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Ano I - Setembro - Dezembro / 2016 Informativo jurídico especializado
ENTREVISTA
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Swaray Cervone de Oliveira
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Ministra Nancy Andrighi
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José de Mello Junqueira
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José Renato Nalini
ARTIGO
Alberto Gentil de Almeida Pedroso e Caio Bartine
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DIRETORIA
Presidente: Francisco Raymundo Vice-Presidente: Flauzilino Araújo dos Santos Diretor Financeiro: Rosvaldo Cassaro Diretor da Coordenadoria Geral: George Takeda Diretor de Tecnologia da Informação: Armando Clapis Secretário: Jersé Rodrigues da Silva
José Renato Nalini
ARTIGO
Renata Mota Maciel Dezem
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CONSELHO FISCAL
Carlos André Ordonio Ribeiro Adriana Aparecida Perondi Lopes Marangoni Frederico Jorge Vaz de Figueiredo Assad
SEDE
Rua: Maria Paula, 123 - 1º Andar São Paulo - SP - CEP: 01319-001 Telefone: 11 3107-2531 Homepage: www.arisp.com.br | www.registradores.org.br www.iregistradores.org.br e-mail: imprensa@arisp.com.br
ARTIGO
Hélio Lobo Junior
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Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho
EQUIPE
Gestão: Francisco Raymundo Coordenação: Alberto Gentil de Almeida Pedroso Jornalistas: Dêni Carvalho e Jéssica Molina Galter Diagramação: Alessandra Giugliano Russo Editor-chefe: Vaner Caram Fotografia: Vaner Caram, Felipe Nunes e Nelson Oliveira
Josué Modesto Passos
José de Mello Junqueira
Paulo Cesar Batista dos Santos
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Dr. Swarai Cervone de Oliveira ENTREVISTA
Quais são as atribuições do Coordenador da Equipe do extrajudicial? Como é a divisão de especialidades entre os juízes da Equipe do extrajudicial? O coordenador da equipe faz a interlocução com as entidades de classe dos Notários e Registradores. É o responsável, portanto, pela área institucional do extrajudicial, o que se dá por determinação do Corregedor Geral da Justiça. Ademais, cabe ao coordenador zelar pela uniformidade dos julgados da equipe, discutindo, com os demais membros, a estabilidade da jurisprudência administrativa ou a necessidade de alterações. A equipe compõe-se do coordenador e de mais três juízes: Carlos Henrique André Lisboa, Ibere de Castro Dias e Luciano Gon-
çalves Paes Leme. Cada um dos membros atua em uma ou mais especialidades. Dr. Carlos em Registro de Imóveis, Notas e Registro Civil; Dr. Ibere em Registro Civil, Títulos e Documentos e Protestos; Dr. Luciano em Registro de Imóveis e Protestos. Há, ainda, outras atribuições cometidas a cada membro e todos atuam, também, auxiliando o Corregedor Geral na elaboração das decisões de recursos administrativos e dúvidas. Quais os principais projetos do Corregedor Geral da Justiça na presente gestão para o extrajudicial? Em harmonia com o Conselho Nacional da Justiça, por ora, pretende-se regulamentar, de maneira ARISP JUS 05
mais extensa, a usucapião extrajudicial e a mediação e conciliação nas serventias extrajudiciais. Ambas as iniciativas, no entanto, aguardam a complementação de estudos no âmbito do CNJ. Recentemente entrou em vigor o Provimento n° 47/2015 do CNJ sobre Registro Eletrônico. Quais as expectativas com o novo sistema? As NSCGJ precisarão sofrer alguma adaptação? As expectativas são de que o sistema de registro eletrônico de imóveis traga maior eficácia e celeridade aos serviços, tornando-os ainda mais dinâmicos. A Corregedoria está analisando a necessidade de adaptação das Normas de Serviço. Aproveitando o vasto conhecimento do senhor sobre processo civil, gostaríamos de saber quais os principais impactos do NCPC no Registro de Imóveis. Nesse primeiro momento, ainda não houve grande repercussão do NCPC no que se refere aos registros de imóveis. A usucapião extrajudicial pode vir a ser a grande inovação, nessa área, o que se verificará no futuro. Ressalto, também, a facilitação da inscrição da hipoteca judiciária, que o NCPC pretendeu fomentar, como meio de garantia da satisfação do crédito. Para encerrar, gostaríamos de saber como é trabalhar com o Corregedor Geral da Justiça, o Des. Manoel Pereira Calças? O Desembargador Manoel Pereira Calças é um homem extremamente sério e, acima de tudo, apaixonado pela Magistratura. Possui vasto conhecimento jurídico e grande capacidade de trabalho. Além do mais, trata-se de pessoa bondosa, sempre atenta às necessidades daqueles que com ele trabalham. Em síntese, é uma honra e uma satisfação trabalhar a seu lado.
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Ministra Nancy Andrighi ENTREVISTA
A Sra. vê com otimismo a integração das informações contidas nos registros públicos pelas Centrais de Registro Eletrônico – desenvolvida para funcionamento em cada Estado da federação? Com muito otimismo. A uniformização dos procedimentos dos cartórios de Registro de Imóveis em todo país trará maior segurança jurídica, transparência e eficácia ao trabalho dos tabeliães. Além disso, acredito que, tanto os responsáveis pelas serventias extrajudiciais quanto a sociedade, se beneficiarão com o funcionamento do Portal de Integração do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, que congregará as Centrais Eletrônicas
Estaduais de Registro de Imóveis. Quais as principais atribuições da Corregedoria Nacional de Justiça na manutenção das atividades jurisdicionais e, também, as extrajudiciais? Quais as conquistas da gestão da Sra. na esfera do serviço extrajudicial? Em ambas as esferas, a atribuição primordial da Corregedoria Nacional de Justiça é ajudar na organização dos órgãos jurisdicionais e extrajudiciais para que seus trabalhos sejam otimizados e eficazes, estabelecendo diretrizes gerais quando necessário. No período em que estive à frente da Corregedoria Nacional, ingressaram 9.000 proceARISP JUS 07
dimentos e foram arquivados 11.184, restando 787 casos em andamento, sendo 60% deles procedimentos de acompanhamento contínuo que não podem ser arquivados. Dediquei-me, intensamente, a colaborar na otimização do funcionamento dos órgãos jurisdicionais, das metodologias e das ferramentas essenciais para que os juízes pudessem cumprir com a máxima eficiência sua missão constitucional. Em relação aos notários e registradores, preocupei-me em uniformizar e atualizar os procedimentos existentes, os quais já atendiam satisfatoriamente, o Poder Público e a sociedade. Nessa
sências e interdições lavradas em todo o território nacional, permitindo a localização de assentos em tempo real e a solicitação de certidões eletrônicas e digitais entre cartórios e entre cartórios e o Poder Judiciário. Após consulta pública da minuta do projeto, em 18/06/2015 foi editado o Provimento 47, que estabelece as diretrizes para a implantação do sistema de registro eletrônico de imóveis. Também após consulta pública, editamos o Provimento 48, de 16/03/2016, que estabelece diretrizes gerais para o sistema de registro eletrônico de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas, para per-
perspectiva, editamos em 16/06/2015, o Provimento 46 que revogou o Provimento 38 de 25/07/2014 e dispôs sobre a Central de Informações de Registro Civil das Pessoas Naturais – CRC. Esta Central, em síntese, congrega toda a base de dados de nascimentos, casamentos, óbitos, emancipações, au-
mitir o compartilhamento e a integração, em nível nacional, dos dados e informações dos cartórios que possuem essas atribuições. Considerando que a implantação do sistema de registro eletrônico para todas as atribuições de registro e notas possibilitaria a realização do trabalho das serventias
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extrajudiciais de forma remota, com uso de tecnologias de informação e comunicação, a Corregedoria Nacional de Justiça por meio do Provimento 55, de 21/06/2016, facultou aos responsáveis pelos cartórios, titulares ou interinos, definirem atividades que seus funcionários possam realizar fora das dependências físicas das serventias na modalidade de teletrabalho. Editamos, também, o Provimento 50 em 28 de setembro de 2015, que dispõe sobre a conservação permanente ou não dos documentos arquivados nas serventias extrajudiciais. Anoto, finalmente, o Provimento 52 de 14 de março de 2016. Consideramos o reconhecimento pelo STF da união contínua entre pessoas do mesmo sexo como família, e a falta de regulamentação específica para o registro de nascimento para os filhos havidos por técnica de reprodução assistida. Este provimento dispõe sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos frutos de reprodução assistida, de casais heteroafetivos e homoafetivos. Além disso, fomos atentos ao grave problema relativo à titularidade das delegações das serventias extrajudiciais, ocasionado pela demora, justificada ou não, do Poder Público na realização de concursos públicos na forma e prazo determinados pelo art. 236 da CF/88 e pela Lei Federal nº 8.935/94. A manutenção e permanência de inúmeros oficiais, sem a devida aprovação em concurso público por longos anos, gera controversos “direitos adquiridos”, que prejudicam a regularização definitiva das serventias extrajudiciais e sobrecarregam o CNJ e o STF. Iniciamos uma análise e revisão no Sistema Justiça Aberta do Conselho Nacional de Justiça, o qual agrega as principais informações sobre as serventias extrajudiciais do Brasil. Este sistema é a principal ferramenta para o acompanhamento da situação das serventias extrajudiciais do Brasil. Sua falta de alimentação pelos notários e registradores, titulares ou interinos, acarreta, inclusive, afastamento justificado das suas atribuições. Em meu
último relatório, constavam no referido sistema 13.5691 serventias extrajudiciais ativas no Brasil, e deste número, 5.059 estão aptas a serem oferecidas nos concursos públicos para outorga de delegação de serviços notariais e de registro. Por fim, destaco na minha gestão, os programas de Coordenação de Controle Regional das 5 Regiões do País, o Nacional Redescobrindo os Juizados Especiais, o Nacional de Modernização da Administração das Varas Especializadas de Falência e Recuperação Judicial e o Nacional de Governança Diferenciada das Execuções Fiscais. Na busca da melhoria do serviço extrajudicial, o Conselho Nacional de Justiça editou o provimento 47/2015. Em linhas gerais, quais, são os objetivos e diretrizes do Provimento? Atendendo à necessidade de facilitar o intercâmbio de informações entre os ofícios de Registro de Imóveis, o Poder Judiciário, a administração pública e o público em geral, para eficácia e celeridade da prestação jurisdicional e do serviço público, editaram o Provimento 47 da Corregedoria Nacional. As diretrizes gerais estabelecidas no Provimento 47 foram (i)o intercâmbio de informações e documentos entre os registros de imóveis, o Poder Judiciário, a administração pública e o público em geral; (ii) a recepção e o envio de títulos em formato eletrônico; (iii) a expedição de certidões em formato eletrônico; e (iv) a formação de repositórios registrais eletrônicos nos cartórios para armazenamento de documentos eletrônicos. Acredito que a adequação do sistema registral imobiliário à nossa realidade atual, se traduz no intercâmbio de informações, por meio eletrônico, entre os ofícios de Registro de Imóveis, o Poder Judiciário, a administração pública e a sociedade em geral. Nossa iniciativa com a edição do Provimento 47 objetivou o aprimoramento dos ser1 - Dados obtidos do “Relatório Geral das Situações Jurídicas dos responsáveis por UF” do Sistema Justiça Aberta em 01/08/2016. ARISP JUS 09
viços prestados pelos cartórios de Registro de Imóveis, a fim de proporcionar maior segurança para a sociedade e representar uma conquista de racionalidade, de economicidade e de desburocratização dos serviços. Acredito que a integração e a comunicação entre as Corregedorias Estaduais, sobre as reais necessidades e possibilidades de suas serventias extrajudiciais, guiarão os próximos passos para a implementação do Registro Eletrônico de Imóveis nos Estados. Em uma entrevista recente à TV Registradores, a Sra. ressaltou que os serviços extrajudiciais são o segundo pilar do Direito. Qual a sua avaliação sobre a atividade registral? Sempre observei com muito interesse o trabalho realizado pelos notários e registradores, e, na minha breve passagem pela Corregedoria Nacional, pude verificar a atuação cuidadosa e proficiente das nossas serventias extrajudiciais. Pude, também, confirmar minha percepção de que a atuação dos delegados responsáveis pelos cartórios extrajudiciais, não é mero serviço burocrático, mas instrumento fornecido pelo Estado para regulação de relações jurídicas formais, garantindo segurança, publicidade, e eficácia aos atos e negócios jurídicos. Quem conhece minha jornada como juíza, sabe do meu inarredável posicionamento de que incumbe ao Estado facilitar o acesso à Justiça, aproximando o cidadão dos meios alternativos de composição de conflitos, informando-o de suas vantagens e garantias. Novas formas de resolução de conflitos têm surgido e, empiricamente, comprovado sua eficácia ao evitar a contenda ao invés de direcioná-la ao Poder Judiciário. Nesse contexto, destaco que o notário, no exercício diligente de sua função, assume grande importância como instrumento fornecido pelo Estado, para a regulação das relações jurídicas formais, e com isso, previne a instauração dos litígios. O que, de fato, desonera o Poder Judi10 ARISP JUS
ciário. Além disso, reafirmo que a capilaridade dos cartórios extrajudiciais, sua presença nos menores e mais distantes municípios, faz com que a Justiça chegue aonde, dificilmente, o juiz pode chegar. Na busca de uma cena judiciária mais humana e eficaz, o fenômeno da desjudicialização no Brasil revela o protagonismo dos nossos notários e registradores, corrente a qual me filio.
José de Mello Junqueira ENTREVISTA
O senhor é um profissional renomado – desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo – e professor reconhecido – diretor da Fadi Sorocaba. Na sua opinião, quais são os principais atributos de um bom profissional do Direito (juiz, promotor, advogado, tabelião, registrador)? O Direito, em sua acepção de plexo de normas que impõem obrigações e atribuem faculdades aos homens em sua vida social, exige profissionais que operem e façam aplicá-lo a todos os fenômenos sociais. Daí ensejar o Direito um leque bem amplo e aberto de especialização e atuação a escolher.
Exorbitaria de nosso objetivo, elencar atributos de cada profissional especializado porque os fenômenos jurídicos são quase infinitos e de vária ordem. Em qualquer das áreas que vier atuar, no entanto, exige-se do profissional capacidade de compreensão e reflexão dos fatos jurídicos, aplicando-lhes a regra de conduta mais adequada. O profissional do Direito, e o registrador que se insere nessa categoria, deverá sempre estar atualizado, com formação humanística e ética, capaz de assumir uma postura crítica frente à norma, adequando-a à realidade socioeconômica emergente, hoje deveras complexa. ARISP JUS 11
Cabe a ele uma visão interdisciplinar de todo o direito, não se cingindo a um juridicismo, ser apenas um jurista, pois se assim o for, será antes de tudo, como já disse Sassoferrato, um asno. A prática pedagógica meramente expositiva deverá mudar ante a atual sociedade em constante transformação, exigindo uma politização da função profissional, não sendo possível separar-se o direito da norma das exigências políticas, econômicas, sociais e culturais e, assim, formando os novos profissionais. Aproveitando a enorme vivência jurídica do Sr., em especial como magistrado, gostaríamos de saber como vê a magistratura do passado, do presente e do futuro? Toda comparação tem sua importância. Dela advêm sempre resultados positivos conforme sua abordagem. Antigamente ser Juiz de Direito era a ambição de muitos bacharéis, que não se importavam com os salários. Era vocacionado, tanto que assistíamos promotores de justiça fazendo concurso para a magistratura, ainda que fossem enfrentar situações de trabalho bem mais dificultosas. O Juiz trabalhava em suas próprias residências, não lhes era disponibilizado gabinete ou assessor. O serviço exigia dedicação total inclusive aos sábados e domingos, se não nas próprias férias. O Juiz era mais formalista, apegado ao Direito posto. Hoje, a procura pela magistratura tem-se orientado, em parte, pela segurança e estabilidade do trabalho, com salários razoáveis para uma vida saudável, embora discreta. É comum falar-se “em meu tempo” para enaltecer-se o passado como se tivesse sido melhor do que hoje. Não é bem assim. O Juiz de hoje tem-se mostrado capaz, atualizado e com uma cultura até superior, sempre procurando sua atualização. Trabalha 12 ARISP JUS
muito, embora os meios sejam mais adequados, com a ajuda da informática. O Juiz do futuro tem de ser melhor preparado pelos Tribunais, inclusive, em sua ética, exigindo-se nos concursos conhecimento da vida pregressa do candidato, de forma mais rigorosa. O Juiz do passado não tinha, o enfrentamento de problemas sociais. Hoje a responsabilidade social do Juiz é maior, mesmo porque as transformações sociais levou-os a uma nova postura em suas decisões, inclusive, política. O Juiz não pode ser insensível aos problemas sociais e políticos e deles se esperam uma atuação firme nesse sentido. Em março de 2016, entrou em vigor o Novo Código de Processo Civil. O senhor acredita que as alterações promovidas pela Lei 13.105/2015 serão benéficas ao sistema? Acredita que o processo terá seu término em tempo razoável, inclusive alcançando a satisfação do direito reconhecido por sentença? As alterações contidas no Novo Código de Processo Civil, de certa forma, são benéficas. O NCPC traz novidades, dentre elas a nova forma de contagem dos prazos, ensejando maior tempo para os advogados, já tão assoberbados com os apuros dessa difícil profissão. É nítida a preocupação do novo texto com a conciliação e solução consensual dos conflitos, por meio de mediação, o que deverá ser estimulado por todos os envolvidos no processo, juízes, advogados e membros do Ministério Público. Tanto é assim que o réu não é citado, em regra, para apresentar resposta e sim para que compareça à audiência de conciliação e mediação. Há várias inovações procedimentais importantes, segundo ilustra o professor Alberto Carlos Maestro Junior, como a estabilização da tutela provisória, em suas formas de urgência e de evidência que, com o tempo se evidenciará, na prática, de grande
utilidade para a consecução e solução do conflito. Quanto à petição inicial houve alterações benéficas em seus requisitos formais, exigindo novos dados e qualificação das partes, de modo a indicar se vivem em união estável, seu endereço eletrônico, e se o autor desconhece toda a qualificação da parte contrária, poderá requerer diligências para sua obtenção (art.319). São várias as inovações que acredito trarão celeridade e benefícios ao procedimento à busca da solução da pretensão inicial, como redução das hipóteses de cabimento de agravo de instrumento; implementação da taxa judiciária, evitandose a deserção; incidente de desconsideração da personalidade jurídica; instituição formal da figura amicus curiae; novidades sobre honorários de advogado, agora caracterizado verba pertencente ao advogado; forças vinculantes dos precedentes; mandato de resolução de demandas repetitivas, inserção da reconvenção no próprio texto da contestação. Enfim, visualiza-se uma melhoria que só o tempo confirmará. O Novo Código de Processo Civil trará algum grande impacto para a atividade registral? Ao perpassar os olhos pelo NCPC encontramos algumas novidades, e de certa forma, importantes para a atividade registral. A primeira está em seu art. 1071 que introduziu em nosso sistema, pelo acréscimo do art. 216-A à Lei de Registros Públicos, a usucapião administrativa extrajudicial. A inovação tem sua lógica. Se a pessoa que tem a posse do imóvel, de forma incontestada e continuamente, adquire-lhe a propriedade, nada obsta tal fato seja declarado por quem é dotado de fé pública e tem atribuições legais de garantir publicidade, autenticidade de fatos e atos que produzem efeitos jurídicos. O NCPC não se limita a essa inovação. O artigo
495 prevê a hipoteca judiciária (art. 466, caput do CPC/73), registrável com a apresentação de cópias da sentença perante o Registro de Imóveis, dispensada a ordem judicial, declaração expressa do juiz ou de demonstração de urgência. No artigo 792, vamos encontrar a caracterização da fraude à execução adjunta ao prévio registro da existência de execução (II) ou de ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória (I) ou, ainda, de ato de constrição judicial originária de processo onde foi arguida a fraude, ou hipoteca judiciária (III). O registro assume, assim, importância maior como proteção do credor contra fraude. Persiste no novo código a penhora (art. 523, § 3o) na fase de cumprimento da sentença e no art. 829, § 1º, relativa à execução fundada em título extrajudicial. De idêntica forma, o registro de arresto e sequestro de imóveis, medidas que passaram a ter natureza de tutela provisória da urgência cautelar (art. 301), prevendo-se, inclusive o registro de protesto contra alienação de bens. Ressaltem-se os artigos 877, § 2º, art.901, § 2º e art. 655 que impõem requisitos a serem cumpridos para o registro de carta de adjudicação, arrematação e formal de partilha. Importante examinem os registradores de imóveis o alcance do disposto nos art. 98, §1º e § 8º, matéria que merece melhor reflexão em outra oportunidade, uma vez que possibilita contrapor-se e questionar o registrador a concessão da gratuidade. Havendo uma dúvida fundamentada sobre os pressupostos da gratuidade, o Registro de Imóveis suscitará dúvida perante seu Juiz Corregedor, que poderá reapreciar a concessão do benefício. Será uma decisão de caráter jurisdicional ou simplesmente administrativa, com possibilidade de recurso para a Corregedoria Geral da Justiça ? Ou será uma decisão contra a qual não caberá recurso algum? A medida poderá ser revogada em seu todo ou ARISP JUS 13
apenas parcialmente, possibilitando, inclusive, o pagamento parcelado. Instaurado o procedimento, acredito ser necessário citar-se o beneficiário para manifestar-se sobre o requerimento de suscitação da dúvida, não se restringindo a citação apenas à hipótese de parcelamento do pagamento das custas e emolumentos. A suscitação da dúvida poderá acarretar constrangimentos, caso a gratuidade tenha sido concedida por Tribunal Superior. Mais correto seria a oposição desse contraditório perante o próprio Juízo que
O artigo 784, XI do NCPC prevê como título executivo extrajudicial certidão expedida pelo próprio registrador ou notário relativa a valores de emolumentos e demais custas, propiciando a execução para a cobrança do crédito estejam atentos os registradores e notários, quando citados para ações de reparação de danos, do direito de serem demandados no foro do lugar onde está a sede da serventia (artigo 53, III, letra “f ”). Digno de nota a penhora dos frutos e rendimentos de um imóvel, previsto no art. 867 e seguintes, que
concedeu a gratuidade, mas isto não é o que está escrito na lei processual. Indubitável, no entanto, a obrigatoriedade da prática do ato registral, antes da suscitação da dúvida.
possibilita seja a contrição averbada na matrícula do imóvel. Idêntica solução ao usufruto previsto no CPC/73, inadequado, no entanto, ao sistema processual, razão de ter sido criticada sua adoção,
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com essa terminologia, em estatuto processual (art. 825, inc.III). Qual a avaliação que o Sr. faz do serviço extrajudicial no país, em especial do Registro de Imóveis? A avaliação é positiva, principalmente, o de São Paulo, onde o dia-a-dia se aperfeiçoa e se moderniza, com novas técnicas, caminhando a passos largos para a sua total informatização. Os registradores de imóveis estão desenvolvendo uma infraestrutura tendente à implantação do registro eletrônico, integrando-se com os usuários dos serviços para facilitar-lhes o acesso ao registro de propriedade de seus imóveis. Importante salientar-se a implantação do sistema de visualização eletrônica de matrícula e matrícula online – forma rápida e ágil e com menor custo para pesquisa de dados do imóvel e seu proprietário. Foi implantado sistema eletrônico de averbação de penhoras, arresto e sequestro de imóveis, bem como de intimações de devedores fiduciantes, não se olvidando a penhorabilidade de remessa de contratos para registro por meio eletrônico, quando oriundos de Tabeliães de Notas e do sistema financeiro. Todas essas inovações fazem com que eu avalie positivamente os registros de imóveis, que não medem esforços para uma melhor prestação dos serviços. Aliás, a avaliação positiva do Registro de Imóveis foi constatada em recente pesquisa, onde obteve índice relevante de aprovação pelo público usuário.
do sistema registral está justamente em sua progressiva informatização, buscando transformarse totalmente eletrônico. Para isso, pioneira incentivadora está a ARISP, vanguarda da nova tecnologia digital dos registros de imóveis. A maioria dos Registros de Imóveis utiliza-se, em sua estruturação, de aplicativos eletrônicos, a caminho do fólio eletrônico registral, construindo uma infra- estrutura de hardware e software, ligada a internet, que facilitará o rápido acesso à publicidade registral. Os benefícios trazidos por essa modernização são visíveis, dentre eles, a efetiva publicidade registral, sua credibilidade, segurança e eficácia dos negócios jurídicos imobiliários. O caminho físico da casa e do escritório ao antigo cartório está se apagando e, consequentemente, abrindo-se uma era rápida e segura para o acesso às informações registrais. Com isso, ganha o usuário pessoa física, as empresas e o Poder Público, com perspectiva de redução de custos, aliada à proteção segura da privacidade dos atos registrados e sua autenticidade.
