Ano II
No 10
Fevereiro/2017
Informativo jurídico especializado
Dr. Leonardo Brandelli ENTREVISTA
A tendência de publicizar no Registro Imobiliário todos os fatos jurídicos que digam respeito ao imóvel é uma boa tendência? Parece-me que sim. Embora não se possa vulgarizar a publicidade registral imobiliária - assim como qualquer outra forma de publicidade, os fatos jurídicos que afetem bens imóveis, direta (pela via real) ou indiretamente (pela via obrigacional), devem ser publicizados, a fim de que possam ser oponíveis contra terceiros que deles não participaram. As situações jurídicas imobiliárias que pretendam obter eficácia ultra partes, devem ser publicizadas no registro imobiliário, sem o que não podem lograr tal desiderato, sejam elas decorrentes de relações privadas ou públicas, judiciais ou não. Não basta a lei dizer que determinada situação é oponível erga omnes. Se não estipular uma eficiente publicidade, não se obterá tal publicidade, salvo alguma solução juridicamente totalitária. Isto sempre foi bem compreendido pelo Direito, e é demonstrado por excelentes romanistas ao longo da história. Infelizmente, por algum tempo, entre nós, houve um descaminho ideológico, desgarrado da boa técnica jurídica, o que, parece, começa a ser corrigido. Com isso, ganha a segurança jurídica e a estabilidade das relações que é fundamental para a vida humana em sociedade.
Em sua opinião, nenhuma situação jurídica imobiliária pode, então, ter eficácia contra terceiros se não for levada ao Registro de Imóveis? Essa seria a situação juridicamente ideal, todavia, nenhum sistema jurídico conseguiu eliminar totalmente as chamadas hidden charges - as situações jurídicas que, apesar de ocultas, afetam a terceiros. É, porém, dever do Direito tentar evitá-las, mantendo-as no mínimo possível, porque são indesejáveis, pegam as pessoas de surpresa, sacrificando sempre um interesse individual legítimo em nome de algo. A melhor opção é por um jogo honesto de publicidade, em que os direitos que possam afetar a terceiros estejam facilmente acessíveis a todos, decorrendo daí efeitos contra quem não participou da constituição da situação jurídica. Até mesmo situações jurídicas que decorram de atos públicos, como um ato administrativo por exemplo, deveriam ser publicizadas registralmente? Há que se distinguir, primeiramente, o que convém que seja objeto de cadastro, e o que convém seja objeto de registro. Integrando este segundo objeto, a resposta deve ser positiva: Há necessidade de publicidade registral. Se a situação jurídica afeta direitos registrados, deve ser publicizada registralmente, caso contrário, haverá uma situação jurídica indesejada de concorARISP JUS 1
rência entre publicidade e publicação, que acaba gerando instabilidade nas relações jurídicas, surpresa, ineficiência e litígios. Há uma tendência hodierna, no direito europeu, em se distinguir publicidade e publicação. Somente a primeira deveria gerar efeitos contra terceiros para as situações jurídicas. A atribuição de eficácia erga omnes para situações jurídicas privadas pela segunda, embora ocorra, deveria ser limitada ao mínimo possível, porque ela sempre decorre de uma ficção opaca, isto é, muda os direitos das pessoas às ocultas. No final de dezembro de 2.016, foi editada a Medida Provisória 759/2016. Quais as primeiras impressões do senhor sobre a norma jurídica recém criada? É muito cedo para emitir alguma impressão mais precisa a respeito da MP. Publicada, começa a obra de hermenêutica, que deve ser cautelosa. As primeiras impressões são sempre parciais. Mas a título de primeiras impressões, é possível perceber que a MP traz normas jurídicas importantes. Parece-me que melhora as normas referentes ao tema sempre tormentoso da regularização fundiária, indo além do que tinha ido a Lei nº 11.977/2009, tecendo algumas regras importantes, e algumas das quais já utilizávamos em nosso Estado, mediante normativa administrativa expedida pela E. CGJ. Parece que se dá mais um passo rumo à facilitação da regularização fundiária no Brasil, e que se demonstra que é um objetivo social a ser alcançado, e que se torna cada vez mais possível. Se Hernando de Soto estiver certo, esse movimento poderá ser algo que nos alçará a um novo patamar social e econômico no médio prazo. Há algumas normas de direito público, com reflexos no direito privado, que parecem desatar alguns nós encontrados até então para o exercício de alguns interesses públicos. Trata-se, por exemplo, das regras previstas nos artigos 52 e 63 (que incluiu o §7º no artigo 195-A, e o parágrafo único no artigo 250, ambos da Lei 6.015/73). Por fim, para o Registro de Imóveis, há importantes normas, e que me parecem de excelente qualidade, a respeito do registro eletrônico e de seu operador nacional, bem como a respeito da disponibilização das informações aos Poderes Públicos. Dentre as principais novidades da Medida Provisória 759/2016 está a ampliação do rol de direitos reais do artigo 1.225 do CC. Quais as principais consequências práticas para os Registradores de Imóveis? A instituição do direito real de laje talvez seja o ponto mais controverso da MP. De minha parte, tenho neste momento, como civilista e como Registrador, tentado refletir sobre ele. Tenho muitas perguntas e poucas respostas ainda. Porque a questão não foi tratada dentro do direito de superfície, o que representaria em princípio uma solução mais sistêmica, uma vez que o direito de sobrelevar pode ser objeto do direito de superfície, como ocorre em alguns ordenamentos jurídicos alienígenas? O direito de superfície conseguiria abranger todas as situações fáticas da complexa realidade fundiária brasileira? Em caso negativo, o direito de laje consegue abarcar alguma situação que o direito 2
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de superfície não conseguiria, de modo a justificar tal inovação brasileira? Porque abrir-se matrícula para o objeto “flutuante” de tal direito? O senhor é um grande estudioso do instituto da usucapião extrajudicial. O art. 216-A da Lei dos Registros Públicos, acrescido pelo Novo Código de Processo Civil, proporcionará um avanço importante para a desjudicialização da matéria? O art. 216-A do CPC tem um papel altamente relevante para aqueles que como eu acreditam na profilaxia jurídica, na medida em que traz uma clara e importante mensagem: raras são as matérias que não podem ser desjudicializadas quando não houver litígio instaurado. Mesmo aquelas matérias que por tradição estão afetadas ao Poder Judiciário, em regra, podem ser desjudicializadas em casos em que haja consenso. E com tal solução, todos ganham, em especial a sociedade. Se há profissionais altamente qualificados e imparciais, que em alguns sistemas jurídicos chegam a ser chamados de juízes extrajudiciais, quais sejam, o Oficial de Registro e o Notário, porque não passar a tais profissionais a resolução jurídica dos casos em que não haja conflito de interesses? A mensagem clara do CPC é: isto é possível e desejável. E há inúmeras hipóteses em que pode-se desjudicializar, se não houver litígio. A adjudicação compulsória de bem imóvel é um exemplo. Há hoje, por inúmeros motivos, um fenômeno de litigância social, que leva o Poder Judiciário à exaustão. É muito maior a quantidade de lides do que a capacidade laborativa dos MM. Juízes de Direito, impingindo-lhes uma carga de trabalho desumana. Os Oficiais de Registro podem colaborar e muito para minimizar tal situação, bastando que passem a atuar nas hipóteses em que podem atuar: nas quais não haja lide. No que se refere especificamente à usucapião, parece que a resposta não é tão otimista, porque há empecilhos à sua efetivação, que poderão fazer com que sua ocorrência seja ínfima, sem reflexos importantes, que é o que, por sinal se verifica até o momento. A exigência de anuência expressa de um legitimado passivo certo que tenha sido notificado pelo Oficial, por exemplo, sendo entendido o seu silêncio como discordância, é um exemplo. Parece-me que se a pessoa demonstra não ter interesse na questão, deve ter seu silêncio entendido como desinteresse, e portanto concordância, e não como discordância. Nosso sistema abarca a noção de atas notariais de presença. É possível dizer que, para fins de usucapião extrajudicial, haverá mudança no norte para a elaboração da ata? Não me parece adequada a assertiva, salvo melhor juízo. Dizer que no sistema notarial brasileiro a ata aceita é a de presença, significa dizer que o que é acolhido na ata notarial deve ser captado pelos sentidos do tabelião, por si ou por seu preposto, e, portanto, deve estar presente para que seus sentidos captem a situação. Isso é importante para diferenciar de outras atas admitidas no direito estrangeiro, em que isso não ocorre, como, por exemplo, nas atas de depósito, ou as atas de subsanação, que não têm existência entre nós.
Na ata a ser lavrada na usucapião extrajudicial, o Tabelião deverá captar o máximo de elementos possíveis acerca da qualidade da posse exercida (por quem, qual prazo, que tipo de posse, etc.). Evidentemente que o Notário não terá presenciado os atos de posse ocorridos em tempo pretérito àquele da lavratura da ata, mas a ata será necessariamente de presença, na medida em que tudo o que estiver na ata terá sido captado pelos sentidos do
embora, provavelmente, não possa não haver litígio ali. No segundo, a situação é mais tormentosa. Os legitimados passivos certos que não concordarem com a usucapião voluntariamente, poderão ser notificados para tanto, devendo proferir manifestação no prazo de 15 dias, sendo entendido o silêncio como impugnação. Parece-me que aí temos um sério óbice. Aquele terceiro, que recebendo uma notificação do Oficial de Registro
notário, por sua presença. Assim ocorrerá com a declaração de alguém a respeito da posse havida, por exemplo. Na forma que atualmente redigido, o art. 216-A da LRP apresenta alguns entraves para o sucesso da usucapião extrajudicial. Há como superá-los por meio de interpretação, ou somente via alteração legislativa? Em meu livro sobre a usucapião extrajudicial, tratei de dois pontos que me parecem fulcrais para que se possa ter uma aplicação efetiva do instituto: a possibilidade de notificação por edital dos legitimados passivos certos, e a presunção de concordância decorrente do silêncio do notificado. No primeiro caso, não há previsão legal de notificação por edital dos legitimados passivos certos, embora haja para os incertos, de modo que em relação àqueles, se estiverem em local incerto, desconhecido, ou inacessível, somente pela via judicial se poderá solucionar a questão,
de Imóveis para se manifestar a respeito de um procedimento de usucapião extrajudicial, não tiver interesse no procedimento, tenderá a silenciar; tenderá a manifestar-se expressamente aquele que restar contrariado. Porém, a presunção legal é exatamente oposta a essa lógica. Parece-me que são dois problemas a serem resolvidos, e que, em minha opinião, podem ser resolvidos, mas por alteração legislativa. Não há consenso entretanto, havendo aqueles que entendem não ser possível a alteração legal, vendo necessidade de concordância pessoal e expressa, sempre, já que não pode haver lide, e havendo aqueles que entendem que é possível superar tais óbices por meio hermenêutico.
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INTRODUÇÃO O parcelamento de solo, ao lado da incorporação e do o condomínio edilício (adensamento populacional vertical), é um dos principais fatores de expansão dos centros urbanos (adensamento horizontal). Parcelamento de solo é subdivisão de solo, urbano ou rural.
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O parcelamento urbano é regido pela Lei nº 6.766/79, que substituiu o antigo Decreto-Lei nº 58/1937, ao menos em relação ao ato de parcelar, muito embora tal Decreto não esteja integralmente revogado. As regras administrativas relativas aos loteamentos urbanos, para o Estado de São Paulo, estão previstas no Capítulo XX, Seção VII, itens 168 a 211 das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.
