ARISPJUS - Edição Quadrimestral: Janeiro - Abril de 2018

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Ano III - Janeiro - Abril - 2018 Informativo jurídico especializado

SUMÁRIO ENTREVISTA

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Geraldo Francisco Pinheiro Franco

ENTREVISTA

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José Renato Nalini

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DIRETORIA Presidente: Francisco Raymundo Vice-Presidente: Flauzilino Araújo dos Santos Diretor Financeiro: Rosvaldo Cassaro Diretor da Coordenadoria Geral: George Takeda Diretor de Tecnologia da Informação: Armando Clapis Secretário: Jersé Rodrigues da Silva CONSELHO FISCAL Carlos André Ordonio Ribeiro Adriana Aparecida Perondi Lopes Marangoni Frederico Jorge Vaz de Figueiredo Assad SEDE Av. Paulista, 1776 - 15° andar - São Paulo - SP CEP: 01310-200 Homepage: www.arisp.com.br | www.registradores.org.br www.iregistradores.org.br | www.uniregistral.com.br e-mail: imprensa@arisp.com.br EQUIPE Gestão: Francisco Raymundo Coordenação: Alberto Gentil de Almeida Pedroso Jornalistas Responsáveis: Dêni Carvalho - MTB - 46178/SP Jéssica Molina Galter - MTB 0081859/SP Diagramação: Alessandra Giugliano Russo Editor-chefe: Vaner Caram Fotografia: Vaner Caram, Felipe Nunes e Nelson Oliveira

Primeiras impressões do decreto presidencial n° 9.310/2018 (15/03/2018) e da sua incidência na Regularização Fundiária idealizada pela lei nº 13.465/2017 – noções gerais e o abuso na isenção de emolumentos Alberto Gentil de Almeida Pedroso

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A averbação do segundo leilão negativo nos contratos de Alienação Fiduciária de bens imóveis Paulo Cesar Batista dos Santos

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Breves notas sobre o Direito Real de Laje Rubens Hideo Arai

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Alienação Fiduciária: as alterações promovidas pela lei nº 13.465/2017 e suas implicações no sistema de intimação para retomada e alienação do bem Ralpho de Barros Monteiro Filho

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Indicadores de desempenho e qualidade total nos cartórios Talita Caldas

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O novo código de obras paulistano e a incorporação imobiliária Marcelo Terra

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ENTREVISTA Geraldo Francisco Pinheiro Franco

CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Quais os principais projetos idealizados pelo senhor para o biênio 2018/2019 a frente da Corregedoria Geral da Justiça? A Corregedoria Geral da Justiça é o braço técnico do Poder Judiciário. E como tal, é responsável pelo regramento das unidades judiciárias, além do serviço extrajudicial. Vamos implementar correições virtuais, a fim de viabilizar uma fiscalização célere que permita conhecer problemas e ajudar na solução. Vamos estudar e aperfeiçoar as Normas de Serviço das serventias judiciais e extrajudiciais, ouvindo todos os interessados, e auxiliar os magistrados para que possam, a despeito 4

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das dificuldades, prestar uma jurisdição rápida e de qualidade. Quais as impressões iniciais do senhor sobre a Lei Nº 13.465/17? A Lei Nº 13.465/17 trata de temas de grande relevância, sendo conhecidos os estudos que demonstram os proveitos econômicos que a regularização fundiária enseja em favor dos ocupantes de imóveis antes irregulares. Além do aspecto econômico, a regularização fundiária permite que os ocupantes dos imóveis regularizados tenham segurança jurídica, com inegável repercussão social. Ademais, a referida lei regulamentou o condomínio de lotes e criou novo instituto jurídico consistente no direito real de laje. As consequências dessas inovações nos aspectos citados e, ainda, no âmbito urbanístico, somente serão conhecidas no futuro, mas são desde logo causas de reflexão, inclusive para a regulamentação que couber à Corregedoria Geral da Justiça. O mundo está em constante mudança e a sociedade cada vez mais exigindo do Poder Público eficiência e rapidez. O senhor acredita que os serviços extrajudiciais podem auxiliar o Poder Judiciário? Atividades antes exclusivas do Poder Judiciário agora realizáveis por Oficiais Registradores e Tabeliães, como a separação, divórcio e inventário de bens por escritura pública e usucapião extrajudicial, mostram que os serviços extrajudiciais podem contribuir para a redução das ações judiciais, especialmente em causas sem litigiosidade entre as partes interessadas, com isso permitindo o uso de recursos humanos e materiais para solução dos litígios levados ao Judiciário. Igual contribuição poderá decorrer da realização de mediações e conciliações pelos serviços extrajudiciais, ainda pendente de regulamentação. O que mais pode ser feito para aproximar o serviço extrajudicial do usuário? Os serviços extrajudiciais se destinam a conferir


segurança nas relações jurídicas, o que deve ser divulgado para que todos os usuários tenham conhecimento da real finalidade desses serviços e do proveito que podem proporcionar. Além disso, não se pode esquecer a necessidade de atendimento rápido, com cortesia, em instalações adequadamente mantidas, com boa qualidade e custos proporcionais aos serviços prestados.

de igual modo, sendo que todos muito se dedicam ao sucesso dos certames, com total independência, o que impede ao corregedor definir parâmetros para o desempenho de candidatos.

Dentre as inúmeras mudanças recentes promovidas na legislação vigente é notória a ampliação da competência dos serviços extrajudiciais. Todavia, o acréscimo de atribuições O Estado de São Paulo é o recordista de concursos está acompanhado de diversas hipóteses de públicos no extrajudicial. É possível traçar um contemplação da gratuidade do serviço ou, por outro perfil ideal de bons registradores e lado, da falta de previsão de rubrica notários? O que é indispensável para para contraprestação. A oneração Os serviços o sucesso do candidato no certame? de serviço das pequenas serventias extrajudiciais se A realização de maior número de sem a devida contraprestação é um concursos públicos de provas e títulos destinam a conferir problema atual e preocupante. O para outorga de delegações de notas e Provimento 65/2017 (usucapião segurança nas de registro decorre do pioneirismo do extrajudicial) promoveu certo alento, relações jurídicas, mas muito ainda precisa ser feito. O Tribunal de Justiça do Estado de São o que deve ser Paulo em aplicar o disposto no art. 236 senhor acredita que a Corregedoria da Constituição Federal, com edição de possa diminuir o quadro atual? divulgado para normas que permitiram a realização Os fundos de reembolso de que todos os de concursos, em que adotada a nova atos gratuitos e de renda mínima usuários tenham sistemática, pouco tempo depois da são formados por parcelas dos vigência da Constituição Federal. emolumentos e, portanto, têm alcance conhecimento da Os concursos públicos de provas financeiro limitado. real finalidade e títulos permitem a seleção de Por isso, cabe ao Poder Público, desses serviços e do futuros registradores e tabeliães com quando institui gratuidades, ter em proveito que podem conta a capacidade econômica dos bons conhecimentos jurídicos, o que é indispensável para a prestação registradores e tabeliães que devem proporcionar. do serviço público de tamanha arcar com os custos da prestação dos importância com a qualidade exigível. serviços, o que, apenas exemplificando, Porém, neste ponto cabe lembrar abrange toda infraestrutura das que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo unidades dos serviços extrajudiciais, desde as realiza concursos para provimento das unidades do instalações, equipamentos e softwares até a manutenção serviço extrajudicial desde muito antes do sistema de funcionários. atualmente adotado, sendo notórios o saber jurídico e a A Corregedoria Geral da Justiça tem consciência boa qualidade de serviços prestados por Registradores dessas questões e da necessidade de se equacionar as e Tabeliães que ingressaram na atividade pelo anterior gratuidades com os custos das prestações dos serviços, sistema de seleção. para o que pode desenvolver as atividades que estiverem Por fim, os concursos públicos são presididos por ao seu alcance. desembargadores nomeados pelo Tribunal de Justiça e contam com Comissões de Examinadores nomeadas ARISP JUS 5


ENTREVISTA José Renato Nalini REITOR DA UNIREGISTRAL

seja no aprendizado de outro idioma, na formação de programadores e de produtores de aplicativos e desenvolvimento de softwares que acelerem a arte registrária, sem prejuízo da segurança jurídica e da transparência republicana. O senhor acredita que a experiência adquirida na Secretária de Educação do Estado de São Paulo pode ser aplicada de algum modo à UniRegistral? Sem dúvida. Conheço hoje o universo da Rede Pública, uma estrutura de dimensão gigantesca e complexa e sei das urgências de São Paulo e do Brasil quanto à formação de quadros especializados que possam se dedicar a atividades profissionais prazerosas e especializadas. Vinte e seis meses à frente da mais difícil dentre as pastas do maior Estado da Federação acrescentaram expertise que será muito útil para o trabalho a ser desenvolvido na UniRegistral. Afora os contatos com autoridades consideradas as mais qualificadas na educação, ensino e aprendizado, pensadores que oferecem sistemática didática e pedagógica aproveitável em qualquer instituição voltada ao cultivo do saber, como é a UniRegistral.

Quais são os principais projetos idealizados pelo senhor para UniRegistral? Pretendo colher opinião de todos os destinatários da UniRegistral, para conhecer seus anseios, demandas e expectativas. A intenção é atender a todos os nichos da especialíssima função registral. Além do desenvolvimento de doutrina jurídica, é preciso investir intensamente no uso das novas tecnologias, na busca de ampliação dos préstimos a serem oferecidos pelas delegações, na simplificação das rotinas e na descoberta criativa de sistemáticas que confiram eficiência ainda maior ao serviço. Também se procurará atender a necessidades específicas, seja no campo da gestão, 6

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O senhor conhece o Estado de São Paulo com muita propriedade, tendo realizado visitas correcionais em praticamente todas as Serventias Extrajudiciais do Interior e da Capital à época em que foi Corregedor Geral da Justiça, tendo visitado também todas as regiões do interior como Presidente do Tribunal de Justiça. Quais são as principais carências do interior? Como a UniRegistral poderia auxiliar na capacitação dos funcionários e dos titulares destes Cartórios? A UniRegistral já possui um acervo precioso de conhecimento especializado, altamente sofisticado e suficiente para evidenciar que o Registro de Imóveis paulista é um dos mais eficientes e apurados de todo o planeta. Agora, o foco deve ser o servidor que está na linha de frente. Auscultá-lo, auxiliá-lo a adotar práticas inteligentes para tornar o serviço mais ágil e melhor, incentivá-lo a criar modalidades de atuação que simplifiquem a rotina e flexibilizem a burocracia, inovar em busca de novas opções para a ampliação


da capacidade de préstimos por parte das delegações registrárias, tudo isso sem descuidar de seu preparo. Tanto para galgar postos mais avançados na carreira, como para se submeter com galhardia e condições de superar as dificuldades e ser vitorioso, nos sucessivos concursos de outorga de delegações a serem realizados

daqui por diante. Também é importante o papel da UniRegistral para o treino do funcionalismo em relação às exigências normativas correcionais e da contribuição da linha de frente para a permanente atualização das Normas de Serviço, que não podem ignorar a relevância da participação daqueles que têm o dever de ofício de observá-las.