Qual é a sua expectativa com a implantação nacional do Registro de Imóveis eletrônico? Quais são os benefícios para sociedade, e também, para o serviço registral? Conforme acentuei acima, o grande avanço ARISP JUS 15
José Renato Nalini ENTREVISTA
O senhor como Corregedor Geral da Justiça (biênio 2012/2013) promoveu inúmeras alterações no serviço extrajudicial – provimentos modernos, centrais de registros públicos e a interligação dos serviços, dentre outras realizações – com o claro objetivo de modernizar a atividade. Passados alguns anos o senhor acredita que o serviço extrajudicial tenha acertado o passo com a modernização reclamada pela sociedade? As delegações extrajudiciais sempre estiveram à frente dos serviços estatais. Por isso é que reitero o mantra de que a solução mais inteligente do constituinte de 1988 foi a fórmula contida no artigo 236 do pacto federativo. Entregar função estatal, me16 ARISP JUS
diante delegação, a profissionais selecionados pelo mérito, para desempenho em caráter privado e sem qualquer aporte de dinheiro do povo para o funcionamento das serventias. A gestão empresarial conferiu às delegações extrajudiciais uma eficiência que nem sempre se encontra no serviço público diretamente exercido pelo Estado. Por isso é que elas estão na dianteira e conseguem, além do excelente desempenho, colaborar com as prestações ainda cometidas à Administração Pública. Essa parceria tem possibilitado ao Poder Judiciário se desincumbir de missões que, sem a prestimosa e espontânea contribuição das delegações, não conseguiria. Um exemplo emblemático é a exitosa iniciativa da “au-
diência de custódia”, que eliminou o déficit brasileiro em relação a compromissos assumidos na década de 70 do século passado, quando da elaboração do Pacto de San José da Costa Rica. O que mais pode ser feito para aproximar o serviço extrajudicial do usuário? A desenvoltura dos serviços extrajudiciais em relação às modernas tecnologias da comunicação e informação propicia evidente aceleração no atendimento das necessidades cidadãs, evitando, por exemplo, deslocamentos físicos, cada vez mais difíceis na comprometida mobilidade das cidades que servem prioritariamente aos automóveis e não aos pedestres. Manter portais de fácil comunicação e agradável aparência facilita a familiaridade do usuário com os serviços. Fazer pesquisas de satisfação e consultar o cliente com vistas a auscultar o que mais ele gostaria de obter junto às delegações. Um fator que auxilia muito é uma espécie de ouvidoria ou de relações públicas apta a elucidar dúvidas, pois um dos maiores óbices é o da dificuldade de comunicação. Sempre que a delegação trata seus usuários com polidez e simpatia, ele fideliza a clientela. E esta, muita vez, é cativa da serventia, pois não pode obter os préstimos junto a uma outra, principalmente na hipótese do Registro de Imóveis. O Estado de São Paulo é o recordista de concursos públicos no extrajudicial. O senhor participou ativamente de alguns destes certames públicos. É possível traçar um perfil ideal de bons registradores e notários? O que é indispensável para o sucesso do candidato? Posso testemunhar, inicialmente, que a fase dos concursos estabeleceu uma nítida fronteira nos quadros das delegações. Os selecionados nos rígidos certames de mérito, tão ou mais árduos do que o recrutamento de magistrados, mostraram-se aptos aos desafios postos por um serviço essencial,
cuja tradição é de confiabilidade, mas que em alguns casos evidenciava certa fratura do material. Os concursos trouxeram uma geração dinâmica, empreendedora, habilitada a criar novas alternativas de relacionamento e de gestão e o resultado foi o salto qualitativo no setor, reconhecido por toda a sociedade. O perfil do titular da delegação precisará ser cada vez mais o de profissional polivalente, que não estranhe a necessidade de superar a obsolescência e de enfrentar novos reptos, não com inércia ou reatividade, mas antecipando-se às tendências nem sempre explícitas de uma era de profunda mutação e crescente incerteza. O senhor como Corregedor Geral da Justiça visitou pessoalmente centenas de serventias extrajudiciais. O que o senhor sentiu com esta experiência? Algum fato mais marcante? A visita às delegações extrajudiciais foi um capítulo extremamente prazeroso de minha venturosa passagem pela Corregedoria Geral. Vi instalações magníficas, servidores devotados, tratamento condigno para com os usuários, notadamente os mais simples. Pude avaliar o que significa ser, por exemplo, registrador civil num lugarejo, representar a única presença do Estado naquele local e dar conta de um número imenso de atribuições, nem sempre explicitadas na lei. O titular da serventia é o consultor, o orientador, o conselheiro, o confidente, adicionando papéis inesperados à sua função de titular de delegação provido de fé pública para um exercício essencial à fruição da cidadania. Impressionei-me com as jovens registradoras civis da pessoa natural prestes a dar à luz, mas à frente da serventia, pois não são consideradas funcionárias públicas e não usufruem das licenças-maternidade garantidas a todas as mães dos quadros estatais. Isso evidenciou a responsabilidade patriótica do titular. Não se verifica o mesmo heroísmo em funções remuneradas exclusivamente pelo Estado, quando não está ARISP JUS 17
em questão a produtividade, a eficiência e a excelência dos préstimos. Por isso, repito, a inteligência do constituinte ao delegar serviço estatal a ser exercido por conta e risco do concursado. O Novo Código de Processo Civil incluiu na Lei de Registros Públicos o procedimento da
usucapião extrajudicial (art. 216-A). O senhor acredita que o procedimento criado diminuirá o número de ações de usucapião mensalmente distribuídas no Poder Judiciário? Penso que a proposta foi saudável, mas o procedimento poderia ser mais flexível, como tentei sugerir ao Deputado Paulo Teixeira quando se iniciou essa discussão. Inserir trâmites burocráticos, insistir em exigências formais que procrastinem a solução, é esvaziar o instituto dos principais benefícios que ele poderia oferecer à cidadania. Ainda preci18 ARISP JUS
samos desburocratizar mais a prestação do serviço estatal e extrajudicial, transferir às serventias tudo aquilo que ela pode fazer melhor, mais rapidamente e de forma confiável, menos dispendiosa do que o serviço público direto. Ainda há campo imenso de atribuições que melhor estaria se confiado aos zelosos e bem preparados titulares das delegações
extrajudiciais do que aos abarrotados cartórios judiciais. Por fim, gostaríamos de saber quais as principais dificuldades enfrentadas pelo senhor na fase de transição entre o Desembargador do Tribunal de Justiça para o Secretário de Educação do Estado de São Paulo? Quais os desafios de hoje? A educação é a chave para a resolução de todos os problemas brasileiros. Sem exceção, ela soluciona todas as questões que emperram o nosso de-
senvolvimento sustentável. Por isso, é urgente que família e sociedade se aliem ao Estado e cumpram seu dever de propiciar à infância e juventude uma educação de crescente qualidade. A dificuldade na Secretaria de Estado da Educação é conclamar a cidadania a assumir suas obrigações. Não é invenção: é a Constituição da República a comandar que a educação, direito de todos, é dever do Estado, da família e da sociedade – artigo 205 da CF. O Estado de São Paulo destina praticamente um terço de seu orçamento para a educação pública. Mas a família e a sociedade podem oferecer mais. Se isso não acontecer, o Brasil nunca chegará a ser uma Nação que possa competir com os Países vitoriosos do Primeiro Mundo. Ser juiz foi uma experiência muito feliz. Ser Secretário da Educação é uma provação, diante das dificuldades hoje agravadas por uma violenta crise econômico-financeira, sem perspectivas de rápido retorno à dinâmica do crescimento. Mas é nos momentos difíceis que a sociedade se torna mais sábia e mais adulta. Espero que todos os brasileiros de São Paulo providos de consciência e responsabilidade se compenetrem de que a educação é a política nacional de maior urgência e de maior relevância. As Escolas Paulistas precisam de uma aproximação afetiva, para compensar o sacrifício a que são submetidas numa era muito turbulenta, em que pleitos difusos e mutantes se convertem na intolerância e chegam à violência, tudo o que não deve existir no universo da educação.
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A INCIDÊNCIA DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA PARA OS EMOLUMENTOS: POSSIBILIDADE E PROCEDIMENTO PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Por Alberto Gentil de Almeida Pedroso e Caio Bartine Alberto Gentil de Almeida Pedroso Juíz de Direito em São Paulo. Juiz Assessor da Corregedoria Geral da Justiça nas Gestões 2012/2013, 2014/2015 e 2016/2017. Especialista em Direito Civil e Mestre em Direito. Professor universitário. Professor da Escola Paulista da Magistratura nos Cursos de Pós Graduação em Direito Civil, Processo Civil e Direito Notarial e Registral. Autor de diversas obras jurídicas. Professor de Processo Civil e Registro Públicos do Complexo Educacional Damásio de Jesus. Coordenador do Curso de Atualização e Aperfeiçoamento em Registro de Imóveis da Uniregistral. Caio Bartine MBA em Direito Empresarial - FGV/Management. Doutor em Ciências Sociais - UBA-AR. Mestrando em Direito - FADISP. Coordenador de Direito Tributário - Damásio Educacional. Professor dos cursos de pós-graduação de Direito Empresarial, Previdenciário e Tributário do Curso Damásio. Professor de Direito Tributário da Escola da Magistratura do Espírito SANTO - EMES. Autor de diversas obras jurídicas pela Editora Revista dos Tribunais. Advogado e Consultor Jurídico Tributário e Empresarial. 20 ARISP JUS
1ª PARTE: SISTEMÁTICA TRIBUTÁRIA NACIONAL: AS CUSTAS E OS EMOLUMENTOS SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL E JURISPRUDENCIAL
A nossa Constituição Federal dedica um capítulo específico sobre a disciplina tributária, regulando de maneira minuciosa a funcionalidade do sistema tributário brasileiro. Mesmo ante a observância de países pelos quais o direito brasileiro sofre influência, nada se compara a sistemática complexa adotada no Brasil. Em sua essência, o Sistema Tributário é nacional, vinculando-se, de igual modo, a todos os entes federativos. É sabido que temos divergências doutrinárias quanto às espécies de tributos. Independentemente das discussões doutrinárias, o Tribunal Constitucional Brasileiro adotou a classificação pentapartida como aquela que embasa a atual sistemática tributária brasileira em posição oposta àquela inserida no Código Tributário Nacional, adotando-se a classificação tripartida, conforme assinalado no art. 5º: “Art. 5º. Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria”. Nas afirmações do então Ministro Moreira Alves, quando do julgamento do RE 146.733, “de efeito, a par das três modalidades de tributos (impostos taxas e contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 da Constituição Federal para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o DF e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas”.
O art. 145, II, da Constituição Federal indica a possibilidade dos entes federativos instituírem taxas devidas em razão do exercício do poder de policia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Conforme aludido na Constituição Federal, trata-se de uma característica fundamental aplicável às taxas o desempenho de uma atividade específica do Poder Público, sendo o valor exigido do contribuinte proporcional ao custo estimado do serviço ou da atividade de fiscalização. Nas palavras do Ministro Celso de Mello, no julgamento da ADI 2.551 MC-QO, “se o valor da taxa ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro) configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV, da Constituição da República”. É cediço que a atividade notarial e registral, mesmo executada no âmbito das serventias extrajudiciais, constitui, em decorrência de sua própria natureza, uma função revestida de estatalidade, sujeita a um regime jurídico de direito público. O fato de a Constituição da República estabelecer, em seu art. 236, que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público não descaracteriza a estatalidade que reveste a atividade. As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público, são destinadas a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurí-
dicos, constituindo-se órgãos públicos titularizados por agentes públicos e terão a fixação dos emolumentos relativos aos atos praticados mediante lei federal, em conformidade com o disposto no art. 236, §2º da Constituição da República. A temática da natureza jurídica das custas e emolumentos já foi amplamente debatida entre os juristas e na própria Corte Constitucional. No julgamento da ADI 1.378-5, a jurisprudência do STF firmou entendimento no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes ao serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em consequência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que concerne à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais da reserva de competência impositiva, da legalidade, da isonomia e da anterioridade. Superada a discussão sobre a natureza jurídica conferidas as custas e aos emolumentos, passamos a considerar a concessão de benefícios fiscais, uma vez que todos os tributos incluídos na Constituição da República – e isto se aplica, de igual forma, às taxas – sujeitam-se ao regime jurídico-constitucional imposto na sistemática tributária brasileira. Reza o art. 150, §6º, in verbis: “Art. 150 (...) §6º. Qualquer subsídio ou isenção, redução da base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativas aos impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o ARISP JUS 21
correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, §2º, XII, g”.
A lei que deve ser utilizada para desoneração dos tributos deve ser editada pelo próprio titular da competência impositiva, sob pena de flagrante afronta ao princípio da autonomia tributária das pessoas constitucionalmente previstas. Entretanto, impõe-se a edição de lei específica, não bastando a edição de uma simples lei genérica editada pelo titular da competência tributária.
§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso. § 3o O disposto neste artigo não se aplica: I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o; II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.”
Ademais, além da observância aos ditames Busca-se, nesse dispositivo, uma gestão fiscal constitucionais, a lei de responsabilidade fiscal limita responsável, transparente, visando prevenir a ação do legislador na concessão de incentivos de natureza tributária, conforme determina o art. 14 desequilíbrios orçamentários. Entretanto, vemos que o legislador anda em descompasso com os da LC 101/00: ditames estabelecidos em lei, notadamente na “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo prestação de serviços notariais e registrais, senão ou benefício de natureza tributária da qual decorra vejamos: renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário - financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
I) independentemente do serviço notarial e registral ser prestado em caráter privado, por delegação do Poder Público, é cediço que o mesmo está revestido de estatalidade, estando sujeito a um regime jurídico de direito público;
II) as custas e emolumentos das serventias extrajudiciais revestem-se de natureza jurídica tributária, notadamente de taxas de serviços a serem cobrados dos usuários pela prestação do serviço II - estar acompanhada de medidas de público notarial e registral, estando, portanto, compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação sujeitos a toda sistemática constitucional tributária; de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. § 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. 22 ARISP JUS
III) os benefícios fiscais e renúncias fiscais devem ser conferidas pelo próprio ente político dotado de competência tributária, sendo instituídos mediante lei específica e em consonância com o disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Pontuadas tais premissas, nos deflagramos com o disposto no art. 98 da Lei 13.105/15 (Novo Código de Processo Civil), que revela: A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. De fato, estamos diante de uma situação pela qual uma norma geral processual confere a possibilidade de pessoas físicas ou jurídicas terem direito a uma gratuidade de custas, ao arrepio de todos os itens acima expostos. Tal gratuidade soa, mediante simples interpretação, como uma forma de renúncia de receita tributária, vez que as custas e emolumentos, conforme amplamente demonstrado e debatido, têm natureza jurídica de taxa de serviço. Ora, em sendo uma taxa, não se subsumi ao disposto no art. 150, §6º do texto constitucional? Não se aplica ao regramento exposto no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal? A simples indicação do artigo em comento, visando atender o amplo acesso à justiça, não pode repudiar preceitos constitucionais e legais que podem comprometer o bom funcionamento na prestação de serviços públicos das serventias extrajudiciais. Há necessidade de melhor entendimento sistemático e estudo mais aprofundado do tema, que não se faz presente nesse artigo, servindo apenas como uma ponderação sobre a importância do debate à lume dos preceitos constitucionais tributários e da política tributária.
2ª PARTE: PROCEDIMENTO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA E O SERVIÇO EXTRAJUDICIAL
Apresentada a questão inicialmente sob a ótica da possibilidade técnica-legislativa de previsão ampliativa da gratuidade da justiça aos emolumentos extrajudiciais, passamos a enfrentar criticamente o tema em observância ao modelo criado pelo Código de Processo Civil. Inaugurando o Livro III, Título I, Capítulo II, Seção IV, do Código de Processo Civil, dispõe o art. 98, “caput”, sobre a gratuidade da justiça: A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
Ainda que de fácil compreensão a extensão expressa da gratuidade as pessoas físicas e jurídicas, brasileiras ou estrangeiras, ponto que merece destaque e enfrentamento refere-se ao melhor entendimento do termo “insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas e os honorários (..)”. De fato, a Lei processual civil comum não exigiu expressamente para concessão da gratuidade da justiça à declaração de pobreza do interessado – conforme previa o art. 4º, parágrafo 1º, da Lei 1.060/50, (revogado pelo Código de Processo Civil em seu art. 1.072, III) – mas a ausência de tal condição deve ser entendida de que forma? Para Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (Novo Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed., RT, pág. 241) dispensada a demonstração da condição de pobreza para gratuidade de justiça, basta a afirmação que a parte não tenha recursos suficientes para pagar as custas judiciais, as despesas do processo e os emoluARISP JUS 23
mentos extrajudiciais que fará jus a benesse legal. Mesmo que a pessoa tenha patrimônio suficiente, se estes bens não têm liquidez para adimplir com essas despesas, há direito à gratuidade. Todavia, respeitada a opinião dos festejados doutrinadores, entendemos que a melhor compreensão do termo “insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas e os honorários (..)” ainda é exigir da parte interessada na benesse legal à demonstração de insuficiência econômica para o custeio das despesas do processo e emolumentos. Deste modo, prestigiado o acesso efetivo à justiça na busca da concretização de direitos dos necessitados, ainda manteremos um sistema pautado na boa-fé objetiva e razoabilidade. Boa-fé objetiva, pois trata-se de comportamento leal da parte arcar com as despesas judiciais e extrajudiciais se possui patrimônio suficiente para tanto, ainda que tenha que se desfazer de parte dele. Afinal, prestado um serviço público que exige contrapartida, não se mostra razoável a concessão da gratuidade apenas pela falta de liquidez patrimonial do beneficiado. É nesse sentido, inclusive, que se mantém boa parte da jurisprudência após a vigência do Novo Código de Processo Civil: (...) Com efeito, a gratuidade da justiça é devida apenas àqueles com comprovada insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, conforme vigente regramento do NCPC, art. 98. Mesmo na plena vigência da Lei 1.060/50, os requisitos ali estabelecidos eram avaliados à luz do que dispõe a CF- art. 5º, LXXIV, que determina que a assistência jurídica integral e gratuita é devida aos que efetivamente comprovarem insuficiência de recursos. Assim, é lícito ao Juízo tanto exigir a apresentação de documentos comprobatórios quanto denegar o benefício se os elementos dos autos 24 ARISP JUS
desde logo indicarem a ausência dos requisitos para a concessão do benefício. No caso concreto, o que se verifica é que um dos agravantes tem valores expressivos em aplicações financeiras (fls. 155), marcadas pela fácil liquidez, situação a elidir a declaração de pobreza apresentada. Disso tudo decorre que os agravantes não são pobres na acepção jurídica do termo, de modo que foi bem o juízo monocrático ao indeferir os benefícios da justiça gratuita. (...) (TJSP, Agravo de instrumento n° 2118797-42.2016.8.26.0000, 1ª C. de Direito Privado, relator Durval Augusto Rezende, data do julgamento 09/09/2016) E AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – POLICIAL MILITAR – Decisão que indeferiu o benefício da justiça gratuita – Pleito de reforma da decisão – Inadmissibilidade – Agravante que não pode ser enquadrado na condição de necessitado, com rendimento líquido de 4,9 salários mínimos – Declaração de pobreza e documentos juntados aos autos que não são suficientes para demonstrar a hipossuficiência – Decisão mantida – Agravo não provido. (TJSP, Agravo de instrumento n° 2132492-63.2016.8.26.0000, 3ª C. de Direito Público, rel. Kleber Leyser de Aquino, data do julgamento 06/09/2016). O segundo ponto que merece análise é a possibilidade de modulação do benefício da gratuidade da justiça, previsão inovadora do Código de Processo Civil, prevista no art. 98, parágrafos 5º e 6º, nos seguintes termos: (...) § 5º - a gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento. § 6º - conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais
que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
Diante do novo quadro legal, poderá o juiz, no caso concreto, conceder o benefício da gratuidade da justiça em relação a um especifico ato ou a todos os atos processuais, ou reduzir o percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento. Torna-se possível também ao magistrado deferir apenas o parcelamento das despesas processuais, após análise pormenorizada da condição da parte, valor das custas para fixação do número de parcelas para pagamento integral das custas, despesas processuais e emolumentos. Entendemos que diante da estrutura criada pelo Código de Processo Civil de acesso concreto à justiça pela parte efetivamente necessitada o sistema de modulação do benefício da gratuidade pode atingir todas as hipóteses de custas e despesas previstas no art. 98, § 1º- I - as taxas ou as custas judiciais; II - os selos postais; III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse; V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais; VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução; VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato nota-
rial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido. A modulação da gratuidade da justiça é uma ferramenta processual muito útil, pois autoriza o magistrado que análise de maneira fundamentada a capacidade econômica do interessado e atribua a cada parte, de forma personalizada, o montante exato da benesse que lhe é devida. Oxalá os juízes utilizem o dispositivo legal para tornar efetivo o espírito da norma jurídica, de maneira a tornar gratuito todos os atos que de fato devem ser, mas sem abusos ou exageros. O último ponto que merece ser destaque e apreciação é o disposto no art. 98, § 8º do Código de Processo Civil, que assim dispõe: § 8a - na hipótese do § 1ª, inciso IX, havendo dúvida fundada quanto ao preenchimento atual dos pressupostos para a concessão de gratuidade, o notário ou registrador, após praticar o ato, pode requerer, ao juízo competente para decidir questões notariais ou registrais, a revogação total ou parcial do benefício ou a sua substituição pelo parcelamento de que trata o § 6° deste artigo, caso em que o beneficiário será citado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se sobre esse requerimento. A autorização do art. 98, em seu § 8º, do Código de Processo Civil, para que o registrador ou tabelião, havendo dúvida fundada quanto ao preenchimento atual dos pressupostos para a concessão de gratuidade, solicite, após praticar o ato que lhe compete, ao juízo competente para decidir questões notariais ou registrais, a revogação do benefício ou mesmo sua modulação (revogação parcial ou parcelamento), reforça a ideia que a concessão e manutenção do benefício deve ser exclusivamente ARISP JUS 25
para os necessitados. Todavia, entendemos que a norma jurídica precisa de alguns acabamentos interpretativos para sua plena aplicação: a. Prazo para solicitação pelo tabelião ou registrador para que o juiz module o benefício da gratuidade ou até revogue: 15 dias úteis contados da data em que praticou o ato que lhe competia, pois é exatamente esse o prazo concedido no art. 98, § 8º, ao beneficiário da gratuidade para se manifestar sobre o requerimento impugnativo. A solução apresentada respeita o equilíbrio de forças com a concessão de prazos idênticos (igualdade de tratamento) e a observância da segurança jurídica, no tocante a certeza que a impugnação não poderá ocorrer a qualquer tempo; b. O requerimento pode ser formulado diretamente pelo tabelião ou registrador nos autos: ante a falta de ressalva em sentido contrário, entendemos que o próprio titular da serventia extrajudicial poderá formular o pedido de revogação total ou parcial do benefício da gratuidade ou parcelamento dos emolumentos; c. Competência para apreciação do pedido impugnativo do tabelião ou registrador, ou seja, melhor interpretação da expressão “juízo competente para decidir questões notariais ou registrais”: tratando de benesse legal conferida na esfera jurisdicional pelo juiz do processo, entendemos que o pedido impugnativo apresentado pelo tabelião ou registrador deverá ser encaminhado e apreciado pelo magistrado que conduz o processo judicial e não pelo juiz corregedor permanente. O juiz do processo é o “juízo competente para decidir questões notariais ou registrais” relativos àquele processo e as partes envolvidas. A via administrati26 ARISP JUS
va não se presta a revisar, reformar, modificar ou cancelar decisão judicial proferida no âmbito jurisdicional. Afinal, é entendimento firmado pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo e pelo Conselho Superior da Magistratura que a via administrativa não pode rever decisões oriundas da via jurisdicional – precedentes do E. CSM nesse sentido: 0006128-03.2012.8.26.0362, 102529006.2014.8.26.0100,0001717-77.2013.8.26.0071, 1025290-06.2014.8.26.0100. Em reforço, vale trazer à baila parecer da lavra do Juiz Auxiliar da Corregedoria Dr. Álvaro Mirra, nos autos do processo CG n° 2008/66457: ocorre que a pretendida retificação do título judicial referido não pode ser obtida nesta esfera administrativo-correcional, dada a impossibilidade de revisão pela Corregedoria Permanente e mesmo pela Corregedoria Geral da Justiça de decisões proferidas na esfera jurisdicional. De fato, o indeferimento da correção do formal de partilha, na espécie, como referido, se deu por decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz de Direito nos autos do processo de arrolamento, de natureza jurisdicional, de sorte que somente no âmbito jurisdicional poderá ela ser reexaminada e, eventualmente, reformada para finalidade pretendida pelo Recorrente. Em linhas gerais são estas as ponderações que entendíamos pertinentes em relação à previsão da gratuidade da justiça para os emolumentos do extrajudicial no Novo Código de Processo Civil. O tema é relevante e a discussão indispensável, sendo o objetivo deste trabalho simplesmente fomentar a reflexão na busca do constante aprendizado.
