadas a impedir a difusão e a multiplicação desta prática (Processos CG 59.044/81, 2.588/00 e 8.505/00) e, ainda, a permitir, quando possível, que os interessados promovessem a regularização dos loteamentos e condomínios implantados de forma irregular. Igual preocupação foi demonstrada pelo Conselho Superior da Magistratura que na Apelação Cível nº 72.365-0/7, de que foi relator o Des. Luís de Macedo, em que decidido: A qualificação registrária não é um simples processo mecânico, chancelador dos atos já praticados, mas parte, isso sim, de uma análise lógica, voltada para a perquirição da compatibilidade entre os assentamentos registrários e os títulos causais (judiciais ou extrajudiciais), sempre feita à luz das normas cogentes em vigor.

Com fundamento neste acórdão, no Processo nº 2.588/00 foi aprovado pelo Desembargador Luís de Macedo parecer, da lavra dos então Juízes Auxiliares da Corregedoria Drs. Antonio Carlos Morais Pucci, Eduardo Moretzshon de Castro, Luís Paulo Aliende Ribeiro, Marcelo Fortes Barbosa Filho e Mario Antonio Silveira, em que ficou claro que após a publicação do v. acórdão prolatado na Apelação Cível nº 72.365-0/7, que teve força normativa, não era possível admitir o registro de título de transmissão quando pela análise dos elementos registrários, assim entendidos como os dados constantes das matrículas, o oficial registrador verificasse a implantação de parcelamento irregular do solo, a existência de fraude e de ofensa à legislação cogente. Além disso, para evitar a disseminação dessa prática, ou ao menos para advertir os adquirentes que o instituto do condomínio voluntário não autoriza a atribuição de metragem certa e de localização determinada de terreno para frações ideais do imóvel, o Des. Luis de Macedo prolatou, no Processo nº 2.588/00, decisão com força normativa que obrigava os Tabeliães de Notas do Estado de São Paulo: a) a não lavrar instrumento público que envolva alienação de parte ideal que possa caracterizar fraude à lei de parcelamento dos solos, ou b) insistindo as partes, incluir no instrumento público ARISP JUS 49


advertência que não está sendo transmitida a propriedade de área certa e localizada. Atualmente a matéria está regulada no item 171 do Capítulo XX das NSCGJ, assim redigido: 171. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipóteses de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis.

50 ARISP JUS

171.1. Para a comprovação da efetivação de parcelamento irregular, poderá o oficial valer-se de imagens obtidas por satélite ou aerofotogrametria.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve negativa de registro de alienação de fração ideal feita com violação das normas previstas para o parcelamento do solo urbano, como se verifica no julgamento do Recurso Extraordinário em Mandado de Segurança nº 9.876/São Paulo (98/0038544-4), de que foi relator o Ministro Ari Pargendler.


ARTIGO

INTRODUÇÃO O parcelamento de solo, ao lado da incorporação e do o condomínio edilício (adensamento populacional vertical), é um dos principais fatores de expansão dos centros urbanos (adensamento horizontal). Parcelamento de solo é subdivisão de solo, urbano ou rural. O parcelamento urbano é regido pela Lei nº 6.766/79, que substituiu o antigo Decreto-Lei nº 58/1937, ao menos em relação ao ato de parcelar, muito embora tal Decreto não esteja integralmente revogado.

O INGRESSO DAS LIMITAÇÕES CONVENCIONAIS NO REGISTRO DE IMÓVEIS, SUA QUALIFICAÇÃO E PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS CORRELATOS Paulo Cesar Batista dos Santos

Juiz designado na 1ª. Vara de Registros Públicos da Capital/SP. Mestrando pela Universidade de Samford/EUA. Especializando em Direito Registral e Notarial/EPM. Pósgraduado pela Escola Superior do Ministério Público Federal, Brasília/DF.

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. As restrições convencionais no projeto do loteamento urbano. 3. Inexistência de obrigação do Registrador de Imóveis na fiscalização das restrições convencionais. 4. Qualificação e procedimentos administrativos correlatos. 5. Conclusão.

As regras administrativas relativas aos loteamentos urbanos, para o Estado de São Paulo, estão previstas no Capítulo XX, Seção VII, itens 168 a 211 das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo. Lotear é uma atividade privada; ocorre quando o proprietário de uma gleba decide subdividi-la em lotes, com abertura de ruas, para comercializá-los, após percorrer um longo caminho até a regularização final de seu loteamento. Essa atividade possui forte conotação social, passando a ser regulada e fiscalizada pelo Poder Público. Além da Lei de Parcelamento de Solo Urbano, os loteamentos ainda se submetem a outras tantas leis e normas administrativas existentes, especialmente de natureza ambiental, urbanística e administrativa, nas esferas de competência federal, estadual e municipal. Já as restrições convencionais nos loteamentos urbanos traduzem limitações, impostas pelo loteador, em benefício da comunidade e de toda a coletividade, presente e futura, obrigando todos os adquirentes e seus sucessores quanto ao uso de um lote integrante de parcelamento do solo urbano, geralmente mais restritivas do que as limitações impostas pela legislação municipal, dando uma característica especial ao empreendimento. ARISP JUS 51


Como elas possuem natureza pessoal de obrigação propter rem, quem adquire lotes diretamente do loteador ou de seus sucessores deve observância a todas as restrições convencionais do loteamento, desde que tenham sido observados os procedimentos específicos, quando da regularização. Tais limitações unificam duas espécies de negócios jurídicos: a) uma previsão unilateral do plano do loteamento devidamente registrado (negócio jurídico unilateral normativo); b) a concretização, em cada alienação, das referidas restrições (negócio jurídico bilateral, um contrato). As restrições convencionais possuem atualmente genuína índole pública “o que lhes confere caráter privado apenas no nome, porquanto não se deve vê-las, de maneira reducionista, tão-só pela ótica do loteador, dos compradores originais, dos contratantes posteriores e dos que venham a ser lindeiros ou vizinhos”, conforme já decidido pelo E. Superior Tribunal de Justiça1. Trata-se de instituto conturbado e extremamente rico, que está longe de ser unanimidade, mas que tampouco é o escopo principal deste artigo, trazendo à tona questões de alta indagação, tanto na doutrina quanto na jurisprudência administrativa e dos tribunais. AS RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS NO PROJETO DO LOTEAMENTO URBANO. As restrições convencionais devem constar do memorial descritivo ou do ato de aprovação do loteamento urbano, nos termos do art. 9º da Lei nº 6.766/79, que assim especifica: Art. 9o Orientado pelo traçado e diretrizes oficiais, quando houver, o projeto, contendo desenhos, memorial descritivo (...) será apresentado à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal, quando for o caso (...). (...) § 2º - O memorial descritivo deverá conter, obrigatoriamente, pelo menos: 1 Resp 302906/SP, DJE 01/12/2010, Ministro Herman Benjamin. 52 ARISP JUS

II -As condições urbanísticas do loteamento e as limitações que incidem sobre os lotes e suas construções, além daquelas constantes das diretrizes fixadas (g.n).

Quanto ao contrato-padrão, diz o art. 18, inciso VI, da Lei nº 6.766/79: Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos: (...) VI - Exemplar do contrato padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta Lei;(g.n).

Os compromissos de compra e venda, cessões ou promessa de cessões dos futuros lotes que serão comercializados poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular (art. 26), de acordo com o contrato-padrão depositado, e conterão, pelo menos, a declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente. Cumprindo os requisitos legais, as restrições convencionais deverão ser referidas em todas as matriculas dos lotes, por averbação remissiva. Como se vê, nos termos da lei, é obrigatória a apresentação, pelo loteador, da minuta padrão dos contratos de compromisso de compra e venda, que deve conter as restrições urbanísticas convencionais do loteamento. O modelo depositado é vinculante ao loteador. Nada impede, contudo, que se deposite, após, outro modelo de contrato, mas tal modelo só vinculará os contratos celebrados após o depósito no registro de imóveis. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DO REGISTRADOR DE IMÓVEIS NA FISCALIZAÇÃO DAS RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS. Quanto ao papel do Registrador de Imóveis na fiscalização da observância das limitações convencionais


nos títulos que ingressam em sua Serventia, a melhor conclusão é que o delegatário não está obrigado a exercer tal minucioso controle. No Estado de São Paulo, contudo, nem sempre foi assim. Houve períodos em que o entendimento da E. Corregedoria Geral de Justiça era de que o Registro de Imóveis deveria observar com rigor as restrições convencionais constantes dos contratos-tipos, quando da análise e qualificação de incorporação e condomínios, afastando da qualificação os projetos que, embora aprovados pelo município, não atendiam o que havia sido preceituado pelo primitivo loteador2. Contudo, com a evolução do tema, passou-se a verificar a desarrazoabilidade de se trazer para a esfera do fólio real o controle e fiscalização indistinta de todas as restrições que constam em contratos-padrão arquivados por ocasião do registro de loteamentos, principalmente porque tal regramento constitucional pertence ao município (art. 30, inciso VIII da Constituição Federal3). Naturalmente, cabe ao município, ao aprovar eventual construção, demolição, desdobro, unificação ou qualquer outro projeto que lhe compita examinar, aferir se sobre o imóvel existe alguma restrição em vigor, confrontando-a com a legislação local e o plano diretor da cidade e exigindo somente do interessado respeito a todo esse conjunto de normas4. Tal entendimento acabou sendo consolidado na redação atual das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, em seu Capítulo XX, Seção VII, Item 191:

2 Processo CG 2008/84.793, Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo. 3 Dúvida 0043946-67.2010.8.26.0100, 1ª Vara de Registros Públicos da Capital/SP. 4 Pedido de Providências nº 0058730-15.2011.8.26.0100, 1ª Vara de Registros Públicos da Capital/SP, 10º RI, Juiz Marcelo Berthe.

191. Todas as restrições presentes no loteamento, impostas pelo loteador ou pelo Poder Público serão mencionadas no registro do loteamento. Não caberá ao oficial, porém, fiscalizar sua observância. (g.n).

E se tratando de obrigação do Poder Público, o município fará essa fiscalização, exigindo certidão do imóvel com filiação até a origem para checar se ele decorre de parcelamento regularmente inscrito e, se o caso, exigirá também a certidão do contrato-padrão arquivado junto ao registro, nos termos do Decreto Lei nº 58/37 e da Lei nº 6.766/79. O município dispõe de corpo de técnico, com engenheiros, arquitetos, urbanistas e ambientalistas, serviço especializado que não está, e nem deveria estar, a alcance do Registrador de Imóveis, já assoberbado com tantas outras obrigações em sua Serventia. Existe ainda a possibilidade de fiscalização supletiva da população envolvida, já que os moradores, na qualidade de beneficiários diretos e indiretos dessas restrições, são quem sabe melhor sobre quais regras devem ou não ser observadas. A eles também cabe reivindicar o cumprimento dessas normas, junto ao município e até ao Poder Judiciário, nos termos do art. 180, inciso II, e art. 191 da Constituição do Estado de São Paulo (participação da comunidade em matérias de interesse urbanístico). Segundo entendimento que vem ganhando cada vez mais força, inclusive na jurisprudência do Estado de São Paulo e no Superior Tribunal de Justiça, a inobservância das restrições convencionais fere o direito adquirido e o ato jurídico perfeito dos adquirentes dos lotes, dos vizinhos e de toda a coletividade e, em consequência, ofende também a lei e deve ser reprimida. Ainda segundo a jurisprudência tem entendido, a autorização dada pelo município, aprovando obra em loteamento que seja contrária às limitações convencionais, é ilegal, já que a autorização municipal não revoga restrição convencional. ARISP JUS 53


A atual Lei de Zoneamento Urbano da capital do Estado de São Paulo (Lei Municipal nº 10.402/2016), em seu art. 59 diz que, nas Zonas ali referidas, as restrições convencionais de loteamentos aprovados pela Prefeitura, estabelecidas em instrumento público registrado no Cartório de Registro de Imóveis, referentes a dimensionamento de lotes, recuos, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, altura e número de pavimentos das edificações, deverão ser atendidas quando mais restritivas que as disposições desta lei (§ 2º do art. 59 da Lei Municipal nº 10.402/2016). Vê-se claramente que está acolhida a teoria da maior restrição, quando o assunto é loteamento urbano e limitações convencionais. Do ponto de vista legislativo, a alteração das restrições convencionais dos loteamentos somente será possível se houver acordo entre o loteador e os proprietários dos lotes atingidos pela alteração, com emissão de parecer técnico favorável da CTLU (Câmara Técnica de Legislação urbanística) e, por fim, com anuência expressa do Executivo.

pacificador de conflitos). É análise formal, restrita aos requisitos extrínsecos do título. A qualificação registral deve observar alguns princípios, tais como o da obrigatoriedade, da liberdade e independência, mas com vinculação às decisões de caráter normativo, normas administrativas e legislação, o da responsabilidade pessoal e o da concentração. Com a entrega do título na Serventia Imobiliária, ele deverá ser imediatamente prenotado (protocolado) no livro 1 e esse protocolo terá validade por 30 dias (art. 188 da Lei de Registros Públicos). O prazo para qualificação do título é de 10 dias, contados do ingresso do título no registro (Item 43 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo). Nos termos do art. 167, incisos I e II da Lei de Registros Públicos, entende-se que os atos de registro stricto sensu estão submetidos a rol legal taxativo, alargável apenas por lei.

Não se afasta, contudo, a autonomia do município para impor nova conformação urbanística que abranja a gleba loteada, ainda que incompatível com a restrição convencional existente, mas, para tanto, deverá valer-se do adequado processo legislativo, com participação popular, de iniciativa do Poder Executivo local, para que seja possível a revogação de limitações incompatíveis com a nova ordem legislativa5.

Contudo, o rol é exemplificativo para atos de averbação, podendo haver averbação de atos não previstos expressamente em lei, mas desde que tais atos tenham poder de alterar a situação jurídica do imóvel.

QUALIFICAÇÃO E PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS CABÍVEIS.

As limitações convencionais ingressam no registro imobiliário por atos de registro ou de averbação.

A qualificação registral imobiliária é expressão do exame registral após apresentação do título original.

Por atos de registro, v.g., podem ingressar no registro de incorporações (art. 167, I, 17, da LRP); por atos de averbação, poderão ingressar no registro para averbação de edificação, de reconstrução, de demolição, de desmembramento e do loteamento de imóveis (art. 167, II, 4, da LRP).

Ela é feita pelo Oficial Registrador, com verdadeira natureza de tutela preventiva de conflitos (órgão 5 Conselho Superior da Magistratura/ TJSP. Apelação Cível n° 0038476–21.2011.8.26.0100 54 ARISP JUS

Veda-se, assim, a averbação indiscriminada daquilo que não possua qualquer referência à situação jurídica imobiliária.


Mesmo não sendo obrigatória a fiscalização ao registrador, pode ocorrer de o título ser qualificado negativamente por inobservância de restrições convencionais, ocasião em que será expedida nota devolutiva (Itens 40 e 41 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da CGJ/SP).

o título original fica custodiado no Registro de Imóveis, sendo digitalizado.