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ARTIGO PRIMEIRAS IMPRESSÕES DO DECRETO PRESIDENCIAL N° 9.310/2018 (15/03/2018) E DA SUA INCIDÊNCIA NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA IDEALIZADA PELA LEI Nº 13.465/2017 – NOÇÕES GERAIS E O ABUSO NA ISENÇÃO DE EMOLUMENTOS Por Alberto Gentil de Almeida Pedroso JUIZ DE DIREITO

O Decreto Presidencial n° 9.310 de 15 de março de 2018 anunciou em seu preâmbulo instituir as normas gerais e os procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana e estabelecer os procedimentos para a avaliação e alienação dos imóveis da União. O objetivo do artigo é comparar criticamente algumas “inovações” do Decreto n° 9.310/18 e sua real possibilidade ou necessidade de fazê-las – limitada a análise a dois pontos: regras gerais da Reurb e a gratuidade de emolumentos. 2) DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE A REURB Inicialmente, vale destacar a reiteração, pelo disposto no art. 1º, parágrafo 2º do Decreto, que a Reurb promovida por meio da legitimação fundiária somente poderá ser aplicada para os núcleos urbanos informais comprovadamente existentes até 22 de dezembro de 2016 (data da edição da Medida Provisória n° 759/2016), ou seja, há um marco temporal, em princípio rígido, para utilização dos instrumentos de regularização fundiária da Lei n° 13.465/17. É de salientar que a rigidez quanto ao marco temporal limite da Lei nº 13.465/2017, acompanhada pelo Decreto nº 9.310/18, é de difícil constatação fática, ante as constantes e rápidas mutações do uso do solo urbano pelos ocupantes – o que impossibilita a precisão inflexível exigida.

1) INTRODUÇÃO A Lei nº 13.465 de 11 de julho de 2017 (norma legislativa responsável pela conversão da Medida Provisória nº 756/2016 em lei) promoveu profundas alterações no sistema legal aplicado à regularização fundiária urbana – mudanças sensíveis na Alienação Fiduciária de bem imóvel, no modelo da regularização fundiária urbana, além de criar novos instituto jurídicos como o direito de laje, o condomínio urbano simples e o condomínio de lote, dentre outras reformas.

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O art. 2º do Decreto, em mera repetição ao disposto no art. 10 da Lei nº 13.465/17, reafirma quais os objetivos da Reurb a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e pelos Municípios: I - identificar os núcleos urbanos informais a serem regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior; II - criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes; III - ampliar o acesso à terra urbanizada pela população


de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados; IV - promover a integração social e a geração de emprego e renda; V - estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade; VI - garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas; VII - garantir a efetivação da função social da propriedade; VIII - ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes; IX - concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo; X - prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais; XI - conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher; XII - franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária.

Os incisos I a XII, do art. 2º do Decreto, são de profunda importância, merecendo releitura constante pelo operador do Direito para sanar lacunas do texto normativo ou mesmo dúvidas interpretativas, sempre na busca dos melhores caminhos para efetivação da finalidade da regularização fundiária. Nos termos do que dispõe a Lei n° 13.465/2017, em seu art. 10, é missão fundamental da União, Estados, Distrito Federal e Municípios identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior (art. 10, I), bem como criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes (art. 10, II), ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados (art. 10, III), promovendo a integração social e a geração de emprego e renda (art. 10, IV), sempre estimulando a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade (art. 10, V), garantindo o direito social à moradia digna

e às condições de vida adequadas (art.10, VI). 2.1) CONCEITOS NORMATIVOS PARA FINS DE REURB (Lei nº 13.465/17 e Decreto Presidencial nº 9.310/18) Ainda repisando o que previu a Lei nº 13.465/17, em seu art. 11, o art. 3º do Decreto nº 9.310/18 apresenta, para fins de regularização fundiária urbana (Reurb), os conceitos dos principais institutos: I - núcleo urbano: assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972, independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural; II - núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização; III - núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município ou pelo Distrito Federal (a parte grifada foi acrescida pelo Decreto nº 9.310/18); IV - demarcação urbanística: procedimento destinado a identificar os imóveis públicos e privados abrangidos pelo núcleo urbano informal e a obter a anuência dos respectivos titulares de direitos inscritos na matrícula dos imóveis ocupados, culminando com averbação na matrícula destes imóveis da viabilidade da regularização fundiária, a ser promovida a critério do Município; V - Certidão de Regularização Fundiária (CRF): documento expedido pelo Município ou pelo Distrito Federal (a parte grifada foi acrescida pelo Decreto nº 9.310/18) ao final do procedimento da Reurb, constituído do projeto de regularização fundiária aprovado, do termo de compromisso relativo a sua execução e, no caso da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida qualificação destes e dos direitos reais que lhes foram conferidos; VI - legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, conversível em aquisição de direito real de propriedade na forma da Lei nº 13.465/17 e neste Decreto, e do qual conste a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse; VII - legitimação fundiária: mecanismo de reconhecimento da aquisição originária do direito real de propriedade sobre ARISP JUS 9


unidade imobiliária objeto da Reurb; VIII - ocupante: aquele que mantém poder de fato sobre lote ou fração ideal de terras públicas ou privadas em núcleos urbanos informais.

O termo de compromisso contido na CRF (Certidão de Regularização Fundiária), conforme disposto no art. 3º, paragrafo 2º, Decreto nº 9.310/18, conterá o cronograma da execução de obras e serviços e da implantação da infraestrutura essencial e poderá prever compensações urbanísticas e ambientais, quando necessárias. A falta de regular expedição da CRF pelo Município ou pelo Distrito Federal, quando prenotada para qualificação registral, poderá gerar a devolução do título pelo Registrador de Imóveis da circunscrição imobiliária competente para registro. NOTA 1: Constatada a existência de núcleo urbano informal situado, total ou parcialmente, em área de preservação permanente ou em área de unidade de conservação de uso sustentável ou de proteção de mananciais definidas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, a Reurb observará, também, o disposto nos art. 64 e art. 65 da Lei nº 12.615/2012, e será obrigatória a elaboração de estudo técnico que comprove que as intervenções de regularização fundiária implicam a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior com a adoção das medidas nele preconizadas, inclusive por meio de compensações ambientais, quando necessárias – cabendo aos Municípios e ao Distrito Federal a aprovação do projeto de regularização fundiária do núcleo urbano informal (art. 3º, paragrafo 3º, do Decreto). NOTA 2: Constatada a existência de núcleo urbano informal situado, total ou parcialmente, em área de unidade de conservação de uso sustentável que - nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 - admita a regularização, a anuência do órgão gestor da unidade será exigida, desde que estudo técnico comprove que essas intervenções de regularização fundiária impliquem a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, o órgão gestor da unidade de conservação de uso sustentável deverá se manifestar, 10 ARISP JUS

para fins de Reurb, no prazo de noventa dias, contado da data do protocolo da solicitação (art. 3º, paragrafo 5º, do Decreto). Todavia, na hipótese de recusa à anuência pelo órgão gestor da unidade, este emitirá parecer, técnica e legalmente fundamentado, que justifique a negativa para realização da Reurb (art. 3º, paragrafo 6º, do Decreto). NOTA 3: Na Reurb em núcleos urbanos informais situados às margens de reservatório artificial de água destinado à geração de energia ou ao abastecimento público, a faixa da área de preservação permanente consistirá na distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum (art. 3º, parágrafo 7º, do Decreto n° 9.310/18). NOTA 4: Não é admitida a Reurb em núcleos urbanos informais situados em áreas indispensáveis à segurança nacional ou de interesse da defesa, assim reconhecidas em ato do Presidente da República (art. 3º, parágrafo 8º do Decreto n° 9.310/18). Consideram-se áreas indispensáveis à segurança nacional para fins do disposto no Decreto, os locais e as adjacências onde o Presidente da República e o Vice-Presidente da República trabalham ou residem oficialmente durante o mandato presidencial, e das infraestruturas críticas, cujas instalações, serviços e bens, se forem interrompidos ou destruídos, provocarão sérios impactos à sociedade e ao Estado (art. 3º, parágrafo 10, do Decreto n° 9.310/18). NOTA 5: O Decreto n° 9.310/18 (assim como a Lei n° 13.465/18) se aplica aos imóveis localizados em área rural, desde que a unidade imobiliária tenha área inferior à fração mínima de parcelamento prevista no art. 8º da Lei nº 5.868, de 1972 (art. 3º, parágrafo 13, do Decreto n° 9.310/18). NOTA 6: Após a Reurb de núcleos urbanos informais situados em áreas qualificadas como rurais, os Municípios e o Distrito Federal poderão efetuar o cadastramento das novas unidades imobiliárias, para fins de lançamento dos tributos municipais e distritais


(art. 3º, parágrafo 14, do Decreto n° 9.310/18). 2.2) MODALIDADES DE REURB (ART. 13 DA LEI Nº 13.465/17 E ART. 5º DO DECRETO Nº 9.310/18) São duas as modalidades de Reurb: (i) de Interesse Social, Reurb S; ou (ii) de Interesse Específico, Reurb E. A Reurb S é modalidade de regularização fundiária destinada aos núcleos urbanos ocupados predominantemente por população de baixa renda (conceito aberto de economia que merece verificação no caso concreto pelo Poder Público), assim declarado por ato do Poder Executivo Municipal (por meio de procedimento administrativo – conforme dispõe o art. 28 e seguintes da Lei nº 13.465/17). A Reurb E é modalidade de regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população que não se enquadre na definição de população de baixa renda, de acordo com análise da Municipalidade. NOTA 1: No mesmo núcleo urbano informal, poderá haver as duas modalidades de Reurb, desde que a parte seja ocupada predominantemente por população de baixa renda regularizada por meio de Reurb-S e o restante do núcleo por meio de Reurb-E (art. 5º, parágrafo 4º, do Decreto n° 9.310/18). Na Reurb, os Municípios poderão admitir o uso misto de atividades como forma de promover a integração social e a geração de emprego e renda no núcleo urbano informal regularizado (art. 5º, parágrafo 5º, do Decreto n° 9.310/18). NOTA 2: A regularização fundiária de núcleos urbanos informais constituídos por unidades imobiliárias não residenciais poderá ser feita por meio de Reurb-E (art. 5º, parágrafo 6º, do Decreto n° 9.310/18).

3) ISENÇÕES DE CUSTAS E EMOLUMENTOS APLICÁVEIS A REURB (AMPLIAÇÃO INDEVIDA E A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA) Dispõe o art. 13, § 1º, Lei nº 13465/17 – serão isentos de custas e emolumentos entre outros, os seguintes atos registrais relacionados apenas à Reurb S (lembrando que cabe ao Poder Executivo Municipal a qualificação da Reurb em social ou de interesse específico, incidindo a gratuidade em favor daqueles a quem for atribuído o domínio das unidades imobiliárias regularizadas – art. 13, § 5º): (i) o primeiro registro de Reurb S, o qual confere direitos reais aos beneficiários; (ii) registro de legitimação fundiária; (iii) registro do título de legitimação e posse e sua conversão em título de propriedade; (iv) registro da Certidão de Regularização Fundiária (CRF) e do projeto de regularização, com abertura de matrícula para cada unidade imobiliária urbana regularizada; (v) primeira averbação de construção residencial, desde que respeitado o limite de até 70 m2; (vi) aquisição do primeiro direito real da unidade imobiliária derivada da Reurb S; (vii) primeiro registro de direito real de laje; (viii) fornecimento de certidões de registro para os atos previstos no art. 13, Lei nº 13.465/17.