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Quando afirmo que a estratégia utilizada pelo constituinte de 1988 para formatar novo design de prestação dos serviços do foro não oficializado da Justiça foi a mais inteligente, não me engano e tenho seguidas razões para comprovar o asserto. Agora mesmo, o Conselho Nacional de Justiça edita a Resolução 228, de 22.6.2016, para regulamentar a aplicação, no âmbito do Poder Judiciário, da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros celebrada em Haia, em 5.10.1961, a chamada “Convenção da Apostila”.
EFICIÊNCIA EXTRAJUDICIAL NOVAMENTE CONCLAMADA Por José Renato Nalini Bacharel em Direito pela PUC Campinas em 1971. Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela USP em 1992 e 2000, respectivamente. Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo de 1973 até 1976, quando ingressou na carreira da magistratura como Juiz de Direito. Promovido a Juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo em 1993, tornouse desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo em 2004. Corregedor-geral da Justiça do Estado de São Paulo de 2012 a 2013 e Presidente do tribunal de 2014 a 2015, quando se aposentou. Atualmente, é Secretário de Educação de São Paulo e membro da Academia Paulista de Educação e da Academia Brasileira de Educação. Autor de livros como “Por que Filosofia?”, “Direitos que a Cidade Esqueceu”, “Pronto para Partir? Reflexões Jurídico-Filosóficas sobre a Morte” e “Recrutamento e Preparo de Magistrados”.
Observe-se que a adesão do Brasil a essa Convenção celebrada em 1961, só foi aprovada pelo Congresso Nacional com a edição do Decreto Legislativo 148, de 6.7.2015. Houve a ratificação no plano internacional mediante o depósito do instrumento de adesão perante o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino dos Países Baixos em 2.12.2015 e a promulgação no plano interno ocorreu com o Decreto 8.660, de 29.1.2016. Muita burocracia na esfera administrativa, mas a intenção de reduzi-la para o destinatário, já que o Poder Judiciário é o competente para a implementação do que se convencionou em Haia no território brasileiro e é o órgão fiscalizatório dos serviços notariais e de registro, de acordo com o artigo 236, § 1º, da Constituição da República. O Judiciário já se convenceu de que os serviços executados pelo setor extrajudicial se revestem de maior eficiência, segurança e celeridade do que se fossem oferecidos diretamente ao interessado. Daí confiar aos extrajudiciais a legalização dos documentos produzidos em território nacional e destinados a produzir efeitos em países partes da Convenção da Apostila de Haia.
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Por legalização se entenda a formalidade pela qual se atesta a autenticidade da assinatura, da função ou do cargo exercido pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou do carimbo nele aposto. Desde 14 de agosto de 2016, todas as apostilas emitidas pelos países partes da Convenção, inclusive as com data anterior à vigência do ato normativo convencionado, serão aceitas em território nacional, em substituição à legalização diplomática ou consular. Ao lado das Corregedorias Gerais da Justiça e das Corregedorias permanentes, titularizadas por integrantes do Poder Judiciário, os titulares das serventias extrajudiciais são autoridades competentes para a aposição de apostila em documentos públicos produzidos no território nacional. Além da regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça, a segurança e confiabilidade do sistema foi consolidado pela instituição do Sistema Eletrônico de Informações e Apostilamento - SEI-Apostila, como sistema único para emissão de apostilas em território nacional. Sua emissão dar-se-á, obrigatoriamente, por meio eletrônico, cujo acesso ocorrerá mediante certificado digital. É o reconhecimento explícito de que os serviços extrajudiciais são providos de sistemática eficiente, hábil a suprir deficiências da Administração Pública direta, da qual são peculiares delegados. Muitas outras atribuições ainda podem ser transferidas à esfera das serventias que se aprimoram continuamente para oferecer préstimos de extrema confiabilidade e que se aparelharam de tal forma, que o próprio Judiciário, o Poder delegante, a cada passo recorre com frequência maior à prestimosa atuação dos delegados. Os possíveis entraves no funciona28 ARISP JUS
mento de tarefa que mal teve início, decorrem de percalços burocráticos não creditáveis ao setor extrajudicial. A adoção de sistemática da iniciativa privada nos serviços delegados tem sido atestado do acerto do constituinte, que foi muito feliz ao adotar estratégia que atende melhor à cidadania e desburocratiza o Brasil, libertando-o de pesada herança colonial.
José Renato Nalini https://renatonalini.wordpress.com
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1. INTRODUÇÃO O presente estudo não tem a pretensão de exaurir o tema das cédulas de crédito rural e industrial, mas abordá-la a partir das exigências para seu ingresso no registro imobiliário. Para essa finalidade, entende-se necessário retomar a Teoria Geral dos Títulos de Crédito, porque é desse alicerce que se poderá compreender as exigências para o ingresso no registro imobiliário, ao mesmo tempo em que as características dos títulos de crédito industrial e rural serão melhor entendidas.
O INGRESSO DAS CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL E INDUSTRIAL NO REGISTRO IMOBILIÁRIO* Por Renata Mota Maciel Dezem Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Doutora em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Teoria Geral dos Títulos de Crédito como alicerce. 3. Títulos de crédito industrial. 4. Títulos de crédito rural. 5. O ingresso das cédulas de crédito rural e industrial no registro imobiliário. 6. Questões de maior incidência. 7. Bibliografia.
* Artigo formulado a partir de aula apresentada na Uniregistral, no ano de 2016.
Na parte final, serão apresentadas questões de maior incidência, envolvendo o ingresso registrário das cédulas de crédito rural e industrial. 2. A TEORIA GERAL DOS TÍTULOS DE CRÉDITO COMO ALICERCE Retomar a Teoria Geral dos Títulos de Crédito, como alicerce para o estudo aqui pretendido mostra-se indispensável para a compreensão das razões das exigências para o ingresso no registro imobiliário, muitas vezes perdidas com o transcurso do tempo e a fixação de verdades absolutas, que impedem a reflexão sobre as razões de determinadas exigências impostas e mesmo a corajosa tentativa de manter apenas aquelas que, efetivamente, encontram um fundamento jurídico ou de segurança jurídica. A primeira lição que deve ser relembrada é justamente a afirmação de Tullio Ascarelli, no sentido de que o ponto de partida dos títulos de crédito é a facilitação da circulação de direitos.1 1 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Campinas: Editora Servanda, 2013, p. 10. ARISP JUS 29
A plena circulação de direitos, por sua vez, facilita o crédito, por permitir sua mobilização, o que só pode ocorrer a partir da teoria relacionada aos títulos de crédito, dado que as normas do direito comum não permitem a circulação dos direitos de crédito da forma esperada, sobretudo diante da necessidade de agilidade e segurança jurídica2. O conceito de título de crédito, a partir do Código Civil de 2002, está expresso na legislação brasileira, ao dispor, em seu artigo 887, que “o título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei”. São atributos dos títulos de crédito a negociabilidade e a executividade, dos quais se extraem a já mencionada facilitação da circulação de direitos. Os títulos de crédito são negociáveis facilmente, principalmente quando se pensa em atos cambiais como o endosso, ao mesmo tempo em que são títulos executivos extrajudiciais, conforme dispõe o artigo 784 do Código de Processo Civil. É corrente a noção de que são princípios dos títulos de crédito a cartularidade, a literalidade e a abstração, ainda que a evolução desses princípios não seja uníssona, mesmo porque muitas vezes são encarados de maneira independente. De qualquer forma, novamente com a lição de Tullio Ascarelli, sua coordenação permite melhor compreendê-los, tanto em seu alcance como em seu resultado de conjunto3.
2 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Campinas: Editora Servanda, 2013, p. 12. 3 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Campinas: Editora Servanda, 2013, p. 15. 30 ARISP JUS
A cartularidade talvez seja o princípio que maior evolução sofreu ao longo do tempo, a ponto de ser mal compreendido o seu conceito por alguns, que o vinculam ao suporte papel. Não era o que afirmara Tullio Ascarelli, para quem os títulos de créditos seriam, antes de qualquer coisa, um documento4, sem exigir, no entanto, que assumissem forma papelizada5. O princípio da literalidade significa que “o direito decorrente do título é literal no sentido do que, quanto ao conteúdo, à extensão e às modalidades desse direito, é decisivo exclusivamente o teor do título”6. A partir do princípio da abstração se entende que também a própria relação causal constitui uma relação extracartular, assim como as exceções respectivas. Nas palavras de Tullio Ascarelli7: A abstração, em substância, representa como que um passo ulterior no caminho em que a literalidade constitui já um primeiro passo, isto é, no caminho da sempre maior delimitação e objetivação do direito cartular; da sua sempre maior distinção ao conjunto do “negócio” econômico havido entre as partes, e, isso, justamente à vista da sua circulação e da segurança desta.
4 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Campinas: Editora Servanda, 2013, p. 61. 5 Nesse aspecto, vejam-se as discussões sobre a admissão dos títulos de crédito virtuais ou digitais. Nesse sentido: PARENTONI, Leonardo Netto. A duplicata virtual em perspectiva. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, v. LI, p. 145176, 2012. 6 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Campinas: Editora Servanda, 2013, p. 88. 7 ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Campinas: Editora Servanda, 2013, p. 158.
Ainda que singela, a abordagem acima servirá ciado movimentará por meio de cheques, saques, como alicerce para análise dos títulos em espécie, recibos, ordens, cartas ou quaisquer outros documentos, na forma e no tempo previstos na cédula no caso, os títulos de crédito industrial e rural. ou no orçamento. 3. TÍTULOS DE CRÉDITO INDUSTRIAL O contrato, portanto, é de abertura de crédito, Para compreender os títulos de crédito indus- garantido pela cédula de crédito industrial. trial, importante relembrar que foram instituídos As importâncias fornecidas pelo financiador em um contexto histórico de reorganização da economia nacional e promoção do desenvolvimento vencerão juros e poderão sofrer correção monetária às taxas e aos índices que o Conselho Monetário econômico como política econômica. Nacional fixar, calculados sobre os saldos devedoA criação desses títulos de crédito especiais res da conta vinculada à operação, e serão exigíveis ocorre a partir do Decreto-Lei n. 413, de 9/1/1969, em 30 de junho, 31 de dezembro, no vencimento, criando-se um sistema de crédito industrial, para na liquidação da cédula ou, também, em outras regular o financiamento concedido por instituições datas convencionadas no título, ou admitidas pelo financeiras a pessoa física ou jurídica que se dedi- referido Conselho. quem à atividade industrial8. Em caso de mora, a taxa de juros constante da O Decreto-Lei prevê dois tipos de títulos: a cé- cédula será de 1% (um por cento) ao ano e deve ser dula de crédito industrial e a nota de crédito indus- inserida em cláusula na cédula. trial. O credor pode exercer a mais ampla fiscalização O emitente da cédula fica obrigado a aplicar o fi- do emprego da quantia financiada, inclusive pernanciamento nos fins ajustados, devendo compro- correr as dependências dos estabelecimentos invar essa aplicação no prazo e na forma exigidos pela dustriais e verificar o andamento dos serviços, por si ou por seus representantes. Se a fiscalização tiver instituição financiadora. custos e despesas, pode-se ajustar na cédula comisA aplicação do financiamento ajustar-se-á em são fixada, calculada sobre os saldos devedores da orçamento, assinado, em duas vias, pelo emitente conta vinculada à operação. e pelo credor, dele devendo constar expressamente A cédula de crédito industrial é uma promessa qualquer alteração que convencionarem. de pagamento em dinheiro, com garantia real, Far-se-á, na cédula, menção do orçamento que a cedularmente constituída. A garantia real, por sua vez, pode ser instituída na forma de penhor cedular, ela ficará vinculado. alienação fiduciária ou hipoteca cedular. O financiador abrirá, com o valor do financiaOs bens onerados poderão ser objeto de nova mento conta vinculada à operação, que o finangarantia cedular a simples inscrição da respectiva 8 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º volume. cédula equivalerá à averbação à margem da anterior, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 657.
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do vínculo constituído em grau subsequente. Em caso de mais de um financiamento, sendo os mesmos o credor e emitente da cédula, o credor e os bens onerados, poderá estenderse aos financiamentos subsequentes o vínculo originariamente constituído mediante referência à extensão nas cédulas posteriores, reputando-se uma só garantia com cédulas industriais distintas. A extensão será averbada à margem da inscrição anterior e não impede que sejam vinculados outros bens à garantia. Havendo vinculação de novos bens, além da averbação, estará a cédula sujeita à inscrição no Cartório do Registro de Imóveis. Não será possível a extensão se tiver havido endosso ou se os bens já houverem sido objeto de novo ônus em favor de terceiros. A cédula de crédito industrial é título líquido e certo, exigível pela soma dela constante ou do endosso, além dos juros, da comissão de fiscalização, se houver, e demais despesas que o credor fizer para segurança, regularidade e realização de seu direito creditório. Se o emitente houver deixado de levantar qualquer parcela do crédito deferido, ou tiver feito pagamentos parciais, o credor poderá descontá-los da soma declarada na cédula, tornando-se exigível apenas o saldo. Não constando do endosso o valor pelo qual se transfere a cédula, prevalecerá o da soma declarada no título, acrescido dos acessórios, na forma deste artigo, deduzido o valor das quitações parciais passadas no próprio título. 32 ARISP JUS
Importa em vencimento antecipado da dívida resultante da cédula, independentemente de aviso ou de interpelação judicial, a inadimplência de qualquer obrigação do eminente do título ou, sendo o caso, do terceiro prestante da garantia real. Verificado o inadimplemento, poderá, ainda, o financiador considerar vencidos antecipadamente todos os financiamentos concedidos ao emitente e dos quais seja credor. A inadimplência, além de acarretar o vencimento antecipado da dívida resultante da cédula e permitir igual procedimento em relação a todos os financiamentos concedidos pelo financiador ao emitente e dos quais seja credor, facultará ao financiador a capitalização dos juros e da comissão de fiscalização, ainda que se trate de crédito fixo. A cláusula discriminando os pagamentos parcelados, quando cabível, será incluída logo após a descrição das garantias. A descrição dos bens vinculados poderá ser feita em documento à parte, em duas vias, assinado pelo emitente e pelo credor, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância, logo após a indicação do grau do penhor ou da hipoteca, da alienação fiduciária e de seu valor global, lembrando-se, nesse ponto, o princípio da literalidade dos títulos de crédito. A especificação dos imóveis hipotecados, pela descrição pormenorizada, poderá ser substituída pela anexação à cédula de seus respectivos títulos de propriedade e deverão constar da cédula menção expressa à anexação dos títulos de propriedade e a declaração de ou eles farão parte integrante da cédula até sua final liquidação.
A cédula de crédito industrial poderá ser aditada, ratificada e retificada, por meio de menções adicionais e de aditivos, datados e assinados pelo emitente e pelo credor, lavrados em folha à parte do mesmo formato e que passarão a fazer parte integrante do documento cedular. A nota de crédito rural, por sua vez, constitui promessa de pagamento em dinheiro, sem garantia real, e esta é a diferença fundamental em relação à cédula de crédito industrial. 4. TÍTULOS DE CRÉDITO RURAL O Decreto - Lei n. 167, de 14 de fevereiro de 1967 reorganizou e simplificou a emissão desses títulos de crédito, que tem por objetivo fomentar o financiamento rural9. Posteriormente, a Lei n. 11.076, de 30 de dezembro de 2004, instituiu outros títulos destinados às operações financeiras envolvendo o agronegócio (certificado de depósito agropecuário, ‘warrant’ agropecuário, certificado de direitos creditórios do agronegócio, letra de câmbio do agronegócio e o certificado de recebíveis do agronegócio). O financiamento rural concedido pelos órgãos integrantes do sistema nacional de crédito rural e pessoa física ou jurídica poderá efetivar-se por meio das células de crédito rural previstas no DecretoLei n. 167/67. Faculta-se a utilização das cédulas para os financiamentos da mesma natureza concedidos 9 Ver, também, FIORANTI, Cláudio. Cédulas de crédito rural, industrial, à exportação e comercial. Registro de Imóveis. Estudos de Direito Registral Imobiliário. XXI Encontro de Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil. São Luiz, 1994. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 131-251.
pelas cooperativas rurais a seus associados ou às suas filiadas. O emitente da cédula fica obrigado a aplicar o financiamento nos fins ajustados, devendo comprovar essa aplicação no prazo e na forma exigidos pela instituição financiadora. Nos casos de pluralidade de emitentes e não constando da cédula qualquer designação em contrário, a utilização do crédito poderá ser feita por qualquer um dos financiados, sob a responsabilidade solidária dos demais. A aplicação do financiamento poderá ajustarse em orçamento assinado pelo financiado e autenticado pelo financiador dele devendo constar expressamente qualquer alteração que convencionarem. Na hipótese, far-se-á, na cédula, menção no orçamento, que a ela ficará vinculado. O credor poderá, sempre que julgar conveniente e por pessoas de sua indicação, não só percorrer todas e quaisquer dependências dos imóveis referidos no título, como verificar o andamento dos serviços neles existentes. Eventuais despesas com os serviços de fiscalização poderão ser ajustadas na cédula taxa de comissão de fiscalização exigível na forma do disposto no artigo 5º, a qual será calculada sobre os saldos devedores da conta vinculada a operação respondendo ainda o financiado pelo pagamento de quaisquer que se verificarem com vistorias frustradas ou que forem efetuadas em consequência de procedimento seu que possa prejudicar as condições legais e celulares. A cédula de crédito rural é promessa de pagamento em dinheiro, sem ou com garantia ARISP JUS 33
real cedularmente constituída, sob as seguintes denominações e modalidades: Cédula Rural Pignoratícia; Cédula Rural Hipotecária; Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária; e Nota de Crédito Rural. A cédula de crédito rural é título civil10, líquido e certo, exigível pela soma dela constante ou do endosso, além dos juros, da comissão de fiscalização, se houver, e demais despesas que o credor fizer para segurança, regularidade e realização de seu direito creditório. Se o emitente houver deixado de levantar qualquer parcela do crédito deferido ou tiver feito pagamentos parciais, o credor poderá descontá-los da soma declarada na cédula, tornando-se exigível apenas o saldo. Não constando do endosso o valor pelo qual se transfere a cédula, prevalecerá o da soma declarada no título acrescido dos acessórios, na forma deste artigo, deduzido o valor das quitações parciais passadas no próprio título. Importa vencimento de cédula de crédito rural independentemente de aviso ou interpelação judicial ou extrajudicial, a inadimplência de qualquer obrigação convencional ou legal do emitente do título ou, sendo o caso, do terceiro prestante da garantia real. Verificado o inadimplemento, poderá ainda o credor considerar vencidos antecipadamente todos os financiamentos rurais concedidos ao emitente e dos quais seja credor. 10 Sobre a natureza desses títulos de crédito, ver SANTOS, Cláudio. Cédulas de crédito rural, industrial e comercial: aspectos materiais e processuais. Revista Ajuris. Ano XIX, novembro/1992. Porto Alegre: Ajuris, 1992, p. 200-211. 34 ARISP JUS
A cédula de crédito rural poderá ser aditada, ratificada e retificada por meio de menções adicionais e de aditivos, datados e assinados pelo emitente e pelo credor. Se não bastar o espaço existente, continuar-se-á em folha do mesmo formato, que fará parte integrante do documento cedular. A cédula de crédito rural admite amortizações periódicas e prorrogações de vencimento que serão ajustadas mediante a inclusão de cláusula, na forma prevista neste Decreto-Lei. Na cédula rural pignoratícia o crédito é incorporado no título com a garantia de penhor rural ou de penhor mercantil. A descrição dos bens vinculados à garantia poderá ser feita em documento à parte, em duas vias, assinadas pelo emitente e autenticadas pelo credor, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstância, logo após a indicação do grau do penhor e de seu valor global. O artigo 17 do Decreto-Lei n. 167/67 já dispunha que os bens apenhados continuam na posse imediata do emitente ou do terceiro prestante da garantia real, que responde por sua guarda e conservação como fiel depositário, seja pessoa física ou jurídica, e o artigo 1.431 do Código Civil deixou ainda mais clara essa característica, ao prever em seu parágrafo único que no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar. Os bens que podem ser objeto de penhor agrícola estão elencados no artigo 1.442 do Código Civil e os de penhor pecuário no artigo 1.444, também do Código Civil.