Será dada oportunidade para correção dos vícios, se possível. A nota devolutiva, sempre que possível, deverá ser elaborada de forma clara e simples.

O Ministério Público é ouvido e, após, o Juiz Corregedor Permanente decidirá pela procedência ou não da dúvida.

Caso haja necessidade, a pedido do Juiz ou do Ministério Público, o título original poderá ser remetido em forma física.

Se suscitada a dúvida ou pedido de providências, o prazo de prenotação fica postergada até a decisão final pelo Poder Judiciário.

Caso procedente a dúvida, ou seja, o Oficial do Registro estava certo, o Registrador vai consignar a decisão no protocolo a cancelará a prenotação; se improcedente a dúvida, ou seja, o apresentante tinha razão, o Oficial procederá ao registro quando o título for reapresentado e declarará o fato na coluna de anotações do Protocolo, arquivando o respectivo mandado ou certidão da sentença.

O procedimento da dúvida em qualificação negativa decorrente de limitação convencional (art. 198 da Lei de Registros Públicos), ao menos no Estado de São Paulo, somente terá espaço nas hipóteses de ato de registro stricto sensu (art. 167, I, da Lei Regente).

Da sentença caberá apelação com efeitos devolutivo e suspensivo. Somente podem apelar o interessado, o Ministério Público ou terceiro prejudicado. O Registrador não tem legitimidade recursal no procedimento de dúvida.

A dúvida pode ser suscitada por iniciativa do registrador ou a pedido do interessado.

Quanto à competência recursal para a apelação em caso de dúvida, prevista no art. 202 da Lei de Registros Públicos, no Estado de São Paulo, ela será julgada pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), conforme art. 64, inciso VI, do Decreto Lei Complementar Estadual nº 3/69 e art. 16, inciso IV, do RITJSP6.

Se as exigências não forem cumpridas em até 30 dias, a prenotação perde sua eficácia (art. 205 da Lei de Registros Públicos).

A recusa do Oficial em suscitar a dúvida a pedido do interessado é descumprimento de dever do registrador, nos termos do art. 30, inc. XIII, da Lei 8.935/94, sujeitando-o às penalidades cabíveis. O oficial deve anotar no protocolo a suscitação da dúvida, dando ciência dos termos da dúvida ao apresentante do título, que poderá apresentar sua impugnação e a omissão do apresentante quanto à impugnação não traduz revelia. Após, o Oficial do registro remeterá as razões da dúvidas ao Juiz Corregedor Permanente, acompanhadas do título. Na capital de São Paulo, todas as dúvidas devem ser suscitadas por meio eletrônico, razão pela qual

Essa competência pode variar de estado para estado. Por isso a importância de que sejam conhecidas as regras locais de cada unidade da federação sobre os procedimentos administrativos da Corregedoria Permanente do serviço extrajudicial. Muito embora não haja previsão legal, a jurisprudência admite a chamada dúvida inversa, que tem espa6 AP 9000011-20.1999.8.26.0224, CSM, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, DJ. 29/01/2016.

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ço quando o oficial não a suscita e o interessado ingressa com o pedido de providências. Nesse procedimento, o oficial também deverá prestar informações dos motivos pelos quais não suscitou a dúvida. Por sua vez, se a qualificação negativa no Registro de Imóveis ocorrer com base em restrições convencionais sujeitas a atos de averbação, será suscitado pedido de providências (art. 167, II, da Lei de Registros Públicos), também julgado pela Corregedoria Permanente, em primeiro grau, e com procedimento semelhante à dúvida. Já a competência recursal no pedido de providências cabe à Corregedoria Geral de Justiça, também em regra específica para o Estado de São Paulo, conforme art. 246 do Decreto Lei Complementar Estadual nº 3/69. A pergunta que poderia ainda restar é se, caso haja qualificação positiva do título no Registro Imobiliário, como algum interessado poderá alegar irregularidade do registro ou averbação, com base em descumprimento de limitações convencionais previstas no plano do loteamento. Não caberá dúvida ou pedido de providências, pois tais procedimentos são possíveis apenas na hipótese de qualificação negativa. Diz o art. 214 da Lei de Registros Públicos que as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta, ou seja, independem de procedimento jurisdicional. Contudo, no caso de qualificação positiva equivocada, em afronta às restrições convencionais, não estaremos diante de nulidades de pleno direito, nos dizeres da lei. As nulidades de pleno direito são apenas os vícios reconhecíveis de plano, independentemente de outras provas; dizem respeito ao registro em si, de natureza formal e extrínseca, sem qualquer vinculação ao título. 56 ARISP JUS

O art. 214 da Lei Regente, assim, diz respeito apenas a vícios exclusivos do registro, de modo que, uma vez declarado, o título pode ser novamente apresentado. Mas se o título ofende a alguma limitação convencional, não seria possível a utilização desse dispositivo. Sendo assim, a suposta qualificação positiva equivocada somente poderá ser atacada com aplicação do art. 216 da Lei de Registros Públicos, ou seja, mediante sentença em processo contencioso, como, por exemplo, ação civil pública, ação de obrigação de fazer ou não-fazer, mandado de segurança etc., com o devido processo legal, contraditório e ampla defesa. CONCLUSÃO Percebe-se, assim, a importância de se conhecer profundamente o instituto das restrições convencionais em loteamentos urbanos, tanto quanto à sua natureza como aos seus requisitos materiais e formais. Em muitos casos, por sua força, tais restrições perduram no tempo, por décadas, sem que haja sua expressa revogação ou modificação, criando embaraços dos mais diversos aos sucessores ou futuros adquirentes de lotes naquele loteamento. As controvérsias, na maioria das vezes, não terminam no Registro Imobiliário, mas sim em ações individuais ou coletivas com intermináveis e acalorados debates. Contudo, tal controvérsia nasce no Registro Imobiliário; lá será o seu berço, daí porque o profundo conhecimento de todas as nuances que envolvam os loteamentos urbanos pode fazer com que o Registrador de Imóveis evite diversos problemas futuros, para ele mesmo, e para as partes envolvidas.


ARTIGO

A Lei nº 13.097/2015 tem sido festejada como uma importante inovação no Direito Imobiliário nacional. Tem-se dito que, como decorrência dela, adotou-se no Brasil o que se convencionou chamar de princípio da concentração, que rezaria que deveriam ser levados ao registro imobiliário todos os atos jurídicos pertinentes a imóveis. Tem-se dito, até, que como decorrência desta lei, passamos a ter entre nós a incidência do princípio da fé pública registral.

A PUBLICIDADE REGISTRAL IMOBILIÁRIA DIANTE DA LEI Nº 13.097/2015 Leonardo Brandelli

Doutor em Direito - UFRGS. Mestre em Direito Civil - UFRGS Especialista em Direito Registral - Barcelona/Espanha. Professor de Direito Civil na Escola Paulista de Direito. Coordenador da Revista de Direito Imobiliário - IRIB/Thomsom Reuters.

Percebem alguns na citada Lei um avanço em nosso sistema registral imobiliário, embora não se tenha logrado estabelecer um mote comparativo para especificar onde exatamente residiria tal avanço, e de que forma ele se daria. A problemática que se pretende analisar no presente artigo é a de se realmente tal texto legal trouxe alguma grande inovação ao direito registral imobiliário nacional, ou se trata-se mais de uma ratificação, e talvez uma fortificação, de um sistema de publicidade registral imobiliária que já existia, e que é mantido em sua essência desde o início do Século passado, não como exemplo de um instituto jurássico que se mantém, mas como exemplo de um instituto produto de alta tecnologia jurídica, e que permanece viçoso até hoje. Qual é, enfim, o papel que passou a ter a Lei nº 13.097/2015, em especial seu art. 54, para o registro imobiliário brasileiro? 1. NECESSIDADE DE PUBLICIDADE DAS SITUAÇÕES JURÍDICAS COM EFICÁCIA ULTRA PARTES A publicidade das situações jurídicas que afetem terceiros é instituto jurídico inserido no âmago do direito civil.

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A necessidade de tornar cognoscíveis as relações jurídicas que produzam, ou devam produzir, efeitos perante terceiros – seja de caráter real, seja de caráter pessoal – é uma realidade jurídica que encontrou diferentes respostas ao longo da evolução do Direito. A oponibilidade erga omnes, que é característica fundamental dos direitos reais, bem como da eficácia real dos direitos obrigacionais, não pode ser alcançada pela pura dicção legal, sem que seja dado aos terceiros a possibilidade real de conhecer tais direitos que lhes devem afetar. Mister se faz, para tanto, que haja um meio de cognoscibilidade para os terceiros que não participaram da relação jurídica, mas que podem ser por ela afetados, sem o que, não lhes pode ser oponível a situação jurídica, a qual, portanto, não pode ter eficácia real. Tal cognoscibilidade é alcançada pela publicidade jurídica. A Lei nº 13.097/2015 tem sido festejada como uma importante inovação no Direito Imobiliário nacional. Tem-se dito que, como decorrência dela, adotou-se no Brasil o que se convencionou chamar de princípio da concentração, que rezaria que deveriam ser levados ao registro imobiliário todos os atos jurídicos pertinentes a imóveis. Tem-se dito, até, que como decorrência desta lei, passamos a ter entre nós a incidência do princípio da fé pública registral. Percebem alguns na citada Lei um avanço em nosso sistema registral imobiliário, embora não se tenha logrado estabelecer um mote comparativo para especificar onde exatamente residiria tal avanço, e de que forma ele se daria. A problemática que se pretende analisar no presente artigo é a de se realmente tal texto legal trouxe alguma grande inovação ao direito registral imobiliário nacional, ou se trata-se mais de uma ratificação, e talvez uma fortificação, de um sistema de publicidade registral imobiliária que já existia, e que é mantido em sua essência desde o início do Século passado, não como exemplo de um instituto jurássico que se mantém, mas como exemplo de um instituto produto de alta tecnologia jurídica, e que permanece viçoso até hoje. 58 ARISP JUS

Qual é, enfim, o papel que passou a ter a Lei nº 13.097/2015, em especial seu art. 54, para o registro imobiliário brasileiro? 1. NECESSIDADE DE PUBLICIDADE DAS SITUAÇÕES JURÍDICAS COM EFICÁCIA ULTRA PARTES A publicidade das situações jurídicas que afetem terceiros é instituto jurídico inserido no âmago do direito civil. A necessidade de tornar cognoscíveis as relações jurídicas que produzam, ou devam produzir, efeitos perante terceiros – seja de caráter real, seja de caráter pessoal – é uma realidade jurídica que encontrou diferentes respostas ao longo da evolução do Direito. A oponibilidade erga omnes, que é característica fundamental dos direitos reais, bem como da eficácia real dos direitos obrigacionais, não pode ser alcançada pela pura dicção legal, sem que seja dado aos terceiros a possibilidade real de conhecer tais direitos que lhes devem afetar. Mister se faz, para tanto, que haja um meio de cognoscibilidade para os terceiros que não participaram da relação jurídica, mas que podem ser por ela afetados, sem o que, não lhes pode ser oponível a situação jurídica, a qual, portanto, não pode ter eficácia real. ca.

Tal cognoscibilidade é alcançada pela publicidade jurídi-

Sem um meio eficaz de publicidade, não se terá um efetivo direito real, oponível a terceiros, uma vez que estes o desconhecerão; poder-se-á chamar de direito real, mas em verdade não o será, ou não o será em sua plenitude, por encontrar sérias restrições jurídicas decorrentes da ignorância de sua existência por terceiros1. O mesmo se diga a respeito dos direitos obrigacionais que devam ser oponíveis em relação a terceiros, como certos direitos de preempção, por exemplo: se não forem publicizados, sua oponibilidade esvai-se2. É o que ocorre, por exemplo, com o direito de preempção do locatário de imóvel urbano. 1 Sobre tais direitos, veja-se: VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 9. ed. Coimbra: Almedina, 1996. v. I. p. 1789. 2 Veja-se a respeito: VIVAR, Beatriz Areán de Díaz de. Tutela de los derechos reales y del interés de los terceros. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1979. p. 99.


Em relação a tais direitos pessoais, para que sejam oponíveis a terceiros, há a necessidade de publicidade, tal qual nos direitos reais.

tente de publicidade, e a instituição registral é o meio hodierno eficaz e de primorosa tecnologia jurídica apto a conseguir tal desiderato.

Essa necessidade imperiosa de achar meios eficazes de publicidade para as situações jurídicas com eficácia ultra partes sempre foi compreendida ao longo da evolução histórica das ciências jurídicas, tendo-se oferecido em cada momento histórico o instrumento adequado para tanto.

Como corolário da evolução jurídica, e atendendo uma necessidade cada vez mais premente de cognoscibilidade das situações jurídico-imobiliárias, percebe-se a existência de um caminho natural de valorização cada vez maior da publicidade registral, como meio eficaz de dar a conhecer certas situações jurídicas a terceiros alheios a ela.

Da mesma forma, por exemplo, o direito romano instituía certas formalidades aos negócios jurídicos que pretendessem criar, transmitir ou modificar certos direitos sobre determinados bens. Assim a mancipatio – que consistia na transmissão da propriedade de certos bens mediante uma solenidade específica diante de pelo menos cinco testemunhas especialmente convocadas para o ato – e a in iure cessio – cuja publicidade do direito era alcançada mediante a intervenção judicial e o reconhecimento pelo órgão judicante do direito transmitido3.

Tudo em detrimento do conhecimento efetivo, que tem sido reiteradamente abandonado por ser contrário à segurança jurídica, à segurança do tráfico, à boa-fé objetiva que deve permear as relações jurídicas, à proteção dos adquirentes de direitos publicizáveis (em grande parte consumidores) etc4. Não há, enfim, direito real ou obrigacional com eficácia real, imobiliário, sem que haja sua cognoscibilidade, a qual é alcançada pela publicidade registral imobiliária.

Todavia, o crescimento populacional e a formação de grandes metrópoles, marcadas pela impessoalidade, a industrialização da sociedade, a criação de novos institutos jurídicos que dão vazão a novas necessidades sociais (como a propriedade fiduciária em garantia, por exemplo), a complexidade, enfim, das relações jurídicas e sociais escancarada em uma sociedade de massas e impessoal, tiveram o condão de rapidamente tornar obsoletas as tecnologias publicitárias existentes, reclamando a incoação de outras mais eficientes.

Seja qual for a origem do título, haverá a necessidade de publicidade registral para que se obtenha a eficácia real.

Nesse momento, surge a instituição registral, como fenômeno mais ou menos recente. Aparece como instituição específica e especializada a dar publicidade eficiente a determinadas situações jurídicas. E sua importância é sempre crescente, à medida que, cada vez mais, surgem novas situações jurídicas, e faz-se presente a necessidade da publicidade registral em virtude de os direitos apresentarem a nota de potencialidade de atingir a esfera jurídica de terceiros.