O INGRESSO DAS LIMITAÇÕES CONVENCIONAIS NO REGISTRO DE IMÓVEIS, SUA QUALIFICAÇÃO E PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS Por Paulo Cesar Batista dos Santos Juiz designado na 1ª. Vara de Registros Públicos da Capital/SP. Mestrando pela Universidade de Samford/EUA. Especializando em Direito Registral e Notarial/EPM. Pós-graduado pela Escola Superior do Ministério Público Federal, Brasília/DF.
SUMÁRIO
1. Introdução. 2. As restrições convencionais no projeto do loteamento urbano. 3. Inexistência de obrigação do Registrador de Imóveis na fiscalização das restrições convencionais. 4. Qualificação e procedimentos administrativos correlatos. 5. Conclusão.
Lotear é uma atividade privada; ocorre quando o proprietário de uma gleba decide subdividi-la em lotes, com abertura de ruas, para comercializá-los, após percorrer um longo caminho até a regularização final de seu loteamento. Essa atividade possui forte conotação social, passando a ser regulada e fiscalizada pelo Poder Público. Além da Lei de Parcelamento de Solo Urbano, os loteamentos ainda se submetem a outras tantas leis e normas administrativas existentes, especialmente de natureza ambiental, urbanística e administrativa, nas esferas de competência federal, estadual e municipal. Já as restrições convencionais nos loteamentos urbanos traduzem limitações, impostas pelo loteador, em benefício da comunidade e de toda a coletividade, presente e futura, obrigando todos os adquirentes e seus sucessores quanto ao uso de um lote integrante de parcelamento do solo urbano, geralmente mais restritivas do que as limitações impostas pela legislação municipal, dando uma característica especial ao empreendimento. Como elas possuem natureza pessoal de obrigação propter rem, quem adquire lotes diretamente do loteador ou de seus sucessores deve observância a todas as restrições convencionais do loteamento, desde que tenham sido observados os procedimentos específicos, quando da regularização. Tais limitações unificam duas espécies de negócios jurídicos: a) uma previsão unilateral do plano do loteamento devidamente registrado (negócio jurídico unilateral normativo); b) a concretização, em cada alienação, das referidas restrições (negócio jurídico bilateral, um contrato). As restrições convencionais possuem atualmente genuína índole pública “o que lhes confere caráter privado apenas no nome,
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porquanto não se deve vê-las, de maneira reducionista, tão-só pela ótica do loteador, dos compradores originais, dos contratantes posteriores e dos que venham a ser lindeiros ou vizinhos”, conforme já decidido pelo E. Superior Tribunal de Justiça1. Trata-se de instituto conturbado e extremamente rico, que está longe de ser unanimidade, mas que tampouco é o escopo principal deste artigo, trazendo à tona questões de alta indagação, tanto na doutrina quanto na jurisprudência administrativa e dos tribunais. AS RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS NO PROJETO DO LOTEAMENTO URBANO. As restrições convencionais devem constar do memorial descritivo ou do ato de aprovação do loteamento urbano, nos termos do art. 9º da Lei nº 6.766/79, que assim especifica: Art. 9o Orientado pelo traçado e diretrizes oficiais, quando houver, o projeto, contendo desenhos, memorial descritivo (...) será apresentado à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal, quando for o caso (...). (...) § 2º - O memorial descritivo deverá conter, obrigatoriamente, pelo menos: II -As condições urbanísticas do loteamento e as limitações que incidem sobre os lotes e suas construções, além daquelas constantes das diretrizes fixadas (g.n).
Quanto ao contrato-padrão, diz o art. 18, inciso VI, da Lei nº 6.766/79: Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos: (...) VI - Exemplar do contrato padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta Lei;(g.n).
Os compromissos de compra e venda, cessões ou promessa de cessões dos futuros lotes que serão comercializados poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular (art. 26), de acordo com o contrato-padrão depositado, e conterão, pelo menos, a declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente. Cumprindo os requisitos legais, as restrições convencionais deverão ser referidas em todas as matriculas dos lotes, por averbação remissiva. Como se vê, nos termos da lei, é obrigatória a apresentação, pelo loteador, da minuta padrão dos contratos de compromisso 1 Resp 302906/SP, DJE 01/12/2010, Ministro Herman Benjamin.
de compra e venda, que deve conter as restrições urbanísticas convencionais do loteamento. O modelo depositado é vinculante ao loteador. Nada impede, contudo, que se deposite, após, outro modelo de contrato, mas tal modelo só vinculará os contratos celebrados após o depósito no registro de imóveis. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DO REGISTRADOR DE IMÓVEIS NA FISCALIZAÇÃO DAS RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS. Quanto ao papel do Registrador de Imóveis na fiscalização da observância das limitações convencionais nos títulos que ingressam em sua Serventia, a melhor conclusão é que o delegatário não está obrigado a exercer tal minucioso controle. No Estado de São Paulo, contudo, nem sempre foi assim. Houve períodos em que o entendimento da E. Corregedoria Geral de Justiça era de que o Registro de Imóveis deveria observar com rigor as restrições convencionais constantes dos contratostipos, quando da análise e qualificação de incorporação e condomínios, afastando da qualificação os projetos que, embora aprovados pelo município, não atendiam o que havia sido preceituado pelo primitivo loteador2. Contudo, com a evolução do tema, passou-se a verificar a desarrazoabilidade de se trazer para a esfera do fólio real o controle e fiscalização indistinta de todas as restrições que constam em contratos-padrão arquivados por ocasião do registro de loteamentos, principalmente porque tal regramento constitucional pertence ao município (art. 30, inciso VIII da Constituição Federal3). Naturalmente, cabe ao município, ao aprovar eventual construção, demolição, desdobro, unificação ou qualquer outro projeto que lhe compita examinar, aferir se sobre o imóvel existe alguma restrição em vigor, confrontando-a com a legislação local e o plano diretor da cidade e exigindo somente do interessado respeito a todo esse conjunto de normas4. Tal entendimento acabou sendo consolidado na redação atual das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, em seu Capítulo XX, Seção VII, Item 191:
2 Processo CG 2008/84.793, Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo. 3 Dúvida 0043946-67.2010.8.26.0100, 1ª Vara de Registros Públicos da Capital/SP. 4 Pedido de Providências nº 0058730-15.2011.8.26.0100, 1ª Vara de Registros Públicos da Capital/SP, 10º RI, Juiz Marcelo Berthe. ARISP JUS 5
191. Todas as restrições presentes no loteamento, impostas pelo loteador ou pelo Poder Público serão mencionadas no registro do loteamento. Não caberá ao oficial, porém, fiscalizar sua observância. (g.n).
E se tratando de obrigação do Poder Público, o município fará essa fiscalização, exigindo certidão do imóvel com filiação até a origem para checar se ele decorre de parcelamento regularmente inscrito e, se o caso, exigirá também a certidão do contratopadrão arquivado junto ao registro, nos termos do Decreto Lei nº 58/37 e da Lei nº 6.766/79. O município dispõe de corpo de técnico, com engenheiros, arquitetos, urbanistas e ambientalistas, serviço especializado que não está, e nem deveria estar, a alcance do Registrador de Imóveis, já assoberbado com tantas outras obrigações em sua Serventia. Existe ainda a possibilidade de fiscalização supletiva da população envolvida, já que os moradores, na qualidade de beneficiários diretos e indiretos dessas restrições, são quem sabe melhor sobre quais regras devem ou não ser observadas. A eles também cabe reivindicar o cumprimento dessas normas, junto ao município e até ao Poder Judiciário, nos termos do art. 180, inciso II, e art. 191 da Constituição do Estado de São Paulo (participação da comunidade em matérias de interesse urbanístico). Segundo entendimento que vem ganhando cada vez mais força, inclusive na jurisprudência do Estado de São Paulo e no Superior Tribunal de Justiça, a inobservância das restrições convencionais fere o direito adquirido e o ato jurídico perfeito dos adquirentes dos lotes, dos vizinhos e de toda a coletividade e, em consequência, ofende também a lei e deve ser reprimida.
Do ponto de vista legislativo, a alteração das restrições convencionais dos loteamentos somente será possível se houver acordo entre o loteador e os proprietários dos lotes atingidos pela alteração, com emissão de parecer técnico favorável da CTLU (Câmara Técnica de Legislação urbanística) e, por fim, com anuência expressa do Executivo. Não se afasta, contudo, a autonomia do município para impor nova conformação urbanística que abranja a gleba loteada, ainda que incompatível com a restrição convencional existente, mas, para tanto, deverá valer-se do adequado processo legislativo, com participação popular, de iniciativa do Poder Executivo local, para que seja possível a revogação de limitações incompatíveis com a nova ordem legislativa5. QUALIFICAÇÃO E PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS CABÍVEIS. A qualificação registral imobiliária é expressão do exame registral após apresentação do título original. Ela é feita pelo Oficial Registrador, com verdadeira natureza de tutela preventiva de conflitos (órgão pacificador de conflitos). É análise formal, restrita aos requisitos extrínsecos do título. A qualificação registral deve observar alguns princípios, tais como o da obrigatoriedade, da liberdade e independência, mas com vinculação às decisões de caráter normativo, normas administrativas e legislação, o da responsabilidade pessoal e o da concentração. Com a entrega do título na Serventia Imobiliária, ele deverá ser imediatamente prenotado (protocolado) no livro 1 e esse protocolo terá validade por 30 dias (art. 188 da Lei de Registros Públicos).
Ainda segundo a jurisprudência tem entendido, a autorização dada pelo município, aprovando obra em loteamento que seja contrária às limitações convencionais, é ilegal, já que a autorização municipal não revoga restrição convencional.
O prazo para qualificação do título é de 10 dias, contados do ingresso do título no registro (Item 43 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo).
A atual Lei de Zoneamento Urbano da capital do Estado de São Paulo (Lei Municipal nº 10.402/2016), em seu art. 59 diz que, nas Zonas ali referidas, as restrições convencionais de loteamentos aprovados pela Prefeitura, estabelecidas em instrumento público registrado no Cartório de Registro de Imóveis, referentes a dimensionamento de lotes, recuos, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, altura e número de pavimentos das edificações, deverão ser atendidas quando mais restritivas que as disposições desta lei (§ 2º do art. 59 da Lei Municipal nº 10.402/2016).
Nos termos do art. 167, incisos I e II da Lei de Registros Públicos, entende-se que os atos de registro stricto sensu estão submetidos a rol legal taxativo, alargável apenas por lei.
Vê-se claramente que está acolhida a teoria da maior restrição, quando o assunto é loteamento urbano e limitações convencionais. 6
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Contudo, o rol é exemplificativo para atos de averbação, podendo haver averbação de atos não previstos expressamente em lei, mas desde que tais atos tenham poder de alterar a situação jurídica do imóvel. Veda-se, assim, a averbação indiscriminada daquilo que não 5 Conselho Superior da Magistratura/ TJSP. Apelação Cível n° 0038476–21.2011.8.26.0100
possua qualquer referência à situação jurídica imobiliária. As limitações convencionais ingressam no registro imobiliário por atos de registro ou de averbação. Por atos de registro, v.g., podem ingressar no registro de incorporações (art. 167, I, 17, da LRP); por atos de averbação, poderão ingressar no registro para averbação de edificação, de reconstrução, de demolição, de desmembramento e do loteamento de imóveis (art. 167, II, 4, da LRP). Mesmo não sendo obrigatória a fiscalização ao registrador, pode ocorrer de o título ser qualificado negativamente por inobservância de restrições convencionais, ocasião em que será expedida nota devolutiva (Itens 40 e 41 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial da CGJ/SP). Será dada oportunidade para correção dos vícios, se possível. A nota devolutiva, sempre que possível, deverá ser elaborada de forma clara e simples. Se as exigências não forem cumpridas em até 30 dias, a prenotação perde sua eficácia (art. 205 da Lei de Registros Públicos). Se suscitada a dúvida ou pedido de providências, o prazo de prenotação fica postergada até a decisão final pelo Poder Judiciário. O procedimento da dúvida em qualificação negativa decorrente de limitação convencional (art. 198 da Lei de Registros Públicos), ao menos no Estado de São Paulo, somente terá espaço nas hipóteses de ato de registro stricto sensu (art. 167, I, da Lei Regente). A dúvida pode ser suscitada por iniciativa do registrador ou a pedido do interessado.