Os bens adquiridos ou pagos com o financiamento decorrente da cédula rural pignoratícia podem servir de garantia pignoratícia da própria operação. Os bens apenhados poderão ser objeto de novo penhor cedular e o simples registro da respectiva cédula equivalerá à averbação, na anterior, do penhor constituído em grau subsequente. Em caso de mais de um financiamento, sendo os mesmos o emitente da cédula, o credor e os bens apenhados, poderá estender-se aos financiamentos subsequentes o penhor originariamente constituído, mediante menção da extensão nas cédulas posteriores, reputando-se um só penhor com cédulas rurais distintas. A extensão será apenas averbada à margem da inscrição anterior e não impede que sejam vinculados outros bens à garantia. Havendo vinculação de novos bens, além da averbação, estará a cédula também sujeita a inscrição no Cartório do Registro de Imóveis. Não será possível a extensão da garantia se tiver havido endosso ou se os bens vinculados já houverem sido objeto de nova gravação para com terceiros. A venda dos bens apenhados ou hipotecados pela cédula de crédito rural depende de prévia anuência do credor, por escrito. Os prazos e prorrogações da cédula de crédito rural constam dos artigos 61 e 62 do Decreto-Lei n. 167/67, com destaque para a redação dada ao primeiro, pela Lei n. 12.873/13, que resolveu um problema recorrente na prática, a divergência entre o
prazo da garantia e o da obrigação garantida. Dispõe o artigo 61 que o prazo do penhor rural, agrícola ou pecuário não excederá o prazo da obrigação garantida e, embora vencido o prazo, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem. Ainda, a prorrogação do penhor rural, inclusive decorrente de prorrogação da obrigação garantida prevista no caput, ocorre mediante a averbação à margem do registro respectivo, mediante requerimento do credor e do devedor. O artigo 62, por sua vez, impõe que as prorrogações de vencimento de que trata o artigo 13 do Decreto-Lei serão anotadas na cédula pelo próprio credor, devendo ser averbadas à margem das respectivas inscrições, e seu processamento, quando cumpridas regularmente todas as obrigações, celulares e legais, far-se-á por simples requerimento do credor ao oficial do Registro de Imóveis competente. Ainda, somente exigirão lavratura de aditivo as prorrogações que tiverem de ser concedidas sem o cumprimento das condições a que se subordinarem ou após o término do período estabelecido na cédula. Na cédula rural hipotecária tem-se a chamada “hipoteca cedular”, ou seja, o título de crédito incorpora e representa não só o crédito, como também a garantia hipotecária, tanto que seus requisitos devem constar da descrição do imóvel, assim, como na cédula industrial garantida por hipoteca, reduz-se o formal formalismo da escritura pública. O artigo 24 do Decreto-Lei n. 167/67 dispõe que se aplicam à hipoteca cedular os princípios da legislação ordinária sobre hipoteca no que não colidirem com o presente Decreto-lei, de modo que a hipoteca que fundamenta e se incorpora na cédula deve observar os princípios da especialidade ARISP JUS 35
e publicidade11. A cédula rural pignoratícia e hipotecária vincula bens em penhor e imóvel hipotecado no mesmo título, nos mesmos moldes acima elencados. A nota de crédito rural, por sua vez, é um título de financiamento rural, sem garantia pignoratícia ou hipotecária, o que a diferencia da cédula de crédito rural. Finalmente, há, ainda, previsão da nota promissória rural e da duplicata rural, ambas devidamente caracterizadas no Decreto-Lei n. 167/67. 5. O INGRESSO DAS CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL E INDUSTRIAL NO REGISTRO IMOBILIÁRIO A Lei 6.015/73, em seu artigo 167 prevê serem passíveis de registro no Registro de Imóveis as cédulas de crédito rural, as cédulas de crédito, industrial e os contratos de penhor rural. Como destaca Marcus Andrade, o comprometimento imobiliário das transações que envolvem as cédulas e o penhor rural, justifica a necessidade de registro imposta, e que insere os elementos de certeza e estabilidade imprescindíveis nessas interações e seus desdobramentos12. (Marcus Andrade, Lei n. 6.015/73 comentada. Gen/Forense, p. 593)
A mesma determinação vem repetida no Capítulo XX das NSCGJ do Estado de São Paulo, no item 11. Já nos itens 79 e 80 do mesmo Capítulo, há explicação no sentido de que tal registro deve ser realizado no Livro n. 3 – Auxiliar. Para o registro das cédulas de crédito industrial, rural, à exportação e comercial, bem como de seus aditivos, é dispensável o reconhecimento de firmas. Também será dispensável o reconhecimento de firma das Cédulas Bancárias para o registro das garantias reais ali versadas. No entanto, tal providência deve ser exigida, para fins de averbação, em relação aos respectivos instrumentos de quitação, comprovando-se, por documento autêntico, os poderes do signatário para dar quitação, caso não seja o próprio credor ou este esteja representado, conforme item 87 do Capítulo XX das NSCGJ do Estado de São Paulo. Os emolumentos devidos pelos registros das cédulas de crédito industrial, de crédito à exportação e de crédito comercial no Livro nº 3, não incluem aqueles atinentes ao registro da hipoteca, no Livro nº 2, que serão cobrados na forma do Regimento de Custas e Emolumentos do Estado de São Paulo, como dispõe o item 89. De acordo com a natureza da garantia constituída, a cédula de crédito industrial inscreve-se no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição do local de situação dos bens objeto do penhor cedular, da alienação fiduciária, ou em que esteja localizado o imóvel hipotecado13.
11 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º volume. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 673. 12 ANDRADE, Marcus. Comentário ao artigo 167 da Lei n. 6.015/73. In: ARRUDA ALVIM NETO, José Manuel; Clápis, Alexandre Laizo; CAMBLER, Everaldo Augusto (Coord.). Lei de Registros Públicos Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2014. 36 ARISP JUS
13 Cf. OLIVEIRA, Marcelo Salaroli de. Cédulas de crédito e o registro imobiliário. Revista de Direito Imobiliário. Ano 30, n. 62, jan.-jun.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 266275.
A cédula de crédito industrial somente vale contra terceiros desde a data da inscrição. Antes da inscrição, a cédula obriga apenas seus signatários. Segundo Rubens Requião, portanto, a constituição do direito real ocorre na própria cédula e não decorre apenas da inscrição no Registro Público14. Averbar-se-ão, à margem da inscrição da cédula, os endossos posteriores à inscrição, as menções adicionais, aditivos e qualquer outro ato que promova alteração na garantia ou noções pactuadas. Ao efetuar a inscrição ou qualquer averbação, o Oficial do Registro de Imóveis mencionará, no respectivo ato, a existência de qualquer documento anexo à cédula e nele aporá sua rubrica, independentemente de qualquer formalidade. O Oficial recusará efetuar a inscrição, se já houver registro anterior no grau de prioridade declarado no texto da cédula, ou se os houverem sido objeto de alienação fiduciária considerando-se nulo o ato que infringir este dispositivo. 6. QUESTÕES DE MAIOR INCIDÊNCIA Sem a pretensão de esgotar o tema, optou-se por escolher algumas questões de maior incidência em matéria registrária, envolvendo as cédulas de crédito industrial e rural. O primeiro tema envolve a recusa ao registro de cédula rural por divergência entre a data de vencimento e o prazo final para pagamento da obrigação.
14 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º volume. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 659.
A reflexão que se faz, nesse caso, é a de que o prazo da garantia não pode ser tratado de forma autônoma ao prazo da cédula, assim como nesses títulos, a garantia e a obrigação estão vinculadas de tal forma que não cabe a separação quanto aos prazos. Em outras palavras, o prazo do penhor é o da cédula. A alteração da redação do art. 1.439 do Código Civil e do art. 61 do Decreto-Lei 167/67pela Lei nº 12.873/13, com a supressão dos prazos antes previstos, não altera o raciocínio quanto à impossibilidade da dicotomia entre prazo de garantia e vencimento. Além disso, como se trata de um título de crédito, uma vez expirado o prazo final para pagamento e adimplida a dívida, não pode estender-se a garantia. A utilização da chamada “renovação simplificada” constitui, na verdade, uma nova contratação, o que não pode ser feito com a utilização de título de crédito cuja exigibilidade já não subsiste. Finalmente, como já decidido pelo Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, na hipótese de inadimplência, a renovação significaria novação, ou seja, criação de nova obrigação em substituição à primeira, não podendo, da mesma maneira, subsistir a garantia. Nesse sentido, veja-se trecho de voto do Desembargador Gilberto Passos de Freitas, na apelação cível 598-6/0, da Comarca de Pacaembu: (...) não se diga que o prazo do penhor seja distinto do prazo da obrigação (ou de vencimento da cédula), por ser aquele legal (cinco anos) e este contratual (oito anos): a) a uma, porque o título em foco não autoriza essa leitura dicotômica de prazos, mas, ao contrário, indica a unidade do prazo de oito anos também referido no campo clausulado denominado ‘obrigação ARISP JUS 37
especial - garantia’, com subsequente previsão de prorrogação para a hipótese de ‘vencimento do penhor’ (fls. 69); b) a duas, porque vinculada a cédula de crédito rural à garantia pignoratícia, o prazo de referência expresso na cédula é também o do penhor’.
Ainda, há decisão recente sobre o tema: Cédula rural pignoratícia. Penhor agrícola. Prazo de garantia - vencimento. Precedentes do CSM. CSMSP. APELAÇÃO CÍVEL: 1006472-96.2015.8.26.0576. LOCALIDADE: São José do Rio Preto. DATA JULGAMENTO: 12/07/2016. DATA DJ: 15/07/2016. Relator: Manoel de Queiroz Pereira Calças. Legislação:CC2002 - Código Civil de 2002 | 10.406/2002, ART: 1439. DL - Decreto-Lei Crédito rural | 167/67, ART: 61. Registro de Imóveis - Recusa de ingresso de cédula rural pignoratícia - Prazo de garantia dissociado do prazo de vencimento da obrigação Impossibilidade - Precedentes desse Conselho - Apelação desprovida.
O segundo tema é a possibilidade de lavratura de escritura pública para aditamento cedular, com a finalidade de alterar, por exemplo, vencimento e forma de pagamento. Nesse aspecto, o artigo 12 do Decreto-Lei nº 167/67 dispõe que a cédula de crédito rural poderá ser aditada, ratificada e retificada por meio de menções adicionais e de aditivos, datados e assinados pelo emitente e pelo credor. Se não bastar o espaço existente, continuar-se-á em folha do mesmo formato, que fará parte integrante do documento cedular. O artigo 77 do Decreto-Lei nº 167/67, por sua vez, estabelece que as cédulas de crédito rural obedecerão aos modelos anexos que acompanham a normatização, trazendo os requisitos específicos que devem constar, respectivamente, na cédula 38 ARISP JUS
rural pignoratícia e na cédula rural hipotecária (artigos 14 e 20). A questão é saber se a presença do aditivo cedular na legislação constitui forma especial prevista como da substância do negócio jurídico e, portanto, impediria sua substituição pela escritura pública. A regra parece ser, realmente, a dispensa da escritura pública, embora já se tenha decidido que em um caso recheado de especificidades, a lavratura de escritura pública garantiria a função social da atividade desenvolvida através de capital obtido pela emissão da cédula agrícola, com garantia real, sem comprometer a estabilidade jurídica e a segurança dos usuários do serviço extrajudicial. No caso específico, aceitou-se o aditivo por escritura pública porque a instituição financeira realizou transações sucessivas com os produtores agrícolas e esta foi a razão da emissão das inúmeras cédulas bancárias descritas na escritura pública. As operações creditórias realizadas em continuação trouxeram dúvidas e incertezas sobre a definição do quantum devido, conduzindo o interesse pela renegociação que terminou no acertamento objeto da escritura. Nesse sentido: CGJSP. PROCESSO: 12.308/2016 LOCALIDADE: Ituverava. DATA JULGAMENTO: 07/03/2016. DATA DJ: 14/03/2016. Relator: Manoel de Queiroz Pereira Calças. Legislação: DL - Decreto-Lei - Crédito rural | 167/67, ART: 12. Registro de Imóveis - Cédula de crédito pignoratícia e hipotecária registrada - Aditamento por escritura pública - Cabimento da averbação Recurso provido.
Destaca-se o seguinte trecho da decisão em questão:
“Poder-se-ia argumentar que o óbice ao ingresso da escritura encontra fundamento no modelo padrão no qual está submetido o aditivo cedular. No entanto, a discussão somente tem relevância no campo da circulação do crédito por endosso, sem afetar a aptidão legal do título, até porque o juízo de qualificação feito pelo registrador imobiliário não pode avançar sobre questões ligadas aos requisitos cambiais da cédula, como se fosse possível ignorar a autonomia da vontade das partes, especialmente a escolha da cessão de crédito, em caso de eventual transferência do direito (cláusula décima sexta - fl.6 vº)”.
Por outro lado, segue decisão em sentido contrário, mantendo-se a regra geral no sentido de que deve ser observado o disposto no artigo 12 do Decreto-Lei n. 167/67: CGJSP. PROCESSO: 000504288.2013.8.26.0288. LOCALIDADE: Ituverava. DATA JULGAMENTO: 11/02/2016. DATA DJ: 23/02/2016. Relator: Manoel de Queiroz Pereira Calças. Legislação: DL - Decreto-Lei - Crédito rural | 167/67, ART: 12. Registro Imóveis - Cédula de crédito rural pignoratícia e hipotecária - Renegociação de débito Aditamento - Escritura pública - Forma em desconformidade com a regra do art. 12 do Decreto-lei n.º 167/1967 - Inobservância de requisito de validade - Averbação descabida - Juridicidade da desqualificação registral Sentença confirmada - Recurso desprovido. NE: v. Processo CG 12.308/2016, Ituverava, dec. de 7/3/2016, DJe 14/3/2016, des. Manoel de Queiroz Pereira Calças.
Como terceira questão de maior incidência, apresenta-se a possibilidade de penhora sobre imóvel hipotecado por meio de cédula de produto rural com garantia hipotecária.
A primeira observação é a de que os imóveis hipotecados em razão de cédula de crédito rural, cédula de crédito industrial, cédula de crédito à exportação e cédula de crédito comercial são impenhoráveis15. O artigo 69 do Decreto-Lei n.º 167, de 14 de fevereiro de 1967 dispõe que os bens objeto de penhor ou de hipoteca constituídos pela cédula de crédito rural não serão penhorados, arrestados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro empenhador ou hipotecante. O artigo 789 do Código de Processo Civil trata da responsabilidade patrimonial do devedor e ressalva as restrições estabelecidas em lei, enquanto o artigo 832 do mesmo Código excetua a impenhorabilidade dos bens que assim são considerados. Ainda que a impenhorabilidade não seja absoluta, o certo é que “a garantia tem sua eficácia restrita ao curso do contrato de financiamento, período durante o qual prevalece não apenas contra terceiros, mas também contra o próprio titular do direito real”, conforme decidido no Recurso Extraordinário n. 140.437-0/SP. Nesse sentido: CGJSP. PROCESSO: 8.686/2014 LOCALIDADE: Presidente Bernardes. DATA JULGAMENTO: 11/02/2014. DATA DJ: 12/03/2014. Relator: Elliot Akel. Legislação:DL - Decreto-Lei - Crédito rural | 167/67, ART: 69. LO - Lei Ordinária | 8.929, ART: 18. RECURSO ADMINISTRATIVO - Averbação de penhora decorrente de execução de título extrajudicial - Existência de registro de hipoteca cedular, 15 Sobre o tema ver PASSO, Almir. A impenhorabilidade dos bens submetidos às cédulas de crédito rural e industrial. In: Adjudicação e remição. Jurisprudência brasileira. Curitiba: Juruá, 1986, p. 1319. ARISP JUS 39
com prazo do contrato de financiamento vigente - Débito exequendo que não se enquadra nas exceções à impenhorabilidade - Recurso não provido.
Por fim, o quarto tema refere-se à necessidade de anuência prévia do credor, no caso de venda de bens vinculados à cédula de crédito industrial. Nesse aspecto, de acordo com o artigo 51, do Decreto-Lei nº 413/69, aplicável às cédulas de crédito comercial por força do art. 5º, da Lei nº 6.840/80, a venda dos bens vinculados à cédula de crédito industrial depende de prévia anuência do credor, por escrito. A adjudicação havida em execução promovida por terceiro, por si só, não extingue a hipoteca cedular, de modo que não há como dispensar a prévia anuência do credor, sob pena de se violar o princípio da legalidade.
Nesse sentido: CSMSP. APELAÇÃO CÍVEL: 005447365.2012.8.26.0114. LOCALIDADE: Campinas. DATA JULGAMENTO: 10/12/2013. DATA DJ: 04/02/2014. Relator: José Renato Nalini Legislação: DEL - Cédula de Crédito Industrial | 413/69, ART: 51. Registro de Imóveis - escritura de compra e venda - hipoteca cedular registrada - ausência de anuência do credor hipotecário - penhora em favor da Fazenda Nacional - indisponibilidade que obsta as alienações voluntárias - Recurso não provido.
Ainda sobre a necessidade de anuência do credor, ainda que sob outro enfoque: CSMSP. APELAÇÃO CÍVEL: 000219386.2012.8.26.0383. LOCALIDADE: Nhandeara. DATA JULGAMENTO: 23/08/2013. 40 ARISP JUS
DATA DJ: 29/08/2013. Relator: José Renato Nalini. Registro de Imóveis - Dúvida - Cédula de crédito rural pignoratícia e hipotecária - Garantias anteriores de mesmo grau incidentes sobre o mesmo bem - Ausência de anuência do credor - Nulidade - Inteligência dos artigos 68 e 35 do Decreto-lei nº 167/67 - Ingresso obstado - Recurso não provido.
Como se vê, várias são as questões envolvendo o ingresso no registro imobiliário de cédulas de crédito rural e industrial, de onde se conclui a importância de analisá-las, não apenas a partir da legislação vigente, mas também da teoria geral dos títulos de crédito, sem prejuízo da análise dos princípios do direito registrário . A intenção não foi esgotar o tema, como já mencionado alhures, mas apresentá-lo de forma conectada com a teoria dos títulos de crédito e do direito comercial, concluindo-se pela imprescindibilidade desse enfoque, na tentativa de compreender o melhor caminho a seguir nos casos de dúvidas envolvendo o ingresso no registro imobiliário. Aliar os princípios do direito registrário à teoria do direito comercial sobre títulos de crédito parece o melhor caminho para dar efetividade à circulação do crédito, garantida por esses títulos que têm expressa vocação para fomentar as atividades industrial e rural, conforme estabelecida nos decretos-leis que os instituiu. 7. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Marcus. Comentário ao artigo 167 da Lei n. 6.015/73. In: ARRUDA ALVIM NETO, José Manuel; Clápis, Alexandre Laizo; CAMBLER, Everaldo Augusto (Coord.). Lei de Registros Públicos Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Campinas: Editora Servanda, 2013. FIORANTI, Cláudio. Cédulas de crédito rural, industrial, à exportação e comercial. Registro de Imóveis. Estudos de Direito Registral Imobiliário. XXI Encontro de Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil. São Luiz, 1994. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 131-251. OLIVEIRA, Marcelo Salaroli de. Cédulas de crédito e o registro imobiliário. Revista de Direito Imobiliário. Ano 30, n. 62, jan.-jun.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 266-275.
PARENTONI, Leonardo Netto. A duplicata virtual em perspectiva. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, v. LI, p. 145-176, 2012. PASSO, Almir. A impenhorabilidade dos bens submetidos às cédulas de crédito rural e industrial. In: Adjudicação e remição. Jurisprudência brasileira. Curitiba: Juruá, 1986, p. 13-19. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 2º volume. São Paulo: Saraiva, 2010. SANTOS, Cláudio. Cédulas de crédito rural, industrial e comercial: aspectos materiais e processuais. Revista Ajuris. Ano XIX, novembro/1992. Porto Alegre: Ajuris, 1992, p. 200-211.
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ARTIGO
RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS E SUA EQUIPARAÇÃO ÀS LEGAIS Por Hélio Lobo Jr. Promotor Público de novembro de 1971 a setembro de 1975. Magistratura, por concurso, de 24 de setembro de 1975 até 1 de fevereiro de 2002 – no período foi Juiz Titular da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital e Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça. Aposentou-se como Juiz do 1º Tribunal de Alçada Civil e foi alçado à Desembargador do Tribunal de Justiça já na inatividade. Atuação como advogado, atualmente, sócio do Escritório Lobo e Orlandi Advogados, cuja especialidade é a área imobiliária e, principalmente, registraria. Publicou diversos artigos e participou de livros sempre na área dos Registros Públicos.
1 - INTRODUÇÃO: No ano de 2007 tivemos a oportunidade de escrever artigo cujo título era “As restrições urbanísticas no parcelamento do solo urbano e o Registro de Imóveis”, publicado na Revista do Advogado nº 90, paginas 62/70 e nele, após análise geral do tema, aludimos de modo superficial ao artigo 247 da Lei Municipal de São Paulo nº 13.885, de 25.8.2004, então vigente, que equiparou as restrições convencionais às normas legais. Esse dispositivo, após mencionar as zonas de uso, rezava que “as restrições convencionais de loteamentos aprovados pela Prefeitura, estabelecidas em instrumento público registrado no Cartório de Registro de Imóveis, referentes a dimensionamento de lotes, recuos, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, altura e número de pavimentos das edificações, deverão ser atendidas quando mais restritivas que as disposições desta lei”. Assim, resumindo, dispunha que em determinadas zonas de uso, as restrições convencionais de loteamentos deverão ser atendidas quando mais restritivas do que as disposições daquela lei, prevendo, no parágrafo primeiro, uma limitação legal para esses usos, ao passo que no parágrafo segundo a possibilidade de alteração das restrições convencionais dos loteamentos. Finalmente, no parágrafo terceiro, cuidou da supressão, sempre mediante prévio procedimento junto à Municipalidade. Atualmente, com a vigência da Lei Municipal nº 16.402, de 23 de março de 2016, editada em consonância com a Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 (Plano Diretor Estratégico), as regras foram praticamente mantidas, como se verifica dos artigos 59 e parágrafos, abaixo transcritos.