Seja qual for a origem do título - notarial, judicial, administrativo, particular, etc. - no qual está consubstanciada a situação jurídica a ser publicizada, não há oponibilidade a

Os direitos puramente privados e inter partes são cada vez mais raros. As funções social e econômica dos direitos, aliadas ao interesse público que permeia muitos dos institutos jurídicos, fazem que haja uma necessidade cada vez mais la3 KASER, Max. Direito privado romano. Tradução Samuel Rodrigues e Ferdinand Hammerle. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 64-68.

O registro de imóveis brasileiro publiciza todas as situações jurídicas reais e obrigacionais com efeitos reais em relação a bens imóveis5 e as publiciza com a característica da fé pública6 e com a eficácia mínima declarativa, isto é, com a eficácia mínima de tornar oponível erga omnes a situação jurídica publicizada.

4 Veja-se a respeito: ALPA, Guido et al. Istituzioni di diritto privato: a cura di Mario Bessone. 10. ed. Torino: Giappiachelli, 2003. p. 1217 e seguintes. 5 As chamadas cargas ocultas, isto é, situações jurídicas imobiliárias que afetam terceiros e que não estão publicizadas no registro imobiliário, decorrentes, v.g., da lei, existem em todos os sistemas registrais (ALDE GROUP SEMINAR. European property law rights and wrongs. European Land Registry Association – ELRA Annual Publication, n. 4, p. 100-103), e devem ser mantidas no mínimo possível, sendo desejável que não existam. Porém, a sua existência, excepcional, não invalida a regra, ora estabelecida. 6 Aqui entendida com a característica da função registral consistente na credibilidade, com força relativa, daquilo que o Oficial de Registro afirma no exercício da função registral. ARISP JUS 59


terceiros, de direitos imobiliários, sem a sua publicidade registral, a qual tem eficácia ordinariamente relativa7, mas passa a ter eficácia absoluta em relação ao terceiro registral adquirente de boa-fé, que confiou na informação publicizada8. Sem o devido registro, ou o direito não nascerá, ou ele não será oponível erga omnes. É o que preconiza o princípio registral imobiliário da inscrição, decorrente dos arts. 1.227 e 1.245 do Código Civil, bem como dos arts. 167, 169 e 172 da Lei no 6.015/1973. De acordo com referido princípio, os atos previstos em lei como registráveis devem ser, obrigatoriamente, registrados, sob pena de não produção dos efeitos que seriam alcançados com o registro, não importando, para tanto, a origem do título que contém a situação jurídica a ser publicizada, isto é, não importando se trata de escritura pública, instrumento particular, título judicial, título administrativo, ou outro. Em todos os casos, em se tratando de direito real ou obrigacional com eficácia real, imobiliário, a publicidade registral se faz necessária para que se alcance certo efeito declarativo ou mesmo constitutivo. Nos casos apontados, não basta outra forma de publicidade, como, v.g., a processual, ou a notarial. Ou há conhecimento efetivo, no caso concreto, o qual deve ser provado por aquele que alega, ou a cognoscibilidade foi gerada pela publicidade registral imobiliária. No que toca às ditas publicidades notarial e processual, em rigor, não são sequer formas de publicidade, tecnicamente falando, por não conterem os requisitos necessários para tanto. São (formas) públicas, no sentido de serem acessíveis a qualquer pessoa que delas queira tomar conhecimento, mas não são espécies de publicidade, pois não agregam nada no que tange à eficácia do ato, à oponibilidade do ato em relação a terceiras pessoas, elementos essencial de uma instituição publicitária. a carga eficacial da situação jurídica após a adoção da forma pública notarial ou processual continua a mesma, vale dizer, um direito não passa a ser um direito 7 Veja-se nesse sentido, v.g., a decisão do STJ exarada no REsp 664523/CE, da Quarta Turma, sendo Relator o Ministro Raul Araújo, julgado em 21/06/2012. Na mesma linha, a decisão do TJRS na Apelação Cível no 70043271535, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 24/11/2011. 8 Veja-se a respeito: BRANDELLI, Leonardo. Registro de imóveis. Eficácia material. Rio de Janeiro: Forense, 2016 60 ARISP JUS

real porque foi instrumentalizado, o seu ato constitutivo, por instrumento notarial ou processual. Ambas atuam na esfera dos direitos obrigacionais, de eficácia meramente obrigacional. A eficácia real imobiliária somente é dada pelo registro jurídico imobiliário. Mesmo os atos judiciais, relativos a imóveis, que devam ser oponíveis a terceiros que não participaram, de alguma forma, do processo, somente o serão se publicizados no registro imobiliário, não tendo a publicidade processual o condão de tornar os atos praticados no processo oponíveis a terceiros, pois a relação processual é uma relação jurídica e, apesar de pública, é pública no mesmo sentido da publicidade notarial, no sentido negativo, de ser acessível a quem queira tomar conhecimento de seu conteúdo, mas não gera cognoscibilidade, não é uma publicidade ativa. Se o ato processual, que diga respeito a imóveis, pretender tornar-se oponível erga omnes, deverá ser publicizado no registro imobiliário, conditio sine qua non para que alcance a aludida eficácia, salvo, excepcionalmente, quando provarse, no caso concreto, que houve efetivo conhecimento da situação. Dito de modo mais técnico, a forma processualjudicial não é publicidade. Não em matéria imobiliária. A penhora de bem imóvel, v.g., efetivar-se-á no processo, porém somente poderá ser oposta a algum terceiro de boafé, que tenha adquirido o imóvel, se tiver sido averbada na matrícula registral9. As hipotecas judiciais (art. 167, I, 2); as penhoras, arrestos e sequestros (art. 167, I, 5); as citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias (art. 167, I, 21); os julgados que dividirem imóveis ou os demarcarem (art. 167, I, 23); as sentenças que adjudicarem imóveis em pagamento das dívidas da herança (art. 167, I, 24); os atos de entrega de legados, de partilha e de adjudicação (art. 167, I, 25, e II, 14); a arrematação ou adjudicação em hasta pública, ou a remissão (art. 167, I, 26); as sentenças declaratórias de usucapião (art. 167, I, 28); a desapropriação (art. 167, I, 34); a imissão provisória da posse em ação de desapropriação, quando o poder público desapropriante estiver executando parcelamento popular calcado em dita posse (art. 167, I, 36); as sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia (art. 167, I, 37); as decisões judiciais, 9 Ver arts. 240 da LRP, 659, §4º do CPC, e 844 do NCPC. Veja-se a esse respeito a Súmula no 375 do STJ.


recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados (art. 167, II, 12)10; a existência de ação de execução ou fase de cumprimento de sentença, bem como de qualquer outra ação que possa ter repercussão patrimonial, bem assim qualquer constrição judicial (art. 615-A11 do CPC, e art. 799, IX, do NCPC); os atos judiciais que impliquem constituição, alteração, ou extinção de direitos registráveis, sejam reais, sejam pessoais com eficácia real (como, v.g., uma sentença que declare a extinção de um direito real de servidão com fundamento no art. 1.389, III, do Código Civil)12; todos os demais atos judiciais que não tenham previsão legal expressa para registro, mas que de alguma forma imponham algum limite13 ao exercício de referido direito real imobiliário ou direito obrigacional com eficácia real imobiliário, registrável, ou que altere a situação jurídica desse direito (art. 246 da Lei no 6.015/1973)14; devem ser publicizados no registro imobiliário com efeito mínimo declarativo, isto é, para, minimamente, valerem contra terceiros. Em alguns casos, como o da hipoteca judicial, v.g., o registro será, mais do que declarativo, constitutivo. Todos os atos judiciais, enfim, que versarem sobre, e de alguma forma afetarem, direitos reais ou obrigacionais com 10 Todos os dispositivos citados até aqui, neste parágrafo, são da Lei no 6.015/1973. 11 A esse respeito, importante alerta, e que nos parece correto e válido até hoje, fez Sérgio Jacomino por ocasião da inserção do art. 615-A do CPC, ao mostrar que tratava ele somente da execução, porque em relação aos demais tipos de ação com reflexos patrimoniais, já havia previsão legal para a publicidade. Assim manifestou-se o autor: “Quando se diz que a averbação premonitória cinge-se unicamente às execuções, deve-se ter em mente que as demais hipóteses de publicidade registral já estão previstas expressamente em lei. Tratou-se, na última reforma do CPC, de fechar todas as brechas pelas quais ainda era possível transitar as conhecidas exceções. E a mais expressiva delas, sem dúvida nenhuma, era a hipótese de fraude à execução que se presumia e aperfeiçoava extra-tabula” (Averbação premonitória, publicidade registral e distribuidores: a probatio diabólica e o santo remédio. Disponível em: https://arisp.files.wordpress. com/2008/06/016-jacomino-averbacao-premonitoria.pdf, acessado em 16/10/2015, às 22h31m). 12 Vejam-se a respeito: art. 1.387 do Código Civil e art. 167, II, 2, da Lei no 6.015/1973. 13 Como, por exemplo, uma medida de indisponibilidade, tomada no exercício do poder geral de cautela que tem o magistrado. 14 Como ocorre, v.g., no caso de ser reconhecida, judicialmente, a existência de uma união estável, que faça comunicar bem que no registro imobiliário constem como privativo.

efeito real imobiliários deverão ser publicizados no registro de imóveis para terem efeito contra terceiros. Antes disso, o efeito será somente inter partes. Provam essa assertiva, além do que foi dito no parágrafo anterior, em especial os arts. 169, 172, 240 e 259 da Lei no 6.015/1973, bem como os arts. 659, § 4o, e 945 do CPC, arts. 792, 799, 828, e 844 do NCPC, e arts. 1.227, 1.245 e 1.501 do Código Civil. O mesmo vale para os atos notariais. Somente a publicidade registral é publicidade, em seu sentido técnico-civil, no que toca a direitos imobiliários com eficácia ultra partes. E assim o é porque somente o registro imobiliário, instituição publicitária dedicada, contém certos requisitos essenciais a caracterizar alguma instituição como tal, a saber, a destinação a externar, a tornar cognoscível a terceiros determinada situação jurídica, de forma constante (característica que deve sempre estar presente no instituto) e duradoura (a informação publicizada deve estar acessível de forma não efêmera), decorrendo daí algum efeito jurídico em relação a terceiros. O registro imobiliário é dotado de certas características exclusivas e publicitárias, tais como a do trato sucessivo, da especialidade, territorialidade, prioridade, agregação das informações relevantes em um único órgão publicitário especializado, etc. Diante dessas características, o registro não apenas pode conferir eficácia real à situação jurídica publicizada, como pode e deve também consistir em uma limitação da informação necessária para a celebração de atos jurídicos a respeito de tais situações jurídicas, de modo a proteger o terceiro adquirente registral de boa-fé, o qual será protegido se a informação registral não for correta. A LEI Nº 13.097/2015 E A PUBLICIDADE REGISTRAL IMOBILIÁRIA Tudo o que foi acima dito faz parte da sistemática registral imobiliária existente no ordenamento jurídico brasileiro desde o Código Civil de 1.916. Não se trata de explanação a respeito de alguma grande novidade, conforme as indicações legislativas expostas acima comprovam. ARISP JUS 61


Diante de tal cenário, cumpre perguntar se a Lei nº 13.097/2015 representa mesmo alguma grande inovação, conforme se tem festejado, ou se ratifica, apenas, o que já existia. A resposta parece tender para esta última possibilidade. O sistema permanece exatamente como já era: todas as situações jurídicas imobiliárias que devam exalar eficácia ultra partes, tenham a origem que tiverem - notarial, judicial, administrativa ou particular - devem ser publicizadas para que se alcance a eficácia real, isto é, para que sejam oponíveis erga omnes. Sem a publicidade, permanece-se na esfera da eficácia obrigacional regular, inter partes. A publicidade registral dos atos previstos no art. 54 da Lei n. 13.097/2015 já era obrigatória para aqueles que pretendessem alcançar a eficácia real. E, o terceiro de boa-fé, que adquirisse confiando nessa informação, já era protegido pela sistemática da publicidade registral existente entre nós antes do advento da Lei nº 13.097/2015. Deste modo, nada inovou a Lei. Teve ela, entretanto, duas virtudes inegáveis. A primeira, foi a de trazer à tona, novamente, a discussão a respeito da eficácia material do registro imobiliário, tornando possível colocá-la no rumo certo, resgatando-a das tortuosas digressões a que foi submetida em certos momentos, sem o devido estudo sistemático. Voltou-se a discutir o tema da eficácia material do registro imobiliário. A segunda, é a de ratificar o sistema registral existente, sua eficácia, e a necessidade de serem publicizadas certas situações jurídicas sob pena de não se obter certo efeito jurídico15. Todavia, não nos parece haver nela alguma novidade jurídica em relação ao sistema registral imobiliário ou sua eficá15 Interessante notar que o mesmo ocorreu com a penhora de direitos imobiliários, cuja necessidade de publicidade para galgar a eficácia erga omnes constava já no art. 240 da Lei nº 6.015/73, mas somente “pegou” com a redação dada ao art. 659, §4º, do CPC, em 2006, que, em nosso entender, apenas ratificou o que já havia na lei. 62 ARISP JUS

cia. Continua tudo como já era. Não parece também ter sido instituído por tal lei, ao contrário do que se tem propalado, algum princípio da concentração, que diria que todos os atos jurídicos atinentes a imóveis devem ser publicizados na matrícula. A um, porque como se viu, o ônus jurídico de publicidade registral de todas as situações jurídicas reais ou obrigacionais com eficácia real já existia desde há muito tempo, como decorrência do que se convencionou chamar de princípio da inscrição, e nisso a Lei nº 13.097/2015 apenas diz mais do mesmo, ratifica, mas em nada inova. A dois, porque não parece decorrer do ordenamento jurídico, tácita ou expressamente, uma nova norma jurídica, denominada princípio da concentração, pois que tal conteúdo normativo já está, parece-nos, contido no chamado princípio da inscrição, acima analisado. A três, finalmente, porque a norma jurídica que há é a que diz que todas as situações jurídicas imobiliárias que pretendam ter eficácia ultra partes devem ser publicizadas no registro imobiliário, com efeito mínimo declarativo, sendo que tais situações, têm, como vimos, previsão legal para a publicidade. É o chamado princípio da inscrição16. Não há um novo conteúdo a criar uma nova norma jurídica, de modo que parece não haver o chamado princípio da concentração. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALDE GROUP SEMINAR. European property law rights and wrongs. European Land Registry Association – ELRA Annual Publication [S.l.], n. 4, p. 100-103, 2011. ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Publicidade e teoria dos registros. Coimbra: Almedina, 1966. ALPA, Guido. Corso di diritto contrattuale. Padova: Cedam, 2006. ALPA, Guido et al. Istituzioni di diritto privato: a cura di Mario Bessone. 10. ed. Torino: Giappiachelli, 2003. BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Tradutor e anotador Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2003. t. II. BRANDELLI, Leonardo. Registro de imóveis. Eficácia material. Rio de Janeiro: Forense, 2016. BREBBIA, Roberto H. Hechos y actos jurídicos. Buenos Aires: Astrea, 1995. t. II. CHICO Y ORTIZ, José María. Estudios sobre derecho hipotecario. 4. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000. t. I.