O Decreto nº 9.310/18, em seu artigo 54, além de reproduzir todas as hipóteses previstas na Lei 13.465/17 ainda previu a incidência da isenção de emolumentos para: VIII - a averbação das edificações de conjuntos habitacionais ou condomínios. Vale salientar que a hipótese aqui prevista é mais ampla que aquilo disposto no art. 13, parágrafo 3º, da Lei nº 13.465/17, pois a isenção de emolumentos era restrita aos conjuntos habitacionais ou condomínios construídos pelo poder público, diretamente ou por meio da administração pública indireta, que já se encontrassem implantados até 22 de dezembro de 2016; ARISP JUS 11


IX - a abertura de matrícula para a área objeto da regularização fundiária, quando necessária; X - a abertura de matrículas individualizadas para as áreas públicas resultantes do projeto de regularização; Conforme estabelece o art. 55 do Decreto n° 9.310/18: é vedado ao Oficial do Cartório de Registro de imóveis exigir comprovação de pagamento ou quitação de tributos, entendidos como impostos, taxas, contribuições ou penalidades e demais figuras tributárias nos atos de registros ou averbações relativos a Reurb-S (conforme dispõe o art. 13, parágrafo 2º, da Lei nº 13.465/17) – exceção ao dever de fiscalização previsto no art. 30, XI, da Lei nº 8.935/94. NOTA 1: Para a dispensa de custas e emolumentos prevista na Lei nº 13.465, de 2017, será apresentado o título de legitimação fundiária, de posse ou outro instrumento de aquisição, pelos legitimados ou pelos ocupantes, ao oficial do cartório de registro de imóveis competente, no prazo máximo de um ano, contado da data de emissão do título (art. 56 do Decreto nº 9.310/18). NOTA 2: As isenções de custas e emolumentos aplicam-se a partir da classificação prevista nos art. 13 e art. 30, caput, inciso I, da Lei nº 13.465, de 2017, pela autoridade competente, como Reurb-S (art. 53, parágrafo 2º do Decreto nº 9.310/18). Para a aplicação das isenções de custas e emolumentos na fase de processamento administrativo da Reurb-S anterior à emissão da CRF, o interessado apresentará documento emitido pela autoridade competente que ateste a classificação da regularização do núcleo urbano informal como Reurb-S, na forma prevista no art. 5º do Decreto (art. 53, parágrafo 3º do Decreto nº 9.310/18). Por fim, mas não menos importante, acresço, a título de reflexão jurídica, minha humilde posição no tocante a evidente inconstitucionalidade do disposto no art. 13, § 1º da Lei nº 13.465/17 e também do art. 54 do Decreto nº 9.310/18 em razão do que dispõe o art. 151, inciso 12 ARISP JUS

III, da Constituição Federal. A Constituição Federal em seu art. 151, inciso III, veda a União instituir isenções de tributos de competência dos Estados, Distrito Federal ou dos Municípios (a natureza jurídica de tributo dos emolumentos do extrajudicial, instituídos pelos Estados da Federação, encontra-se consolidada no E. Supremo Tribunal Federal: ADI 1378-ES, j. 13.10.2010, DJ de 9.2.2011, rel. Min. Dias Toffoli.). Assim, reconhecida a natureza jurídica de tributo para os emolumentos extrajudiciais instituídos pelos Estados – conforme posição pacífica do E. STF – é inconstitucional a isenção prevista no art. 13, § 1º da Lei nº 13.465/17 (fundamento idêntico para sustentar a inconstitucionalidade do disposto no art. 98, inciso IX, do CPC/15 – ou seja, lei federal que isenta o particular do pagamento de emolumentos previstos por lei estadual), bem como pelos mesmos motivos também do art. 54 do Decreto Presidencial n° 9.310/18. 4) CONSIDERAÇÕES FINAIS O artigo objetivou, resumidamente, apresentar dois pontos de destaque e preocupação do Decreto Presidencial n° 9.310/18: noções gerais de Reurb e a isenção de emolumentos. Ainda que louvável a iniciativa presidencial na edição do Decreto – com pontuais esclarecimentos do funcionamento administrativo da Reurb – acredito que muito do texto acabou por pecar pela repetição exaustiva da Lei nº 13.465/2017, havendo infelizmente excessos reprováveis no tocante aos emolumentos impropriamente isentos e em algumas disposições referentes à regularização fundiária. A marginalização de inúmeras áreas de terra no país não é bem vinda, pois fomenta a sonegação fiscal, aumenta os conflitos fundiários, desassossega o ocupante de boafé, dentre outros malefícios. A necessidade de reforma do sistema de regularização fundiário é necessária, mas deve-se manter minimamente a técnica legislativa a fim de tutelar a segurança jurídica.


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ARTIGO A AVERBAÇÃO DO SEGUNDO LEILÃO NEGATIVO NOS CONTRATOS DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS Por Paulo Cesar Batista dos Santos JUIZ DE DIREITO

favor da Alienação Fiduciária, por exemplo, o fato do credor fiduciário não precisar reivindicar qualquer direito de preferência ou sequela em caso de concurso de credores, já que a propriedade já é do próprio credor, não se subordinando, a rigor, a qualquer espécie de crédito privilegiado. Também é vantagem o fato do contrato poder ser feito livremente por instrumento particular, com efeitos de escritura pública1, independentemente do valor do imóvel, sem se falar no procedimento de execução extrajudicial, que será visto mais à frente. A disciplina da Alienação Fiduciária de bens imóveis está disciplinada na Lei nº 9.514/97, com modificações trazidas por leis posteriores, inclusive pela recente Lei nº 13.465/2017. De forma supletiva, os princípios aplicáveis à Alienação Fiduciária estão no Código Civil, no capítulo referente à propriedade fiduciária (arts. 1.361 a 1.368-B).

1) INTRODUÇÃO A Alienação Fiduciária de bens imóveis, muito embora já conte com 20 anos de idade, não foi utilizada como garantia de contratos principais logo no início da vigência da legislação regente. Havia certo receito quanto à sua aplicação. O franco desuso da hipoteca, contudo, contribuiu para o crescimento da Alienação Fiduciária em garantia, principalmente nos contratos submetidos ao Sistema Financeiro da Habitação, passando a ser bastante utilizada pela Caixa Econômica Federal. Algumas vantagens fizeram com que a Alienação Fiduciária em garantia de bens imóveis, finalmente, ganhasse força. Ao contrário da tão desvirtuada hipoteca, pesa a 14 ARISP JUS

Há inúmeros desafios envolvendo a Alienação Fiduciária; a maioria deles se dá, ao menos no primeiro momento, nos balcões dos Registros de Imóveis espalhados pelos grandes centros. Dentre tantos problemas, podemos citar questões de especialização do direito de garantia, momento da purgação da mora, vencimento antecipado da dívida, indisponibilidade de bens e Alienação Fiduciária, prazo de carência, intimação do devedor por hora certa e por edital, cláusula mandato, prazo para requerimento de averbação da consolidação da propriedade e leilão, no caso de inadimplemento do devedor fiduciante, além de tantos outros. No campo dos problemas envolvendo o leilão do imóvel, esse artigo vai tratar, de forma breve e superficial, da necessidade de averbação do segundo leilão negativo, o que tornará possível ao credor

1 Item 235 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo.


fiduciário, agora proprietário pleno, de fato, dispor de todos os direitos inerentes à propriedade. Naturalmente, vamos tratar apenas de questões introdutórias, sem pretensão alguma de trazer qualquer solução ou crítica à sistemática atual; apenas chamar a atenção para o debate quanto à mencionada obrigatoriedade de averbação do leilão negativo em contratos de Alienação Fiduciária em garantia. 2) ASPECTOS LEGAIS Conceitualmente, a Alienação Fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel, nos exatos termos do art. 22 da Lei nº 9.514/97. O contrato de Alienação Fiduciária pode ter por objeto também outros direitos reais, não só o direito de propriedade.2 Além disso, a Alienação Fiduciária pode garantir qualquer espécie de obrigação, não apenas a obrigação contida num contrato de compra e venda. Ela tem sido muito utilizada, por exemplo, como garantia de contratos de mútuo representados pelas cédulas, como cédulas de crédito rural, industrial, imobiliário, bancário etc. A propriedade fiduciária é resolúvel, ou seja, sujeita a uma condição resolutiva, que é o cumprimento da obrigação estampada no contrato principal. Como dito, a propriedade fiduciária não é absolutamente plena, mas sujeita a uma condição resolutiva. Quando implementada essa condição, ou seja, cumprida a obrigação, a propriedade fiduciária se desfaz.

2 § 1º do art. 22 da Lei nº 9.514/97 e Item 230 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo.

Na contagem dos prazos do contrato de Alienação Fiduciária, exclui-se o dia do começo e inclui-se o dia do vencimento. Encerrando-se o prazo regulamentar em sábado, domingo ou feriado, prorroga-se para o primeiro dia útil subsequente3. O Código Civil trata da propriedade fiduciária dentro do Título III, como espécie do direito de propriedade, muito embora, em sua essência, seja verdadeiro direito real de garantia. A propriedade fiduciária constitui-se, do ponto de vista obrigacional, pelo contrato de Alienação Fiduciária e, como direito real, pelo registro do contrato na matrícula do imóvel dado em garantia. Trata-se de contrato que será sempre acessório ao contrato principal em que se constitui a obrigação garantida. Por se tratar de um contrato típico, o instrumento da Alienação Fiduciária em garantia, que será o título apresentado no Registro de Imóveis, deverá obrigatoriamente conter as exigências do art. 24 da Lei nº 9.514/974. E será esse artigo que irá pautar a qualificação feita pelo Registrador, que deve observar a especialização objetiva e subjetiva, aplicável a qualquer direito real de garantia (art. 1.424 do Código Civil). Tudo isso também está previsto no Item 236 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo. A correta especialização é uma garantia ao credor, ao devedor e a terceiros. 3 Item 261 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo. 4 Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá: I - o valor do principal da dívida; II - o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário; III - a taxa de juros e os encargos incidentes; IV - a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da Alienação Fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição; V - a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da Alienação Fiduciária; VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão; VII - a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27. ARISP JUS 15