O Ministério Público é ouvido e, após, o Juiz Corregedor Permanente decidirá pela procedência ou não da dúvida. Caso procedente a dúvida, ou seja, o Oficial do Registro estava certo, o Registrador vai consignar a decisão no protocolo a cancelará a prenotação; se improcedente a dúvida, ou seja, o apresentante tinha razão, o Oficial procederá ao registro quando o título for reapresentado e declarará o fato na coluna de anotações do Protocolo, arquivando o respectivo mandado ou certidão da sentença. Da sentença caberá apelação com efeitos devolutivo e suspensivo. Somente podem apelar o interessado, o Ministério Público ou terceiro prejudicado. O Registrador não tem legitimidade recursal no procedimento de dúvida. Quanto à competência recursal para a apelação em caso de dúvida, prevista no art. 202 da Lei de Registros Públicos, no Estado de São Paulo, ela será julgada pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), conforme art. 64, inciso VI, do Decreto Lei Complementar Estadual nº 3/69 e art. 16, inciso IV, do RITJSP6. Essa competência pode variar de estado para estado. Por isso a importância de que sejam conhecidas as regras locais de cada unidade da federação sobre os procedimentos administrativos da Corregedoria Permanente do serviço extrajudicial. Muito embora não haja previsão legal, a jurisprudência admite a chamada dúvida inversa, que tem espaço quando o oficial não a suscita e o interessado ingressa com o pedido de providências. Nesse procedimento, o oficial também deverá prestar informações dos motivos pelos quais não suscitou a dúvida.
A recusa do Oficial em suscitar a dúvida a pedido do interessado é descumprimento de dever do registrador, nos termos do art. 30, inc. XIII, da Lei 8.935/94, sujeitando-o às penalidades cabíveis.
Por sua vez, se a qualificação negativa no Registro de Imóveis ocorrer com base em restrições convencionais sujeitas a atos de averbação, será suscitado pedido de providências (art. 167, II, da Lei de Registros Públicos), também julgado pela Corregedoria Permanente, em primeiro grau, e com procedimento semelhante à dúvida.
O oficial deve anotar no protocolo a suscitação da dúvida, dando ciência dos termos da dúvida ao apresentante do título, que poderá apresentar sua impugnação e a omissão do apresentante quanto à impugnação não traduz revelia.
Já a competência recursal no pedido de providências cabe à Corregedoria Geral de Justiça, também em regra específica para o Estado de São Paulo, conforme art. 246 do Decreto Lei Complementar Estadual nº 3/69.
Após, o Oficial do registro remeterá as razões da dúvidas ao Juiz Corregedor Permanente, acompanhadas do título. Na capital de São Paulo, todas as dúvidas devem ser suscitadas por meio eletrônico, razão pela qual o título original fica custodiado no Registro de Imóveis, sendo digitalizado.
A pergunta que poderia ainda restar é se, caso haja qualificação positiva do título no Registro Imobiliário, como algum interessado poderá alegar irregularidade do registro ou averbação, com base em descumprimento de limitações convencionais previstas no plano do loteamento.
Caso haja necessidade, a pedido do Juiz ou do Ministério Público, o título original poderá ser remetido em forma física.
6 AP 9000011-20.1999.8.26.0224, CSM, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, DJ. 29/01/2016.
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Não caberá dúvida ou pedido de providências, pois tais procedimentos são possíveis apenas na hipótese de qualificação negativa. Diz o art. 214 da Lei de Registros Públicos que as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta, ou seja, independem de procedimento jurisdicional. Contudo, no caso de qualificação positiva equivocada, em afronta às restrições convencionais, não estaremos diante de nulidades de pleno direito, nos dizeres da lei. As nulidades de pleno direito são apenas os vícios reconhecíveis de plano, independentemente de outras provas; dizem respeito ao registro em si, de natureza formal e extrínseca, sem qualquer vinculação ao título. O art. 214 da Lei Regente, assim, diz respeito apenas a vícios exclusivos do registro, de modo que, uma vez declarado, o título pode ser novamente apresentado. Mas se o título ofende a alguma limitação convencional, não seria possível a utilização desse dispositivo. Sendo assim, a suposta qualificação positiva equivocada somente poderá ser atacada com aplicação do art. 216 da Lei de Registros Públicos, ou seja, mediante sentença em processo contencioso, como, por exemplo, ação civil pública, ação de obrigação de fazer ou não-fazer, mandado de segurança etc., com o devido processo legal, contraditório e ampla defesa. CONCLUSÃO Percebe-se, assim, a importância de se conhecer profundamente o instituto das restrições convencionais em loteamentos urbanos, tanto quanto à sua natureza como aos seus requisitos materiais e formais. Em muitos casos, por sua força, tais restrições perduram no tempo, por décadas, sem que haja sua expressa revogação ou modificação, criando embaraços dos mais diversos aos sucessores ou futuros adquirentes de lotes naquele loteamento. As controvérsias, na maioria das vezes, não terminam no Registro Imobiliário, mas sim em ações individuais ou coletivas com intermináveis e acalorados debates. Contudo, tal controvérsia nasce no Registro Imobiliário; lá será o seu berço, daí porque o profundo conhecimento de todas as nuances que envolvam os loteamentos urbanos pode fazer com que o Registrador de Imóveis evite diversos problemas futuros, para ele mesmo, e para as partes envolvidas.
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A Lei nº 13.097/2015 tem sido festejada como uma importante inovação no Direito Imobiliário nacional. Tem-se dito que, como decorrência dela, adotou-se no Brasil o que se convencionou chamar de princípio da concentração, que rezaria que deveriam ser levados ao registro imobiliário todos os atos jurídicos pertinentes a imóveis.
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Tem-se dito, até, que como decorrência desta lei, passamos a ter entre nós a incidência do princípio da fé pública registral. Percebem alguns na citada Lei um avanço em nosso sistema registral imobiliário, embora não se tenha logrado estabelecer um mote comparativo para especificar onde exatamente residiria tal avanço, e de que forma ele se daria.
A PUBLICIDADE REGISTRAL IMOBILIÁRIA DIANTE DA LEI Nº 13.097/2015. Por Leonardo Brandelli Doutor em Direito - UFRGS. Mestre em Direito Civil - UFRGS Especialista em Direito Registral - Barcelona/Espanha. Professor de Direito Civil na Escola Paulista de Direito. Coordenador da Revista de Direito Imobiliário - IRIB/Thomsom Reuters.
A problemática que se pretende analisar no presente artigo é a de se realmente tal texto legal trouxe alguma grande inovação ao direito registral imobiliário nacional, ou se trata-se mais de uma ratificação, e talvez uma fortificação, de um sistema de publicidade registral imobiliária que já existia, e que é mantido em sua essência desde o início do Século passado, não como exemplo de um instituto jurássico que se mantém, mas como exemplo de um instituto produto de alta tecnologia jurídica, e que permanece viçoso até hoje. Qual é, enfim, o papel que passou a ter a Lei nº 13.097/2015, em especial seu art. 54, para o registro imobiliário brasileiro? 1. NECESSIDADE DE PUBLICIDADE DAS SITUAÇÕES JURÍDICAS COM EFICÁCIA ULTRA PARTES A publicidade das situações jurídicas que afetem terceiros é instituto jurídico inserido no âmago do direito civil. A necessidade de tornar cognoscíveis as relações jurídicas que produzam, ou devam produzir, efeitos perante terceiros – seja de caráter real, seja de caráter pessoal – é uma realidade jurídica que encontrou diferentes respostas ao longo da evolução do Direito. A oponibilidade erga omnes, que é característica fundamental dos direitos reais, bem como da eficácia real dos direitos obrigacionais, não pode ser alcançada pela pura dicção legal, sem que seja dado aos terceiros a possibilidade real de conhecer tais direitos que lhes devem afetar. Mister se faz, para tanto, que haja um meio de cognoscibilidade para os terceiros que não participaram da relação jurídica, mas que podem ser por ela afetados, sem o que, não lhes pode ser oponível a situação jurídica, a qual, portanto, não pode ter eficácia real. Tal cognoscibilidade é alcançada pela publicidade jurídica.
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Sem um meio eficaz de publicidade, não se terá um efetivo direito real, oponível a terceiros, uma vez que estes o desconhecerão; poder-se-á chamar de direito real, mas em verdade não o será, ou não o será em sua plenitude, por encontrar sérias restrições jurídicas decorrentes da ignorância de sua existência por terceiros1. O mesmo se diga a respeito dos direitos obrigacionais que devam ser oponíveis em relação a terceiros, como certos direitos de preempção, por exemplo: se não forem publicizados, sua oponibilidade esvai-se2. É o que ocorre, por exemplo, com o direito de preempção do locatário de imóvel urbano. Em relação a tais direitos pessoais, para que sejam oponíveis a terceiros, há a necessidade de publicidade, tal qual nos direitos reais. Essa necessidade imperiosa de achar meios eficazes de publicidade para as situações jurídicas com eficácia ultra partes sempre foi compreendida ao longo da evolução histórica das ciências jurídicas, tendo-se oferecido em cada momento histórico o instrumento adequado para tanto. Da mesma forma, por exemplo, o direito romano instituía certas formalidades aos negócios jurídicos que pretendessem criar, transmitir ou modificar certos direitos sobre determinados bens. Assim a mancipatio – que consistia na transmissão da propriedade de certos bens mediante uma solenidade específica diante de pelo menos cinco testemunhas especialmente convocadas para o ato – e a in iure cessio – cuja publicidade do direito era alcançada mediante a intervenção judicial e o reconhecimento pelo órgão judicante do direito transmitido3. Todavia, o crescimento populacional e a formação de grandes metrópoles, marcadas pela impessoalidade, a industrialização da sociedade, a criação de novos institutos jurídicos que dão vazão a novas necessidades sociais (como a propriedade fiduciária em garantia, por exemplo), a complexidade, enfim, das relações jurídicas e sociais escancarada em uma sociedade de massas e impessoal, tiveram o condão de rapidamente tornar obsoletas as tecnologias publicitárias existentes, reclamando a incoação de outras mais eficientes. Nesse momento, surge a instituição registral, como fenôme-
1 Sobre tais direitos, veja-se: VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 9. ed. Coimbra: Almedina, 1996. v. I. p. 178-9. 2 Veja-se a respeito: VIVAR, Beatriz Areán de Díaz de. Tutela de los derechos reales y del interés de los terceros. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1979. p. 99.