16 CHICO Y ORTIZ, José María. Estudios sobre derecho hipotecario. 4. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000. t. I. p. 186.


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ARTIGO

O CONTROLE ADMINISTRATIVO DE CLÁUSULAS ABUSIVAS REALIZADO POR NOTÁRIOS E REGISTRADORES DE IMÓVEIS Ivan Jacopetti do Lago

Mestre em Direito Civil e Doutorado em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Oficial do Registro de Imóveis e Anexos de Paraguaçu Paulista- SP.

1) As cláusulas abusivas no direito civil e no direito do consumidor. Considera-se abusiva a cláusula que, inserta em um dado contrato, denota excessiva superioridade de uma das partes contratuais, bem como uma unilateralidade em seu estabelecimento, ou seja, sua imposição por uma das partes contra a outra. O Código Civil de 2002, tal como o Código de 1916, não tratou de forma sistemática e específica deste tema. Apenas o fez em questões pontuais, como na condição puramente potestativa (art. 122), ou na renúncia antecipada a direito resultante da natureza do negócio em contrato de adesão (art. 424). No entanto, apesar de o código não contar com a previsão de uma regra expressa de nulidade aplicável às cláusulas abusivas, isto não significa que sejam reputadas válidas. Tais cláusulas são repelidas pelo princípio da função social do contrato, tendo em vista sua danosidade social1, bem como pelo princípio do equilíbrio contratual2, tendo em vista que agravam a situação da parte mais fraca – por exemplo, do aderente em um contrato de adesão – e mesmo pelo princípio da boa-fé objetiva, uma vez que são claras violações à esperada lealdade entre os contratantes3. O controle das cláusulas abusivas deriva, portanto, dos princípios gerais do sistema4. O uso da técnica da cláusula geral na previsão legal dos princípios da função social e do equilíbrio contratual acabam por criar um “mandato” ao juiz, com vistas ao preenchimento de seu conteúdo. Caberá ao julgador valorar, com critérios jurídicos ou mesmo metajurídicos, quais são as hipóteses de sua aplicação, bem como a extensão de seus efeitos5. Oras, como se verá, a qua1 Cf. C. L. BUENO DE GODOY, Função Social do Contrato, p. 169. 2 Cf. C. L. BUENO DE GODOY, Função Social do Contrato, p. 49. 3 Cf. C. L. BUENO DE GODOY, Função Social do Contrato, p. 49. 4 Cf. D. L. MACHADO DE MELO, Cláusulas contratuais gerais, p. 140. 5 Cf. C. L. BUENO DE GODOY, Função Social do Contrato, p. 108.

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lificação notarial e registral, não obstante constitua atividade jurídica, pauta-se por uma legalidade mais estrita. Segundo Ricardo Dip, a qualificação – atividade jurisprudencial – também aplica a lei ao caso concreto, mas tem por norte o justo legal, e o certo6. O registrador interpreta a lei não apenas de maneira literal, mas também em todo seu contexto sistemático. Não lhe cabe, porém, integrar lacunas por meio da determinação eqüitativa do direito7. Tal acabará, a princípio, por inviabilizar o controle de cláusulas abusivas por estes profissionais nas relações paritárias, com a possível exceção de situações reiteradamente declaradas abusivas pelos tribunais – a quem, em última instância, cabe a concretização do conteúdo dos princípios8. Já o Código de Defesa do Consumidor optou por tratar do tema expressamente, prevendo, por um lado, a enunciação de uma regra geral, e, por outro, o arrolamento de um conjunto de situações específicas, cominando a todos os casos a mesma conseqüência: sua nulidade. São, portanto, hipóteses semelhantes à chamada “lista negra” do direito alemão. Estas, previstas atualmente no parágrafo 309 do BGB, seriam consideradas nulas, sem possibilidade de apreciação pelo juiz das circunstâncias do caso9. Estariam na lista negra cláusulas que permitissem aumento arbitrário de preço, previssem renúncia antecipada a direito de retenção, exclusão de responsabilidade por culpa grave, dentre outras. Dessa forma, diante do escopo da qualificação pelos notários e registradores, e pela sua busca do “justo legal”, é adequado dizer que cabe a estes profissionais impedir o acesso aos livros notariais e registrais dos negó6 Cf. R. Dip,Sobre a qualificação no registro de imóveis, in, Registro de Imóveis (Vários Estudos), p. 189. 7 Cf. R. Dip,Sobre a qualificação no registro de imóveis, in, Registro de Imóveis (Vários Estudos), p. 190. 8 Cf. K. LARENZ, Metodologia da ciência do direito, p. 675. 9 Cf. D. L. MACHADO DE MELO, Cláusulas abusivas, leoninas e potestativas. Parâmetros normativos do Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. Rumo a uma teoria geral do controle da abusividade?, in, 20 anos do Código de Defesa do Consumidor, conquistas, desafios e perspectivas, p. 251.

cios eivados de cláusulas abusivas tão somente quando reputadas de nulidade por previsão legal expressa, ou então nas situações em que, como decorrência de violação de princípios, sejam reiteradamente reconhecidas como nulas pelos tribunais. 2) O controle administrativo das cláusulas abusivas. A par do controle realizado pelo judiciário – repressivo e posterior à celebração do contrato, e, em geral, somente trazido à baila na hipótese do inadimplemento – tem-se a possibilidade de um controle administrativo da abusividade das cláusulas, com caráter preventivo. Considera-se controle administrativo aquele feito por entidade pública distinta do Poder Judiciário quando atua jurisdicionalmente, no qual algum órgão público intervém, a qualquer título, no contrato. E sendo controle preventivo, tem por objetivo impedir que cláusulas abusivas cheguem a integrar os contratos10. São exemplos no direito estrangeiro – especificamente quanto às cláusulas contratuais gerais – o Ombudsman do consumidor na Suécia e o Fair Trading Office na Inglaterra11, bem como o Registro de Condiciones Generales de La Contratacion, previsto na Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios da Espanha12. De forma análoga, ao ser cometida aos notários e registradores pelo artigo 1º da Lei 8.935/97 responsabilidade pela autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, cria-se para tais profissionais do direito um poder-dever de realizar este controle administrativo. Deverão negar acesso aos livros de notas e de registro 10 Cf. D. L. MACHADO DE MELO, Cláusulas abusivas, leoninas e potestativas. Parâmetros normativos do Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. Rumo a uma teoria geral do controle da abusividade?, in, 20 anos do Código de Defesa do Consumidor, conquistas, desafios e perspectivas, p. 242. 11 Cf. D. L. MACHADO DE MELO, Cláusulas contratuais gerais, p. 105. 12 Real Decreto Legislativo 1/2007. ARISP JUS 65


dos atos eivados de nulidade, o que, como se verá, com certas limitações, abrange as cláusulas abusivas do direito do consumidor.

cífico, não sendo o caso de se falar em influência sistemática do Código de Defesa do Consumidor no Código Civil.

3) A qualificação da relação jurídica como civil ou

Resta a terceira modalidade: é possível aplicar as duas leis de forma coordenada, de modo a serem transpostas as regras da lei consumeirista ao direito comum, em havendo caso que o exija? Não obstante a resposta pareça ser positiva, novamente haverá aqui a necessidade de pronunciamento judicial, no tocante a exigir o caso concreto ou não esta transposição. Não cabe aos tabeliães e oficiais realizar análises da situação concreta subjacente aos negócios que lhes são apresentados; mais do que isso, não lhes cabe decidir se uma regra é ou não aplicável fora dos limites da subsunção estrita, sob pena de se invadir a esfera reservada à jurisdição.

de consumo. Como se viu, a existência de uma “lista negra” no Código de Defesa do Consumidor, e a nulidade de pleno direito das cláusulas nela contidas, propicia a atuação dos notários e registradores de imóveis no controle da abusividade nas relações de consumo. E, como se viu também, tal não ocorre nas relações civis, mostrando-se quanto a estas, em princípio, imprescindível a atuação judicial. No entanto, deve-se indagar se o rol contido no Código de Defesa do Consumidor não poderia ser automaticamente transposto às relações paritárias, possibilitando o controle preventivo quando surgissem em contratos civis. Segundo Cláudia Lima Marques13, o chamado “diálogo” entre Código Civil e Código de Defesa do Consumidor pode ocorrer de três maneiras: 1) aplicando-se as duas leis simultaneamente, servindo uma para fornecer conceitos à outra; 2) pela influência recíproca sistemática, em que os fins e princípios de cada uma das leis influem na outra; e 3) aplicando-se coordenadamente as duas leis, de forma que, em havendo um caso concreto que o exija, possa uma delas oferecer regras que a outra não contém ou que contém inadequadamente. O problema não trata meramente de fornecimento de conceitos, mas sim da transposição de uma regra de nulidade, donde inaplicável a primeira modalidade de diálogo. Ainda, o problema cinge-se a um ponto espe13 Cf. C. L. MARQUES, Diálogo das fontes, in, Manual de Direito do Consumidor, p. 114; C. L. MARQUES, Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o código de defesa do consumidor e o Código Civil de 2002 , in, Princípios do Novo Código Civil Brasileiro e outros temas – homenagem a Tullio Ascarelli, p. 138. 66 ARISP JUS

Portanto, deve-se concluir que não obstante seja possível o diálogo no tocante às cláusulas abusivas, tal não poderá ser feito automaticamente, devendo oficiais e tabeliães separar os contratos de consumo dos contratos paritários que lhes são apresentados. Apenas quanto aos primeiros realizarão o controle administrativo, baseando-se diretamente na lei, admitindo-se, quanto às relações paritárias, que o façam se houver reiteradas manifestações da jurisprudência transpondo uma certa regra ao direito comum. E como deve fazer esta distinção? Segundo Cláudia Lima Marques14, a relação de consumo se identifica pela presença do fornecedor, definido no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, e caracterizado pelo desenvolvimento de atividades profissionais. Tal restará cristalino no concernente a loteadores e incorporadores que alienem imóveis. Nesse sentido já decidiu a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, em caráter normativo, que o loteador é considerado fornecedor e o adquirente consumidor15. 14 Cf. C. L. MARQUES, Campo de Aplicação do CDC, in, Manual de Direito do Consumidor, p. 100. 15 Cf. decisão proferida nos autos 1816/94 da egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.


E quanto ao particular que, com habitualidade, compra terrenos para revender, com ou sem construção de prédios? Em tais casos, não obstante se vislumbre a possibilidade de enquadramento no conceito de fornecedor, a necessidade de análise de elementos estranhos ao negócio novamente constituirá objeto que foge ao escopo da qualificação notarial e registral. Conclui-se, portanto, que em havendo dúvida, deverá o oficial presumir que o contrato se dá entre iguais, restando ao adquirente que eventualmente se veja prejudicado por cláusula abusiva buscar socorro na via judicial. 4) A legalidade e a qualificação notarial e registral: os limites na qualificação. Pelo princípio da legalidade a validade de um registro ou de uma averbação no Registro de Imóveis depende da validade do negócio jurídico que lhe deu causa. Há, para impedir a invalidade dos registros, um “filtro” que impede a passagem de negócios que violem a lei – o exame feito pelo oficial16. A lei não especifica o alcance deste exame. Contudo, não é pleno e ilimitado, sob pena de se investir o oficial de jurisdição, o que não ocorreu quando a Constituição Federal tratou do tema17. De todo modo, devem ser reconhecidas e rechaçadas as nulidades de pleno direito do negócio18. Há controvérsia quanto às anulabilidades. Entretanto, por ter o Código de Defesa do Consumidor cominado a sanção de nulidade às cláusulas abusivas, a discussão não se aplica à questão sob análise. Também ao notário cabe o mister de avaliar a juridicidade dos negócios que lhe são submetidos. Há na atividade notarial um aspecto de polícia jurídica, pelo qual é verificada a conformidade do negócio com o direito. Atos que o violem devem ser reformulados, ou, se tal não for possível, deverá o notário recusar-se a de16 Cf. A. de CARVALHO, Registro de Imóveis, p. 250. 17 Cf. A. de CARVALHO, Registro de Imóveis, p. 253. 18 Cf. A. de CARVALHO, Registro de Imóveis, p. 256.

les tomar parte. E tal abrange cláusulas nulas, como as cláusulas abusivas do direito do consumidor19. Por outro lado, tal como ocorre com o registrador, não cabe ao notário valorar a vontade das partes fora dos ditames da lei. Deverá ter em mente que vigora no direito privado a autonomia da vontade, apenas rechaçando aquilo que for expressamente proibido. 5) O controle das cláusulas abusivas pelo tabelião de notas. Como se viu, cabe ao tabelião uma atividade de “polícia jurídica”, pela qual recusa-se a lavrar instrumentos que contenham nulidades. Sua atividade diferencia-se da qualificação realizada pelo registrador, na medida em que não se restringe à análise de um título formalizado, mas abrange todo o negócio. Uma vez autorizando o ato, está sinalizando que o que consta da escritura é correto e de acordo com a lei20. Ainda, a conseqüência de um juízo negativo de legalidade será a não realização do ato, ao passo que a conseqüência da qualificação negativa pelo registrador de imóveis é a formulação da nota devolutiva. O tema tem sido objeto de atenção nas discussões relativas à unificação do direito europeu dos contratos21, cabendo ao notário - observador imparcial da relação jurídica – proteger a parte mais fraca ao esclarecê-la sobre as consequências do negócio e negar-se a nele incluir as cláusulas abusivas.