A propriedade fiduciária, como dito, não é plena; o proprietário fiduciário sequer tem a posse direta sobre o bem. Aliás, é obrigatório que o contrato de Alienação Fiduciária permita o uso do bem pelo devedor fiduciante. O Código Civil, em seu art. 1.367, manda aplicar à propriedade fiduciária os mesmos princípios gerais dos direitos reais de garantia (arts. 1.419 a 1.430). Contudo, quando a lei geral disser o contrário, prevalece o princípio da especialidade, devendo ser aplicada a Lei nº 9.514/97. 3) EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL Como dito acima, uma das grandes vantagens da Alienação Fiduciária está na possibilidade de utilização da execução extrajudicial, reiteradamente declarada constitucional por nossos Tribunais. A execução da Alienação Fiduciária está prevista no art. 26, 26-A e 27 da Lei nº 9.514/97, com modificações da Lei nº 13.465/2017, regida também pelas Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo. Se a obrigação objeto do contrato principal for cumprida (em regra, quitação da dívida), o registro da propriedade fiduciária será cancelado, por averbação, e o devedor fiduciante tem direito real à propriedade plena, e não apenas um direito pessoal obrigacional. A rigor, o que o Registro de Imóveis averba é o cancelamento da Alienação Fiduciária em garantia (direito real imobiliário), e não exatamente a quitação da dívida em si (direito obrigacional pessoal). A quitação é o pressuposto para o cancelamento da Alienação Fiduciária, mas a quitação, por si só, não tem natureza de direito real imobiliário. Assim, cumprida a obrigação, o direito do devedor fiduciante é real, nos termos do art. 1.368-B do Código Civil e, por ter natureza real, precisa ser levado a registro 16 ARISP JUS

junto à matrícula do imóvel. Se assim não o for, não existe direito real de proprietário fiduciário. Sucede que, quando se fala de um contrato principal e um acessório de Alienação Fiduciária, estamos falando de muitos direitos e obrigações, a maioria deles de natureza pessoal e obrigacional exclusivamente; não direitos propriamente reais imobiliários. É por isso que se deve separar o que é relevante à relação de direito material existente entre as partes e o que é relevante para o Registro de Imóveis, com todas as suas características de segurança jurídica, publicidade e oponibilidade perante terceiros. No campo da execução extrajudicial da Alienação Fiduciária, percebe-se talvez uma tendência de se levar ao Registrador de Imóveis obrigações e deveres de fiscalização que, em verdade, a lei em sentido estrito não impõe. Quem sabe, querer que ingresse no Registro de Imóveis inscrições que, a princípio, não têm natureza real imobiliária, mas, ao revés, possuem conteúdo estritamente obrigacional5. Nos termos do art. 167, incisos I e II da Lei de Registros Públicos, entende-se que os atos de registro stricto sensu estão submetidos a rol legal taxativo, alargável apenas por lei. De sua parte, o rol é exemplificativo para atos de averbação, podendo haver averbação de atos não previstos expressamente em lei, mas desde que tais atos tenham poder de alterar a situação jurídica do imóvel quanto a direitos reais. Averbações que não tenham influência sobre direitos reais imobiliários, para existirem, precisam estar expressamente previstas em lei.

5 Questão levantada pelo Professor NARCISO ORLANDI NETO, em aula ministrada no 1° Curso de Atualização em Registro de Imóveis, oferecido pela UNIREGISTRAL, http://uniregistral.com.br/, acessado em 28/11/2017.


Veda-se, assim, a averbação indiscriminada daquilo que não possua qualquer referência à situação jurídica imobiliária. Assim sendo, discute-se se não seria o caso de se levar a registro apenas os títulos e atos expressamente previstos na Lei nº 9.514/97, como, por exemplo, o registro do contrato de Alienação Fiduciária na matrícula do imóvel, esse sim indispensável, por sua natureza constitutiva de propriedade fiduciária6. Também, nos termos da lei, deve haver a averbação de quitação da obrigação e o cancelamento da Alienação Fiduciária, já que isso significa a consolidação da propriedade em favor do devedor fiduciante; ou, ao contrário, no caso de descumprimento da obrigação principal, e após intimação para purgação de mora, a consolidação da propriedade plena em nome do credor. A lei ainda dispõe sobre o registro da dação em pagamento, se houver, além de averbação das eventuais cessões contratuais. 4) DO LEILÃO DO IMÓVEL DADO EM GARANTIA Uma vez consolidada a propriedade, no caso de inadimplemento absoluto, surge agora uma obrigação para o credor: ele deverá promover o leilão7 público 6 Art. 23 da Lei nº 9.514/97 e Item 231 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo. 7 Diz MELHIN CHALHUB: “O leilão foi eleito pelo legislador como meio de conversão do bem em dinheiro, destinando-se o produto arrecadado ao acertamento de haveres entre as partes, mas nada impede que, em circunstâncias especiais, outro meio seja eleito pelas partes para alcançar o mesmo objetivo de acertamento de haveres, desde que os interesses do credor e do devedor sejam preservados e que a alternativa eleita pelas partes não importe em fraude de execução ou contra credores. (...) Em suma, considerando que são os próprios antigos prestadores de garantia e a antiga devedora que têm interesse em dispensar a realização do leilão, porque precisam de maior prazo para obter recursos necessários à reaquisição dos imóveis, e, mais, considerando, ainda, o precedente da própria Lei nº 9.514/1997, que dispensa o leilão na hipótese de

para venda do imóvel, nos 30 dias subsequentes à data da averbação da consolidação da propriedade8. A consolidação da propriedade plena, que antes era ato de registro, agora é objeto de averbação, por modificação dada pela Lei nº 13.465/20179, feita a requerimento do credor fiduciário, com o pagamento do ITBI, nos termos do Item 256 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo. A previsão legal do leilão é, a rigor, em benefício do devedor fiduciante, para que seja vedado o maléfico pacto comissório, não admitindo a lei que o credor fique com o imóvel sem antes tentar vendê-lo em leilão10.

dação em pagamento, não há dúvida de que é também admissível outro modo de acertamento de haveres que importe em extinção da dívida, desde que com a participação dos interessados”. CHALHUB, Melhin Namen. Alienação Fiduciária, Incorporação Imobiliária e Mercado de Capitais – Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 132/134. 8 O Oficial do Registro de Imóveis não tem qualquer obrigação de controle sobre ele, nos termos do Item 259 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo. 9 Art. 26. (...). § 7º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio. Art. 26-A Os procedimentos de cobrança, purgação de mora e consolidação da propriedade fiduciária relativos às operações de financiamento habitacional, inclusive as operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), sujeitam-se às normas especiais estabelecidas neste artigo. § 1º A consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário será averbada no registro de imóveis trinta dias após a expiração do prazo para purgação da mora de que trata o § 1º do art. 26 desta Lei. 10 O § 8º do art. 26 da Lei nº 9.514/97 dispensa o leilão, caso haja termo de quitação da dívida entregue ao devedor. O termo de quitação, assim, tem natureza meramente declaratória, já que a quitação em si já transfere ao devedor fiduciante a propriedade plena. ARISP JUS 17


Ocorre que, se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais, a obrigação será considerada extinta e o devedor exonerado. O credor terá cinco dias, a contar da data do segundo leilão, para dar quitação da dívida, mediante termo próprio (§ 6º do art. 27 da Lei nº 9.514/97).

a ela inerentes, tais como usar e dispor livremente do bem?

Sendo assim, o credor abre leilão para garantir a venda pública do imóvel, recebendo um preço que seja capaz de quitar a dívida e acréscimos e, com o saldo remanescente, devolvê-lo ao devedor. Por essa razão, é possível afirmar que o leilão é de interesse primordial do devedor fiduciante.

A Lei n° 9.514/97 não prevê expressamente a obrigatoriedade do credor fiduciário averbar no Registro de Imóveis os leilões negativos, mas o Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo assim o faz, nos seguintes termos:

Devem ser realizados dois leilões. No primeiro, o lance obrigatório deverá ser igual ou superior ao valor do imóvel para fins de leilão, estabelecido pelas partes quando da contratação da Alienação Fiduciária11.

260. A averbação dos leilões negativos será feita a requerimento do credor fiduciário ou de pessoa interessada, instruído com cópias autênticas das publicações dos leilões e dos autos negativos, assinados por leiloeiro oficial.12

Frustrado o primeiro leilão, virá o segundo. Neste, o maior lance oferecido poderá ser inferior ao valor da avaliação do imóvel, mas terá que alcançar no mínimo o valor da dívida e demais consectários constantes do art. 27, § 2°, da lei regente. A Lei nº 13.465/2017 garante, até a data do segundo leilão, o direito de preferência do devedor fiduciante para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas. Surge então a questão: averbada a consolidação da propriedade pela não purgação da mora, estará de fato, consolida a propriedade plena do credor fiduciário? Noutras palavras, com a consolidação da propriedade, o credor fiduciário agora pode exercer todos os direitos 11 Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá: (...) VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão; 18 ARISP JUS

Enquanto não averbado o segundo leilão negativo, se apresentada escritura de compra e venda de imóvel que fora objeto de Alienação Fiduciária, sem ressalva, essa escritura poderia ou não poderia ser qualificada positivamente?

A consequência imediata da ocorrência do segundo leilão negativo é a extinção da dívida e a manutenção da propriedade plena na pessoa do credor fiduciário (§§ 5° e 6° do art. 27 da Lei n 9.514/97), que agora poderá alienar o imóvel por negócio jurídico bilateral. 12 Ver: Processo CG 2011/156201, ementado nos seguintes termos: Dúvida inversa – Alienação Fiduciária em garantia – Instauração do procedimento executório administrativo previsto no artigo 26 da Lei nº 9.514/97 – Composição amigável – Consolidação do bem em nome da credora fiduciária – Necessidade da realização de leilão – Configuração de pacto comissório – Recurso não provido. E. Corregedor Geral de Justiça, Des. JOSÉ RENATO NALINI. Contudo, em decisão mais recente, a MMª Juíza Corregedora Permanente da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, TÂNIA MARA AHUALLI, entendeu pela validade do termo de quitação da dívida emitido pelo fiduciário, em razão de acordo entabulado entre as partes no período entre a consolidação da propriedade e a realização dos leilões de venda, “afastando o entendimento quanto à obrigatoriedade de realização do leilão, sem possibilidade de quitação da dívida. Nesse caso, o credor fiduciário afirmou que a quitação da dívida poderia ocorrer até a assinatura do auto de arrematação, em aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/66, e que o mencionado acordo não traria qualquer prejuízo ao devedor ou a terceiros. Processo 104321493.2015.8.26, DJE 13/08/2015.


Sendo assim, a rigor, a consolidação da propriedade seria, ou deveria ser, o último ato de natureza eminentemente real imobiliária a ser inscrito no Registro de Imóveis, já que a mora não purgada se torna absoluta e, consequentemente, não poderia mais ser evitada a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário. Daí por diante, todos os atos subsequentes, tais como ocorrência ou não do leilão, não seriam de natureza real imobiliária a justificar seu ingresso obrigatório na matrícula do imóvel como ato de averbação. Se o motivo era dar-lhes segurança, publicidade e conservação, o Registro de Títulos e Documentos exerceria muito bem essa função.

da dívida sem a purgação da mora. Seja como for, fica sempre o registro de que, independentemente do fascinante e proveitoso ambiente acadêmico, os Oficiais de Registro e Notários devem sempre observar e obedecer a lei e as normas administrativas locais no exercício de seu tão relevante mister.

A consolidação da propriedade, da maneira como assim se vê, apenas liquida os contratos anteriores, acessório e principal, mas não consolida, de fato, a propriedade, já que nasce, automaticamente, a obrigação legal do credor de levar o bem a leilão. Tal obrigação, por sua força, obsta a livre disposição do bem pelo credor, até que seja superada a fase licitatória. Há, em verdade, imposição normativa ao Registrador, para que ele seja obrigado a verificar se o credor fiduciário, de fato, levou o imóvel a leilão, inclusive, zelando pela sua regularidade, publicidade, preço, ou seja, se os requisitos legais e normativos desses leilões foram observados. O que se coloca a reflexão então e se, de fato, não é o vencimento do prazo sem purgação da mora que consolida a propriedade, mas sim a averbação do segundo leilão negativo que traduz condição inafastável para que o proprietário possa, finalmente, exercer em sua totalidade os direitos da propriedade, podendo, assim dispor livremente do imóvel. Fica para debate o questionamento sobre, se consolidada a propriedade do credor fiduciário, ela é (ou deveria ser) plena, nos termos do art. 1.228 do Código Civil, e dela dependeria apenas o vencimento ARISP JUS 19


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ARTIGO BREVES NOTAS SOBRE O DIREITO REAL DE LAJE Por Rubens Hideo Arai

JUIZ DE DIREITO

2) NATUREZA JURÍDICA A primeira consequência jurídica trazida pela Lei nº 13.465/2017 foi a introdução no Código Civil e na Lei de Registros Públicos de um novo direito real passível de registro no Cartório de Registro de Imóveis. Isso se deu com a inclusão do inciso XIII no art. 1.225 do Código Civil, instituindo a laje como Direito Real. A inclusão se fez necessária porque no Brasil vigora o princípio da taxatividade dos direitos reais. Trata-se de um princípio de ordem pública que impede qualquer intervenção da autonomia privada destinada a criar ou modificar normas definidoras de direitos dessa natureza.