3 KASER, Max. Direito privado romano. Tradução Samuel Rodrigues e Ferdinand Hammerle. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 64-68. 10 ARISP JUS
no mais ou menos recente. Aparece como instituição específica e especializada a dar publicidade eficiente a determinadas situações jurídicas. E sua importância é sempre crescente, à medida que, cada vez mais, surgem novas situações jurídicas, e faz-se presente a necessidade da publicidade registral em virtude de os direitos apresentarem a nota de potencialidade de atingir a esfera jurídica de terceiros. Os direitos puramente privados e inter partes são cada vez mais raros. As funções social e econômica dos direitos, aliadas ao interesse público que permeia muitos dos institutos jurídicos, fazem que haja uma necessidade cada vez mais latente de publicidade, e a instituição registral é o meio hodierno eficaz e de primorosa tecnologia jurídica apto a conseguir tal desiderato. Como corolário da evolução jurídica, e atendendo uma necessidade cada vez mais premente de cognoscibilidade das situações jurídico-imobiliárias, percebe-se a existência de um caminho natural de valorização cada vez maior da publicidade registral, como meio eficaz de dar a conhecer certas situações jurídicas a terceiros alheios a ela. Tudo em detrimento do conhecimento efetivo, que tem sido reiteradamente abandonado por ser contrário à segurança jurídica, à segurança do tráfico, à boa-fé objetiva que deve permear as relações jurídicas, à proteção dos adquirentes de direitos publicizáveis (em grande parte consumidores) etc4. Não há, enfim, direito real ou obrigacional com eficácia real, imobiliário, sem que haja sua cognoscibilidade, a qual é alcançada pela publicidade registral imobiliária. Seja qual for a origem do título, haverá a necessidade de publicidade registral para que se obtenha a eficácia real. O registro de imóveis brasileiro publiciza todas as situações jurídicas reais e obrigacionais com efeitos reais em relação a bens imóveis5 e as publiciza com a característica da fé pública6 e com a eficácia mínima declarativa, isto é, com a eficácia mínima de tornar oponível erga omnes a situação jurídica publicizada. 4 Veja-se a respeito: ALPA, Guido et al. Istituzioni di diritto privato: a cura di Mario Bessone. 10. ed. Torino: Giappiachelli, 2003. p. 1217 e seguintes. 5 As chamadas cargas ocultas, isto é, situações jurídicas imobiliárias que afetam terceiros e que não estão publicizadas no registro imobiliário, decorrentes, v.g., da lei, existem em todos os sistemas registrais (ALDE GROUP SEMINAR. European property law rights and wrongs. European Land Registry Association – ELRA Annual Publication, n. 4, p. 100-103), e devem ser mantidas no mínimo possível, sendo desejável que não existam. Porém, a sua existência, excepcional, não invalida a regra, ora estabelecida. 6 Aqui entendida com a característica da função registral consistente na credibilidade, com força relativa, daquilo que o Oficial de Registro afirma no exercício da função registral.
Seja qual for a origem do título - notarial, judicial, administrativo, particular, etc. - no qual está consubstanciada a situação jurídica a ser publicizada, não há oponibilidade a terceiros, de direitos imobiliários, sem a sua publicidade registral, a qual tem eficácia ordinariamente relativa7, mas passa a ter eficácia absoluta em relação ao terceiro registral adquirente de boa-fé, que confiou na informação publicizada8. Sem o devido registro, ou o direito não nascerá, ou ele não será oponível erga omnes. É o que preconiza o princípio registral imobiliário da inscrição, decorrente dos arts. 1.227 e 1.245 do Código Civil, bem como dos arts. 167, 169 e 172 da Lei no 6.015/1973. De acordo com referido princípio, os atos previstos em lei como registráveis devem ser, obrigatoriamente, registrados, sob pena de não produção dos efeitos que seriam alcançados com o registro, não importando, para tanto, a origem do título que contém a situação jurídica a ser publicizada, isto é, não importando se trata de escritura pública, instrumento particular, título judicial, título administrativo, ou outro. Em todos os casos, em se tratando de direito real ou obrigacional com eficácia real, imobiliário, a publicidade registral se faz necessária para que se alcance certo efeito declarativo ou mesmo constitutivo. Nos casos apontados, não basta outra forma de publicidade, como, v.g., a processual, ou a notarial. Ou há conhecimento efetivo, no caso concreto, o qual deve ser provado por aquele que alega, ou a cognoscibilidade foi gerada pela publicidade registral imobiliária. No que toca às ditas publicidades notarial e processual, em rigor, não são sequer formas de publicidade, tecnicamente falando, por não conterem os requisitos necessários para tanto. São (formas) públicas, no sentido de serem acessíveis a qualquer pessoa que delas queira tomar conhecimento, mas não são espécies de publicidade, pois não agregam nada no que tange à eficácia do ato, à oponibilidade do ato em relação a terceiras pessoas, elementos essencial de uma instituição publicitária. a carga eficacial da situação jurídica após a adoção da forma pública notarial ou processual continua a mesma, vale dizer, um direito não passa a ser um direito real porque foi instrumentalizado, o seu ato constitutivo, por instrumento notarial ou processual. Ambas atuam na esfera dos direitos obrigacionais, de eficácia meramente obrigacional. A eficácia real imobiliária somente é dada pelo registro jurídico imobiliário. 7 Veja-se nesse sentido, v.g., a decisão do STJ exarada no REsp 664523/ CE, da Quarta Turma, sendo Relator o Ministro Raul Araújo, julgado em 21/06/2012. Na mesma linha, a decisão do TJRS na Apelação Cível no 70043271535, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 24/11/2011. 8 Veja-se a respeito: BRANDELLI, Leonardo. Registro de imóveis. Eficácia material. Rio de Janeiro: Forense, 2016
Mesmo os atos judiciais, relativos a imóveis, que devam ser oponíveis a terceiros que não participaram, de alguma forma, do processo, somente o serão se publicizados no registro imobiliário, não tendo a publicidade processual o condão de tornar os atos praticados no processo oponíveis a terceiros, pois a relação processual é uma relação jurídica e, apesar de pública, é pública no mesmo sentido da publicidade notarial, no sentido negativo, de ser acessível a quem queira tomar conhecimento de seu conteúdo, mas não gera cognoscibilidade, não é uma publicidade ativa. Se o ato processual, que diga respeito a imóveis, pretender tornar-se oponível erga omnes, deverá ser publicizado no registro imobiliário, conditio sine qua non para que alcance a aludida eficácia, salvo, excepcionalmente, quando provar-se, no caso concreto, que houve efetivo conhecimento da situação. Dito de modo mais técnico, a forma processual-judicial não é publicidade. Não em matéria imobiliária. A penhora de bem imóvel, v.g., efetivar-se-á no processo, porém somente poderá ser oposta a algum terceiro de boa-fé, que tenha adquirido o imóvel, se tiver sido averbada na matrícula registral9. As hipotecas judiciais (art. 167, I, 2); as penhoras, arrestos e sequestros (art. 167, I, 5); as citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias (art. 167, I, 21); os julgados que dividirem imóveis ou os demarcarem (art. 167, I, 23); as sentenças que adjudicarem imóveis em pagamento das dívidas da herança (art. 167, I, 24); os atos de entrega de legados, de partilha e de adjudicação (art. 167, I, 25, e II, 14); a arrematação ou adjudicação em hasta pública, ou a remissão (art. 167, I, 26); as sentenças declaratórias de usucapião (art. 167, I, 28); a desapropriação (art. 167, I, 34); a imissão provisória da posse em ação de desapropriação, quando o poder público desapropriante estiver executando parcelamento popular calcado em dita posse (art. 167, I, 36); as sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia (art. 167, I, 37); as decisões judiciais, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados (art. 167, II, 12)10; a existência de ação de execução ou fase de cumprimento de sentença, bem como de qualquer outra ação que possa ter repercussão patrimonial, bem assim qualquer constrição judicial (art. 615-A11 do CPC, e art. 799, 9 Ver arts. 240 da LRP, 659, §4º do CPC, e 844 do NCPC. Veja-se a esse respeito a Súmula no 375 do STJ. 10 Todos os dispositivos citados até aqui, neste parágrafo, são da Lei no 6.015/1973. 11 A esse respeito, importante alerta, e que nos parece correto e válido até hoje, fez Sérgio Jacomino por ocasião da inserção do art. 615-A do CPC, ao mostrar que tratava ele somente da execução, porque em relação aos demais tipos de ação com reflexos patrimoniais, já havia previsão legal para a publicidade. Assim manifestou-se o autor: “Quando se diz que a averbação premonitória cinge-se unicamente às execuções, deveARISP JUS 11
IX, do NCPC); os atos judiciais que impliquem constituição, alteração, ou extinção de direitos registráveis, sejam reais, sejam pessoais com eficácia real (como, v.g., uma sentença que declare a extinção de um direito real de servidão com fundamento no art. 1.389, III, do Código Civil)12; todos os demais atos judiciais que não tenham previsão legal expressa para registro, mas que de alguma forma imponham algum limite13 ao exercício de referido direito real imobiliário ou direito obrigacional com eficácia real imobiliário, registrável, ou que altere a situação jurídica desse direito (art. 246 da Lei no 6.015/1973)14; devem ser publicizados no registro imobiliário com efeito mínimo declarativo, isto é, para, minimamente, valerem contra terceiros. Em alguns casos, como o da hipoteca judicial, v.g., o registro será, mais do que declarativo, constitutivo. Todos os atos judiciais, enfim, que versarem sobre, e de alguma forma afetarem, direitos reais ou obrigacionais com efeito real imobiliários deverão ser publicizados no registro de imóveis para terem efeito contra terceiros. Antes disso, o efeito será somente inter partes. Provam essa assertiva, além do que foi dito no parágrafo anterior, em especial os arts. 169, 172, 240 e 259 da Lei no 6.015/1973, bem como os arts. 659, § 4o, e 945 do CPC, arts. 792, 799, 828, e 844 do NCPC, e arts. 1.227, 1.245 e 1.501 do Código Civil. O mesmo vale para os atos notariais. Somente a publicidade registral é publicidade, em seu sentido técnico-civil, no que toca a direitos imobiliários com eficácia ultra partes. E assim o é porque somente o registro imobiliário, instituição publicitária dedicada, contém certos requisitos essenciais a caracterizar alguma instituição como tal, a saber, a destinação a externar, a tornar cognoscível a terceiros determinada situação jurídica, de forma constante (característica que deve sempre estar presente no instituto) e duradoura (a informação publicizada deve estar acessível de forma não efêmera), decorrendo daí algum efeito jurídico em relação a terceiros. se ter em mente que as demais hipóteses de publicidade registral já estão previstas expressamente em lei. Tratou-se, na última reforma do CPC, de fechar todas as brechas pelas quais ainda era possível transitar as conhecidas exceções. E a mais expressiva delas, sem dúvida nenhuma, era a hipótese de fraude à execução que se presumia e aperfeiçoava extra-tabula” (Averbação premonitória, publicidade registral e distribuidores: a probatio diabólica e o santo remédio. Disponível em: https://arisp.files.wordpress.com/2008/06/016-jacomino-averbacaopremonitoria.pdf, acessado em 16/10/2015, às 22h31m). 12 Vejam-se a respeito: art. 1.387 do Código Civil e art. 167, II, 2, da Lei no 6.015/1973. 13 Como, por exemplo, uma medida de indisponibilidade, tomada no exercício do poder geral de cautela que tem o magistrado. 14 Como ocorre, v.g., no caso de ser reconhecida, judicialmente, a existência de uma união estável, que faça comunicar bem que no registro imobiliário constem como privativo. 12 ARISP JUS