19 Cf. L. BRANDELLI, Teoria Geral do Direito Notarial, p. 128. 20 Cf. M. C. ZUVILIVIA, El notario y la seguridad jurídica, p.159. 21 Cf. Prise de position de la Conférence des Notariats de l'Union Européenne relative au rapport de la Commission du 27 avril 2000 sur l'application de la directive 93/13/CEE concernant les clauses abusives dans les contrats conclus avec les consommateurs COM (2000) 248 final; C. HERTEL, Preventive consumer Protection in an Optional Instrument - A Practitioner’s View, in, Notarius International 3-4/2002, p. 225. ARISP JUS 67


Desse modo, vislumbrando a presença de cláusulas abusivas no negócio, deverá recusar-se a praticar o ato. No entanto, como não é dado ao tabelião valorar o negócio fora da estrita legalidade, tal somente poderá ocorrer nas hipóteses previstas em lei, como as do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor. Recusa fundada em mera suspeita de abusividade poderá ensejar a responsabilização civil e administrativa do tabelião. Sua função é realizar o direito, e não atravancar o tráfego jurídico22. Na Espanha, tem-se a mesma conclusão. Admitir que o tabelião possa recusar-se a lavrar um ato sem violação flagrante à lei implicaria em tratar como discricionária uma prestação de serviço que é obrigatória. Por outro lado, admite-se a recusa se houver sentença declarando a abusividade registrada no Registro das Condições Gerais de Contratação, ainda que não se trate de caso expresso em lei, mas de construção jurisprudencial23. 6) O controle das cláusulas abusivas pelo registro de imóveis. 6.1) O controle na qualificação dos contratos de consumo que buscam ingresso no registro. Como se viu, o registrador de imóveis qualifica a legalidade dos negócios apresentados ao registro, vedando seu ingresso na matrícula do bem quando seu conteúdo for incompatível com a lei24. 22 Cf. M. C. ZUVILIVIA, El notario y la seguridad jurídica, p.174. 23 Cf. J. PEREZ HEREZA, Clausulas abusivas em La contratacion en masa – los mecanismos de protección de lo consumidor bancário, in, El Notario Del Siglo XXI, 30. 24 Verificar, a esse respeito, o decidido no Processo 1014/03 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, no qual ficou assentado que “a propósito desta qualificação, deste controle, que o princípio da legalidade impõe, sobre o conteúdo das cláusulas de contrato padrão, que, não raro, acabam inclusive malferindo a disposição protetiva e imperativa do consumidor, a cuja configuração se adequam os adquirentes originais de lotes, o Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de assentar, citando justamente o exemplo daquelas espécies de contratos, que "em que 68 ARISP JUS

E, como se viu, o Código de Defesa do Consumidor tem disposições imperativas, eivando de nulidade as cláusulas que especifica. Assim, em princípio, é cabível a vedação pelo oficial do registro de título – revestido de qualquer forma, mesmo a de Escritura Pública – que encerre uma relação de consumo e contenha cláusula abusiva. No entanto, em decisão proferida em 1996, o Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo acolheu recurso contra dúvida suscitada pelo 7º Registro de Imóveis da Capital, em que fora recusado contrato que previa a perda pelo promissário comprador de todas as parcelas pagas e benfeitorias realizadas no imóvel, na hipótese de resolução do contrato. Entendeu o Conselho ser admissível, a princípio, a análise pelo registrador da legalidade das cláusulas contratuais. No entanto, entendeu que esta análise envolve sempre dificuldades operacionais, pois será baseada somente naquilo que o título mostra em sua face. E acabou por ordenar o registro, pelo argumento de que negá-lo sujeitaria o consumidor a um duplo prejuízo: a cláusula abusiva em si e, ainda, a carência dos efeitos proporcionados pelo registro – a oponibilidade erga-omnes de seu direito real de aquisição25. 6.2) O controle no arquivamento do contrato padrão de loteamentos. O controle das cláusulas abusivas em contratos padrão de loteamento apresentados quando do seu registro é algo de certa forma já consolidado, havendo mesmo previsão de sua realização nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo26. Tal previsão não faz menção expressa ao artigo 51 pese a natureza eminentemente instrumental do registro imobiliário, pode o exame da legalidade adentrar as cláusulas convencionadas, quando nulas de pleno direito, por ferirem normas de ordem pública." (Apelação Cível n. 31.282-0/8, rel. Márcio Bonilha)”. 25 Cf. acórdão proferido pelo Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo nos autos 031282-0/8. 26 Cf. Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, Capítulo XX, item 188: “O contrato-padrão não poderá conter cláusulas que contrariem as disposições previstas nos


do Código de Defesa do Consumidor (não obstante remeta a este código de maneira geral), mas sim a artigos específicos da Lei 6.766/76. No entanto, a mesma ratio é aplicável na análise de cláusulas que conflitem com disposições imperativas presentes em qualquer dos dois diplomas. Esta idéia é partilhada por Daniel Áureo de Castro e por Vicente de Abreu Amadei27. Segundo este último, a propósito, é ampla a atuação do registrador neste mister. O autor cita uma série de cláusulas vedadas expressamente pela Lei 6.766/76 e pelo Código de Defesa do Consumidor, tais como cláusula de retratabilidade, cláusula impeditiva de adjudicação compulsória ou de registro, cláusula que vede cessões do contrato ou as condicionem à anuência do loteador; cláusulas que considerem extinto o contrato em ocorrendo falência ou insolvência de qualquer das partes, ou que o considerem automaticamente resolvido em havendo inadimplemento; cláusula de não indenizar acessões ou benfeitorias necessárias ou úteis, que determine a utilização compulsória de arbitragem, ou ainda que estipule pagamento em ouro ou moeda estrangeira28. Indo mais além, no entanto, indica uma série de situações em que pode haver alguma margem de interpretação, e que, no entanto, deveriam passar pelo crivo do registrador: a estipulação de cobrança de taxas de administração para outorga da escritura definitiva, ou para a anuência em cessões; a previsão de mais de um indexador para reajuste de parcelas, com prevalência de algum que atinja índice maior; a previsão de perda de parcelas pagas, a indicação de percentual de multa arts. 26, 31, §§ 1º e 2º, 34 e 35 da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, bem como na Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 (Código do Consumidor)”. Verificar, também, o decidido no Processo 1.816/94 da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. 27 Cf. V. A. AMADEI e V. C. AMADEI, O parcelamento do solo urbano em seus aspectos essenciais – como lotear uma gleba, p. 168; D. A. de CASTRO, Reflexões sobre o direito imobiliário à luz do Código de Defesa do Consumidor, in, 20 anos do Código de Defesa do Consumidor, conquistas, desafios e perspectivas, p. 314. 28 Cf. Cf. V. A. AMADEI e V. C. AMADEI, O parcelamento do solo urbano em seus aspectos essenciais – como lotear uma gleba, p. 170.

moratória, ou a cobrança de custos de obras de infra-estrutura29. Em que pese a salutar atuação do registrador no controle preventivo, e a extensão desta proposta por Amadei, parece que negar acesso a contratos com cláusulas sobre cuja legalidade paire dúvida dependeria de uma reformulação do princípio da legalidade que rege os registros públicos; seria necessária uma legalidade que fosse além do confronto do título com a lei posta, abrangendo também o sistema jurídico como um conjunto de regras e princípios, de cuja conjugação encontraria o preceito aplicável ao caso concreto. No entanto, tal abrangência de certa forma atribuiria ao registrador a possibilidade de dizer o direito – e, como se viu, a estes profissionais não houve outorga de jurisdição pela Constituição Federal. 7) Conclusões. O controle administrativo das cláusulas abusivas por notários e registradores de imóveis é algo necessário, e saneia o tráfego jurídico, com proteção do hipossuficiente. É admissível somente nas relações de consumo, e sempre que houver cláusula que viole frontalmente os incisos do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor. Violações que não sejam frontais devem ser avaliadas com cuidado, e, na dúvida, deverão os notários e registradores presumir a validade da disposição – salvo se houver jurisprudência consolidada no sentido de sua invalidade. A propósito, seria de todo conveniente que estudos fossem realizados de maneira a se ter um panorama atual da jurisprudência relacionada ao tema. No âmbito da atuação dos tabeliães, implicará na recusa destes em lavrar o instrumento maculado pela 29 Cf. Cf. V. A. AMADEI e V. C. AMADEI, O parcelamento do solo urbano em seus aspectos essenciais – como lotear uma gleba, pp. 171-179. ARISP JUS 69


abusividade, sob pena de responsabilidade civil e administrativa; e no âmbito da atuação dos registradores de imóveis, na recusa ao registro de contrato que as contenha, ou de arquivamento de contrato padrão viciado em sede de registro de loteamento. Por fim, não obstante se trate, em tese, de medida salutar, uma maior abrangência do controle de abusividade pelos notários e registradores dependeria de uma revisão do conteúdo do princípio da legalidade tal como aplicado à atividade notarial e registral. 8) Bibliografia. AMADEI, Vicente de Abreu; AMADEI, Vicente Celeste, O parcelamento do solo urbano em seus aspectos essenciais – como lotear uma gleba, 2ª Edição, Campinas, Millenium, 2003. BUENO DE GODOY, Cláudio Luiz, Função Social do Contrato, 3ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2009. BRANDELLI, Leonardo, Teoria Geral do Direito Notarial, 2ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2007. CARVALHO, Afrânio de, Registro de Imóveis, 1ª Edição, Rio de Janeiro, Forense, 1976. CASTRO, Daniel Áureo de, Reflexões sobre o direito imobiliário à luz do Código de Defesa do Consumidor, in, 20 anos do Código de Defesa do Consumidor, conquistas, desafios e perspectivas, São Paulo, Saraiva, 2011. DIP, Ricardo, Sobre a qualificação registral, in Registro de Imóveis (Vários Estudos), 1ª Ed., Porto Alegre, safE, 2005. HERTEL, Christian, Preventive consumer Protection in an Optional Instrument - A Practitioner’s View, in, Notarius International (3-4) (2002). LARENZ, Karl, Metodologia da ciência do direito, 4ª Edição, Lisboa, Calouste, 2005. MACHADO DE MELO, Diogo Leonardo, Cláusulas contratuais gerais, 1ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2008. _________________________, Cláusulas abusivas, leoninas e potestativas.Parâmetros normativos do Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. Rumo a uma teoria geral do controle da abusividade?, in, 20 anos do Código de Defesa do Consumidor, conquistas, desafios e perspectivas, São Paulo, Saraiva, 2011. MARQUES, Cláudia Lima, Diálogo das fontes, in, Manual de Direito do Consumidor, 3ª Edição, São Paulo, RT, 2010. ____________________, Campo de Aplicação do CDC, in, Manual de Direito do Consumidor, 3ª Edição, São Paulo, RT, 2010. __________________, Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o código de defesa do consumidor e o Código Civil de 2002 , in, Princípios do Novo Código Civil Brasileiro e outros temas – homenagem a Tullio Ascarelli, 2ª Edição, São Paulo, Quartier Latin, 2010. PEREZ HEREZA, Juan, Clausulas abusivas em La contratacion en masa – los mecanismos de protección de lo consumidor bancário, in, El Notario Del Siglo XXI (30). ZUVILIVIA, Marina, El notario y la seguridad jurídica, 1ª Edição, Rosario, Editorial Libreria Juris, 2008.

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ARTIGO

AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE Júlio Cesar Sanchez

Advogado, Assessor Procurador Municipal, professor em mais de 26 Universidades e Instituições de Ensino no Brasil. Mestre em Políticas Sociais (créditos concluídos). Doutorando pela PUC. 19 especializações (IPESP/ FGV).

A aquisição da propriedade imóvel, a posse, e o aproveitamento econômico do solo sempre foram cobiçados pelo homem, seja porque nos primórdios da civilização a terra era sinônimo de poder e soberania, o que ocorre até hoje. Atualmente a aquisição de bem imóvel é considerada por muitos o investimento mais seguro e rentável. A raiz histórica da propriedade encontra-se no direito romano, e esse será nosso ponto de partida. Antes do surgimento do comércio de trocas e das cidades, o homem havia fixado na atividade agrícola. Justamente em razão dessa condição surgiram duas espécies de propriedade: a comum, pertencente ao grupo, e as particulares, destinadas às famílias. Essas são justamente as duas formas de propriedade coletiva existentes no direito romano, a da gens e a da família. Nos primórdios dessa comunidade, a propriedade era da cidade ou gens, e cada indivíduo possuía restrita porção de terra, sendo alienáveis apenas os bens móveis. Tal espécie de propriedade desapareceu e sobreveio a da família, que futuramente foi aniquilada pelo fortalecimento do pater familias. Paulatinamente a propriedade coletiva deu lugar à propriedade privada até atingir o que denominamos hodiernamente modo capitalista de exploração da propriedade, ou seja, seu dono pode explorá-la de modo absoluto. A Idade Média rejeitou a propriedade exclusiva do direito romano e foi marcada pelo sistema feudal. A economia feudal possuía base agrária, vale dizer, a agricultura era a atividade responsável por gerar a riqueza social. Como na maioria das sociedades antigas, ter terra significava possuir riqueza. Os proprietários rurais eram denominados senhores feudais, e os trabalhadores eram chamados de servos. O território do feudo era dividido em três partes: a) o domínio: parte da terra reservada exclusivamente ao senhor feudal e trabalhada pelo servo; b) a terra comum: matas e pastos que podiam ser utilizados pelo senhor feudal e pelos servos; c) o manso servil: parte destinada aos servos. Depreende-se, pois, que no sistema feudal existiam domínios concomitantes sobre a mesma propriedade. Sobre o manso servil, vale ressaltar que essa porção de ARISP JUS 71


terra era dividida em lotes ou glebas, e cada servo tinha direito a um lote. Verificamos assim que a divisão da terra em unidades já era feita pelo menos desde a Idade Média, como forma de melhor aproveitamento econômico do solo. No início das civilizações as formas originárias da propriedade tinham feição comunitária. Exemplo disso é a situação dos indígenas ao tempo do descobrimento do Brasil. Naquele período havia domínio comum das coisas úteis entre os que habitavam a mesma oca, sendo a propriedade individual restrita a certos bens móveis, como rede, armas e utensílios de uso próprio. O solo era pertencente a toda a tribo, e ainda assim de forma temporária, uma vez que os índios não se fixavam na terra, mudando de cinco em cinco anos. Dando um salto histórico e nos aproximando dos dias de hoje, chegamos a São Paulo da década de 50, que contava com aproximadamente um milhão de habitantes. No período que se inicia após a Segunda Grande Guerra, especialmente nos anos do governo Juscelino Kubitschek, ocorreu o grande êxodo rural em nosso país, impulsionando pela força de trabalho excedente devido à mecanização na área rural. Diante desse cenário, sobreveio o que os geográficos denominam “urbanização”: processo social que consiste na liberação de indivíduos das atividades de plantio e coleta de alimentos, criando uma corrente migratória do campo em direção às cidades. Podemos afirmar também que urbanização é o aumento da população urbana sobre a rural, que se dirige às cidades em busca de empregos e serviços públicos. Nota-se, pois, que o processo de urbanização das cidades foi absolutamente caótico, resultando em inúmeros problemas, com os quais convivemos diariamente: enchentes provocadas pela impermeabilidade do solo e ocupação de áreas de várzea, deficiência do sistema de transporte, congestionamento, precariedade do saneamento básico e falta de segurança. Especialmente na Cidade de São Paulo, o crescimento desordenado gerou excessiva verticalização da região central, sobrecarregando vias de acesso e ocasionando a ocupação 72 ARISP JUS

das regiões periféricas, em geral por meio de construções irregulares. Além disso, na década de 70 tivermos a proliferação das favelas que, desde então, crescem em progressão geométrica. Apesar do crescimento desordenado, empreendedores notaram que era a hora de investir no mercado imobiliário e, nesse cenário, surgiram alguns personagens dedicados à questão imobiliária e responsáveis pelo forte aquecimento do setor, como construtoras, incorporados e imobiliárias. A par desse contexto, o estudo imobiliário tem-se mostrado imprescindível para os militares da área. A primeira grande questão que se coloca é a autonomia desse ramo do direito, tendo em vista que se trata de uma disciplina com estrutura e princípios próprios. Desse modo, conceituados o direito imobiliário como o conjunto de normas que regula a propriedade imóvel em todas as suas perspectivas. Como consequência, frequentemente outros ramos do direito se entrelaçam com o direito imobiliário. Exemplo: o direito da família quanto trata de partilha de imóveis, o direito das sucessões quando cuida dos bens imóveis, o direito das sucessões quando cuida dos bens imóveis a serem partilhados para a posterior elaboração do formal de partilha, o direito tributário quando calcula o imposto incidente em cada transmissão etc. O direito real ou direito das coisas é o conjunto de normas que rege as relações jurídicas concernentes aos bens materiais ou imateriais suscetíveis de apropriação pelo homem. É o direito que recai diretamente sobre a coisa e a vínculo em face de seu titular. O titular de um direito real possui um vínculo com a coisa, podendo buscá-la em poder de quem quer que a possua por força do direito de sequela. É o vínculo entre a pessoa e a coisa. O direito real difere do direito pessoal (ou das obrigações) uma vez que no direito pessoal existe uma relação envolvendo pessoas entre si, ao passo que no direito pessoal existe uma relação envolvendo pessoas entre si, ao passo que no direito real a relação é entre a pessoa


e a coisa, podendo seu titular defendê-la contra todos. Os direitos reais são limitados por lei, seu rol é taxativo, sendo vedada a criação de novas espécies por arbítrio das partes. O art. 1.225 do CC enumera as hipóteses de direitos reais: propriedade, superfície, servidões, usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador do imóvel, penhor, hipoteca, anticrese, concessão de uso especial para fins de moradia e concessão de direito real de uso. Versa o direito real, portanto sobre a posse, a propriedade (imóvel, móvel, resolúvel e imaterial) e os direitos reais sobre coisa alheia. Cuidaremos mais detidamente da posse e da propriedade no decorrer deste trabalho. Os direitos reais sobre coisa alheia. Cuidaremos mais detidamente da posse e da propriedade no decorrer deste trabalho. Os direitos reais sobre coisa alheia, por sua vez, são direitos que aderem imediatamente à coisa, outorgando direito de sequela ao seu titular e oponibilidade erga ommes facultando-lhe, ainda, a propositura de ação real em face de qualquer pessoa que o detenha. Esse direitos afetam a coisa alheia, acompanhando-a por onde for e reavendo-a com quem estiver.