1) INTRODUÇÃO Há cerca de um ano, mais precisamente em 22 de dezembro de 2016, foi editada a Medida Provisória nº 759, que dispôs sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária rural e urbana e no âmbito da Amazônia Legal. Instituiu mecanismos que visavam aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União, entre outras providências. Posteriormente, em 12 de julho de 2017, essa Medida Provisória foi aprimorada e convertida na Lei nº 13.465, que disciplinou as regularizações fundiárias rural (arts. 2º ao 8º) e urbana (arts. 9º ao 82), abrangendo imóveis públicos e privados com inclusão dos da União (arts. 83 ao 97) e buscando a eficiência por regras secundárias (arts. 98 ao 109), tratando, também, do denominado direito de laje, alterando, entre outros, o Código de Processo Civil, Código Civil e a Lei de Registros Públicos.

Ao restringir a criação de tipos jurídicos oponíveis erga omnes o legislador pátrio trouxe maior segurança às relações econômico-sociais na medida em que os atos passíveis de registro, seus requisitos e suas consequências estão expressamente elencas na lei (numerus clausus). Há uma simplificação na verificação da regularidade das transações e no funcionamento do registro público.1 Nunca é demais lembrar que no direito estrangeiro há quem adote o sistema de numerus apertus, mas isso exige que o sistema registral seja extremamente eficiente, o que nem sempre é possível num país extenso e heterogêneo como o nosso. Na Espanha, por exemplo, poucos foram os casos de criação de direitos reais; o que ocorreu na maioria das vezes foi a modificação dos modelos já tipificados.2 Nunca é demais lembrar que o princípio da taxatividade não se confunde com o da tipicidade. O primeiro estabelece que os direitos reais já estão estabelecidos pelo legislador, e as partes não podem 1 ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos Reais. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 10-11. 2 GONDINHO, André Pinto da Rocha Osório. Direitos reais e autonomia da vontade: o princípio da tipicidade dos direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 80-81 ARISP JUS 21


criar novos direitos reais além daqueles previstos no artigo 1.225 do Código Civil. O segundo, a tipicidade, diz respeito ao fato de que os direitos reais além de previstos pelo legislador não podem ter seus elementos estruturais modificados pelas partes; devem seguir a forma prescrita em lei, pois, se assim não fosse, seria possível burlar a taxatividade imposta pelo legislador através da modificação do conteúdo do tipo normativo.3

A segunda consequência, já de ordem prática, permitiu aos registradores de imóveis que procedam a abertura de matrícula própria para sua instituição. Isso se deu com a inclusão do § 3º, do artigo 1.510-A do Código Civil e do § 9º, do artigo 176, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos - LRP) que trouxeram normas específicas acerca deste direito real.

Em outras palavras, a taxatividade corresponde à fonte do direito real e a tipicidade refere-se à modalidade do seu exercício.4

Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. (...) § 3º Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor.

Convém, contudo, observar que se outrora os direitos reais consubstanciavam-se em tipos fechados – aqueles que contém todos os elementos juridicamente relevantes da situação a que se referem e o seu conteúdo não pode ser preenchido nem alterado por vontade das partes - temos que, em razão da complexidade e dinamismo das relações sociais, há uma tendência de se admitir tipos abertos - o legislador realiza uma descrição do que entende ser fundamental ao tipo, isto é, traz os elementos relevantes para a sua definição, permitindo que os particulares introduzam elementos acidentais expansivos dos direitos reais já existentes, mas que devem respeitar os limites estruturais ali fixados. Logo, embora a taxatividade impeça a criação de novos direitos reais, tem-se admitido uma “modelação expansiva dos direitos reais já existentes”5. Cabe advertir que se a autonomia privada criar uma figura atípica por ter modificado os efeitos práticos do direito real estabelecidos pelo legislador, o negócio jurídico deixará de ter eficácia real, passando a ter natureza obrigacional.

Art. 176. O Livro nº 2 - Registro Geral - será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3. (...) § 9º A instituição do direito real de laje ocorrerá por meio da abertura de uma matrícula própria no registro de imóveis e por meio da averbação desse fato na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão recíproca.

É importante destacar que o Direito Real de Laje não é um direito real sobre coisa alheia, mas um novo Direito Real sobre coisa própria, ao lado do direito real de propriedade. Se assim não o fosse, não poderia gerar uma matrícula própria, sob pena de se violar o princípio da unicidade matricial. Houve um alargamento do conceito de propriedade.6 3) CARACTERÍSTICAS

3 ASCENSÃO, José de Oliveira. A Tipicidade dos Direitos Reais. Lisboa, 1968. p. 328. 4 TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 82-83. 5 ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de. Op. Cit. p. 10-11. 22 ARISP JUS

Como se viu acima, o art. 1.510-A, § 3º, do Código 6 TARTUCE, Flavio. Direito Real de Laje a luz da Lei 13.465/2017 – nova hermenêutica <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/ artigos/478460341/direito-real-de-laje-a-luz-da-lei-n-13465-2017nova-lei-nova-hermeneutica>. Acessado em 20/12/2017


Civil confere ao titular do direito de laje todos os poderes inerentes à propriedade (usar, gozar e dispor). Todavia, ao contrário do que se possa imaginar, o direito de laje não se confunde com o direito de superfície e não está restrito àquilo que está feito acima do solo. O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base. Como se vê, esse direito real é aplicável às construções subterrâneas, como garagens por exemplo. O objeto do direito de superfície é a concessão do direito de construir ou plantar; manter uma construção ou plantação em terreno alheio. Frederico Henrique Viegas Lima e grande parte da doutrina entendem que o legislador restringiu expressamente a constituição do direito de superfície a um terreno7. Todavia, este já não é o entendimento de Ricardo Pereira Lira8 e Fernando Dias Menezes de Almeida9 para quem não há impedimento para a existência de um direito de superfície em terreno já construído, como no direito alemão, suíço e português, diante da redação do artigo 21, § 1º, do Estatuto da Cidade. É o que Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho chama de direito de superfície por cisão. Historicamente, podemos dizer que o “direito de laje” decorreu daquilo que temos nas favelas e que há muito já recebia esse nome. Essa realidade fática que, por assim dizer, estabeleceu uma espécie de “direito consuetudinário” nessas comunidades carentes, se traduziu na possibilidade daquele que construiu 7 Cf. O Direito de Superfície Como Instrumento de Planificação Urbana. Renovar, p. 379. 8 Cf. O direito de Superfície e o Novo Código Civil. Revista Forense 364/251. 9 Cf. Estatuto da Cidade - Lei 10.257 de 10.07.2001 – Comentários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 117/118.

(“bateu”) sua laje, aliená-la a outrem que, por sua vez, ao edificar (“bater”) a sua também poderá cedê-la, gratuita ou onerosamente, a terceiros. Formava-se uma cadeia “jurídica” teoricamente ilimitada. Por isso, o artigo 1.510, § 6º do Código Civil estabeleceu que “o titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construçãobase e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes”. Dúvida que pode surgir diz respeito à necessidade de prévia autorização do Poder Público Municipal para que seja possível registrar o ato de instituição desse direito real, ou seja, se há necessidade de o município atestar a congruência do direito de laje com as normas urbanísticas locais. Flávio Tartuce afirma que “as regras urbanísticas não impedem a constituição do direito real de laje, mas apenas a averbação de futuras construções feitas pelo seu titular. O que a Municipalidade pode restringir é o uso da laje ou a edificações sobre elas, mas não impedir a mera constituição de um direito real de laje. Assim como o registro de um outro direito real qualquer (como o de usufruto ou de superfície) não reclama prévia autorização municipal, não há motivos para negar o acesso de um título constitutivo de um direito real de laje ao álbum imobiliário10. É pressuposto que esteja averbada uma construçãobase no terreno para que seja possível falar em direito real de laje de primeiro grau no espaço aéreo e deste para poder se cogitar num direito real de laje de segundo grau e assim sucessivamente. Dessa forma, havendo uma construção base no local, o Registrador pode registrar o ato que constitui o Direito Real de Laje, independentemente de prévia 10 Direito Real de Laje a luz da Lei 13.465/2017 – nova hermenêutica <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/478460341/ direito-real-de-laje-a-luz-da-lei-n-13465-2017-nova-lei-novahermeneutica>. Acesso em 20/12/2017 ARISP JUS 23


autorização do município. A averbação da construção prévia é dispensada quando se tratar de laje subterrânea. Isso, todavia, não significa que, instituído o direito real de laje, o seu titular poderá livremente edificar um ‘andar’ (aéreo ou subterrâneo), pois as regras locais de construção exigem autorização do município. Nem significa que ele poderá ocupar a laje, se houver vedação da legislação municipal. Isso significa que, se o titular fizer alguma construção sobre a área de seu direito real de laje, o cartório de registro de imóveis não poderá averbar esse fato na matrícula (ou seja, averbar a construção), salvo se for apresentado beneplácito municipal por meio do ‘habite-se’ ou de outro documento que ateste a compatibilidade da obra com as regras urbanísticas. Em resumo, as regras urbanísticas não impedem a constituição do direito real de laje, mas apenas a averbação de futuras construções feitas pelo seu titular. O que a Municipalidade pode restringir é o uso da laje ou a edificações sobre elas, mas não impedir a mera constituição de um direito real de laje”.11 O direito de edificar vai depender de permissão para construir que exige respeito às regras urbanísticas. Igualmente, a ocupação da laje também exigirá autorização do Poder Público Municipal e do Distrito Federal que poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.12 Na prática, mais cedo ou mais tarde esse “direito fático”, que se constituía nas favelas, era restringido pela possibilidade de desmoronamento das edificações sobrepostas. Nesse sentido, o legislador estabeleceu que “é expressamente vedado ao titular da laje prejudicar com obras novas ou com falta de reparação a segurança, a linha arquitetônica ou o arranjo estético do edifício, observadas as posturas previstas em legislação local”13. 11 TARTUCE, Flavio. Direito Real de Laje a luz da Lei 13.465/2017 – nova hermenêutica <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/ artigos/478460341/direito-real-de-laje-a-luz-da-lei-n-13465-2017nova-lei-nova-hermeneutica>. Acesso em 20/12/2017 12 Art. 1510, § 5º do CC. 13 Art. 1510-B do CC. 24 ARISP JUS

À luz da Lei de Registros Públicos, era impensável registrar essa realidade fática no cartório de registro de imóveis. Mas não há dúvida que estamos diante de figura jurídica destacada por Sarmento Filho no direito comparado denominado de direito de elevação ou sobrelevação. Nessa hipótese, alguém constrói um novo andar sob uma construção já erguida. Todavia, não será formado um condomínio edilício (propriedade horizontal).14 O legislador pátrio deixou claro que “a instituição do direito real de laje não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas.15 Entretanto, aplicase no que couber as normas atinentes aos condomínios edilícios, para atribuição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construçãobase e o titular da laje, na proporção que venha a ser estipulada em contrato16. Com a introdução do “direito de laje” entre os direitos reais, estando a propriedade regularizada, ou seja, havendo escritura do terreno devidamente registrada no cartório de registro de imóveis, é possível instituir esse direito abrindo uma matrícula própria e por meio da averbação desse fato na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão recíproca. Os moradores desses assentamentos urbanos passaram a ter um direito cujo registro no Cartório de Registro de Imóveis, pelo menos em tese, é juridicamente possível permitindo que se torne um grande mecanismo de pacificação e inclusão social.