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Art. 59. Nas ZER-1, ZER-2, ZERa, ZCOR-1, ZCOR-2, ZCOR-3, ZCORa e ZPR, as restrições convencionais de loteamentos aprovadas pela Prefeitura, estabelecidas em instrumento público registrado no Cartório de Registro de Imóveis, referentes a dimensionamento de lotes, recuos, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, altura e número de pavimentos das edificações, deverão ser atendidas quando mais restritivas que as disposições desta lei. § 1º Os usos permitidos nos loteamentos referidos no “caput” deste artigo serão aqueles definidos por esta lei para as respectivas zonas. § 2º A alteração das restrições convencionais dos loteamentos deverá atender às seguintes condições: I – realização de acordo entre o loteador e os proprietários dos lotes atingidos pela alteração; II – emissão de parecer técnico favorável da CTLU; III – anuência expressa do Executivo. § 3º A exigência constante no inciso I do § 2º deste artigo poderá ser suprida por acordo entre os proprietários dos lotes atingidos pela alteração, nos casos de encerramento de atividades da empresa loteadora ou de sua inércia quando legalmente notificada sobre a necessidade de manifestar-se a respeito do acordo, desde que haja a anuência de 2/3 (dois terços) dos proprietários do loteamento atingido.
A reiteração e continuidade dessas disposições, que acreditamos pudessem ser alteradas ou revogadas, nos induziu a um aprofundamento na questão, como tentaremos demonstrar nestas breves considerações. 2 - UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO ÀS DISPOSIÇÕES:
As disposições constantes da legislação municipal são interessantes, mas, a sua análise
demanda certa reflexão. Já tivemos a oportunidade de diferenciar, no estudo publicado e acima referido, as restrições legais das convencionais. As legais decorrem da legislação. As convencionais teriam natureza obrigacional, embora um instrumento auxiliar do Poder Público quanto à urbanização da cidade. Mantemos esse entendimento, notadamente quanto aos seus efeitos jurídicos, sem, contudo, ignorar e tentar interpretar a novidade contida nas normas municipais. Com base na legislação do Município (artigo 59, da Lei nº 16.402, de 23 de março de 2016, que repete o revogado artigo 247) passou a existir um hibridismo representado pelas restrições urbanísticas convencionais, constantes do memorial de loteamento ou contrato padrão, integrantes do procedimento registrado no Cartório de Registro de Imóveis, que se transformam em legais. A regra confere, portanto, de forma explícita, força de lei às restrições impostas, unilateralmente, pelo loteador aos adquirentes de lotes, bem como a todos aqueles inseridos no âmbito de seus efeitos. Assim, embora as restrições convencionais tenham natureza obrigacional, com regulamentação prevista no Código Civil, Lei do Parcelamento do Solo Urbano e Lei de Registros Públicos, razoável é considerar que os aspectos urbanísticos decorrentes podem ser compatibilizados com a competência constitucional do Município. Alguns dispositivos da Lei nº 6.766, de 1979, referem-se às restrições convencionais. O artigo 26, inciso VII, menciona que devem constar, no contrato padrão, as restrições convencionais do loteamento, “supletivas da legislação pertinente”. Por ARISP JUS 43
outro lado, o artigo 9º, § 2º, inciso II, estipula que o projeto do loteamento deverá conter “as condições urbanísticas do loteamento e as limitações que incidem sobre os lotes e suas construções, além daquelas constantes das diretrizes fixadas”. É verdade que nenhuma dessas regras erigiu restrições convencionais às normas legais, embora as tenha mencionado como instrumentos auxiliares da urbanização. A legislação do Município de São Paulo, porém, inovou e, certamente, considerou que, diante da necessidade de aprovação do projeto, com tais restrições urbanísticas, decorre a presunção de que as convenções estabelecidas pelo loteador foram examinadas, aceitas e aprovadas. Além disso, deve ter animado o legislador a menção das restrições convencionais como “supletivas da legislação pertinente” (artigo 26, inciso VII) e resolveu erigi-las a essa condição “quando mais restritivas que as disposições desta lei” (artigo 59, da Lei nº 16.402, de 23 de março de 2016). Sem adentrar aspectos referentes à constitucionalidade da norma, ou, ainda, sobre a amplitude conferida ao loteador e ao próprio Executivo Municipal quanto à regulamentação de restrições que passam a ter força de lei, o que, certamente, será melhor definido na esfera jurisdicional, vamos tentar compatibilizar o direito positivo posto com a sua aplicação e efeitos. A premissa básica desse enfoque coloca o loteador apresentando restrições e se estas não conflitam com a legislação municipal, sendo, inclusive, mais restritivas do que as por ela estabelecidas, devem ser atendidas, pois, equiparam-se à própria legislação.
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Decorre a obrigação conferida ao Município de fiscalizar efetivamente a edição das restrições estabelecidas no parcelamento. Elas precisam ser verificadas em relação à região e à espécie de empreendimento. E isso porque, se forem extremamente rigorosas ou estapafúrdias, sem atender ao interesse de todos, notadamente ao interesse público, não devem ser aceitas. Essas as considerações básicas, embora muitos outros aspectos devam ser esclarecidos e interpretados, como tentaremos na sequência expor. 3 - ASPECTOS POLÊMICOS A CONSIDERAR: Nada obstante essa aparente conformidade das regras com o sistema jurídico vigente, muitos pontos ainda causam perplexidade ao intérprete. Destacaremos a seguir, sem, no entanto, tentar solucioná-los, salvo por meras induções ao raciocínio. Isso porque a tarefa se mostra difícil e dependerá, certamente, das apreciações jurisdicionais e administrativas futuras. 3.1 - UMA ESPÉCIE DE NORMA EM BRANCO: O legislador municipal conferiu uma espécie de “cheque em branco” ao loteador. Inexistindo conflito com a legislação municipal, se as restrições são mais restritivas, devem ser aceitas, mediante a singela aprovação do projeto e memorial. Como consequência o empreendedor pode dizer os termos da legislação, aplicável a todos que, no presente e futuro, ingressarem naquele espaço delimitado. Outro aspecto interessante diz respeito ao binômio tempo e espaço referente a tais restrições, como se verá a seguir.
3.2 – A INCIDÊNCIA SOBRE ESPAÇO DELIMITADO: Começando pelo espaço é preciso considerar que as normas urbanísticas, decorrentes das restrições, só incidem sobre a área efetivamente ocupada pelo loteamento ou desmembramento, conforme o projeto aprovado.
Os loteamentos anteriores, que previam restrições convencionais, não estão abrangidos pela regra. Há que se preservar o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Há, atualmente, uma espécie de fatiamento das disposições urbanísticas dentro de uma mesma região, embora com característicos semelhantes.
Assim, como consequência, os espaços delimitados no parcelamento recebem tratamento diverso dos demais, às vezes no mesmo bairro e região.
Todos esses aspectos precisam ser levados em conta pela Municipalidade ao aprovar o empreendimento.
Não podemos esquecer que o loteamento tem duração transitória e, ao ser executado, após o recebimento pela Municipalidade, integra-se à cidade.
3.4 – A ALTERAÇÃO OU REVOGAÇÃO DAS RESTRIÇÕES COM FORÇA DE LEI:
Logo, por óbvio, as restrições impostas pelo loteador e constantes, por exemplo, de um pequeno parcelamento, não subsistem para imóveis vizinhos, com outras origens, embora sejam todos integrantes do mesmo bairro. Competirá à Municipalidade catalogar e disciplinar todos os projetos, inclusive de desmembramentos, que também admitem a imposição de restrições convencionais, de molde a evitar situações incompatíveis e contraditórias dentro de uma mesma região. 3.3 – AS LEGISLAÇÕES NO TEMPO: Importante é considerar que a equiparação entre restrição convencional e legislação municipal só pode existir a partir da vigência dos diplomas que regularam o tema, ou seja, após a atualmente revogada Lei nº 13.885, de 25.8.2004, artigo 247 e parágrafos, que, todavia, teve as mesmas regras repetidas pela Lei Municipal nº 16.402, de 23 de março de 2016.
Importa refletir sobre a possibilidade de alteração ou cancelamento das restrições convencionais. Assentada a premissa de que a restrição convencional, diante dos termos da legislação municipal, se equipara à própria legislação, em princípio só poderia ser revogada ou alterada por outra superveniente. No entanto, não é o que decorre dos termos da norma vigente. Esta permite uma alteração e, porque não dizer, a própria revogação, por acordo entre o loteador e proprietários de lotes atingidos, mediante parecer técnico, além de expressa anuência do Poder Executivo Municipal. Há inclusive, no parágrafo 3º, do artigo 59, um “quórum” de dois terços dos proprietários de lotes na área. Assim, a qualquer tempo, os proprietários de imóveis no perímetro parcelado podem revogar ou alterar as restrições anteriormente impostas. ARISP JUS 45
Logo, naquele espaço representado pelo parcelamento, os proprietários dos lotes, obtidas as anuências necessárias, podem alterar ou cancelar as restrições e, também, a própria legislação municipal em que elas se transformaram.
saparecendo a força legal conferida pela legislação municipal em exame, restariam os efeitos da obrigação assumida, notadamente quanto aos direitos de vizinhança, principalmente em consonância com as disposições do Código Civil.
Nesse ponto nova indagação se mostra pertinente: a legislação municipal superveniente em dissonância com as restrições, aprovada para toda a região, revoga aquelas específicas da área loteada?
Sempre se entendeu que as restrições convencionais legais não poderiam interferir com os aspectos contratuais. Isso porque as restrições convencionais podem ser livremente impostas pelas partes por força do contrato. Eventuais limitações ao direito de contratar ou de alterar o seu conteúdo deverão estar previstos em Lei Federal, como o Código Civil, cuja competência constitucional é exclusiva da União Federal.
A resposta há de ser positiva, salvo se a própria legislação ressalvasse a situação excepcional. Há entendimento da Corregedoria Geral da Justiça de que a Lei Municipal posterior, dispondo expressamente sobre a restrição convencional e a revogando, prevaleceria sobre a cláusula do contrato padronizado (PARECER Nº 396/2009 E PROCESSO CG Nº 2009/79569 Data inclusão: 19/01/2010(396/2009 _E), cuja ementa é a que segue: “Registro de Imóveis - Desdobro - Lote - Aprovação pelo Município que faz presumir o respeito à legislação urbanística-Restrição urbanística prevista no contrato padrão arquivado com o registro do loteamento, por outro lado, que foi expressamente revogada por legislação municipal posterior - Recurso provido para afastar a recusa da averbação do desdobro”.
É interessante considerar que essa afirmação remete a outra indagação pertinente: se a restrição era convencional, embora com força de lei, o que lhe foi atribuído pela norma municipal, revogado esse efeito previsto expressamente no artigo 59, o que se fará pelo próprio procedimento que o dispositivo prevê, subsistirá a restrição convencional do contrato apenas entre as partes? A resposta parece também ser positiva. A restrição convencional subsiste e isso porque mesmo de46 ARISP JUS
Logo, não pode o Município interferir nos contratos do loteamento celebrados entre as partes, por invadir competência privativa da União Federal. Se existe a obrigação entre vizinhos, por força do Código Civil, a legislação municipal não pode interferir. Haveria invasão de competências constitucionais. A solução para tais impasses deverá ser obtida na esfera jurisdicional. Para melhor compreensão basta formular a seguinte hipótese: se um dos adquirentes de lotes, que não anuiu para a alteração, resolver fazer cumprir uma restrição que existia em contrato com o loteador ou terceiro, poderá fazê-lo, pois, a regra municipal não interfere com a relação obrigacional celebrada com base no Código Civil. A restrição pode ter perdido a força legal, mas manteve a obrigacional, decorrente do contrato. É interessante lembrar, também, que o Conselho Superior da Magistratura tem admitido alterar a restrição convencional, até para revogá-la totalmente, se houver a anuência de todos os adquirentes de lotes, com direito real registrado.
Duas, pois, as situações que devem ser consideradas: a) a revogação dos efeitos legais da restrição; e b) a prevalência, conforme o caso, dos seus efeitos obrigacionais e decorrentes do contrato. Logo, por absurdo que possa parecer, conclui-se que a revogação da restrição convencional com força de lei, se alterado ou revogado esse efeito, não interfere com aquelas constantes do contrato padronizado e que poderão, autonomamente, subsistir.
na legislação federal, os seus efeitos também estariam extintos. Essa simbiose de competências legislativas, portanto, além da duvidosa legalidade, causa perplexidade ao intérprete e, porque não dizer, insegurança jurídica aos contribuintes. A responsabilidade, pois, é do próprio sistema instituído pela legislação municipal.
Cabe aí outra indagação: a revogação dos efeitos que equiparou a restrição convencional à legal, caso o contrato ou cláusula do memorial seja cancelada, seria automática ou, ainda, depende do procedimento junto à Municipalidade, previsto na legislação municipal?
Enfim, a situação é nova e ainda não foi devidamente enfrentada, mas, no futuro, esse emaranhado de normas deverá ser solucionado, certamente as duras penas, nas esferas próprias.
Parece-nos que desaparecendo a causa que constituiu a restrição, os efeitos não mais se produzem.
Temos acompanhado a evolução das interpretações, especialmente na esfera jurisdicional, sobre restrições convencionais. As decisões têm sido surpreendentes e só não são comentadas neste breve estudo por demandarem muitas outras considerações.
A Municipalidade poderia argumentar que a restrição convencional incorporou-se ao sistema legal e, por isso, dele só deixaria de fazer parte pelos mecanismos que sua legislação instituiu. Incidiriam, aí, diplomas legais diversos. Os decorrentes da legislação federal e municipal. Parece estranho que a mesma restrição que constou do contrato tenha sido revogada ou alterada, conforme as regras obrigacionais, com base em legislação federal aplicável, enquanto seus efeitos estão incorporados pela legislação municipal. O normal seria que as regras obrigacionais observem o seu curso natural, enquanto que as municipais, no caso, sigam apenas o aspecto supletivo das restrições, enquanto juridicamente existentes. Se estas desaparecem, por outros meios permitidos
4 - O REGISTRADOR E A POLÊMICA:
Quanto ao registrador, no entanto, o que deve prevalecer é a regra prevista no item 191, Capítulo XX, das Normas de Serviço. “191. Todas as restrições presentes no loteamento, impostas pelo loteador ou pelo Poder Público serão mencionadas no registro do loteamento. Não caberá ao oficial, porém, fiscalizar sua observância”.
Além dessa recomendação, sábia por sinal, ao Oficial compete apenas seguir as regras registrarias e normativas, sem adentrar a polêmica que o sistema jurídico integrado pelo Código Civil, Leis do Parcelamento e de Registros Públicos, além das Municipais, causaram, quanto ao tema, ao operador do direito em geral. ARISP JUS 47
ARTIGO
1. A CONVENÇÃO DA APOSTILA DA HAIA E ADESÃO DO BRASIL. Entrou em vigor, no Brasil, em 14 de agosto deste ano, a chamada Convenção da Apostila da Haia (de 5 de outubro de 1961), que tem por objeto a eliminação da exigência de legalização1 de documentos públicos estrangeiros.
CONVENÇÃO DA APOSTILA DA HAIA: PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES Por Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho Juiz de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo. Mestre em Direito Civil. Professor de Direito Civil e Registros Públicos do Damásio Educacional. Professor de Direito Civil na FMU-SP. Professor-Assistente da Pós-Graduação em Direito Civil da Escola Paulista da Magistratura – EPM.
A adesão brasileira, já há tempos esperada pela comunidade (e não só jurídica, diga-se), agilizará sobremaneira a tramitação de documentos públicos entre o Brasil e os países signatários. Atualmente, são 111 nações contratantes, o que bem demonstra a grandiosidade da nova medida. Aliás, é inegável a vocação da Convenção em buscar facilitar o trâmite internacional dos documentos. Chega ao ponto de determinar que se o país onde o documento deva produzir efeitos utilizar procedimento ainda mais simplificado, a própria necessidade da apostila fica dispensada (art. 3º, segunda parte)2. Para que se tenha uma ideia da extensão do efeito prático que a vigência da Convenção trará, basta imaginar que pessoas físicas e jurídicas poderão circular, internacionalmente, documentos nacionais e estrangeiros, tais como diplomas, certidões de nascimento, casamento ou óbito, além daqueles 1 É de se anotar, desde já, que a própria Convenção da Haia, em seu art. 2º (na versão brasileira trazida pelo Decreto nº 8.660/2016), traz conceito do que considera legalização. Para o texto, legalização é a formalidade pela qual os agentes diplomáticos ou consulares do país no qual o documento deve produzir efeitos atestam a autenticidade da assinatura, a função ou o cargo exercidos pelo signatário do documento. É evidente, pois, que o procedimento denominado de consularização deixará de ser necessário a partir da adoção da Convenção, para os documentos que se submeterem aos seus termos. 2 No mesmo sentido o art. 3º e seu parágrafo primeiro, da Resolução nº 228/2016, do Conselho Nacional de Justiça.
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provenientes de tribunais e varas e de registros comerciais, com apenas uma chancela jurídico-registral: a emissão da apostila da Haia (que se dará pelo Sistema Eletrônico de Informação e Apostilamento – SEI Apostila). Repise-se: bastará ao interessado que se dirija a um cartório habilitado (e a notícia atual é de que os cartórios das capitais já estão sendo treinados para oferecerem os serviços3) e solicite a emissão da apostila. Trata-se, pois, de uma legalização única, apta a evitar as indesejadas e dispendiosas legalizações em cadeia. O Brasil, a seu turno, passa a aceitar apostilas emitidas pelos demais países signatários, o que também redunda em extremo avanço. Veja-se: documento estrangeiro, que estaria submetido à consularização e legalização, se contiver a apostila do Estado estrangeiro poderá circular livremente em nosso território. Não é pouco o avanço. Em termos jurídicos, o que a emissão da apostila faz é conferir eficácia4 internacional ao documento chancelado. Especificamente, o que se produz é presunção de autenticidade da assinatura e a função ou cargo exercido pelo signatário do documento (art. 5º da Convenção).
3 Em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82725-apostila-de-haia-cartorios-das-capitais-serao-os-primeiros-diz-cnj, acesso aos 14 de setembro de 2016. A notícia, em verdade, é de que os cartórios já estão pedindo à Casa da Moeda os papéis de segurança para a emissão da Apostila. Neste sentido, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG expediu comunicado para que os cartórios diligenciassem individualmente neste sentido. 4 Refiro-me à eficácia porque, à luz dos planos de analise dos negócios jurídicos, o documento, antes da emissão da apostila, é existente, válido e, normalmente, eficaz (desde que não contenha nenhum elemento acidental), mas no plano nacional. O que se faz, portanto, é viabilizá-lo à produção de efeitos jurídicos em soberanias distintas. Daí falar, portanto, em eficácia internacional.
2. POSIÇÃO JURÍDICA DA CONVENÇÃO DA HAIA EM NOSSO PAÍS. Sabe-se que o procedimento jurídico, de direito internacional e constitucional, que se adota para o ingresso de determinado tratado ou convenção internacionais no Brasil é complexo, ou, como ensinam os constitucionalistas, de dualismo moderado5. E isso porque, após a adesão do Brasil à determinado tratado ou acordo internacional (o que se faz por meio de depósito protocolar perante órgão próprio6), contenta-se o ordenamento constitucional com (i) aprovação congressional e a posterior (ii) promulgação executiva do texto. A primeira etapa, por força do art. 49, I, da Constituição Federal, é de competência exclusiva do Congresso Nacional, que materializa por meio de decreto legislativo (art. 59, VI, da Carta). No que pertine à Convenção da Haia, veio esta aprovação congressual por meio do Decreto Legislativo 148, de 6 de julho de 2015. A segunda fase, de outro jeito, é de competência privativa do Presidente da República. É mister notar que somente a partir do ato presidencial - plasmada em um decreto - a convenção se considera incorporada ao Direito positivo pátrio, tornando-se obrigatória. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, o referido decreto executivo gera três efeitos: promulgação do tratado internacional (em português); publicação oficial do seu conteúdo e executoriedade do ato internacional que, neste momento, passa a obrigar no plano interno7. Nesta matéria, cuidou de 5 Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, 19 ed., São Paulo: Saraiva, p. 734. 6 No caso da Convenção da Haia, perante o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino dos Países Baixos, efetivado pelo Brasil em 2 dezembro de 2015. 7 ADI 1.480-DF, Rel. Min. Celso de Mello (j. em 26.6.2001), Informativo 236/STF de 10.8.2001. ARISP JUS 49
ratificar a Convenção da Haia, tornando-a obrigatória, o Decreto 8.660, de 29 de janeiro de 2016.
registro (art. 236, § 1º, da Constituição Federal e arts. 37 e 38 da Lei nº 8.935/94).
E como ingressa em nosso ordenamento a Convenção da Haia? Com status de norma infraconstitucional, é dizer, como lei ordinária8.
Para tal mister, que é de determinação constitucional, é apontado o Conselho Nacional de Justiça, que assim fez por meio da referida Resolução.
Não se há falar, neste caso, que a posição da Convenção de Haia é supralegal porque esse regime só se imprime aos tratados e convenções de direitos humanos9 e que forem aprovados nas Casas do Congresso por quorum diferenciado (art. 5º, parágrafo 3º, da Constituição Federal).
A análise do regime jurídico da Convenção da Apostila deve, pois, ser feito sempre em cotejo com o nosso regramento interno. b) Legalização e efeitos da aposição da Apostila.
3. CONVENÇÃO DA HAIA E SUA REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL.
Anoto, inicialmente, que a Resolução 228 define (em seu art. 1º, parágrafo único) o que se entende por legalização servindo-se do conceito já delineado para o próprio objeto da Convenção (art. 2º). Assim, considera-se legalização, ou chancela consular, a formalidade por meio da qual se atesta a autenticidade da assinatura, da função ou do cargo exercido pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou do carimbo nele aposto.
a) Competência interna para regulamentação. Além dos termos da própria Convenção de 1961, há, entre nós, a regulamentação a ela dada pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 228 de 22 de junho de 2016. Com a adesão do Brasil à Convenção, e superadas as etapas de aprovação pelo Congresso Nacional, depósito do instrumento de adesão e promulgação, fora indicado pelo instrumento de adesão à Convenção que competiria ao Poder Judiciário a implementação de suas disposições em nosso país porque, como se sabe, é o Poder de Estado incumbido de fiscalizar os serviços notariais e de 8 É o que se retira de já antigo julgado do STF, em julgamento do RE 80.004-SE, dj. 29.12.1977, Rel. Min. Cunha Peixoto, posteriormente reiterado na já referida ADI 1.480-DF, relatada pelo Min. Celso de Mello. 9 Em que pese a afirmação feita no texto, é de se destacar que, considerando-se o atual estágio dos direitos humanos, se poderia enquadrar – extensivamente – do direito à chancela prevista na Convenção da Haia como direito fundamental da atual geração porque, em verdade, representa decorrência direta dos vetores hodiernos de cooperação internacional e de confiança entre Estados estrangeiros. 50 ARISP JUS
E, nos termos legais, a única formalidade que se exigirá para tal legalização (rectius produzir aqueles efeitos de atestar autenticidade da assinatura, da função ou do cargo etc.), dentro dos Países signatários, será a aposição da apostila, desde que emitida pela autoridade competente do Estado no qual o documento nasceu (art. 3º da Convenção). Veja-se pois, que, para nós – agora participantes do Tratado da Haia – legalização ou consularização (ou chancela consular) passa a ter nova coloração: formaliza-se, a partir de agora, por ato único – a Apostila dada àquele documento nacional que se pretende manejar em outro Estado – dispensando outras formas e exigências.