Comportam as seguintes espécies: penhor, anticrese, hipoteca e alienação fiduciária em garantia. O direito real de gozo ou fruição é aquele outorgado a determinado titular com autorização para usar, gozar e fruir de coisa alheia. Compreende as seguintes modalidades: enfiteuse, servidões, usufruto, uso, habitação e superfície. A doutrina considera o compromisso ou promessa irretratável de compra e venda como direito real de aquisição, e suas características serão estudadas mais adiante. Domínio e propriedade são conceitos que se correspondem entre si. O domínio é o direito que recai sobre a coisa. A propriedade, como salienta Pontes de Miranda, é tudo que é parte de nosso patrimônio, é o patrimônio é a soma ou o total dos nossos bens. Segundo Maria Helena Diniz, “a propriedade é o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha”.

Os direitos reais sobre coisa alheia são divididos pela doutrina em três espécies: direitos reais, direitos reais de gozo ou fruição e direito real de aquisição.

Trata-se de um conceito amplo que, em síntese, assim se traduz: a propriedade é a submissão da coisa à vontade do seu proprietário.

O Direito real de garantia é aquele que confere ao credor a pretensão de obter o pagamento da divida com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação. Sua função é garantir ao credor o recebimento da dívida, por estar vinculado determinado bem ao seu pagamento. O direito do credor concentra-se sobre determinado elemento patrimonial do devedor.

O conceito de propriedade na Antiguidade foi marcado por total absolutismo, mas perdeu sua força ao longo dos tempos por contas das normas impostas pelo Estado, sobretudo diante da supremacia do interesse público. Isso se evidencia na leitura do art. 5°, XXIII, da Constituição Federal, quando reza que a propriedade atendera a sua função social. Com aumento da civilização e frequente expansão urbana, somados à clara tendência por valores sociais, podemos dizer que a propriedade imóvel concede o direito de usar, gozar e dispor de um bem de acordo com os valores sociais e a sua função social.

Os direitos reais de garantia visam assegurar o cumprimento de obrigação por meio da instituição de direito real. O cumprimento da obrigação é garantido pela transferência do bem onerado à propriedade “resolúvel” do credor.

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ARTIGO

Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. § 1º O direito real de laje somente se aplica quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos.

Direito de Superfície e Laje Francisco Eduardo Loureiro

Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

§ 2º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original. § 3º Consideram-se unidades imobiliárias autônomas aquelas que possuam isolamento funcional e acesso independente, qualquer que seja o seu uso, devendo ser aberta matrícula própria para cada uma das referidas unidades. § 4º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade. § 5º As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local. § 6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional em áreas já edificadas. § 7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.

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§ 8º Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.” (NR)

A MP 759/2016, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, criou o novo direito real de laje, acrescentando o artigo 1.510-A ao Código Civil. A localização escolhida pelo legislador não foi feliz, pois inseriu a nova figura no capítulo dos direitos reais de garantia, com os quais não guarda a mais remota afinidade. Mais adequada seria a inserção de novo instituto no capítulo que traça as regras gerais do direito de propriedade. O que desejou criar o legislador foi uma nova modalidade proprietária, de modo que o novo artigo ficaria melhor situado após o condomínio edilício, com o qual, de resto, não se confunde. O direito real de laje é instituto sui generis, com requisitos e efeitos próprios, que não se confunde com o direito de superfície (art. 1.369 e seguintes do CC), e nem com a amplitude da propriedade plena (art. 1.228 CC). O legislador procurou regularizar e solucionar situação de fato que aflige milhares de famílias no país, em especial as de baixa renda: o proprietário de determinado imóvel aliena a terceiros o direito de construir sobre a laje de sua edificação, e de se tornar o adquirente dono da nova construção erigida, independente daquela original, que se encontra abaixo. Define-se o direito real de laje como nova modalidade de propriedade, na qual o titular adquirente torna-se proprietário de unidade autônoma consistente de construção erigida sobre acessão alheia, sem implicar situação de condomínio tradicional ou edilício. Não se trata, como veremos, de condomínio tradicional (arts. 1.314 e seguintes CC), nem de condomínio edilício (arts. 1.331 e seguintes CC), muito menos de direito de superfície temporário. O direito de laje fica a meio caminho entre a superfície e a propriedade plena. Tem o mérito de solucionar situação irregular que afeta a população de baixa renda, e os defeitos de imprecisão

de redação e de conceitos, o que certamente dificultará – e muito – a tarefa da doutrina e dos tribunais. Seria convenente que o artigo traçasse de modo mais claro e minucioso a natureza do direito de laje, os seus efeitos, as causas e as modalidades de sua constituição e de sua extinção. Um exame ligeiro do direito real de laje leva à enganosa equiparação ao direito real de superfície, na modalidade de sobrelevação (direito real de superfície sobre superfície, ou superfície em segundo grau), que não se encontra regulado no Código Civil. A doutrina, amparada em lição de Ricardo Pereira Lira, já anotava a existência informal do direito de laje, presente em comunidades da baixa renda, mediante o qual “moradores permitem que um terceiro construa sobre sua laje, ficando de posse exclusiva desse terceiro a moradia por ele construída” (Gustavo Tepedino e outros, Código Civil Interpretado, vol. III, Renovar, p. 754), optou o legislador, porém, por não regular o direito real de laje como modalidade do direito de superfície. As diferenças entre os dois institutos são marcantes, segundo a figura positivada pelo artigo 1.510-A do Código Civil. A definição analítica do direito de superfície, de Ricardo Pereira Lira, diz que é direito real sobre coisa alheia, autônomo, temporário, de fazer uma construção ou plantação sobre – e em certos casos sob – o solo alheio e delas ficar proprietário (“O direito de superfície no novo Código Civil”. In: Revista Forense, 2003, v. 364, p. 251). O direito real de laje é mais amplo, pois não é temporário, mas sim perene, ou ao menos persiste até que a construção pereça. Confere ao seu titular direito próximo ao da propriedade plena sobre a segunda construção, tanto assim que os §§ 3º. e 5º preveem o descerramento de matrícula própria para a unidade autônoma, o que não se admite no direito real de superfície. De outro lado, embora o titular do direito real de laje tenha a propriedade plena sobre a construção que ergueu sobre a acessão alheia, o § 6º dispõe que a instituição não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário. Em outras palavras, se criou nova ARISP JUS 75


modalidade de propriedade limitada à construção, mas sem implicar situação de condomínio, quer tradicional, quer edilício, entre o proprietário do solo/acessão (concedente da laje) que se encontra abaixo. Não resta dúvida que o novo direito real de laje tem a função de regularizar situações de fato, voltado à população de baixa renda, que levantou construções sobre construções, com titularidades distintas. Não pode e não deve o instituto ser usado por empreendedores imobiliários como válvula de escape das rigorosas regras do condomínio edilício (art. 1.331 e seguintes) ou do negócio complexo de incorporação imobiliária (L. 4.591/64), muito menos do parcelamento do solo urbano (L. 6.766/79). O § 7º ressalva expressamente que a figura “não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios”. A redação do preceito não é a melhor, mas quer dizer que situações de condomínio edilício, cujos requisitos estão arrolados no art. 1.331 CC, não podem ser substituídas pelo direito real de laje. Não há, portanto, direito do titular da laje sobre fração ideal de terreno onde se assentam as duas construções. O terreno pertence com exclusividade ao proprietário do primeiro pavimento e concedente do direito real de laje. Esse curioso arranjo criado pelo legislador pressupõe a inexistência de áreas comuns entre a primeira e a segunda construção. É por isso que o § 3º exige que as novas unidades imobiliárias autônomas possuam isolamento funcional e acesso independente da primeira construção. Está claro que se procurou evitar a custosa instituição de condomínio edilício, que exige cálculo da fração ideal sobre partes comuns. Indaga-se: e se houver áreas comuns às duas edificações, como, por exemplo, escadas ou corredores de acesso? Nessa hipótese, a situação não se enquadra como direito real de laje, nada impedindo, porém, que os moradores instituam ou o direito real de superfície (art. 1.369 e seguintes CC), ou o condomínio edilício (arts. 1.331 e seguintes CC), de acordo com a operação econômica que dese76 ARISP JUS

jem realizar. Não se admite a criação de direito real da laje sobre laje, ou laje de segundo grau (impropriamente denominado de sobrelevação, termo destinado ao direito de superfície). O § 5º é expresso, em redação pouco clara, no sentido que não pode o adquirente “instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local”. Como interpretar tal regra? A melhor interpretação é a da vedação do direito de laje em segundo grau. A observância das posturas municipais é requisito para a instituição do direito de laje em primeiro grau, vedada, em qualquer hipótese, a sua reprodução em segundo grau. A norma é cogente, razão pela qual não pode ser afastada pela vontade das partes. Os requisitos cumulativos para a instituição do direito real de laje são os seguintes: a) existência de construções sobrepostas, cujos direitos são de titularidades distintas; b) a inexistência de áreas comuns entre as duas construções, com acessos independentes entre si; c) aprovação das duas construções, em observância às normas administrativas; d) a irregularidade formal das construções sobrepostas, cuja solução é a instituição do direito real de laje. A constituição do direito real de laje, embora omisso o artigo, pode ocorrer mediante diversas modalidades. A primeira é mediante celebração de negócio jurídico inter vivos levado ao Oficial de Registro de Imóveis. Claro que o registro está subordinado à regularidade dominial do imóvel do concedente, pena de grave violação ao princípio da continuidade registral. O registro é constitutivo do direito real. Antes dele, existe entre as partes simples relação obrigacional de direito de laje, contrato translativo, mas que somente se converte em direito real após o ingresso no registro imobiliário, mediante descerramento de matrícula própria. Anoto que, na realidade, o negócio comportará duplo ato registrário. O primeiro, de averbação na matrícula do imóvel do concedente transmitente, que sofrerá o ônus. A averbação é de suma importância, para que terceiros tenham conhecimento que o imóvel não abrange a construção existente sobre a laje. O segundo ato é de registro em


sentido estrito, a ser lançado na matrícula especialmente aberta para a nova unidade imobiliária receber o. A descrição do imóvel na matrícula deverá deixar absolutamente claro que o objeto é apenas a construção sobe a laje, e jamais o terreno onde ela se assenta. A menção ao terreno terá apenas a finalidade de localização da unidade objeto do direito de laje. Pode também o direito real de laje ser criado por negócio jurídico causa mortis, mediante testamento, no qual o testador atribua a primeira construção a um legatário, e a segunda construção, sobreposta, em favor de outro legatário. A aquisição do direito real, em tal hipótese, se dá pela morte, por força do princípio da saisine (art. 1.790 CC), e o registro terá natureza meramente regularizatória. A terceira possibilidade de aquisição pode ocorrer mediante usucapião, em diversas modalidades: extraordinária, ordinária, especial urbana, ou mesmo entre ex-cônjuges ou companheiros. Apenas as modalidades de usucapião especial rural e coletiva são incompatíveis com o novo instituto. Os requisitos de cada modalidade se encontram nos artigos 1.238 e seguintes do Código Civil. A usucapião pode ter por objeto a propriedade ou outros direitos reais. Logo, nada impede que o titular de posse prolongada e qualificada sobre a construção erigida sobre laje alheia possa requerer a usucapião somente da unidade que ocupa, sem abranger a acessão abaixo, nem o terreno onde se assenta. O problema pode surgir se o concedente, titular de direitos sobre o terreno, não tiver o domínio formal do imóvel. Embora singular, pode ser declarada a usucapião e descerrada a matrícula, levando em conta a natureza originária da aquisição, com descrição da construção e mera menção ao terreno onde está erigida. Nada impede, também, a usucapião administrativa, desde que com a concordância do titular dominial do terreno e confrontantes. Finalmente, a aquisição pode ocorrer mediante sentença judicial, especialmente útil nas ações de família. Tome-se como exemplo partilha judicial em divórcio, na qual, diante da impossibilidade da divisão, ou inconveniência da venda, determine o juiz que o primeiro

piso seja atribuído a um dos cônjuges e o segundo piso ao outro, mediante realização de obras que permitam acessos independentes. O direito real de laje tem por objeto construções erigidas sobre acessão alheia. Como acima dito, não admite a lei o direito de sobrelevação, ou seja, direito real de laje de segundo grau. Disso decorre que o concedente deve ser proprietário do terreno e da acessão, para que possa instituir direito real de laje em favor de terceiro. Não menciona a lei, contudo, o número de pavimentos, tanto da construção original, de titularidade do concedente proprietário do terreno, como do próprio direito de laje. Nada impede, assim, que o concedente seja titular de um prédio com dois pavimentos – um “sobrado”, na linguagem comum – e conceda o direito de laje para construção de mais dois pavimentos. Evidente que deve haver prévia aprovação administrativa para a construção, pena de sério risco à segurança e incolumidade dos ocupantes de toda a edificação. O § 2º dispõe que o direito de laje pode incidir tanto sobre o espaço aéreo como o subsolo de terrenos públicos ou privados. Vê-se que o instituto é mais amplo do que o direito real de superfície, que contempla preferencialmente o espaço aéreo. Não deixa de ser curioso que todo o instituto tenha por pressuposto a construção de pavimento superior, mas admita a cessão de subsolo. Há manifesta contradição a respeito do objeto do novo direito real. O direito de laje pode ter por objeto imóveis públicos ou particulares. Em relação aos primeiros, causa estranheza a inserção do tema no CC, que no livro do direito das coisas se limita a tratar dos direitos reais sobre a propriedade privada. Além disso, o preceito exige como requisito que a construção seja tomada em “projeção vertical”. Significa dizer que necessariamente as construções devem ocorrem em planos horizontais, uma (laje) sobre a outra (original). Não se admite a utilização do instituto para situações conhecidas como “condomínios deitados”, consistentes de conjuntos de casas sem sobreposição de umas sobre as outras (art. 8º. L. 4.591/64). Também não se admite que as edificaARISP JUS 77