14 Cf. O Direito de Superfície. p. 12. 15 Art. 1510-A, § 4º do CC. 16 Art. 1510-C do CC.


O titular da laje passa a contar com uma unidade imobiliária autônoma dotada de matrícula própria, com direito real que lhe permite dela usar, gozar e dispor. 4) EXTINÇÃO O direito real de laje extingue-se com a ruína da construção-base, salvo: se este tiver sido instituído sobre o subsolo; se a construção-base não for reconstruída no prazo de cinco anos.17 Cabe chamar atenção, que diferentemente do que ocorre no condomínio tradicional, o fato de os direitos reais de lajes passarem a pertencer a apenas uma pessoa não implica extinção desses direitos, pois cada direito de laje constitui uma unidade imobiliária autônoma, seguindo a sistemática do condomínio edilício. Todavia, se o titular de cada um desse direitos de laje resolver unificá-los através da fusão dessas matrículas em uma só, de novo número, encerrando-se as primitivas (art. 234 da Lei de Registros Públicos), uma vez deferida, haverá extinção dos direitos reais de laje. Nada obsta que a unificação se restrinja a apenas alguns direitos reais de laje existentes sobre a construção-base.

BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Estatuto da Cidade Lei 10.257 de 10.07.2001 - Comentários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. A atualidade do direito de superfície. Porto Alegre, AJURIS – Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, n. 65, 1995, p. 408. ARONNE, Ricardo. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limitados: das raízes ao fundamento contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. ASCENSÃO, José de Oliveira. A Tipicidade dos Direitos Reais. Lisboa, 1968. ____________. Direitos Reais, 5ª ed., Coimbra: Ed. Coimbra Editora. BESSONE, Darcy. Direitos Reais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. BITTENCOUT, Frederico. Direito Real de Superfície. Rio de

Janeiro, Revista Forense, Forense, n. 272, p. 404 e segs. GOMES, Orlando. Direitos Reais. Atualizado por Luiz Edson Fachin. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. GONDINHO, André Pinto da Rocha Osório. Direitos reais e autonomia da vontade: o princípio da tipicidade dos direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rido de Janeiro: Renovar, 2005. ___________. Direito Imobiliário Registral na Perspectiva CivilConstitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Frabris Editor. LIRA, Ricardo Pereira. Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”. p. 145/157. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/ revistaemerj_online/edicoes/anais_onovocodigocivil/anais_ especial_2/Anais_Parte_II_revistaemerj_145.pdf>. __________. O direito de superfície e o Novo Código Civil. Revista Forense 364/251. __________. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar,1997. LOUREIRO, Francisco Eduardo. A propriedade como relação jurídica complexa. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. São Paulo: Ed. Método, 2002. __________. Direitos Reais. São Paulo: Método, 2011. ROCHA, Rafael da Silva. Autonomia privada e tipicidade dos direitos reais. Disponível em < https://jus.com.br/artigos/20158/ autonomia-privada-e-tipicidade-dos-direitos-reais/2 >. Consulta realizada em 19/12/2017. ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos Reais. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. SARMENTO FILHO, Eduardo Sócrates Castanheira. Direito Registral Imobiliário. Curitiba: Juruá, 2013. TARTUCE, Flavio. Direito Real de Laje a luz da Lei 13.465/2017 – nova hermenêutica <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/ artigos/478460341/direito-real-de-laje-a-luz-da-lei-n-134652017-nova-lei-nova-hermeneutica>. Consulta realizada em 14/9/2017 TEPEDINO, Gustavo. Autonomia privada e obrigações reais in Temas de Direito Civil, tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. ____________. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993. ____________. Os direitos reais no novo Código Civil in Temas de Direito Civil, tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. _____________. Teoria dos bens e situações subjetivas reais: esboço de uma introdução in Temas de Direito Civil, tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

17 Art. 1510-E do CC. ARISP JUS 25


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ARTIGO ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA: AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 13.465/2017 E SUAS IMPLICAÇÕES NO SISTEMA DE INTIMAÇÃO PARA RETOMADA E ALIENAÇÃO DO BEM Por Ralpho de Barros Monteiro Filho JUIZ DE DIREITO

A Alienação Fiduciária em Garantia – considerada um divisor de águas em nosso Direito – foi inicialmente concebida para as relações jurídicas relativas a bens móveis. Posteriormente, não havendo nada que indicasse impossibilidade ou inconveniência do seu uso, passou-se a aplicar também para os negócios imobiliários. São múltiplos os regimes jurídicos que regulam a Alienação Fiduciária, a depender do seu objeto – tratase da aplicação do princípio da regência específica. No que tange especificamente à propriedade fiduciária sobre bens imóveis, ela será disciplinada pela Lei nº 9.514/97, mesmo quando os protagonistas forem ou não instituições financeiras. O Código Civil, contudo, mantém posição de destaque, permanecendo como fonte subsidiária para questões pontuais.

A mencionada Lei nº 9.514/97 deu à Alienação Fiduciária uma notável estrutura, a qual será aqui dividida em ciclos: o primeiro ciclo é o da contratação. O art. 22, caput, da Lei nº 9.514/97, fala, ao definir a Alienação Fiduciária, de maneira técnica, em contratação da transferência ao credor (fiduciário) da propriedade resolúvel do imóvel. O termo – contratação – é preciso, porque, neste momento, ainda não se há de falar em constituição da Alienação Fiduciária (e nem sempre assim fez o legislador, que, às vezes, confunde contratação com constituição). Após a contratação é que passamos ao segundo ciclo da constituição. O art. 23 da Lei nº 9.514/97 (e o art. 167, I, 35, da LRP) deixa claro que somente a partir do registro no competente RI (é o termo da lei – melhor seria falar em atribuição) é que surge propriedade fiduciária sobre o bem imóvel. O que se registra é, portanto, o contrato (título registrário). A constituição acarreta dois efeitos imediatos: primeiro dá-se o desdobramento da posse, ficando o devedor-fiduciante com a direta e o credor-fiduciário com a indireta (dentro do que permite, mesmo, o art. 1.197 – uma posse não anula a outra); o segundo efeito é a criação de propriedade resolúvel para o credor (também chamado de domínio imperfeito, porque subordinado a durar somente até o cumprimento de uma cláusula, até o implemento de condição resolutiva ou o vencimento de um prazo). Desse último efeito retira-se, com clareza, a finalidade de garantia desta propriedade criada. Em breve síntese, o ciclo da Alienação Fiduciária se inicia com o contrato de alienação e posterior registro da transmissão da propriedade fiduciária na matrícula do imóvel que é objeto de garantia; com o término do prazo e do pagamento – que se espera realizar – resolve-se a propriedade fiduciária, averbando-se o seu cancelamento na mesma matrícula, a vista do termo de quitação que é fornecido pelo credor-fiduciário (com firma reconhecida). Entretanto, o objeto do presente artigo é analisar o procedimento que a Lei nº 9.514/97 prevê, à luz das alterações introduzidas pela Lei nº 13.465/2017, no caso de inadimplemento, que dará ARISP JUS 27


ensejo a posterior retomada e alienação do bem. Para tanto, é preciso, primeiramente, observar a ocorrência da mora. Esta, na Alienação Fiduciária de imóveis, segue a regra geral do CC (primeira parte do art. 397) e se considera perfeita com o advento do termo de vencimento e a ausência de pagamento. Tratase de mora ex re, em que dies interpellat pro homine (o dia interpela o homem). É também o que deflui do art. 26, caput, da Lei nº 9.514/97. Não se deve confundir as providências legais subsequentes com a constituição em mora. São providências que têm por finalidade precípua, na esteira do que leciona Orlando Gomes, de dar inequívoca ciência ao devedor de que pretende receber o valor devido e comprovar a situação de mora (que já aconteceu) para fins de consolidação da propriedade. Abre oportunidade, também, para a purgação da mora. Sobre as providências legais a serem observadas, o art. 26 da Lei nº 9.514/97, em seu primeiro parágrafo, aduz que, primeiramente, o fiduciante, ou seu representante legal, deverá ser intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, somados os juros, as penalidades e os demais encargos contratuais e legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação. Importante notar que o parágrafo segundo do supramencionado artigo afirma que o contrato deverá fixar um prazo de carência para que se dê início ao procedimento de cobrança-consolidação da propriedade, cujo dies a quo é a mora (vencimento da obrigação). Só se notifica o devedor-fiduciante, portanto, após o transcurso deste prazo (semelhante ao que acontece na Lei de Incorporações, mas a Lei nº 4.591/64 já fixa prazo legal – falta de pagamento de três prestações ou atraso de 90 dias). Implementado o referido prazo de carência, será, então, requerida pelo credor – e instruída com 28 ARISP JUS

demonstrativo do débito (ainda que não exigido pela lei) – a intimação do devedor, diretamente ao Oficial do RI (onde estiver matriculado o imóvel objeto da alienação). O Oficial poderá fazer diretamente ou por meio do RTD, ou, ainda, por meio do Correio, com aviso de recebimento (neste caso, só terá validade se assinada pelo devedor pessoalmente ou pelo seu procurador). É neste procedimento de intimação que a Lei nº 13.465/2017 fez importantes alterações. Uma das alterações tem como objeto solucionar um fato que recorrentemente ocorre e trazia grandes entraves ao prosseguimento do procedimento – trata-se da suspeita de ocultação do devedor. Com a alteração promovida na lei, hoje, havendo tal suspeita, que se configura quando, por duas vezes, o oficial de registro ou serventuário por eles credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, resta autorizada que faça a denominada “intimação por hora certa”, ou seja, será intimada qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254 do (Código de Processo Civil). O transcrito dispositivo legal está afinado com o CPC, que diminuiu para duas as tentativas de intimação, e não mais três, como no anterior CPC/73. Outra alteração introduzida pela lei nº 13.465/2017 trata da intimação a ser realizada em condomínio edilício. O parágrafo 3ºB diz que “nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3ºA poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência.” Insta mencionar que a referência ao parágrafo 3ºA parece-me equivocada, tendo em vista que se limita aos casos de intimação daquele que tenta se ocultar. Tenho a impressão de que a citação pode ser feita ao “responsável pelo recebimento de correspondência” de qualquer forma (ou seja, que a referência, a meu ver, deveria ser ao parágrafo 3º).