O registro imobiliário é dotado de certas características exclusivas e publicitárias, tais como a do trato sucessivo, da especialidade, territorialidade, prioridade, agregação das informações relevantes em um único órgão publicitário especializado, etc. Diante dessas características, o registro não apenas pode conferir eficácia real à situação jurídica publicizada, como pode e deve também consistir em uma limitação da informação necessária para a celebração de atos jurídicos a respeito de tais situações jurídicas, de modo a proteger o terceiro adquirente registral de boa-fé, o qual será protegido se a informação registral não for correta. A LEI Nº 13.097/2015 E A PUBLICIDADE REGISTRAL IMOBILIÁRIA Tudo o que foi acima dito faz parte da sistemática registral imobiliária existente no ordenamento jurídico brasileiro desde o Código Civil de 1.916. Não se trata de explanação a respeito de alguma grande novidade, conforme as indicações legislativas expostas acima comprovam. Diante de tal cenário, cumpre perguntar se a Lei nº 13.097/2015 representa mesmo alguma grande inovação, conforme se tem festejado, ou se ratifica, apenas, o que já existia. A resposta parece tender para esta última possibilidade. O sistema permanece exatamente como já era: todas as situações jurídicas imobiliárias que devam exalar eficácia ultra partes, tenham a origem que tiverem - notarial, judicial, administrativa ou particular - devem ser publicizadas para que se alcance a eficácia real, isto é, para que sejam oponíveis erga omnes. Sem a publicidade, permanece-se na esfera da eficácia obrigacional regular, inter partes. A publicidade registral dos atos previstos no art. 54 da Lei n. 13.097/2015 já era obrigatória para aqueles que pretendessem alcançar a eficácia real. E, o terceiro de boa-fé, que adquirisse confiando nessa informação, já era protegido pela sistemática da publicidade registral existente entre nós antes do advento da Lei nº 13.097/2015. Deste modo, nada inovou a Lei. Teve ela, entretanto, duas virtudes inegáveis. A primeira, foi a de trazer à tona, novamente, a discussão a respeito da eficácia material do registro imobiliário, tornando possível colocá-la no rumo certo, resgatando-a das tortuosas digressões a que foi submetida em certos momentos, sem o devido
estudo sistemático. Voltou-se a discutir o tema da eficácia material do registro imobiliário. A segunda, é a de ratificar o sistema registral existente, sua eficácia, e a necessidade de serem publicizadas certas situações jurídicas sob pena de não se obter certo efeito jurídico15. Todavia, não nos parece haver nela alguma novidade jurídica em relação ao sistema registral imobiliário ou sua eficácia. Continua tudo como já era. Não parece também ter sido instituído por tal lei, ao contrário do que se tem propalado, algum princípio da concentração, que diria que todos os atos jurídicos atinentes a imóveis devem ser publicizados na matrícula. A um, porque como se viu, o ônus jurídico de publicidade registral de todas as situações jurídicas reais ou obrigacionais com eficácia real já existia desde há muito tempo, como decorrência do que se convencionou chamar de princípio da inscrição, e nisso a Lei nº 13.097/2015 apenas diz mais do mesmo, ratifica, mas em nada inova. A dois, porque não parece decorrer do ordenamento jurídico, tácita ou expressamente, uma nova norma jurídica, denominada princípio da concentração, pois que tal conteúdo normativo já está, parece-nos, contido no chamado princípio da inscrição, acima analisado. A três, finalmente, porque a norma jurídica que há é a que diz que todas as situações jurídicas imobiliárias que pretendam ter eficácia ultra partes devem ser publicizadas no registro imobiliário, com efeito mínimo declarativo, sendo que tais situações, têm, como vimos, previsão legal para a publicidade. É o chamado princípio da inscrição16. Não há um novo conteúdo a criar uma nova norma jurídica, de modo que parece não haver o chamado princípio da concentração. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALDE GROUP SEMINAR. European property law rights and wrongs. European Land Registry Association – ELRA Annual Publication [S.l.], n. 4, p. 100103, 2011. ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Publicidade e teoria dos registros. Coimbra: Almedina, 1966. ALPA, Guido. Corso di diritto contrattuale. Padova: Cedam, 2006.
15 Interessante notar que o mesmo ocorreu com a penhora de direitos imobiliários, cuja necessidade de publicidade para galgar a eficácia erga omnes constava já no art. 240 da Lei nº 6.015/73, mas somente “pegou” com a redação dada ao art. 659, §4º, do CPC, em 2006, que, em nosso entender, apenas ratificou o que já havia na lei. 16 CHICO Y ORTIZ, José María. Estudios sobre derecho hipotecario.
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4. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000. t. I. p. 186.
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DECISÃO ADMINISTRATIVA
DECISÕES EM DESTAQUE
#1
RESTITUIÇÃO DE EMOLUMENTOS PAGOS INDEVIDAMENTE A CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS - JUROS DE MORA QUE INCIDEM INDEPENDENTEMENTE DE ORDEM JUDICIAL (SÚMULA 254 DO STF’) - TAXA DE 1% AO MÊS (ARTS. 406 DO CC, C..C. 161, §1º, DO CTN) - TERMO INICIAL SERÁ O SEXTO DIA ÚTIL CONTADO DO TRÂNSITO EM JULGADO DA R. DECISÃO ADMINISTRATIVA QUE DETERMINOU. A DEVOLUÇÃO, NOS MOLDES DO ART. 32, §4º, DA LEI ESTADUAL 11.331/02 - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, APENAS PARA ALTERAR O TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça, Cuida-se de recurso interposto em face de r. decisão que acolheu incidência de juros moratórias sobre montante a ser restituído a titulo de recolhimento indevido de emolumentos. Sustentou o recorrente ausência de ordem judicial a embasar inclusão dos juros moratórias no montante a ser restituído. Requereu a exclusão dos juros moratórios. Sobrevieram contrarrazões, pugnando pela prescindibilidade de ordem judicial para incidência de juros moratórias. É o relatório.
Selecionadas por: Alberto Gentil de Almeida Pedroso
Trata-se de verificar a incidência de juros moratórios, independentemente de expressa determinação judicial, sobre valor a ser restituído por conta de emolumentos indevidamente exigidos. À luz da súmula 254 do Excelso Pretório, “incluem-se os juros moratórios, mesmo se omisso o pedido ou a condenação.” Desta feita, a verba deve ser computada nos cálculos de liquidação, ainda que ausente expressa determinação a tanto. Note-se que a r. decisão de: fls. 349 tratou apenas da correção monetária porque a ela limitaram-se os embargos de declaração de fls. 346/347. Não se há de extrair, da ausência de alusão aos juros moratórias, qualquer silencio eloquente a obstar a respectiva ocorrência. Tampouco remanesce debate acerca do montante devido a título de juros remuneratórios, que será de 1% ao mês, com fulcro nos artigos 406 da Lei Civil, e.e 161, §1°, do Código Tributário Nacional. Cumpre averiguar o termo inicial da incidência dos juros, que, à evidência, será o da constituição do devedor em mora. A restituição do valor cobrado a maior, a título de emolumentos dos serviços notariais e de registros, está disciplinada pela Lei Estadual 11.331/02, cujo artigo 32, 1, e §4°, dispõe: Artigo 32 - Sem prejuízo da responsabilidade disciplinar, os notários, os registradores e seus prepostos estão sujeitos à pena de multa de, no mínimo, 100 (cem) e, no máximo, 500 (quinhentas) UFESP’s, ou outro índice que a substituir, nas hipóteses de: I - recebimento de valores não previstos ou maiores que os previstos nas tabelas, nos casos em que não caiba a aplicação do inciso I do artigo 34 desta lei; II - descumprimento das demais disposições desta lei. § 4º - As multas previstas nesta lei constituirão receita do Estado,
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devendo o seu recolhimento e a restituição devida ao interessado serem efetuados pelo infrator no prazo de 5 (cinco) dias úteis, a contar da decisão definitiva. Em síntese, o termo inicial dos juros moratórios é o sexto dia útil contado do trânsito em julgado da r. decisão que determinou a restituição dos emolumentos equivocadamente pagos. Para o mesmo Norte aponta a orientação traçada por esta Egrégia Corregedoria, em parecer da lavra do Ilustre Magistrado Luciano Gonçalves Paes Leme, aprovado por V. Exa.: “Esse valor (R$ 12.186,29), por conseguinte, em sua integralidade (porque abrange os emolumentos irregularmente cobrados, sendo irrelevante o que efetivamente reverteu em benefício do recorrente culpado), deve ser restituído à reclamante/interessada, acrescido de correção monetária, pela tabela prática do E. TJSP, a fluir do mês de agosto de 2014 (data do desembolso), para resguardar a identidade da moeda ao longo do tempo, protegendo-a contra os efeitos corrosivos da inflação. Quanto aos juros de mora de 1% ao mês, ainda não são devidos. Sua exigência, a despeito do concebido em sentença, pressupõe a inobservância do prazo definido no§ 4.º do art. 32 da Lei Estadual nº 11.331/2002 para fins de cumprimento da ordem de restituição, que é de cinco dias úteis, a contar da decisão definitiva, isto é, do trânsito em julgado na seara administrativa.” (Recurso Administrativo 0007616-29.2014.8.26.0586, DJ 17/6/16) Por todo o aduzido, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de se dar parcial provimento ao recurso administrativo, para fixar, como termo inicial dos juros moratórias, à base de 1% ao mês, o sexto dia útil contado do trânsito em julgado da r. decisão que determinou a restituição do valor equivocadamente pago a título de emolumentos,. Sub censura. São Paulo, 8 de novembro de 2016. Iberê de Juiz Assessor CONCLUSÃO
DECISÃO ADMINISTRATIVA
#2
Em 24 de novembro de 2016, conclusos ao Excelentíssimo Senhor Desembargador PEREIRA CALÇAS, DD. Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo. (254/2016-E) RETIFICAÇÃO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO – RETIFICAÇÃO INTRAMUROS, PARA CORREÇÃO DE ÁREA DO IMÓVEL, SEM ALTERAÇÃO DE DIVISAS – IMPUGNAÇÃO DA MUNICIPALIDADE QUE SE REVELA GENÉRICA, APESAR DE DISPOR DE ELEMENTOS PARA INDICAR ESPECIFICAMENTE A ÁREA PÚBLICA SOBRE A QUAL INCIDIRIA A RETIFICAÇÃO PRETENDIDA – IMPOSSIBILIDADE – IMPUGNAÇÃO REJEITADA, NOS TERMOS DA NOTA AO ITEM 138.19, DO CAPÍTULO XX, TOMO II, DAS NSCGJ – RECURSO PROVIDO. Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça, Cuida-se de recurso administrativo, originariamente deduzido sob forma de apelação, tirado de r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Sorocaba, que manteve indeferimento de pedido de retificação extrajudicial de registro imobiliário formulado pelo recorrente, acolhendo impugnação da Fazenda Pública Municipal de Sorocaba, ao argumento de possível invasão de área pública. O recorrente afirma, em síntese, que a retificação almejada faz-se intramuros, apenas para corrigir a área do bem, sem qualquer alteração de divisas. Pondera que a correta área do imóvel aveio de estudo planimétrico realizado a seu pedido. Refuta qualquer incidência sobre terreno público. O Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Passo a opinar. Consoante se verifica dos termos da exordial, pretende o recorrente a retificação do registro para o único fim de fazer constar, da matrícula do imóvel, a metragem quadrada que, depois de realizado levantamento planimétrico (fls. 24), revelou-se correta.
Em 16 de novembro de 2016, faço estes autos conclusos ao Desembargador MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, DD. Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo.
As divisas originais, frise-se, restarão mantidas, e o levantamento planimétrico dá conta de muro de divisa ladeando o bem. A pretensa retificação faz- se, pois, intramuros.
Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou parcial provimento ao recurso administrativo, para fixar, como termo inicial dos juros moratórias, à base de 1% ao mês, o sexto dia útil contado do trânsito em julgado da r. decisão que determinou a restituição do valor equivocadamente pago a título de emolumentos.
A Fazenda Municipal de Sorocaba foi impugnante única do pleito. A fls. 56, vê-se que a impugnação limita-se a suposta “incidência em via pública”, com a imediata ressalva: “para que possamos precisar qual é a incidência, será necessário que o requerente instrua seu pedido com as matrículas 78.411, 40.280 e 48.492.”
Publique-se.
São Paulo 16 /Nov/2016 QUEIROZ PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça
De pronto, nota-se que a impugnação é de todo genérica, sem qualquer embasamento probatório que fundamente a suspeita de incidência sobre área pública, quanto menos descrição do local que teria sido indevidamente abarcado pelo pedido inicial. E, nos termos da nota ao item 138.19, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ:
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“Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais ou semelhantes pelo Juízo Corregedor Permanente ou pela Corregedoria Geral da Justiça; a que o interessado se limita a dizer que a retificação causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à retificação; e a que o Oficial de Registro de Imóveis, pautado pelos critérios da prudência e da razoabilidade, assim reputar.” Neste passo, a municipalidade impugnante sequer cuidou de manusear os autos. As três matrículas imobiliárias cujas juntadas pleiteou já estavam acostadas (fls. 28/33). Ao tempo em que notificada, era de todo possível que realizasse os estudos necessários e apresentasse, na impugnação, descrição detalhada da área pública que alega ter sido indevidamente inserida na retificação imobiliária postulada pelo autor. Ademais, a averbação 3 da matrícula 40.280 (fls. 28, v) revela a edificação de um prédio, no terreno objeto da retificação, de 2.047,08 metros quadrados. Uma vez que não há notícia da existência de mais de um pavimento na construção referida, e repisando-se que a retificação não implica alteração das divisas do imóvel, mostra-se geometricamente impossível que o prédio em questão fosse construído em terreno de 1.348,25 metros quadrados, como descrito a fls. 28. Por fim, a área do imóvel é mencionada na matrícula como sendo de 1.348,25 metros quadrados, “mais ou menos”, a deixar flagrante que não se fez, à época, estudo técnico que apurasse com precisão a medida. Desta feita, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de se dar provimento ao recurso, para rejeitar a impugnação de fls. 56 e, nos termos do item 138.20, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ, determinar o retorno dos autos ao MM. Juiz Corregedor Permanente, que os encaminhará ao Sr. Oficial, para prosseguimento na retificação. Sub censura. São Paulo, 24 de novembro de 2016. Iberê de Castro Dias Juiz Assessor da Corregedoria DECISÃO Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso administrativo, para rejeitar a impugnação de fls. 56 e, nos termos do item 138.20, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ, determinar o retorno dos autos ao MM. Juiz Corregedor Permanente, que os encaminhará ao Senhor Oficial, para prosseguimento na retificação. Publique-se. São Paulo, 28 de novembro de 2016. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça
DECISÃO JURISDICIONAL
#1
AÇÃO DE EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIA. PENHORA SOBRE IMÓVEL DEFERIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. BEM OFERECIDO EM GARANTIA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 3º, INCISO V, DA LEI 8009/90. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2001748-77.2016.8.26.0000, da Comarca de Santa Cruz das Palmeiras, em que são agravantes JOSÉ ÂNGELO SILVESTRINI e MARIA LUCÉLIA MAZZOTTI SILVESTRINI, é agravado SICOOB CREDIGUAÇU - COOPERATIVA DE CRÉDITO RURAL E DOS PEQUENOS EMPREENDEDORES DO VALE DO MOGI GUAÇU. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores ITAMAR GAINO (Presidente sem voto), MAIA DA ROCHA E SILVEIRA PAULILO. São Paulo, 20 de janeiro de 2017. Virgilio de Oliveira Junior Relator VOTO N.: 33839 Agravo de Instrumento Nº: 2001748-77.2016.8.26.0000 COMARCA: Santa Cruz das Palmeiras Agravantes: JOSÉ ÂNGELO SILVESTRINI e MARIA LUCÉLIA MAZZOTTI SILVESTRINI Agravado: SICOOB CREDIGUAÇU - COOPERATIVA DE CRÉDITO RURAL E DOS PEQUENOS EMPREENDEDORES DO VALE DO MOGI GUAÇU Ação de execução. Cédula de crédito bancária. Penhora sobre imóvel deferida. Agravo de instrumento. Alegação de bem de família. Bem oferecido em garantia. Impenhorabilidade afastada. Inteligência do art. 3º, inciso V, da Lei 8009/90. Decisão mantida. Recurso desprovido. José Angelo Silvestrini e Maria Lucelia Mazzotti Silvestrini se voltam, por este agravo de instrumento, contra a r. decisão que indeferiu a tutela para afastar a penhora que recaiu sobre imóvel dado em garantia em alienação fiduciária. Alegam os recorrentes que a penhora recai sobre o único imóvel do casal, no qual residem e, portanto, absolutamente impenhorável nos termos da Lei 8009/90. É o relatório. Cuidam os autos de execução de título extrajudicial, cédula de cré-
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dito bancário, no qual os devedores, como garantia da dívida, deram em alienação fiduciária o imóvel objeto deste agravo. Iniciada a execução e sem oferecimento de bens, deferiu-se a penhora do imóvel considerando que: “Com efeito, por mais respeitáveis que possam ser os argumentos exordiais, em análise provisória, tem-se que imóvel residencial foi dado como garantia em alienação fiduciária, o que, ao menos em princípio, afasta a impenhorabilidade do bem de família afastada, ante a renúncia dos proprietários que, no exercício da autonomia privada, voluntariamente, ofereceram referido imóvel em garantia” [fls. 61].
Insurgem-se, os executados, agora, alegando que o crédito concedido não guarda qualquer relação com o imóvel, sendo, por isso, impossível a penhora com base na garantia hipotecária uma vez que se cuida de bem de família. Sem razão, contudo. O caso, no entanto, se submete ao disposto no artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/90, que afasta a impenhorabilidade, quando se cuidar de “execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar”. No caso em testilha, o imóvel foi dado em garantia pelos agravantes. Conforme consta este foi alienado fiduciariamente em caráter resolúvel ao credor. Dessa forma, não há que se falar em impenhorabilidade do bem já que os agravantes abdicaram dessa vantagem ao oferece-lo como garantia real de dívida. Além do mais, não se cuida de empréstimo contraído por terceiro, mas de empréstimo para incrementar a atividade agrícola desenvolvida no imóvel penhorado, guardando a dívida contraída intrínseca relação com o bem dado em garantia. Bem por isso, considera-se válida a renúncia à impenhorabilidade quando da alienação fiduciária. Nesse sentido, decidiu recentemente esta c. Corte Bandeirante: “Ação de execução. Embargos à execução. Decisão que declarou insubsistente a penhora, do bem imóvel descrito na cédula rural pignoratícia, que instruiu a ação executiva. 1. Se o devedor dá em garantia hipotecária, um imóvel constituindo o gravame real, não pode, depois, alegar impenhorabilidade por ser bem de família. Houve renúncia ao privilégio legal. 2. Ato válido e regular, ante a possibilidade de a parte dispor consciente e livremente da proteção, com o fim de garantir negócio a ser realizado. Não se compreende, fora dessa conclusão, o verdadeiro motivo de constituir a garantia. Constrição mantida” [TJ-SP, Apel. 0028402-14.2011.8.26.0000, rel. Desembargador Jurandir de Sousa Oliveira, j. 27.07.1011].
Igualmente, tem se pronunciado o c. Superior Tribunal Justiça:
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[a] “Ação de execução forçada. Agravo de instrumento. Bem de família. Hipoteca outorgada pela casa. Impenhorabilidade relativa. 01. É em vão invocamento do benefício da impenhorabilidade do bem de família, quando tratar- se de execução hipoteca sobre imóvel oferecido como
garantia real pelo casal. Recurso conhecido e improvido, decisum mantido. O caso tratado nos presentes autos refere-se à execução hipotecária, incidindo a penhora regularmente sobre o imóvel dado em garantia da dívida pelos devedores. A penhora efetivada encontra respaldo no artigo 3°, inciso V, da Lei n° 8.009/90, verbis: ‘Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. A jurisprudência desta Corte, como já amplamente demonstrado no despacho agravado, também não acolhe a tese de impenhorabilidade em casos como o presente, não sendo suficiente a alegação de que o imóvel penhorado constitui bem de família. Confira-se: ‘Cédula de crédito comercial. Garantia hipotecária. Precedentes da Corte. 1. Como já assentou a Corte, são impenhoráveis os bens de família, ressalvados os imóveis dados em garantia hipotecária da dívida exeqüenda. Estando a cédula garantida por hipoteca, não releva o fato de ser oriunda de renegociação de contratos anteriores com outro tipo de garantia. 2. Recurso especial conhecido e provido” [cf. STJ. AgRg no Agravo de Instrumento nº 437.447-GO, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 26.08.2002]. [b] “Processual civil. Execução. Bem de família. Possibilidade. Exceção. Artigo 3º, V, Lei n° 8.009/90. I - Imóvel dado em garantia de dívida hipotecária é penhorável por se incluir na ressalva contida no art. 3º, V, da Lei n° 8.009/90. Precedentes. II - Recurso especial conhecido e provido” [cf. STJ. REsp n° 142.761/RS, 3ª Turma, Relator o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 04.09.2000]e; [c] “Execução. Dívida garantida por hipoteca de imóvel. Penhora. Bem de família. Lei 8009/90. Recurso inacolhido. São penhoráveis, por expressa ressalva contida no art. 3º, V da Lei 8009/90, os imóveis dados em garantia hipotecária da dívida exeqüenda” [cf. STJ, REsp. n° 34.813/RO, 4ª Turma, Relator o Ministro Sálvio, j. 02.08.2003].
É o que basta para manter a r. decisão recorrida. Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso. Na hipótese de interposição ou oposição de recursos contra esta decisão, ficam as partes intimadas, a partir da publicação, a se manifestarem expressamente, na petição de interposição ou razões recursais, se se opõem à forma de julgamento virtual, nos termos do art. 1º da Resolução 549/2011, do Órgão Especial deste Tribunal, publicada no DJe de 25 de agosto de 2011 e em vigor desde 26 de setembro de 2011. Desembargador Virgilio de Oliveira Junior Relator
DECISÃO JURISDICIONAL
#2
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE - CÉDULA DE CRÉDITO À EXPORTAÇÃO - PEDIDO DE DESBLOQUEIO DE VEÍCULOS - INDEFERIMENTO - CONSTRIÇÃO SOBRE BENS GRAVADOS COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - ADMISSIBILIDADE DA PENHORA SOBRE DIREITOS QUE O EXECUTADO POSSUI SOBRE OS BENS - INTELIGÊNCIA DO ART. 835, XII, DO CPC - DECISÃO MANTIDA - DECISÃO MANTIDA - AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO - AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO.