ções objeto do direito de laje se estendam sobre outros imóveis vizinhos, pertencentes a proprietários diversos do imóvel original. Significa dizer que a constituição do direito de laje pressupõe homogeneidade dominial do imóvel original. As limitações acima são de natureza cogente e não podem ser derrogadas pela vontade das partes. Ainda no que se refere ao objeto, § 1º dispõe que o direito real de laje somente se aplica “quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos”. A redação não prima pela clareza e exige interpretação prudente, pena de inviabilizar a aplicação do instituto. O termo “impossibilidade de individualização dos lotes” causa estranheza. Não há propriamente lotes, pois a imensa maioria dos imóveis será irregular e não situada em loteamento registrado. Além disso, se o direito real de laje pressupõe o registro do imóvel original e de seu terreno, a matrícula certamente conterá a descrição com medidas perimetrais e confrontantes, em atenção ao princípio da especialidade dos registros públicos. Interpreta-se a regra como impossibilidade de regularização da segunda construção, sem o uso do instituto do direito real de laje. Em termos diversos, o imóvel é individualizado, mas as construções sobrepostas são irregulares. A parte final do § 1º menciona o requisito alternativo da “sobreposição” ou “solidariedade” das construções. A questão da sobreposição das construções já foi acima enfrentada. O que, porém, significa “solidariedade” das construções? O conceito de solidariedade tem aplicação no direito obrigacional e, segundo os arts. 264 e 265 do CC, significa a concorrência, na mesma obrigação, de pluralidade de credores, cada um com direito à dívida toda, ou pluralidade de devedores, cada um obrigado a ela por inteiro. Não se vê como transpor tal conceito para o direito real de laje, em especial como requisito alternativo à sobreposição de construções. O que seriam construções solidárias? Sem o conceito de tal figura, temerário e inviável dizer que “solidariedade” dispensa a sobreposição. 78 ARISP JUS

Questão interessante, não enfrentada pelo legislador, é se o direito de laje pode se dar somente por concreção, ou também por cisão. Na modalidade por concreção, prevista no caput do artigo 1.510-A, permite a lei que o concedente “ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída”. Cede-se a laje vazia e se concede o direito de construir. A construção é feita, portanto, pelo titular do direito real de laje. Já na modalidade por cisão, não prevista pelo legislador, o imóvel já se encontra construído sobre a laje. O proprietário aliena a parte superior da construção, mediante constituição de direito real de laje, remanescendo como dono do solo e do pavimento inferior; em outras palavras, transfere parte das construções já existentes (a parte superior). A doutrina admite tal possibilidade ao tratar do direito real de superfície (art. 1.369 CC). No direito real de laje, porém, a situação é diversa, pois existe vedação expressa da lei. Diz o § 7º que o “disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si”. Em outras palavras, não deseja a lei que o direito real de laje crie uma nova modalidade de alienação de unidades autônomas já construídas pelo empreendedor ou concedente. Essa a razão pela qual a laje se dá somente por concreção: o concedente cria direito real de laje, para que o adquirente possa construir um novo pavimento, até então inexistente. No que se refere aos efeitos, o direito real de laje cria unidades imobiliárias autônomas, conferindo propriedade da construção sobreposta ao titular. Dispõe o § 5º que aludidas unidades serão objeto de matrícula própria e poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares. Isso significa que o direito de laje não é personalíssimo, mas, ao contrário, a transmissibilidade é de sua essência. A transmissão do direito de laje pode dar-se por negócio inter vivos ou causa mortis, sempre levado ao registro imobiliário. Ao contrário do direito real de superfície, não existe preferência recíproca entre concedente e titular da laje, na hipótese de venda a terceiros. Nada impede, porém, que as partes ajustem


mediante cláusula contratual expressa a existência de direito de preferencia, que será útil para proporcionar futura consolidação e litígios com subadquirentes. A prerrogativa de alienar abrange a de onerar. Pode o titular do direito constituir direitos reais de fruição, desde que compatíveis com a laje, ou de garantia, com uma exceção: não cabe a instituição de direito real de laje em segundo grau (sobrelevação), em razão de expressa vedação legal. Também a instituição de direito real de superfície sobre o direito real de laje é incompatível, porque importaria em construção de segundo grau, vedada pelo legislador. Nada impede, porém, a instituição de direito real de usufruto, uso, habitação, compromisso de compra e venda, ou direitos reais de garantia, inclusive a propriedade fiduciária. Claro que, na hipótese de excussão da garantia real, o arrematante se sub-rogará na titularidade do direito real de laje, e não terá direito sobre o terreno onde se assenta a construção, nem sobre o pavimento inferior. Finalmente, deixou o legislador, de modo inadvertido, de regular a extinção do direito real de laje. A regra geral é que tal direito é perene, e não temporário, como os direitos reais de gozo e fruição. É propriedade, e não direito real sobre coisa alheia. Como vimos, não é personalíssimo (tal como ocorre com o usufruto), de modo que a morte do titular não extingue o direito. Nada impede, porém, que as partes convencionem, mediante cláusula expressa, a aposição de termo ou de condição resolutiva, cujo implemento provoca a extinção de pleno direito da laje. No silêncio do contrato, a laje tende à perpetuidade. Se a propriedade plena pode ser resolúvel, também se admite a criação de tal modalidade para o direito real de laje.

O perecimento da construção também é causa extintiva do direito real. Em tal hipótese, remanesce apenas o terreno, de titularidade exclusiva do concedente. Caso o perecimento seja causado por terceiro, ou a construção se encontre segurada, o titular do direito real de laje fará jus a indenização proporcional. Indaga-se: no caso de perecimento, se a construção original for novamente erigida, se restaura o direito de laje? Não há solução única. Se tiver ocorrido o cancelamento do direito de laje no registro imobiliário e o terreno vier a ser alienado a terceiro, que erige nova construção, não há restauração. Ao contrário, se o registro do direito de laje não for cancelado e o próprio concedente reconstruir o primeiro piso, a laje se restaura, e o titular pode erigir nova construção. São estas as primeiras impressões sobre o direito real de laje, que certamente provocará dúvidas aos operadores do direito. A interpretação do instituto deve ser sempre ampla, levando em conta o seu caráter social e a necessidade de promoção da regularização fundiária de imóveis irregulares ocupados pela população de baixa renda.

A desapropriação e a usucapião por terceiro possuidor também provocam a extinção da laje. Na desapropriação, a indenização será rateada proporcionalmente entre o concedente e o titular do direito real de laje. A usucapião somente da construção sobre a laje não importa aquisição do terreno onde se assenta. ARISP JUS 79


ARTIGO

Temos enfrentado, com frequência, aspectos relacionados com a formação, alteração e cancelamento, seja parcial ou total, do loteamento. Este breve estudo procurará destacar questões relevantes que, na maioria das vezes, já foram abordadas em precedentes normativos, de modo a tentar demonstrar os principais critérios utilizados e que decorrem do sistema adotado pela Lei nº 6.766, de 1979. Nem sempre é fácil resumir temas controversos, decorrentes de complexa legislação, mas a tentativa é válida para um norte mínimo ao operador do direito, que poderá alcançar conclusões mais profundas e, quiçá, mais adequadas. 1. O SISTEMA DA LEI Nº 6.766, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1979.

A FORMAÇÃO, ALTERAÇÃO E REVERSÃO NO LOTEAMENTO ASPECTOS PRINCIPAIS Hélio Lobo Jr. Promotor Público de novembro de 1971 a setembro de 1975. Magistratura, por concurso, de 24 de setembro de 1975 até 1 de fevereiro de 2002 – no período foi Juiz Titular da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital e Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça. Aposentou-se como Juiz do 1º Tribunal de Alçada Civil e foi alçado à Desembargador do Tribunal de Justiça já na inatividade. Atuação como advogado, atualmente, sócio do Escritório Lobo e Orlandi Advogados, cuja especialidade é a área imobiliária e, principalmente, registraria. Publicou diversos artigos e participou de livros sempre na área dos Registros Públicos.

Para que se compreenda o sistema contido na Lei que regulou o parcelamento do solo urbano é preciso que dela se extraiam alguns princípios lógicos, notadamente quanto à formação, alteração e reversão do loteamento, já que o desmembramento apresenta aspectos diversos e que poderão ser analisados em outra oportunidade. 1.1 – A formação, a alteração e a reversão do loteamento. A legislação que rege o parcelamento do solo urbano, além das diversas disposições urbanísticas, tratou explicitamente de sua formação, mediante o registro no cartório imobiliário, com a apresentação dos documentos exigidos e observância do procedimento a ser seguido, tudo com base nos artigos 18, 19, 20 e 21da Lei nº 6.766, de 1979. No artigo 22, ficou explícito, em consonância com a disposição urbanística prevista no artigo 17, da mesma legislação, que as áreas públicas constantes do projeto e do memorial descritivo passam a integrar o domínio do Município. A regra consagra o princípio da destinação, que pressupõe a oferta, pelo particular, e a aceitação, pelo Poder Público.

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Todas essas disposições, porém, devem ser consideradas dentro de um contexto que inclui, também, o que se convencionou denominar de reversão do parcelamento e que prevê a possibilidade de seu cancelamento, conforme os termos previstos no artigo 23 e incisos da legislação. Logo, dentro de um mesmo sistema normativo contemplou-se a forma de seu ingresso no mundo jurídico, com feição registrária, bem como as hipóteses de cancelamento. Não se pode esquecer, também, a possibilidade do seu cancelamento parcial e a alteração do plano, dentro do mesmo contexto interpretativo, conforme explícita regulamentação prevista no artigo 28. Esse regramento normativo trata de situações excepcionais que devem prevalecer sobre disposições gerais incidentes a respeito da aquisição e alienação de bens públicos.

O loteamento nasce com as aprovações urbanísticas e com o formalismo registrário; implanta-se com a execução das obras de infraestrutura e venda dos lotes; e se exaure, em termos urbanísticos, quando as vias, praças e espaços livres, passam a integrar a cidade. Cumpre um ciclo, que termina quando ocorre essa integração. A partir daí, deixa de incidir a Lei nº 6.766, de 1979, quanto a determinados aspectos, principalmente o urbanístico, passando aquele núcleo a ser regido exclusivamente pelas normas que se aplicam à cidade. Se assim não se entender, haverá inegável conflito entre as regras da lei do parcelamento e aquelas aplicáveis à cidade como um todo. É por isso que temos defendido o entendimento de que a incidência da Lei nº 6.766, de 1979, é transitória.

1.2 – A Lei nº 6.766, de 1979, e a transitoriedade da incidência.

O loteamento é um instrumento de urbanização. Embora as cidades possam surgir de outras maneiras, uma das principais decorre de parcelamento do solo urbano e, quando isso acontece, a legislação prevê as fases e o momento de sua integração à cidade.

Um dos aspectos mais importantes para a exegese da complexa legislação sobre o parcelamento do solo urbano, especialmente quando trata de aspectos urbanísticos e registrários, diz respeito a transitoriedade da incidência.

Após as diretrizes iniciais e aprovações urbanísticas, o projeto submetido à Municipalidade deverá trazer, também, um cronograma anexo para a execução das obras mínimas de infraestrutura, a serem concluídas no prazo máximo de quatro (4) anos (artigo 9º).

A transitoriedade leva em consideração o período em que o loteamento está em formação, cessando quando se completa, por ter ocorrido sua implantação definitiva.

Essa disposição precisa ser conjugada com o disposto no artigo 12, da mesma legislação, que trata da aprovação pela Municipalidade e, no seu parágrafo 1º, estabelece a pena de caducidade para os projetos não executados no prazo constante do cronograma.

Como antes afirmado, o loteamento, após as aprovações urbanísticas, ingressa no registro para que se opere uma substancial transformação no imóvel. Este, único, objeto de uma matrícula, passa a ser parcelado, conforme o plano aprovado pela Municipalidade. Surgem os lotes e áreas públicas, que se constituirão em individualidades autônomas.

Logo, esse é o prazo legal para a duração de um parcelamento durante a sua implantação. Tanto isso é correto que as Normas de Serviço no item 187.1, Capítulo XX, exigem a fiscalização do Oficial para o prazo do cronograma e apresentação do termo de verificação da execução das obras – TVO. ARISP JUS 81


Concluídas as obras e expedido o TVO, integra-se o loteamento à cidade. Até então, a responsabilidade pela execução e implantação definitiva das obras era apenas do loteador. Após a integração, passa ao Poder Público, podendo ser considerado o loteamento como finalizado em termos urbanísticos. Logo, a conclusão é de que um loteamento não perdura indefinidamente. A conclusão das obras exigidas é o termo final de sua implantação urbanística. A partir daí, integra-se à cidade. Esta é governada por suas próprias leis, pelo plano diretor, onde houver, e pelas posturas locais. É certo que as questões obrigacionais com os adquirentes têm parâmetros diversos quanto à incidência da Lei nº 6.766, de 1979, mas a parte urbanística se define com a entrega, pelo loteador, das obras que lhe cabiam, ao Poder Público Municipal. A partir dessa interpretação fica bem mais lógico, fácil e razoável, entender os preceitos aplicáveis à formação, alteração e cancelamento, total ou parcial, de um loteamento. 1.3 - O cancelamento O artigo 23 da Lei nº 6.766, de 1979, trata do cancelamento que poderá ocorrer por (I) decisão judicial; (II) a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, “enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato”; e (III) a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da Prefeitura e do Estado. O parágrafo 1º do mesmo artigo, estabelece que “a Prefeitura e o Estado só poderão se opor ao cancelamento se disto resultar inconveniente comprovado para o desenvolvimento urbano ou se já tiver realizado qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências”. Conforme a lição de Toshio Mukai, Alaor Caffé Alves e Paulo José Villela Lomar, 82 ARISP JUS

“... o § 1º atribuiu uma discricionariedade restrita à Prefeitura e ao Estado se opuserem ao cancelamento do registro do parcelamento. Poderão considerar inconveniente este cancelamento desde que o justifiquem e comprovem com base, unicamente, no prejuízo para o desenvolvimento urbano ou se já tiver sido realizado qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências. Deverão fazê-lo com fundamento, seja na lei que tenha aprovado o plano de desenvolvimento integrado do município, seja em pareceres formulados por especialistas, tais como, urbanistas, sociólogos, economistas, sanitaristas, engenheiros e outros similares” (Loteamentos e Desmembramentos Urbanos – Sugestões Literárias – 1º edição – páginas 122/123).