Perceba-se que disso decorre importante consequência: não poderá qualquer Estado aderente, sob pena de infringir a Convenção, ampliar exigências ou enumerar requisitos outros que não previstos no Pacto10. Nesse sentido, somente se permitirá tratamento diferente daquele dado pela Convenção quando o Estado contratante ostentar procedimento ainda mais simplificado (art. 3º, segunda parte). A Resolução nº 228 repetiu a regra em seu art. 3º, caput. c) A aposição da Apostila e suas formalidades. É interessante observar que a palavra apostila, quando usada em nosso idioma – vulgarmente, diga-se - pretende significar, no mais das vezes, uma publicação impressa. Seu significado, entretanto, tal como trazido do francês apostille, é de anotação à margem de um escrito ou nota que se acrescenta a um papel público sob a forma de anotação à margem. Daí representar, precisamente, o ato de chancelar/ legalizar determinado documento. Veja-se que embora os termos padronizados da apostila devam ser redigidos no idioma oficial da autoridade que a emite, o seu título deverá, sempre, vir redigido em francês, da seguinte maneira: “Apostille (Convention de La Haye du 5 octobre 1961” (art. 4º da Convenção e inciso III do art. 7º, da Resolução nº 228/2016, do CNJ ). O art. 7º da Resolução nº 228/2016, do CNJ, em estrita harmonia com o Tratado, determina que a apostila, para além da exigência acima referida, (i) terá a forma de um quadrado com pelo menos nove centímetros de lado; 10 O art. 2º da Convenção assim demonstra, redigido de maneira impositiva: “Cada Estado Contratante dispensará a legalização dos documentos aos quais se a aplica a presente Convenção...”.
(ii) fará constar do cabeçalho o brasão de Armas da República Federativa do Brasil11 e logomarca do CNJ; (iii) trará campos fixos inscritos, redigidos em português, inglês e francês; (iv) fará indicação do número sequencial e da data de emissão e, por fim, (v) constará o nome do signatário do documento público ou, no caso de documentos não assinados, a indicação da autoridade que apôs o selo ou carimbo, juntamente com o cargo ou a função exercida e a instituição que representa. É imperioso ressaltar que o atendimento das formalidades acima apontadas é requisito para que a apostila alcance seu objetivo de atestar a autenticidade da assinatura, da função e do cargo exercido pelo signatário do documento, tal como previsto no art. 5º da Convenção. Como decorrência das exigências e para que funcione adequadamente, surge como necessidade que as autoridades competentes para a emissão da apostila mantenham registro ou arquivamento das apostilas emitidas, funcionando como banco de dados que, invariavelmente, deverão estar acessíveis a todos os usuários e demais autoridades. Essa necessidade de cuidado quanto ao arquivamento 11 À título de curiosidade, e para deixar a leitura mais leve, foi o Brasão de Armas do Brasil (que é, por determinação constitucional, um dos símbolos oficiais do País, ao lado da Bandeira Nacional, do Hino Nacional e do Selo Nacional) desenhado pelo engenheiro Artur Zauer, por encomenda do Presidente Deodoro da Fonseca. É o famoso escudo azul-celeste, apoiado sobre uma estrela de cinco pontas, com uma espada em riste. Ao redor, figura a coroa formada de um ramo de café frutificado e outro de fumo florido. Note-se, também, que o seu uso é obrigatório pelos Três Poderes, tal como previsto na Lei nº 5.700/71, que também regulamenta os demais símbolos. ARISP JUS 51
fica evidente no art. 7º do Pacto, ao determinar que qualquer interessado poderá solicitar à autoridade emissora que verifique os dados nela inscritos e se correspondem àqueles contidos no registro. Anote-se, também, que essas formalidades quanto à documentação da apostila evidenciam, por certo, tentativa de simplificação do próprio procedimento de emissão, com o que se pretende, inegavelmente, dar agilidade também ao atendimento dos usuários dos serviços cartorários. Não fosse assim e estar-se-ia criando providência extremamente burocrática, desestimulando-se o seu uso geral. A apostila emitida, então, deverá ser impressa em papel seguro fornecido pela Casa da Moeda do Brasil, nos moldes apresentados pela Resolução nº 228/2016, do Conselho Nacional de Justiça, com a consequente aposição no documento ao qual faz referência, carimbada e rubricada em campo próprio pela autoridade competente (art. 8º, § 3º, da Resolução). d) O Sistema Eletrônico de Informações e Apostilamento – SEI Apostila. Para a consecução dos fins colimados na Convenção da Haia, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução em comento, instituiu o denominado Sistema Eletrônico de Informações e Apostilamento – SEI Apostila (art. 8º). Foi além e colocou essa plataforma como o modo obrigatório de emissão da certidão (§ 1º). A Resolução, também, trás ao CNJ duas obrigações que são de extrema importância para o sucesso do novo sistema: criação de mecanismo que permita a ágil verificação, também eletrônica, de existência e de autenticidade do documento apos52 ARISP JUS
tilado; e manutenção, pelo Conselho, de banco de dados unificado do registro eletrônico das apostilas emitidas no País, de modo a ser consultado por qualquer interessado, por meio de consulta eletrônica (arts. 8º, § 4º e 12). Parece despiciendo repisar a importância de tais providências à cargo do CNJ: delas dependerá, diretamente, como ressaltado, o sucesso da utilização da apostila no Brasil. Em linha de conclusão, parece-me rigorosamente necessária a interlocução do Conselho Nacional de Justiça com as entidades e autoridades nacionais e estrangeiras, bem como com a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, abrindo-se diálogo sobre o funcionamento e possíveis melhoramentos em torno do sistema criado. Nessa linha, ressalto a vital importância, neste período, da ouvida das Serventias Extrajudiciais – de todos os misteres – posto serem a linha de frente do sistema. Considero, ademais, que as ferramentas previstas na Convenção e, em especial na Resolução nº 228/2016, são suficientes para que o novel procedimento funcione adequadamente, dependendo, entretanto, de sua adequada efetivação. Acompanharemos e, em pouco tempo, será possível verificar se as coisas, tais como previstas, saíram do papel.
ARTIGO
1. INTRODUÇÃO A cisão do título formal, referida com frequência como um princípio registral, não o é em verdade, pois não constitui fonte da existência (principium essendi), ou a fonte de constituição (principium fiendi) ou a fonte do conhecimento (principium cognoscendi) do Registro de Imóveis.
ASPECTOS DA CISÃO DO TÍTULO FORMAL NOS JULGADOS DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DE SÃO PAULO Por Josué Modesto Passos Juiz de Direito Assessor da Presidência da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça (biênio 2016-2017). Especialista em Direito Notarial e Registral Imobiliário. Professorassistente da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral da Escola Paulista da Magistratura - EPM.
Embora não seja exato falar-se em “princípio da cindibilidade”, é entretanto viável identificar, no campo da interpretação, uma verdadeira regra (não escrita) de cisão do título formal, que a contínua experiência da jurisprudência paulista tem mostrado ser útil, e que o grande número de julgados recomenda revisitar, para que se mantenham explícitos os fundamentos e os justos limites de aplicação dessa norma. 2. FUNDAMENTOS Segundo a jurisprudência do Conselho, a possibilidade de cindir o título decorre da adoção da “unidade geodésica como base do sistema da Lei nº 6.015, de 31/12/1973”, ou seja, a escrituração do Registro de Imóveis segundo a técnica do fólio real “conduziu ao consequente reconhecimento de que o objeto da inscrição passou a ser o título em acepção própria (rectius: causa ou fundamento de um direito ou de uma obrigação)” (CSMSP, Apel. Cív. 5.599-0, Rel. Sylvio do Amaral, j. 19.5.1986; no mesmo sentido: CSMSP, Apel. Cív. 6.508-0, Rel. Sylvio do Amaral, j. 26.1.1987, e CSMSP, Apel. Cív. 17.486-0/6, Rel. José Alberto Weiss de Andrade, j. 6.8.1993).
SUMÁRIO 1. Introdução. 2. Fundamentos. 3. Campo de aplicação. 3.1. Cisão do título formal quanto aos imóveis. 3.2. Cisão do título formal quanto aos fatos jurídicos concernentes ao mesmo imóvel. 4. Casos Portanto, “...hoje é possível extratar só o que em que não se admite a cisão do título comporta inscrição, afastando-se aquilo que não formal. 5. Cisão para aproveitamento de puder constar do registro, por qualquer motivo, parte válida ou eficaz de negócio jurídico. como quando, eventualmente, houver ofensa à conARISP JUS 53
tinuidade registrária” (CSMSP, Apel. Cív. 21.8410/1, Rel. Antônio Carlos Alves Braga, j. 20.2.1995). 3. CAMPO DE APLICAÇÃO Entendida em seus corretos termos, a regra da cisão do título formal pode implicar: (a) a “cindibilidade dos títulos quanto aos imóveis deles objeto, quando mais de um prédio em mesmo instrumento se contiver com ressonância em situação jurídica real imobiliária.” (CSMSP, Apel. Cív. 5.599-0, Rel. Sylvio do Amaral, j. 19.5.1986, g. n.; no mesmo sentido: CSMSP, Apel. Cív. 12.910-0/6, Rel. Onei Raphael, j. 16.9.1991). Desse modo, a “cindibilidade dos títulos, na medida em que significa autonomia dos corpos físicos considerados, é hoje a regra, que apenas excepcionalmente e por razões específicas não incidirá.” (CSMSP, Apel. Cív. 285.948, Rel. Andrade Junqueira, j. 17.12.1979, g. n.; CSMSP, Apel. Cív. 2.642-0, Rel. Bruno Affonso de André, j. 17.10.1983); ou (b) a “possibilidade de cisão dos instrumentos às hipóteses de pluralidade de fatos jurídicos concernentes ao mesmo imóvel, com a ressalva de que da multiplicidade de causas não sobrevenha unicidade negocial” (CSMSP, Apel. Cív. 5.599-0, Rel. Sylvio do Amaral, j. 19.5.1986). Assim, a regra da cisão, entendida rigorosamente, não permite a cisão dos negócios jurídicos mesmos, nem diz respeito a informações que não estejam no título formal, nem, tampouco, guarda relação direta com o princípio da especialidade – não obstante, por vezes, os termos “cisão” e “cindibilidade” se empreguem também nesses contextos, com menor ou nenhuma propriedade (CSMSP, Apel. Cív. 52.723-0/5, Rel. Sérgio Augusto Nigro Conceição, j. 29.11.1999; CSMSP, Apel. Cív. 83.293-0/3, 54 ARISP JUS
Rel. Luís de Macedo, j. 20.12.2001; CSMSP, Apel. Cív. 339-6/9, Rel. José Mário Antonio Cardinale, j. 12.5.2005; CGJSP, Proc. 3.274/2008, Rel. Ruy Camilo, j. 27.2.2008; CSMSP, Autos 990.10.247.068-7, Rel. Munhoz Soares, j. 24.11.2010; CSMSP, Apel. Cív. 0012955-74.2011.8.26.0100, Rel. Maurício Vidigal, j. 21.11.2011; CSMSP, Apel. Cív. 25.887-0/0, Rel. Antônio Carlos Alves Braga, j. 5.10.1995; CSMSP, Apel. Cív. 0003003-68.2013.8.26.0434, Rel. Elliot Akel, j. 23.2.2015). 3.1. CISÃO DO TÍTULO FORMAL QUANTO AOS IMÓVEIS Tendo como objeto mais de um imóvel, o título pode ser cindido: (a) para superar a descrição imperfeita dos imóveis na escritura pública, que os descreveu como um todo, embora estivessem destacados no registro e na realidade fática, o que causou dificuldades porque a inscrição rogada era inviável quanto a um deles: “O interessado - ora apelante - adquiriu, mediante escritura pública, dois lotes de terreno (já mencionados) em cumprimento a compromisso anteriormente averbado (fls. 17/20). Por circunstâncias que aqui e agora não cabe perseguir, veio ele a perder o lote 21 em favor de terceiro, como alega e se conforma. Desde logo saliente-se que o compromisso referia-se a dois lotes autônomos (fls. 18), e a escritura foi lavrada em cumprimento ao compromisso (loteamento regular e registrado). Ocorre que Arnaldo José Mazzei recebeu o lote 21 de pagamento (fls. 71 verso) e Luiz Dornfeld (fls. 73 verso) o lote 22, em virtude de demarcação e divisão. Daí figurarem ambos na escritura como alienantes. Não emerge dúvida acerca da metragem e especialidade dos lotes. [...] A unidade imobiliária é certa e definitiva nos assentos, e jamais poderia ser admitida como
unificada, especialmente por serem os titulares do domínio pessoas diversas. Só se unificam imóveis do mesmo titular (artigos 234 e 235 da Lei 6.015/73). Ora, se as unidades imobiliárias estão bem definidas e identificadas, e se impossível pensar-se em unificação pretérita por diversidade de titulares do domínio, não é a descrição englobada que o vedaria, pois certos os limites geodésicos. E se pensasse em descrição englobada para posterior unificação, só se corroboraria a tese da autonomia das unidades e negócios respectivos! A rigor - embora isto não haja sido questionado pela r. decisão ou nas razões de recurso (ou ainda na impugnação) - a solução se vislumbra pela análise da cindibilidade (ou não) do título. [...] com o sistema da extratação introduzido pela Lei 6.015/73, orientam-se as decisões em sentido oposto. [...] Admitida, pois, a cindibilidade, permite-se o exame destacado de cada um dos negócios caracterizados na escritura. Logo, possível o acesso do título - somente no que respeita ao lote 22 da quadra 16 do loteamento “Cidade Jardim” - sem infração à especialidade ou continuidade. Repita-se que o lote 22 tem nos assentos prediais um único titular: Luiz Dornfeld. Desnecessário, via de consequência, a retificação para que conste tal circunstância. Admitida a cindibilidade (insistase!), não mais se apresenta o óbice. Em suma: o entrave relativo à especialidade é superável em virtude dos dados constantes dos assentos prediais, sendo inviável - em face da diversidade de titulares - pensar-se em unificação. Até porque nenhuma dúvida paira sobre a exata identificação da unidade geodésica consubstanciada lote 22 já referido. E, por sua vez, o óbice da continuidade de supera com a cindibilidade do título. Finalmente, não se imagina que - com esta orientação - estar-se-ia dando ao título força diversa da que possui, já que o negócio envolvia duas unidades imobiliárias autônomas e distintas. Tal desfecho excepcional coaduna-se
com a orientação vigente e com a situação aqui objetivada” (CSMSP, Apel. Cív. 11.612-0/9, Rel. Onei Raphael, j. 17.9.1990, g. n.); (b) para que se faça um só registro stricto sensu (o único viável no caso), conquanto de início houvesse sido rogado mais de um ato registrário: “Pretende-se, com o instrumento particular de compromisso de compra e venda apresentado, dar sustentáculo à prática de dois diferentes atos de registro, cada um destes referentes a um bem imóvel diverso. Assim, oportunidade se apresenta para exame parcial, gravada, na hipótese, a cindibilidade do título. Viável, portanto, o exame das exigências formuladas, apenas e tão somente, quanto ao registro pleiteado para o imóvel transcrito sob nº 22.124 no 1º Serviço de Registro de Imóveis da Comarca de Catanduva até porque, em relação ao outro imóvel, inconformismo não manifestou o recorrente (fls. 50, terceiro parágrafo, in fine)” (CSMSP, Apel. Cív. 35.544-0/3, Rel. Márcio Martins Bonilha, j. 11.10.1996, g. n.). E ainda: “A improcedência da dúvida, desta forma, foi parcial, admitindo o MM. Juiz Corregedor Permanente o registro tão somente de um dos negócios jurídicos celebrados por meio da mesma escritura pública, o que é plenamente possível mediante aplicação do princípio da cindibilidade do título” (CSMSP, Apel. Cív. 282-6/8, Rel. José Mário Antonio Cardinale, j. 3.3.2005, g. n.); (c) para permitir a qualificação negativa quanto a um imóvel, mas não a outro ou a outros referidos no mesmo título: “Na hipótese, único instrumento contém o compromisso de venda e compra de quatro imóveis. Parece claro que se está diante de título susceptível de cisão, isto é, que quatro são os negócios jurídicos concentrados, por conveniência das partes, em único título formal. Nem mesmo a falta de discriminação do preço avençaARISP JUS 55
do para a promessa de venda e compra de cada um dos lotes mencionando-se tão só o preço total que engloba a transmissão de direitos sobre os quatro, é suficiente para descaracterizar a pluralidade negocial. É que a autonomização dos contratos tendentes à constituição de direito real se dá no plano do objeto, da “res”. Como se dá para os fins da legislação tributária, é possível presumir que, não tendo discriminado o preço de transmissão de cada um dos lotes, as partes estabelecem, para cada qual deles, preço idêntico. Daí não existir o óbice apontado, no sentido de que a irregistrabilidade da promessa incidente sobre dois dos lotes referidos no instrumento estaria a contaminar do mesmo vício a promessa incidente sobre os demais imóveis ali mesmo mencionados” (CSMSP, Apel. Cív. 12.910-0/6, Rel. Onei Raphael, j. 14.10.1991, g. n.). E também: “[...] a descrição constante da Matrícula 100.277 (Av. 4) não foi reproduzida no título judicial, estando este em desconformidade com o cadastro imobiliário, o que, por si só, determinaria a necessidade de sua retificação e a qualificação negativa, a teor do § 2º do artigo 225 da Lei 6.015/73. Esta negativa se limita a esse bem, um dos dois penhorados, não atingindo o outro, dada a cindibilidade do título [...]” (CSMSP, Apel. Cív. 33.3580/0, Rel. Márcio Martins Bonilha, j. 10.3.1997, g. n.); (d) para admitir rerratificação de escritura pública quanto a um imóvel, sem atingir a situação de outro que, referido embora no título rerratificado, já fora objeto de registro próprio: “O cerne da questão está na possibilidade, ou não, de inclusão, na escritura de re-ratificação, de novo donatário (neto da doadora, nascido um ano após a escritura de doação re-ratificada), bem como de divisão de um dos imóveis alienados (o rural, denominado Fazenda São Luiz, objeto da matrícula nº 4.766, que após retificação judicial deu origem a 56 ARISP JUS
duas glebas, matrículas nºs 28.349 e 28350, todas da mencionada Serventia Predial), com a consequente extinção de condomínio. Ora, considerando que a escritura pública de doação com reserva de usufruto e outras avenças ainda não está registrada em relação à Fazenda São Luiz (matrículas nºs 28.349 e 28.350) e em relação ao Barracão situado na Av. Rui Barbosa nº 363, antigo nº 161 (matrícula nº 4.765), bem como que todos os partícipes do título original (doação) também participaram da escritura de re-ratificação, concordando com a inclusão do donatário superveniente (Natan Ticianeli) e, ainda, com a divisão extintiva do condomínio, é admissível o ingresso desse título re-ratificado no registro predial, em relação a tais bens. Saliente-se que a doadora Jacyra Prearo Ticianeli (titular de 5/6), ainda conserva a disponibilidade desses bens na parte ideal que lhe toca, bem como que ela (doadora), os demais interessados, inclusive a coproprietária Tadeusa Marci Ticianeli Miglioni (titular de 1/6) e seu esposo, também emitiram suas vontades concordes nos dois atos notariais (escritura original e escritura de re-ratificação). O registro anterior da escritura em foco operou-se apenas em relação ao imóvel objeto da matrícula nº 170 (prédio nº 456, antigo nº 276, situado na Av. Rui Barbosa); não, repita-se, para os demais imóveis (objeto das matrículas nºs 4.765, 28.349 e 28.350), dentre eles o mencionado imóvel rural denominado Fazenda São Luiz (matrícula nº 4.766, que, com as retificações judiciais, deram origem as matrículas nºs 28.349 e 28.350). Esse registro, obviamente, não teve efeito de mutação de domínio além daquele referente ao imóvel da matrícula nº 170, nada interferindo, pois, no domínio e na disponibilidade dos demais imóveis. Logo, atento à cindibilidade do título e ao único registro que dele se operou (matrícula nº 170), forçosa a conclusão que apenas em relação ao imóvel objeto da matrícula nº 170 - para o qual a doadora não tem mais disponibi-
lidade alguma, uma vez que o respectivo bem não mais integra seu patrimônio desde o tal registro (R.14/170) -, é ineficaz a inclusão do novo donatário e, daí, truncado o registro correspondente. Preservada, no entanto, para o imóvel rural e para o barracão, a disponibilidade da doadora, é lícita a inclusão do novo donatário (neto superveniente) por via de escritura de re-ratificação, que, ressalte-se, contou com a concordância de todos os demais interessados” (CSMSP, Apel. Cív. 583-6/1, Rel. Gilberto Passos de Freitas, j. 30.11.2006, g. n.). 3.2. CISÃO DO TÍTULO FORMAL QUANTO AOS FATOS JURÍDICOS CONCERNENTES AO MESMO IMÓVEL Trazendo mais de um fato jurídico (comumente, mais de um negócio jurídico) sobre um mesmo imóvel, o título pode ser cindido:
lavradas a doação do imóvel e a constituição de usufruto, sobre esse mesmo imóvel, em favor dos doadores. Quando a escritura pública foi apresentada ao ofício de Registro de Imóveis, os doadores já eram falecidos. Sendo desnecessário o registro stricto sensu do usufruto e o seu cancelamento imediato, admitiu-se que se fizesse, somente, o registro stricto sensu da doação (CSMSP, Apel. Cív. 1058111-29.2015.8.26.0100, Rel. Des. Ricardo Dip, j. 21.6.2016). 4. CASOS EM QUE NÃO SE ADMITE CISÃO DO TÍTULO FORMAL A cisão do título formal não pode ser admitida:
(a) para permitir a inscrição de um só desses fatos jurídicos, quando houver óbice relativo a outro ou a outros deles: “Como o óbice registrário consistente no prévio ingresso no fólio real do compromisso de venda e compra irretratável, irrevogável e quitado limita-se à fração ideal de 1/7 (um sete avos) pertencente a Luiz Carlos Faceto e sua mulher, não há obstáculo ao registro das outras vendas e compras retratadas na escritura pública referentes às frações ideais pertencentes aos outros condôminos. Tal título deve, por consequência, ser cindido para permitir o registro das vendas e compras das frações ideais dos outros condôminos não abrangidas pelo compromisso de venda e compra registrada sob nº 4 na matrícula nº 19.887” (CSMSP, Apel. Cív. 74.960-0/7, Rel. Luís de Macedo, j. 3.4.2001, g. n.);
(a) quando implicar alteração da vontade das partes: “[...] o título alberga um contrato que tem um objeto certo e definido: a loja, dois estacionamentos privativos, inalienáveis e inseparáveis da loja, compreendendo 113,09 m² de área construída da loja; 32,00 m² dos estacionamentos; 18,810 m² de parte ideal do terreno (2,534%), mais 2,660 m² relativos aos estacionamentos - (0,358%). Não se pode cindir o negócio para tirar dele somente uma parte do objeto. Em outras palavras, não se pode registrar a transmissão da fração ideal do terreno, deixando de lado as outras partes integrantes do objeto do contrato (loja e estacionamentos). Estar-se-ia, induvidosamente, alterando a manifestação de vontade das partes. Assim, ainda que se pudesse ignorar a inexistência de incorporação registrada, seria impraticável o registro da transmissão da fração ideal do terreno.” (CSMSP, Apel. Cív. 1.918-0, Rel. Bruno Affonso de André, j. 7.7.1983, g. n.). No mesmo sentido: CSMSP, Apel. Cív. 59.966-0/4, Rel. Sérgio Augusto Nigro Conceição, j. 10.9.1999);