Uma outra interessante alteração promovida pela mencionada Lei nº 13.465/2017 trata-se da inclusão do parágrafo único no art. 24, cujo teor também possui especial interesse na fase ora analisada, ou seja, quando constatado o inadimplemento. Referido parágrafo trata da orientação de que o primeiro leilão seja realizado pelo maior valor observado dentre o convencionado em contrato e o utilizado como base de cálculo para apuração do ITBI. Referido dispositivo visa, ao estabelecer um valor mínimo para a venda do imóvel em leilão, impedir entraves ao procedimento extrajudicial com a judicialização de questões acerca de eventual defasagem do valor indicado no contrato para efeitos de leilão do imóvel, comparando-o ao seu valor de mercado. A Lei nº 13.465/17 também trouxe alterações aplicáveis exclusivamente nas operações de Alienação Fiduciária em garantia de financiamentos habitacionais. Uma, trata do prazo para averbação da consolidação da propriedade que, segundo o parágrafo 1º do incluso art. 26-A será de 30 dias a contar da purgação da mora, enquanto as demais operações imobiliárias seguem a regra geral do art. 26, parágrafo 1º de 15 dias. Outra alteração diz respeito ao fato de que a existência de ações judiciais que tenham por objeto controvérsias sobre as estipulações contratuais ou os requisitos procedimentais de cobrança e leilão, excetuada a exigência de notificação do devedor fiduciante, serão resolvidas em perdas e danos e não obstarão a reintegração de posse, segundo teor do art. 30, parágrafo único.

A lei nº 13.465/17 também trouxe alterações no que tange ao dever de intimação do devedor para a realização do leilão. A lei estabelece que essa obrigação poderá ser realizada através de envio de correspondência para os endereços disponibilizados no contrato e, também, para endereço eletrônico. Importa inferir que a utilização de meio eletrônico para intimação é forma que se coaduna com as novas diretrizes para processos judiciais e extra, cujas atividades estão, cada vez mais, sendo executadas através de meios eletrônicos e que são favoráveis ao devedor, uma vez que lhe proporciona obter conhecimento do leilão de modo mais célere e, inclusive, diminui custas. Analisadas as referidas alterações oriundas da Lei nº 13.465/17 e suas implicações no procedimento de retomada e alienação do bem, é possível afirmar, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, que todas enfrentaram situações pontuais que a prática revelou ser causa para o engessamento do procedimento extrajudicial, devido a constante judicialização de questões antes obscuras. Assim, acredito que, se as alterações legislativas alcançarem os objetivos ora evidenciados, quais sejam, a diminuição processos judiciais e a atribuir consequente celeridade ao procedimento extrajudicial, tal fato só tende a contribuir para a estabilidade de todo o sistema financeiro imobiliário.

Vale dizer que até que se ocorra a averbação da consolidação da propriedade será possível ao devedor purgar a mora, contudo, desejando ele reaver o imóvel após consolidada a propriedade, lhe restará apenas a opção de realizar nova contratação e/ou exercer o direito de preferência na aquisição do imóvel até a data do segundo leilão. Ressalte-se que a lei é expressa ao definir a data do segundo leilão como limite temporal para o exercício do mencionado direito de preferência pelo devedor.

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ARTIGO INDICADORES DE DESEMPENHO E QUALIDADE TOTAL NOS CARTÓRIOS Por Talita Caldas

SÓCIA FUNDADORA DA TAC7

Segundo H. James Harrington (apud Oxman1, 1992), membro honorário da Academia Internacional da Qualidade, “medir é o primeiro passo que leva ao controle e, finalmente, à melhoria”. No segmento das serventias extrajudiciais é imperativo que o controle seja realizado de maneira irretocável, da maneira correta, de forma constante, e que os dados relacionados ao gerenciamento tanto dos atos jurídicos, quanto dos atos administrativos e financeiros tragam informações úteis para a tomada de decisão em relação à gestão da unidade. Os titulares precisam sempre lembrar que, além da missão de segurança e garantia das relações jurídicas e patrimoniais que prestam à sociedade, suas decisões à frente do cartório influenciam diretamente a vida de 1 Oxman, J. A. (1992). The global service quality measurement program at American Express Bank. National Productivity Review, 11(3), 381-392. 30 ARISP JUS

seus familiares e de toda sua equipe; por isso, no âmbito administrativo, é essencial cada vez mais assertividade no gerenciamento. Infelizmente, o que se percebe no atual momento é que os órgãos de controle e fiscalização da atividade priorizam diferentes informações, o que implica na necessidade de diferentes análises. Esse cenário prejudica a todos: com tantas possibilidades, é difícil saber qual é o melhor caminho e estabelecer uma referência padrão para o aprimoramento dos serviços. Vejamos os exemplos abaixo: • O CNJ prioriza algumas informações, como quantidade de atos e valores. • A Corregedoria Geral da Justiça solicita dados como quantidade de selos, papéis de segurança, cartões, etiquetas utilizadas, além dos dados das despesas trabalhistas e administrativas. • A prefeitura pede o ISS. • A Receita Federal, por meio do “carnê leão”, pede mais 14 itens, e ainda o titular tem que separar os itens dedutíveis dos indedutíveis. • Os programas de tecnologia da informação (softwares de cartórios) comercializam outros tipos de controles e análises gerenciais. • A tudo isso se acrescem os dados a serem enviados às entidades de classe e instituições que recebem os repasses. Enfim, uma lista imensa de obrigações burocráticas que trazem pouco retorno de informações úteis para tomada de decisão assertiva na gestão saudável da serventia. Diante dessa premissa, quais seriam os melhores indicadores a seguir? Abaixo, serão abordados os requisitos da ISO 9001:2015 por se tratar de um padrão de referência na qualidade mundial e por valorizar os indicadores de


desempenho como forma de medir a qualidade serviço.

do

Antes de aprofundar a matéria, ressalte-se que os cartórios que não têm clientes ou fornecedores multinacionais (que poderiam exigir da unidade o padrão ISO 9001) não precisam ter essa certificação, pelos motivos abaixo: a) É possível implantar um sistema de gerenciamento da qualidade voltado à melhoria contínua sem a necessidade de pagar por uma certificação. Essa iniciativa foi realizada em 2010 com a ANBT 15.906 sobre “Gestão Empresarial para Serviços Notariais e de Registro – Requisitos”, que é desconhecida por metade dos titulares do Estado de São Paulo, e orienta a forma de administrar (sem engessar) cada cartório. b) Os cartórios que buscam a melhoria contínua já fazem os investimentos nas modificações necessárias (cumprem os requisitos); entretanto, para obter as certificações, é necessário pagar periodicamente pela auditoria (realizada por instituições credenciadas), além das despesas da visita do consultor homologado. Ou seja, a grande maioria dos cartórios do Brasil não tem condições de arcar com esse investimento em busca da qualidade “certificada”. c) O cartório não irá obter mais clientes por conta das certificações. O ponto positivo das certificações são os procedimentos realizados de forma eficaz e eficiente que reduzem custos e despesas do titular e o forte incentivo no atendimento às necessidades e expectativas do usuário final, com busca constante do aumento da satisfação. De fato, a ISO 9001, já na introdução, menciona que adotar um sistema de busca da qualidade é uma “decisão estratégica”, pois assessora a organização no planejamento e implantação das ações, e na melhoria

do “desempenho global”. Sabe-se que cerca de 40% dos titulares do Estado de São Paulo cogitam implantar o planejamento estratégico. Apesar disso, poucos estabelecem objetivos para que o planejamento se converta em realidade. Neste contexto, sem objetivos preestabelecidos é ainda mais difícil ao titular determinar: • o que deveria ser medido; • como deveria ser monitorado (métodos de análise a avaliação); • quando a medição deveria ser realizada; • quando os resultados obtidos deveriam ser analisados. Os quatro itens acima fazem parte do capítulo sobre Avaliação de Desempenho da ISO 9001, que, por sua vez, desenvolveu-se com base em alguns princípios já consagrados há décadas no campo da Administração e que devem ser estudados pelos gestores administrativos das serventias extrajudiciais: I)

Abordagem do processo

O mapeamento dos procedimentos é importante para entender como cada processo do cartório se relaciona com outros processos dentro da organização e como essas interações afetam a qualidade do serviço. Analisando-se um cartório pequeno, por exemplo: os processos do balcão, que são atendidos por auxiliares, são diferentes dos processos dos escreventes. Portanto, um processo é um conjunto de atividades relacionadas a determinado serviço específico, que se relaciona e interage com outras atividades da mesma serventia, e controlar um processo é controlar as causas (meio) para atingir um resultado esperado (uma meta), e estabelecer um plano de ações para padronizar a qualidade do serviço. O mapeamento dos processos permite, assim, perfeita apuração dos resultados produzidos por ARISP JUS 31


determinado funcionário e/ou pelo departamento a que pertence. As pesquisas revelam que a maioria dos titulares tem uma ideia geral da abordagem do mapeamento de processos, não domina o efetivo mapeamento, sequer dos principais atos jurídicos e administrativos afetos à serventia, apesar de sua relevância. A implantação e utilização do processo mencionado constitui a base do sistema de qualidade internacional (ISO).

Tabela 1 - Método de Solução de Problemas

Fonte: Vicente Falconi 32 ARISP JUS

II) Abordagem da melhoria contínua (PDCA) Também conhecido como Ciclo de Deming, o PDCA (plan, do, check, act ou planejar, fazer, checar e agir) parte do princípio de que nunca se atinge a qualidade total, desta forma há necessidade de contínuo aperfeiçoamento dos processos. Seria interessante que os titulares e gestores de cartórios também utilizassem deste princípio, sobretudo para não reincidir nos velhos problemas administrativos (tabela 1) e até mesmo para orientar as ações estratégicas no cartório (tabela 2).


Tabela 2 – O que fazer em cada princípio da ISO 9001

Fonte: ABNT - ISO 9001

III) Abordagem da análise de risco Cada organização deve estudar seu contexto e mapear os riscos de não ser efetivo, eficaz, ou seja, ter perfeito domínio dos fatores que poderiam causar desvios no tocante à qualidade esperada. No âmbito dos cartórios, isso pode representar desde um número de RG ou CPF erradamente digitado, ou a não identificação de documento falso, ou um lançamento não efetuado no livro caixa.

Para isso, assim que identificados os riscos potenciais, devem ser colocadas em prática ações preventivas, para eliminar inconformidades potenciais, e ações corretivas, de modo a emendar as inconformidades eventuais e prevenir recorrências. Como fazer isso? A análise SWOT, sigla em inglês para Forças (Strengths), Fraquezas (Weakness), Oportunidades (Opportunities) e Ameaças (Threats) é a ferramenta mais simples e mais completa, mas, segundo pesquisas, poucos titulares a conhecem e utilizam.