Verifica-se, pois, que a legislação permitiu a desistência singela do loteador, enquanto nenhum lote tiver sido vendido ou, ainda, quando os adquirentes anuírem. É fundamental, também, a anuência da Municipalidade ou, se for o caso, do Estado, que só poderão se opor mediante a comprovação de prejuízo a padrões urbanísticos, especialmente se obras já foram realizadas no local ou adjacências. Como mencionado na lição doutrinária, trata-se de uma discricionariedade restrita, dependente de comprovação quanto aos eventuais prejuízos à cidade. É interessante destacar que a legislação prevê um procedimento que culminará com a homologação pelo Juízo competente (parágrafos 2º e 3º). Trata-se, pois, de regra excepcional e que se encerra com as exigências legais, sem necessidade de qualquer outra providência envolvendo o Poder Público, entre as quais pode-se mencionar a desafetação, exigida apenas para os casos que não envolvam parcelamentos em execução e, apenas, os já implantados. Embora colocado em outro capítulo da Lei nº 6.766, de 1979, o artigo 28 trata, também, do cancelamento, agora parcial, mostrando uma similitude com a alteração do plano.


De qualquer modo, ao cancelamento parcial parecem aplicáveis as mesmas regras exigidas para o total, já que aquele é uma espécie do gênero. 1.4 – A alteração do plano de loteamento. A alteração do plano em loteamento é disciplinada na Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, no artigo 28, cuja redação é a seguinte: “Artigo 28 – Qualquer alteração ou cancelamento parcial do loteamento registrado dependerá de acordo entre o loteador e os adquirentes de lotes atingidos pela alteração, bem como da aprovação pela Prefeitura Municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, devendo ser depositada no registro de imóveis, em complemento ao projeto original com a devida averbação”.

Essa conclusão decorre do mesmo raciocínio aplicado às demais hipóteses de reversão do parcelamento. Se o cancelamento pode ser feito sem qualquer providência legislativa, com maior razão a mera alteração do plano já aprovado, ainda que se modifiquem o traçado e localização de áreas públicas. Quem pode o mais pode o menos. O que importa considerar é se incide, na espécie, o artigo 28 da Lei nº 6.766, de 1979, ou, ainda, se o loteamento está em execução. Nesse caso, a anuência deverá ser apenas do Município quanto a eventual alteração de vias ou demais espaços públicos.

Dois são os principais aspectos para a alteração do plano. Primeiro, a verificação sobre a existência de eventuais adquirentes de lotes, com contrato registrado, que tenham sido diretamente atingidos. Segundo, a natureza jurídica do ato que autoriza, em termos urbanísticos, essa modificação.

A análise desse aspecto tem provocado discussões, mas, “data vênia”, a melhor exegese está com aqueles que dispensam qualquer providência legislativa, como a desafetação, conforme passaremos a discorrer.

A alteração do plano deve seguir os mesmos trâmites do registro do parcelamento, ou seja, será objeto de requerimento do loteador, acompanhado do novo projeto aprovado pela Prefeitura, com as modificações pretendidas e das anuências dos adquirentes efetivamente atingidos.

Essa é uma questão tormentosa, mas que foi dirimida por diversos precedentes.

O “caput” do artigo 18 da Lei nº 6.766, de 1979, exige que o projeto aprovado pela Prefeitura seja submetido ao registro imobiliário dentro de 180 dias (cento e oitenta dias), sob pena de caducidade da licença. Diz respeito à aprovação disciplinada no artigo 12. A alteração do plano também deve ser aprovada pela Prefeitura, atendidos os requisitos das regras municipais incidentes. O Poder Executivo municipal expede o ato administrativo de aprovação com fulcro na legislação de regência, sem necessidade de participação do Poder Legislativo.

1.5 - A desafetação

Se o loteamento já se exauriu em termos urbanísticos e se integrou à cidade, a alteração da destinação ou a alienação dos imóveis que passaram a ser públicos, como bens de uso especial ou uso comum, sempre dependerá de sua prévia desafetação. Se, todavia, ainda não se completou o ciclo acima descrito, incidirá a lei especial. É dizer, se ainda não se completaram as obras de infraestrutura, estando em curso o cronograma previsto no art. 9º da Lei nº 6.766, de 1979, que é de 4 anos, as regras aplicáveis serão, justamente, as desta lei. E isto se dá principalmente em relação ao plano inicial do loteamento, para sua alteração e para a desistência, com o cancelamento do registro no Registro de Imóveis.

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Se não fosse assim, as regras previstas nos artigos 23 e 28 seriam inócuas, pois, é sabido que o Poder Público sempre pode desafetar e alienar ou alterar a destinação de seus bens. A lei não contém palavras inúteis e, por isso, a possibilidade de desistência do plano ou da sua alteração ainda ficam sob a regência da lei de parcelamento no período em que o loteamento não se completou e não se integrou à cidade. Dispensa desafetação e rege-se exclusivamente pelos dispositivos da Lei nº 6.766, de 1979. Em artigo publicado na Revista de Direito Imobiliário nº 47, edição RT, no ano de 1999, já tivemos a oportunidade de abordar o tema. Nele defendemos que não existe “a necessidade de desafetação para a desistência, cancelamento ou alteração parcial do plano de loteamento. Não se pode esquecer que a Lei 6.766, de 1979, que contém normas de direito civil, registros públicos, urbanísticas e penais, foi editada com base na competência que a União Federal detém a respeito de tais matérias, sendo certo que poderia regulamentar, como efetivamente regulamentou, a possibilidade da passagem dos bens que relaciona ao domínio público e o retorno destes, total ou parcialmente, para o particular, nos casos de desistência, cancelamento ou alteração do plano de parcelamento”(pgs. 185/186). Colacionamos trecho de parecer do saudoso jurista e professor Geraldo Ataliba, juntado ao processo nº 69/86, da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital, que, em recurso à Corregedoria Geral da Justiça, sob nº 86/86, deixou assentado que “pode-se, lógica e juridicamente, concluir: quem pode o mais pode o menos, ou, quem pode cancelar loteamento registrado e, conseqüentemente, desistir de sua implantação – sem autorização legislativa e prévia desafetação das áreas de uso comum do povo – pode, evidentemente, modificar loteamento registrado, sem autorização legislativa e prévia desafetação das áreas públicas de uso comum do povo. O menor (a modificação) está, necessariamente, contido no maior (o cancelamento)”. 84 ARISP JUS

Esse entendimento restou consagrado pela decisão do então Corregedor Geral, o saudoso Desembargador Sylvio do Amaral, em 20 de julho de 1987, e se constituiu, praticamente, no primeiro precedente específico sobre o tema. Aliás, se, pelo artigo 22 da Lei nº 6.766, de 1979, as áreas públicas e vias de circulação só passam ao domínio público, formalmente, com o registro, do mesmo modo, a alteração de sua destinação será, igualmente, operada no Registro de Imóveis, por meio do procedimento previsto no artigo 23, que exige mera anuência da Municipalidade, sem necessidade de desafetação, apenas para os loteamentos ainda não implantados. Os precedentes normativos não cessaram e colacionamos, por relevante, memorável parecer proferido no processo C.G. nº 945/95, pelo então Juiz Auxiliar da Corregedoria, atualmente Desembargador, Dr. Marcelo Martins Berthe, que tratou do tema e distinguiu entre o loteamento implantado e não implantado, reportando-se, ainda, a outro precedente, mais antigo (Proc. C.G. nº 925/94), que também abordou a questão concluindo que os artigos 23, III, e 28, que cuidam do cancelamento total e parcial, bem como da alteração do plano, só podem ser aplicados, sem desafetação, enquanto o parcelamento estiver em execução e ainda não implantado. Em trecho elucidativo afirmou que: “A desafetação, por ato do Poder Legislativo, como reclamada no recurso, só teria cabimento depois, ‘num segundo tempo’, quando implantado o loteamento. Nesse caso a simples concordância do loteador e proprietários que fossem atingidos, associada à aprovação da Prefeitura Municipal já não mais seria suficiente, porque ‘consumada aquisição do domínio público’ sobre aqueles bens, a partir de sua implantação e consequente ‘destinação dos bens ao uso comum do povo’. Na verdade, é lícito afirmar que a aquisição do domínio se dá com o registro, mas ‘tem eficácia pendente da implantação do loteamento’. Ou por outra, a esse evento está vinculada”.

Incursiona pelo magistério do sempre saudoso Hely Lopes Meirelles que distingue o ato administrativo


consumado do pendente, incluído o de registro, concluindo, no exaustivo estudo contido no precedente que: “Vê-se, pois, que se passível de cancelamento (total ou parcial), ou de modificação, enquanto não implantado o loteamento, será o registro um ‘ato administrativo pendente’, que só produzirá efeitos após a implantação, quando, então, efetivamente, os bens destinados ao uso público ingressarão no patrimônio municipal, quer porque já não mais possível modificar ou cancelar o loteamento, quer porque haverá a ‘destinação desses bens ao uso comum do povo” (Decisões Administrativas da Corregedoria Geral da Justiça- 1995 – Ed. RT – Coordenador – Des. Antonio Carlos Alves Braga – páginas 134/135).

Aliás, o parágrafo único do artigo 22, da Lei nº 6.766, de 1979, acrescentado pela Lei 12.424, 16.6.2011, utilizou essa mesma terminologia quando se referiu ao parcelamento implantado e não registrado, conferindo, nesse caso, ao Município, o direito de providenciar a passagem das áreas públicas ao seu domínio. Nítida, pois, a diferença entre loteamento em execução e aquele já implantado, bem como a incidência da Lei nº 6.766/79 ao primeiro, ao passo que a regra normal, com exigência de desafetação, ao segundo. Destarte, tais precedentes, abonam, “data vênia”, as nossas conclusões a respeito do tema. 1.6 - Os adquirentes de lotes

alteração do plano. Tratando desse assunto, obra recente sobre o parcelamento do solo mostra que a interpretação da lei deve seguir critérios razoáveis e de bom senso. Não pode, a pretexto de impedir ofensa a direitos, conduzir à imutabilidade do plano. A lógica do dispositivo demonstra que, se existe possibilidade de alteração, ela não pode depender de providências impossíveis ou de difícil realização. Em “Como Lotear uma Gleba” (Editora Millennium, 2ª ed., Campinas, 2003), que escreveu junto com seu pai, Vicente Celeste Amadei (que se encarregou dos aspectos não jurídicos), o culto desembargador paulista Vicente de Abreu Amadei adota nosso antigo entendimento (RDI-47/183): “ uma primeira distinção há que ser feita, vale dizer, entre a influência direta e o prejuízo potencial. Quando houver direta repercussão quanto ao lote, inegável a necessidade da anuência de seu proprietário, como, por exemplo, nos casos de se alterar o traçado de uma rua, tornando-a sem saída, a supressão de uma praça ou área verde que com ele confine etc. Dificuldade maior se apresenta quando a repercussão for indireta, ou seja, a modificação de ruas em outro extremo do loteamento, a diminuição das dimensões dos lotes etc. A expressão lotes atingidos pela alteração deve ser entendida de forma inteligente e não pode abranger, de maneira absoluta, toda e qualquer modificação, sob pena de inviabilizar o próprio permissivo legal”.

A singela leitura do dispositivo legal pertinente permite concluir que a lei não exige anuência de todos os proprietários de lotes.

No parecer colacionado como precedente o tema também foi abordado, quando também se prestigiou nosso entendimento anterior:

Claramente, a lei exige acordo entre o loteador e os adquirentes dos lotes atingidos pela alteração (art. 28).

“Parece claro que a lei condiciona a alteração à anuência de todos os adquirentes que por ela possam ser atingidos, dispensou, inegavelmente, o chamamento de outros interessados por editais. Assim, o adquirente que é atingido deve anuir; em caso contrário nenhum interesse terá’. E com essas premissas, conclui como segue: ’O cerne da questão está, justamente, em se aquilatar até que ponto a alteração ou cancelamento parcial interferem com os adquirentes. Essa análise será feita, em primeiro lugar, pelo Oficial Imobiliário e depois, se houver inconformismo, por seus superiores hierárquicos” (Decisões Administrativas

A lei fala em adquirentes dos lotes diretamente atingidos pela alteração. Cuida de proteger os adquirentes das alterações materiais que os lotes possam sofrer, por iniciativa do loteador. Se o lote não sofre nenhuma modificação, isto é, se o lote não é atingido pela alteração, seu adquirente não tem interesse na

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da Corregedoria Geral da Justiça- 1995 – Ed. RT – Coordenador – Des. Antonio Carlos Alves Braga – página 136).

Interpretar extensivamente o art. 28, de forma a dele extrair que todos os proprietários de lotes precisam dar anuência, é engessar o plano; é impedir o que o mesmo dispositivo quer permitir. Há que se considerar que algum adquirente sempre poderá negar imotivadamente a anuência, ou poderá, simplesmente, não ser encontrado. Ademais, conforme precedente da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, a expressão “concordância dos adquirentes atingidos”, prevista no art.28, abrange apenas aqueles que sofrem prejuízos patrimoniais ou não, imediatos e mediatos, presentes ou potenciais, desde que plausíveis e objetivos (Processo C.G. 713/97 – parecer do hoje desembargador Francisco Eduardo Loureiro – 4.6.97). Assim, a anuência dos titulares de domínio das quadras diretamente atingidas atende à parte final do artigo 28, porque eles, e somente eles, são os diretamente atingidos. E para saber quem são os adquirentes atingidos, bastará recorrer à matrícula em que registrado o loteamento, cuja certidão apontará os titulares dos contratos registrados. Apenas estes devem ser considerados. 2. CONCLUSÃO Destarte, para o cancelamento, seja parcial ou total, ou, ainda, para a alteração do plano de loteamento, não há necessidade de desafetação, bastando a mera aprovação da Municipalidade ou do Estado, respeitados os eventuais direitos dos adquirentes diretamente atingidos, conforme o caso. Aplicam-se aos loteamentos ainda em execução ou, melhor dizendo, ainda não implantados, as disposições 86 ARISP JUS

específicas da Lei nº 6.766, de 1979. A expedição do termo de verificação de obras – TVO servirá como parâmetro final à fase de execução. Só depois da integração será exigível a prévia desafetação para alteração da destinação de espaços que se tornaram públicos com o registro do parcelamento, como bem distinguiram os precedentes normativos e lições doutrinárias colacionadas.


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