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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2141902-48.2016.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são agravantes JORGE ALFREDO LAUCK, EUNICE CARDOZO LAUCK, FABIO ROBERTO LAUCK e MARCIA CRISTINA ALBA LAUCK, é agravado BANCO ORIGINAL S/A. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 17ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:Negaram provimento ao agravo de instrumento. Julgaram prejudicado o agravo regimental. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOÃO BATISTA VILHENA (Presidente sem voto), AFONSO BRÁZ E PAULO PASTORE FILHO. São Paulo, 20 de janeiro de 2017. Irineu Fava relator VOTO Nº: 32052 AGRV.Nº: 2141902-48.2016.8.26.0000 AREG.Nº: 214190248.2016.8.26.0000/50000 COMARCA: SÃO PAULO - FORO CENTRAL - 8ª VC AGTES.: JORGE ALFREDO LAUCK E OUTROS AGDO. : BANCO ORIGINAL S/A AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução por quantia certa contra devedor solvente - Cédula de Crédito à Exportação - Pedido de desbloqueio de veículos - Indeferimento - Constrição sobre bens gravados com cláusula de alienação fiduciária - Admissibilidade da penhora sobre direitos que o executado possui sobre os bens - inteligência do art. 835, XII, do CPC - Decisão mantida - Decisão mantida - Agravo de instrumento não provido - Agravo regimental prejudicado. Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto contra decisão copiada a fls. 29, proferida pela MM.ª Juíza de Direito Vanessa Ribeiro Mateus, que indeferiu pedido de desbloqueio dos veículos penhorados nos autos, registrados em nome do co-agravante Fabio Roberto Lauck. Sustentam os agravantes, em síntese, que alguns dos veículos bloqueados estão gravados com alienação fiduciária a bancos, financiadoras e administradoras de consórcio e que são meros proprietários diretos dos bens, não podendo dispor deles. Aduzem que as restrições não podem ser mantidas, pois os veículos alienados fiduciariamente não estão incorporados definitivamente ao seu patrimônio. Pleiteiam o provimento do recurso, com a reforma da decisão agravada. Recurso tempestivo, instruído e preparado (fls. 27). Denegado o efeito suspensivo (fls. 483), os agravantes interpuseram agravo regimental contra essa decisão (fls. 1/4). Foi apresentada contraminuta a fls. 487/492. É O RELATÓRIO.
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Ressalta-se, de início, que ao presente caso aplicam-se as normas processuais da legislação de 2015, por expressa determinação da regra prevista no artigo 14 do ordenamento processual vigente (Lei 13.105/15). O recurso não merece provimento. Conforme se infere da documentação apresentada, o agravado propôs contra os agravantes ação de execução visando o recebimento da quantia de R$ 5.533.468,30 (cinco milhões, quinhentos e trinta e três mil, quatrocentos e sessenta e oito reais e trinta centavos) embasada em Cédula de Crédito à Exportação celebrada com Fabio Roberto Lauck, na qual o co-executado Jorge Alfredo Lauck figura como avalista/ garantidor do título, e as co-executadas Marcia Cristina Alba Lauck e Eunice Cardoso Lauck são anuentes (fls. 132/182). Deferida a pesquisa pelo sistema Renajud, foram localizados e bloqueados 49 veículos registrados em nome do co-executado Fabio Roberto Lauck, sobre os quais incidem a ordem de restrição de circulação (fls. 378/379). Os agravantes requereram a desconstituição das restrições sobre alguns veículos, alegando que estão gravados com alienação fiduciária a bancos, financiadoras e administradores de consórcio (fls. 398/403). O pedido de desbloqueio foi indeferido pela Ilustre Magistrada de Primeiro Grau “ante o possível interesse do credor sobre os direitos que recaem sobre os bens” (fls. 377). E é contra essa decisão que se insurgem os agravantes. Ressalta-se que o fato dos veículos indicados a fls. 339/376 estarem gravados com cláusula de alienação fiduciária a outras instituições financeiras não altera a propriedade dos veículos, isto é, continuam a pertencer ao agravante, com o que podem responder pelas dívidas por ele contraídas (artigo 789 do Código de Processo Civil). O art. 835, inc. XII, do CPC autoriza a penhora sobre “direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia”. Eventuais dificuldades decorrentes da alienação fiduciária devem ser consideradas pelo credor e arguidas pelos interessados, únicos legitimados para tanto. Assim, a decisão agravada merece ser mantida pelos seus próprios fundamentos. Resta por fim consignar que, diante do não provimento do agravo de instrumento, prejudicado se acha o agravo regimental, que tinha por único objetivo garantir efeito suspensivo ao recurso. Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao agravo de instrumento, e JULGA-SE PREJUDICADO o agravo regimental. IRINEU FAVA Relator
DECISÃO JURISDICIONAL
#3
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS APÓS O AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. NEGÓCIO REALIZADO ENTRE EMPRESAS DE UM MESMO GRUPO ECONÔMICO, DIRIGIDAS ELAS POR UMA MESMA SÓCIA. MÁ-FÉ EVIDENCIADA. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 375 DO STJ. OBSERVÂNCIA DO RECURSO ESPECIAL Nº 956943/PR DO STJ, JULGADO SOB O REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS. EXISTÊNCIA DE EVIDÊNCIAS QUE PERMITEM O RECONHECIMENTO DA MÁ-FÉ CARACTERIZADORA DA FRAUDE À EXECUÇÃO, COM FULCRO NO ART. 593, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2156327-17.2015.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são agravantes FANTA EMPREEENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA, CENCIENT COMÉRCIO SERVIÇOS IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, MANDALA ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA e CHANG YA PING, é agravado BANCO BBM S/A. ACORDAM, em 24ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Fará declaração de voto convergente o 2º Desembargador.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PLINIO NOVAES DE ANDRADE JÚNIOR (Presidente) e SALLES VIEIRA. São Paulo, 15 de dezembro de 2016. ROBERTO MAIA RELATOR Agravo de Instrumento nº 2156327-17.2015.8.26.0000 Agravantes: Fanta Empreeendimentos e Participações Ltda, Cencient Comércio Serviços Importação e Exportação Ltda, Mandala Administração de Bens Ltda e Chang Ya Ping Agravado: Banco Bbm S/A Comarca: São Paulo Voto nº 11806-D Agravo de Instrumento. Execução de título extrajudicial. Fraude à Execução. Alienação de imóveis após o ajuizamento da execução. Negócio realizado entre empresas de um mesmo grupo econômico, dirigidas elas por uma mesma sócia. Má-fé evidenciada. Aplicação da Súmula nº 375 do STJ. Observância do Recurso Especial nº 956943/PR do STJ, julgado sob o regime dos recursos repetitivos. Existência de evidências que permitem o reconhecimento da má-fé caracterizadora da fraude à execução, com fulcro no art. 593, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973. Decisão mantida. Agravo não provido. VOTO Nº 11806.
RELATÓRIO: Trata-se de agravo de instrumento deduzido em razão de decisão interlocutória (fls. 732 do processo original, digitalizada a fls. 26) que, em execução de título extrajudicial, acolhendo as razões expostas pelo Banco BBM, itens “4”, “5” e “14” (fls. 705/708 do feito de origem), determinou a extensão da primeira decisão para bloqueio da matrícula nº 213.592, do 14º Registro de Imóveis da Capital. Na decisão agravada ficou consignado, ainda, que como na primeira decisão (fls. 643/647 da ação original, fls. 29/33 destes) já foi reconhecida a ineficácia das alienações entre as empresas Brasfanta e Style, desnecessária a extensão do decreto à alienação posterior, por já atingí-la em virtude da evicção e da cadeia de domínio. Houve, também, a determinação de expedição de certidão para averbação da penhora do imóvel de matrícula nº 5.601, do RI de Santos, via ARISP. Irresignadas, aduzem as agravantes, em resumo, que embora o MM. Juízo a quo tenha considerado para averiguação de fraude à execução a data do registro do título perante o Cartório de Registro de Imóveis, o fato é que nossa jurisprudência entende que a data a ser considerada é a da alienação do bem e não a do seu registro. Isso porque a posse do bem decorre da celebração do negócio jurídico, sendo suficiente para sua defesa o disposto na Súmula nº 84 do STJ. Desta forma, tem-se que, para o fim específico de verificação de fraude à execução, é relevante a data da celebração do negócio jurídico (no caso em tela, da integralização de capital que resultou na alienação dos imóveis) e não do registro do título no cartório de registro de imóveis, motivo pelo qual a decisão ora agravada não merece subsistir. Alegam que o juízo monocrático entendeu estarem presentes os requisitos trazidos pelo CPC e pela Súmula nº 375 do STJ, em especial a má-fé na aquisição dos imóveis. No entanto, não se pode cogitar a existência de má-fé no presente caso, haja vista que as integralizações de capital foram feitas antes da propositura da ação executória. Igualmente asseveram a inexistência de grupo econômico entre as agravantes, pois não há controle de qualquer das agravantes sobre a Buriqui, inexistindo também a titularidade de quotas dela, em que pese as executadas Cencient e Mandala já terem participado do quadro social daquela. Contudo, em 31/07/2013, antes do ajuizamento da ação em 22/08/2013, foi realizada a 3ª Alteração de seu contrato social, através da qual houve a alienação das executadas retro mencionadas à empresa Alsercom (doc. 19). O fato da agravante pessoa física Chang Ya Ping ter figurado (o que não ocorre mais) como diretora nas empresas recorrentes e na Buriqui, configura tão somente mero compartilhamento de gestão. Por fim, sustentam a impossibilidade de presunção de insolvência, pois as garantias prestadas são suficientes para assegurar o empréstimo em questão e os imóveis penhorados jamais fizeram parte dessas garantias. Isso porque a comprovação de insolvência depende da existência de patrimônio em nome das executadas, as quais possuem bens mais do que suficiente para garantir a execução certidões da JUCESP (doc. 21). Pugnaram, assim, pela atribuição de efeito suspensivo e, ao final, o provimento do agravo. Em sede de cognição sumária, o E. Desembargador João Batista Vilhena deferiu o efeito suspensivo almejado (fls. 283). Manifestação da parte agravada (fls. 288/298) em relação à petição de fls. 277/278, na qual as agravantes esclarecem as datas em que foram citadas. Contraminuta do agravado (fls. 351/366) pugnando pela revogação do efeito suspensivo e pela negativa de provimento ao agravo. Recurso regularmente processado. ARISP JUS 19
FUNDAMENTAÇÃO: De início, consigno que este recurso observará regras do Código de Processo Civil de 1973, aplicável à espécie em razão de ter sido ele interposto sob sua égide. De fato, pelo princípio denominado tempus regit actum, incide a lei que vigia à época do início do ciclo recursal, pois as fases processuais complexas, cujos atos se produzem sucessiva e concatenadamente, regem-se pelo regime do tempo no qual foram constituídos. Quem recorreu certamente o fez assim considerando e não pode agora ser surpreendido. Portanto, em que pese o teor do artigo 1.046 do NCPC11, sua interpretação deve se dar harmonicamente com o artigo 14 do mesmo diploma legal2, que determina o respeito aos atos já (ou em andamento para serem) praticados e situações consolidadas (ou em vias de consolidação). No mais, a despeito dos argumentos invocados no recurso, bem como do empenho dos cultos e dedicados patronos dos recorrentes, a decisão atacada deve ser mantida. Nos termos do artigo 593, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973, “considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência”. Já o entendimento atual do Colendo Superior Tribunal de Justiça, expresso na sua Súmula nº 375, é que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má fé do terceiro adquirente”. Também no que diz respeito à questão aqui discutida (fraude à execução), decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 956943/PR: PROCESSO CIVIL. RECURSO REPETITIVO. ART. 643-C DO CPC. FRAUDE DE EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. SÚMULA N. 375/STJ. CITAÇÃO VÁLIDA. NECESSIDADE, CIÊNCIA DE DEMANDA CAPAZ DE LEVAR O ALIENANTE À INSOLVÊNCIA. PROVA. ÔNUS DO CREDOR. REGISTRO DA PENHORA. ART. 659, § 4º, DO CPC. PRESUNÇÃO DE FRAUDE. ART. 615-A, § 3º, DO CPC. I. Para fins do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte orientação: A É indispensável citação válida para configuração da fraude de execução, ressalvada a hipótese prevista no § 3º do art. 615-A do CPC. B O reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente (Súmula n. 375/STJ). C A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova.