Os riscos representam erros ou falhas que produzem resultado diferente do que foi planejado. ARISP JUS 33


IV) Abordagem da satisfação dos clientes Para a ISO, todos os riscos que possam afetar a capacidade de aumentar a satisfação do cliente devem ser identificados e abordados.

com isso, o aprimoramento administrativo da serventia depende totalmente do interesse pessoal do titular. VI) Abordagem da avaliação de desempenho

Objetivando a padronização que conduzirá à Para os titulares, fazer isso é quase um malabarismo. qualidade total, os indicadores de desempenho são Além de atender às normas e buscar oferecer os a escada que se deve galgar para atingir o resultado serviços extrajudiciais de forma consistente, a grande pretendido: garantem a fluidez e operacionalidade do maioria não pesquisa a satisfação do serviço; o controle eficaz sobre cada cliente em relação aos atendimentos procedimento e, em consequência, Toda mudança realizados; só responde a uma sobre o resultado geral da serventia. exige um reclamação de cliente quando ela é investimento. encaminhada oficialmente ou por Para os titulares, ainda não meio do juiz corregedor; não possui há a cultura de estabelecer metas Para isso é um cadastro para cruzar ou levantar quantificáveis; de acompanhar necessário que informações de usuários e nem os objetivos do planejamento do o planejamento realiza o gerenciamento por tipo ou cartório. Sendo assim, poucos orçamentário segmento de clientes. Nos estudos conseguem avaliar se alcançaram esteja atrelado levantados, definitivamente o indicador ou não suas metas, sejam elas ao planejamento de satisfação é o menos monitorado. de curto, médio ou longo prazo. estratégico, para Portanto, é primordial estimular V) Abordagem orçamentária este tipo de gerenciamento dentro que ele possa da serventia. Só assim os padrões de ocorrer. Toda mudança exige um qualidade serão gerados e servirão investimento. Para isso é necessário como referência de melhoria. que o planejamento orçamentário esteja atrelado ao Nesse contexto, não se deve perder de vista que os planejamento estratégico, para que ele possa ocorrer. procedimentos que envolvem maiores riscos devem ser mais controlados. Cada cartório, dependendo do A ISO 9001 orienta que sejam determinados os tamanho da equipe, do estilo de gestão do titular, e das recursos (financeiros, materiais e humanos) necessários necessidades administrativas da própria serventia e para a realização dos procedimentos que assegurem do local ou região onde se encontra, precisa controlar a disponibilidade dos serviços com qualidade. O determinados tipos de dados. mesmo pode se dizer em relação a prover os recursos necessários para a implementação, manutenção e Vicente Falconi2 destaca que “todo gerenciamento melhoria contínua do sistema de gestão da qualidade é conduzido para manter os resultados atuais e para como um todo. melhorar estes resultados”. Sendo assim, ele aponta algumas fases mostradas na tabela abaixo de como Embora seja conhecido, que os titulares provisionam monitorar os resultados que se deseja manter e que se os valores necessários para meses de maiores deseja melhorar: pagamentos (13º salário, férias, dissídio), a grande maioria não reserva verba com antecedência para investir na melhoria contínua de cada área do cartório e, 2 Campos, Vicente Falconi. Gerenciamento da rotina do trabalho do dia a dia. 9ª Ed. Nova Lima: Falconi Editora, 2013. 266p.

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Fonte: Vicente Falconi adaptado pela autora.

Futuramente, esses gráficos (quadros ou tabelas) que representam os itens de controle do titular poderão ficar em um local apropriado para a “gestão à vista”, ou seja, em um local em que não necessite esforço de sua parte para interpretar a leitura dos controles: basta olhar e entender. Pois bem. A máxima de que somente aquilo que é medido é gerenciado é inexorável. E sabe-se também que, pelo artigo 21 da Lei no 8.935/94, ao titular do cartório cabe a responsabilidade exclusiva sobre o gerenciamento administrativo e financeiro da unidade extrajudicial.

Assumir responsabilidade pelo resultado implica ter autoridade sobre os meios destinados a produzir determinado serviço: pessoas, equipamentos, informações, procedimentos, insumos materiais. Sendo assim, os indicadores são indispensáveis para mensurar a área gerencial (meios) e os resultados (fins), em busca da qualidade total. Por fim, qualidade total significa qualidade para todos os envolvidos: usuários (ou seja: a sociedade), equipe, Poder Público (TJ, CGJ e CNJ), e empresários (ou seja: os próprios titulares das Delegações).

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ARTIGO O NOVO CÓDIGO DE OBRAS PAULISTANO E A INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Por Marcelo Terra

SÓCIO DA “DUARTE GARCIA, SERRA NETTO E TERRA – SOCIEDADE DE ADVOGADOS”

O condomínio edilício pressupõe que cada uma de suas unidades autônomas seja objeto de direito real autônomo, titulado por algum interessado. Sabemos que o direito registral imobiliário é centrado em princípios, um deles o da especialidade objetiva, determinante da perfeita individuação do imóvel, de forma a extremá-lo de qualquer outro, e que assim se refletirá na respectiva matriz. Os requisitos da especialidade objetiva estão na lei registrária (art. 176). Mas, facilmente constatamos, que a lei federal de registros públicos não cuida da especialidade objetiva das unidades autônomas nos condomínios edilícios, contentando-se em disciplinar a dos imóveis (não unidades autônomas) urbanos e rurais. Deixou a lei federal registrária a definição do conteúdo da especialidade objetiva das unidades autônomas para a lei federal das incorporações e para o Código Civil.

Em 11 de julho de 2017 entrou em vigência o novo Código de Obras e Edificações Paulistano, introduzido pela Lei Municipal n° 16.642/17. Uma de suas novidades tem impacto direto no modo de os incorporadores, de seus advogados e dos Registradores Paulistanos trabalharem, quando da elaboração e do registro do memorial de incorporação. Este pequeno estudo objetiva noticiar esta nova situação e propor a adoção de uma sistemática prática, de tal sorte que o comando da lei paulistana seja plenamente compreendido e concretizado, sem que exigências formais, sob a ótica da lei federal de incorporações ou do Código Civil, afrontem a opção do legislador paulistano, fundamentada na regra constitucional (CF, art. 30, I), de competir ao Município legislar sobre assuntos de interesse local. Vamos lá! 36 ARISP JUS

A Lei Federal n° 4.591/64 regra (art. 7°) que haverá a individualização de cada unidade, sua identificação e discriminação, bem como a fração ideal sobre o terreno e partes comuns, dispensando-se a descrição interna, complementando o Código Civil (art. 1.331, § 3º) que esta fração ideal será identificada em forma decimal ou ordinária. Mais ainda, as unidades serão discriminadas e individualizadas, estremadas umas das outras (Código Civil, art. 1.332, I). A unidade autônoma é composta, portanto, por uma fração ideal no terreno e nas partes comuns e mais área construída, privativa, comum e total, podendo ser reduzida a uma singela expressão matemática (ua = fit + ac). A unidade autônoma ocupa um espaço físico único, não sobreposto a qualquer outra.


A identificação da fração ideal no terreno e nas partes comuns, a área construída privativa, comum e total e sua localização no espaço e quais partes comuns integram a edificação constarão do memorial de incorporação e da convenção de condomínio, cujos dados lastrearão a descrição anotada na matriz respectiva. De fato, o art. 32 da lei de incorporações, elenca vários documentos que compõem o memorial de incorporação que concretizam o princípio da especialidade objetiva, tais como projeto de construção (alínea “d”), cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando para cada tipo de unidade, a respectiva metragem de área construída (alínea “e”), discriminação das frações ideais de terreno, com as unidades autônomas que a elas corresponderão (alínea “i”) e declaração, acompanhada de plantas elucidativas, sobre o número de veículos que a garagem comporta e os locais destinados à guarda dos mesmos (alínea “p”), esta última acrescentada pela Lei Federal nº 4.864/65. É certo que nem a Lei Federal nº 4.591/64, nem o Código Civil, explicitam as regras de cálculo das áreas construídas (privativa, comum e total), nem a fração ideal de terreno. À míngua de comando expresso, adotam-se os critérios estabelecidos na NBR 12.721, que atualizou a NB 140, esta também elaborada pela ABNT, a pedido do Poder Executivo, por intermédio do BNH, para preparação de normas padronizadas, todas com vista ao custo financeiro da construção e seu rateio entre as unidades e seus respectivos titulares. Devidamente enquadrada, a situação fática do princípio da especialidade objetiva nos condomínios edilícios, voltemos ao novo Código de Obras Paulistano. Uma de suas grandes novidades está na exigência que o Alvará de Aprovação deve ser instruído (art. 16) com peças gráficas do projeto simplificado (II) assinadas por profissional habilitado, conforme estabelecido neste Código e decreto regulamentar.

Os requisitos das peças gráficas do projeto simplificado estão elencados em seu art. 17, importando, aqui, os atinentes à implantação da edificação (I), à planta baixa do perímetro de todos os andares (II) e ao corte esquemático (III), cabendo ao Executivo a regulamentação da forma de apresentação e representação do projeto simplificado, de acordo com o porte e complexidade dos empreendimentos, o que se deu com a Portaria n° 221/SMUL-G/2017, publicada no DOC de 21 de julho de 2017. Com o projeto simplificado, suas peças gráficas deverão permitir o entendimento e a caracterização do projeto (item 3.A.3), dispensada – atenção especial – nas plantas baixas, a indicação da compartimentação interna e suas aberturas (item 3.A.3.1). Simples assim! Nesse mundo novo, o projeto aprovado na cidade de São Paulo, exigido pelo art. 32, alínea “d”, da lei de incorporações, muitas vezes seguirá o modelo simplificado, com indicação da volumetria da edificação, mas não sua compartimentação. E para fins de memorial de incorporação e respeito às diretrizes impostas pela legislação consumerista, o incorporador apresentará ao Oficial de Registro Imobiliário, além do projeto aprovado e carimbado, os quadros de áreas da NBR 12.721 e uma planta elucidativa da compartimentação interna de cada pavimento, discriminando o que é parte exclusiva e o que é parte comum e respectiva fração ideal de terreno para cada unidade autônoma, subscrita pelo incorporador e também pelo responsável técnico da obra, ficando o Registrador isento de responsabilidade pela exatidão destes documentos e destas informações (Lei Federal nº 4.591/64, art. 32, § 9º). Poderá também o incorporador anexar aos documentos do memorial de incorporação o denominado pela AsBEA (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura) “Base para Projeto Legal”, que contemplará todas as especificidades da edificação, que registará todos os parâmetros utilizados no projeto ARISP JUS 37


simplificado, tais como (i) critérios e demonstrativos de cálculo, (ii) atendimento aos itens de acessibilidade, (iii) especificação das normas adotadas, (iv) registro das informações obtidas através de consulta à Prefeitura como diretrizes legais e (iv) justificativas técnicas referentes às soluções adotadas em projeto, inclusive aquelas relativas às adaptações razoáveis à acessibilidade, etc. Obviamente, não há que se exigir que estas explicitações pelo incorporador e pelo responsável técnico pela obra sejam aprovadas ou “carimbadas” pela Municipalidade, que, se instada, deverá negar esse exame até mesmo por força do princípio da legalidade estrita a que está sujeita a Administração. Na realidade, esta situação de projeto simplificado já é do conhecimento de muitos Oficiais Registradores de São Paulo ao tempo do vetusto código de obras (antes de 1992) que não exigia a compartimentação do subsolo em vagas de garagem, daí porque a alínea “p”, do multicitado art. 32, alude à planta elucidativa das vagas, sobre o número que a garagem comporta e os respectivos locais, tudo em complemento ao projeto legal aprovado, quando o caso, sem esta individualização. Em conclusão: a) A especialidade objetiva das unidades autônomas, incluindo sua compartimentação (quais e quantos cômodos) e a discriminação do que seja parte privativa e parte comum estarão expostas no memorial de incorporação, na instituição, na convenção, nos quadros da NBR 12.721, e refletidas nos contratos de alienação ou oneração; b) O projeto de construção na forma simplificada não mais contemplará a compartimentação; c) A conciliação entre os documentos de ajuste da incorporação e o projeto simplificado será de responsabilidade do incorporador e do responsável técnico pela obra; 38 ARISP JUS

d) O Oficial Registrador está dispensado de exigir do incorporador a apresentação de qualquer planta elucidativa aprovada ou “carimbada” pela Municipalidade Paulistana.


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