(b) admitiu-se a cisão do título formal num caso em que, na mesma escritura pública, foram
(b) quanto importar em violação do princípio da instância (ou rogação): “Não cuidou a apelante de ARISP JUS 57
tratar diversamente seu pedido em relação aos imóveis, não se podendo, portanto, imaginar eventual procedência parcial da dúvida permitindo o acesso do título somente a um dos imóveis.” (CSMSP, Apel. Cív. 12.941-0/7, Rel. Onei Raphael, j. 23.9.1991); (c) quando redundar em confusão sobre o que efetivamente foi querido pelas partes: “[...] se aplica aqui o precedente trazido à colação pelo recorrente, posto que não se poderia sequer falar no registro da fração ideal de terreno, como se fosse um condomínio comum, regido pelo Código Civil, porque o título, na espécie, não indica, com segurança, qual seria a porção ideal de terreno alienada por meio do compromisso de venda e compra em exame. Como decorre da simples leitura do compromisso, a parte ideal mencionada nesse contrato envolve, de uma só vez, tanto a porção de terreno quanto as partes ideais que tocariam à futura unidade autônoma nas áreas comuns da futura edificação. Isso impede se saiba sequer a fração ideal de terreno que integraria aquela unidade autônoma (vide alínea ‘a’ da cláusula IV, do compromisso de venda e compra)” (CSMSP, Apel. Cív. 59.953-0/5 e Apel. Cív. 59.954-0/0, Rel. Sérgio Augusto Nigro Conceição, j. 6.12.1999, g. n.); (d) quando resultar em violação a princípio do Registro de Imóveis: “A situação existente - desdobro de um lote de 250 m² em dois de 125 m² - não se enquadra na Lei n. 6.766/79 por não ocorrer implantação de um aglomerado de novas habitações no local a ser realizado por meio de loteamento ou desmembramento. [...] Desse modo, não era cabível a exigência de registro especial com base no art. 18 da Lei n. 6.766/79 por não incidente na espécie. Não obstante, no memorial descritivo apresentado - em conformidade ao Decreto Municipal que aprovou o desdobro - há indicação de duas construções, uma casa em cada um dos futuros 58 ARISP JUS
imóveis (a fls. 13/18). Diante disso, é pertinente a exigência relativa à regularização por meio da averbação das construções em obediência ao princípio da especialidade objetiva. O fato da inexistência anterior das construções não afeta a obrigatoriedade de sua averbação, notadamente em virtude do conteúdo do memorial descritivo e da situação fática atual. O princípio da cindibilidade do título não tem lugar no presente caso em razão da unidade do ato de desdobro em consideração ao conteúdo do título que menciona expressamente as construções. Além disso, a cindibilidade somente tem aplicação no caso do registro de compra e venda e não em hipótese de desdobro, porquanto nesta haverá a formação de novas matrículas, o que não ocorre naquela, daí a obediência restrita ao princípio da especialidade objetiva. Nestes termos, ante a pertinência, ainda que parcial, das exigências do Oficial do Registro Imobiliário não cabe averbação do desdobro pretendido” (CGJSP, Proc. 125.042/2013, Rel. José Renato Nalini, j. 17.10.2013, g. n.). 5. CISÃO PARA APROVEITAMENTO DE PARTE VÁLIDA OU EFICAZ DE NEGÓCIO JURÍDICO A cisão, já se disse, é do título formal; em boa técnica, portanto, não se pode invocá-la para cindir negócios jurídicos (= para cindir títulos causais), e extrair deles a parte válida ou eficaz. Nesse sentido: “Não há, outrossim, como destacar do ato notarial eventual parcela a título de aproveitamento do “instrumento público para acertar uma situação particular” (fls. 63, in fine). A regra, como se sabe, é a cindibilidade do título. Todavia, e a propósito da cindibilidade do título, há que admiti-la apenas naquelas hipóteses em que diga ele respeito a pretensões distintas ao registro, e não
ao aproveitamento de eventual parte útil do ato, que diga respeito a mesma pretensão de registro” (CSMSP, Apel. Cív. 17.486-0/6, Rel. José Alberto Weiss de Andrade, j. 6.8.1993, g. n.). Porém – é importante salientar – na última década veio ganhando corpo o entendimento de que a regra da cisão também se aplique para destacar a parte válida ou eficaz de negócios jurídicos que tragam irregularidades. Essa solução não é correta, porque implica supor o que teriam querido as partes, caso a irregularidade não houvesse, e essa equidade não se pode reconhecer na atividade de qualificação, que é de direito estrito. Mencionem-se os casos concretos: (a) “Há, contudo, um único vício no instrumento de compra e venda do imóvel adquirido pela apelante (fls. 9/10), que impede o seu ingresso no registro, na forma como elaborado. Diz respeito à cláusula de incomunicabilidade inserida na escritura. [...] A disposição constante do título é nula, porque afronta o disposto no artigo 1.848 do Código Civil, já que efetivada sob a égide do novo estatuto civil. [...] Assim, como não houve no instrumento a expressa menção à exigência formulada pela lei, forçoso é reconhecer a invalidade da restrição. Todavia, a nulidade ora apontada se restringe a apenas à cláusula inserida no título e não importa na invalidade deste, mas somente na sua cindibilidade, a fim de que se torne viável o seu registro a seguir” (CSMSP, Apel. Cív. 440-6/0, Rel. José Mário Antonio Cardinale, j. 6.12.2005). No mesmo sentido CSMSP, Apel. Cív. 002426885.2010.8.26.0320, Rel. Maurício Vidigal, j. 21.11.2011, e Apel. Cív. 0008818-68.2012.8.26.0438, Rel. José Renato Nalini, j. 6.11.2013; (b) “[...] a controvérsia é restrita à possibilidade ou não de cindir o título, e, consequentemen-
te, de ser registrada apenas a doação e o usufruto reservado ao doador, excluída a transmissão do usufruto à esposa deste após a sua morte, na consideração de que os próprios apelantes reconhecem a nulidade da cláusula de transmissão do usufruto. [...] No caso vertente, o óbice ao registro não é propriamente a impossibilidade de cindir o título e sim a necessidade de que todos aqueles participantes do ato jurídico nele traduzido apresentem tal pretensão, pois, por se tratar de escritura pública de doação com reserva de usufruto ao doador e transmissão do usufruto após a morte deste à esposa, participante do ato, é da essência deste a manifestação de vontade de todos, portanto, a cisão para excluir esta transmissão e a reserva de usufruto nela estabelecida e que deve ser considerada integralmente, implica na modificação do ato de vontade das partes externada no título, ainda que o ato que se pretende cindir seja nulo, e, por tal razão, reclama a participação de todos, ou seja, o requerimento de todos neste sentido. Não se trata, pois, de interpretar ou supor a vontade das partes, como afirmam os apelantes, e sim de observar os princípios e normas legais vigentes que impedem a modificação de um ato jurídico, sem a manifestação de todos que deles participaram, pois, do contrário, os princípios da instância ou rogação e da legalidade, os quais devem nortear a qualificação do título, estariam violados.” (CSMSP, Apel. Cív. 3000543-41.2013.8.26.0601, Rel. Elliot Akel, j. 27.1.2015). Ou seja: admitiu-se, aí, a cisão do título formal, uma vez que todos os supostos interessados se haviam manifestado a favor dela, para que se desconsiderasse a cláusula ilicitamente inserida pelo doador; a solução não parece adequada, uma vez que não se pode presumir que o doador pudesse querer a doação, se fosse extirpada a cláusula que erroneamente impusera.
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6. À GUISA DE CONCLUSÃO Em síntese, cabe concluir que: (a) a cisão do título formal é regra de interpretação, e não princípio do Registro de Imóveis; (b) a regra não está escrita, mas decorre do sistema da vigente Lei de Registros Públicos, que, adotando o fólio real (ou matrícula), fez claro que o objeto da escrituração é o título causal (i. e., os fatos, atos e negócios jurídicos), e não o título formal; (c) estritamente considerada, a regra permite a cisão dos títulos ou quanto aos imóveis que deles são objeto, ou quanto à pluralidade de fatos jurídicos estampados no mesmo instrumento, mas concernentes ao mesmo imóvel, contanto que não se quebre, nessa última hipótese, a unidade negocial querida pelas partes; (d) a cisão do título formal não pode ser admitida quando implicar alteração da vontade das partes, violação do princípio da instância (ou rogação), confusão sobre o que efetivamente foi querido pelas partes ou violação a princípio do Registro de Imóveis; e (e) existe a tendência jurisprudencial de invocar a cindibilidade para destacar, dos negócios jurídicos, a parte que seja válida e eficaz, caso em que, a rigor, não se está mais a tratar da regra da cisão do título formal, mas do aproveitamento de negócios jurídicos nulos ou ineficazes, ou seja, do título causal.
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SEGURANÇA JURÍDICA DO REGISTRO – CONCENTRAÇÃO MATRICIAL Um dos princípios maiores do direito e do ordenamento jurídico é a segurança que ele deve oferecer aos seus destinatários. A certeza e estabilidade das relações em sociedade e consequente paz na realidade humana social são e devem ser as características e consequências de toda ordem jurídica, sua viga central.
SEGURANÇA JURÍDICA DO REGISTRO - CONCENTRAÇÃO MATRICULAR Por José de Mello Junqueira Diretor e Professor da Faculdade de Direito de Sorocaba. Assessor Jurídico da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo e do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos.
No direito, entendido como um plexo de normas que impõem obrigações e atribuem faculdades, deve-se encontrar a garantia de uma existência social segura entre as pessoas e em seus negócios. A certeza do direito deve ser condição de possibilidade dos efeitos que juridicamente implicariam as condutas a realizar e situações que se vierem verificar. Sem a segurança, a vida seria uma surpresa e a sua planificação impossível. Sem a estabilidade das situações juridicamente definidas e adquiridas ninguém saberia verdadeiramente o que é seu e todas as posições jurídicas e respectivos direitos seriam precários. Fala-se aqui, segundo autores alemães, de calculabilidade das situações e relações jurídicas (A. Castanheira Neves, Coimbra, Curso de Introdução ao Estudo do Direito,1971-72. p.191). A segurança e estabilidade exigem que uma situação posta ou um negócio jurídico, formal e de conteúdo perfeito, uma vez definidos e reconhecidos, se mantenham tal como se definiram. O princípio da segurança jurídica há de ser reafirmado, e com maior cuidado, nos negócios que envolvem bens imóveis, dado o crescente avanço ARISP JUS 61
dessas relações jurídicas, seus valores e patrimônio dos envolvidos.
O Registro de Imóveis indica, segundo lapidar síntese de Francisco Eduardo Loureiro, quem, do que e de quanto se é titular sobre a coisa imóvel, No sistema jurídico brasileiro vige o princípio até que se prove o contrário (CC. Comentado,4ª do caráter constitutivo do registro da propriedade ed.p.1.238). imobiliária para a aquisição e transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, a título derivado Assim, o registro se presumirá exato e íntegro entre vivos. e que o direito inscrito corresponde ao titular e enquanto não for cancelado produz todos seus Nosso sistema é misto, com natureza de ato efeitos, segundo termos do artigo 252 da Lei n. jurídico causal, vinculando-se ao registro um título 6.015/73. para complementar o negócio. O ato de registro não finaliza apenas a Segundo o artigo 1227 do Código Civil, os direitos preservação do negócio, resguardando seu reais sobre imóveis constituídos ou transmitidos conteúdo e estrutura, tenciona mais segurança, por ato entre vivos, só se adquirem com o registro autenticidade e eficácia ao ato, conferindo-lhe dos referidos títulos, salvo exceções expressas no autenticidade, garantidora de sua preservação. Código ou em leis que o complementam. Para tanto ele deve se armar e se estruturar sob os efeitos desses princípios. Reafirmando idêntico princípio, dispõe o artigo 1.245 do mesmo Código, que a transferência Na prática, no entanto, nem sempre o objetivo entre vivos da propriedade de bem imóvel se da segurança é alcançado. Há circunstâncias que faz mediante o registro do título translativo no põem em risco um direito já inscrito, ainda que Registro de Imóveis. o interessado tenha se precavido com o imediato registro de seu título de aquisição do bem. Por exceção, nas aquisições que não exigem um título precedente e que se perfazem de A antologia jurisprudencial dá-nos conta de forma originária, como é o caso da usucapião centenas de casos, onde o adquirente, ainda que se e da aquisição causa mortis, a transferência do tenha acautelado de todas as formas para resguardar bem imóvel se dá independente do registro que, seu negócio, vê-se frustrado e surpreendido com no caso, terá um efeito meramente divulgativo fraudes que colocam por terra seus direitos, ainda e publicitário, além de regularizar o histórico que tenha agido com diligência e boa-fé. sequencial das titularidades. Essas apreciações já foram bem lembradas pela O sistema do Registro de Imóveis é dependente Associação dos Registradores Imobiliários de São dos títulos e instrumentos que o originam, para que Paulo manifestando-se sobre o projeto de lei. se efetivem a aquisição e transmissão dos direitos reais sobre bens imóveis, pondo à publicidade o A insegurança nos negócios imobiliários está nas estado em que estes se encontram. possíveis e nem sempre detectáveis fraudes contra credores e à execução, ainda que o adquirente do 62 ARISP JUS
imóvel tenha solicitado as certidões de praxe no do ajuizamento da execução para averbá-la no Estado onde está cadastrado o imóvel. Registro de Imóveis, presumindo-se daí em fraude à execução a alienação ou oneração do bem Irrelevantes, por vezes, as certidões apresentadas efetuadas após a averbação. perante o tabelião quando da lavratura de uma escritura de aquisição de direitos reais sobre A averbação veio prevenir as pessoas que tinham imóveis, que nem sempre satisfazem os objetivos interesse em negociar o imóvel sobre o qual incidiu de sua exigência. Cumpre, então colocar-se uma a restrição, separado para garantia da execução de barreira para se resguardar e se antepor a essa onde se originou a constrição judicial. insegurança jurídica. Trata-se de averbação de finalidade formal, SEGURANÇA JURÍDICA DO REGISTRO – meramente declaratória e publicística, informando AVERBAÇÃO PREMONITÓRIA aos interessados que existe uma execução judicial contra o titular de domínio do imóvel e que, O Superior Tribunal de Justiça, adiantando- portanto, qualquer terceiro que vier adquirir aquele se, tem reconhecido a boa-fé do adquirente de bem não poderá invocar a boa-fé. imóvel caso no ato da aquisição e registro, no registro imobiliário, figurasse o bem como livre A Medida Provisória de nº 656, de 07 de e desimpedido, na suposição lógica de que nem outubro de 2014, com mesmo objetivo, ampliou sempre o adquirente imagina que, em outra as hipóteses, possibilitando registros e averbações comarca ou Estado, tramita ação anterior contra o não só de execução como de ajuizamento de ação, proprietário do bem. restrições administrativas ou convencionais. A jurisprudência dessa Corte tem considerado Essa Medida Provisória transformou-se na Lei que, ausente o registro de penhora ou arresto nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015 e em seu artigo efetuado sobre o imóvel, não se pode supor que 54 dispôs que: as partes contratantes tenham agido em consilium Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim fraudis (Ag. 00054829-5/Mg e Ag.Reg. no Ag. N. constituir, transferir ou modificar direitos reais 4602-Pr). Essa orientação cinge-se às hipóteses de execuções ajuizadas, com penhora ou arresto já constituidos no processo e não inscritos no Registro de Imóveis. Confirmando essa orientação jurisprudencial, a Lei n. 11.383/06 acrescentou ao Código de Processo Civil de 1973 o artigo 615-A, que possibilitava ao credor de um processo judicial de execução, no ato da distribuição, obter uma certidão comprobatória
sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: I - registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; II - averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil; ARISP JUS 63
III - averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e
garantia direitos reais sobre o imóvel (...)”.
Em sentido contrário, procedida a inscrição por averbação junto à matrícula do imóvel dos IV - averbação, mediante decisão judicial, da atos relacionados, o credor estará resguardado em existência de outro tipo de ação cujos resultados ou sua pretensão, não podendo terceiro invocar boaresponsabilidade patrimonial possam reduzir seu fé a seu favor, configurando-se o negócio fraude à proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do execução. art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil.
O Código de Processo Civil de 2015, ora em vigência, manteve a mesma disposição prevista no artigo 615-A do Código de Processo Civil anterior, ao dispor no artigo 828 que o exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz com identificação das partes e dos valores da causa para fins de averbação no Registro de Imóveis.
O mesmo dispositivo, no entanto, excepciona os negócios e atos jurídicos praticados antes da falência, que se consideram e se caracterizam ineficazes, segundo as hipóteses dos artigos 129 e 130 da lei que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência, Lei nº 11.101/2005.
As averbações dessas ações constituem, assim, instrumento de garantia e segurança para os negócios jurídicos imobiliários e, segundo os fins proO artigo 792, inc. I do Código de Processo tagonizados pela própria dicção da lei, pretende-se Civil de 2015 reitera, ainda, a possibilidade de estabelecer mecanismos de proteção aos adquirenaverbação premonitória de ação fundada em tes e recebedores de direitos reais de garantia, desDireito Real ou com pretensão reipersecutória, de que tenham por base os assentos registrais. assegurando a credores de eventual fraude a O Registro de Imóveis indica a coisa, sua execução (previsão anterior do artigo 593, inc. I do Código de Processo Civil de 1973 e artigo 54 da Lei propriedade e titularidade, o que, quem e o quanto do direito encerra, até prova bastante em contrário 13.097/2015). (art. 1.245 do Código Civil). Dai a necessidade de Inexistentes quaisquer restrições ou inscrições acobertá-lo e dotá-lo de segurança e credibilidade. dessas ações na matrícula do imóvel, eventual Quem adquire com base em uma certidão negócio jurídico efetivado envolvendo direitos registral, em princípio tem de ter segurança pelo reais sobre o imóvel, seu objeto, estará resguardado em sua eficácia, presumindo-se em boa – fé o que lhe foi informado, uma vez que se presume conhecido somente o que constou da certidão e adquirente. consequentemente do registro e da matrícula. É incisivo, o parágrafo único, do artigo 54 da Lei Irrelevantes, e assim tem a prática confirmado, 13.097/15 ao afirmar que “não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no as certidões apresentadas perante o tabelião Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, quando da lavratura de uma escritura de aquisição ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em de diretos reais sobre imóveis, uma vez que 64 ARISP JUS
não exaurem as hipóteses todas de eventual O artigo 54 da Lei 13.097/15 indica as responsabilidade patrimonial da pessoa. informações que devem ser registradas ou averbadas na matrícula do imóvel para que os Daí porque a necessidade de os credores se negócios jurídicos que tenham por fim constituir, preocuparem em garantir seus créditos separando transferir ou modificar direitos reais sobre este ou aquele imóvel, por meio da publicização imóveis sejam eficazes em relação a atos jurídicos registral de fatos que possam vir afetar o patrimônio precedentes. do eventual devedor. O inciso I aponta ser passível de registro nas Consolida-se a tese de que devem ser matrículas dos imóveis a citação de ações reais ou concentrados no Registro todas as situações pessoais reipersecutórias, em que repete o item 21, jurídicas que envolvem o imóvel, a ponto de não do inciso I, do artigo 167 da Lei 6.015/73. serem atingidos direitos de terceiros de boa-fé, se desconhecida a existência dessas ações por As ações reais têm por pretensão uma tutela de intermédio da publicidade registral. direito real incidente sobre o bem, no caso, imóvel. Ao referir-se a uma tendência mundial de Os direitos reais estão previstos no artigo 1.225 se concentrar no Registro Imobiliário todas as do Código Civil, em outros dispositivos deste situações jurídicas que digam respeito aos imóveis mesmo código ou instituídos em leis diversas e e que devam ser oponíveis a terceiros, Leonardo especiais de forma específica. Brandelli cita Beatriz Vivar que, sobre o tema afirma: Ação real típica é a ação reivindicatória prevista no artigo 1.228 do Código Civil, não se excluindo “A complexidade do mundo moderno exige garantias dessa natureza as ações declaratórias, positivas e cada vez maiores para seus protagonistas: o adquirente negatórias, de titularidade de uma coisa. deseja contar com uma informação idônea acerca da titularidade do direito que pretende transmitir o alienante, assim, como os gravames os limitações que podem afetá-lo; o credor hipotecário quer saber se o imóvel oferecido em garantia pertence ao constituinte da hipoteca ou se existem outros gravames que poderiam prejudicar a hipoteca; os credores em geral necessitam conhecer o estado patrimonial do devedor, com vistas a evitar os inconvenientes e prejuízos que lhes acarretaria a realização por este último de atos de disposição ocultos. Vemos então a enorme importância jurídica e econômica que adquire a publicidade na vida contemporânea, sendo, a todas luzes, evidente que ela não pode estar dada somente pela tradição [...] senão através dos registros imobiliários, convertidos hoje em verdadeiros baluartes da segurança do tráfico jurídico. ( Registro Civil e Registro de Imóveis, ed. Método, p. 243 ).