1 NCPC, art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei n0 5.869, de 11 de janeiro de 1973. 2 NCPC, art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. 20 ARISP JUS
D Inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento
de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se letra morta o disposto no art. 659, § 4º, do CPC. E Conforme previsto no § 3º do art. 615-A do CPC, presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após a averbação referida no dispositivo. (g.n.) Pois bem. A decisão agravada, evidentemente, não destoou de tais precedentes sumulares e jurisprudenciais, quando reconheceu a fraude à execução em relação aos imóveis constantes das matrículas nº 213.592 do 14º Registro de Imóveis da Capital e nº 5.601 do 1º RI de Santos. De fato, no caso sub judice, a execução foi distribuída em 22/08/2013. Já as alienações dos imóveis retro citados, respectivamente das empresas executadas Brasfanta e Mandala, a título de conferência de bens para integralização do capital social da firma Buriqui Costa Nativa Empreendimentos e Participações Ltda., foram devidamente registradas nas matrículas dos imóveis em 06/09/2013 (714/721 do feito original, fls. 170/177 destes) e 04/10/2013 (fls. fls. 711/712 do feito original, 215/218 destes). Há mais. O negócio foi realizado entre empresas de um mesmo grupo econômico, dirigidas por uma mesma sócia (Chang Ya Ping), sendo despiciendo, em tal hipótese, para o reconhecimento da má-fé caracterizadora da fraude à execução, que o negócio tenha sido realizado antes ou depois da sua citação. Ademais, como já anotado anteriormente pelo MM. Juízo a quo, “é possível verificar nas certidões de registro de imóveis que tais bens foram alienados para a socidade Buriqui. Na prática e de fato, pois, permanecem nas esferas jurídicas dos executados Brasfanta (sucessora da executada Cencient) e Mandala, ambas geridas pela executada Chang Ya Ping, revelando, dessa forma, expediente comum da mencionada blindagem patrimonial ilícita, caracterizada pelo repasse de patrimônio entre membros do mesmo grupo econômico, também verificado na espécie”. Assim, há evidências que permitem o reconhecimento da má-fé caracterizadora da fraude à execução, com fulcro no artigo 593, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973, na Súmula nº 375 e no Recurso Especial nº 956943/PR do STJ, julgado sob o regime dos recursos repetitivos, ambos do C. Superior Tribunal de Justiça, devendo ser mantida a decisão agravada. DISPOSITIVO: Termos em que, voto pelo NÃO PROVIMENTO ao agravo de instrumento. ROBERTO MAIA Relator Voto nº Agravo de Instrumento nº 2156327-17.2015.8.26.0000 Comarca: São Paulo
Agravantes: Fanta Empreeendimentos e Participações Ltda, Cencient Comércio Serviços Importação e Exportação Ltda, Mandala Administração de Bens Ltda e Chang Ya Ping Agravado: Banco Bbm S/A DECLARAÇÃO DE VOTO Acompanho o entendimento do eminente relator Desembargador Roberto Maia, pelas razões a seguir. Trata-se de agravo de instrumento tirado de ação de execução de título extrajudicial, em face da r. decisão xerocopiada à fl. 26, que estendeu os efeitos da primeira decisão (fls. 643/647, dos autos principais), para bloqueio da matrícula do imóvel nº 213.592, do 14º CRI da Capital/ SP, bem como para averbação da penhora do imóvel nº 5.601, do CRI de Santos/SP. A primeira decisão, mencionada alhures, reconheceu a fraude à execução, nos termos do art. 593, II, do ACPC, dando por ineficaz as transferências dos imóveis realizados entre as empresas Brasfanta e Mandala, à empresa Buriqui. Conforme se verifica dos autos, a execução foi distribuída em 22.08.2013, ao passo que as alienações dos imóveis retromencionados (nº 213.592, do 14º CRI da Capital/SP, e nº 5.601, do CRI de Santos/SP), deram-se aos 06.09.2013 e 04.10.2013, respectivamente (fls. 170/177 e 215/215); ou seja, posteriormente ao ajuizamento da ação executiva, a título de conferência de bens para integralização do capital social da firma Buriqui. Nos mais recentes entendimentos, para configuração da fraude à execução não basta a simples alienação do bem após a citação do réu, em demanda capaz de reduzi-lo à insolvência, à vista do que dispõe o art. 593, inciso II, do CPC/1973. É necessário, também, o registro da penhora ou a prova do conhecimento, por parte do adquirente, da existência da ação contra o alienante do bem. É este o entendimento sedimentado pela Súmula nº 375 do STJ: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente.”. Veja-se: “Superior Tribunal de Justiça Processo: AgRg no REsp 801488/RS AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 2005/0199838-1 - Relator(a): Ministro SIDNEI BENETI (1137) - Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA - Data do Julgamento: 15/12/2009 - Data da Publicação/Fonte: DJe 18/12/2009 Ementa: PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. INEXISTÊNCIA DE PENHORA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O ADQUIRENTE TINHA CIÊNCIA DA DEMANDA EM CURSO. TERCEIRO DE BOA-FÉ. FRAUDE À EXECUÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. I- Na caracterização da fraude à execução, de acordo com a Jurisprudência desta Corte, a simples existência de ação em curso no momento da alienação do bem não é suficiente para instaurar a presunção de fraude, sendo necessário, quando não registrada a penhora anterior, “prova da ciência do adquirente acerca da existência da demanda em curso”, a qual incumbe ao credor, sendo essa ciência presumida somente na hipótese em que registrada a
penhora, na forma do art. 659, § 4º, do Cod. de Proc. Civil. II- O Acórdão recorrido não se manifestou sobre a existência ou inexistência do conhecimento ou não conhecimento pelo adquirente, tendo apenas se baseado no argumento de que seria desnecessário o prévio registro para a caracterização da fraude à execução, bastando para tanto ação em curso com citação válida. III- A Sentença, porém, é bastante clara em afirmar que não houve comprovação de conluio fraudulento. IV- Embora evidente o esforço do agravante, não trouxe nenhum argumento capaz de alterar os fundamentos da decisão agravada, a qual, frise-se, está absolutamente de acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte, devendo, portanto, da decisão agravada ser mantida por seus próprios fundamentos. Agravo Regimental improvido”. No caso dos autos, o inciso II, do art. 593, do ACPC, encontra-se preenchido, conforme exposto alhures. Resta saber se referidas alienações, também sujeitavam-se, ao menos, a um dos requisitos da Súmula nº 375 do C. STJ. O registro da penhora, como é sabido, inexistia nas matrículas dos imóveis retromacionados, mas, por outro lado, há indícios suficientes de má-fé por parte do terceiro adquirente, que, no caso, é a empresa Buriqui. Isto porque, referida empresa é uma sociedade empresária com sede no mesmo endereço das coexecutadas Fanta, Brasfanta e Mandala, conforme demonstram os documentos societários juntados às fls. 300/335, e fichas cadastrais perante à Jucesp, às fls. 336/344; qual seja, Rua Gomes de Carvalho, nº 1666, 5º andar, Vila Olímpia, São Paulo/SP. E ainda, todas as empresas eram dirigidas pela mesma pessoa, a fiadora e coexecutada Chang Ya Ping, denominada “Chang”, conforme atestam os mesmos documentos citados alhures. Tal fato indica, claramente, se tratar de um grupo econômico, notadamente em face das diversas alienações de imóveis realizadas entre elas, em um curto período de tempo (matrículas nºs 537, 538, 22.442, e 5.601, do 1º CRI de Santos/SP, e 15.206, 187.005 e 213.592, do 14º CRI da Capital/SP fls. 29/33 e 26). Por fim, irrelevante o argumento de que “Chang” deixou de ser diretora das 04 empresas em 27.12.2013, pois, quando da celebração das aludidas alienações fraudulentas, era ela quem dirigia todas as referidas sociedades empresárias. Desta forma, como bem observado pelo MM. Juiz “a quo”, e reproduzido no voto do eminente relator: “(...) é possível verificar nas certidões de registro de imóveis que tais bens foram alienados para a sociedade Buriqui. Na prática e de fato, pois, permanecem nas esferas jurídicas dos executados Brasfanta (sucessora da empresa Cencient) e Mandala, ambas geridas pela executada Chang Ya Ping, revelando, dessa forma, expediente comum da mencionada blindagem patrimonial ilícita, caracterizada pelo repasse de patrimônios entre membros do mesmo grupo econômico, também verificado na espécie” (fl. 32).
Assim, bem evidenciada a prova da má-fé do terceiro adquirente, no caso, a empresa Buriqui, de rigor a manutenção da r. decisão agravada.
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Por fim, importante registrar alguns acontecimentos relevantes, a fim de se preservar os direitos dos eventuais terceiros adquirentes, relativamente aos imóveis envolvidos na fraude à execução. Na primeira decisão proferida (fls. 643/647, dos autos principais), aos 18.06.2015, foi reconhecida a ineficácia das alienações entre as empresas Brasfanta e Mandala, perante a terceira adquirente, a empresa Buriqui. E, no item nº 10.1, da referida decisão, determinou-se o seguinte: “Esclareça oportunamente o exequente se os imóveis já foram alienados pela sociedade Buriqui a terceiras pessoas, que deverão ser necessariamente intimadas, pessoalmente, do teor desta decisão, para preservação de seus direitos”.
Posteriormente, na r. decisão ora agravada (fl. 732, dos autos principais), o MM. Juiz “a quo” constou que: “Nos termos da decisão de fls. 643/7, já reconhecida a ineficácia das alienações entre as empresas Brasfanta e Style, desnecessária a extensão do decreto à alienação posterior, por já atingi-la em virtude de evicção e da cadeia de domínio”.
Ou seja, ao que tudo indica, a empresa Style, que não é parte no processo executivo, adquiriu alguns destes imóveis da empresa Buriqui, ocorrida em 24.10.2013, segundo consta do infográfico da Style; a qual, por sua vez, teve declarada por ineficaz as alienações anteriores, quais sejam, quando referidos imóveis foram transferidos ao seu patrimônio pela empresa Brasfanta e Mandala. Neste sentido, a fim de preservar os interesses de terceiros adquirentes, recomendável que seja admitida a intervenção da empresa Style YP Empreendimento Imobiliário Ltda, como assistente neste agravo de instrumento, conforme, aliás, foi pleiteado pela mesma às fls. 416/432, do agravo, dando-se vista às partes da documentação juntada. Postas estas premissas, pelo meu voto convergente, negava provimento ao recurso, tal como o ilustre relator sorteado, com recomendação. Salles Vieira, 2º Desembargador.
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Presidente: Francisco Raymundo Vice-Presidente: Flauzilino Araújo dos Santos Diretor Financeiro: Rosvaldo Cassaro Diretor da Coordenadoria Geral: George Takeda Diretor de Tecnologia da Informação: Armando Clapis Secretário: Jersé Rodrigues da Silva
CONSELHO FISCAL
Ano II
No 10 Fevereiro/2017
Informativo jurídico especializado
Carlos André Ordonio Ribeiro Adriana Aparecida Perondi Lopes Marangoni Frederico Jorge Vaz de Figueiredo Assad
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