Muitas outras ações decorrem do direito de propriedade e do domínio sobre bens imóveis, com natureza real, tais como as de retificação judicial do registro e de divisão de coisa comum e demarcatória, ação de petição de herança, ações confessória e negatória de servidão, ações que envolvam garantias reais sobre imóveis e as ações possessórias. As ações pessoais reipersecutórias têm por pretensão a retomada ao patrimônio do autor, que alega sua propriedade, de uma coisa que se encontra em mãos de terceiros. São ações com pretensão real, originadas de uma relação obrigacional e que ARISP JUS 65
buscam, no caso, coisa imóvel. É uma ação pessoal Esse inciso enseja se averbe na matrícula do com efeito e reflexo real. imóvel número grande de circunstâncias restritivas ao direito de propriedade, devendo o registrador O inciso II possibilita a averbação de constrição atentar à sua origem e título no qual se impôs a judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de restrição. fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos no artigo 615-A do Código de Exemplificando, podem ser averbadas nas Processo Civil. matrículas dos lotes todas as restrições impostas pelos loteadores, desde que afetem diretamente Esse dispositivo prevê três situações processuais o uso da propriedade, tais como as limitações de distintas: aquelas oriundas de procedimentos ordem urbanística e restritivas à edificação. cautelares específicos de arresto e sequestro, aquelas decorrentes do ajuizamento de ação de execução e De idêntica forma as estrições administrativas, aquelas oriundas de cumprimento de sentença, em impostas pelo poder público, embora com relação qualquer de suas fases. e estas é dever de todos conhecê-las, em geral impostas no plano diretor da cidade. Constrição judicial é modo de perda da faculdade de dispor livremente de uma coisa, A indisponibilidade de um bem é determinada ficando seu titular impedido de alienar ou onerar judicial ou administrativamente e impede que o a coisa, o que pode ocorrer quando o bem é objeto bem seja alienado. Uma vez decretada, a ordem de penhor, arresto, sequestro ou busca e apreensão. é comunicada à Corregedoria Geral da Justiça que, por sua vez, repassa-a a todos os Registros Inscritas essas informações, caso advenha a de Imóveis, que deverão, incontinenti, averbar a formalização e registro de penhora do imóvel situação na respectiva matrícula do imóvel. neste mesmo processo, far-se-á o cancelamento daquelas, por conta e custo do interessado. É possível que, embora tenha sido declarada a indisponibilidade, por motivos vários, não tenha A previsão do inciso II não caracteriza ato ela sido averbada na matrícula do imóvel. Caso registral judicial, realizado de ofício pelo Juiz do isso ocorra, o negócio jurídico que dispôs do processo. É ato que depende da iniciativa da parte bem poderá vir a ser anulado, respondendo pelos interessada, não sendo obrigatório e somente prejuízos aquele que deu causa à omissão. haverá inscrição na matrícula do imóvel por solicitação do interessado. O inciso IV prevê, ainda, a averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação O inciso III prevê a averbação de restrições cujos resultados ou responsabilidade patrimonial administrativas ou convencionais ao gozo de direitos possam reduzir seu proprietário à insolvência. registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei. A hipótese pode alcançar vários tipos de ações e dependerá, caso a caso, da análise do Juiz da causa e decisão nesse sentido, instado que seja a se 66 ARISP JUS
manifestar pela parte interessada. A ordem judicial deverá conter a identificação das partes na ação, o valor da causa e o juízo para o qual a ação foi distribuída (artigo 56).
Todas as inscrições previstas na lei, com exceção dos registros específicos de penhora, arresto e sequestro, devem se constituir em atos de averbação, porquanto têm por finalidade mera declaração e publicidade de fatos que possam O parágrafo único do artigo 54 da lei 13.097/15 afirma afetar o imóvel. que “não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boafé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados os disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independem de registro de título de imóvel.
Não pairam dúvidas de que a averbação junto à matrícula da existência de ações contra o proprietário do imóvel constitui um instrumento oportuno e seguro para o mercado negocial imobiliário, dando-lhe segurança e efetividade ao Registro de Imóveis, facilitando as informações, ao O dispositivo nos leva afirmar que o legislador tempo em que reforça a tendência de se concentrar, previu uma presunção de boa-fé e consequente realmente, na matrícula todas as situações e fatos eficácia do negócio se, quando de sua realização que possam vir influenciar nos direitos nela e registro, não constava restrição na matrícula inscritos. do imóvel, não importando tenha o adquirente se descurado da procura de existência de ações ou outras medidas restritivas ao patrimônio do alienante. Ausente averbação na matrícula do imóvel de ações ou medidas restritiva ao direto do titular do registro, não se pode supor tenha o adquirente agi- do em consilium fraudis. Pelo texto e termos incisivos do parágrafo único, “não poderão ser opostas”, afasta-se qualquer discussão sobre a boa-fé do adquirente, presumindo-se existente. Essa é a principal consequência das medidas adotadas pela Lei 13.097/15, levando o intérprete a reconsiderar o alcance ao artigo 593 do Código de Processo Civil. Com a previsão dessas averbações premonitórias, desnecessária a apresentação de certidões dos distribuidores judiciais para a lavratura de escritura pública. Embora não obrigatória é de cautela essa pesquisa.
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ARTIGO
DA DEFESA DO TITULAR DO DOMÍNIO EM AÇÕES DE USUCAPIÃO Por Paulo Cesar Batista dos Santos Juiz auxiliar da 1ª. Vara de registros públicos da Capital/SP. Mestrando pela Universidade de Samford/EUA. Especializado em direito registral e notarial (Escola Paulista de Magistratura). Pós-graduado pela Escola Superior do Ministério Público Federal, Brasília/DF.
SUMÁRIO 1. Introdução. 2. Meios processuais de defesa do titular do domínio. 3. Alegações de direito material trazidas pelo titular do domínio em ações de usucapião. 4. Conclusão.
INTRODUÇÃO A usucapião, para além de uma forma de aquisição de propriedade de imóveis abandonados por seus proprietários, tem se mostrado, especialmente nas grandes cidades, verdadeiro instrumento de regularização de ocupação do solo urbano. Ela tem sido utilizada, na maioria das vezes, como último caminho para tornar regular a ocupação de determinada parcela do solo urbano, quando o então adquirente de direitos possessórios, ou promitente comprador, após anos de ocupação, não consegue êxito no ingresso do seu título junto ao Registro de Imóveis, para que, finalmente, seja registrada a tão buscada propriedade imobiliária. E as razões são muitas para essa dificuldade. Muitos desses possuidores efetivamente pagaram para poder ocupar aquela área urbana, seja ela um lote, seja um conjunto de lotes ou até mesmo parte de um lote. Contudo, mesmo tendo sido pago por aquela ocupação, seu título é nulo ou inapto a obter a qualificação positiva no Registro de Imóveis. A nulidade do título pode decorrer de vício de forma (por exemplo, compra e venda feita por instrumento particular), de inexistência de negócio jurídico (venda a non domino), dentre tantos outros vícios possíveis no negócio jurídico entabulado. Também é óbice à regularização daquela situação de fato a própria irregularidade do loteamento, que muitas vezes não teve concluído todo o seu projeto de regularização, o que impossibilita o descerramento das matrículas e registro dos títulos daqueles compromissários compradores.
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Em face de tantas dificuldades de ordem negocial, jurídica ou administrativa, a solução para que os ocupantes dessas áreas possam, finalmente, registrar sua propriedade, na maioria das vezes, acaba sendo a busca pela declaração de propriedade pela usucapião.
transcrição correspondente. E com base no princípio da continuidade, a citação será feita na pessoa do atual proprietário.
Ainda hoje é muito comum, infelizmente, a existência de imóveis que não se encontram individualmente registrados junto à serventia imoMas não é essa, definitivamente, a única hipóte- biliária, o que significa dizer que, muitas vezes, o se de manejo da usucapião. imóvel usucapiendo não traduz a descrição exata de determinado registro ou transcrição, mas sim Há tantas outras situação de posse por parte de imóvel inserido numa área maior de matrícula ou suposto locatário, comodatário, coproprietário ou transcrição. co-herdeiro, e tantos outros titulares de direitos possessórios sobre a coisa usucapienda. Para tanto, será necessária a descrição da exata área usucapienda, com produção de estudo e visE é dentro da ação de usucapião que serão ci- toria no local, assim como elaboração de planta tados os titulares de domínio da área usucapida, e memorial descritivo, tudo com vistas à atender além de outras pessoas físicas e jurídicas de direito ao princípio da especialidade objetiva e subjetiva, público, todos formando uma verdadeira hipótese atendendo, assim, aos requisitos do art.176, inciso de litisconsórcio passivo necessário e unitário. II, da Lei 6.015/73, para a abertura de matrícula, em caso de procedência. Uma vez citado, o titular do domínio da área usucapida vai exercer sua resistência à declaração Como a citação do titular do domínio é feita de propriedade em favor daquele que se diz pos- com base nas informações que constam do regissuidor, utilizando argumentos capazes de, se for tro, é recomendado que, antes do início das citade seu interesse, obstar a sentença de procedência ções, seja dada oportunidade para que o Oficial do ao final, buscando resguardar sua propriedade que Registro de Imóveis da circunscrição competente está prestes a ser expropriada por aquele que se diz preste informações ao juízo quanto a esse titular do agora proprietário pela usucapião. domínio. MEIOS PROCESSUAIS DE DEFESA DO TITULAR DO DOMÍNIO
Também será de grande valia a complementação dessas informações em relação aos confrontantes tabulares, que também deverão ser citados na Na ação de usucapião, a citação do titular de do- ação de usucapião. mínio é feita com base nos dados que constam no Registro de Imóveis. Em muitas vezes, as informações do Registro de Imóveis estarão desatualizadas, já que não é Pelo princípio da inscrição, somente será citado, costume de proprietários informarem alterações na qualidade de proprietário, aquele que efetiva- de estado ou mesmo o falecimento deles, por seus mente estiver registrado como tal na matrícula ou herdeiros. ARISP JUS 69
Quanto a óbitos, eles são descobertos, na maior parte das vezes, apenas com levantamentos determinados pelo Juízo, para pesquisa quanto à existência de ações de inventário ou arrolamento e seus nomes.
motiva seu procedimento editalício e significa dizer que qualquer interessado, certo ou incerto, habilita-se como réu na ação dominial, podendo contestar o pedido, tudo a retirar o interesse de agir via de intervenção de terceiro.
Uma vez citado o titular do domínio, ou evenAo menos na ação de usucapião, não cabe ao tualmente seus herdeiros, ele poderá então, caso titular do domínio requerer proteção possessória queira, apresentar sua defesa, em regra, contesta- ou petitória, já que, tratando-se de uma ação ção ou exceções previstas em lei. na qual o pedido é exclusivamente declaratório, tais pedidos seriam completamente estranhos à Diz-se que ele poderá resistir ao pedido “caso competência funcional para julgamento das ações queira” porque, embora se trate de expropriação, de usucapião, a depender das leis de organização o próprio titular de domínio pode ter entabulado judiciária locais. negócio jurídico com o autor da ação de usucapião; contudo, o título decorrente dessa avença não foi No caso da capital do Estado de São Paulo, essa apto ao ingresso no registro imobiliário, por conter competência é privativa das Varas de Registros algum vício. Públicos, que não têm, consequentemente, competência para julgar pedidos possessórios ou Neste cenário, como o titular do domínio, in- reivindicatórios. clusive, já recebeu a quitação pelo negócio jurídico, a tendência é que ele não apresente resistência ao Mas o problema não é apenas de competência. pedido de usucapião. A cumulação de defesa da usucapião com Toda ação de usucapião implica em litisconsór- pedidos possessórios ou petitórios esbarra nos cio passivo necessário, com procuradores diferen- limites objetivos da lide, já que não há exata tes. conexão entre o pedido inicial e outros eventuais pedidos protetivos feitos em contestação. Então, o prazo para contestar será em dobro, pois sempre haverá procuradores diferentes (no Assim sendo, a análise da posse no Juízo da mínimo, procuradores das partes e dos entes da fe- usucapião se limita ao tempo exigido para a sua deração), com a ressalva do art. 229 §2º do CPC. aquisição, com a consequente declaração de Além disso, o prazo de resposta somente passará a domínio, se for o caso; proteção possessória, por correr após o esgotamento do prazo do edital. sua vez, é medida que deve ser requerida perante as Varas Cíveis do foro da situação do imóvel. O titular do domínio não poderá oferecer oposição (art. 682 e seguintes do CPC), por falta de inDessa forma, pelas regras de organização teresse de agir, assim como também não se mostra judiciária do Estado de São Paulo, as Varas de cabível o uso de intervenções legais por terceiro. Registros Públicos não têm competência para A ação de usucapião é proposta erga omnes, o que processar e julgar ações de despejo, possessórias 70 ARISP JUS
ou petitórias, seja por livre distribuição, seja por eventual conexão.
A conexão exige que ao menos um de seus elementos objetivos (causa de pedir e/ou pedido) coincida com os da outra ação.
Vale lembrar que a conexão, forma de derrogação de competência, somente se aplica à comNas ações possessórias, ou mesmo nas ações de petência relativa. Competência absoluta, como a despejo, a causa de pedir e pedido se fundam na competência de Juízo prevista na lei de organiza- injustiça da posse, no primeiro caso, e no desfazição judiciária, é inderrogável. mento do contrato com retomada da coisa e cobrança eventual de aluguéis, no segundo. Não haverá espaço, pelas mesmas razões, para pedidos reconvencionais de perdas e danos por Não há, portanto, finalidade dominial naquelas parte do proprietário, o que deverá ser buscado, se ações. for o caso, no Juízo Cível. Na ação de usucapião, o escopo é, como se sabe, No tema de conexão, também não haverá, ne- o reconhecimento da prescrição aquisitiva e concessariamente, declaração de conexão e reunião de sequente declaração de propriedade, sob o fundaprocessos entre ações de usucapião e ações posses- mento de posse qualificada. sórias, mesmo que requerido pelo titular do domínio. Veja-se que, para se considerar a mesma causa de pedir, não basta a alegação de que, em ambas as Primeiramente, porque pode haver conexão demandas, o alicerce é a posse. E isso porque são (art. 55 do CPC), mas, por outro lado, não haverá situações possessórias que, em face do direito mareunião de processos, seja por questão de incom- terial, são qualificativamente diferentes. petência absoluta em algum dos Juízos, já que só existe conexão se a competência for relativa (art. 54 Basta verificar que o possuidor legalmente prodo CPC), seja porque as ações podem estar em mo- tegido por meio de medida possessória pode não mentos processuais muitos distintos; haverá mais reunir os requisitos para usucapir. tumulto do que economia processual. Em suma, a posse que legitima o manejo dos inO caso poderá ser resolvido pela prejudicialida- terditos possessórios não é, absolutamente, a mesde externa, aguardando-se a conclusão de uma das ma que serve de base para a prescrição aquisitiva. ações para julgamento posterior da outra ação, mas Daí o equívoco do raciocínio imediato de conexão isso nem sempre será necessário. entre essas ações1. Aliás, muitas vezes sequer há de se falar em conexão entre ações possessórias, ações de despejo, com a ação de usucapião, ainda que envolvendo as mesmas partes e o mesmo imóvel.
1 Como já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça, “(...) Inexiste prejudicialidade externa que justifique a suspensão da possessória até que se julgue a usucapião anteriormente ajuizada, pois a posse não depende da propriedade e, por conseguinte, a tutela da posse pode dar-se mesmo contra a propriedade.” (Recurso Especial Nº 1.398.658 - SC (2013/0271275-0), Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA). ARISP JUS 71
Isso não significa, contudo, que uma ação não possa influenciar no julgamento da outra, mas não de forma automática e imediata. A decisão tomada na ação de despejo, na ação possessória, ou na petitória vão ingressar nos autos da usucapião como prova documental, cabendo ao Juiz a valoração dessas provas, na hora de decidir sobre a procedência ou não da usucapião.
de área de algum confrontante, a prova cabível será a pericial, com nomeação de perito (arquiteto ou engenheiro) para vistoria no local, medição da área e levantamento dos registros atingidos.
ALEGAÇÕES DE DIREITO MATERIAL TRAZIDAS PELO TITULAR DO DOMÍNIO EM AÇÕES DE USUCAPIÃO
No campo dos fatos, é bastante comum a alegação, pelo titular do domínio, de que se trata de posse injusta, por violência ou clandestinidade.
Como dito anteriormente, por intermédio da sua contestação, o titular do domínio, ou seus herdeiros, poderá perfeitamente exercer sua defesa, resistindo à declaração de propriedade pela usucapião.
Sucede que, em diversas situações, há ocupação da área por mais de uma década e, passados todos esses anos, nenhuma medida judicial foi tomada quanto a isso. A simples alegação de injustiça da posse não basta para demonstração de que ela, de fato, é violenta, clandestina ou mesmo precária.
Por outro lado, se a defesa envolver matéria de fato, a prova será a documental ou oral, com designação de audiência de instrução e julgamento.
Sabidamente, pelo princípio da concentração dos atos processuais (art. 336 do CPC), competirá Muitas vezes os autores exercem tanto a posse ao titular do domínio alegar toda e qualquer ma- como se donos fossem que até ergueram sua resitéria de defesa na contestação, expondo as razões dência no local por conta própria, permanecendo de fato e de direito com que impugna o pedido do lá sem qualquer oposição, sem que nada fosse feito. autor e especificando as provas que pretenda produzir. Isso nada mais é que a confissão dos requisitos da posse ad usucapionem. Independentemente de qualquer fato superveniente, o prazo para defesa ou para novas alegações Não obstante todo o descontentamento do titunão é reaberto. A matéria controvertida já estará lar do domínio, muitas vezes resta clara a ocupação estabilizada com a apresentação da contestação longeva e pacífica dos autores, sem que fosse tomapela preclusão consumativa. da qualquer providência para a formalização dessa situação ao longo do prazo da prescrição aquisitiva As matérias de defesa, portanto, podem dizer por parte do contestante. respeito a questões técnicas ou a questões de fato. Aliás, na lição do Ilustre Professor, DesembarQuanto à matéria técnica, como, por exemplo, gador BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO: falta de descrição exata da área usucapienda, falta A oposição à posse, hábil a quebrar a sua continuidade localização exata registral quanto ao registro que de, não se resume em inconformismo, nem se limita a está sendo atingido, ou mesmo alegação de invasão medidas indefinidas, precárias e inconsistentes, inca-
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pazes de qualquer solução. Oposição, no sentido que lhe emprestou o legislador, não significa inconformidade, nem tratativas com o fim de convencer alguém a demitir-se de se apossar de determinado imóvel. Antes, isso sim, traduz medidas efetivas, perfeitamente identificáveis na área judicial, visando a quebrar a continuidade da pose, opondo à vontade do possuidor uma outra vontade que lhe contesta o exercício dos poderes inerentes ao domínio qualificador da posse2.
Pode o titular do domínio trazer, também, em sua defesa, alegação de comodato. De fato, tratando-se de forma originária de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, para sua concretização, a prescrição aquisitiva não se contenta com qualquer espécie de posse, sendo insuficiente a relação de origem justa que garanta o direito à proteção possessória, mas que não gere a usucapião.
configurar a prescrição aquisitiva, diante de sua manifesta precariedade. Sob outro enfoque, contudo, há casos em que existe mera alegação de comodato, mas não existe a configuração do contrato em si. Isso porque a mera tolerância do titular do domínio não traduz, por si só, contrato de comodato verbal duradouro e prorrogável periodicamente. O comodato, ainda que verbal, exige mais do que mera tolerância: é preciso que a avença seja pautada pela periodicidade da renovação, pela presença constante (ainda que não permanente) do comodante e pela permanente comunicação entre comodante e comodatário.
Se o comodato não tem prazo, é preciso que se exija a restituição da coisa quando cumprida a sua O comodato, seja ele escrito, seja ele verbal, traduz empréstimo gratuito de bem infungível, por finalidade. Se não tem prazo e nem finalidade, enprazo determinado ou indeterminado. No primei- tão não é comodato. ro caso, vencido o prazo, o comodatário tem o deMuitas vezes o titular do domínio não diz, em ver de restituição da coisa; no segundo caso, tão momento algum, qual era o prazo ou então a finalogo haja notificação pelo comodante, o comodatário deverá deixar o imóvel, dentro do prazo es- lidade do comodato. E teria de haver alguma, para que, uma vez esgotada, o bem retornasse ao comotipulado. dante. Não basta posse direta sobre a coisa, com a ciênSe não houver alegação de comodato, muitas cia de que ela não lhe pertença e com o reconhecimento inequívoco do direito dominial de outrem, vezes a contestação alega existência de contrato de sem prejuízo da obrigação a devolvê-la, caso seja locação. provocado. Por sua precariedade, a posse decorrente de relação locatícia não é apta a ensejar a usucapião, Havendo contrato de comodato, ainda que configurada a posse do autor, denota-se claramente pelas mesmas razões que obstam a declaração em que ela não se deu com o animus domini capaz de favor do comodatário. 2 (RIBEIRO, Benedito Silvério, in “Tratado de Usucapião”, vol. 1, págs. 65/656, Saraiva.).
Ao titular do domínio, o ideal será a existência de contrato de locação por escrito, mas isso raraARISP JUS 73
mente ocorre nas ações de usucapião.
documental.
Mesmo sendo o caso de locação verbal, o titular do domínio poderá trazer aos autos, caso tenha sido precavido, cópias de recibos de pagamento de aluguel, ou de eventual notificação judicial ou extrajudicial para a desocupação do imóvel pelo locatário, o que servirá de prova contundente de existência de relação locatícia.
CONCLUSÃO
Paralelamente, a posse poderá ter se iniciado por locação, mas, com o passar do tempo, seja por desinteresse, seja por morte do titular do domínio, os aluguéis pararam se ser pagos, sem que fosse tomada qualquer medida de cobrança ou de despejo contra o então locatário.
Dentre tantas formas de resistência à declaração de propriedade pela usucapião, as hipóteses acima descritas são apenas alguns dos exemplos mais comuns em matéria de defesa por parte de titulares de domínio. Percebe-se que, para essas e outras hipóteses, dificilmente haverá uma resposta clara e automática sobre a procedência ou não do pedido inicial; tudo dependerá das alegações das partes e das provas produzidas.
A solução, portanto, estará sempre focada em Neste cenário, ainda que a posse tenha se iniciado duas espécies de condutas paralelas, a conduta do por locação, restará caracterizada a transmudação possuidor que sustenta a aquisição da propriedade da natureza dessa posse, especialmente quando pela usucapião e, de outro lado, a conduta do titucessarem os pagamentos dos aluguéis e o vínculo lar do domínio ao longo desse período. O que cada contratual, sem que fosse tomada qualquer uma dessas partes fez, ou deixou de fazer, ao longo providência para a formalização dessa situação ao dos anos. longo do prazo da prescrição aquisitiva. De um lado, uma conduta comissiva do autor Ora, aquele que está ocupando o bem pode, por da ação, supostamente ocupante do imóvel como atos próprios, assumir a sua posse integral a partir se proprietário fosse, de forma pública e pacífica, do momento em que passa a exercer atos em seu aos olhos de todos que estejam presenciando aquenome, com exclusão de todos os outros eventuais la situação de fato; do outro lado haverá o titular proprietários, agindo como se dono fosse e assim do domínio, ou seus herdeiros, em conduta de zelo parecendo aos olhos de quem observe tal situação e manutenção de sua propriedade, ou em conduta fática que se perdura. omissiva, nada fazendo quanto àquela primeira situação. Neste cenário, à míngua de qualquer início de prova documental dessa relação locatícia, nem Não haverá sentença justa em ação de usucapião mesmo a audiência de instrução e julgamento sem a delicada e profunda análise das condutas topoderá, no mais das vezes, salvaguardar a tese de madas pelas partes envolvidas. locação. Não poderiam duas ou três testemunhas, ainda que com discurso unânime, comprovar uma relação locatícia sem qualquer rastro de prova 74 ARISP JUS
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